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Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais
66
Neste número:
Saneamento Básico no Brasil
Tecnologia, Informação e Sociedade
Cultura das Organizações
Teoria e Método no Legislativo Brasileiro
Eleições, Economia e Ciclo Político
EDITORA HUCITEC
ISSN 1516-8085
bib
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais
BIB - Revista Brasileira d e Inform ação B ibliográfica em Ciências Sociais (ISSN 1516-8085} é uma publicação semestral da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) destinada a estimular o intercâmbio e a cooperação entre as
instituições de ensino e pesquisa em Ciências Sociais no país. A BIB c editada sob orientação de um editor, uma comissão editorial e um
conselho editorial composto de profissionais vinculados a várias instituições brasileiras, E-mail: <bib@anpocs.org.br>.
Conselho Fiscal: Antonádia Monteiro Borges (UnB); Isabelle Braz Peixoto da Silva (UFC); Magda de Almeida Neves (PUC-MG)
Comissão Editorial: Emerson Alessandro Giumbelli (UFRJ); José Eisenberg (luperj); José Sérgio Leite Lopes (MN/UFRJ); Maria Celi
Scalon (luperj)
Conselho Editorial: Gustavo Lins Ribeiro (UnB); Jane Feipe Beltrão (UFPA); João Emanuel Evangelista de Oliveira (UFRN); Jorge
Zaverticha (UFPE); Llvio Sansone (UFBA); Lúcia Bógus (PUC/SP); Helena Bomeny (CPDOC-FGV/RJ); Magda Almeida Neves
(PUC/MG); Paulo Roberto Neves Costa (UFPR); Roberto Grün (UFSCar)
Edição
Assistente Editorial: Mírian da Silveira
Copidesque/preparação/revisão de textos: Gislaine Maria da Silva
Versão/tradução de resumos: Jorge Thierry Calasans (francês) e Júris Megnis Jr, (inglês)
Editoração eletrônica: Editora Hucitec
Semestral
Resumos em português, inglês e francês
Título até o n, 40, 1995: BIB: Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais.
ISSN 1516-8085
CDD 300
Apoio:
ED IT O R A
CNPq Ministério Ministério da
da Educação Ciência e Tecnologia GO VER NO FEDERAL
H U C ITE C
Im p re s s á o e a c a b a m e n to :
GRÁFICA AVE-MARIA
fSSN 1516-6085
bib
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais
Sumário
Ana Cristina Augusto de Sousa c historiadora e mestre em Ciência Política pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é doutoranda do Programa de Saúde Coletiva da
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz. E-mail: crisantema_s@bol.c0m.br.
Daniel Guerrini é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Atual
mente é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Suas áreas de pesquisa são: Tecnologias da Informação e Comunicação e
Informática Aplicada à Educação e à Pesquisa. E-mail: daniel_guerrini@hotmail.com.
Manoel Leonardo Santos é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e especialista em Poder Legislativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gecais.
Atualmente é doutorando em Ciência Política pela UFPE, onde desenvolve, ém cooperação com o
Centro de Estudos Legislativos (CEL) do Departamento de Ciência Política da Universidade Fede
ra! de Minas Gerais e a Universidad de Salamanca, Espanha pesquisa sobre a influência dos grupos
de pressão no sistema político brasileiro.
Nilson do Rosário Costa é pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz e professor adj unto do
Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail:
nilsondorosario@terra com.br.
Ricardo Borges Gama Neto é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e professor adjunto II da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Atua nas áreas de
Políticas Públicas; Teoria Política Contemporânea; Economia Política: Métodos eTécnícas de Pesqui
sa e Análise de Dados Quantitativos. E-mail: ricardobgneto@gmail.cbm.
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esgotamento e drenagem foi o Planasa, formu existência do BNH e, conseqüentemente, do
lado pelo Governo federal ao longo da década próprio Planasa. A partir de então, houve uma
de 1960 e lançado em 1970. Esse Plano foi o pulverização insritucional do setor de sanea
responsável pela criação de companhias esta mento que incluiu a transferência das institui
duais e pelo arcabouço institucional que vigora ções federais encarregadas das políticas urba
aré hoje na prestação dos serviços de saneamento nas entre diferentes ministérios, é de suas
do país. Com o objetivo de eliminar o déficit funções entre diferentes secretarias, até 1995.
de abastecimento de água e de esgotamento Isso dificultou a recriação de um espaço insti
sanitário adequado, o Plano previa alcançar, em tucional definido, como houvera nos 1970,
1990, uma cobertura de acesso à água para para a formulação e gestão dos programas de
90% da população urbana e de 65% para a de saneamento.
esgotamento sanitário adequado. Porém, não As iniciativas governamentais a partir de
houve fixação de meras para a drenagem das então se revelaram pontuais e desarticuladas,
águas pluviais, manejo de resíduos sólidos e enquanto a Política Nacional de Saneamento
limpeza, pública. permaneceu sem regulamentação por toda a
Visando desenvolver uma política para o década de 1990, apesar de diversas tentativas
setor, o Planasa conseguiu ampliar, entre 1970 (Turolla e Ohira, 2007, p. 201). As compa
e 1991, de 32,8% para 70,7% o número de nhias estaduais passaram a conviver com a crise
domicílios com fornecimento de água ligado à financeira, ampliada pelas dívidas acumuladas.
rede geral, e de 26,4% para 52,4% o número As funções de agente financeiro central dos sis
de domicílios com esgoto ligado à rede geral ou temas financeiros de habitação, e saneamento
fossa séptica (IBGE, 1970; 1991). A destina- foram transferidas do BNH à Caixa Econômica
ção de recursos para esse Plano, no entanto, Federal e os recursos do FGTS passaram a ser
nunca atingiu 1% do PIB. concorridos por outros setores sociais. O resul
O esgotamento do Planasa se deu em mea tado foi uma drástica redução de investimen
dos da década de 1980, após a extinção do tos no setor, o que gerou um forte entrave para
Banco Nacional de Habitação (BNH) em o avanço dos serviços de saneamento no país.
1986, principal fonte de financiamento do A Constituição de 1988, por sua vez, in
setor. A revogação do Decreto n° 82.587/78 troduziu importantes aspectos nas questões le
em 1991, pelo então Presidente Fernando gais que envolvem o investimento no setor. Em
Collor de Mello, enterrou a única regulação primeiro lugar, com o objetivo de comprome
existente para as companhias estaduais em ní ter todos os entes federados com o setor, a Cons
vel federal no âmbito desse Plano, o que aca tituição determinou competência comum na
bou por selar o fim do mesmo. Dois fatores área de saneamento para União, estados e mu
concorreram de forma especial para a crise que nicípios, mas não especificou as respectivas atri
culminou no esgotamento do Planasa: a reces buições cabíveis a cada um deles dentro dessa
são econômica da década de 1980 e a mudan atividade. Essa omissão resultou no primeiro
ça do marco jurídico-institucional proveniente impasse para a definição de um novo arcabou
da redemocratizaçáo brasileira que resultou na ço jurídico-institucional para o setor após o fim
Constituição Federal de 1988. do Planasa. Em segundo lugar e mais impor
A crise do endividamento externo e o de tante, apesar de atribuir aos municípios a com
clínio dos recursos do FGTS em face do de petência sobre a prestação dos serviços de sa
semprego na década de 1980 retraíram as fon neamento, a norma constitucional de 1988
tes que financiavam o setor, inviabilizando a abriu brechas para que os estados da federação
7
reivindicassem a assunção dessa atividade. Se, O economista R. Bielschowsky (2002,
por um lado, no artigo 30 da Constituição, o apud^úzxiu 2007, pp. 40-1) afirma que o sa
saneamento aparece como um serviço de inte neamento básico foi, entre os setores de infra-
resse local, gerido, portanto, pelo município; estrutura, um dos que mais sofreram uma sen
por outro, no artigo 25, parágrafo 3o, reco sível queda de investimentos nas décadas de
nheceu-se a possibilidade de os estados “ins 1980 e 1990. Segundo seu estudo, as médias
tituírem regiões metropolitanas, aglomerações investidas a partir de então jamais se aproxima
urbanas e microrregiões para integrar a organi ram das médias dos anos 1970, na vigência do
zação, o planejamento e a execução de funções Planasa. Durante o Plano, diz ele, as médias de
públicas de interesse comum” (Brasil, 1988). investimento anuais do Governo federal varia
Isto significa dizer que, de acordo com o artigo ram entre 0,3 e 0,4% do PIB, o que elevou,
25, parágrafo 3o, se o saneamento fosse inter como vimos anteriormente, a cobertura de água
pretado como uma função pública de interesse e esgotamento nos domicílios brasileiros.
comum nas regiões metropolitanas, caberia, Segundo cálculos atuais do governo, para
portanto, a gestão dessa atividade ao Governo universalizar o acesso ao saneamento em nosso
estadual através da fixação de uma lei com país até 2020, seria necessário investir anual
plementar. mente 0,45% do PIB até esta data, supondo o
Essa ambigüidade gerou uma indefinição crescimento do PIB em 4% ao ano (Brasil,
jurídica acerca da titularidade sobre a prestação 2003). Para a O.NU, no entanto, esse investi
dos serviços de saneamento no país que culmi mento deveria ser de, no mínimo, 1% (Pnud/
nou, na maior parte das regiões brasileiras, em ONU, 2006, p. 8). O problema nesses cálcu
conflito entre estados e municípios, que corre los é constatar, através dos dados do Ipea (Fi
ram à J ustiça para assegurar a sua titularidade gura 1), que a média dos investimentos fede
sobre a prestação desses serviços. Por envolver rais de 1995 até 2006 não ultrapassou 0,1%
matéria constitucional, a questão encontra-se do PIB, o que se faz muiro aquém do necessá
ainda hoje à espera de decisão no STF. rio para alcançar a universalização.
Figura 1
Gasto Federal com Saneam ento como Proporção (%) do PIB
B rasil (1995-2006)
0,25
* 0,23
0,2
* 0 ,1 8 / \
0,15
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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2 0 0 4 2005 2006
ano
Fonte: Ipea/Disoc. Estimativas anuais a partir dos dados do Siafi/Sidor, daí Contas Nacionais do IBGE e do FGTS
da Caixa Econômica Federal. Disponível em: <http//www,datasus.gov.br>. IDB Brasil 2007. Indicadores de
recursos: E13-1
S
Diante de cal subfinanciamento, tornou- distante da meta estabelecida, com apenas 30%
se inevitável o comprometimento do avanço de chances de ser alcançado (Brasil, 2008). Essa
da cobertura populacional nos últimos anos afirmação confirmou um cenário anteriormen
(Figura 2). te divulgado por estudo da FGV de 2007,
No acordo firmado pelos países-membros segundo o qual a universalização do acesso ao
da ONU na Cúpuia do Milênio do ano 2000, esgoto tratado - a melhor solução em se tratan
a data para cumprimento da meta para a uni do de esgotamento sanitário adequado - só seria
versalização do acesso ao saneamento básico é o atingida em 2122, ou seja, daqui a 115 anos!
ano de 2025. Porém, a meta intermediária exi (Neri, 2007). A situação do esgotamento sani
gida para o atendimento dos objetivos de de tário inadequado representa, definitivamente,
senvolvimento do milênio (ODM) impõe que um grande risco para a integridade dos ma
se reduza pela metade, até 2015, a população nanciais hídricos, especialmente diante de
que, em 1990, não dispunha desses serviços. um cenário próximo de escassez de água doce
Isso significa eíevar o acesso à água potável e ao no mundo. Isso torna a universalização de seu
esgotamento sanitário adequado para 84,88% acesso um ponto prioritário na pauta do sanea
e 69,71% da população brasileira, respectiva mento básico.
mente, até 2015. Apesar da percentagem sobre o PIB aplica
Estudo recente do Ministério das Cidades da em saneamento ter diminuído na gestão
afirmou que, diante dos investimentos recen Lula, como vimos na Figura 2, o ex-Secretário
tes, teríamos 70% de chances de conseguirmos Nacional de Saneamento Ambiental Abelardo
atender à méta para o caso do acesso à água. Oliveira Filho argumenta que, durante sua
Em via oposta, não disse o mesmo para o acesso gestão (2003-2006), o governo contratou 10,5
ao esgotamento sanitário, o qual considerou bilhões de reais em contraposição aos 15,5
Figura 2
Moradores com Acesso ao Abastecimento de A gua e Esgotamento Sanitário
Brasil (1995-2007)
90
80 72,26 7 1 .B 6 73.23 74,26, 75.8» 76.07 7 7,3 3, 77,96 77,64 77,95^ 7 9 , 3 3 3 ^ 8 4 , 8 8
69^
I 69,71
g 70
g 60
0 50 ,, „ 4 3 SQ_ 46,46 44 87 45,94_ 47,70 47,95_ 48,11_ 4a,70_
3 8 i9 7 40,67 40.B2 42,23 ----------- ' ----------- ■----------■--------- * --------- * ----- * 48,75
1 40
S 30
20
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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 META
2015
-A b aste cim e n to de água (rede geral) —■ — Esgotam ento sanitário (rede geral total e fossa séptica rural)
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bilhões dos. oito anos do governo anterior (Oli de civil a criação de um novo modelo institucio
veira Filho, s.d.). Para Marcelo C. Vargas, po nal para o setor, que preenchesse o vazio no
rém, embora a previsão de gastos federais neste qual o mesmo se encontrava. Desse debate,
setor tenha aumentado consideravelmente na surgiu o Projeto de Lei n° 199/93, que busca
administração Lula (5,2 bilhões de reais no bié va instituir a Política Nacional de Saneamento
nio 2003-2004), a maior parte desses recursos segundo os princípios da descentralização, ações
(que inclui a contratação de empréstimos oriun integradas (água, esgoto, lixo e drenagem) e
dos do FGTS e recursos empenhados no orça controle social {Brasil, 1993). A concepção de
mento geral da União) segue Sendo renda ou saneamento básico se ampliou para a de sanea
“contingenciada”, como na gestão deFHC, para mento ambiental e incluiu drenagem pluvial e
atender ao compromisso fiscal do governo fe manejo de resíduos sólidos, além do controle
deral de atingir um superávit primário equiva de vetores e roedores.
lente a 4,25% do PIB nas contas públicas (re Q projeto foi então aprovado pelo Con
ceita menos despesas, excluído o pagamento gresso Nacional, mas vetado integralmente pelo
de juros sobre a dívida) (Vargas, 2005). Por Presidente Fernando Henrique Cardoso em
isso, afirma que os gastos federais em sanea 1994, sob alegação de “contrariar o interesse
mento do governo Lula no biênio 2003-2004 público”. Como alternativa, o presidente dina
foram os menores dos últimos dez anos, consi mizou, seguindo as orientações do Banco Mun
derando apenas os recursos efetivamente libe dial, o Programa deModernrzação do.Setor de
rados para investimento e custeio, isto é, liqui Saneamento (PMSS), idealizado no Governo
dados {idern). Coilo r. Tal programa, conduzido de maneira
Embora o subfinanciamento do setor seja “insulada” por um conjunto de economistas
um entrave para o cumprimento das metas de vinculados ao Ipea, acabou excluindo do pro
universalização, ele não explica, por si só, o au cesso de agenda-settingas entidades represen
mento residual da cobertura nos. últimos anos. tativas do setor (Costa, 1998; p. 85).
Na verdade, a ausência ou insuficiência de in O objetivo do PMSS era diagnosticar e
vestimentos indicaria a existência de uma lógi propor diretrizes paia a ‘modernização” do se
ca ou de um conjunto de razões que impediria tor através de seu reordenamento jurídico-ins-
ou dificultaria a alocação de recursos nesse se titucional e aumento de eficiência global para
tor, comprometendo assim a universalização da que se alcançasse a universalização do acesso à
cobertura. Os autores analisados nesta revisão água e ao esgotamento adequado até 2010. As
propõem identificar as causas que explicariam estratégias para tanto seriam aumentar o inves
o baixo desempenho do setor no Brasil a partir timento na área, mediante a ampliação de con
da década de. 1990. E isso que será abordado cessões ao capital privado, e instituir um novo
na próxima seção. marco regulatório para o setor (Vargas e Lima,
2004, p. 74). Tal programa encontrava-se em
A Explicação do Baixo Desempenho consonância com a agenda do Banco Mundial
Setorial do Saneamento no Brasil: sobre o assunto, segundo a qual seria necessária
Balanço dos Resultados a abertura do setor para a iniciativa privada,
baseada numa regulação mais segura para os
Diante da crise institucional instalada a investidores internacionais ligados ao setor de
partir do fim do Planasa, entidades representa água no mundo (Borja, 2005, p. 5).
tivas e profissionais do setor passaram a debater Na época, o Brasil respirava os ares do
entre si e junto ao Governo federal e à socieda ajuste estrutural ditado pelo Consenso de
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Washington (1989), cujo receituário paia os públicas, segundo a qual caberia aos governos
países em desenvolvimento pressupunha uma atribuir prioridade aos setores sociais efetiva-
redefinição do papel do Estado e das políticas mente.fundamentais, Tal orientação fortaleceu
sociais. O Consenso de Washington condicio o papel compensatório das políticas públicas,
nou o acesso aos financiamentos internacionais retirando o seu caráter universal em nome de
ao cumprimento da agenda neoliberal, segun uma perspectiva focalista, segundo a qual se
do a qual OEstado deveria reduzir sua partici visa atender os segmentos populacionais mais
pação na economia nacional, de forma a não vulneráveis.
intervir, mas sim regular a mesma, abrindo es Essa lógica do Banco Mundial e do FMI
paço para o investimento privado em amplos decorre das teses relativas à ineficácia das políti
setores produdvos da sociedade, entre os quais, cas sociais e de sua captura pelos estratos de
o de saneamento. O Estado passou a ser enten maior renda, sendo dever do governo corrigir
dido não mais como o provedor de serviços tais desequilíbrios. Essa programática inclui,
públicos, mascomo promotor e regulador, de também, o aumento da participação de prove
vendo estabelecer suas funções de acordo com dores privados nos serviços básicos até então
sua capacidade. prestados predominantemente pelo setor pú
Os programas de ajuste estrutural necessá blico, como saúde, educação, assistência aos
rios ao fortalecimento das políticas macroeco segmentos mais pauperizados e saneamento,
nômicas formuladas pelas agências multilate- entre outros, desde que rentáveis.
rais internacionais, entre elas o FMI e o Banco Para o economista Eduardo Fagnani
Mundial, se baseavam em três elementos bási (2005), a estratégia macroeconômica dos anos
cos: redução dos gasros públicos; realocação de 1990, sob influência das agências internacio
recursos necessários ao aumento de superávits nais, minou as bases financeiras e institucionais
na balança de pagamentos; e reformas visando do Estado, debilitando a sua capacidade de
ao aumento da eficiência do sistema econômico. intervenção nas políticas sociais, em particular.
As principais diretrizes dos organismos in Segundo o autor, a estratégia macroeconômica
ternacionais recomendavam que a Reforma do e de reforma do Estado, central e hegemônica
Estado fosse orientada para o mercado, exigin na agenda governamental, foi incompatível
do o abandono de instrumentos de controle com as possibilidades efetivas de desenvolvi
político e a restrição na alocação de recursos mento e inclusão soçial.
públicos, principalmente na área social. As agên Embora tenha analisado os impactos dessa
cias de cooperação internacional, especialmen estratégia em diversas políticas sociais, Fagnani
te o Banco Mundial e FMI, articularam uma não considerou as dinâmicas institucionais es
aliança tecnocráüca transnacional, com o obje pecíficas e próprias das políticas setoriais da área
tivo de racionalizar os investimentos nessa área, social, isto é, a capacidade de intermediação de
diminuindo o papel do Estado como presta interesses na aiena setorial. Ao defender uma
dor direto dos serviços e fortalecendo as ações tese generalizante dos efeitos da estratégia macro
de natureza privada na provisão dos mesmos. econômica sobre as políticas sociais em geral, o
O cumprimento dessa programática exi autor se aproximou de uma abordagem mais
giu a complementaridade entre Estado e mer estruturalista dentro do campo teórico das
cado, ou seja, a iniciativa privada apareceu como Ciências Sociais.
o novo. conteúdo na execução das funções A tese de Fagnani é compartilhada tam
públicas. Nessa ótica, o Banco Mundial incen bém por Sonia Mercedes (2002) em estudos
tivou a adoção de sua concepção de políticas setoriais sobre energia elétrica e saneamento no
11
Brasil em tempos de ajuste liberal. Para ela. ás na divisão internacional do trabalho, determi
recorrentes crises econômicas, somadas ao mo nou a posição do Brasil como mercado consu
delo de crescimento adotado, industrial e ur midor dos insumos estrangeiros, determinou
bano, além de reforçarem de forma estrutural o também a implementação dos serviços de sa
perfil de exclusão e de concentração de renda neamento no país e a relação dos seus gestores e
já então configurados espacialmente, impuse formuladores com a sociedade. Isso fez com
ram também, especialmente na década de que os últimos privilegiassem, no presente, os
1990, restrições ao financiamento dos serviços interesses do capital internacional, em detri
de infra-estrutura. Para a autora, sobretudo no mento das necessidades do povo brasileiro. Para
período em que os ajustes macroeconômicos ela, o enfrentamento das desigualdades gera
exigiram a redução da intervenção do Estado das passaria, antes de tudo, pela escolha políti
na economia, “a ausência de políticas prévias ca (pp. 372-3).
de garantia de atendimento universal resultou Na mesma linha, o economista Mello Justo
em circunstâncias que fogem totalmente ao es (2004, p. 64) argumenta que, com a mudança
copo dos modelos de reestruturação desenvol do modelo econômico miciado na década de
vidos para os serviços públicos” (idem, ibideni] 1990, o crescimento industrial foi preterido
nos últimos anos. Nesse período, a tentativa de em favor da acumulação financeira e da sus
extinguir as políticas governamentais que per tentação de altas taxas de juros mantidas pelas
mitiram algum ácèsso a esses serviços resultou ações do Estado. Segundo o autor, essa mu
no retrocesso das condições saturarias exatamen dança também afetou a percepção do governo
te nos segmentos e nas regiões onde a pobreza sobre o saneamento: de serviço público essen
estruturalmente se concentrava (p. 372). A cial tornou-se atividade econômica pautada peía
autora afirma ainda que, no Brasil, o caráter do lógica empresarial. Para ele, a mudança de prio
déficit de acesso aos serviços de saneamento é ridades ao governo explicaria a crise do setor a
estrutural. Isso porque os significativos aumen pârtir dessa data: “o saneamento perdeu desta
tos de cobertura ocorridos nas últimas décadas que e, conseqüentemente, acesso a recursos para
não foram capazes de eliminar o déficit cie aces financiamento” (idem, ibidem). Com base nos
so relacionado à localização geográfica (áreas estudos deMontenegro (1999; 2000), Mello
rurais e pequenas cidades) e ao nível de renda Justo (idem, p. 54) argumenta ainda que, embo
dos usuários (pobres) (p; 131). Pará ela, a desi ra o governo se interessasse em financiar o sane
gualdade social, historicamente constituída no amento apenas com as receitas tarifárias, o
país, precederia e condicionaria esse déficit de FGTS dispunha de recursos suficientes para
acesso aos serviços por parte da população. realizar a universalização do saneamento no
A permanência desse déficit de acesso pode Brasil até 2010. Tais recursos foram, no entan
ser explicada, segundo a autora, em função do to, utilizados para o pagamento dos juros da
próprio modelo capitalista de acumulação ado dívida pública do país.
tado, excludente e periférico. Esse modelo, por Em 1999, no acordo de ajuste estrutural
sua vez, integra um sistema internacional de firmado com o FMI, o governo se comprome
poder, que não pode ser desconsiderado. Dessa teu a incluir o saneamento no programa de
forma, as políticas sociais brasileiras sofreriam, privatizações do Brasil, considerado um dos
portanto, dupla pressão: uma de natureza exó mais ambiciosos do mundo (Brasil/FMI, 1999),
gena, outra de natureza endógena ao padrão segundo palavras do próprio documento.
de desenvolvimento nacional. Sobre a primei Conforme a engenheira Patrícia Borja (2004;
ra, a autora sustenta que a mesma lógica que, 2005), as instituições financeiras internacio-
12
nais vêm atuando na definição da política de marcado pela concentração de renda {idem, ibi
saneamento do Brasil desde o início do século dem , pp. 234, 259). Embora apontem essa li
XX e nunca deixaram de atuar desde então. gação, tais autores não aprofundam a discus
Assim como os demais autores, ela defende que são, não esclarecendo os modos pelosquais esse
"a diretriz neoliberal influenciou dramatica “contexto crônico de crise social” vem afetando
mente o setor de saneamento”, determinando especificamente o setor de saneamento.
“uma redução drástica dos investimentos no Diferentemente da abordagem verificada
setor” (idem , 2005, p. 5), mas acrescenta que nos autores anteriores, á corrente neo-institu-
isso deu com vistas a um objetivo definido, a cionalista das Ciências Sociais valoriza, de for
saber, à sua privatização. Essa opinião é igual ma central, o papel das instituições no com
mente compartilhada por outros autores, como portamento das polídcas e dos atores polídcos.
Oliveira Filho e Moraes (1999), Rezende e Desse modo, as dinâmicas ínsritucionais espe
Heller (2002). cíficas e próprias das políticas setoriais da área
Borja (2005, p. 5) afirma que as IFIs atua social e a capacidade de intermediação de inte
ram decisivamente na definição das estratégias resses na arena setorial adquirem relevância cen
adotadas por FHC para privarizar esses sem- tral nas análises neo-insdtucionalistas sobre polí
ços, entre as quais, podemos listar a limitação dcas públicas. Nilson Costa (2002, pp. 13-21),
de recursos aos municípios interessados em in por exemplo, afirma que a estabilização macro
vestir no setor e a execução de programas foca econômica afetaria sim severamente alguns se
lizados. Para comprovar sua tese, Borja enume tores de política social, como o saneamento e a
ra as iniciativas governamentais tomadas no habitação, mas não aqueles nos quais as coali
campo legal e financeiro para dar suporte à fu zões de interesses tiveram capacidade de mobi
tura privatização do setor, o que incluiu, entre lização e de acomodação de interesses, como foi
outras medidas, a estrangulacão dos operado o caso da saúde. Para ele, diferentemente do
res públicos desses serviços, também destacada que ocorreu no setor de saneamento, em que se
por Oiiveira Filho (e Moraes, 1999, s.d.) e Re verificou a focalização de programas sociais ao
zende e Heller (2002), Apesar de ser explícita longo da década de 1990, na saúde a gover
em focar o papel das IFIs na defimção da agen nança setorial teve sucesso na estabilização dos
da para o setor, Borja não considera, porém, e gastos públicos federais, sem alterai" os funda
nem mesmo menciona, o papel e a atuação dos mentos da proposta da universalização pela
outros grupos de interesse ligados a ele, como descentralização.
os profissionais da área e as associações munici Ao analisar as transformações das políticas
pais e estaduais de saneamento, que resistiram públicas e das novas formas de gestão propos
arivamente à privatização desses serviços. tas para o setor de saneamento nos anos 1990,
Na mesma linha, Rezende e Heller (ibi o arquiteto Zveibil concluiu, com ba^e na teo
dem , p. 258) concordam com a idéia de que “a ria de Claus Offe (1984) sobre os grupos de
atuação do poder público pretende favorecer a interesse, que o veto do presidente ao Projetó
acumulação privada do capital, a concentração de Lei n° 199/93:
de renda e o crescimento dás oligarquias nacio
nais, representadas pelo setor financeiro e pelas [...] consrimíti-se num forre rompimènro da
grandes empreiteiras”, mas acrescentam que a aliança entre Estado e os grupos de interesse,
situação do saneamento reflete uma crise maior na medida em que a construção desse proje
do país, de um “contexto crônico de crise social”, to de lei envolveu grande articulação dos
gerado por um modelo de desenvolvimento agentes do setor e também da burocracia
13
federal (ainda que em um cenário de fragili período por ele analisado ocorreram}além das
dade institucional) com os representaQtes restrições macroeconômicas, devido aos seguin
legislativos (Zveibil, 2003, pp. 88-9). tes aspectos principais: (1) constrangimentos
de recursos como instrumento de pressão para
Por tudo isso, acabou gerando: privatização; (2) limitações récmco-burocráti-
cas na relação demandantes-operacionalizado-
[...] forte reação que conduziu à criação da res de recursos e interesses da tecnoburocracia
Frente N acional pelo Saneamento, congre das principais agências envolvidas no financia
gada por várias entidades do setor, que con
mento; e (3) reduzidas intersetorialidade, inte-
testaram conceitos e princípios fundam en
gralidade das ações, descentralização e controle
tais do PM SS e se mobilizaram para obstruir
a aprovação dos projetos de lei formulados
social. Como vemos, mesmo considerando os.
dentro do Programa ( idern., p. 103). fatorès exógenos ao setor, ele conclui que “não
foram apenas motivos externos ao setor que
Para o autor (p. 102), “a cisão entre os ato determinaram a baixa efetividade e eficácia da
res do setor, a radicalização dos conflitos sobre política; há razões endógenas no setor para os
paradigmas cruciais para a definição de políti resultados alcançados, que precisam ser reco
cas e a incapacidade do PMSS em construir nhecidos e enfrentados” (p. 210).
uma proposta mitigadora desses conflitos” in Nessa mesma linha de preocupação, o
viabilizaram a transformação das propostas de economista César Saiani (2007i p. 187) enu
políticas para o setor em legislação federal du mera uma série de questões institucionais, fis
rante toda a gestão FHC. Noutras palavras, esse cais e internas ao setor no BrasiS, que, na sua
processo engessou a criação de uma nova enge ótica, vem restringindo a expansão dos investi
nharia institucional para atender às demandas mentos:
do setor de saneamento no Brasil.
[ . . .] (i) problemas institucionais - fragmen
Outro autor que chama, a atenção para as
tação das responsabilidades e dos recursos
questões endógenas ao setor é o engenheiro federais, indefinições regulatórias, irregulari
André Monteiro Costa (2003, p. ix). Para ele: dades contratuais; (ii) poucas fontes alterna
tivas de financiam ento; (iii) baixa eficiência
[...] a baixa efetividade alocativa pode ter sido operacional e financeira (fraco desempenho)
decorrente de restrições macroeconôm icas dos prestadores de serviços, especialm ente
e como mecanismo de pressão para a privati os públicos; (iv) regras fiscais - metas de
zação dos serviços, tuas tainbém por estraté superávit, lim ites de endividamento e con-
gias e procedimentos inadequados do gestor, tingenciam ento de crédito ao setor púbíico;
apontando para problemas técnico-gerenciais. e (v) alta tributação.
Ao avaliar a política nacional de saneamento Para ele, contribui ainda com essa situação
entre os anos 1996 e 2000, o autor afirma que a própria earacterísdca do déficit de acesso aos
a opção preferencial do governo pela privati serviços no Brasil, que se encontra intimamen
zação aponta para “evidências de que Os for- te relacionado ao perfil de renda dos consumi
muladores (da privatização) não consideraram dores (idem, pp. 262-3).
devidamente as especificidades do setor" (idem, Saiani sustenta ainda que o fato de os pres
p. 2 1 2 ). tadores públicos estarem submetidos a metas
Para Costa (pp. ix, 209-10), a baixa efeti fiscais para a condução estável da política ma
vidade e eficácia observada no setor durante o croeconômica e mais suscetíveis às interferén-
14
cias políticas governamentais faz aumentar a metas de expansão e universalização com maior
chance de que a prestação de serviços por ope eficiência” (Seroa da Motta, 2004, p. 23).
radores púbücos não s e ja tão eficiente quanto Ainda com o foco na gestão, Faria explica a
poderia vir a ser. Ao comparar o desempenho baixaperform ance dos setores de saneamento
de prestadoras públicas e privadas, de natureza em sistemas centralizados e controlados direta
local e regional, o autor conclui que os serviços mente pelo governo - como predomina no
privatizados e/ou descentralizados de saneamen Brasil - attavés da Teoria do Equilíbrio de Baixo
to mostraram-se mais eficientes que os geridos Nível (Faria et a i, 2003, pp. 115-40). Segundo
pelos operadores públicos centralizados. Por essa teoria,
isso, defende a privatização e/ou a descentrali
zação como as melhores alternativas para a re dadas certas condições iniciais e a existência
tomada dos investimentos no setor (p. 267). de um arranjo institucional que não restrinja
a interferência política nas empresas de sanea
Destaca, porém, que, como o déficit de acesso
mento, cria-se um “oportunismo político"
se localiza em áreas de menor retorno econômi para uma prática tarifária com preços abaixo
co do investimento —mais pobres e menos aten dos custos dos serviços, desencadeando uma
didas —,a atuação do Governo federal, inves série de conseqüências indesejáveis e que
tindo e planejando as ações de todos os agentes reproduzem o ciclo vicioso de baixa perfor
envolvidos, torna-se fundamental para garan mance dos serviços {idem, p. 115).
tir a universalização dos serviços de saneamen
to (p. 267). Tais conseqüências são refletidas na cober
Na mesma linha, Toyojidenozaki (2007, tura. Essa teoria, usada para explicar diversos
p. 104) enumera os mesmos motivos que Saia- casos, como o da Argentina, o do Chile, o do
ni para a crise do setor, mas acrescenta ainda Peru, o do Equador e, mais recentemente, o do
que, nos casos por ele estudados, públicos e Brasil, sustenta que o arranjo insdtucional em
privados, relativamente bem-sucedidosj o fa que se dá a prestação desses serviços é, em últi
tor tarifário foi condição essencial para a ala ma instância, o responsável pela baixa perfor
vancagem da retomada, da qualidade e da efi mance do setor.
ciência dos setviços de saneamento básico. Sem A despeito dos esforços do Govemo federal
ele, diz o autor, dificilmente a prestadora con em privatizar o setor, as tentativas dos governos
seguiria angariar recursos para o investimento estaduais em privatizar as respectivas concessio
no setor. Embora afirme que a privatização nárias de saneamento em vários estados brasilei
possa até ser uma alternativa, Toyojidenozaki ros durante o governo FHC esbarraram na im
alerta que “ela, por si só, não garante um bom possibilidade de se transferir as concessões dos
resultado” (idem, p. 105). O engenheiro Seroa serviços municipais englobados nesses esrados
da Morta, do Ipea, concorda e acrescenta que aos investidores privados, sem prévia autoriza
“a ausência de regulação tarifária tem dissipado ção e compensação aos municípios conceden-
as eficiências e permitido a prática de tarifas res. A já citada indefinição jurídica a respeito
monopolistas” (Seroa da Motta e Moreira, da competência em relação ao setor provocou
2004, p. 2). Em seus estudos, sustenta que, sérias disputas judiciais entre estados e municí
“na ausência de incentivos à eficiência, os ope pios em todo o país, o que acabou por criar um
radores dissipam o seu potencial de produtivi obstáculo jurídico-instirucional seríssimo para
dade e aplicam tarifas mais altas” (p. 17). Para o investimento em municípios que desejam
ele, a atenção deve se concentrar “na discussão romper as concessões com o Estado e privatizar
de uma política tarifária que incentive atingir ou municipalizar seus serviços de saneamento.
15
Segundo o raciocínio de Arretche (1999, ções em qualquer área de políticas públicas
p. 118), tal obstáculo teria sido uma das causas - na ausência de imposições constitucionais
para que a privatização desses serviços não tenha - está diretam ente associada à estrutura de
evoluído. Para essa autora, as empresas de água incentivos oferecida pelo nível de governo
e esgoto, privadas ou públicas, consideram des interessado na transferência de atribuições
{ibidem, p. 119).
vantajoso investir vultosas somas em obras desse
porte numa realidade de insegurança jurídico-
institudonal elevada. Dessa forma, diante do Daí a inferência a respeito do setor de sa
risco, não investem. Para municipalizar esses neamento.
serviços, os municípios teriam que, segundo Embora concorde com Arretche sobre a
Arretche, “romper seus contratos de concessão atribuição de riscos devido à indefinição jurí-
com as empresas estaduais, o que implicaria dico-institucional, o sociólogo Vargas (2005,
uma longa batalha jurídica com alto risco de p. 35) discorda sobre a improbabilidade da
insucesso do ponto de vista legal" (ibidem , p. municipalização ou privatização desses servi
118). Além disso, teriam ainda que “arcar com ços. Em seus estudos, ele afirma que, apesar
a parcela de investimento já realizada pela em desses riscos, a privatização j;í se encontra em
presa estadual e realizar vultosos investimentos andamento: não pela venda das companhias
concentrados no tempo” (idem). estaduais, mas pela via da municipalização.
Para as empresas estaduais, por sua vez, tal Vargas não se refere somente aos municípios
indefinição envolveria também enfrentar lon que não aderiram ao Planasa, mas fundamen
gas batalhas judiciais para impedir a rescisão de talmente aos municípios descontentes com as
municípios ricos nos contratos de concessão, concessões das companhias estaduais, que ora
dos quais dependem, via tarifação, para garan se finalizam após vinte ou trinta anos de con
tir o financiamento dos demais municípios trato na maior parte do país, e que dispõem
pobres da região, os quais não possuem capaci desde 1995 dé um instrumento legal para pri-
dade técnico-administradva e nem econômica vatizar os seus serviços: a Lei de Concessões.
para investir nessa área. Como se pode perceber, o enfoque que,
Dessa forma, para a autora, que analisa a nos autores anteriores, passou pelas questões da
municipalização de cinco políticas sociais nos condicionalidade macroeconômica do país, da
anos 1980 e 1990, entre elas a de saneamento, gestão e eficiência publico/privada da prestação
municipalizar esse tipo de serviço implicaria de serviços públicos e da questão técnico-geren-
para os municípios, ou para as empresas priva cial das instituições responsáveis pela gestão do
das contratadas por estes, arcar com elevados setor deu lugar, em Arretche, à questão da inse
castos jurídicos e financeiros para obter a trans gurança juridico-institucionai para explicar o
ferência dessas funções. ínexistindo programa refreamento dos investimentos privados e/ou
federal ou estadual que minimize esses cusros municipais no setor. Enquadram-se nessa linha
através de incentivos, é improvável, mas não outros autores, como, por exemplo, Turolla
impossível, que ocorra a municipalização ou a (1999; 2002). Para ele, durante os anos 1990,
privatização desses serviços. Nessa linha de ra
ciocínio, Arretche afirma que
ocorreram avanços no diagnóstico e na apre
sentação de soluções dos principais proble
em um Estado federativo, caracterizado pela mas do setor, mas as ações concretas foram
efetiva autonom ia política dos níveis subna- lim itadas pelo impasse legislativo que opôs
cionais de governo, a assunção de atribui frontalmente governadores a prefeitos e pela
16
falta de definição das responsabilidades pe grande destaque, porém, foi a edição, já no se
las políticas públicas” (2002, p. 23). gundo mandato, da chamada Lei do Sanea
mento (Lei n° 11.447/2007). O tão esperado
Assim, ele conclui que “o estabelecimento marco reguiatório, ainda não regulamentado
do marco reguiatório específico é o principal até hoje, estabeiece as diretrizes e bases da Polí
problema a ser atacado no setor de saneamento tica Nacional de Saneamento Básico e enume
brasileiro”, o qual “consiste na aprovação da ra entre os seus princípios a universalidade, a
Política Nacional de Saneamento e na sua re integralidade, a eficiência, a sustentabilidade
gulamentação no nível dos poderes conceden- econômica, a disponibilidade e a qualidade da
tes” (idern, ibidem). prestação de serviços e o controle social.
Justamente para resolver esse entrave, o Essa Lei, considerada uma vitória pelas en
Presidente FHC tentou aprovar, em regime de tidades representativas do setor, não interfere
urgência, o Projeto de Lei n° 4.147, de 2001, na discussão entre estados e municípios acerca
no qual se buscava transferir o poder conce- da competência sobre a prestação dos serviços,
dente desse serviço aos estados nas regiões me pois se refere ao poder concedente como o “ti
tropolitanas, segundo orientação expKcita do tular do serviço de saneamento”. Dessa forma,
Banco Mundial (Borja, 2005, p. 3). Para essa deixa para o STF a tarefa de definir o ente
entidade, “a solução do poder concedente era o competente nessa atividade. A lei especifica
passo crítico para permitir o desenvolvimento também as formas de concessão do serviço e os
proveitoso da participação da iniciativa priva princípios de regulação para o setor. O marco
da no setor de saneamento no Brasil” (idem, reguiatório funciona como um instrumento
ibidem ). A expectativa era de que, uma vez di fundamental para permitir maior segurança
rimido o conflito da titularidade em favor do jurídica aos investidores do setor.
estado, os governadores pudessem privauzar, Çomo os dàdos de cobertura aqui utiliza
de forma segura para os investidores privados, dos limitam-se ao ano máximo de 2006, últi
suas companhias estaduais, a exemplo do que mo ano do primeiro mandato do Presidente
ocorreu no setor bancário. Contra esse possível Lula, o escopo deste estudo não abrange as
cenário, diversas entidades representativas do modificações resultantes da edição dessa Lei.
setor recrudesceram sua resistência ao Governo Desse modo, embora se observe a permanência
federal, mobilizando-se para impedir a aprova do caráter residual no aumento da cobertura
ção dessa lei até o fim do mandato em 2002. até o fim de seu primeiro mandato, não há
Com a posse do Presidente Lula em 2003, ainda como avaliar o impacto do recém-lança-
o projeto foi retirado do Congresso em 2005.2 do marco reguiatório sobre a mesma, dada a
Importantes avanços institucionais em relação insuficiência de dados sobre o período. Isso é
ao setor foram feitos a partir de então. Pode-se tema para estudos futuros. O grande desafio
citar, entre outros, a criação do Ministério das agora é superar o déficit brasileiro nos serviços
Cidades (2003), da Secretaria Nacional de Sa de saneamento, tendo em vista as metas de
neamento Ambiental e a edição da Lei dós ampliação da cobertura para 2015 e de univer
Consórcios (Lei n° 11.107/2005), que toma salização do acesso até2025.
viável a execução e a gestão associada dos servi
ços de saneamento entre entes públicos. Além Conclusão
disso, o diálogo com as entidades representati
vas do setor, interrompido durante o governo No presente trabalho, viu-se que o esgota
FHC, foi retomado com o novo governo. O mento do Planasa redundou, a partir dos anos
17
1990, numa crise institucional do setor de sa ços institucionais e arenas setoriais deci
neamento, que resultou no aumento residual sórias da política de saneamento (Cos
da cobertura populacional desses serviços até ta, 1998, 2002; Zveibil, 2003);
2006. A permanência dessa tendência compro 3) a ausência de um arcabouço jurídico-
mete as metas de ampliação da cobertura para institucionaí consolidado, que assegu
2015 e de universalização do acesso até 2025 - rasse os investimentos através da exis
O objetivo desta revisão foi investigar è tência de um marco regulatório bem
identificar as principais explicações presentes definido, incluindo aí a questão da ti
na literatura nacional a respeito do baixo de tularidade sobre os serviços (Arretche,
sempenho setorial do saneamento no Brasil 1999; Turolla, 1999, 2002; Vargas,
durante as gestões FHC (1994-2002) e Lula 2005);
(2003-2006). 4) questões institucionais de natureza téc-
A literatura disponível concentrou-se forte nico-gerenciais, ou seja, de gestão, que
mente na análise setorial durante os dois man dizem respeito ao planejamento, às ca
datos de FHC. Apesar das evidências de perma racterísticas e à eficiência das institui
nência do padrão residual observado, apenas o ções (empresas públicas e/ou privadas)
estudo de Vargas (2005) avaliou o desempenho envolvidas na prestação dos serviços de
setorial do primeiro mandato de Lula. Pode-se saneamento (Costa, 2003; Saiani, 2007;
inferir, no entanto, que as explicações para tal Seroa da Morta, 2004; Faria et al., 2003,
desempenho no períqdo em questão permane Toyojidenozaki, 2007).
cem válidas para o governo Lula, uma vez que E importante destacar que, das razões apon
os entraves identificados peSos autores para o tadas pelos autores analisados no presente traba
desenvolvimento do setor não foram subita lho, para a explicação do baixo desempenho
mente eliminados de um governo para o outro. setorial do saneamento no Brasil, nenhuma foi
De acordo com a literatura analisada, qua por eles considerada “determinante” dessa situa
tro foram, grosso modo, as explicações dom ínan- ção. Em todos os textos, houve a preocupação
tes para a crise e o baixo desempenho do setor em se enunciar os diversos fatores que, combina
nas duas últimas décadas: dos, contribuíram para a crise do setor e seu
1) o ajuste estrutural vivenciado pelo país baixo desempenho de cobertura, tendo em vis
a partir da década de 1990, o qual im ta as metas de universalização. E, em quase todos
pôs sérias restrições aos investimentos os estudos analisados, essa combinação se repe
nas áreas sociais, associado à transfor tiu. A ênfase dada a cada um desses fatores.pelos
mação do modelo de acumulação capi autores foi o diferencial que serviu de base para
talista do Estado brasileiro, que alterou a divagem das hipóteses compiladas nesta revisão.
a percepção do saneamento de uma ati Outro ponto a ser destacado diz respeito à
vidade pública essencial para uma ati inserção do setor de saneamento na agenda polí
vidade econômica e empresarial (Fag- tica brasileira. É de espantar o fato de que o
nani, 2005; Rezende e Heller, 2002 ; maior plano voltado para o saneamento básico
Mello Justo, 2004; Oliveira Filho e tenha sido realizado durante o regime militar,
Moraes, 1999; Oliveira Filho, s.d.; Bor- não tendo sido, após o seu fim, substituído por
ja, 2004, 2005; Mercedes, 2002); outro de mesmo porte ou até maior no período
2) a incapacidade de organização e inter democrático recente, ao menos até 2006. Na
mediação dos grupos de interesse e de literatura revisada para; este artigo, este tema
seus conflitos (lutas políticas) nos espa constituiu uma lacuna, tendo sido abordado
is
tangencialmente somente por dois autores: o acesso ao saneamento básico? Ê uma questão
Mello Justo (2004) e Mercedes (2002). Investi para reflexão. Não existem ainda evidências con
gar as razões para que o setor tivesse sido contem clusivas que demonstrem que a operação de sis
plado na agenda política autoritária, mas não temas de saneamento por empresas privadas é
na democrática pós-1988 constitui um gran favorável aos estratos mais pobres em termos
de desafio para a agenda de estudos políticos de melhor acesso e maior qualidade de serviços.
sobre saneamento, especialmente porque o aces Por fim, é importante destacar que a análi
so a esses serviços se trata de uma demanda se dè alternativas para o seror de saneamento
social amplamente reivindicada pela agenda deve considerar, para além da expansão da ca
pública brasileira. pacidade física de atendimento com vistas à
Todas as obras, com exceção de Nilson Costa universalização, o estabelecimento de políticas
(2002), dialogaram direta e intensamente com que assegurem condições aos usuários pobres
a questão da privatização dos serviços de água e de arcar com os custos da conexão e da presta
esgoto no Brasil, o que demonstrou que esse ção, especialmente no segmento residencial,
tema é inevitável e bastante relevante na agenda cativo e detentor de menor poder de barga
de pesquisas sobre a política recente de sanea nha. Embora a privatização não tenha sido vi
mento no país. Embora reconheça que o debate, toriosa no Brasil, os serviços de saneamento são
originado em tempos de ajuste macroeconô produzidos e distribuídos como uma mer
mico, se faz necessário, é preciso também consi cadoria qualquer peiâ maioria das empresas
derar a seguinte premissa que envolve o tema: públicas e algumas privadas. Qual o efeito des
privatização pressupõe atividade empresarial e te padrão de prestação sobre o acesso dos estra
mercado consumidor de bens e serviços consoli tos pobres? Não se tem resposta. Essa é uma
dado. Esta não é ainda a realidade brasileira, questão espantosamente ausente na literatura
dada a enorme desigualdade social com a qual analisada neste trabalho: as condições de justi
vivemos. Tendo em vista a característica do défi ça redistriburiva no setor de saneamento, espe
cit de atendimento no país —pobres que não cialmente no que diz respeito ao custo de aces
podem pagar pelo serviço —diagnosticado pelos so e de utilização desses serviços diante das mais
especialistas aqui enunciados, como se poderia que conhecidas limitações de renda da maioria
mercantilizar um direito essencial à vida como das famílias brasileiras.
Notas
19
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20
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Resumo
A recessão econôm ica dos anos 1980 e as m udanças decorrentes da redemocratização reduziram o
financiamento do saneamento básico no Brasil. A extinção do Plano Nacional de Saneamento (Planâ-
sa) em 1991 e a ausência de um a política pública alternativa a partir de então demonstram a baixa
prioridade dada ao setor nas duas últim as décadas. D iante disso, o aum ento residual da cobertura
populacional de água e de esgotamento sanitário dos últimos anos ameaça a universalização do acesso ao
saneamento básico no Brasil. O objetivo deste trabalho é identificar, na literatura nacional, as explicações
para o baixo desempenho setorial do saneamento no país durante as décadas de 1990 e 2000. As fontes
para a seleção da literatura foram a BVS do Brasil e o portal de teses e dissertações da Capes, que
contemplam os campos da economia, planejamento urbano e regional, políticas públicas e saúde coletiva,
entre outros.
22
Abstract
The Crisis ofW ater Supply an d Sewerage Sector in Brazil: a Bibliographic Review
The economic recession in the 1380s and the institutional changes brought by the re-democratization
process dried up the resources to finance the sanitation sector in Brazil. The extinction o f National
Sanitation Plan (Planasa) in 1991 and the lack o f an alternative policy for the sector have shown the low
priority given to the area. As a consequence, the marginal changes in levels of warer supply and sanitation
coverage threatens the universalization o f access. The objective of this paper is to identify, in the current
literature on sanitation policies, the theses that w ould explain the marginal changes of Brazilian water
supply and sanitation policy during the decades of 1990 and 2000. Both the BVS from Brazil and the
Capes website for papers and dissertations were chosen as main sources for the research because of their
great range of knowledge areas, such as economics, urban and regional planning, public health, and others.
Keywords: Bibliographic review, Sanitation policy; Urban policies; W ater supply policies.
Résumé
La récession économique des années 1980 et les changements liés à la redémocratisation ont réduit le
financement de l’assainissement de base au Brésil. L’extinction du Plan National d ’Assainissement (Pianasa)
en 1991 et l’absence d’une politique publique alternative démontrent, à partir de ce moment, l’absence de
priorité accordée au secteur au cours des deux dernières décennies. Ainsi, la croissance résiduelle de l’accès
de la population à l’eau potable et à l’assainissement de ces dernières années menace l'universalisation de
l’accès à l’assainissement de base au Brésil. L’objectif de ce travail est d’identifier, dans la littérature
nationale, les explications concernant la basse performance sectorielle de l'assainissement au Brésil pendant
les décennies de 1990 et 2000. Les sources pour la sélection de la bibliographie ont été la BVS du Brésil et
le site web de thèses et dissertations de la Capes (Coordination pour le Perfectionnement du Personnel de
l’Enseignement Supérieur du m inistère brésilien de l’Éducation), qui contem plent, entre autres, les
domaines de l’économie, de la planification urbaine et régionale, des politiques publiques et de la santé
collective.
23
^NUEVA
SOCIEDAD
www.nuso.org
Director: Joachim Knoop
Jefe de redacción: José Natanson
La integración
fragmentada
219
E N E R O ^FE B R E R O 20 0 9
26
tipos de “mecanismos” conquanto estes sejam rou-se pela matematização e quantificação da
capazes de crocar informações com seu meio. informação para seu uso prático pelos labora
Ela é a medida de organização de uma socie tórios da AT&T, empresa para a qual trabalha
dade, de um organismo biológico ou das va e que à época detinha o monopólio dos ser
máquinas. viços de telecomunicações dos Estados Unidos.
Para a cibernética de Wiener, a troca de E importante ainda assim destacar as noções
informações se faz presente nas mais variadas gerais dessa teoria que tiveram profundas in
relações e não pode ser tomada de maneira fluências nas ciências a partir de então.
puramente formal, uma vez que seu conteúdo Como mencionado, para Shannon e Wea
definirá as ações e a organização a serem ado ver se tratava muito mais de estabelecer parâ
tadas. Do ponto de vistá da cibernética, metros para quantificar a informação. Sua teo
portanto, todo organismo, natural ou arcificiai, ria, portanto, foi alvo de maior formalização
pode ser entendido como um padrão de in para poder servir aos objetivos práticos de en
formação que se relaciona com o meio externo, vio e codificação de mensagens quando com
exercendo e recebendo influências. Para pôs, durante a Segunda Guerra, o corpo de
Wiener, portanto, a teoria das mensagens é o pesquisadores da Bell Laboratories, laboratório
estudo da transmissão de informações com o de pesquisa da AT&T, que era subsidiada pelo
objetivo de controlar um determinado meca National Defense Research Committee dos Es
nismo (máquinas, seres vivos, ou a sociedade). tados Unidos.
Esse é o sentido de seu conceito de cibernética, Shannon é considerado o responsável pela
palavra que em grego (K vpepvrjrriç) significa conversão de mecanismos analógicos para a lógi
“piloto”. ca binária dos sistemas digitais, uma diferença
Como fundamento da idéia de controle, substancial em relação à lógica analógica de
Wiener concebe os processos de retroalimen fendida por Wiener em sua teoria cibernética.
tação próprios à transmissão de informações. Enquanto a lógica analógica é sensível à inten
Assim, a retroalimentação é definida como o sidade gradativa da informação com que está
“ajuste da conduta futura em função do de trabalhando, a digital converre-a para conjun
sempenho pretérito” (idern, ibidem, p. 28} no tos de 0 e 1, levando em consideração apenas
que indica falhas na comunicação e as possi duas intencionalidades opostas. Essa aborda
bilidades de adaptação e, portanto, de apren gem formal da lógica binária é que sustenta a
dizagem. Ao emitir um comando (mensagem) programação numérica vigente na computa
a um receptor, o emissor original deve receber ção tal qual a conhecemos. A importância dessa
deste um “retorno” relativo aos resultados ob distinção se dá na medida em que estão, ao
tidos e compará-los com os resultados alme menos indiretamente, correlacionados às dis
jados. Daí abre-se a possibilidade de mudança tinções presentes entre o segundo e o terceiro
da organização original no intuito de alcançar eixo do quadro conceituai apresentado, con
eficácia na ação. Tal processo desdobra-se em forme se demonstrará mais à frente.
aprendizagem. Há, portanto, sentido nas in Ainda que a teoria da informação exerces
formações transmitidas, ó que impede que seu se declaradamente influência na epistemologia
modelo seja puramente formal. estruturalista de meados do século XX (Matte-
Aqui, no entanto, pode se estabelecer uma larr, 2002; Moles, 1973), a interpretação ob
correlação com a concepção de informação de jetiva e formalizada do conceito teve também
Claude Shannon e Warren Weaver (1975). A um desdobramento nas. teses tecnocráticas que
pesquisa que esses autores desenvolveram pau- defendem a invasão do pensamento objetivo
27
na esfera das relações econômico-sociais para a estão tanto mais alicerçadas na lógica digital de
solução dos.problemas com maior precisão è controle das variáveis do que na concepção de
racionalidade. Para Bell (1977, p. 381), aprendizagem da cibernética e sua lógica ana
lógica, mas seriam igualmente impensáveis sem
[...] as decisões fundam entais, referentes ao a compreensão da realidade enquanto um pa
desenvolvimento da Economia e a seu equi drão de informação passível de controle, pres
líbrio, virão do governo, baseando-se porém suposto de ambas as lógicas.
no patrocínio oficial à pesquisa e desenvol
vim ento e na análise dos cusros efetivos e
dos custos e benefícios; a elaboração das Tecnologias Digitais da Informação
decisões, devido à natureza intrincadam en e Comunicação: a Escolha de um
te entrelaçada de siias conseqüências, assu Padrão e sua Alternativa
m irá um caráter cada vez mais técnico.
Antes de falar sobre as concepções das Ciên
Para esse autor, as tecnologias do intelecto cias Sociais que permearam as análises sobre a
tenderiam a suprimir a necessidade da experiên mudança tecnológica das TIC, será interessan
cia para a obtenção de um conhecimento, con te compreender historicamente tais tecnologias.
quanto se pudesse através delas simular a reali Apesar de com isso ser necessário buscar infor
dade com muito mais predsao. O conhecimento mações e conhecer dados próprios ao fazer tec
científico abstrato seria concebido em sua for nológico, será discutido a seguir como também
ma pura e cada vez mais despido de ideologias, nesse âmbito aparecem questões sociais que
logo, objetivo e racionai. A burocracia, os espe implicam escolhas tecnológicas.
cialistas e a pesquisa acadêmica seriam os locais Existiu, e continua existindo, uma alter
por excelência da razão objetiva. O avanço nas nativa à computação digital que prevalece na
teorias estatísticas e matemáticas permitiriam microeletrônica tal qual a conhecemos, qual seja,
até mesmo aventar predições das realidades so a analógica. Esta reproduz uma grandeza {en
ciais futuras. Essas perspectivas tecnocráticas tendida como informação) com que se quer
Quadro 1
Síntese dos Conceitos de Informação
Para a Cibernética Medida substanti Analógico: conce A informação carrega um Baseado na aprendiza
va de organização be uma gradação sentido e, para sua eficácia gem acravés da tentati
dos objetos em es contínua de gran no processo de organiza va seguida de retroali
tudo: máquinas ou dezas. ção, depende de um pro mentação.
seres vivos. cesso de aprendizagem.
Para a Lógica Medida formal de Binário: concebe A informação está despro Baseada na programa
D igital organização dos conjuntos de duas vida de sentido e, para sua ção prévia. A comuni
objetos em estudo. grandezas opostas. eficácia no processo de or cação obtém sucesso ou
ganização, depende da falha dependendo da
programação prévia que a sua correta codificação.
converte em conjuntos de
duas grandezas opostas.
28
trabalhar por outra. Um circuito analógico cap memória volátil que se apaga quando o circuito
ta a variação contínua de uma informação ao é desligado) que poderia ser carregada por pro
longo do tempo sem codificá-la através da sua gramas desenvolvidos e gravados em discos
formalização binária, O circuito digital tem um magnéticos externos à máquina. Assim, a inter
alcance restrito no que diz respeito à gradação ferência humana volta a ter lugar, mesmo na
da realidade a que é sensível, já que converte computação digital. Uma questão que será reto
uma informação {sons, imagens, equações, tex mada em outro patamar pelas discussões em tor
tos etc.) em conjuntos de 0 e 1, ou, grosso modo, no da propriedade intelectual conforme será
em ausências e presenças de sinais elétricos. discutido adiante.
As máquinas analógicas foram desenvolvi Esse desenvolvimento tecnológico, que
das paralelamente às digitais, como o Moneta- desembocou no que conhecemos hoje pelas
iy National Income Automatic Computer (Mo- TIC, não terminou, no entanto, com a invenção
niac), na Inglaterra, criado em 1947 para da computação. A interconexão entre termi
simular o funcionamento da economia daque nais é fundamental. Antes do surgimento do
le país. Já com dimensões muito menores que o primeiro computador de mesa, já existia a
Eniac,1 a máquina inglesa utilizava tanques de conexão entre máquinas computadoras, os
água e encanamentos para simular o fluxo da mainframes. A conhecida Advanced Research
economia e investimentos levados a cabo pelo Projects Agency N etW ork (Arpanet), a red e de
governo. Se o Eniac trabalhava uma informa computadores desenvolvida pela Defense
ção segundo operações predeterminadas, dan Advanced Research Projects Agency (Darpa)
do resultados exatos para cada sicuação que fosse foi o experimento que deu início às pesquisas
requisitado a calcular, o Moniac, tendo sua pro em torno de uma rede de computadores em
gramação como sua estrutura física, permitia a que os pesquisadores e militares podiam trocar
interferência direta nesta durante a simulação informações a distância no desenvolvimento
(os tanques de água poderiam ter seu volume de seus trabalhos. O desenvolvimento de com
máximo diminuído ou aumentado, cada qual putadores menores, aré os microcomputadores
representando um setor da economia, como em 1977 pela companhia Apple, e financeira
saúde, investimento militar, educação etc.). mente mais acessíveis, foi aumentando o tama
Entretanto, a perspectiva de que a tecnolo nho dessa rede, criada inicialmente por um de
gia analógica seja mais suscetível de ser repro partamento militar, mas que acabou integrando
gramada e de sofrer interferências humanas centros de pesquisa de várias universidades dos
conforme suas necessidades deve ser situada his Estados Unidos. Com os computadores, mais
toricamente. No início da computação digital, baratos e menores, a sociedade civil, empresas,
os programas, ou algoritmos, eram, de íãto, ins escritórios, e outros países passaram a adquirir
critos nos circuitos das máquinas. A maneira essa nova tecnologia, por vezes criando suas
como estas trabalhariam a entrada e a saída de próprias redes de comunicação e informação.
informações (através, por exemplo, de seu cál Essa apropriação civil da tecnologia trou
culo ou simulação, dependendo da natureza xe de volta algumas preocupações a respeito.
da máquina) estava colocada juntamente aos Quando comandada pelo Darpa, prevaleceu a
seus transístors, no que era chamado de ROM programação prévia segundo os criténos da
Memory, ou Read-Only Memory (uma me eficiência e do controle de variáveis. Nessa adap
mória que.só permite leiturae não alterações). tação para o uso civil, ressurge a preocupação
Isso foi mudando com o desenvolvimento da em se poder interferir na programação das
Random Access Memory (memória RAM, uma máquinas segundo necessidades específicas,
29
possível graças ao desenvolvimento tecnológi do tempo. As classificações variam: sociedades
co das memórias de leitura è de acesso já descri da informação (Borges, 2000; Demo, 2000)
tas. Esse foi, por exemplo, o sentido da criação, pós-industriais (Bell, 1977); em rede e infor-
em 1985, da Free Software Foundation (FSF) macionais (Castells, 2006); a era do conheci
por Richard Matthew Srallman. Este progra mento (Lévy, 2003); pos-capitalistas (Drucker,
mador, junto a outros, foram contrários às ten 1999), entre outras. Mas as concepções que
tativas de empresas tornarem-se proprietárias embasam esses conceitos de sociedade não são
de softwares e da vinculação destes com deter homogêneas.
minadas máquinas, tornando-as imodificáveis Alguns autores vêem a sociedade capita
fora dos limites estabelecidos previamente pe lista e/ou seu corolário industriaíista fundamen
las empresas. A capacidade de interferir na tec talmente transformados (Bell, 1977; Drucker,
nologia ganha nova relevância, 1999, Galbraith, 1987). Outros, apesar de re
conhecerem mudanças sociais e tecnológicas da
A Construção Teórica e Social da sociedade contemporânea, não deixam de cons
Tecnologia tatar a permanência do capitalismo e do setor
industrial, divergindo entre abordagens mar
Nesta seção, serão apresentadas as linhas xistas (I.ojkine, 2002) e aquelas mais influen
teóricas que foram desenvolvidas para a inter ciadas, não sem discordâncias, pelas teses acima
pretação das mudanças tecnológicas e das es- mencionadas do pós-industrialismo (Castells,
pecificidades da atual socieda.de com o desen 2006). Assim, tais análises serão trabalhadas
volvimento dasTIC, sob o quadro conceituai anteriormente estabe
Devido à crescente importância no trata lecido para que se possa traçar suas diferenças e
mento de informações entre seres humanos, e semelhanças no que diz respeito à compreen
entre estes e as máquinas, diversos estudiosos são dessa mudança tecnológica em foco.
lançaram mão de novos conceitos para a eluci Fato é que, durante a época das descober
dação de uma sociedade que comporta tais tas da microeietrônica, as expectativas em tor
mudanças em seus diversos âmbitos ao longo no da tecnologia estavam em conformidade
Q uadro 2
Síntese do Desenvolvimento Tecnológico
Tecnologia Analógica Trabalha uma grandeza re Estruturas mecânicas e hi Desenvolveram-se c ir
presentando-a de forma dráulicas. Programação ins- cuitos microeletrônicos
contínua. cri ta nestas estruturas, alte analógicos, mas suas pes
ráveis por meio de ajustes quisas são marginais em
mecânicos. relação à digital.
Tecnologia Digital Trabalha uma grandeza co Estrutura eletrônica e mi Programação pode ser
dificando-a em valores bi croeietrônica. Programação desenvolvida fora da es
nários. inscrita nos circuitos elétri trutura física da máquina.
cos, inalteráveis uma vez Retoma-se a capacidade
construídos. de interferir na progra
mação.
30
com o modelo de transformações trazidas pelas Para Galbraith (1987), se tratava apenas
inovações tecnológicas anteriores; nos ramos das de deixar de lado a preocupação tradicional e
indústrias e do comércio, esperava-se que essa mitológica com a escassez. Numa sociedade
tecnologia reduzisse de maneira drásdca a mão- afluente, a produção irrestrita de bens materiais
de-obra necessária e os custos da produção e se tornava irracional a ponto de ter de criar, an
das transações. Com o desenvolvimento da tes, a própria necessidade de seu consumo. A
microeietrôníca, os analistas perceberam nos ojeriza da sociedade estadunidense com relação
computadores a possibilidade de avanço ainda a gastos públicos, como impedidva do aumento
maior no sentido de liberar o esforço humano da produtividade, não tinha mais fundamento
das tarefas mais elementares e rotineiras da vida, já que o consumo de bens materiais pressupu
tornando-o cada vez mais livre e desimpedido nha maior consumo de serviços públicos —con-
para expandir sua potencialidade intelectual comúanre ao aumento do número de auto
(Abelson e Hammond, 1981; Noyce, 1981; móveis vinha a necessidade de se investir nas
Time, 1978). vias deste transporte, como exemplificava o au
Essa mudança tecnológica, entretanto, traz tor. Assim, Galbraith defendia a ampliação dos
consigo muitos debates acerca da interpretação serviços e ascensão da nova classe de dentistas
das sociedades contemporâneas. Primeiramente responsáveis pelas pesquisas e pela produção
as TIC emb.asaram o aprofundamento da in do conhecimento necessário para racionalizar a
dustrialização após a Segunda Guerra Mundial. permanência de uma sociedade de afluência.
A ciência e a tecnologia, desde o início da in Essa sociedade de grande produção e con
dustrialização, sempre importantes fatores da sumo marginaliza a sustentação de ideologias,
produção material da sociedade,, ganham um como demonstra a proposição de Galbraith.,
caráter cada vez mais sistemático nas suas ino em favor da nova classe técnica e radonal, e
vações e descobertas, o que aprofunda ainda reveLa, segundo Foria (1968, p. 59),
mais a mecanização do trabalho. A importân
[...] o verdadeiro charm e “tecnológico”, o
cia que o desenvolvimento econômico tem nas
cuko da eficácia. [E que] Os Estados mo
sociedades capitalistas, solapando as bases de dernos rendem a ceder aos técnicos a esfera
uma dominação puramente tradicional que, das decisões políticas, uma vez. que estas de
por sua natureza, obstava o avanço tecnológi cisões se tornam também “funcionais” e que
co, permite uma ampliação da racionalização a atingem um nível mais elevado dc ehcácia.
outras esferas da sociedade. Esta procura de um a eficácia exprime-se de
A vigência do Estado de Bem-estar Social m aneira perfeita na política das planificações
(em inglês Welfare State) nos países centrais do onde, basianre claramente, os expertstom zm
pólo capitalista, durante um período que vai o lugar dos políticos puros e os managers, o
de 1945 a aproximadamente 1975, ficou co dos burocratas tradicionais. Assiste-se por
conseguinte a um a nova forma de organiza
nhecida como os trinta anos gloriosos (Cardo
ção burocrática do Estado que, partindo das
so junior, 2003)-1 Numá mudança que à épo
esferas .elevadas onde se tom am as decisões,
ca parecia ser permanente, a política se volta estende-se a toda um a rede de relações sociais
para a antecipação e prevenção das crises cícli e a rodos os níveis.
cas do sistema capitalista em vez de simples
mente normadzar formalmenre seu funciona Dessa maneira, o cenário político-social da
mento desimpedido. A política, portanto, época teve profundas influências nas teses que
parece orientada a soluções técnicas da vida em surgiram acerca das mudanças sociais em anda
sociedade (Habermas, 2001). mento e assim contribuíram para a formação
31
das teorias do pós-industrialismo e da tecno ses. Em seu ponto de vista, a sociedade pós-
cracia. Como um dos teóricos notadamente industrial, pautada na relação entre seres hu
inseridos nesse contexto, Daniel Bell (1977) manos, dava início a problemas políticos ainda
atesta que a sociedade estaria substituindo o mais complexos que outrora. Soluções técnicas
trabalho físico pelo saber abstrato, pela ciência deveriam ser atualizadas segundo os resultados
pura. A gradativa convergência entre ciência e dos embates políticos entre grupos divergen
técnica a partir de finais do século XIX faz al tes. Para o autor, a racionalidade funcional de
guns autores passarem a considerar a ciência veria permanecer submetida aos fins políticos.
não apenas parte das forças produtivas da socie Habermas (2001) vai ao encontro dessé
dade, mas a principal delas no que foi cha princípio afirmando que a tecnocracia pura,
mado de revolução tecnocientífica. do governo estrito dos especialistas, não passa
Bell mesmo segue as análises do autor tche- va de um jogo de dominação de grupos de
coslovaco, Radovan Richta, que havia defen interesses específicos, revestidos de uma falsa
dido uma revolução científica e tecnológica, neutralidade técnica instrumental. Nâo era a
no contexto da então União Soviética em que técnica em si que se tornava ideológica, mas a
vivia, a qual estaria tornando a ciência e a técni política que queria se fazer técnica, dizia o au
ca corao forças produtivas predominantes em tor em seu debate contra Marcuse (1979).
detrimento do trabalho simples. A crescente A dominação para esses teóricos da revolu
importância da informação nos processos pro ção tecnocientífica se dá, portanto, na esfera da
dutivos, uma vez que as próprias máquinas que reprodução cultural, uma vez que, na da pro
os compõem passam a operacionalizá-la, recla dução material, já dominariam as modernas téc
mariam, a importância de engenheiros e cien nicas e ciência neutras, objetivas e racionais.
tistas em tais processos. Assim, ainda que circunscrita pela política, a
Para esses autores, o homem não é mais o concepção de predomínio da ciência, neutra
agente principal da produção, "o ‘fator decisi em sua própria esfera, não é deixada de lado,
vo’ no crescimento das forças produtivas da segundo Habermas.
sociedade não é a força de trabalho [...] :mas a Desde então, das décadas de 1960-1970,
ciência” (Bell, 1977, p. 128). E o princípio o cenário político, econômico e social passaram
tecnocrático mostra-se mais acabado quando por modificações significativas. As políticas de
asseveram qué, a partir “[...] da revolução cien planejamento e de seguridade social desestabi-
tífica e tecnológica, o aumento das forças pro lizaram-se e foram postas num segundo plano,
dutivas obedece a uma lei altamente prioritá quando não, completamente extintas a partir de
ria, isto é, a da precedência da Ciência sobre a ofensivas de governos como os de Margareth
tecnologia e a da tecnologia sobre a indústria1’ Tatcher na Inglaterra, Augusto Pinochet no
(Richta a p u d Bell, 1977, p. 128). Chile, Ronald Reagan nos Estados Unidos. A
Dentro dessa perspectiva da revolução tec integração das economias através, da infra-es
nocientífica, existem algumas divergências que trutura telemática (criada a partir da década
se fazem notar. Num ponto extremo, alguns de 1960, mas expandida internacionalmente
autores chegaram a propor uma revolução ad apenas a partir de meados de 1970 à década de
ministrativa, uma espécie de fim da ação políti 1980) potencializou o florescimento de um
ca numa sociedade sem espaço para interesses forte fluxo de capitais financeiros que reclama
divergentes, já que capaz de atender a todas às vam, para sua acumulação, uma desregulamen-
suas necessidades. Bell é um dos que aponta tação dás economias até então substancialmen
para o caráter impreciso e exagerado dessas te te orientadas pela política dos Estados nacionais.
32
Ademais, as prospectivas acerca daprodu Depois de 1929, o Estado também toma
ção industrial das sociedades não se objetiva parte nesse processo, e a teoria keynesiana é que
ram. A ciência e a técnica encontraram obstá lhe dá fundamentação. Esta, ao defender o
culos na substituição do trabalho de execução. aumento da demanda interna de consumo para
A lógica digitai de controle das variáveis não foi que se fortalecesse o tecido social e se garantisse
capaz de avançar para a completa automatiza novos investimentos, compôs, junto aos então
ção do processo produtivo, como se previa e novos modelos de organização do trabalho, um
tencionava. Pelo contrário, chegou-se a impas quadro político-econômico chamado de fordis-
ses em termos organizacionais, já que a relação mo-keynesianismo ÇWólfF, 2005).
hierárquica entre ciência e produção, como co Se até aqui se tem, aparentemente, apenas
locada pelas perspectivas tecnocráricas, não foi uma nova interpretação da realidade política,
capaz de lidar com as necessidades de aprendiza social e econômica, que levaram às conclusões
gem pela experiência. A rigidez nas divisões do pós-mdustrialistas, e de uma sociedade da
processo produtivo acabou por cercear a co afluência, a opção pelos aspectos da organiza
municação necessária entre planejamento e exe ção econômica do trabalho ressalta uma des-
cução do trabalho, trazendo dificuldades para continuidade que as teorias pós-industrialistas
a própria empresa. Além do mais, a extração da não apreenderam.
mais-valia das empresas capitalistas repousa so Há, de fato, um processo de “fuga do tra
bre a exploração do trabalho humano, o que balho generalizado” (WolfF, 2005, p. 104), mas
não seria possível numa produção totalmente como resposta de operários mais bem pagos e
estruturada sobre capital fixo (Lojkine, 20Q2). com maior escolaridade a uma intensificação
Para se entender as razões dessa mudança da exploração do trabalho através da superes-
de cenário e perspectivas será de fundamental pecialização., fragmentação e intensificação da
importância retomar alguns aspectos econômi produção operada pelo taylorismo-fordismo.
cos da realidade, em meio ao qual surgiram as As implementações desse modelo produtivo
teses tecnocráticas. visavam otimizar a produção em uma fábrica
Como mencionado, com as crises do capi através da fragmentação das atividades dos
talismo do início do século XX, como o crack operários, mecanizando-as para acelerar o fa
da Bolsa de Valores de Nova York de 1929, ini brico de um produto e, por conseqüência, in
ciaram-se políticas preocupadas em evitá-las, tensificar essa mesma produção, já que se po
tanto no âmbito das empresas capitalistas quanto deria diminuir o tempo necessário à produção
no âmbito do próprio Estado. Isso impulsio de uma quantidade determinada de produtos.
nou a implementação do fordismo na organi O projeto politico-ideológico de uma socie
zação produtiva das empresas, que complemen dade democrática, racionalizada e de massas,
tava a organização taylorista, dando cadência à própria ao fordismo-key.nesiamsmo, não é ca
sua administração científica do trabalho (leia- paz de integrar de forma homogênea a socieda
se, fragmentação racional das operações e mo de e nem mesmo toda ela. A tentativa de elevar
vimentos necessários à execução de uma tarefa, as massas a condições mais dignas, democrati
mecanizando-os). Com o fordismo, inicia-se zando o consumo, não foi suficiente para con
umà política de produção em massa que deve tornar o quadro de controle racional da produ
ria ser acompanhada pelo consumo em massa, ção nas fábricas, descrito anteriormente com a
atrelando os salários à produtividade. Gerava- implementação do taylorismo-fordismo.
se, com isso, garantia de consumo e vínculo Com as manifestações e greves surgidas nas
político do operariado com o patronato. décadas de 1960-70, :a reconstrução européia,
33
que ampliou o mercado mundial trazendo com Em contraposição ao funcionamento da
petição à economia estadunidense, e a limitação máquina-ferramenta convencional, o sistema
em se implantar sistemas produtivos mais com de controle numérico monitora as máquinas
plexos devido à simplificação fragmentada do fornecendo informações ao seu operador sobre
trabalho operada pdasuaadrriinistraato dentífica, seu estado e funcionamento. O operador das
inicia-se uma crise de acumulação do capital pelo máquinas não mais interage com estas direta
modelo da produção em massa, “E assim que a mente, mas através de uma interface computa
cadeia fordísta de regulamentação da economia dorizada. Por isso, estas máquinas permitem
começa a romper-se” (Wòlf£ 2005, p. 105)- mudanças na produção com maior facilidade
A mencionada .ampliação do mercado que as convencionais, uma vez que, para tanto,
mundial diversifica o consumo, mas o desman dependem apenas de uma programação digi
telamento das políticas de altos salários restrin talizada, enquanto as convencionais depen
ge-o aos setores de renda mais alta. Inovações diam da mudança de toda a rotina do traba
tecnológicas são, então, orientadas para a flexi lhador, tal seja um exemplo da diferença entre
bilização da produção necessária para atender a tecnologia analógica e a digital.
esse mercado ampliado, porém, segmentado e A implantação das MFCN é o que dá iní
não mais massificado. Surge uma necessidade cio à automação, que, segundo Lojkine, é o
de mudanças na regulamentação econômica processo em que a máquina controla e corrige a
nos e entre países devido a essa ampliação da própria máquina, ainda que a intervenção
produção e do consumo em escala mundial. A humana se faça imprescindível. Esse processo
gestão da produção, conseqüentemente, tam visa a um maior controle da produção material
bém deverá sofrer mudanças junto às formas e sua flexibilização, como resposta à crise do
de utilização da força die trabalho. É o que fordismo e às mudanças do mercado mundial
caracteriza a chamada reestruturação produti e ao consumo eirados anteriormente.
va do capital que passa então a “direcionar as Para ilustrar essa passagem, cabe lembrar
inovações tecnológicas de acordo com as ne que, com :a, revolução industriai, passa-se de
cessidades provocadas por essa nova crise do uma produção artesanal de objetos para sua
capital1’ {idem, ibidem, p. 106). mecanização, na qual o homem deverá operar a
Nesse contexto é que surgem as Máqui- máquina que fará a transformação direta da
nas-Ferramentas de Comando Numérico matéria bruta. Com a revolução das tecnologias
(MFCN), inicialmente implantadas no Brasil informacionais, esse trabalho operatório das
na década de 1970, mas com maior ênfase na máquinas-ferramenta é feito elé mesmo pelos
década de 1980 (Abramo, 1990), tendo sido sistemas de controle numérico que transmiti
a Romi, uma indústria de bens de capital do rão a informação dada pelo trabalhador para a
interior do estado de São Paulo, na década de condução de todo o processo de transformação
1970, a primeira empresa a produzir um modelo da matéria bruta. Restaria ao homem o traba
naclçmal (Rattner, 1985). Com elas, são objeti lho de inspecionar o processo como um todo e
vadas as funções sensitivo-reflexivas do cére de conceber os objetivos do mesmo.
bro, “que intervém na direção-vigilância dos E possível perceber nesse processo como a
processos [produtivos] automatizados. A má inovação tecnológica vai objetivando atividades
quina pensa para a máquina; [...] a flexibilida que antes eram desempenhadas por trabalhado
de e a integração dessas máquinas se opõem à res. Até mesmo na última etapa, na atividade
rigidez e à segmen tação-parcelarização do sistema sensitivo-reflexiva do trabalhador, como coloca
mecânico” (Lojkine, 2002, pp. 107-8). Lojkine. Trata-se, segundo Wolff (2005, p. 107),
34
de um processo em que a dimensão criadva do um feto, cedo ou tarde. Sobreviveriam as ativi
trabalho é apropriada pelo capital, uma “expro dades intelectualizadas e novas clivagens po
priação qualitativamente acrescida [...] [já que] deriam surgir: entre os possuidores e os despos-
da dimensão intelectual da atividade criativa”. suídos de informações.
Segundo Rattner (1985), a tecnologia Cabe então analisar as tecnologias infor-
Computer Aided Design (CAD), já se adian macionais, até aqui restritas à produção ma
taria na automatização completa da fábrica terial, em relação às teses pós-industrialistas,
(processo, este sim, que prescinde da ação hu considerando a produção de serviços tão im
mana), uma vez que até o desenho e a elabo portante para estas últimas.
ração do projeto da produção são por ela Para autores como Daniel Bell ( 1977), Peter
processados. Drucker (1999) e John Keneth Galbraith
O fato de essas mudanças tornarem pres (1987), trata-se, na automatização integral das
cindíveis trabalhadores que antes eram respon fábricas, de suprimir o trabalho industrial sim
sáveis pela operação e supervisão das máqui- ples e rotineiro do chão de fabrica. Restariam
nas-ferramenta levantou preocupações acerca assim funções intelectuais administrativas, de
de um desemprego maciço. Mas, em fins da planejamento, técnicas e de programação no
década de 1980, no Brasil, conclui-se não ha processo produtivo que implicam uma mudan
ver até então “desemprego tecnológico, en ça setorial deste, ou seja, do setor industrial para
tendido como demissões maciças (ou nume o de serviços. No caso, apenas cientistas e tecnó
ricamente relevantes) diretamente provocadas logos seriam responsáveis pela produção mate
pela introdução das NT [novas tecnologias de rial das sociedades, consolidando uma estrutura
base microeletrônica]” (Abramo, 1990, p. 49).3 social menos exploratória; elites, setores inter
Para Rattner,as ftinções próprias aos Ope mediários, ousubalternosi todos desfrutariam
rários qualificados, com a assimilação dos siste de um trabalho intelectualizado nessa nova
mas de controle numérico pelas indústrias, são organização do trabalho.
transferidas para o pessoal de escritório, como Diferentemente dos teóricos do pós-in-
programadores e supervisores da produção. dustrialismo, e baseado em estudos empíricos,
Ainda segundo esse autor, a tese de que o pro Castells (2006) não vê um processo evolucio
gresso técnico seria a chave para o crescimento nário e unidirecional. Para ele, mantêm-se as
econômico e, portanto, para o desenvolvimen atividades industriais e produtivas ainda que
to, estaria equivocada, pois não levaria em con inscritas em outro paradigma tecnológico, qual
sideração o fato de que os investimentos em seja, o informacional. Esse paradigma está vin
tecnologia não resultam em um progresso cau culado à emergência da empresa em rede e traz
sal e linear. Aumento da produtividade não consigo mudanças organizacionais.
quer dizer melhora das condições de trabalho
Apesar dos .enormes obstáculos, da admi
nem redução da jornada, mas, como na maioria
nistração autoritária e do capitalismo ex
dos casos, significa intensificação da explora plorador, as tecnologias da informação exi
ção daqueles trabalhadores que continuam, ne gem maior liberdade para trabalhadores mais
cessariamente, no chão de fabrica. esclarecidos atingirem o pleno potencial da
Essas mudanças tecnológicas levaram produtividade prometida. D trabalhador
Schaff (1991), autor marxista, a prever o fim atuante na rede c o agente necessário à em
do trabalho, nos moldes mesmo das teorias tec- presa em rede, possibilitada pelas novas
nocráticas. Para esse autor, não se tratava de tecnologias da informação (Castells, 2006,
julgar tal asserção, mas de constatá-la, pois seria p. 306).
35
Segundo esse autor, a automação, que se do, segundo o autor, dentro de uma perspecti
iniciou com os sistemas de controle numérico, va global, em que outros países desenvolvidos
só se completou na década de 1990 com a in mantêm suas estruturas industriais como é o
tegração da informática e das telecomunicações, caso da Alemanha e do Japão. A implantação
ou seja, com o surgimento das máquinas liga de tecnologias da informação reclama pelo au
das em rede. Assim, apesar de constatar os mes mento da produção dessas tecnologias e não
mos obstáculos a uma mudança de paradigma simplesmente determina o fim do .trabalho de
que Lojkine (2002), as tecnologias da informa execução.
ção é comunicação, em Castells (2006, p, 306), Também dentro das empresas, o autor vê
parecem ditar mais os rumos dessa mudança modificações organizacionais. Para ele, há uma
que os “limites do antigo conjunto de objeti emergente colaboração entre os setores de uma
vos organizacionais (como aumento a curto empresa, e também de suas hierarquias. Pers
prazo de lucros calculados em base trimestral)”. pectiva que Lojkine refuta ao constatar a exis
Ambos podem constatar que a evolução tência dos “gargalos burocráticos” no interior
linear proposta pela substituição do trabalho das empresas que implementam o uso das TIC
industrial não se atualizou. A permanência desse e são incapazes de estabelecer essa colaboração
tipo de trabalho é evidenciada a partir de séries piena entre níveis hierárquicos que persistem
de trabalhos empíricos analisados pelos auto num sistema que ainda sobrevive da explora
res, ainda que Castells aponte para reduções ção do trabalho.
em proporção deste em relação ao trabalho nos WolíF(2005) também coloca limites para
serviços nos países mais desenvolvidos. a mudança de paradigma tecnológico na orga
A questão é que, para Lojkine, há uma visão nização do trabalho, mesmo com a adoção de
elitista e tecnocrática tanto quanto autoges- novas tecnologias. Não se trata nem de postu
tionária do uso dos computadores. Esta últi lar uma mudança completa, tampouco da per
ma contemplaria uma revolução organizacio manência pura e simples do sistema taylorista
nal e o acesso a todas as informações. Mas, para de divisão do trabalho. Há, segundo a autora,
o autor, “não há impedimentos à coexistência mudanças e permanências. Como Lojkine
do funcionamento dessas redes informacionais (2002), ela vê a necessidade de se qualificar o
com a antiga estrutura organizacional das em trabalho para que seja implementado um apro
presas” (idem , p. 126). Empresas capitalistas veitamento ótimo das inovações tecnológicas.
guiadas pela lógica do lucro necessariamente Mas a lógica patronal resiste a essa mudança e
resistem a um verdadeiro questionamento da ainda vê a inovação como fator de substituição
estrutura piramidal do poder e de uma ver do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja,
dadeira descentralização das informações e de trabalhadores por máquinas.
das funções do setor produtivo, como se po As transformações organizacionais apon
deria fazer. tadas por alguns autores, portanto, se revelam
Castells, por outro lado, segue algumas das taiito mais como possibilidades às quais se
pistas dos teóricos do pós-industrialismo, mes opõem 'enormes forças de resistência” (Lojki
mo que as critique como simplistas. Vê, por ne, 2002, p. 42). As transformações em pro
exemplo, os Estados Unidos, o Reino Unido e cessamento implicam o desempenho de fun
o Canadá como modelos de economias de ser ções produtivas e improdutivas pelo. mesmo
viço, em que haveria uma ascendência de ad trabalhador, para que este possa prever, organi
ministradores, programadores e técnicos. Tal zar e reprogramar as máquinas que opera, já
quadro, no entanto, só pode ser compreendi que estão sujeitas a falhas extremamente preju-
36
diciais e onerosas para a própria empresa. Mas as atividades materiais do homem por ativida
os círculos viciosos burocráticos encontrados des tão-somenie intelectuais, intrinsecamente
nas empresas capitalistas, por não lhes ser pos não-mercantis. Num extremo, esses raciocínios
sível liberar plenamente os processos decisó levaram às teses de superação do próprio siste
rios, fazem com que, em vez de mudanças or ma capitalista, com a substituição das elites
ganizacionais, haja “recomposições —cada vez detentoras dos meios de produção por elites
mais sistemáticas - do trabalho dos operado administrativas (Drucker, 1999). Para Drucker
res” (idem , ibidem, p. 151), o que denota as (1978, p. 49) são necessárias “instituições ade
pectos de permanência do modelo taylorista quadas para as novas necessidades e capacida
de inovação pela gerência e de controle cientí des forjadas pelas mudanças tecnológicas”.4
fico do trabalho. Essas novas instituições, que devem ser respos
Segundo dados analisados por Castells tas sociais e políticas corretas para a tecnologia,
(2006), as atividades de escritório tiveram sig se orientadas por valores humanistas e de res
nificativo aumento, tanto em quantidade como ponsabilidade social, marginalizam a necessi
em produtividade; porém, o setor de serviços dade de se preocupar com um possível desem
não pode ser considerado homogêneo e a par prego recnológico e uma sociedade dominada
cela que teve maior tepresentatividade nesse peias novas tecnologias.
crescimento foi a dos serviços diretamente liga Álvaro Pinto (2005, p. 438), comentan
dos à produção industrial. Portanto, concluí, do a obra de Gaibraith, critica essa perspectiva
não houve substituição da produção industrial, tecnocrática, que concebe o processo tecnoló
mas um processo no qual o trabalho assalariado gico como determinante no “deslocamento do
estendeu-se ao setor de serviços e este passou a centro do poder social”, o que visa tão-somente
cooperar e se articular com o setor industrial. tirar de foco, ao se tomar a sociedade como um
Numa outra perspectiva, Lojkine (2002, todo, o poder, que continua nas mãos daqueles
p. 108) vê uma “interconexão entre a produ que detêm os meios de produção.
ção e a esfera dos serviços”, que refutaria a tese Para Lojkine (2002), essas são teses tecno-
do fim das atividades produtivas, levantando, cráticas que dão continuidade à concepção de
antes, novas contradições na economia. O pró Taylor de inovação pelo alto. Q pós-industria-
prio setor de serviços se automatiza adotando lismo, para o autor, seria uma concepção neo-
procedimentos industriais, e as indústrias, com taylorista e centralizada da revolução informa-
freqüência, passam a integrar no seu processo cional, que prevê uma ditadura dos cientistas e
produtivo atividades de escritório, terceiriza a fábrica sem homens como norte. Teses que
dos ou não (Rattner, 1985). são postas em questão por conta de sua própria
A tese pós-industrialista e tecnocrática se ineficácia econômica.
pauta numa separação entre as atividades pro Como mencionado anteriormente, o qua
dutivas e as improdutivas. A questão, entre dro político-econômico do keynesianismo-for-
tanto, que se coloca nesse eixo de debates é que dismo iniciou um processo de desmantelamen
“não se pode separar a transformação da natu to com a ascensão das economias européias, sua
reza material e o grande desenvolvimento das competitividade em relação à economia esta
funções informacionais” (Lojkine, 2002, p. dunidense, com a conseqüente diversificação
115). No caso das teses pós-indutrialistas, a da produção e restrição do consumo. Essa di
ciência e a técnica, como forças produtivas, versificação do mercado mundial é que estabe
destituiriam o trabalho de sua capacidade de lece os vínculos com o desenvolvimento de um
gerar valor, uma vez que se estaria substituindo maquinário flexível no interior das empresas,
37
que comporta uma variedade de usos possíveis 1990, sabendo-se que as TIC tiveram papel
e um meio de trabalho e organização humana fundamental nessa integração.
polihincional, garantindo que sua linha de pro Alguns trabalhos apontam para uma mul-
dução se adapte mais facilmente às mudanças tidimensionalidade da globalização em que esta
dos mercados (Lojkine, 2002; Rattner, 1985; riam inseridos “processos globais distintos e
Woiff, 2005). conflitantes, como, por exemplo, do capitalis
Já na década de 1980, o uso crescente de mo, da cultura, da normatividade (direitos
tecnologias que flexibilizam o processo produri- humanos)” (Therborn, 2001, p. 196). Outros
vo (tendo em vista a rigidez do processo tayloris- para o lato de que “a globalização dos mercados
ta-fordista), permitia se falar em um “controle financeiros é a espinha dorsal da nova econo
total do processo de produção pelo computador” mia” (Castells, 2006, p. 147), De uma manei
constituído pela implementação de um conjun ra ou de outra, o aumento do fluxo de capitais
to de tecnologias que se denominou Computer financeiros entre as principais economias do
Integ>-atedManufacturing{ÇlM), ou, em portu mundo aparece como uma constante nas análi
guês, Produção Assistida por Computador ses. Um dado importante para que não se per
(PAC) (Rattner, 1985, p. 124). Essa integração ca de vista o caráter capitalista desse processo.
A internacionalização sempre foi um pro
[...] não ocorre, necessariamente, cm escaia cesso inerente à produção capitalista. À época
nacional, mas antes internacional, com van das colonizações e da expansão marítimas dos
tagens enormes para as empresas e conglome
países europeus, predominando a internacio
rados transnacionais O Sistema de Fabrica
nalização do capital mercantil; quando da re
ção Flexível (SFF) permite realizar economias
volução industrial, com predomínio do capital
de escaia em dimensões globais, com uma
fração de custos e de volumes de produção
industrial; e o terceiro momento, que se encon
correnres. F.m outras palavras, será possível tra em andamento, com o predomínio do capi
produzir na escala do mercado m undial, em tal financeiro. Essas formas de capital nunca se
bora o estabelecimento esteja localizado em internacionalizaram de maneira isolada, há ape
um rerritório ou mercado relativamente ré- nas determinado predomínio das mesmas em
duziido (idem , ibidem , pp. 126-127). suas respectivas fases (Wolff, 2005),
Assim sendo., o que caracteriza esse proces
A garantia de consumo implementada pe so de internacionalização das economias é uma
las políticas do Estado de Bem-estar Social tor combinação de liberalização e desregulamen-
nou-se insustentável para a reprodução do ca tação dos entraves burocráticos nacionais e da
pital nesse novo cenário. Há, portanto, um hegemonia monetária, típicos do período for-
agravamento das desigualdades sociais com a dista. As transações feitas por meios digitais em
retomada da concentração de capital à medida grandes velocidades, num processo de desre-
que vão se suprimindo as políticas de bem- gulamentação institucional, permitem às em
estar e as regulamentações econômicas orienta presas produzir e comercializar “onde for possí
das internamente para os Estados-nacionais. vel em todo o mundo, [,.,] em grande parte
Assim, o fato de as economias mundiais graças às novas tecnologias da comunicação e
estarem cada vez mais integradas, seja por sua dos transportes” (Castells, 2006, p. 156).
produtividade, comércio ou competição, cha Grandes empresas fazem suas instalações em
mado de globalização, ou de mundialização, diversos locais do globo em busca de melhores
tem levantado alguns debates acerca das espe- condições financeiras, produzindo partes de
cificidades desse processo a partir da década de seus produtos em diferentes países, utilizando-
38
se de acordos e subcontratações para o forneci bancos financeiros etc. Essas mudanças na eco
mento de produtos, serviços ou mão-de-obra nomia não avançam a despeito da localidade,
terceirizados. não alcançam a todos indiscriminadamente,
É a relação que Rattner (1985) estabelece como poderia se supor, dado seu caráter impes
entre as grandes unidades produtivas e as pe soal. A valorização e o investimento nessa tnfra-
quenas e médias empresas (PME) já em 1985. estrutura se dão somente nas regiões que os
Segundo o autor, havia uma linha de raciocí suportam, ou ainda, que lhes dão retorno, seja
nio que previa o fim das PME por conta de sua em lucratividade, para as empresas, seja em com
incapacidade em absorverem as inovações tec petitividade, para as instituições e governos
nológicas e de racionalizarem plenamente sua (Castells, 2006).
linha de produção devido à limitação de seus Pode-se dizer então que há também uma
capitais. Contudo, esse não foi seu fim na socie concentração no processo de inovação tecnoló
dade capitalista, nem mesmo com a inovação gica, que necessita de grandes investimentos e
das MFCN. Para o autor, essas empresas so corre atualmente orientado por interesses de
breviveram por terem estreita relação com as mercado. Se há ampliação do acesso às TI.C,
grandes unidades produtivas, as quais buscam esta se dá para os já privilegiados, e custa chegar
nas PME uma fonte de lucro que não as obriga às regiões marginalizadas desse processo (Quéau,
investir na construção de novas unidades, 1998; Therborn, 2001).
tugindo assim das responsabilidades de tais Vê-se que, mesmo com as novas tecnolo
investimentos num mercado instável e diversi gias, ainda enfrentam-se antigas questões. Mes
ficado. Esse risco fica, então, por conta das PME, mo o acesso à informação e à comunicação ainda
daí sua alta rotatividade e “o nascimento contí não se democratizou como direito reconhecido
nuo de novos empreendimentos industriais, pela Unesco (Rabelo, 2005). O fim dos territó
comerciais e déserviços” (Rattner, 1985, p. 18). rios e da distância num ambiente de comuni
Mas, nesse processo que se denomina cação virtual, ou a arquitetura da desterritoria-
globalização, poucos autores discordam que a lização (Borges, 2000; Lévy, 2003), permanece
maior parte da população mundial não partici uma falácia. A integração global das economias
pa de sua economia apesar de ser direta ou in e dos grupos de mteresses não acontece inde
diretamente afetada por ela. Com os mercados pendentemente de süa localidade. Uma gran
desregulamentados e com o auxílio dasTIC, o de infra-estrutura material é requerida para que
fluxo de capitais encontra, com facilidade, se torne possível essa integração, o que exclui
mercados que lhe agregam valor, daí sua insta desde regiões inteiras, como boa parte do con
bilidade e volatilidade. Nesse sentido, a nova tinente africano, até bairros-satélites das regi
economia aparece como uma estrutura domi ões metropolitanas do mundo.
nante que, apesar de não beneficiar a maioria A globalização parece, então, ter servido a
da população, integra e exclui países e regiões uma consolidação do poder daqueles países que
com base em critérios de lucratividade e com a ela aderiram através de um processo de liberali
petitividade, num processo de globalização zação e desregulamentação econômica. Ao se
seletiva. ampliar mundialmente, foi dificultando ainda
Além do mais, a tais redes de capitais é mais a resistência de países.que buscassem cami
imprescindível uma infra-estrutura material nhos alternativos e favorecendo aqueles nela inse
para que tenham lugar. Grandes centros finan ridos (Castells, 2006). Mas mesmo nos países
ceiros se localizam onde há uma integração de que aderiram às políticas de desregulamentação
indústrias de tecnologia avançada, escritórios, econômica e abertura para os capitais financeiros
39
internacionais não foram unânimes os casos a concentração da informação mundial nas
bem-sucedidos, como, por exemplo, a econo mãos de quatro agências principais, fato que
mia argentina da segunda metade da década de hoje se agrava uma vez que essas grandes
] 990. Talvez por se prender ao levantamento agências concentram também diferentes tipos
empírico de dados restritos basicamente aos paí
de mídia, o que dificulta a consolidação do di
ses que integram o Grupo dos Oito países mais reito à comunicação como defendido pelo rela
industrializados, Castells aponta para uma metório (Rabelo, 2005).
lhora substancial do desempenho econômico do Castells (2003b), é preciso dizer, não dei
país aderente à integração global das economias.
xa de identificar a apropriação dos canais midiá-
De qualquer modo, viu-se até aqui uma ticos por empresas privadas internacionais que
tendência hegemônica na implementação das coadunam com os interesses da internacionali
TIC, orientada por interesses capitalistas e corpo
zação econômica. Sua preocupação maior, no
rativos, e, apesar das críticas e de algumas expec
entanto, é com o desmantelamento do mono
tativas, esses interesses obstam tentativas de auto-
pólio estatal das informações.
orgamzação dos homens, como coloca Lojkine Para esclarecimento das diferenças teóricas
( 2002 ). e respectivas concepções sobre os temas desen
O Relatório MacBride (Unesco, 1980), volvidos neste artigo, veja-se, no quadro a seguir,
como ficou conhecido, em 1980 já denunciava uma síntese do que foi trabalhado nesta seção.
Quadro 3
Sociedade, Tecnologia e Correntes Teóricas
40
Considerações Finais existentes na sociedade como um todo (Balbo-
ni, 2007).
Como se esperava, a sistematização deste Todavia, como se demonstrou na seção
debate em corno das tecnologias da informa acerca das tecnologias, a capacidade de interferir
ção abre caminhos para uma reflexão sociológi no próprio funcionamento desse produto social
ca a seu respeito, tendo em conta os avanços e sempre esteve em debate, implícita ou explicita
lacunas presentes em meio século de discus mente, tato que por si só coloca em destaque a
sões. Sem pretender esgotar o assunto, é im possibilidade de desenvolvimento de tecnolo
portante rever algumas propostas presentes na gias alternativas. Logo, não pode haver apenas
literatura até agora analisadas acerca dos cami uma resposta tecnológica a determinados pro
nhos e alternativas possíveis à mudança tecno blemas e situações enfrentados pela sociedade.
lógica ná sua relação com a sociedade, Alternativas tecnológicas dizem respeito direta
Para autores como Tapia (20Q5), Quéau mente a interesses sociais em disputa e as respos
(1998), como também para o Relatório Mac- tas encontradas deverão, portanto* atualizar tais
Bride da Unesco (1980), há necessidade de se interesses (Feenberg, 2002; Figueiredo, 1989).
orientar a tecnologia e de, através do debate Como coloca Rattner (1985, p. 148), as “Es
público, fazer uso das tecnologias com fins de colhas de tecnologia, longe de seguirem uma
garantir direitos, diminuir as desigualdades e lógica interna própria, são antes de mais nada
ampliar a democracia. A percepção é de que o opções políticas explícitas”. A informação ou a
desenvolvimento tecnológico p er se não será comunicação não podem ser discutidas por si
responsável por um desenvolvimento social só; a infra-estrutura tecnológica que as conduz
qualitativo. tem papel igualmente fundamental. Vê-se, no
Mas orientar a tecnologia parece ser insu entanto, uma tendência, ao se falar nas TIC,
ficiente. Em todas as correntes teóricas vistas até em destacar seus aspectos inovadores em detri
agora, de maneira crítica ou apologética, estão mento do fato de estarem imersas em uma rea
presentes aspectos que permitem pensar um lidade sócio-histórica (como, por exemplo, o
desenvolvimento hegemônico das tecnologias da faro de a inovação hoje estar maj oritariamente
informação por parte de determinados grupos, resguardada pela propriedade intelectual que
seja dos tecnocratas e especialistas, seja dos coloca entraves na capacidade de manipulação
empresários e investidores de capital. O que é dessas tecnologias). Abre-se, com isso, espaço
reforçado quando se constara no uso dessas tec para a discussão da própria tecnologia tanto
nologias uma reprodução das desigualdades quanto dos grupos que por ela se interessam.
Notas
1 Primeiro computador digital, criado em 1943, que pesava mais de 30 to neladas e tinha 18 mil
válvulas eletrônicas para definir sua programação (os algoritmos),
2 É importante ter em conta que os EUA, apesar das políticas contra o desemprego, não concen
traram no Estado a prestação de serviços de saúde e educação, como na Europa, o que traz
discussões acerca da validade do conceito de Estado de Bem-Estar para este país.
3 Em seu artigo, Laís Abramo analisou 38 pesquisas feitas entre 1984 e 198.8 a respeito da
introdução das novas tecnologias dé base microeletrônica, as MFCN, na indústria brasileira.
4 No original; “instituciones âdecuadas para las nuevas necesidades y para las nuevas capacida
des que el cambio tecnológico éstá forjando”.
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Resumo
Este trabalho consdtui uma sistematização de conceitos c debates acerca das Tecnologias da Informação
e Comunicação (T IC ), de seu desenvolvimento e implicações sociais apontadas a partir de 1950 por
diferentes perspectivas reóricas nas Ciências Sociais. A grande variedade de remas pelos quais tais tecnologias
perpassam nos permitiu, mesmo assim, estabelecer eixos de analise sobre a literatura existente, identificando
nesses debates aspectos relacionados às estruturas sociais que percorrem os temas da informação e da
tecnologia. Com isso, foi possível abrir caminhos p aia um a reflexão sociológica, tendo em conta os
avanços e lacunas presentes em meio século de debates sobre as TIC, e sugerir algumas questões para
faturas leimras e aiiálises.
Abstract
This paper consists in a systematization of concepts and debates on Information and Com m unication
Technologies (IC T), as w ell as its development and social implications pointed out from 1950 on by
different theoretical perspectives in the Social Sciences. The great variety o f themes by which such
technologies traverse have allowed establishing an axis of analysis on the existing literature, identifying in
such debates aspects that have allowed reasoning the social structures that run the rhemes of information
technology. T hat wav, it has been possible to open ways for a sociological thinking considering both
advances and deficiencies present in h alf a century o f debates on ICT, suggesting some questions for future
readings and analyses.
Résumé
C e travail presente une systémarisation des concepts et debars relatifs aux Technologies de I'lnformation
et de la Com munication (TIC), de lew s développements et des implications sociales indiquées à partir de
1950 par différentes perspectives théoriques dans les Sciences Sociales. La grande variété de themes
45
touchés par ces technologies ont permis d'établir des axes d ’analyse à propos de la littérature existante, et
d’identifier, dans ces débats,, des aspects qui perm ettent de penser les structures sociales qui parcourent les
thèmes de l'information et de la technologie. Grâce à cela, il a été possible d’ouvrir les voies vers une
réflexion sociologique qui tienne en compte les avancées et les lacunes présentes en un demi siècle de
débats à propos des T IC , et de suggérer quelques questions pour de futures lectures et analyses.
M o ts-clés: Sociologie de la tech no lo gie; In ferm atio n n alism e; Technologies de l ’in fo rm atio n et
Com munication; Technocratie; Sociologie du Travail.
46
Cultura das Organizações: Enfoques Dominantes,
Tendências Internacionais e Novas Propostas Analíticas
LeonorLima Torres
48
deseja interiorizar prioritariamente a todos os ras, o seu grau de infiltração e extensão. Nessa
actores da organização. O protagonista culticral , óptica, a cultura organizacional corresponderia
ou o elemento central na criação da cultura é o ao denominador comum das várias subculturas
líder (fundador ou empresário) da organiza existentes com a particularidade de nunca ser
ção, que adquire poderes de eleger os seus pró concepiualizada de forma homogeneizante, até
prios valores e crenças como aqueles que passa porque parte-se do princípio de que as diferen
rão a ser impostos aos restantes membros da ciações sociais e culturais são inerentes ao siste
organização. Sendo a cultura vista como uma ma social como um todo (Gregory, 1983; Van
variável que a organização tem e que se pode Maanen, 1991; Rósen, 1991, entre outros).
desenvolver à luz dos interesses gestionários, Contrariamente à ■anterior, a perspectiva
abre-se então a possibilidade, segundo essa pers diferen ciadora atribui um papel de protago-
pectiva, de g erir e m udar a cultura a favor da nismo aos actores no processo de construção e
integração, da comunhão da interesses, da par reconstrução, da cultura da organização, pois
tilha de valores, do consenso. Não será de estra visibiliza o papel activo é determinante dos dife
nhar, por isso, que os mecanismos eleitos para rentes grupos profissionais na negociação dos
salvaguardar a manutenção e a consolidação significados, valores, normas, estruturadores da
do status quo e da estabilidade cultural sejam os organização. Aproxima-se, portanto, de um
processos de socialização profissional, as estra enfoque mais interpretativo.
tégias de treinam ento do pessoal, os rituais de E é por referência a essas subculturas, que
confraternização, os mitos da grande família segmentam culturalmente a organização, que
etc, Como expoentes máximos do desenvolvi podemos focalizar diferentes dinâmicas na cons
mento desses pressupostos teórico-conceptuais, trução das identidades profissionais, muito se
situam-se autores como Schein (1985,1991), dimentadas nas vivências e nas interacções regu
Ouchi (1986), Peters e Waterman (1987) e lares estabelecidas entre o grupo depares, que
Deal e Kennedy (1988 [1982]), entre outros. se confinam às mesmas condições de trabalho.
Nãó admitindo a presença de uma cultura ho
Aperspectiva diferenciadora mogeneizante que dilua as heterogeneidades
profissionais, essa visio teórica faz ressaltar as
No tocante a essa perspectiva, salientamos implicações dos processos de aprendizagem
sobretudo a ênfase colocada nas diferenciações cultural na construção das identidades colecti
culturais, nos dissensos, nos conflitos e nos an vas de trabalho, aliás uma agenda teórica mui
tagonismos culturais emergentes numa mesma to bem sustentada por Sainsaulieu (1987).
organização. A organização caracteriza-se pela Ora, as espécificidades de um contexto
coexistência (simultânea ou não) de diferentes organizativo marcado por uma multiplicida
subculturas cujo desenvolvimento e cristaliza de, por vezes conflituosa, de “loci de cultura”,
ção radica na segmentação da organização do ou “meios portadores de cultura” (cidture bect-
trabalho contemporâneo —a divisão vertical e rin gm ilieu ) (Lotus, 1985), e que visibilizam o
horizontal, a depammentaiização, a existência papel activò e determinante dos grupos socio-
de vários postos de trabalho - que, ao permitir profissionais na negociação dos significados,
o estabelecimento de interacções privilegiadas valores, normas, estruturadores da organização,
no espaço e no tempo entre determinados gru exigem do investigador o reconhecimento de
pos profissionais, lança as condições para a que em contexto organizacional coexistem sub-
emergência de múltiplas (sub)culturas, tornan culturas ocupaeionais sedimentadoras de iden
do-se mesmo difícil identificar as suas frontei tidades profissionais diversas.
49
Aperspectivafragmentadora ambiguidades e desconexões experienciadas
pelos actores, em suas intenções, na compreen
Contrariando as lógicas da clareza, da ordem são dos objectivos organizacionais e, maisrestri
e da previsibilidade conceptual subjacentes à tamente, na eventual confusão inerente à própria
unidade/consistência e à diferença/inconsistên ocupação ou função organizacional, impede a
cia defendidas pelas perspectivas integradora e construção de identidades colectivas e de iden
diferenciadora, respectivamente, a visão fr a g tidades profissionais —quando muito pode
m entado m releva como elemento central de conduzira proliferação desarticulada de iden
análise as ambiguidades inerentes às múltiplas tidades de trabalho meramente individuais.
ordens e racionalidades organizacionais, propi Mesmo admitindo a possibilidade de os
ciando, desse modo, a emergência de uma varie diversos actores partilharem, em contexto or
dade de interpretações sobre uma realidade que ganizacional, orientações e objectivos comuns,
é sobretudo socialmente construída e caracteri tal como experienciarem problemas similares,
zada pela complexidade, diversidade e pelo são as crenças e os valores individuais que em
paradoxo (Martin, 1992). Se, por um lado, as última instânciaaccionam diferentes soluções
concepções de mundo em nível global, societal para os mais variados problemas, fragilizando
e, mais especificamente, organizacional, se ins assim essà aparente homogeneidade.’
piram em alguns pressupostos enformadores
dos modelos de ambiguidade, por outro, pare A multiperspectivação
ce-nos que a perspectiva fragmentado^ ao acen
tuar as suas análises no domínio dos actores em Apesar de a grande maioria dos trabalhos
contextos organizacionais, enquanto protago sobre a cultura organizacional perfilhar apenas
nistas na construção e reconstrução de signifi uma das perspectivas teóricas, convém salientar
cados e interpretações múltiplas, não deixa tam que partimos do pressuposto de que a comple
bém de reflectir influências que em muito mentaridade teórica subjacente às três visões se
aspectos se aproximam de alguns postulados toma imprescindível para a compreensão da
teóricos dos modelas subjectivos* E se a aborda totalidade do contexto cultural, como já tivemos
gem fragmentadora produz a sua aproximação oportunidade de o testar empiricamente, em
à cultura das organizações pela análise das práti anteriores trabalhos de investigação (Torres,
cas, dos sentidos das práticas e da ausência de 1997, 2001, 2004). A partilha dos elementos
ambos, centrados nos actores, então a natureza culturais (valores, crenças, opiniões etc.) pelos
essencialmente ambígua dos objectivos organi diferentes actores de uma dada organização só
zacionais, da tecnologia e das práticas sócio-or- pode ser abordada como se de uma questão de
ganizacionais, tornar-se-á provavelmente mais grau se tratasse, como se situando ao longo de
perceptível se admitirmos que aquela perspecti um intermitente continuum revelador de distin
va pode ser igualmente tributária da corrente tos graus de coesão cultural entre os actores.
sociológica da Teoria da Acção. Assim, e procurando explicitar a representação
Aquilo que parece sobressair desta aborda gráfica (Figura 1), é possível encontrar no seio
gem cultural é uma multiplicidade de crenças, das organizações pelo menos três tipos de cultu
valores e significados dados pelos actores às expe ra, consoante o grau e a especificidade das suas
riências vividas, sem que se denote, em contexto manifestações: a cidtura integradora, quando o
algum, a consolidação de uníformídades de con grau de partilha e de identificação colectiva com
dutas ou de atitudes dos grupos estruturadores os objectivos e valores da organização é elevado;
da organização. De igual modo, todo o rol de a cultura diferenciadora, quando o grau de parti-
50
lha cultural apenas se restringe ao grupo de refe- nal; por fim, a cultura fragmentadora, quando se
rència, sendo provável a coexistência de distin- constata o grau mínimo de partilha cultural, fre
tas subculturas no mesmo contexto organízacio- quentemente adscrita à mera esfera individual.
Figura 1
M anifestações da C ultu ra O rganizacional: C u ltu ra Integradora, D iferenciadora e Fragm entadora
das. A observação da Figura 2 incide sobre o tivas teóricas subjacentes a cada estudo, com o
número global de publicações, revelando-nos fim de obter uma espécie de retrato que captasse
evoluções similares nas quatro bases de dados, o as tendências teóricas mais globais, isto é, o grau
que parece querer significar que o interesse e o e a intensidade de expressão assumida por algu
ritmo de produção de trabalhos sobre essa pro mas manifestações culturais. Assim, a Figura 3
blemática não estiveram condicionados às especi- evidencia-nos a preponderância da perspectiva
ficidades dos seus contextos de produção. Sem integradora da cultura na orientação dos vários
pre que foi possível aceder aos resumos dos trabalhos produzidos, confirmando, desse mo
trabalhos inscritos nas bases de dados (UMI, do, a supremacia do paradigma flmcionalista na
ERIC e ISI), procuramos identificar as perspec análise dos fenómenos culturais nas organizações.
51
Figura 3
Perspectiva Teórica A doptada no Estudo da C ultu ra O rganizacional
Integradora Fragmentadora
Dado que os estudos sobre a corporate cul conforme ilustra a Figura 4, e sobretudo na ISI
ture constituem uma linha invesrigativa forte e na ABI que a corporate culture obtém um nú
mente inspirada nos pressupostos integradores mero de observações mais elevado, com desta
da cultura (cf. por exemplo, Deal e Kermedy, que para esta última, onde se encontram mais
1988 [1982]; e Killmann et al., 1985), im de quinhentos trabalhos em cujo título o ter
pôs-se no decurso da nossa investigação a curio mo aparece, ultrapassando mesmo o número
sidade sociológica de saber qual a expressão dessa de estudos incluídos na designação de cultura
linha nas várias bases de dados trabalhadas. E, organizacional.
Figura 4
Cultura Organizacional e Corporate Culture
52
Sabendo de antemão da inspiração ges Estados Unidos da América, enquanto que os
tionária daqueles pressupostos e tendo presen trabalhos produzidos na Europa e noutros
te que mais de 50% dos estudos recenseados países denotam maior adesão ao paradigma
nas três bases adoptaram a perspectiva inte crítico e interpretativo, submetendo estes às
gradora, fica clara a supremacia desta corrente suas pesquisas e enfoques mais multitèoréticos,
na abordagem dos fenómenos culturais nas em que a perspectiva diferenciadoi'a e a multi-
organizações. Referência ainda para a discre perspectivação assumem maior protagonismo
pância entre as três perspectivas, quando ob analítico.
servamos as bases de dados em que os trabalhos A partir dos dados (em bruto) fornecidos
estão registados: a UMI, mais perto do contex pela ISI Web of Science, relativamente ao
to académico de produção, configura o enfo universo dos trabalhos citados por cada autor
que integrador quase três vezes superior ao incluído nessa base, construímos alguns rank
enfoque diferenciador e cinco vezes mais pro ings das publicações e dos autores mais citados
dutivo do que o enfoque multiperspectivacio- para melhor apreender os senddos da evolução
nal; na ERIC, os números e essas proporções da problemárica da cultura organizacional. Ao
são menos significativos, enquanto na ISI se analisarmos a Figura 5 r.elauva ao rankingàas,
destaca o enfoque muhiperspectivaaonal com publicações màis citadas, deparamo-nos com
valores superiores ao diferenciador, muito em um cenário totalmente dominado pela litera
bora constitua sensivelmente um terço dos tra tura de tipo empresarial, o que denota a utili
balhos realizados com a orientação do enfoque zação prevalecente de um quadro de referência
integrador. teórica inspirado na empresa e, porventura, re
Quanto à perspectiva diferenciadora , iden convertido para outras realidades organiza
tificamos a existência de um total de 203 tra cionais. Publicados, sobretudo ao longo da
balhos, número este bastante inferior aos 540 década de 1980, os trabalhos sobre a cultura
trabalhos alocados na perspectiva integradora, o organizacional mais citados internacionalmen
que poderá indiciar algumas resistências teó te apresentam a tipologia de obra ou artigo
ricas ao avocar da natureza plural e diversifi científico {quase na mesma proporção), sendo
cada das culturas organizacionais. Por fim, de destacar, no entanto, que os três primeiros
podemos ainda verificar que a perspectivafra g lugares são ocupados por obras norte-ameri
mentadora, enquanto enfoque exclusivo, não canas que ficaram celebrizadas nesse domínio
foi por nós detectada na análise que efectuá de estudo.
mos, não obstante depreendermos a sua expres Não obstante o evidente protagonismo.
são difusa na constituição da abordagem das áreas da gestão e da sociologia das organi
multiperspecdvacional, ainda que em termos de zações, a pluralidade de posicionamentos teó
complementaridade e articulação com as outras ricos, metodológicos e episteraológicos implí
duas perspectivas. cita neste ranking revela bem a complexidade
A informação disponível permite-nos inerente ao processo de construção da pro
igualmente o cruzamento de algumas variáveis blemática da cultura organizacional. Por um
pertinentes para o aclarar das tendências acima lado, e ocupando os iugares cimeiros, encon
captadas, nomeadamente porque põe em evi tram-se trabalhos teoricamente inscritos numa
dência a relevância de algumas tradições teóricas perspectiva integradora da cultura, mais pró
radicadas em distintas culturas, científico-in- xima de registos normativos e gestionários que
vestigativas. Por exemplo, apurámos a tendên privilegiam os processos de mudança organi
cia de afirmação ààperspectiva. integradora nos zacional; por outro lado, e numa proporção
53
Figura 5
Publicações m ais citadas (ISI)
interessante, ressaltam os trabalhos, que adop que outros trabalhos de sentido teórico inver
tam um enfoque fundamentalmente crítico e so, quer em termos de representatividade esta
problematizador, mais próximos de perspectivas tística, quer em relação aos lugares ocupados,
diferenciadoras efragm m tadoras da cultura (por rivalizam e relativizam a hegemonia do para
exemplo, Smircich, 1983a, 1983b; Pettigrew, digma funcionalista na análise da cultura orga
1979; Aliai reeFirsirotu, 1984; Berger e Luck- nizacional, Essa tese ganha consistência quan
mann, 1990; Martin, 1992, 2002; Martin e do confrontamos essas informações com os
Meyerson, 1988; e Martin e outros, 1983, dados evidenciados pelo ranking relativo aos
1985). autores mais citados (Figura 6), onde, à excep
Se bem que o primeiro enfoque, ocupado ção do destacado Schein, é possível encontrar
pelos lugares cimeiros do ranking, apareça em autores de distintas filiações teóricas em lugares
vantagem com petitiva, julgamos, no entanto, de significativa difusão.
54
Figura 6
Autores m ais citados (ÏSI)
55
críticas e Kolístícas dosfenómenos culturais. IIus- integrados nessa linha de investigação, Essa
trativamente, a Figura 7 apresenta a expressão matriz que intercepta os vários trabalhos assen
que as diferentes perspectivas teóricas assumem ta na rejeição de uma imagem exclusivamente
no estudo da escola (por confronto com as integradora e uniforme de cultura, propondo,
empresas e outras organizações) e no âmbito de em contrapartida, a análise e interpretação de
duas bases de dados (UMI e ERIC). várias possibilidades de manifestação cultural.
Apesar de se verificar a supremacia teórica O questionamento, sob diferentes ângulos de
da p ersp ectiv a in tegra d ora nas abordagens análise, dos estudos de tipo monoculturalj per
culturais dé codas as organizações, os dados da mitiu não só um alargamento teórico.-científi-
UMI, revelam que, num segundo plano, a co da problemática, como visibilizou distintas
perspectiva diferenciadora e a m ultiperspectiva- e contraditórias modalidades de apreensão da
ção atingem valores mais elevados nas aborda cultura organizacional.
gens culturais da escola (e mesmo em outras Celebrizando o registo mais crítico e pro-
organizações) do que propriamente nós estu blematizador de entre todas as modalidades de
dos empresariais. Essa constatação vem refor apreensão da cultura, os vários trabalhos pro
çar a ideia de maior protagonismo da área da duzidos no âmbito dessa agenda constituem já
educação no desenvolvimento do movimento um suporte teórico e científico relativamente
crítico. sustentado, sobretudo no campo educativo. De
Se bem que este movimento alternativo facto, ao constatarmos que o contexto da edu
não represente um corpus teórico-científico ho cação escolar tem sido aquele que mais tem
mogéneo e uniforme, dadas as múltiplas filia fomentado o aprofundamento teórico deste
ções teóricas e ideológicas que integra, é.possí movimento, somos tentados a admitir a hipó
vel, mesmo assim, identificar um denominador tese de existência de uma correlação entre as
comum que atravessa a maioria dos trabalhos especificidades da estrutura-acção da escola e
Figura 7
Perspectiva Teórica por Tipo de Organização Estudada
(análise comparativa entre a UMI e a £RIC)
UM! ERJ.C
56
os seus efeitos na construção da cultura orga o jogo de forças coexistentes em determinado
nizacional. Isto é, as singularidades políticas e contexto. Por isso, investe-se em abordagens
organizacionais da escola, ao alicerçarem-se sob mais hoiísticas, que extravasam os limites físi
diferentes 'planos analíticos”,6 com impacto cos da própria organização, ora enfatizando os
assinalável nas práticas e interacções quotidia processos de construção cultural de cima para
nas, parecem exigir a convocação de mode baixo (top-dow n ), ora questionando tal orien
los de análise alternativos, susceptíveis de tação, proclamando antes uma inflexão analíti
melhor apreender o carácter holístico e muki- ca, assente numa recentralização da escola como
factorial que subjaz ao “processo de construção espaço investigativo, deslocando o enfoque de
e reconstrução da cultura da escola” (cf. Bates, baixo para cima (dow n-top ),
1987, pp. 88-89; e Sparkes e Bloomer, 1993, A natureza multidisciplinar desse movi
p. 171). mento, assim como a sua associação a metodolo
Decorrente das especificidades do modelo gias de investigação mais qualitativas, não só
organizativo da escola, o impacto das reformas permitiu uma abordagem mais aprofundada e
educativas sobre os processos de mudança nas consolidada sobre a problemática da cultura,
organizações escolares assume proporções mais como correlativamente desmistificou algumas
expressivas ao visibiliz.ar uma desçontinuidade apropriações ideológicas e políticas a que aquela
entre o contexto heterónimo de concepção de tem sido sujeita. Ao denunciar-se a presença de
orientações/medidas (administração central) e diferenciadas manifestações culturais (cultura
o contexto localizado e periférico de adopção e integradora, diferenctadora e/oufragm entadora)
implementação pelos actores (escolas). A cons num mesmo contexto organizacional, questio
tatação de uma certa desregulação, e, por vezes, na-se como consequência, a natureza positivis
mesmo de uma ruptura profunda entre as ta (fixista e estática) dos pressupostos integra
esferas da concepção (objectivos) e os espaços dores da cultura, assim como a sua relação directa
concretos de implementação (resultados), com os objectivos da eficácia e da eficiência.
fomentou a necessidade de se compreender, Não obstante a diversidade de trabalhos
por um lado, as especificidades culturais dos produzidos em diferentes contextos organiza
contextos onde decorre a acção educativa e, cionais, sobretudo escolares, julgamos, contu
por outro lado, a reacção destes a um conjunto do, que a edificação de um modelo teórico para
de factores, como, por exemplo, um pacote de a análise da cultura organizacional ainda se en
programas de acção externamente produzidos. contra comprometida peio tradicional fecha
Essa dupla preocupação em olhar a cultura or mento disciplinar dos estudos e pelos limites
ganizacional simultaneamente como processo e temporais e lógicas institucionalmente impos
produ to parece estar presente em grande parte tas aos projectos de investigação.
das investigações enquadradas no movimento
crítico. A Construção da Cultura nas
Se bem que a resistência à dissociação das Organizações: Regularidades e
ideias de cultura organizacional e desenvolvi Dinâmicas na Sedimentação
mento da escola continue presente nalguns tra
balhos, privilegia-se, doravante, um enfoque Analisando a vastíssima literatura desen
multidisciplinar, susceptível de desocultar os volvida sobre a cultura organizacional, identi
factores intervenientes na construção da cultu ficamos como uma das fragilidades teóricas mais
ra organizacional da escola, podendo esta tra expressivas, sobretudo em relação aos trabalhos
duzir-se em distintas manifestações consoante de natureza mais gestionária, a quase ausência
57
de informação acerca dos processos de constru manifestação cultural (integradora, diferencia-
ção e reconstrução das dimensões culturais das dora, fragmentadora). A sobreposição de di
organizações. Ao privilegiar-se, em primeiro versas configurações culturais no contexto or
plano, os processos de diagnóstico e de gestão ganizacional aparece, igualmente, associada à
das variáveis culturais e das suas relações com ideia de “tráfico cultural” (Alvesson, 2002, p.
os resultados organizacionais, desfocou-se a aten 191), no sentido em que reflecte o fluir da
ção dos modos como se processa a construção e mudança das orientações e constelações sócio-
a consolidação das culturas, transferindo-se o culmrais em trânsito no seio de várias instân
enfoque para os processos de medição e de con cias: meios de comunicação social, agências
trolo dos indicadores culturais. Porém, náo políticas, literatura científico-gestionária, mo
podemos verdadeiramente compreender a vimentos sociais, entre outros.
importância das especificidades culturais de As organizações enquanto loa de reprodu
üma dada organização sem primeiro identifi ção e produção normativa e cultural, reagem
carmos os tempos, os lugares e os espaços em activamente sobre o fluir do tráfico cultural\
que elás ocorrem. A relevância do simbólico e redireccionado-o e recontextualizando-o a par
do cultural no contexto das organizações será tir de um processo similar ao de “reposição cul
tanto mais significativa quanto melbor conhe tural dinâmica”, defendido por Alvesson (;idem ,
cermos os factores que contribuíram para o seu p. 192), isto é, o modo pelo qual os valores, as
desenvolvimento. crenças, os significados permutam entre o cen
Em face desse quadro de fundo, defende tro e a periferia, entre a macro-estrutura e a
mos aadopção de uma focalização interpreta- acção organizacional, num movimento dinâ
tiva e crítica da cultura organizacional, que en mico e interactivo. A pertinência analítica des
fatize a sua natureza processual, dinâmica e ses “princípios para um uso produtivo do con
dialéctica. Em termos fenomenológicoSi o pro ceito de cultura organizacional” (idem, ibidem,
cesso de construção da cultura organizacional p. 189) reside na exploração da dupla tensão
constitui uma forma sustentada de hibridaçáo, das relações entre estrutura e acção e entre den
resultante de combinações, de interferências tro e fora (Torres, 2004).
mútuas, de interfaces e interpenetrações entre Erguido a partir de dois eixos principais, a
um vasto conjunto de factores. Na sequência grelha analítica representada na Figura 8, pro
dessas orientações teóricas, faz sentido recupe cura ilustrar os diversos graus de implicação,
rar a proposta desenvolvida por Alvesson articulação e de interdependência entre as res
(2002, pp. 190 ss.), assente numa visão das pectivas categorias constituintes do eixo hori
“configurações culturais múltiplas”, para enfa zontal (fora/dentro) e do eixo vertical (estrutu
tizai' a ideia de hibridação e de mistura de ma ra/acção) no processo de construção da cultura
nifestações culturais de diferentes níveis e de organizacional. Da intersecção entre os dois eixos
distintas naturezas. Abordada como um pro resulta o recorte de quatro quadrantes, regulados
cesso dinâmico e de configuração variável, re por factores de incidência e expressão diferen
sultante de uma simbiose operada entre as cir ciados na construção cultural e simbólica: o
cunstâncias externas (das locais às de âmbito quadrante 1 , circunscrito ao binário estrutura/
global) e a forma como estas são construídas e dentro, evidencia a centralidade da estrutura
reconstruídas nos contextos organizacionais formal no processo de construção da cultura,
concretos, a cultura organizacional assume, induzindo uma relação de sobredererminação
desse modo, uma natureza multiconfiguracio- da primeira sobre a segunda; o quadrante 2 ,
naf, podendo dar origem a distintas formas de localizado na intersecção entre a acção e o
58
Figura S
Processo de Construção da Cultura Organizacional
i
\
Estrutura /
formal J
Ex: Órgãos de administração
e gestão / Serviços / Posto
^de Trabalho ^___ v
Ex: Orientações poiííicas,
económicase^rofissionais
de âmbijd gíobaí^acional
í' e local }
Factores
\ ■
Factores
Exógenos Endógenos
Fora/Exterior Ex: Espaços de convívio
Dentro/Interior
e sociabilidade, rituais de
Ex: Aprendizagens socjâis interacção, rotinas e
v _desenvolvimento foçâ da padrões de comportamento
organizaçãíj (femília, àfnigos,
>es diversas]
Acção/
Informal
dentro, revela o protagonismò da agência hu do mais, essa visão recortada da problemática
mana no interior da organização na produção possibilita um pertinente exercício de desven-
da sua cultura; o quadrante 3 , situado na conver damento das limitações e das capacidades ex
gência enrre a acção e o fora, aponta-nos para a plicativas propiciadas por cada constelação cul
influência exercida quer pelas trajectórias de socia tural, indispensável à problematização da
lização vivenciadas pelos actores nos vários cultura organizacional.
contextos sociais, quer pelo genotipo cultural da Se é facto que, no actual quadro de globa
comunidade/meio ria construção da cultura or lização económicd-culturai, as organizações de
ganizacional ; por fim, o quadrante 4 , restrito ao trabalho têm estado sujeitas a múltiplas transfor
cruzamento dos campos estrutura/fora, sugere- mações - na política de gestão, na estrutura orga-
nos a prevalência dos padrões estruturais, exter nizativa, rias práticas de trabalho, nas compe
namente contexrualizados no nível polídco e na tências e nos perfis pro-fissionais, e na formação
esfera profissional, no enquadramento das orien profissional com um impacto assinalável na
tações normativas e culturais dá organização, reconfiguração da sua cultura, interessa apro
A relevância heurística desses quatro cená fundar os processos de construção e reconstru
rios culturais, analiticamente recortados do mode ção cultural a partir de uma óptica mais global,
lo teórico, reside na visualização dos efeitos que que contemple as diversas pressões e tensões que
determinados factores exercem sobre o processo actualmente se impõem a todo o processo de
de construção da cultura, sòbretudó qiiando produção cultural. Estamos em crer que o mo
estão em discussão as potencialidades de distintas delo teórico que temos vindo a desenvolver cons
perspectivas teóricas, assentes em diferenciadas titui apenas um pequeno contributo a merecer,
agendas científicas, políticas e ideológicas. Além futuramente, maior reflexão e aprofundamento.
59
Notas
1 A função destes dados deve ser entendida como meramente ilustrativa de algumas tendências
evolutivas da problemática da cultura organizacional, já que as bases electrónicas consultadas
não integram a totalidade de trabalhos produzidos na área, incidindo particularmente nos países
anglo-saxónicos e, entre estes, com grande preponderância, nos Estados Unidos da América.
2 Para um desenvolvimento teórico dessas focalizações, ver Smircich (1983a).
3 Sobre os pressupostos e o desenvolvimento teórico subjacentes a essas perspectivas, ver Meyerson
e Martin (1987); Martin e Meyerson (1988); Frost (1991); Martin (1992, 2002).
4 Para uma síntese dos vários modelos teóricos de análise organizacional, nomeadamente no que
respeita aos modelos subjectivos, ver, por exemplo, Bush (1986).
5 No âmbito da perspectiva fragmentadora, ver, por exemplo, os contributos de Weick (1991),
Meyerson (1991) eFeldman (1991).
6 Referimo-nos, na esteira de Lima (1992), ao “plano das orientações para a acção" e ao “plano da
acção organizacional”, regidos por distintas regras e lógicas organizacionais.
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Resumo
Cultura das Organizações: Enfoques Dominantes, Tendências Internacionais e Novas Propostas Analíticas
A cultura e o simbolismo organizacional representam hoje una sólido campo de estudos marcado por
múltiplas contribuições disciplinares e por diversas agendas teóricas. Analisando a diversidade de estudos
produzidos nas dirimas décadas no plano internacional, identificamos dois movimentos teóricos distintos
e concorrentes na abordagem da culrura organizacional: o movimento integrador, como referencial
hegemónico; e em contra-corrence, o movimento crítico. Se, por um lado, as perspectivas de natureza mais
gesdonária e integradora defendem que as culturas integradoras favorecem a construção da excelência e a
competitividade organizacional, por outro lado, as perspectivas críticas e reflexivas investem no estudo
dos processos de construção e manifestação do cultural, relativizando o seu uso como técnica a serviço da
produtividade. O objectivo centrai deste artigo consiste na apresentação de um modelo teórico-empírico
para a análise das dimensões culturais e simbólicas das organizações que perm ita apreender os actuais
processos de m udança em curso nas organizações de trabalho.
Abstract
Culture o f Organizations: Dominant Focusing, International Tendencies, and New Analytical Proposals
Both culture and organizational symbolism represent nowadays a solid field o f study marked by m ultiple
disciplinar)' contributions and by several theoretical agendas. H aving analyzed the diversity of studies
produced in the last few decades in the international level, w e have identified two competing distinct
theoretical srudies on approaching organizational culture: the integrator movement, as a hegemonic refer
62
ential, and, as a countercurrent, the critical movement. If, on the one hand some more m anaging and
integrating perspectives support that integrating cultures w ill favor the building o f excellence and organi
zational competitiveness, on the other hand critical and reasoning perspectives w ill invest in the study of
processes o f construction and cultural .manifestation, relarivizing its usage as a technique in service of
productivity. The central objective o f this article consists in presenting a theoretical-empirical model to
analyze cultural and symbolic dimensions o f organizations that w ill allow apprehending the current
processes o f ongoing changes in labor organizations.
K eyw ords: O rgan izatio n al cu ltu re; O rgan izatio n al sym b o lism ; T h e sociology o f o rganization s;
M anagerialism.
Résumé
Culture des Organisations: Points deVue Dominants, Tendances Internationales et Nouvelles Propositions Analytiques
63
Teoria e Método nos Estudos sobre o Legislativo Brasileiro;
uma Revisão da Literatura no Período 1994-2005
66
teorias, considerando seus aspectos teóricos, na forma de operacionalização das variáveis
metodológicos e empíricos. A operacionalização da explicativas por parte dos pesquisadores, de
análise considerou: (i) a análise da teoria, que im maneira que não é possível considerar todas aqui,
plica identificar os pressupostos teóricos de cada uma a uma.5 Então, para tornar viável essa análi
modelo; (ii) a análise da metodologia, que pressu se, o que se tem aqui é uma síntese das inúmeras
põe levantar que metodologias foram utilizadas variáveis utilizadas nos modelos, agrupadas na
para a realização dos estudos; e, por fim, (iii) a quilo que se pode chamai' de macrovaríáveis.
análise dos dados em píricos, ou seja, a verificação Essas macrovaríáveis agregam, por semelhança,
de quais os dados utilizados nos trabalhos. certo número de variáveis utilizadas nos modelos.
Os resultados da “entrevista” com a litera Como se vé na Tabela 1, estão classificadas
tura são os que seguem. em dois grupos: variáveis do tipo exógenas e do
tipo endógenas à organização legislativa. Essa
Estudos Legislativos por Variável classificação procura levar às últimas conseqüên
Explicativa cias a hipótese oferecida pela literatura norte-
americana, segundo a qual os estudos se dividem
Se considerarmos que a escolha de uma em modelos de primeira e segunda geração, que
variável explicativa para compor um determi demandam instituições para sua elaboração; e
nado modelo segue uma orientação teórica, ou os modelos de terceira geração, que, ao contrá
seja, que, quando um pesquisador parte para rio, oferecem as próprias instituições para a cons
um objeto de estudo, ele elabora hipóteses teo trução das explicações9 (Sliepsle e Weingast,
ricamente orientadas, o melhor critério para 1994). Por variáveis etidógenas, assumem-se
verificar as influências que um determinado aquelas que dizem respeito à organização interna
campo de pesquisa sofreu é a análise de suas do Poder Legislativo e ao processo decisório; e
variáveis explicativas. Dito de outra forma, o por variáveis exógenas, entendem-se as demais
melhor caminho é analisar aquilo que os pes variáveis utilizadas nas explicações em análise.
quisadores colocam do lado direito da equação. As m acrovaríáveis explicativas utilizadas
Entretanto, a análise dos inúmeros modelos nos modelos elaborados peta ciência política
apresentou uma imensa variação na seleção e brasileira nesse período são as seguintes.
T ab e la 1
Variáveis Explicativas, Agregadas, Utilizadas para Explicar a Organização
do Legislativo Brasileiro
M acrovaríáveis exógenas
continua
67
continuação
M acrovariáveis exógenas
Sistema eleitoral Sistema de lista aberta; processo de escolha dos candidatos no partido;
Conjunto de variáveis relativas às regras descentralização da escolha dos candidatos no partido; migração partidá
eleitorais e partidárias. ria (fidelidade); magnitude do distrito; competição eleitoral no distrito;
gastos de campanha; n° de cadeiras do distrito; desproporcionalidade (n°
de cadeiras x n° de habitantes - mãlãpointment) ; eleição em dois turnos
para governadores (indica fraqueza ou força do candidato); ciclos eleitorais.
Ba ckçro und/exp ertise Atividade econômica predominante; atividade profissional; ter exercido
Conjunto de variáveis relativas ao histó cargo eletivo no Executivo ou no Legisladvo (nas três esferas de governo);
rico do parlamentar, tanto de expertist ter exercido cargo não-elerivo no Executivo (burocracia, nas três esferas);
como de experiência política. área de atuação política (movimentos sociais, sindicatos etc.); formação
académica; perfil sociológico (sexo, faixa etária, nível de instrução).
continua
continua
M acrovariáveh endógenas
Poderes do presidente Iniciativa exclusiva de leis, decreto com força de lei - medidas provisó
Variáveis relativas aos poderes de que rias; requerimento de urgência; poder de veto.
dispõe o presidente para fazer valer sua
vontade sobre o Legislativo.
Partidos políticos Partidos fortes (com capacidade para resolver problemas de ação coleti
Conjunto de variáveis relativas ao poder va); partidos fracos (que não desempenham um papel relevante na arena
do partido político na arena parlamentar. legislativa); migração partidária; coesão partidária; disciplina partidária.
Processo legislativo Tipo de proposição (decreto legislativo; projeto de lei, medida provisória,
Conjunto de variáveis relativas às regras projetos de resoluções etc.); tempo de tramitação; autoria (autor na liderança
de tramitação e ao tipo de proposição e dos partidos ou em cargos de destaque no parlamento); sede da revisão
seus impactos nos outcomes legislativos. final (casa); parecer técnico das comissões (favorável ou contrário); relatoria.
Fonte: Banco de ciados do autor.
69
Três Grupos de Modelos Explicativos autores não é razoável. Entretanto, é perfeita
mente possível classificar os referidos grupos
Considerando a utilização que os pesqui pela sua opção teórica, ou seja, pelo conjunto
sadores fizeram das variáveis explicativas em de variáveis explicativas que os autores deram
seus modelos, chega-se, sem maiores proble mais significado. Nesse sentido, passar-se-á a
mas, a três grupos de estudos sobre o Legislati chamar o Grupo I de modelos de arena Executi-
vo brasileiro. vo-Legislativo , que também poderia ser cha
O Grupo I é formado por 25 modelos ca mado de modelo de processo decisório; o Gru
racterizados pela utilização exclusiva de variá po II de modelos de arena eleitoral, e o Grupo III
veis endógenas. Os treze autores que desen de modelos de dupla arena.
volveram esses modelos foram: Figueiredo e Contudo, para que essa classificação não
Limongi (1994a; 1994b; 1995; 1997; 1998a; sugira certo atropelo das diferenças, é mais pru
1998b; 2000; 2001a; 2001b; 2001c; 2002a; dente refinar a sua análise, demonstrando o
2002b; 2003; 2005); Figueiredo (2001); Al peso que cada grupo de estudos atribui a cada
meida e Santos (2005); Figueiredo, Limongi e variável explicativa.
Valente (1999); Cheibub, Figueiredo e Limon
gi (2002); Amorim Neto (2000); Amorim Neto O Peso das Variáveis Explicativas em Cada
e Santos (2001; 2002); Amorim Neto e Tafner Grupo de Modelos
(2002); Amorim Neto, Cos e McCubbins
(2003); Santos (1995; 1997); Ricci (2003); Partindo da mesma premissa anteriormen
Pereira e Mueller (2000). te sugerida, segundo a qual a escolha por deter
O Grupo II é formado por seis modelos minadas variáveis explicativas por parte de um
que utilizam exclusivamente variáveis exóge pesquisador é informada pela teoria que orien
nas. Aqui encontramos: dois modelos de Ames ta a formulação de suas hipóteses, parece ser
(2003); dois modelos de Mainwaring (2001); coerente, e relevante, saber mais sobre essas
um de Carey e Reinhardt (20.03) e outro de opções teóricas. Com isso, não só se pode carac
Santos (1999). terizar melhor cada um desses grupos, mas, so
Por fim, o Grupo III, que é formado por bretudo, inferir de forma mais segura quais os
quatoree modelos que combinam de forma re referenciais teóricos que os orientaram. Em
lativamente equilibrada os dois tipos de variá suma, a idéia é que se forem atribuídos valores
veis, endógenas e exógenas, ou seja, aquilo que pelo padrão de utilização das variáveis11 expli
se pode chamar de modelos híbridos. Nesse cativas pelos pesquisadores dos três diferentes
grupo temos: dois modelos de Ames (2003); grupos, como forma de mensurar sua impor
Pereira e Mueller (2002; 2003); Santos (2002; tância, é possível então representar graficamente
2004); Amorim Neto e Santos (2003); Pereira as semelhanças, as diferenças e as áreas de ten
e Rennó (2001); Santos e Rennó (2004); são entre os grupos (ver Figura 4).
Mueller e Alston (2005); Cheibub, Figueire
do e Limongi (2002); Arretche e Rodden Modelos Explicativos de Arena Executivo-
(2004); Lemos (2001), Leoni, Pereira e Rennó Legislativo (ou d e Processo Decisório)
(2003) e Melo e Anastasía (2005).10
Como se vê, o uso de determinado tipo de Os modelos de arena Executivo-Legíslati-
variável não é exclusivo de qualquer grupo de vo se caracterizam pela escolha predominante
autores, pois muitos deles aparecem em mais de variáveis endógenas e seus autores atribuem
de um grupo. Portanto, uma classificação por alto grau de capacidade explicativa aos poderes
70
presidenciais, à centralização decisória na Câ República está em posição privilegiada no sis
mara dos Deputados e ao papel desempenha tema político brasileiro. Associada a isso, a cen
do pelos partidos políticos (ver Figura 1}. tralização do processo decisório na Câmara aca
Em resumo, a tese desse grupo é orientada ba conferindo altos poderes aos líderes dos
pela assunção de que as instituições próprias partidos e àqueies que desempenham papel-
do Poder Legislativo (e da sua relação com o chave no processo decisório. O resultado é que
Executivo) importam e têm impacto tanto na os partidos são dotados de vários instrumentos
organização, quanto na performance e no con para resolver problemas de ação coletiva. As
teúdo dos outcomes legislativos. Para autores sim, com relativa facilidade de montar uma
como Figueiredo e Limongi (2001 b), por exem coalizão estável a seu favor no parlamento, o
plo, contando com o poder de editar medidas presidente governaria mais ou menos como um
provisórias, poder de veto, de iniciativa exclu primeiro-ministro, diante de um Legislativo
siva e de requerer urgência, o presidente da estável e cooperativo.
Figura 1
Peso das Variáveis Explicativas dos M odelos de Arena Executivo-Legisiativo (1994-2005)
Federalismo
Seniority Forma de governo
Centralização decisória
Background/expertise
Poderes do presidente
Pork
Posição política ideoSogia
Outros autores relevantes nesse grupo, política, e cumpre um papel decisivo nesse pro
como Amorim Neto (2002) e Santos (2004), cesso. Em resumo, o Congresso colabora com o
chamam a atenção para duas outras variáveis presidente, mas isso tem seu preço.
relevantes: a patronagem e o processo legislativo. No caso da variável processo legislativo
Patronagem aqui é entendida como um con (tipo de proposição, probabilidade de um
junto de recursos à disposição do presidente deputado aprovar uma lei, o tipo de lei que se
para induzir o LegisJ ativo a aprovar sua agenda aprova, o tipo de benefícios que ela distribui
71
etc.), aj uda a esclarecer um antigo debate sobre lamentares, além, é claro, da delegaçao de po
a produção legislativa no Brasil, ou seja, essa deres ao Executivo e à burocracia.
variável lança luz sobre a natureza da prática
legislativa dos deputados, cuja tensão assenta Modelos Explicativos de Arena Eleitoral
entre a prática clienteíista/paroquial ou nacio
nal. Amorim Neto (2000), Santos (2002), já no caso dos modelos de arena eleitoral,
acompanhados também por Ricci (2003), as embora esses estudos não neguem totalmente
sumem que os recursos de patronagem e as ca a relevância das instituições endógenas ao Le
racterísticas próprias do processo legislativo dão gislativo, parece claro que seu foco também é
certa margem a negociações permanentes no bem definido. Para essa constatação, basta que
Congresso e que esse processo de negociação é se observe, na Figura 2, as opções por variáveis
parte da explicação do funcionamento do Le como federalismo, sistema eleitoral, desempe
gislativo brasileiro. Trata-se de uma visão mais nho eleitora] e padrão de votação dos deputa
complexa da realidade, ou seja, de ampliar o dos, o que caracteriza â troca de benefícios loca
debate incluindo outras variáveis para além dos lizados por votos, em especial no modelo
poderes presidenciais e da centralização decisó sugerido por Ames (2003).
ria no Congresso. Por outro lado, as explicações de Ames so
Diante da Figura 1 e das análises anterio bre o esforço desempenhado pelo presidente
res, é possível inferir que esse grupo de mode para aprovar sua agenda política junto ao Le
los explicativos recebe uma significativa carga gislativo recorrem à variávelpork, caracterizada
de influência da versão partidária. Isso porque sintomaticamente por esse autor como a distri
o peso que atribuem ao pape! dos partidos, à buição de emendas ao orçamento e a distribui
centralização decisória e aos poderes do presi ção de convênios dos ministérios com as prefei
dente tem estreita relação com os pressupostos turas, especialmente aquelas de interesse eleitoral
dessa versão, a qual assume que partidos de do presidente. Adicionalmente, outra caracte
sempenham o papel de resolver problemas de rística desses modelos é atribuir boa parte da
ação coletiva e que, em boa parte, as caracte responsabilidade dos problemas de governabi
rísticas do Legislativo podem ser explicadas a lidade ao sistema presidencialista de governo.
partir do processo de delegação de poderes do Há pelo menos dois traços característicos
Legislativo para q Executivo, assim como da nesses trabalhos que os aproximam da aborda
delegação interna.. Adicionalmente, a pouca gem distributivista da teoria norte-americana:
atenção dispensada ao sistema de comissões nos a explicação a partir de variáveis exógenas (em
permite inferir que esses autores as entendem especial o sistema eleitoral) e o Legislativo visto
como instituições com papel limitado, mais uma como mercado de votos, cujas instituições ga
vez uma assunção compatível com a versão rantem os ganhos de troca, tendo como moeda
partidária, que defende que comissões não têm corrente os benefícios localizados. No caso do
autonomia decisória e estão, na verdade, a ser sistema eleitoral, tanto Ames (2003) como Main-
viço dos cartéis partidários. wanng (2001) apontam para os efeitos negati
Por fim, uma última característica autoriza vos das regras eleitorais e da desproporciona-
a ligar os modelos de arena legislativa à versão lidade da representação no parlamento. Já no
partidária: a escolha por variáveis endógenas. que diz respeito ao problema da distribuição,
Este ponto é relevante porque, para os adeptos segundo esses autores, as regras do jogo político
da versão partidária, a variável explicativa prin brasileiro produzem incentivos para um com
cipal é a distribuição de recursos e direitos par portamento individualista dos deputados, quase
72
Figura 2
Peso d is Variáveis Explicativas n as M odelos de A rena Eleitoral (1994-2005)
Federalismo
Seniority Forma de governo
73
exógenas aos seus modelos (anteriormente carac Em linhas gerais, essas interpretações sus
terizados tipicamente porvariáveis endógenas), tentam que a conexão eleitoral se dá pela via da
com ò objetivo de proteger com uma espécie distribuição de recursos e isso fica claro quando
de cinturão epistemòlógico b seu programa de esses autores optam por privilegiar variáveis
pesquisa e as suas principais descobertas. como pork e patronagem. Cumpre registrar,
No caso da primeira leva de pesquisado entretanto, que a observação da Figura 3 mos
res, entre os quais estão Pereira e Mueiler (2002); tra que eles não ignoram outros aspectos e ou
Leoni, Pereira e Rennó (2003); Pereira e Ren- tras variáveis, como as variáveis de processo
nó (2001); Mueiler e Alston (2005), a caracte- decisório, que, de maneira geral, aparecem de
ríscica principal está na combinação de variá forma bastante equilibrada.
veis que, de modo gerai, compartilham a idéia Usando os termos dos próprios autores, o
de que as instituições próprias do Legislativo resumo da idéia é que “o sistema político brasi
têm um peso na explicação, mas são incapazes leiro éform ado p or incentivos paradoxais” e que,
de explicar p er se um objeto de estudo tão com em virtude disso “está em equilíbrio instável'
plexo e multifacetado como o Congresso Nacio (Pereira e Rennó, 2001). Em outras palavras, o
nal. Como era de se esperar, a combinação de que querem dizer os reóricos é que a solução de
diferentes pressupostos teóricos (expressos na parte considerável dos dilemas de ação coletiva
escolha de variáveis explicativas de matizes di do Congresso pode ser explicada a partir de
versos) acaba por levantar múltiplos aspectos suas instituições políticas endógenas e, de fato,
bastante relevantes da organização legislativa, o caos não é a regra, mas há muitas oportunida
até então desconsiderados. Em conseqüência, des no contexto que permitem e justificam a
se tem uma gama de interpretações ainda mais açio individualistaeeleitoralmente interessada
diversa sobre o Poder Legislativo no Brasil. dos parlamentares.
Figura 3
Peso das Variáveis Explicativas nos Modelos de Dupla Arena (1994-2005)
Federalismo
Seniority 4 ___ Fornia de governo
Centralizacao decisória
Background/expertise
Poderes do presidente
Pork
Posição política Ideologia
74
A idéia de pork for policy (Mueller e Als não são assim tão simples de expiicar com tanta
ton, 2005), entendida como a troca de aprova parcimônia.
ção de políticas públicas de interesse do Exe Um segundo grupo de autores, formado
cutivo por recursos orçamentários com alguma por Figueiredo e Limongi (2005); Cheibub, Fi
relevância eleitoral, a favor dos parlamentares, gueiredo e Limongi (2002); Arretche e Rodden
caracteriza os ganhos de troca que as institui (2004), entre outrós, trilhou um caminho bem
ções não apenas permitiriam, mas também in diferente. Na combinação, de variáveis endóge
duziriam no interior do Congresso Nacional, nas e exógenas, a principal preocupação desses
mesmo considerando que o presidente não pre autores (cuja trajetória teórica é fortemente
cisaria necessariamente se utilizar desse expe marcada pelas explicações centradas nas variá
diente para governar. veis de processo decisório) foi testar severamente
Numa mesma perspectiva, mas com uma o peso de variáveis exógenas, não para oferecer
abordagem um pouco diferente, Amorim Neto novas explicações sobre a organização do Le
e Tafner (2002) e Santos (2004) levam essa gislativo, mas sobretudo para proteger o sólido
problemática às últimas conseqüências. Ao con núcleo de seu programa de pesquisa. Assim, ao
siderarem variáveis das duas arenas em seus incorporarem paulatinamente aos seus mode
modelos, eles direcionam o debate para pelo los variáveis como pork (emendas orçamentá
menos duas outras questões que até então não rias individuais dos parlamentares) e variáveis
haviam sido objeto de investigação por parte como o federalismo (capacidade de influência
da Ciência Política brasileira: (i) a de esclarecer do governador sobre a bancada do estado da
como um processo legislativo mediado por um federação na Câmara dos Deputados), esses
presidente poderoso e por partidos fortes na autores submeteram tais variáveis à sucessiva
arena legislativa pode, paralelamente, oferecer verificação e à permanente refutação de sua ca
algumas oportunidades para ações parlamen pacidade explicativa.
tares com interesses distributivistas e (ii) como Em resumo, esses autores, ao incorporar
uma reavaliação da medida provisória pode variáveis explicativas exógenas, mandveram in
apontar para a teoria da delegação, e não da tactas as formulações centrais de seu programa
abdicação, de poderes legislativos por parte do de pesquisa, segundo as quais a basé da organi
Congresso Nacional. Essas duas proposições zação do Legislativo se eaplica por suas institui
superam a idéia de um Congresso obediente ções próprias e que essas instituições são os fato
diante de um presidente poderoso e, nà ver res determinantes da governabilidade no Brasil.
dade, passam a explicar as relações Execurivo-
Legislativo de outra forma, ou seja, da subordi A Transformação dos Modelos
nação para a coordenação, e da abdicação para Explicativos sobre o Legislativo
a delegação. Essa transição, é bom que se regis Brasileiro
tre, deve ser entendida como mediada por in
teresses de sobrevivência eleitoral dos parlamen Parece justo crer que esses modelos dedupla
tares. Num mesmo sentido, também podem arena são o resultado do debate cada vez mais
ser incluídos os trabalhos de Melo e Anastasia avançado sobre o Legislativo no Brasil. Não há
(2005), que discutem em perspectiva com nada de absurdo nessa hipótese, porque esse é
parada os complexos aspectos da reforma da realmente o movimento esperado. Pelo menos
previdência em dois governos diferentes, e mos se se considerar o que acontece nos Estados
tram que as relações entre Executivo e Legisla Unidos, conforme a an álise de Shepsie e \X'ein-
tivo não são assim tão fáceis de estiiizar, ou seja, gast (1994) das diferentes versões teóricas desse
75
Legislativo. Eles concluíram que, na verdade, W e believe the rem ainder of the 1990s w ill
essas versões são mais complementares do que be a theoretical exiting period during which
contrárias. Já naquele momento, esses autores these various approaches w ill be combined
apontavam para uma espécie de integração dos to provide a balanced, more complete, posi
paradigmas na Ciência Política norte-america tive th eo ry o f con gressio nal in stitu tio n s
na, como se vê nesta passagem: (Shepsle e W eingast, 1994 ).12
Figura 4
Modelos Explicativos em Perspectiva Comparada
Federalismo
Seniority . Forma de governo
Nesse sentido, a Figura 4 indica que algo modelos tenham sido elaborados em maior
semelhante acontece no caso brasileiro. Ou seja, quantidade nos anos finais da série histórica
há uma espécie de equilíbrio na combinação aqui considerada.
de variáveis explicativas de diversos matizes. Como se pode verificar na Figura 5, é exa
Outra evidência nesse sentido aparece se tamente isso que acontece. A observação da
esses modelos forem posicionados no tempo. distribuição mostra que os modelos de dupla
Ou seja, se é verdade que os modelos de dupla arena só começam a surgir a partir de 2001,
arena são o resultado do debate acadêmico tra sete anos depois do início do debate marcado
vado entre diversos autores interessados no pelos trabalhos seminais de Figueiredo e Li-
Congresso Nacional, é razoável esperar que tais mongi (1994) e Santos (1994).
76
Figura 5
M odelos de A rena Executivo-Legislativoj de Arena Eleitoral e de D upla Arena (1994-2005)
. E . E
* A
O * 1
Ú A O
<> 2 O
• 2 * ^
* 1 r* -f
--------- 1-------------------
Diante desse quadro^ parece razoável infe ção científica brasileira. Nesse sentido, é que se
rir que esses estudos são mesmo o resultado do apresenta uma breve anáiise das opções metodo
debate entre as diferentes interpretações em lógicas de pesquisa feitas pelos cientistas brasilei
permanente confronto teórico, e, mais que isso, ros no período estudado. Não se trata, obviamen
que essa é uma tendência. te, da pretensão de fazer uma análise mais
A análise dos textos toma evidente que esse profunda da metodologia utilizada, mas, tão-
debate, iniciado num passado próximo, come somente de oferecer uma descrição bem infor
çou a mostrar as limitações e fragilidades natu mada dessas opções feitas pelos autores em seus
rais das análises baseadas em um número de modelos. Assim, os dados sobre as escolhas
variáveis explicativas relativamente pequeno e metodológicas feitas por eles dizem respeito a
focadas especificamente em apenas uma arena. apenas dois aspectos básicos: (i) sobre a meto
Não que haja qualquer problema com isso, pois dologia utilizada e (ii) com relação ao alicerce
modelos são mesmo reduções da realidade e empírico sobre o qual os pesquisadores cons
reduções são mesmo resultado de alguma “ar truíram suas edificações teóricas.
bitrariedade’. Entretanto, a compreensão que
importa aqui é que é exatamente desta “arbitra Métodos Quantitativos, Teoria dos Jogos e
riedade”13 que surgem as oportunidades de crí Modelos Espaciais
tica e de avanço do conhecimento científico.
A análise dos modejos observados sugeriu
Métodos e Técnicas de Pesquisa no uma classificação em dois tipos: (i) aqueles que
Brasi! utilizam métodos de estatística descritiva e (ii)
aqueles que utilizam métodos de inferência es
Além da descrição acima realizada, parece tatística. No caso dos primeiros, considera-se
relevante também analisar, além dos aspectos como estatística descritiva a utilização de sim
teóricos, os aspectos metodológicos da produ ples freqüências, de ntedidas de tendência
77
central, de probabilidade, de comparação de plementar, foi registrada também a presença
médias e de análises percentuais. No caso dos de alguns modelos espaciais e de teoria de jogos
segundos, consideram-se como modelos base encontrados na literatura como alternativa de
ados no uso de inferência estatística desde um formalização.
simples teste de b ipótese até os mais sofistica A metodologia predominantemente utili
dos testes e modelos baseados na construção de zada pelos pesquisadores brasileiros,.considerada
regressões dos mais variados tipos. A título com na série histórica aqui analisada, é a que segue.
Figura 6
Série H istórica dos Estudos Legislativos no Brasil segundo a M etodologia U tilizada na Construção de
Modelos: M odelos Estatísticos, Teoria dos Jogos e M odelos Espaciais (1994-2005)
10 - t — ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- m----------
-5-9-
Obs.: O n=52 é porque os estudos podem trazer mais de um cipo de metodologia, mas o n° de papers analisados é o mesmo: 45-
Fonce: banco de dados do autor.
A análise dos dados permite fazer pelo um alinhamento com o mainstream da Ciência
menos duas proposições. A primeira diz respei Política contemporânea.
to ao uso da estatística. Resta claro que na Ciên Uma segunda proposição é que a Ciên
cia Política brasileira há um movimento dos cia Política brasileira não aderiu, como se espera
pesquisadores no sentido de incorporar a me va, à teoria dos jogos e aos modelos espaciais,
todologia quantitativa sofisticada em substitui modelagens largamente difundidas no mains
ção aos estudos puramente descritivos. Não há, tream da Ciência Política internacional. As.mo-
portanto, nenhuma dúvida de que a Ciência delagens que aparecem em 1995, realizadas por
Política passou, nesse período, e com certa rapi Santos em sua tese de doutorado, podem ser
dez, da descrição à explicação. A leitura cuida consideradas raridades. E seria factível afirmar
dosa dos trabalhos mostra isso muito claramente, que a partir dele muitos outros fossem realiza
E a explicação mais plausível pata essa mudan dos. Infelizmente, no que diz respeito à incor
ça parece ser a qualificação cada vez maior dos poração de novas metodologias, o estorço de
pesquisadores, possibilitada pelos investimen Santos (1995) ainda não gerou os frutos que
tos feitos em estudos nessa área, em busca de seria razoável esperar.
78
Mesmo diante desse quadro, seria omissão estudados não passa de 10,7 anos, com desvio
grave não fazer justiça aos valiosos esforços padrão de 8,84.
empreendidos por outros pesquisadores, es Isso é ainda mais preocupante se da análise
pecialmente a partir de 2000, para a incor da dispersão dos dados retirar-se um outlie>\ Essa
poração de modelos espaciais. Embora poucos supressão se justifica porque este artigo foi um
em número, é razoável crer que esses estudos dos primeiros estudos realizados (Figueiredo e
possam vir a impulsionar a utilização de novo Limongij 1994a) sobre a produção legislativa,
instrumental metodológico na Ciência Política e os dados relativos à produção de leis por ini
brasileira. Aqui cabe referência aos trabalhos de ciativa foram tomados de forma muito agrega
Pereira e Mueller (2000; 2002), Amorim Neto, da, tanto que os autores não repetiram mais,
Cox e McCubbins (2003), Carey e Reinhardt em nenhum dos seus estudos posteriores, uma
(2003) e Mueller e Alston (2005). As espe série rão longa (48 anos).
ranças de incorporação de novas metodologias Com a supressão desse ponto, a média cai
certamente se renovarão se a Ciência Política de .10,7 para 9,67, e o desvio padrão também
nacional continuar a contar com a relevante cai de 8,84 paia 6,29. Isso significa que, toma
contribuição desses pesquisadores. da de forma agregada, a média das séries histó
ricas utilizadas pelos nossos pesquisadores no
O Alicerce Empírico dos Estudos período foi de 9,67 anos.
sobre o Legislativo no Brasif Cabe questionar se isso é pouco ou se é
suficiente. Se comparado com os 40 anos de
A extensão das séries históricas dos estudos pesquisa empírica nos Estados Unidos, vê-se
sobre o Legislativo brasileiro é de fato que se trata de uma cobertura bastante tímida.
preocupante. A média aritmética dos períodos Tomados mais cuidadosamente, os números
Figura 7
Séries H istóricas dos Estudos Legislativos no Brasil: D istribuição da Extensão M édia dos Períodos
U tilizados em cada M odelo (1994-2005)
48
50
40
35 » 1 ,5 -
30 27.
25
17,8 17.5
2D
13.5
15
iè
-+f- -t+-
9
10 “W
5
0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2 000 2001 2002 2 00 3 20 0 4 2 005 2 00 6
79
revelam uma preocupação ainda maior. É que Conclusões
dezessete esrudos, 47,22% do total, não pas
sam de duas legislaturas (oito anos), e que oito Como se vê, as teorias positivas sobre o
deles, ou seja, 22,22%, se restringem a apenas Congresso norte-americano influenciaram so
uma legislatura (quatro anós). bremaneira a produção brasileira e ofereceram
Mui co embora preocupantes, os números uma extensa gama de problematizações para o
não nos devem causar espécie, pois não há qual estudo do nosso Congresso Nacional. Tomada
quer surpresa neles. Eles são, na verdade, refle de forma mais ampla, a literatura apresentou
xo da Falta de tradição em pesquisa empírica um cisma entre explicações ancoradas na versão
nessa área no Brasil (é bom lembrar que são partidária e outras informadas por proposições
apenas onze anos de pesquisa na área), e das de nartireza distributivista. Estas últimas, en
dificuldades que todos nós conhecemos para tretanto, além de em menor número, influen
obtenção de dados junco aos órgãos públicos. ciaram muitas investigações, mas pouco servi
Por outro lado, a alternância entre perío ram para explicar o caso brasileiro.
dos autoritários e democráticos que marcaram Uma visão mais geral dos estudos aponta
a história recente do país, o que parece, a prin para o papel preponderante dos partidos, do
cípio, um problema que impõe graves restri poder de agenda do presidente e dos recursos
ções aos nossos pesquisadores, na verdade se de patronagem na arena legislativa. Esses fo
apresentou como excelente oportunidade me ram os fatores explicativos mais presentes na
todológica. Considere-se aqui a possibilidade justificação do desempenho do Legislativo.
da realização de verdadeiros experimentos “na Mais do que as trocas mediadas por comissões,
turalmente” sugeridos peia nossa história. Ou onde minorias encasteladas fazem valer seus
seja, diante de períodos democráticos com interesses sobre os da maioria, conforme suge
características institucionais tão distintas (1946 ririam os adeptos da versão distributivista.
1964 e o pós-1988), mantidas estáveis algu Merece registro a tímida presença dos ele
mas variáveis e outras profundamente altera mentos da versão informacional. Como se viu,
das, o quadro faz mesmo lembrar um verdadeiro explicações pautadas em modelos de informa
laboratório. Isso tornou possível aos nossos ção incompleta fizeram falta em nossas análi
pesquisadores observar o seu objeto de estudo ses. Embora tenha merecido destaque a inicia
sob a influência de certas variáveis, em condi tiva de Pereira e Mueller (2000) e a de Santos e
ções conhecidas e controladas por eles pró Almeida (2005).14 Esses estudos apontam, ain
prios, o que lhes permitiu identificar e analisar da que embrionariamente, para uma definição
os resultados que essas variáveis produziam no clara e delimitada do “problema informacio-
objeto. naT, procurando trazer para o centro do deba
Pelo menos cinco estudos foram realizados te a possibilidade de se desenvolver um pro
nesse sentido, e os pesquisadores que mais se grama de pesquisa que leve em consideração os
aproveitaram dessa oportunidade metodoló modelos de informação incompleta. Espera-se,
gica foram Figueiredo (2001), Figueiredo e com isso, que o problema informacional mere
Limongi (2002a), Santos (1997; 2002); que ça a devida atenção dos pesquisadores do Con
escolheram tratar do problema da mudança e gresso Nacional e que, se for ó caso, venha a
da continuidade institucional, diga-se de provar a capacidade heurística que sugere ter.
passagem, um problema da maior relevância No que diz respeito aos aspectos metodo
para o programa de pesquisa dos neo-institu- lógicos da produção brasileira, três conclusões
cionalistas. são possíveis. A primeira, sobre as escolhas me-
80
todológicas feitas pelos pesquisadores, de que a Há, entretanto, uma limitação bastante
opção por mérodos quandtativos foi a tônica, significativa nos estudos legislativos no Brasil.
ficando os modelos formais de teoria dos jogos Melhor dizendo, no país, os estudos baseados
e modelos espaciais como exceções. Mas a prin no novo institucionaiismo e na escolha racional
cipal conclusão aqui —a segunda —è que a sofrem, como não poderia deixar de ser, das
Ciência Política brasileira, nos últimos onze limitações recentemente encontradas e ampla
anos, avançou da descrição para a explicação. A mente discutidas desses paradigmas da Ciência
distribuição dos modelos ao longo da série Política contemporânea. Como se sabe, a revi
histórica trabalhada mostrou que esses mode são por que passam atualmente éssès paradig
los passaram do uso da estatística descritiva para mas aponta para limites em vários aspectos, três
a ampla utilização da inferência estatística. A dos quais serão aqui rapidamente destacados.
terceira e última conclusão diz respeito ao ali O primeiro diz respeito à incorporação ao
cerce empírico sobre o qual os pesquisadores debate da idéia de instituições como instrumento
do Congresso Nacional construíram suas teo de poder. Isso implica ir além da idéia da teoria
rias. Nesse caso, a média de 9,67 anos das séries da escolha racional sobre instituições políticas,
históricas utilizadas pelos pesquisadores indica segundo a qual instituições são exclusivamente
que a dificuldade com dados ainda é alta no o resultado da cooperação voluntária entre in
Brasil e que, para consolidarmos esse campo divíduos, que instituições servem para resolver
como uma verdadeira tradição de pesquisa problemas de ação coletiva, e que, de alguma
muitos esforços precisam ser feitos. forma, elas beneficiam a todos e todos ficam
Sobre a agenda de pesquisa, vê-se clara melhores no final. Essa superação significa as
mente que o universo de problematizações sumir que Instituições também funcionam
incorporadas pelos estudos legislativos no Bra como estruturas de poder. Estruturas que im
sil foi bastante amplo e que houvé de faro a põem resultados e comportamentos para além
influência das teorias positivas sobre o Legis da simples cooperação. Tal sugestão é oferecida
lativo norte-americano. Os temas mais presen por Moe (20Ó6)j que diz:
tes nos trabalhos são: o papel dos partidos na
arena legislativa, o poder de agenda do pre [...] in fàct, the political process often gives
sidente, abdicação versus delegação de poderes rise to institutions that are good for some
people and bad for others, depending on who
do Legislativo para o Executivo, conexão elei
has the power to impose they w ill. Institu
toral (ou a accountability vertical), as carreiras
tions m ay be structures o f cooperation, I
parlamentares, o processo orçamentário, os argued, but they m ay also be structures of
outputs legislativos e o sistema de comissões. pow er.15
Entretanto, um universo ainda mais amplo do
que o informado por essas influências foi, na Um segundo ponto relevante remete à
verdade, trabalhado. Ou seja, o caso brasileiro incorporação do problem a da confiança no de
ensejou novos temas como a accountability bate da teoria da escolha racional (Rothstein,
horizontal (ou mecanismos de checks an d 2005). E aqui isso se potencializa, uma vez que
balances ), a governabilidade e o papel das o institucionaiismo da escolha racional foi a mais
instituições estaduais no processo decisório marcante influência nos estudos sobre o Legis
(poder dos governadores). Essas questões po lativo no Brasil. Ou sejà? em contextos nos quais
dem ser identificadas como a contribuição bra a cooperação do ator depende necessariamente da
sileira ao debate teórico sobre a organização do cooperação de todos, e nos quais o capital social é
Legislativo. baixo, não cooperarpode ser racionalporque nunca
81
se sabe (pois não hd confiança) se todos vão realmente do-se, na verdade, em coritraparte na estrutura
cum prir sua palavra. E quais as implicações das regras do jogo (Helmke e Levitsky, 2006).
analíticas da inclusão do problema da confian No mais, trata-se de um universo bastante
ça no debate? Diante desse problema não são amplo, e que tende a crescer, a julgar pelas mais
apenas as preferências dos atores que contam, o recentes investidas dos pesquisadores em no
contesto importa, e importam, sobretudo, as vos temas. O estudo do processo decisório so
relações historicamente determinadas entre bre políticas públicas, envolvendo inclusive á
grupos ou indivíduos em interação estratégica, burocracia, a ação dos grupos de pressão (lo -
ou, indo um pouco mais longe, até mesmo as bby) no Congresso, as relações do Legislativo
características culturais desses grupos e indiví com outros atores políticos relevantes, como o
duos (Rothstein, 2005)- Em suma, confiar ou Judiciário, o Banco Central, as agências regula-
não confiar está histórica e/ou politicamente tórias, o Tribunal de Contas e o Ministério
determinado peia memória coletiva, e isso pode Público, são apenas algumas das muitas possi
se apresentar como uma verdadeira armadilha bilidades. Essa nova agenda de pesquisa parece
social que aprisiona os atores em jogos coletivos bastante animadora e, acrescida de estudos so
não-cooperativos. bre o Senado, pode vir a apresentar um quadro
Uma terceira e última reflexão trata da analítico cada vez mais completo do nosso sis
incorporação das instituições informais na aná tema político.
lise. Em especial no caso da América Latina, Resta claro que a Ciência Política brasilei
Helmke e Levitsky (2006) chamam a atenção ra, no que diz respeito aos estudos legislativos,
sobre o problema, levantando a dúvida sobre tem se desenvolvido a passos largos. Esse foi
se o foco exclusivo nas Instituições formais é um subcampo, nos últimos anos, fortemente
suficiente para entender o que direciona a polí marcado peio rigor metodológico e pela cumu-
tica na região. Esses autores seguem a orientação latividade do conhecimento científico. Parece
de pesquisadores como Guillermo O’Donnell justo reputar essa evolução a pelo menos três
e Douglas North, que têm freqüentemente ar aspectos: primeiro, à escolha de um objeto de
gumentado que instituições informais —regras estudo bem delimitado; segundo, ao compro
e procedimentos que são criados, comunicados misso dos pesquisadores com questões teorica
e impostos fora dos canais oficiais de sanção - mente informadas e empiricamente verificáveis;
são importantes para as regias formais, constituin e, por fim, áo rigor metodológico cada véz mais
presente na produção acadêmica.
Notas
1 Nas palavras do próprio Limongi (1994, p. 4), “(...) este artigo foi escriro com um olho no
Congresso brasileiro. Não são muitos os estudos que o tomam como objeto. Se se pretende
alterar esta situação, travar conhecimento com o debate que se desenvolve entre os estudiosos
do congresso mais estudado de todo o mundo me parece um bom começo”.
2 Teorias positivas sobre o Legislativo norte-americano são: “o conjunto de teorias sobre funcio
namento do Congresso norte-americano, elaboradas tanto com base em intuições comporta-
mentalistas como em explicações neo-institucional istas, mas que têm em comum bases estabe
lecidas em postulados empíricos, devidamente acompanhados de suas respectivas corroborações
e refutações”. Em resumo; segundo essas teorias, três conjuntos de explicações são possíveis
82
para o Legislativo norte-americano: aversão distrsbutivista, aversão infcrmacional e aversão
partidária (cf. Shepsle e Weingast, 1994).
3 Um levantamento preliminar, realizado quando ainda estava entre minhas intenções incluir as
dissertações e teses nesta análise, mostrou uma quantidade inicial de 63 teses e dissertações na
área de estudos legislativos, produzidas nos onze programas de pós-graduação em Ciência
Política e Sociologia que foram consultados (USP, UnB, Iuperj, UFMG, UFRGS, UFF, UFPE,
Unicamp, UFF, Unesp e PUC/Rio). Os dados estão à disposição dos interessados.
4 Parte significativa dos critérios aqui adotados foram aproveitados de Lima Jr. (1999) , na sua
revisão da literatura que cobre a produção até 1997.
5 Exemplos: Ricci, P.; Lemos, L. B. (2004), “Produção legislativa e preferências eleitorais na
Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados”, RBCS, 19: 55: 107-29;
Santos, F.; Patrício, I. (2002), “Moeda e Poder Legislativo no Brasil: prestação de contas de
bancos centrais no presidencialismo de coalizão”, RBCS, 17, 49: 93-113; Rodrigues, M. M.
A.; Zauli, E. M. (2002), “Presidentes e Congresso Nacional no processo decisório da política
de saúde no Brasil democrático (1985-1998)”, Dados, 45, 3: 387-429.
6 Entre os principais trabalhos desta área, encontram-se Santos, A. M. (2001), “Sedimentação
de lealdades partidárias no Brasil: tendências e descompassos”, RBCS, 16,45; Diniz, S. (2000),
“As migrações partidárias e o calendário eleitoral”, Revista de Sociologia ePolítica, 15; e Meto, C.
R. E (2003), "Migração partidária, estratégias de sobrevivência e governismo na Câmara dos
Deputados”, in José Antonio Giusti Tavares (org.), O sistema partidário na consolidação da
democracia brasileira, v. 1, Brasília, pp. 163-226; Melo, C. R. F. (2003), “Migração partidária na
Câmara dos Depurados: causas, conseqüências e possíveis soluções”, in Maria Victória Benevides;
Paulo Vanuchi; Fábio Kerche (orgs.), Reforma política e cidadania, v. 1, São Paulo, p. 32U43.
7 Destaco aqui o amplo trabalho que vem sendo realizado no âmbito da América Latina por
Fabiano Santos (Iuperj), Carlos Ranulfo e Fátima Anastasia (UFMG), numa parceria que já
está produzindo muitos frutos. Ver, por exemplo, Anastasia, M. F. j.; Melo, C. R. F.; Santos, F.
(2004), Governabilidade e representação política na América do Sul. Rio de Janeiro, Fundação
Konrad Adenauer; São Paulo, Editora da Unesp. Registro também os estudos realizados por
Limongi e por Cheibub, com sua contribuição mais que consolidada para a Ciência Política
brasileira e, por fim, o recente trabalho de Octavio Amorím Neto (2006) sobre o presidencia
lismo nas Américas, enfatizando as estratégias utilizadas pelos presidentes para governar, bem
como as relações entre presidentes e formação de gabinetes presidenciais: Presidencialismo e
governabilidade nas Américas. Rio de Janeiro, EditoiaFGV.
8 Um quadro com todas as variáveis explicativas e suas respectivas operaeionalizaçóes nos 45
papers analisados está disponível em Santos (2006).
9 Segundo as palavras dos próprios autores: “á view from dem andside vs a view from supply sid e’.
I 0 Embora não esteja entre os modelos classificados aqui, pois se trata de um debate mais amplo,
é fundamental registrar o trabalho de Diniz (2005), que faz um excelente debate sobre as
formas correntes na literatura para avaliação do sucesso e do fracasso presidencial. Esse traba
lho levanta sérias, reflexões sobre como medir sucesso legislativo do chefe do Executivo é,
83
seguramente, as questões abordadas não poderão ser ignoradas pelos futuros pesquisadores do
sistema político brasileiro.
11 Os valores utilizados foram: 0 —se a variável não foi considerada nos estudos de um determi
nado grupo em seus diferentes modelos; 1 —se ela aparece em pelo menos uma das explicações
do grupo, 2 —se a variável aparece com freqüência (mais de uma vez) em mais de um modelo
ou explicação, 3 —se a variável aparece em pelo menos um modelo, mas também mostra ter
força explicativa (estatisticamente significativa); e 4 —se ela for considerada pelo grupo como
a variável com maior poder explicativo, considerando todos os seus módeios.
12 “Nós acreditamos que nos anos 90 teremos um período no qual várias abordagens serão
combinadas, com o objetivo de oferecer explicações teóricas positivas mais equilibradas e mais
completas sobre as instituições legislativas”.
13 Coloco entre aspas o termo arbitrariedade porque entendo qué essa arbitrariedade é, na verda
de, muito mais uma opção teórica que informa ao pesquisador o que incluir e o que não incluir
numa determinada análise.
14 Refiro-me ao trabalho sobre o papel informacional atribuído aos relatores nas comissões da
Câmara dos Deputados, Aqui percebemos uma ressonância com a visão de Geertz (1978) da
religião como sistema cultural, que penetra no senso comum, apesar de se distinguir dele, através
de atitudes e disposições.
15 “[-••] Na verdade, o processo político freqüentemente gera instituições que são positivas para
uns e negativas para outros, dependendo de com quem está o poder. Assim, argumento que
instituições podem ser estuturas de cooperação, mas podem, também, ser estruturas de poder”.
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Resumo
Teoria e Método nos Estudos sobre o Legislativo Brasileiro: uma Revisão da Literatura no Período 1994-2005
Esta. revisão bibliográfica traz os aspectos mais relevantes da produção cientifica brasileira no campo dos
estudos legislativos no período de 1994 a 2005- A reconstrução racional da produção cientifica procura
delim itar que teorias influenciaram os pesquisadores brasileiros quando se voltaram para o Congresso
Nacional, tomando como ponto de partida as teorias positivas sobre o legisladvo norte-americano (versões
distributivista, infotm acional e partidária). O texto traz, também, uma breve discussão sobre as mais
significativas opções metodológicas feitas por esses pesquisadores para dar conta do seu objeto de estudo.
Adicionalmente, o arrigo traz aspectos relevanres sobre a agenda de pesquisa. Como resultado, aponta-se
a forte influência das teorias norte-americanas no Brasil, em especial a versão partidária, assim como os
lim ites da metodologia e da base empírica udlizada pelos pesquisadores brasileiros.
Palavras-chave: Estudos legislativos; Teorias positivas sobre □ Legislativo; Novo instimcionalism o; Teoria
da Escolha Racional; Congresso Nacional.
Abstract
Theory an d M ethod in the Studies on the Brazilian Legislative: a Review o f the Literature in the 1994-2005
Period
This bibliographic review analyzes the most relevant aspects of the Brazilian scientific production in the
field o f legislative studies in the period from 1994 to 2005. The rational reconstruction o f the scientific
production aims at delim iting which theories have influenced Brazilian researchers as they turned to the
National Congress, taking as starting point positive theories on the North American legislative (distributive,
inform ational, and p arty versions). The paper also brings a b rief discussion on the most significant
methodological options taken by such researchers in order to account their object of study. Moreover, the
article points out relevant aspects on the research agenda. As a result, it points up the strong influence of
North American theories in Brazil, especially the party' version, as well as the lim its of methodology and
o f the empirical basis utilized b y Brazilian researchers.
Keywords: Legislative studies; Positive theories on the legisladve; New institutionalism; The theory of
rational choice; National Congress.
Résumé
Théorie et M éthode dans les Études à -propos du L égislatif brésilien: une Révision d e la Littérature dans la Période
1994-2005
Cette révision bibliographique identifie [es aspects les plus relevants de la production scientifique brési
lienne dans le dom aine des études législatives au cours des années 1994 à 2005- La reconstruction
rationnelle de la production scientifique cherche à démontrer que les théories ont influencé les chercheurs
brésiliens quand ils se sont tournés vers le Congrès National, choisissant comme point de déparr les
théories positives sur le législatif nord-américain (versions distributive, informationnelle et parddairé). Le
reste propose, également, une brève discussion sur les options méthodologiques les plus significatives
faites par ces chercheurs pour pouvoir aboudr avec leur objet d’études. L’article aborde, en outre, des
aspects relevants à propos de l ’agenda de recherche. En tant que résultat, il indique la forte influence des
théories nord-américaines au Brésil, en particulier la version partidaire, ainsi que les limites de la métho
dologie er de la base empirique employée par les chercheurs brésiliens.
M ots-clés: Etudes législatives; Théories positives sur le Législatif; Nouvel institutionnalisme; Théorie du
Choix Rationnel; Congrès National.
89
Eleições, Economia e Cicio Político:
uma Revisão da Literatura Clássica*
* Este artigo é am a versão modificada de parte de minha tese de doutorado defendida em dezembro de
2007, na Universidade Federal de Pernambuco, que contou com o apoio financeiro de uma bolsa de
doutorado da Capes. Agradeço os comentários do professor M arcus André Melo e dos dois pareceristas
anônimos.
92
Q uadro 1
Classificação dos M odelos de Ciclos Político-Econômicos
Eleitores Governos
Os modelos da teoria que tomam o com suem informações perfeitas quanto à preferên
portamento do eleitor como não-racional par cia dos eleitores; (4) todos os eleitores têm as
tem do princípio de que a formação das expec mesmas preferências: maior níve! de emprego e
tativas dos votantes ocorre de forma adaptativa menor inflação possível; no entanto, os votan
e “míope’ , pois estes levam em conta apenas o tes não possuem informações claras sobre as
passado recente. Ao contrário, os modelos ra preferências dos políticos; e (5) os eleitores são
cionais defendem que os votantes agem cons retrospectivos, suas escolhas são sempre basea
cientemente, de forma estratégica, e, dessa das no recente desempenho do govemo.
forma, não avaliam apenas o passado recente, De acordo com Nordhaus (1975), o ciclo
mas também as repercussões futuras de suas econômico de curto prazo em uma economia
escolhas. pode ser caracterizado como uma Curva de
O modelo de comportamento governa Phillips normal, acrescentando-se as expecta
mental elaborado por W illiam Nordhaus tivas dos eleitores quanto à sua evolução.11 O
(1975) é conhecido na literatura cómo Opor comportamento endógeno dos políticos é sem
tunista Não-racional, e se sustenta em cinco pre buscar manter-se no poder. Assim, o di
premissas básicas (as três primeiras referentes lema econômico pode ser representado como
aos governantes e as duas últimas aos eleitores): uma escolha pública entre desemprego versus
(1) todos os políticos objetivam maximizar a inflação. Os políticos no governo são sempre
probabilidade de se manter no poder, a oposi tentados a fazer essa escolha, reduzindo o
ção é sempre asegunda opção; (2) o partido no desemprego, se estiverem próximos da eleição
poder consegue interferir nos níveis de preços, em situação de desvantagem junto ao eleitora
desemprego e crescimento da economia atra do, Caso o governo resolva intervir na eco
vés da manipulação das políticas monetária e/ nomia, ele tornará a Curva de Phillips de cürto
ou orçamentária. Essa interferência tem signi prazo mais favorável. Contudo, a longo prazo,
ficativo impacto nos resultados eleitorais; (3) o ela se tornará mais desfavorável. Os eleitores
sistema político encontra-se dividido em dois não têm informação sobre a natureza do trade-
grupos (ou até mesmo em dois partidos): um o f f entre essas variáveis macroeconômicas
no governo e outro na oposição; ambos pos fundamentais.
93
F igu ra I
M odelo O portunista N ão-racional
Inflação
94
de interferir na economia. Nos casos de passes e procuram ganhar as eleições para adotar um
onde a polírica monetária é gerida por bancos programa de governo partidário.
centrais independentes, ela ê bastante restrita. O Modelo Partidário Não-racional, de
Mas a crítica mais séria refere-se ao comporta Hibbs (1977, 1987a, 1987b), possui as se
mento não-racional dos votantes. guintes premissas básicas: (1) os votantes são
Com o desenvolvimento da teoria das diferentes, com preferências heterogêneas e
expectativas racionais, o modelo de Nordhaus fixas (posicionamento ideológico) quanto às
(1975) demonstrou suas limitações.12 Surgi funções de utilidades individuais dos níveis de
ram trabalhos que buscavam conciliar a hi inflação, desemprego e crescimento. Os elei
pótese de cicios econômicos induzidos poli tores analisam a economia e escolhem, nas elei
ticamente com a idéia de que OS votantes ções, o partido da direita ou da esquerda. Como
poderiam antecipar racionalmente as conse o de Nordhaus (1975), o modelo de Hibbs
qüências das mudanças nas políticas econô aceita que os eleitofes votam retrospectivamen
micas. te e são míopes; (2) o sistema político é com
A teoria das expectativas racionais13 afir posto por dois partidos, um no governo e ou
ma que os agentes econômicos, no nosso caso, tro na oposição. As preferências partidárias
políticos e eleitores, são racionais. Isso significa quanto ao estado ideal da economia são di
que suas decisões são operadas visando à maxi ferentes. Partidos de esquerda preferem mais
mização do ganho. Os atores buscam realizar a emprego e crescimento, dando menos im
melhor escolha possível dentro das restrições portância ao problema da inflação. Os partidos
existentes à sua ação. As decisões são focaliza de direita têm preferências opostas, se preo
das no futuro (forw ard looking ); por isso, os cupam mais com a taxa de inflação do que com
agentes precisam coletar roda a informação não- o emprego e o crescimento. Por mais que dese
enviesada disponível para a formação de suas jem chegar ao poder, os partidos têm como ob
expectativas. Assumindo que os eleitores pos jetivo principal implementar seus programas
suem informações verdadeiras a respeito da parndário-ideológicos.
dinâmica macroeconômica- crescimento eco Segundo Hibbs (1977, 1987a, 1987b),
nômico, inflação, estoque de moeda —, o go há diferentes combinações de desemprego e
vernante não poderá utilizar as políticas econô inflação na economia, e, em face disso, os elei
micas deforma oportunista porque os eleitores tores possiiem preferências heterogêneas de
votam racionalmente e possuem a mesma in política econômica, pois cada uma dessas
formação que o governo. Para a teoria das combinações gera diferentes efeitos distribu
expectativas racionais, a situação da economia tivos. Uma política mais restritiva, que cause
somente se afastará do esperado se houver um maior desemprego, afeta mais intensamente as
choque de informação causado por fatos não- classes trabalhadoras, enquanto uma política
previsíveis ex-ante. mais expansionista afeta as classes mais ricas.
Hibbs (1977) promove a primeira revisão Esse pesquisador fundamenta suas hipóteses
do modelo de Nordhaus,14 e suas críticas cen em várias pesquisas feitas nos Estados Unidos e
tram-se, especialmente, em duas premissas bá Inglaterra, obtendo como resultado que a
sicas do Modelo Oportunista Não-racional: os população de baixa renda preocupa-se mais
eleitores têm idênticas preferências e o com com desemprego e os mais favorecidos com a
portamento dos governos é sempre oportunis inflação, diferentes preferências que estão cris
ta. Seu modelo adota a premissa de que os po talizadas no continuum ideoiógico esquerda-
líticos são motivados por ideologias diferentes, centro-direita.
95
Q u ad ro 2
Preferências dos Partidos Políticos nas Sociedades Industriais Avançadas em Relação a Vários
Objetivos Econômicos
O resultado das eleições dependerá das sumindo assim a possibilidade de uma inflação
condições econômicas existentes e da distribui mais alta. A base eleitoral dos partidos conser
ção de preferências dos votantes. As classes tra vadores é a classe mais abastada da sociedade
balhadoras são mais sensíveis ao problema do (como os setores financeiro e industrial), que
desemprego, por isso tendem a votar em para possui forte aversão ao riseo de aumento da
dos de esquerda (socialistas e trabalhistas), as inflação.
Figura 2
Modelo Partidário N ão- racionai
96
A Figura 2 demonstra a dinâmica do Mo to os atores políticos; segundo, o caráter negati
delo Panidário Não-racional de Hibbs (1977). vo dado ex-ante à influência governamental ou
Imaginemos que a economia encontra uma si partidária nas políticas econômicas - ambos os
tuação de equilíbrio no ponto B, e que um ciclos polídco-eleítorais têm como resultado flu
partido conservador (de direita} vence o pleito tuações que produzem ineficiência a longo pra
eleitoral. O partido vence a eleição prometen zo; por fim, ambos os modelos produzem teo
do reduzir a inflação; então, ao assumir o go rias rígidas de mudança política ao imaginarem
verno, procura movera economia ao longo da resultados sempre idênticos. No Modelo Opor
CPcp até atingir o ponto C. Como os resulta tunista, o governo, sempre que estiver em difi
dos da nova política econômica são bastante culdade de se reeleger, irá procurar alterar a
defasados em relação à decisão do partido do Curva de Phillips de curto prazo, gerando mais
governo de mover a economia ao longo da emprego, e depois adotando uma política mais
CPcp, Hibbs (1977, 1987a, 1987b) defende restritiva para reduzir a inflação. No Modelo
que a movimentação da Curva de Phillips de Partidário, um governo de direita sempre busca
curto prazo tem pouco impacto sobre o ajuste reduzir a inflação e o de esquerda estimular o
das expectativas. O comportamento da curva emprego.
de curto prazo é relativamente estável e os erros As falhas instrumentais dos modelos não-
de previsão do passado têm pouco impacto na racionais de ciclos político-econômicos exigi
formação furara das expectarivas. ram uma reformulação importante da teoria.
Imaginemos o seguinte caso: a economia O pressuposto da formação adaptativadas ex
encontra-se np ponto C, e agora a vitória é de pectativas foi fortemente criticado, não apenas
um partido de esquerda. A partir do modelo por ser altamente questionável a premissa de
dé Hibbs, irá ocorrer tuna mudança na política que os votantes são míopes, mas principalmen
econômica. O novo çoverno adotará medidas te porque não é crível que o eleitorado seja eter
expansionistas até atingir o ponto A da figura, namente enganado. Os atores econômicos e os
onde se encontram baixo desemprego e infla votantes iogo aprenderiam como os governos
ção acima do ponto de equilíbrio. se comportam, e antecipariam as conseqüên
Essa estrutura bi polar (direita e esquerda) cias das escolhas sempre fixas. Não é crivei tam
é enganosa, haja vista que, nas democracias, bém que os governos possam manipular siste
posições ideológicas extremas raramente têm maticamente a economia, provocando ciclos de
ampla base no eleitorado. Na maioria das ve inflação e desemprego específicos.
zes, partidos e votantes de centro decidem a
eleição. Outro fato importante a ser observado Modefos Oportunista e Partidário
é que as políticas econômicas não são adotadas Racional
apenas como resultado da escolha do eleitora
do. Alternância democrática não significa mu A partir dos anos 1980, novos modelos de
danças econômicas radicais. ciclos político-econômicos surgem no desen
Tanto o Modelo Oportunista de Nor volvimento da teoria, incorporando a perspecti
dhaus (1975, 1989) quanto o de Hibbs va dos eleitores como atores racionais. Rogoff
(1977, 1987a, 1987b) pecam em pelo menos (1990) e Persson e Tabellini (1990) assumem
três aspectos-chave: o primeiro relaciona-se às esta posição, elaborando um Modelo Oportunis
expectativas racionais dos atores —esses pesqui ta Racional que incorpora à C u r a de Phillips
sadores não aventam a possibilidade de o elei clássica (inflação versus desemprego) um termo
torado comportar-se tão estrategicamente quan que mede a competência governamental. Essa
97
competência pode ser definida como a capaci rais. Nesse caso, a competência deve ser medi
dade do governo de resolver problemas mo da como a capacidade do governo de produzir
momento em que surgem, e gerenciar o funcio mais bens e serviços dentro de determinada
namento da economia da forma mais eficiente restrição orçamentária. No período pré-eleiro-
possível. ral, o governo é incentivado a comportar-se de
O Modelo Oportunista Racional elabora forma a reduzir o nível de impostos abaixo do
do por PerssoneTabellini (1990) possui como ótimo e os gastos acima do ideal.
premissas: (1) todos os votantes têm idêntica Ambos os modelos de ciclos político-eco
preferência: maximizar a utilidade esperada de nômicos defendem que a expansão da econo
seu bem-estar; (2) o sistema partidário é com mia, que se materializa em maior inflação e
posto por dois partidos, um no governo e ou menos desemprego, ocorre pouco antes das elei
tro na oposição, e a primeira preferência dos ções. Contudo, não ocorre recessão pós-eleito-
políticos é manter-se no poder; (3) as eleições ral,como preconiza Nordhaus (1975). O go
são independentes, as condições nas quais ocor verno competente distorce a economia para
reram a anterior são únicas e não afetam direta mais à frente resolver o problema, o que o torna
mente a eleição posterior; (4) o equilíbrio da mais competente ainda. Rogoffe Silbert (1988,
economia pode ser representado por uma Cur p. 12) afirmam que
va de Phillips com expectativas aumentadas,
adicionando um termo que mede á competên [...] it should be emphastzed thai elections
cia do governo; e (5) as expectativas dos eleito are not necessarily a bad thing, just because
res sobre a inflação são racionais. they resuk in excessive inflarion or a subop
A reeleição de um governo depende de tim al distribution o f tax distortions over
quão competente ou não ele pareça diante do time. By holding elections, the public get a
eleitorado. O governo procura demonstrar ser more com petent government, on average.15
mais competente do que é aos eleitores, au
mentando o nível de crescimento do Produto O último modelo de ciclos eleitorais é o
Interno Bruto (PIB) perto do período eleitoral. Partidário Racional. Alesina e Rosenthal (1985)
Os governos procuram utilizar a política mo e Alesina (1987,1988), utilizando a teoria das
netária para aumentar a taxa de crescimento da expectativas racionais16 e elementos do modelo
economia. A hipótese central do Modelo Opor partidário de Hibbs, encontraram fortes evidên
tunista Racional de Persson eTabellinni (1990) cias do impacto das eleições legislativas que ocor
é que os ciclos políticos acontecem em razão da rem no meio do mandato dos presidentes nor
diferença temporal entre o momento em que te-americanos ( midterm ) sobre as preferências
ocorre a inflação e o conhecimento desta pelos das políticas econômicas executadas. Quando
eleitores (a informação sobre a inflação éassi- os eleitores tendem afomecer maioria parlamen
métrica, os governantes conhecem primeiro do tar à oposição, como forma de moderar as prefe
que a população). O crescimento econômico rências econômicas do governo, as políticas
surge sempre primeiro no cenário político e a econômicas passam a refletir uma mescla dás
inflação depois. preferências dos partidos dem ocratas e
O modelo de Rogoff (1990) diferencia-se republicanos.57
especialmente do anterior por centrar sua aná No modelo proposto por Alesina (1987,
lise na crença de que os governos utilizam prin 1988), a economia é apresentada por uma
cipalmente o gasto público e as políticas fiscais Curva de Phillips acrescida de expectativas. £
como mecanismo de produção de ciclos eleito introduzida também uma nova variável, o cres
98
cimento real dos salários, que sofre aumento ferências partidárias, o que lhes permitem an
antes da inflação. Para Alesina, no sentido de tecipar a política econômica a ser adotada. Isto
antecipar as conseqüências da nova situação permite aos atores calcular o que pode ocorrer
política, os agentes econômicos tentam fixar com a probabilidade de vitória de cada partido
determinada taxa de crescimento nominal para quanto à inflação.
os salários, igual à inflação esperada. Como Alesina (1987, 1988) imagina um mode
observa Drazen (2000, p. 254), “[...] nominal lo de jogos repetidos, onde um partido ganha
wage increases reflect rationally anticipated in- um mandato dividido em dois períodos claros:
flauon at the rime the contracts issigned 18 um eleitoral e outro não eleitoral. Ambos os
As premissas do Modelo Partidário Racio partidos possuem preferências positivas em re
nal são as seguintes: (!) os votantes escolhem lação ao crescimento econômico. Independen
pamdos que prometem maximizar sua utilida temente da ideologia, as variáveis que separam
de esperada. Os eleitores possuem preferências os dois contendores em campos opostos são
heterogêneas em reiação aos principais índices inflação e salários. Supondo que um partido de
da economia (inflação, desemprego e cresci esquerda ganhe a eleição, no primeiro período
mento econômico), e e apartir da convergên do mandato haverá incenuvo à expansão econô
cia entre suas preferências pessoais com os pro mica, com inflação mais alta e desemprego abai
gramas partidários que decidem escolher em xo da taxa natural. Caso o vitorioso seja um
quem votar; (2) o sistema partidário é compos parrido de direita, o processo será diverso, com
to por dois partidos ideologicamente diferen crescimento econômico mais restrito, inflação
ciados. Os partidos possuem preferências dis mais baixa e desemprego acima da taxa natural.
tintas quanto à Curva de Phillips, os de direita Na segunda fase do mandato, uma vez
preocupám-se com a inflação e os de esquerda conhecido o partido vitorioso e a política eco
com o desemprego e o crescimento econômico; nômica adotada, não existe fator de incerteza,
(3) o equilíbrio da economia pode ser repre todos os atores na sociedade são capazes de an
sentado por uma Curva de Phillips com expec tecipar as conseqüências econômicas do resul
tativas aumentadas; e (4) as expectativas dos tado eleitoral/11 procurando maximizar sua uti
eleitores sobre a inflação são racionais. lidade esperada. Desfeira a incerteza inerente
O ciclo político é decorrente da incerteza às eleições, as taxas de crescimento e inflação
quanto ao resultado do processo eleitoral. As rendem, no futuro próximo, a se tornarem neu
expectativas sobre a inflação futura depende tras; desta forma, o ciclo econômico induzido
de quem vai ganhar as eleições. Todos os eleito economicamente logo desaparece.20 O modeio
res individualmente têm suas preferências proposto por Alesina (1987,1988) promulga
quanto à taxa de inflação e os benefícios do que as flutuações cíclicas da inflação e do em
crescimento dos salários; contudo, a distribui prego são de curto prazo, ocorrem apenas na
ção das preferências dos eleitores é desconheci primeira fase do mandato e decorrem da dis
da. Não obstante, os partidos e.votantes serem puta eleitoral. Hibbs (1977), ao contrário, acre
racionais, eles não conseguem prever com exa dita que o ciclo ocorre durante todo o governo.
tidão quem ganhará a eleição. Casó contrário, Drazen (2000) apresenta um sumário das
se houvesse certeza dos resultados, não haveria principais críticas realizadas ao Modelo Partidá
ciclos, isto porquê, sendo os atores racionais, rio Racional de Alesina. A primeira delas refere-
antecipariam as conseqüências econômicas das se à questão da antecipação dos salários antes
eleições. No modelo de Alesina (1987, 1988), das eleições. Drazen observa que se os agentes
os eleitores são prospectivos, conhecem as pre econômicos são racionais, eles tenderiam, com
99
a experiência adquirida com as flutuações eco evidência empírica de que os governos, em face
nômicas pré-eleicorais, a adiar qualquer toma do tisco de perderem as próximas eleições, al
da de decisão, especialmente quanto a aumen teram deliberadamente a política macroeco
to de salários, até conhecer o resultado das nômica para afetar a Curva de Phillips de curto
eleições. Uma segunda crítica, mais empírica, prazo. Drazen (20Ô0, p. 238) afirma clara
afirma que o modelo de Alesina, com dois par mente que;
ados, somente é aplicável aos Estados Unidos,
ondeos partidos não possuem diferenças ideo the opportunistic model has been w idely
lógicas significativas, produzindo ciclos eleito tested econometrically both for the United
rais de curta duração. Contudo, as diferenças States and for other countries, w ith the bulk
o f studies finding lin le support for the basic
ideológicas e as interações partidárias nos legis
Nordhaus model of a political cycle in econ
lativos dos sistemas multipartidários são mais
om ic activity [...] It is neither possible nor
complexos que a realidade norte-americana faz
useful to summarize all o f the studies except
crer. Por fim, a questão da incerteza. Segundo to say there is fairly clear rejection o f the
Drazen (2000, p. 266}, simple mode! for the U nited States.22
rhe final criticism concerns d ie central role No entanto, ele considera que há evidên
player b y uncertainty about who w ill win an cias que corroboram a validade dos modelos de
elecdon. The rational partisan m odel pre
ciclos partidários.23 Clark (2003) discorda.
dicts, a positive correlation between the ex
tent o f the electoral surprise and the size of
Fránzese Jr. e Jusko (2006) destacam que a
post electoral movements in real economic análise comparada dos cicloseleitoráis demons
activity. If an election outcome can be well tra que, na realidade, há profunda inconsistên
predicted, there should be little uncertainty cia nos resultados empíricos.24
about monetary policy after the election, and Norpoth (1985, p. 180,2/WLewis-Beck
hence little effect on economic activity.21 e Stegmaier, 2000) afirma que há pouca dúvida
de que o estado da economia seja importante
Contudo^ quando considerados indivi para a popularidade presidencial norte-ameri-
dualmente, o grau de incerteza do processo elei canar5 o problema real é saber quais variáveis
toral pode ser bastante variado, e seu impacto contam para a análise empírica e como elas se
sobre o ciclo eleitoral difícil de ser medido. estruturam.
Os modelos empíricos utilizam diversas
Evidência Empírica dos Cicios variáveis independentes:25 Nordhaus (1975),
Políticos desemprego; Tufte (1978), desemprego, ren
da e popularidade do candidato; Hibbs (1977),
Terminamos a seção anterior destacando a desemprego; Hibbs (1987), renda pessoal;
dificuldade de medição do impacto do pro Lewis-Beck e Paldam (2000), popularidade e
cesso eleitoral sobre a dinâmica macroeco PIB; Krause (2004), crescimento da renda pes
nômica. Como foi visto, a noção central da soal. Nos últimos anos, os pesquisadores da
teoria dos ciclos eleitorais é de que a trajetória teoria dos ciclos políticos têm tentado equacio
de uma economia pode ser afetâda por moti nar o problema da validade das variáveis in
vações políticas dos governos, especialmente as dependentes e dependentes e das medidas de
de cunho eleitoral. Por mais lógica que essa comparação que devem ser empregadas. Não
afirmação pareça, ela não é inconteste, ao parece haver uma resposta única. De acordo
contrário, há forte questionamento sobre a com Lewis-Beck e Stegmair (2000, p. 211):
100
[...] the answer varies from country to coun posição junto ao eleitorado. McCallum (1978),
try. It could, be msemployment, inflation, or perfazendo os passos de Nordhaus, não encon
gro w th , p erhap s m easured p ercep tively, tra evidência empírica da existência de cicios
perhaps at a lag. T hat measurement vari abil
político-econômicos nas taxas de desemprego,
ity is not a theoretical weakness. Rather, it
em períodos pré-eleitorais nos Estados Unidos,
incorporates, as it should, the institutional
entre 1948 a 1976. Lachler (1978), Golden e
history o f econom ic performance an d statis
tical reporting in that particular country. Also, Poterba (1980) e Beck (1987) também criti
it is in harm ony w ith the value o f specifying cam a falta de consistência empírica da teoria
political context, as is done in the positive dos ciclos eleitorais.
cross-national studies. Electoral institutions, Tuíte (1978) apresenta evidências de ex
w hich shape the distribution o f political eco pansão da quantidade de moeda ofertada pelo
nomic responsibility in a nation, can affect Federal Reserve (FED), em decorrência de
much. W here government is led by one par períodos eleitorais entre os anos 1950 e 1970.
ty, rather than several in coalition, the econ- O ciclo eleitoral seria caracterizado por uma po
om y-polity lin k is especially firm .” lítica monetária expansionista nos dois anos an
teriores às eleições, para ser reduzida nos poste
O Modelo Oportunista de Nordhaus riores. Essa afirmação era interessante, pois
(1975) serviu de referência para a maioria dos entrava em confronto com a visão comum do
estudos posteriores sobre o problema. Exami elevado nível de autonomia do FED vis-k-vü
nando a relação entre taxa de desemprego e às disputas políticas nacionais. Beck (1987)
eleições nacionais para nove países entre 1947 observa que o agregado monetário nos Estados
a 1972, esse autor encontrou evidência de ci Unidos das décadas de 1960 a 1980 realmen
clos eleitorais sobre o nível de emprego para os te parece apresentar um comportamento cícli
Estados Unidos, Alemanha e Nova Zelândia. co. Contudo, ao acrescentar no modelo econo
Os dados demonstraram modesta indicação métrico dummies para representar as eleições,
para França e Suécia, e nenhuma para Austrá não encontra evidências de comportamento
lia, Japão e Inglaterra. Nordhaus destaca que o oportunista do FED por motivações políticas.
comportamento da taxa de desemprego nos Beck (1987) afirma que banco central norte-
Estados Unidos comporta-se como predito pela americano não altera sua política monetária
teoria nas eleições de 1948,1952 e 1956. Antes antes das eleições e que o comportamento da
da disputa eleitoral, elas declinavam acentua- moeda era, na realidade, uma acomodação pas
damente para logo depois do fim das eleições siva a ciclos eleitorais fiscalmente induzidos.
aumentarem novamente. A taxa de desempre Alesina, Roubini e Cohen (1997), num
go também declinou antes das eleições de 1964 extenso trabalho comparativo, testaram a hi
e subiu depois das eleições de 1968, voltando pótese da existência dos ciclos políticos para os
a cair antes de 1972.2S Estados Unidos e para mais dezoito países da
Ainda nos anos 1970, um conjunto im Organização para Cooperação e Desenvolvi
portante de trabalhos —Wright (1974), Tuíte mento Econômico (OCDE). As regressões de
(1978), Fair (1978), Frey e Schneider (1978) dados de painel demonstraram haver pouca
e MacRae (1977) - corroboram de forma geral evidência de ciclos eleitorais oportunistas nas
às conclusões de Nordhaus (1975). Contudo, variáveis macroeconômicas norte-americanas,
a partir do finai da década começaram a surgir inexistem sinais de que a economia cresça mais
criticas severas à hipótese de que o governo al rápido, que a taxa de desemprego seja mais
tera a dinâmica da economia para melhorar sua baixa, mesmo que ocorra aumento de inflação
101
em razão das eleições. O mesmo resultado foi nômicos antes do período eleitoral só se confir
encontrado para os demais países da OCDE. ma porém quando o Executivo possui maioria
Ciclos eleitorais foram detectados nas taxas de legislativa e, mesmo assim, essa melhoria res
crescimento do PIB e da inflação em apenas tringe-se ao PIB. Outro achado importante cor
dois países: Nova Zelândia e Alemanha. Alesi- robora a teoria dos ciclos partidários: o desem
na, Roubini e Cohen (1997) também pesqui prego aumentou mais nos governos de direita
saram a possibilidade de haver ciclos eleitorais do que nos de esquerda e centro. Entretanto, a
em relação à política monetária. Foi encontra ideologia não parece impactar sobre a variação
da correlação positiva entre eleições e taxas de do PIB e da inflação.
expansão da moeda pata o conjunto dos países Nó Brasil, os estudos sobre cicios eleitorais
da OCDE; contudo, não foi encontrada a encontram-se em franco desenvolvimento. Os
mesma evidência para os Estados Unidos. trabalhos têm um viés majoritariamente econô
Os estudos sobre os ciclos políticos têm mico e preocupam-se, principalmente, com o
majoritariamente como objeto os Estados Uni impacto das eleições sobre o gasto público e os
dos e países da OCDE. No entanto, nos últi agregados macroeconômicos (Fialho, 1997;
mos anos, a produção acadêmica sóbre os paí Preussler e Portugal, 2002; Salvato et a i, 2007).
ses em desenvolvimento tem crescido de forma Fialho (1997), utilizando como variável
consistente. De forma geral, tais estudos tentam independente o crescimento do PIB, afirma
comparar a capacidade explicativa dos mode que há evidência empírica de ciclos eleitorais
los clássicos com seus dados econômicos. sobre a dinâmica da economia nacional: evo
A falta de consistência empírica de muitas lução real do PIB e expansão dos meios de pa
análises baseadas em modelos clássicos tem feito gamento. Contudo, um fato interessante des
os pesquisadores buscarem novos subsídios taca-se na análise: não foram encontrados
teóricos, como o neo-institucionalismo econô indícios de mudanças no comportamento das
mico, para demonstrar como o design institucio taxas de inflação e de desemprego em decor
nal pode impactar a relação entre política e eco rência das disputas eleitorais. Outro elemento
nomia. E provável que os ciclos políticos sejam importante a ser destacado é que, para a autora,
mais perceptíveis em determinadas condições os ciclos políticos apresentam-se como um
políticas, como, por exemplo, alta fragmentação fenômeno novo na economia brasileira, surgi
legislativa e fracas regras de controle de gastos.-^ da a partir do processo de abertura política e
O trabalho mais importante sobre a exis redemocratização.
tência de ciclos políticos na América Latina foi. Preussler e Portugal (2002), que fazem
realizado p.òr Hugo Borsani (2003), que, a severas críticas à metodologia de Fialho (1997),
partir da análise dos três agregados macroeco encontram evidências de comportamento
nômicos básicos (variação do PIB, inflação e oportunista do governo federal em relação à
desemprego) para um conjunto de doze demo taxa de inflação, mas não ao crescimento do
cracias entre 1979 e 1998, encontrou evidên PIB e à taxa de desemprego. Salvato et al.
cias da influência da lógica eleitoral sobre a eco (2007, p. 13), no mesmo sentido, afirmam
nomia. Contudo, o estudo adverte que as teorias que, no Brasil, para se manterem no poder, os
clássicas não podem explicar completamente governantes adotam “políticas econômicas ex-
essa dinâmica. As análises estatísticas confirma pansionistas que geram distorções fiscais nas
ram que após as eleições houve menor cresci contas públicas’ .
mento do PIB, maior desemprego e inflação. A Os estudos sobre os governos subnacio-
hipótese de que haja melhora dos índices eco nais brasileiros também têm demonstrado que
102
o comportamento das políticas fiscal e de gas ra, a avaliação dos eleitores sobre o governo va
tos públicos, depois da redemocratização, tem ria de acordo com o desempenho da economia
sofrido significativa influência do ciclo eleito e o voto pode alterar essa situação a partir da
ra] (Teixeira, 2001; Cossio, 2001; Gama Neto, troca de governos (os elementos centrais dessa
2007). No entanto, mudanças no desenho fe avaliação são os.agregados macroeconômicos
derativo, como a Lei de Responsabilidade Fis básicos: nível de emprego, taxa de inflação e
cal, abrem uma nova agenda de pesquisa, in crescimento do PIB); segunda, o governo tem
troduzindo uma nova variável nos modelos; o conhecimento sohre qual avaliação realizam os
impacto que as novas restrições hierárquicas de votantes das condições econômicas do país, e
gastos tem sobre a discricionariedade dos go se essa avaliação for negativa, ele irá buscar com
vernos estaduais em suas políticas de despesas, patibilizar o estado atual da Curva de Phillips
especialmente gastos sociais, despesa de pessoal para o mais próximo possível do ideai esperado
e previdência dos servidores aposentados nos pelo eleitorado. Apesar das premissas serem
ànos eleitorais (Souza, 2008). bastante lógicas, até o momento ínexistem evi
A hipótese cencral da teoria dos ciclos polí dências empíricas, incon testes.
ticos, de que os governos podem interferir na Os diversos modelos da teoria dos ciclos
evolução da economia para melhorar sua posi político-econômicos foram submetidos à ex
ção junto ao eleitorado, ainda carece de evidên tensiva comprovação, e, de forma geral, os tra
cias sólidas. Os testes estatísticos parecem dar balhos sobre ó tema demonstram que os gover
maior suporte empírico à influência do gover nos podem utilizar as políticas econômicas
no na economia, como decorrente da ação de como instrumento para melhorar sua posição
poSíticas relacionadas a gastos governamentais nas futuras eleições. Contudo, seu efeito não é
e políticas tributária e fiscal, com pouca influên generalizado e talvez ocorra em determinadas
cia sobre a Curva de Phillips de curto prazo. O circunstâncias. A natureza do regime político,
impacto das eleições sobre a evolução dos agre presidencialista ou parlamentarista, a ideologia
gados macroeconômicos parece ser menos cla do partido do governo, a radicalização ideoló
ro. A utilização de novas variáveis como frag gica no parlamento e as restrições institucionais
mentação legislativa, radicalização ideológica, ao gasto também áfecam consideravelmente a
entre outras, traz novas perspectivas na busca relação entre o estado da economia e a lógica dá
da evidência empírica dos ciclós eleitorais. estratégia eleitoral. Concretamente, a fraca cor
respondência entre o que prega a teoria e os
Conclusão resultados empíricos, em vários casos, sugere a
necessidade de recondução de novas pesqui
Neste trabalho, apresentamos as principais sas, buscando uma reconciliação entre os mo
teorias dos ciclos político-econômicos: de um delos Oportunistas e Partidários e uma redis-
lado os modelos Oportunistas e de outro os cussão da noção de racionalidade dos eleitores
Partidários. Suas premissas básicas são; primei e agentes econômicos.
Notas
103
como a sociedade pode garantir que o governo não altere a política econômica de forma
oportunista? A principal função do voto nas democracias é punir ou premiar os representantes
polídcos e o governo. Porém, como é possível o eleitor avaliar a qualidade das políticas públicas
governamentais em relação às respostas exigidas pela agenda pública se os governos discricíona-
riamen te podem mudar a situação da economia, aumentando, durante curto prazo. o grau de
satisfação ou insatisfação do eleitorado?
2 O Plano Real também é acusado de ter sido dirigido eleitoralmente. A oposição argumentava
que o lançamento da nova moeda, em substituição à Unidade Real de Valor (URV) , em juliio
dé 1994, tinha claramente o objetivo de garantir a vitória do candidato do governo, o então
Ministro da Fazenda Fernando Henriqiie Cardoso.
3 O mesmo pode ser dito da questão cambial na eleição presidencial de 1998.
4 Disponível em: <http://contasabertas.uoI.com.br/noücias/detalhes_noticias.asp?auto=l486>.
5 Os trabalhos de Michel Kalecki (1997), Schumpeter (2006) e Anthony Downs (1999)
podem ser vistos como as primeiras tentativas de desenvolvimento de modelos formais para a
análise do impacto das escolhas políticas dos governantes na economia. Drazen (2000), que
apresenta uma análise detalhada acerca do estado da arte dos modelos de análise dos ciclos
político-econômicos, afirma que “Short-term fluctuations in U.S. voting behavior: 1898
1964”, de Kramer (1971), é provavelmente o primeiro estudo empírico detalhado sobre como
o estado da economia afeta o comportamento eleitoral.
6 A literatura empírica sobre ciclos político-econômicos é imensa. Além dos trabalhos analisados
neste texto, também podem ser considerados de especial relevância para o entendimento da
teoria, autores como: Drazen (2000), Dorussen eTavlor (2002); Frey (1997); Fiorina (1981,
1997); Lewss-Beck (1988); Lewis-Beck e Paldam (2000);Lewis-BeckeEulau (1995); Lewis
Beck, Norpoth e Lafay (1991);Tufte (1978); e W illet (1988).
7 Existe na literatura sobre o comportamento dos governos em relação aos eleitores uma abordagem
conhecida como Model of Electoral Control. Esta se baseia na aplicação do modelo Principal
(eleitores) —Agente (governantes). Os principais autores dessa perspectiva são Barro (1973) e
Ferejohn (1986). Para o primeiro, o governante no início do governo escolhe o nível de gasto
público que lhe traria o maior “ganho político privado”. Para atingir esse objetivo, ele impõe à
sociedade uma carga tributária específica. Contudo, existe o periga de o gasto do governo sér
maior que o nível desejado pelos cidadãos, comprometendo, dessa forma, o “ganho político
privado” do governante. Ao final do governo, os eleitores decidem se reelegem ou não o gover
nante em função dessa reíação. Para o segundo, o desempenho do governo depende da perfor
mance do governante, não de suas ações individuais. O esforço do governante em melhorar seu
desempenho é uma variável que não pode ser mensurada pelos eleitores, isso porque o resulta
do das ações do governo pode ser conseqüência de acontecimentos fora de seu controle. No
termo do governo, os eleitores decidem ou não se reelegem o governante. Para Ferejohn, a
reeleição pode ser um estimulo para o governante melhorar seu desempenho administrativo.
8 Os estudos para outros países têm avançado rapidamente. Argentina: Alvarez (2005) e Rumi
(2005); México: Magaloni (2000) e Grier e Grier (2000); Egito: Blaydes (s/d); índia: Chau-
dhuri e Dasgupta (2005) e Khemani (2004); Japão: Yoo (1998) e Kohno e Yoshitaka (1990).
104
Também têm avançado os escudos comparativos sobre a América Latina como: Borsani (2003),
Sparnakos (s/d) e AmorimNeto e Borsani (2002).
9 O trabalho de BlaiseNadeu (1992) pode ser o primeiro a procurar explicar o comportamento
oportunista dos governos subnacionais em países federais. Esses pesquisadores investigaram a
relação entre gasto público e eleições em dez províncias canadenses entre 1951 e 1984,
encontrando evidências da existência de um ciclo eleitoral de pequena intensidade, observável
apenas nos anos eleitorais nas despesas sociais e. estradas.
1 0 A Curva de Phillips pode ser caracterizada pela seguinte fórmula: = 7 + y(n r - TTp, y >0.
Onde aiaxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é caracterizado por y a laxa de
crescimento natural por y, a variável que capta o impacto positivo dos votantes quanto à inflação
por y ; a taxa de inflação atual por ?r e a expectativa quanto à taxa de inflação futura por 7T';
11 A noção de que as expectativas são adaptativas significa que o eleitorado irá formar sua expec
tativa sobre a inflação, futura baseada no passado. Um modelo simples disso é dado pela
seguinte equação: J/ =p t + Q(pl, - p t j), 0 < l.A inflação esp erad a^ ) em t é igual à inflação
(p ) do período anterior se as expectativas anteriores ( í—1 ) forem corretas. O parâmetro 6 é um
termo de ajustamento parcial para erros de previsão cometidos. De acordo com Nordhaus, os
erros de previsão permitem ao governo manipular os agregados macroeconômicos e aumentar
suas chances de reeleição. Essa afirmação não tem se confirmado por análises empíricas. Paldam e
Nannestad (2000), analisando o conhecimento dos eleitores dinamarqueses sobre o funciona
mento da economia e suas expectadvas sobre a evolução futura, afirmam que a grande maioria das
pessoas sabe pouco sobre economia e normalmente não elaboram expectativas para a inflação.
12 MacRae (1977), ao analisar quatro eleições presidenciais norte-americanas (1957 á 1972),
percebe forte evidência de ciclo político. Contudo, afirma que a percepção original de Nord
haus, de que o eleitor é “míope”, não é capaz de explicar os resultados de todos os períodos
eleitorais. A hipótese de MacRae é de que, em certas circunstâncias, 0 voto estratégico explica
melhor o comportamento do eleitorado.
13 A teoria das expectativas racionais é utilizada para explicar situações onde os resultados depen
dem parcialmente do que as pessoas èsperam que aconteça. Um exemplo é a situação futura de
uma economia, de acordo com Sargent (2008), a teoria preconiza que ela não deve diferenciar-
se muito do que os consumidores esperam dela. Para o caso da inflação (p), a teoria preconiza
que ela deverá ser é igual à esperada (p'), mais um termo de erro (e), ou seja, p=p" + e.
14 Em “Alternative approaches to thè political business cycle”, Nordhaus (1989) fez uma ava
liação geral do desenvolvimento da Teoria dos Ciclos Eleitorais, centrando-se especialmente
nas respostas às críticas de seu modelo de análise.
15 deveria ser enfatizado que as eleições não são necessariamente uma coisa má, somente porque
elas resultam em inflação excessiva ou em uma distribuição subótíma das distorções fiscais ao
longo do tempo. Por realizarem eleições, o público pode ter um governo mais competentes na
média”.
16 Preconizando que os eleitores são votantes prospectivos e que consomem o máximo de infor
mação disponível para formar as expectativas sobre a situação da economia.
105
17 O Modelo Partidário Racional traz uma novidade importante: a interação estratégica entre o
Executivo e o Legislativo e a importância da estrutura institucional do sistema político. Nos
mqdelos até agora estudados, ou o governo, ou o partido que assume o governo, comanda a
economia. Todos ignoraram um elemento fundamental da democracia contemporânea, que ê
o papel da estrutura institucional sobre as escolhas estratégicas dos atores. A política econômica
reflete também essa estrutura, a forma como os partidos estão organizados e o Legislativo tem
um impacto real no desenvolvimento da economia.
18 “[...] aumentos salariais nominais refletem racionalmente a antecipação da inflação ao mesmo
tempo que os. contratas são assinados.”
19 Uma questão ocasional é que, se um parddo adotar políticas econômicas que sejam desviantes
quanto à sua posição ideológica, ele certamente produzirá ciclos político-econômicos pós-
eleitorais mais significativos. Contudo, eles poderiam perder reputação, o que teria impactos
negativos no futuro,
20 Até o período próximo da eleição, quando a incerteza eleitoral provocará novo ciclo.
21 “[ ..J á crítica final refere-se ao papel central jogado pela incerteza sobre quem ganhará uma
eleiçãó. O Modelo Partidário Racional prediz uma correlação positiva entre a extensão da
surpresa eleitoral e o tamanho dos movimentos pós-eleitorais na atividade econômica real. Se
um resultado da eleição pode ser predito, deveria haver pouca incerteza sobre a política mone
tária após a eleição, c, portanto, pouco efeito sobre a atividade econômica.”
22 O Modelo Oportunista tem sido amplamente testado econometricamente para os Esta
dos Unidos e outros países, com a maior parte dos estudos encontrando pouca sustentação
para o modelo básico de Nordhaus de um ciclo de atividade econômica f...]. E nem é possível
nem útil sumarizar todos os estudos, exceto para dizer que é bastante clara a rejeição ao modelo
simples para os Estados Unidos”.
23 Alt e Chrystal (1983, p. 125) afirmam que “ninguém pode ler a literatura de ciclos político-
econômicos sem ser atingido pela falta de evidências”.
24 Franzese Jr. e Jusko (2006) argumentam que parte da incapacidade dos modelos empíricos de
construírem explicações válidas pode ser explicada pelo que eles denominam de “negligência
dos pesquisadores acerca das interações contextuais” que existem nas. relações éntre a política
doméstica e a internacional, quanto à economia e à política, e os contextos estratégicos, conjun
turais e institucionais, que envolvem eleitores e políticos. “A magnitude, regularidade e con
teúdo dós ciclos político-econômicos irão variar com esses contextos” (p. 546).
2 5 CandeLSánchez (2007) afirma que o ciclo político deve ser considerado um fenômeno ampla
mente difundido nas democracias capitalistas. Já Carey e Lebo (2006, p. 543) escrevem que “é
quase uma realidade empírica indiscutível que os farores econômicos influenciam a populari
dade de um governo e süa sorte eleitoral”.
2 6: Grosso modo , podemos classificar as variáveis dependentes utilizadas para analisar o ciclo eleito
ral em dois grupos: (a) dados macroeconômicos, como, por exemplo: crescimento do PIB,
desemprego, renda e inflação; e (b) política econômica, tributária e fiscal: transferências gover
106
namentais, emissão de moeda, taxa de câmbio, aumento e redução de impostos, gastos públi
cos, aumento de salário do funcionalismo etc.
27 “[...] A resposta varia de um país a outro. Poderia ser o desemprego, inflação ou crescimento,
talvez medido deforma perceptível, talvez com certo atraso, Essa variabilidade damensuração
não é uma fraqueza teórica. Pelo contrário, ela integra, como deveria, a história institucional do
desempenho econômico e os relatórios estatísticos daquele determinado país. Além disso, ela
está em harmonia com os valores de determinado contexto político, como feito nos estudos
positivos cross-national. As instituições eleitorais, que se moldam à distribuição da responsabi
lidade econômica política em uma nação, podem afetar muito. Onde o governo é liderado por
um partido, em vez de várias coligações, o link economia-classe política é especialmente forte'’.
28 O período de 1969 a 1972 corresponde à primeira administração Nixon, caracterizada por
taxai de desemprego mais altas no início do governo e mais baixas no iim. Nordhaus (1975, p.
187) afirma que “o programa econômico durante a primeira administração Nixon nos Estados
Unidos foi um caso exemplar de planejamento para o ciclo político-econômico”. Para análise
da perspectiva da teoria dos ciclos políticos do governo Nixon, ver Keller e May (1984).
29 Um exemplo desta abordagem pode ser encontrada em Amorim Neto e Borsani (2002), que,
analisando vários países latino-americanos, chegaram à conclusão de que presidentes filiados a
grandes partidos políticos, com gabinetes ministeriais estáveis e mais à direita no continuum
ideológico, tendem a produzir balanços fiscais mais positivos. A hipótese clássica de que ó ciclo
eleitoral deteriora o resultado fiscal também foi confirmada.
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Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir as principais teorias de cicios político-econômicos. O problema
central é entender como os políticos que este contabilidade criativaão no governo manipulam as normas
que regulam a atividade econômica a :s eu favor em períodos eleitorais. As teorias possuem duas premissas
básicas: ( !) a opinião dos eleitores sobre o governo varia de acordo com o desempenho da economia (os
elementos centrais déssa avaliação são: nível de emprego, taxa de inflação e crescimento econôm ico); e (2)
o governo sabe qual avaliação íazem os eleitores das condições macroeconômicas do país, c, se essa
avaliação for negativa, irá buscar compatibilizar o estado atual da economia para o mais próximo possível
do ideal esperado pelo eleitorado. A análise da literatura demonstra que inexistem conclusões definitivas.
Abstract
Elections, the Economy, and the Political Cycle: a. Review o f Classic Literature
111
This article alms at discussing the m ain theories on political-economical cycles. The central problem is
realizing how politicians in office w ill m anipulate the norms chat regulate the economic activity in their
own favor during electoral periods. Theories include two basic premises: (1} the opinion of voters on the
government varies according to the performance of the economy (central elements o f such raring being:
level of employment, inflation rate, and economic growth); and (2) the government knows how voters rate
the macro-economical conditions of the country, and should such rating be negative, w ill seek to match
the current economic situation to the closest possible to the expectations o f voters. An analysis of the
literature evidences the inexistence o f definite conclusions.
Résumé
Mots-clés: Cycle électoral; Com portement politique; Élections; Économie; Courbe de Phillips.
112
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e Centros de Pesquisa Filiados à Anpocs
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UNICAMP Sociologia
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www.politica.ufpe.br Ciências Sociais
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UFPE —Programa de Pós-Graduação em
Antropologia UFRN - Programa de Pós-Graduação em
www.ufpe.br/antropologia Antropologia Social
UFPE —Programa de Pós-Graduação em www.cchla.ttfm.br
Sociologia
UFRRJ —Curso de Pós-Graduação de
www.ufpeppgs.hpg.ig.com.br
Ciências Sociais em Desenvolvimento,
UFPR - Programa de Pós-Graduâção em Agricultura e Sociedade
Antropologia www.alternes.com.br/-cpda
www.humanas.ttfpr.br/pos/antropol
UFS - Programa de Pesquisa e
UFPR—Programa de Pós-Graduação em Pós-Graduação em Ciências Sociais
Sociologia www.posgrap.ufs.br
www.humanas.ufpr.br/pos/socio
UFSC —Programa de Pós-Graduação em
UFRGS —Programa de Pós-Graduação e Antropologia Social
Planejamento Urbano Regional www.chf.ufsc.br/-aii tropos
www.ufrgs.br/propur
UFSC—Programa de Pós-Graduação ém
UFRGS —Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política
Antropologia Social
www.reitoria.ufsc.br/prpg
www.ufrgs.br/ifch/ppgas
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Antropologia Social Antropologia
www.unb.br/ics/dan/manual_pos www.fflch.usp.br/da
UNESP/UNICAMP/PUC-SP —
Programa de Pós-Graduação em Relações
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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE COLABORAÇÕES À BIB
Nom e:______________________________________________________________
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Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB -
passou a divulgar recentemente endereços
de fontes de pesquisa visando estimular a
organização de uma rede de intercâmbio e
cooperação institucional e científica.