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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

CAMPUS PETROLINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES


(PPGFPPI)

NÍVEL MESTRADO–MODALIDADE PROFISSIONAL

CLARA MARIA MIRANDA DE SOUSA

CUIDADO EM EDUCAÇÃO: os sentidos da experiência no contexto de Pesquisa-


Formação com professoras da Educação Infantil.

PETROLINA – PE

2018
CLARA MARIA MIRANDA DE SOUSA

CUIDADO EM EDUCAÇÃO: os sentidos da experiência no contexto de Pesquisa-


Formação com professoras da Educação Infantil.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Formação de Professores e Práticas
Interdisciplinares da UPE/Petrolina como requisito
para obtenção do título de Mestra.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Silva de Souza
Ribeiro.
Linha: Políticas Educacionais, Formação Docente e
Práxis Pedagógica.

PETROLINA – PE

2018
À minha avó-mãe Rita, que com noventa anos, me
ensina que cuidar se faz de acolhida, coração aberto,
esperas, gratuidade, limites, resistência, silêncios,
simplicidade e ternura.
ABRAÇOS DE GRATIDÃO

Tenho tanto a agradecer e minha experiência de gratidão será em abraçar, pois no


abraço se constrói o laço que mesmo se desatar não fere, nem tira um pedaço, mas só
acrescenta novas cores e formas para melhor viver. O abraço além dos braços nos faz abrir
o coração, sentindo as batidas na mesma intensidade em cada encontro.
O meu primeiro abraço vai para a Santíssima Trindade – Deus - Pai, o Yahweh - “Eu
sou Aquele que Sou!”, o Emanuel Deus Conosco e o Deus-Espírito Santo a Sabedoria, a
Ruah – o feminino de Deus, que com infinita misericórdia me permite a graça de viver
tantas oportunidades de me melhorar enquanto humana. O segundo abraço dedico a Nossa
Senhora – Maria, mãe dos cristãos - e que tem sido minha doce companheira de
caminhada espiritual.
Abraços aos familiares, que me educaram, e com todos os esforços cuidaram de
mim, minha avó-mãe Rita, meu irmão Fernando, meus tios: Fatima (In Memoriam),
Izabel, Francisco, Antonio, meu avô José (In Memoriam) e os primos – meus primeiros
educuidadores - me amam e me ensinaram a resistir às intempéries da vida, me viram
crescer, não tanto fisicamente (risos), mas na sensibilidade de conviver e viver com o
outro. Louvor aos pais que me conceberam e que confiaram em outras mãos para que eu
tivesse proteção e abrigo, não somente físico, mas de coração.
É incomum tal abraço que nesse momento darei, mas quero abraçar ao chão que
primeiro me acolheu – o meu amado Ceará – terra de gente resistente, artista e
companheira, que se enche de alegria em cada sinal de chuva e que abre os braços quando
as gotas de água caem como se recebessem bênçãos da mãe natureza. Também o meu
abraço ao Vale do São Francisco – Juazeiro e Petrolina - que me leva a experienciar da
acolhida de pertencer e conhecer novas identidades e novo jeito de ser.
Um grande abraço a duas famílias que me envolvem em seu cotidiano e que me
ajudam a compreender a arte de conviver. A família Santos Silva: Sheila Janda, Melissa,
Melida, Sofia, João Marcos e Fred. E a família Castro Brito: Géssica, Gil, Geísa, Jairo,
Jefferson e Geilson. Grata por tanto cuidado, pelo zelo, bem estar e companhia calorosa
no meu dia a dia, até mesmo pelas saudades sentidas no período de férias em que vou ao
encontro de minha família sanguínea.
A todos os meus amigos e amigas que estão presente em minha história, muita...
Mas muita gratidão! A minha lista de amigos é enorme e aqui descrevo alguns deles, os
mais “achegados” nesse momento atual: Abriano, Adelson, Alda Vasconcelos, Ir. Ana
Maria, Aniblon Smit, Ludmila, Ana Beatriz, Pe. Antonio José Menezes, Elaine Silva, Pe.
Erimatéia, Gorete, Lourdete, Lucidalva, Marcira, Maria Rosa, Maria José, Nisse,
Rafaela, Ir. Teresa de Jezus e a tantos que torceram pela realização desse momento. A
todos a minha consideração e o meu abraço!
O abraço vai também para o meu queridíssimo orientador e que se tornou um
grande amigo, Prof. Marcelo Ribeiro, que na arte da escuta e da imensa sabedoria foi
indicando cada passo desse projeto de cuidado em educação. Antes mesmo de conseguir
ver o desenrolar desse fazer e refazer-se pesquisando, ele já os via com o olhar atencioso e
preciso de, como mesmo diz um “eterno aprendiz”. Gratidão por todo o saber
(com)partilhado, pelo acalanto em dias tristes e confusos, pelas alegrias e torcidas nas
vitórias, pelas dúvidas que me estimulou a pensar, que me elevou a escutar e pelas boas
companhias dadas nos momentos de orientação, no estágio-docência e nos projetos que
desenvolvemos juntos.
Quero abraçar apertadamente, as minhas “almas gêmeas” de sonhos em construir
novas propostas de educuidar. Grata Manu Lima e Rozelair Barreto, por confortar o
coração e a vida numa possibilidade tão graciosa de alimentar-se cuidando. Esse trabalho
também é de vocês, já que tanta coisa foi brotada das nossas preciosas e intensas
conversas. Inicio com vocês um novo ciclo de vida, juntas nos tornamos um coração
trinitário de afeto, acolhida e amor.
Aos colegas da turma 2016.2 e professores que mediaram nossas discussões do
PPGFPPI – UPE os muitos abraços. Mas um abraço mais que especial a Osnar Costa, que
foi uma grande força em todo o processo, um verdadeiro cuidador nas minhas alegrias e
angústias. Meu companheiro de café, de risos, de trabalhos em grupo, de reflexões mais
que pertinentes nos intervalos e verdadeira amizade ao longo de toda a escrita desse
trabalho. Fomos nessa turma, a “dupla da realidade”. Um verdadeiro irmão que o mestrado
me deu!
Ao grupo da escola em que realizamos a pesquisa-formação, os muitos abraços
pela acolhida, pelos encontros e reencontros, por cada gesto de abertura e por tudo o que
aprendemos juntos. Por escolha de cada uma nesse escrito se chamam: Afeto, Alegria,
Amor, Carinho, Criatividade, Determinada, Fé, Fortalecida, Guerreira, Humilde,
Paciência, Simplicidade e Sorriso. Os nomes verdadeiros estarão sempre gravados na
memória do coração. Abraço a cada uma que em seu cotidiano alimenta o educuidar nas
sutilezas de estar junto com as crianças e com suas famílias, se tornando multiplicadoras da
semente do bem.
A Profa. Erika Höfling, que antes mesmo de conseguir ingressar no mestrado já me
apontava para o “brilho” que conseguia perceber nos meus olhos ao falar e viver a
educação. Além das indicações de leituras e de ideias para aperfeiçoar a pesquisa. E a
Profa. Iracema Cusati, que muito contribuiu para o trabalho final, o abraço de gratidão
pela apreciação e sinalizações para melhoria.
A todos os professores-educadores que tive a oportunidade de conhecer nas etapas
da vida até agora vivida, o meu imenso abraço! Ajudaram-me a compreender que pelo
estudo conseguiria/consigo ir para além-fronteiras do que imaginaria que iria alcançar.
Toda gratidão e o abraço ao universo, por me permitir viver e me inspirar com
tantas experiências vividas e ainda o que há porvir, me conduzindo a exalar o cheiro de
cuidar da vida. Pela força e ousadia que me faz movimentar os lugares onde devo
contribuir e com as pessoas que me conscientizam de construir meu jeito de ser pessoa.
Onde quer que eu vá sei que eu saio diferente e deixo algo diferente.
Desde já exponho que oferecerei nesse trabalho, entrelaçamento de palavras por
meio de poemas e versos escritos ao longo do processo de semeadura e de colheita das
inspirações aqui registradas. Como também o detalhe nas datas dos poemas escritos, para
que ao longo da leitura possa ser compreendido em que fases emergiram tais pensamentos.
Esse trabalho se tornou um diário reflexivo, gracioso do refletir e agir em meios
educativos.
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê
Flor, flor e fruto.

Milton Nascimento
RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo compreender os sentidos dados por professoras
quanto ao autocuidado, cuidado com o outro, com o ambiente e como o cuidado se mostra
no fazer docente a partir da mediação de um processo formativo com um grupo de
professoras da educação infantil em uma escola pública na cidade de Juazeiro-BA. Esse
estudo focou em aprofundar o cuidado em educação como meio de enriquecer a ideia de
ação docente capaz de propiciar relações construtivas, que valorizam não somente o
ensino, mas também os vínculos. Articulamos através do caráter multirreferencial, os
pressupostos filosóficos e teóricos de Heidegger e Boff, às ideias da educação e psicologia
humanística de Freire e Rogers, assim como inserindo como também das ideias para
embasar o cuidado em contextos educativos de Amatuzzi, Barbier, Bondía, Fazenda e
Pessoa, Josso, Longarezi e Silva, Macedo, Morin e Ribeiro. A metodologia adotada nesse
trabalho foi abordagem qualitativa, sendo pesquisa-formação de caráter fenomenológico-
hermenêutico “heideggeriano”, por intermédio de cinco encontros com um grupo de treze
participantes, com duração máxima de duas horas com ocorrência quinzenal. Utilizou-se
como instrumentos de colheita de informações: diários reflexivos, técnicas grupais,
recursos gráficos (desenhos livres) e entrevista coletiva. As informações colhidas através
da escrita do diário de observação direta, dos diários reflexivos das participantes, das
transcrições dos momentos coletivos, das técnicas, materiais produzidos e das avaliações
dos encontros, foram organizados, para análise, segundo a Analítica do Sentido, proposta
de compreensão do real no qual se baseia na perspectiva hermenêutica de Heidegger.
Descortinou-se dezoito unidades de sentido que se referiram as percepções de autocuidado,
as relações com o outro, os espaços que contribuem para a vivência do cuidado, a prática
pedagógica e dificuldades que interferem no bem estar docente, além da reflexão da
vivência formativa. Juntos, nesses passos dados na análise das informações,
compreendemos que cuidar e educar caminham juntos, assim cada professor/educador com
o pensamento dessa unidade se torna um “educuidador”, dando significado e introduzindo
um sentido diferencial em sua prática, a de “educuidar”. Como produto desse estudo
emerge o livro Cuidado em Educação: guia de reflexão e formação para educadores,
composto dos roteiros de cinco encontros, além de ter presente outros materiais práticos e
facilitadores da imersão do cuidado em grupo. Portanto, é relevante a construção de
práticas inovadoras na educação que pensem na autonomia dos participantes via
intervenções que fortaleçam a educação humanista, pensando no ser integrado e não
somente instrumental, no todo e não somente nas partes dos processos educativos.

Palavras-Chave: Cuidado. Educação. Pesquisa-Formação. Fenomenologia. Professoras.


ABSTRACT

The aim of the present research was to understand the meanings given by teachers regarding
self care, care for the other, the environment and how care is shown in the teaching process,
through the mediation of a training process with a group of teachers of early childhood
education in a public school in the city of Juazeiro-BA. This study focused on deepening care
in education as a means of enriching the idea of educational action capable of fostering
constructive relationships that value not only teaching, but also links. We articulate through
the multireferential character, the philosophical and theoretical assumptions of Heidegger and
Boff, to the ideas of education and humanistic psychology of Freire and Rogers, as well as
inserting as well as of the ideas to support the educational contexts of Amatuzzi, Barbier,
Bondía, Fazenda and Pessoa, Josso, Longarezi e Silva, Macedo, Morin and Ribeiro. The
methodology adopted in this work was a qualitative approach, being research-training of
phenomenological-hermeneutical character "heideggeriano", through five meetings with a
group of thirteen participants, with a maximum duration of two hours with biweekly
occurrence. It was used as instruments of information collection: reflexive diaries, group
techniques, graphic resources (free drawings) and press conference. The information collected
through the writing of the diary of direct observation, the reflective diaries of the participants,
the transcripts of the collective moments, the techniques, materials produced and the
evaluations of the meetings were organized for analysis, according to the Analytic of Sense,
of the real on which it is based on Heidegger's hermeneutic perspective. Eighteen units of
meaning were disclosed, which included perceptions of self-care, relationships with others,
spaces that contribute to the experience of care, pedagogical practice and difficulties that
interfere with teacher well-being, as well as reflection on the formative experience. Together,
in these steps taken in the analysis of information, we understand that caring and educating go
together, so each teacher / educator with the thought of this unit becomes an "educator",
giving meaning and introducing a differential meaning in his practice, “educare”. As a
product of this study, the book Care in Education: a reflection and training guide for
educators, composed of the scripts of five meetings, emerges as well as other practical
materials and facilitators of the immersion of group care. Therefore, it is relevant to construct
innovative practices in education that think of the autonomy of the participants through
interventions that strengthen humanistic education, thinking of being integrated and not only
instrumental, in the whole and not only in the parts of the educational processes.

Keywords: Care. Education. Research-Training. Phenomenology. Teachers.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Diagrama 1 – Cuidado como norteamento. .......................................................................... 22


Diagrama 2 – Educuidar ....................................................................................................... 40
Diagrama 3 – Passos da Pesquisa-Formação ....................................................................... 66
Diagrama 4 – Círculo hermenêutico “heideggeriano” ....................................................... 74
Diagrama 5 – Pesquisa-formação numa perspectiva fenomenológica hermenêutica
“heideggeriana”....................................................................................................................... 78
Imagem 1 – Desenhos das participantes quanto ao sentido de cuidado .......................... 105
Imagem 2 – Desenhos das participantes - Dinâmica A mão que nos fala ........................ 164
LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Idade das participantes da Pesquisa-Formação ................................................. 84


Tabela 2. Formação/Escolaridade das participantes da Pesquisa-Formação ................... 85
Tabela 3. Tempo de experiência profissional na área educacional das participantes da
Pesquisa-Formação ................................................................................................................. 86
SUMÁRIO

Existên-temente Cuidado .......................................................................................................... 14

1 COMEÇO DE CONVERSA ............................................................................................... 15

Bordar-Cuidado......................................................................................................................... 21

2 COMPREENDENDO TEORICAMENTE ....................................................................... 22


2.1 Martin Heidegger: o filósofo do cuidado ............................................................ 24
2.2 Leonardo Boff e a ética do cuidado ..................................................................... 27
2.3 Paulo Freire e o pensamento de educação humanística .................................... 31
2.4 Carl Rogers e alguns traços da psicologia humanista ....................................... 33

3 EDUCUIDAR: um despertar para indissociabilidade de educar e cuidar..................... 38


3.1 Cuidado: momento da acontecência do “educuidar”. ...................................... 40
3.2 Educação: construção do ser reflexivo junto a outros. ..................................... 45
3.3 Ser-aí: lançados para escolher como Ser. .......................................................... 50
3.4 Ser-no-mundo: impulsionados a estar-com-o-outro .......................................... 54
3.5 “Educuidar”: a provoc(ação) de práticas com sentido. .................................... 57

Educuidar .................................................................................................................................. 61

4 OBJETIVOS......................................................................................................................... 62
4.1 GERAL .................................................................................................................. 62
4.2 ESPECÍFICOS ...................................................................................................... 62

Experimento andando: Experiment(ando) ................................................................................ 63

5 PERCURSO METODOLÓGICO ...................................................................................... 64


5.1 A pesquisa-formação: modo de reflexão e ação de um jeito diferente de
pesquisar ................................................................................................................................. 64
5.1.1 Por onde começou a pesquisa-ação .......................................................... 65
5.1.2 Pesquisa-ação que se descortina em pesquisa-formação.......................... 66

5.2 Fenomenologia hermenêutica “heideggeriana”: compreensão do vivido ....... 72


5.3 Pesquisa-Formação de cunho fenomenológico hermenêutico “heideggeriano”:
relação de caminhos que se cruzam .......................................................................... 77
5.3 Passos metodológicos e procedimentos utilizados ............................................. 82
5.3.1 A escola: que lugar é esse? ....................................................................... 82
5.3.2 As professoras: quem nos fala? ............................................................... 83
5.3.4 Encontros: em-com-as-outras .................................................................. 88
5.4 Dispositivos de colheita de informações .............................................................. 89
5.5 (Com)Figurando as Informações ......................................................................... 91
5.6 Plano de Descrição e Análise das Informações ................................................... 96

Em-com-o-outro: encontro........................................................................................................ 99

6 TRAVESSIAS RESSOANTES DA PESQUISA-FORMAÇÃO DE PERSPECTIVA


FENOMENOLÓGICA HERMENÊUTICA “HEIDEGGERIANA” .............................. 100
6.1 Sentido de cuidado: ação reflexiva da capacidade de ser ................................ 103
6.2 O autocuidado e o cuidado com o outro: emancipando-se para estar-no-
mundo-com-os-outros ........................................................................................................... 117
6.3 O cuidado com o ambiente: o resgate de nossa humanidade .......................... 151
6.4 A professora/educadora como cuidadora: o envolvimento do cuidar no fazer
docente ................................................................................................................................... 173
6.5 O lugar do cuidado em educação: refletindo os processos transformadores na
formação ................................................................................................................................ 191
6.6 Consenso: (re)encontros, (re)conhecimentos e (re)verberações...................... 212

Quando se ama cuidar ............................................................................................................. 215

7 ARREMATAÇÕES .......................................................................................................... 216

8 PRODUTO.......................................................................................................................... 220

Significa(ação) particular de Cuidado .................................................................................... 221

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 222


APÊNDICES ......................................................................................................................... 228
ANEXO .................................................................................................................................. 241

Últimas palavras nesse breve caminhar .................................................................................. 242


14

Existên-temente Cuidado

Pensar e estudar o Cuidado levou-me ao caminho de teorias e práticas que se tornaram,


no meu percurso, luzes de preocupação e ocupação para comigo e com o outro.

Tornei-me bálsamo para minha história, que deixou marcas e que pude escolher
reconstruí-la, mesmo em meio a tantas dúvidas e incertezas.

No cuidado me deleitei nos ensinamentos da vida em ação,


de banho científico para continuar a me envolver com a realidade que me é posta.

Existi no cotidiano de minhas reflexões


tão inquietas e pertinentes para se tornarem novas ideias de ação.

Existi na experiência de teimosamente ser um tempero diferente, dando novo sabor nos
trilhos da educação, que tanto necessita de olhares cuidadosos e precisos as suas
urgências.

Existi percebendo a complexidade do humano, que não precisa de grandes obras,


mas simplesmente de escuta e presença para alimentar a alma.

Existi no despertar das aberturas e também dos fechamentos,


para transcender e transformar práticas que possibilitem resgatar a humanidade.

Existi no processo de autoformação, minha e de outros, investigando e compreendendo


que a consciência necessita de muitas vozes e mãos para se maravilhar com as
descobertas.

Existi autorizando-me acessar o meu interior para ressurgir-me das cinzas.


Assim, vi que cuidando de mim sou capaz de me curar e olhando para mim posso me
transformar.

Existi escutando as minhas intuições, que me faz poetizar com arte e leveza
o desejo por, constantemente, me refazer e desfazer-me para mudar.

Vou com minha experiência indicando o caminho de ultrapassagem de limites pessoais,


interpelando que podemos superar as dificuldades que a educação proporciona.

Sendo esse caminho iluminado por muitas centelhas de luzes, mostro a luz que acendeu
e que está fumegante em tantos e tantas educadores e educadoras, se tornando o lugar de
itinerância criativa existên-temente estando e sendo no mundo um ser ontológico de
Educuidar.

31 de dezembro de 2017.
15

1 COMEÇO DE CONVERSA

Em meio a uma trama de discussões que envolvem a educação, voltamo-nos a


pensar frequentemente nos processos formativos e nas ações cotidianas, sendo, pois,
permeada de aspectos relacionais intrínsecos às práticas educativas, desde as físicas até
as emocionais que formam o “Ser” numa perspectiva integral. Colocaremo-nos na
intensidade de utilização de “Ser” ao invés de ser, para dar a dimensão da existência que
se constitui pelos acontecimentos e transcorrer da vida em contato com as pessoas e
com o mundo.
Desse modo, o “Ser” pessoa no processo escolar passa pelas mediações das
relações existentes, não somente entre professores e estudantes, mas de todos os que
fazem a comunidade escolar. Cada vínculo pode interferir na construção formativa do
“Ser”, amplamente integrada, de maneira a acrescentar ou dificultar a formação e seu
processo de construção.
Isto posto, refletimos que encontramo-nos num século com diversidade de
mudanças, que ampliam ou interferem as dimensões humanas, como também as
educacionais, já que a escola é um dos espaços pertinentes na constituição do “Ser”
humano. É nesse sentido que a Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura - UNESCO elaborou uma proposta intitulada “Educação para o século
XXI”, que tem como ideia quatro pilares para a educação: aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser (DELORS, 2012). Tais pilares
mostram que a escola é também um espaço de crescimento integral, que todas as
pessoas deixam de serem acumuladoras de conteúdos e reprodutores de conhecimentos,
tornando-se participativa e agregando os saberes da vida no processo educacional,
conseguindo unir as suas necessidades sociais e individuais.
É preciso ter um olhar para os desafios que enfrentamos no presente momento,
disso urge vermos que a educação é indispensável na vivência de humanidade,
construindo liberdade, justiça e paz. Além disso, a educação conduz ao
desenvolvimento do humano, mais harmonioso e conectado com a sua realidade,
pensando em saídas para as problemáticas vigentes, como: exclusão social, opressões,
pobreza, dentre outros motivos. É uma verdadeira preparação para enfrentamento de
“Ser” pessoa na atualidade (DELORS, 2012).
Logo, educar é mais que somente instruir, mas um caminho permanente de
colaboração para a compreensão do sentido da vida, de estruturação do senso crítico
16

numa ação em prol do favorecimento de convivência mais respeitosa com tudo o que
envolve o ser humano. A escola como um todo se sustenta em algumas âncoras de apoio
para progredir, mas são as pessoas que dela fazem parte que escolhem e desenvolvem a
maneira de habitar esse lugar. Uns escolhem viver as mazelas de se condicionarem a
estar dia após dia realizando as mesmas atividades, da mesma maneira, sem reflexão, já
outros constroem espaços prazerosos para vivenciar um verdadeiro resgate de relações
qualitativas e de comunidade escolar formadora. A comunidade escolar que forma e que
cuida (SOUZA, 2004; FREIRE, 2003).
A possibilidade de escola que cuida, envolve o aprofundamento de palavras que
carregam sentidos, dando significações as nossas experiências. Para bem nortearmo-nos,
trazemos para a centralidade a palavra cura, que é originária do latim, significando
cuidado. Conforme Boff (2005), cura era escrito coera e se utilizava em referência as
relações humanas de amor e amizade. Ainda em latim, tinham os verbos curo ou curare,
para afirmar o “cuidar de”, “olhar para”, “dar atenção”. Com o passar dos tempos a
palavra cura foi evoluindo, tanto no latim como em outras línguas, mas envolvida do
“cuidado de”, “tratar” e “zelar”. Podemos nos remeter a cura, com significação do
cristianismo, como o pároco, que cuida dos fiéis e o curador, que seria aquele que cuida
de outros ou de instituição, como o caso de “curador de menores” e “curador
patrimonial” (BOFF, 1999). O termo popularmente também é empregado, ao se referir
em aspecto de fermentação, como em caso de queijo ou peixe, como o “curado”, ou
seja, que recebeu tratamento todo especial para obtenção de um resultado satisfatório.
Outro sentido conhecido é o curativo, como sendo a limpeza e tratamento de um
ferimento. Desse modo, cura passou a significar a melhoria no aspecto de saúde e,
consequentemente, cuidado (LUFT, 1993; SARAIVA, 1993).
O termo cuidado vem ser também delineado em latim como cogitare-cogitatus,
“que significa cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de
desvelo e de preocupação” (ZOBOLI, 2004, p. 22). Observando ainda a composição de
cogitare, é preciso, pois, lembrar que co + agitare (agir), agitare é uma insistência na
palavra ação. Conforme Leloup e Crema (2015) hoje no latim cuidado é curae. Com o
processo evolutivo linguístico, como a palavra cura, o termo cuidado passou por
modificações e significações que foram dando sentido na medida em que ia sendo
inserido em diversas realidades. Em italiano, cuidado foi cunhado como coitare, daí
para o português a origem da palavra coitado - atualmente se usa a própria palavra cura.
17

Em um português mais arcaico, cuidado era cuydar, assim como no francês, já em


desuso, era cuider, daí o termo cuidar (LELOUP; CREMA, 2015). Para Boff (1999, p.
33) o cuidado “representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização
e de envolvimento afetivo com o outro”.
Nossa pesquisa, de caráter multirreferencial, elege o filósofo alemão, Martin
Heidegger, um dos autores mais ressaltados nesse estudo, que foi fortemente influente
no século XX e que, especificamente, em sua obra Ser e Tempo, discute acerca da
dimensão do cuidado. Para Heidegger (2005), cuidado é nomeado como Sorge, como o
próprio existir humano, apresentando característica do Dasein, como ser que está ligado
ao cuidado do outro ou ser-aí (HEIDEGGER, 2005). Outros três autores que nos
embasamos foram Boff (1999), em que trata do cuidado como modo-de-ser em suas
ações cotidianas no aspecto de proteção e promoção de vida. Além disso, temos Freire
(2003) pensando na educação humanística como o espaço democrático em que se
preocupa pela formação ética dos educandos e reconhece essa ética como liberdade por
construir uma sociedade voltada para o cuidado. Temos também as contribuições de
Rogers (2002) tratando do cuidado do “Ser” através do aspecto de tendência atualizante,
que seria a força potencial em cada pessoa para encontrar dentro de si mesmo o
equilíbrio para a vida por meio da formação e se responsabilizando por suas
experiências.
Todos os envolvidos na comunidade escolar estão envoltos da vivência das
relações interpessoais com outras pessoas. O professor em sala de aula é o mediador das
relações interpessoais que envolvem o aspecto também formativo, orientando outras
pessoas. Conforme Freire (2003), ensinar exige mostrar ao outro uma educação como
prática de liberdade. Assim, o professor enquanto mediador no processo de construção
de outros seres-no-mundo, se aperfeiçoa, se aprimora em sua vida profissional em
espaços formativos num verdadeiro exercício de tarefa educativa, aonde se educa para
educar (FREIRE, 2003).
Dessa maneira, entende-se que o espaço formativo se faz como lugar de aquisição
de novos saberes, de formulação de pensamentos, de relações com outros professores e
suas experiências. Considerando essas relações, é possível refletir o espaço de formação
de professores também como lugar de experiências dialógicas, de projeção às práticas e
atuação pessoal na facilitação a aprendizagem, não somente “conteudista” em sala de
18

aula, mas relacional, que poderá definir o sucesso ou fracasso da escola (PERRELI,
2013).
O professor tem o papel de responsabilidade para com a formação de outras
pessoas. É oportuna uma consideração quanto ao termo “formação”. Gadamer (2002)
discute sobre a palavra formação na literalidade da língua alemã, enquanto Bildung,
sendo, pois, uma produção não somente técnica, de realizar determinada atividade, mas
de se constituir sendo no mundo em constante evolução e aperfeiçoamento.
A formação de professores como espaço de tomada de consciência, nos aproxima
da pesquisa-formação, sendo um campo conceitual e prático de pesquisa e formação
docente. A pesquisa-formação tem como proposta a formação contínua que eleva o
professor como sujeito do processo. É uma abordagem de pesquisa qualitativa, em que o
pesquisador não somente coleta e analisa os dados, mas se envolve no processo de
modo participativo com os demais sujeitos. É pautada também nas concepções de
formação participativa, dialógica e vivenciando consensos mediante as problemáticas
(JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELI, 2013).
Assim, ainda no aspecto metodológico essa pesquisa se vincula a fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana”. A fenomenologia possibilita a compreensão a partir do
olhar das pessoas e do mundo que o envolve. O “Ser” é, pois, o construtor de
significados, capaz de pensar e criar sua história, projetando-se no mundo e vivenciando
o movimento de busca e se compreendendo pelo modo como se mostra.
Dessa forma, na perspectiva metodológica uniu-se a pesquisa-formação e a
fenomenologia hermenêutica “heideggeriana”, para buscar compreender o mundo que é
trazido pelo o outro, abandonando um caminho de hipóteses, de algo pronto e acabado,
para desvelar novos conceitos e significados trazidos na experiência, vivendo o risco de
constante reinício para aproximação do sentido dado pelo ser diante do vivido (JOSSO,
2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELI, 2013; HEIDEGGER, 2005; CRITELLI,
1996).
Por ter esse caráter metodológico, seguimos também uma coerência de que em
dados momentos pode ser sinalizado o aspecto da primeira pessoa do singular, como
também na primeira pessoa do plural e, especialmente, na terceira pessoa do plural ao
nos remetermos ao grupo participante dessa pesquisa-formação de cunho
fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”.
19

Envolto dessa discussão, a pesquisa pretendeu compreender os sentidos dados por


professoras, quanto ao autocuidado, cuidado com o outro, com o ambiente que se
encontra e como o cuidado se mostra no fazer docente, a partir da mediação de um
processo formativo em uma escola pública de educação infantil na cidade de Juazeiro-
BA.
As questões norteadoras dessa pesquisa foram: Que visões as professoras retêm
quanto ao cuidado? A partir dessas percepções de cuidado, quais as implicações nas
experiências consigo mesmo, com o outro, com o ambiente que se encontra? E quais
mudanças de cuidado podem ser promovidas a partir de momentos reflexivos nas ações
cotidianas e no fazer docente?
A ideia em aprofundar – Cuidado em Educação: os sentidos da experiência no
contexto de Pesquisa-Formação de professoras da Educação Infantil – parte de
aproximações as ideias quanto ao cuidado durante o processo formativo e da
preocupação em discutir dentro de contextos escolares, fatores que favoreçam ao
crescimento das pessoas enquanto sujeito em construção, que se relaciona e é convidado
a cuidar a todo momento. Pensar no termo Cuidado em Educação é dar a dimensão de
que um não se sustenta sem o outro. Poderíamos utilizar Cuidado e Educação, mas
pode-se perceber como duas coisas separadas, sendo que, nessa pesquisa temos a
intenção de elevar o sentido já vivido no aspecto pessoal e educacional de professoras
da educação infantil, permitindo suas manifestações implicadas nas práticas cotidianas
vivenciadas.
Do ponto de vista científico-social, essa pesquisa pretendeu contribuir nos estudos
que abordam o cuidado em educação como meio que favorece positivamente às
práticas, fazendo das professoras seres autônomo e visando a uma transformação. Como
a articulação entre teoria e prática, de modo a entender que a escola pode estabelecer o
compromisso com a ética do cuidado, baseando-se no diálogo, como meio primordial
nas relações de todas as coisas e no mundo. Por isso, é necessário pensar não somente
na reflexão, mas na ação que possibilite superação de visões e vivências do ser em
relação a si mesmo e ao mundo.
Dessa forma, discutir o cuidado em educação faz-se importante, respondendo aos
desafios que os diferentes contextos colocam para a escola - já que a educação em dados
momentos retrata e reproduz a sociedade, mas também projeta a sociedade que se quer,
20

sendo uma forma de intervenção no mundo, de prática transformadora centrada em


experiências de decisão, de responsabilidade, de autonomia e de liberdade.
Com o intuito de melhor organização voltada para o que pretende se aprofundar,
este escrito está dividido em cinco seções. A primeira trata-se uma perspectiva teórica,
traçando conceitos e respaldando de qual lugar se fala para desenvolver tal pesquisa, na
segunda parte desenvolvemos a compreensão teórica-metodológica da pesquisa-
formação, da fenomenologia hermenêutica “heideggeriana” e a relação entre tais
caminhos, a terceira parte indica o aspecto autoral de “educuidar” como pressuposto
teórico para as práticas educativas, na quarta parte apresentamos sobre o percurso
metodológico pensado para a vivência da pesquisa-formação, a quinta expomos os
resultados e discussões da pesquisa-formação e por fim as considerações iniciais.
A construção dessa pesquisa-formação relacionada a fenomenologia hermenêutica
“heideggeriana” numa perspectiva de reflexão quanto ao cuidado em educação, vem se
entranhar de significados dados, pelos sentidos das professoras participantes no
processo formativo, compreendendo o cuidado consigo, com o outro, com a educação,
com sua profissão, com o transformar e ser transformadas. É, uma pesquisa que inquieta
a vida, através do encontro consigo e com o outro, num caminho que se constrói
vivendo atenção e preocupação com o mundo que nos envolve, exercitando o
desassossego diante das crises que estamos postas, sendo e vivendo o cuidado em
educação.
21

Bordar-Cuidado
Para se entender como e o que falar de Cuidado
Muitos encontros precisei marcar e desmarcar
Com quatro grandes cuidadores da arte de pensar.
Foram pensamentos que me fizeram acessar
O estado de plenitude para um novo jeito de pesquisar
De ser eu mesma em cada palavra que consegui nesse estudo bordar.
Nesses encontros de meu bordado,
A centralidade era compreender o que era mesmo cuidar
E fui entendendo que nessa arte eu iria me encontrar.
Como que contando minha própria história
No que me tornei e me torno, e em tudo o que passei a acreditar
Que ainda é possível outros modos da teoria praticar.
Crio e recrio com minhas mãos o desenho de novidade
Utilizando das agulhas da orientação e do saber
E as linhas coloridas da escuta para compreender
O que a realidade educacional fala e sinaliza
Nos seus nós e alinhamentos, com fazer peculiar
Que atinge pessoa a pessoa de maneira singular.

Nos pontos cheios dessa obra,


Heidegger, Boff, Freire e Rogers vieram se presentificar
Inspirando e conduzindo como relacionar a educação ao cuidar.
Que no fim não há segredo é saber mesmo por onde começar
Iniciando as estratégias de um exercitar planejar
Para saber aonde ir e como responder ao seu interrogar.

Para Heidegger, cuidar faz parte do próprio homem


Que se põe no mundo em movimento a se transformar.
Boff nos diz que cuidar é mais que um ato, é a si e ao outro se implicar
Tendo atitude de preocupação, estando no mundo a se relacionar.
Freire mostra que somos inacabados e de vez em quando temos que nos esvaziar
Para pensar e viver o ato de humanizar.
Rogers vem falar que nos tornando pessoa temos a condição de nos atualizar
Vivendo a autenticidade e empatia, para um novo jeito de ser e aceitar.
Toda a reflexão entre os momentos do trabalho mão a mão
Foram culminados com possibilidade de dar vida ao educuidar
Sendo tecido e guarnecido aos fios do cuidar e educar.
Que vão unidos tomando forma e se engendrando no desejo de transformar
A mim e ajudar o outro a entender que não podemos dissociar
O ritmo pulsante da integralidade na educação em qualquer lugar.
“O mais importante do bordado é o avesso,
O mais importante em mim é o que eu não conheço”1
Vou espalhando cores e desenhando formas
Para dia após dia continuar a se curar e acreditar
Que educuidando dentro do tempo, posso historicizar
Impulsionando para que cada pessoa se construa no seu jeito de cuidar.
02 de janeiro de 2017.

1
Frase citada da música: O que eu não conheço, autoria de Jorge Vercilio.
22

2 COMPREENDENDO TEORICAMENTE

Essa pesquisa-formação, como sinalizado, se faz de cunho fenomenológico-


hermenêutico “heideggeriano”, sendo multirreferencial, ressaltando a noção de cuidado,
proposto por Heidegger (2005) e fundamenta-se também nas ideias da ética do cuidado
desenvolvido por Boff (1999; 2013; 2015), educação humanística de Freire (2003) e a
Psicologia Humanista de Rogers (2002). A escolha desses autores se dá porque ambos
partem da compreensão de ver o ser humano como construtor de sua humanidade e
sensibilidade, de maneira a tomar consciência de si e emergir o sentido do seu mundo.
O cuidado é a centralidade do nosso trabalho, compreendendo que construímos
maneiras diferentes de autocuidado, cuidado com o outro e com o mundo
cotidianamente a partir de uma tomada de consciência à medida que nos abrimos para a
experiência de vivermos processos formativos, implicados na ação de práticas de
humanização. Desse modo, cuidado é a própria cura, a nossa autocura que não é pronta
e acabada, mas no poder-ser que se projeta em nossas relações propiciando vitalidade
existencial (HEIDEGGER, 2005; BOFF, 1999). Elaboramos, para tanto, um diagrama
tendo o cuidado como orientação de nossa discussão:
Diagrama 1. Cuidado como norteamento.

Fonte: Sousa e Ribeiro, 2018.

O diagrama aqui apresentado norteia que o cuidado se faz o centro do ser,


movendo para o autocuidado, cuidado com o outro e o mundo, acolhendo a si com as
aptidões e limitações, redimensionando o seu modo de ser e estar-no-mundo. O
23

autocuidado remete a reflexão que cada um eleva ao sentido, interrogando-se para


compreender por que e para quê existe.
Com isso, realizamos um estudo nos envolvendo com a perspectiva
multirreferencial, conforme Macedo (2000), que se implica de um saber que se constrói
e se refaz, buscando perceber o fenômeno de maneira refinada e profunda, revelando-se
pelos olhares múltiplos e referências que nos moverá a compreender o sentido do
vivido, no nosso caso, pelas participantes do nosso estudo.
Tal sentido se imbrica nos processos formativos na vivência e aprofundamento
teórico, como retomada ou construção nos caminhos para si mesmo. Através da teoria,
conseguimos ter um olhar mais atento a experiência, estando em contato com o real e
não o ideal. O processo de formação implica a experiência, nos indicando a busca do
novo, se reinventando para voltar melhor aos espaços de atuação.
Desse modo, cada um é ser-no-mundo, único, realizando suas intervenções no seu
cotidiano e capaz de contribuir com novos olhares e práticas para melhorias dos
ambientes onde estiver, lançando alternativas na resolução das problemáticas cotidianas,
como encontro das preocupações para com o mundo. O cuidado, movido pelo
autocuidado, entrelaçado de sentido, de experienciar uma educação humanística,
retomando-se na formação, compreendendo o papel de ser-no-mundo e movimentando-
se na prática, faz emergir a cura. Cada pessoa constrói seu próprio caminho de cura, não
de maneira estática, mas na reinvenção de si mesmo (HEIDEGGER, 2005; BOFF,
1999; FREIRE, 2003).
Para tanto, a compreensão teórica que nesse espaço articulamos se divide em
cinco partes, inicialmente tratando dos autores Heidegger, Boff, Rogers e Freire e
realizando, por fim, uma bricolagem para emergir o “educuidar”, enquanto produto do
pensamento articulado por esses autores e pela prática desenvolvida nesse estudo. A
bricolagem que aqui consideramos, segundo Macedo (2009), foi inicialmente formulada
por Lévi-Strauss, sendo, pois, a abertura para novas possibilidades de produção de
conhecimento. Enquanto pesquisadores, nos posicionamos nessa tessitura no
movimento perspicaz e criativo, lidando com a imprevisibilidade do que ora é gestado e
produzido no fazer da experiência.

2.1 Martin Heidegger e o cuidado


24

Martin Heidegger, um dos mais conhecidos filósofos alemães do século XX,


articulou o método fenomenológico hermenêutico, como um meio que vai ao fenômeno
para trazer o sentido do ser, mesmo aquele mais oculto e que não é falado, mas que é
vivido. O filósofo Heidegger foi aluno de Husserl, conhecido por fundar a
fenomenologia, pensamento em que os fenômenos, ou seja, as manifestações das coisas
do mundo são compreendidas, interpretadas e descritas conforme a intencionalidade da
consciência e objeto. Heidegger vem aperfeiçoar a visão “husserliana” buscando
alcançar o mundo-vida, segundo o sentido dado pelo ser. Dessa forma, Heidegger trata
da fenomenologia hermenêutica como uma maneira em que a pessoa enquanto ser,
conhece a si mesmo, os sentidos que envolvem o seu cotidiano e as ideias que permeiam
a sua existência (HEIDEGGER, 2005; GUERRA, 2012).
Heidegger, ao desenvolver a fenomenologia hermenêutica, apresenta que o
fenômeno não se mostra diretamente. É, pois, a partir de um processo reflexivo que ele
é desvelado e alcança a consciência das suas ações. O fenômeno, dessa forma, vem ser o
que se mostra, o sentido, suas alterações e resultados. O ser num processo reflexivo,
anuncia alguma coisa, mostra algo, apresenta o fenômeno e eleva ao grau de
compreensão do sentido. Na fenomenologia hermenêutica “heideggeriana” o ser é assim
valorizado na sua essência, sendo observado o que se repete pela fala e pelas ações.
Portanto, o trabalho de compreender o sentido na visão “heideggeriana” seria o de
descrever o que é visto, o sentido e a experiência vivida. Tudo o que é vivenciado é
importante, já que os elementos do cotidiano envolvem indicações para se alcançar o
sentido (HEIDEGGER, 2005; NASCIMENTO, 2010).
Ao desenvolver a ideia de compreensão do ser, Heidegger utiliza o termo Dasein
para afirmar que o ser consegue se compreender a partir de um ente, ou seja, as
situações e outros seres que o envolve. O Dasein também é nomeado de ser-aí, como ser
de abertura para outros entes e o mundo, capaz de analisar o seu processo existencial.
Ou seja, o ser humano se constitui no mundo, nas relações e interações vivenciadas ao
longo do seu processo histórico, se fazendo ser-no-mundo e conseguindo compreender a
sua essência. Deste modo, o Dasein se coloca como ser de cuidado, como algo essencial
ao existir (HEIDEGGER, 2005; NASCIMENTO, 2010).
O cuidado é nomeado de Sorge, por Heidegger, como a própria existência que se
implica consigo e com outros entes, fazendo parte do humano de modo ontológico. Isso
significa também as atitudes de zelo, atenção, solicitude, mantendo e preservando as
25

relações para com os seres e os bens do mundo. O homem, então, evolui para a
dimensão de não somente ser-no-mundo, mas de estar-no-mundo, se compreendendo e
se colocando em atitudes de escolhas, responsabilizando-se pelos seus atos e sendo
capaz de mudá-los (HEIDEGGER, 2005; NASCIMENTO, 2010).
Heidegger, ao mostrar que o cuidado é intrínseco do humano, apresenta uma
totalidade estrutural, que o Dasein se coloca enquanto ser Sorge, como um todo em cada
fase, sendo: existencialidade, facticidade e decadência. A existencialidade seria o
próprio existir na sua mais pura essência, ser o que se é e como é. O Dasein coloca-se
na vivência da liberdade, sendo e realizando-se verdadeiramente através da sua presença
no mundo. A facticidade seria o si-mesmo, a presença e a condição de auto relação ao
existir. O Dasein se põe aí em pensar sua finitude, na sua mortalidade se realizando
através do cuidado com os outros. O cuidado (Sorge) na cotidianidade é vivido na
ocupação (Bensorge) e na preocupação (Fürsorge) para com os outros entes, vivenciado
na cotidianidade das ações. A decadência seria o contrário da existência, o mover-se de
maneira impessoal, o se colocar no mundo descompromissado, sem movimentar-se,
estando somente como espectador ou um “fazedor” de tarefas. O ser na decadência foge
de si mesmo, se torna vazio, se acomoda, se aliena e se fecha. Essa totalidade estrutural
(existencialidade, facticidade e decadência) de cuidado não é algo determinante, nem
mesmo estabilizado, pode mover-se através da prática de liberdade dada ao ser-aí
(HEIDEGGER, 2005; FERNANDES, 2011).
O ser-no-mundo, se faz na existência inserida numa realidade, podendo responder
as questões que lhe são colocadas em sua temporalidade. O cuidado em Heidegger
também é pensado dentro da temporalidade, numa compreensão de finitude, vendo o
passado e o futuro, com olhar do presente e aperfeiçoando o ser-presença. Na
temporalidade o ser-aí se coloca no mundo da ocupação, se encontrando com os outros
e se ocupando com as atividades cotidianas, assim o Dasein precisa de outro Dasein
para existir. A ocupação também vem permeada do conhecimento e do manuseio de
utensílios, envolvidos no mundo da produção e sendo importante ao cuidado com outros
entes. Através dos utensílios elaborados pelos seres e para os seres, constata-se que o
Dasein não está sozinho, mas que há processos transformativos que envolve a
constituição de ser-no-mundo. Heidegger apresentando o lado negativo da ocupação
sinaliza que pode ocorrer o fortalecimento da fuga de si mesmo, indicando para uma
ação habitual, que não se renova e que sufoca as possibilidades de construção de
26

presença atualizada. Ou seja, o Dasein foge através da utilização dos utensílios para o
cuidado com o outro e não se insere num processo de relação de ser para ser, mas sim
de um fazer para ser. A visão positiva que o autor traz da ocupação seria a solicitude,
em que o ser é capaz de esquecer-se de si numa atitude de doação aos outros entes.
Sendo, o uso dos materiais disponíveis para um modo de cuidar do ente, de maneira
desinteressada e benevolente para com o outro (HEIDEGGER, 2005).
O trabalho do Dasein para outro Dasein é nomeado por Heidegger como
preocupação (Fürsorge). Seria uma coexistência ao outro, se diferindo da ocupação
(Bensorge), por não perceber o ente como utensílio, mas como existência que constrói
sentido. Assim como na ocupação, Heidegger apresenta os dois lados da preocupação,
sendo: dominante e liberadora. Na dimensão de preocupação dominante, o Dasein
ocupa o lugar do outro Dasein, movendo-o a uma dependência, dominando-o. Em se
tratando de preocupação liberadora, o Dasein é visto tal como é, não o menosprezando,
nem o vendo com indiferença. O Dasein não toma o lugar do outro, mas possibilita o
crescimento do ser, permitindo a pessoa ser ela mesma (HEIDEGGER, 2005;
FERNANDES, 2011).
Na vida cotidiana, Heidegger vem pontuar que o modo mais rápido de cuidado
que se apresenta, seria o Bensorge, a ocupação, as pessoas preenchem sua vida pelas
suas ocupações, pelos seus modos de exercício de uma função profissional. É na
ocupação que o ser sente que existe, mas é fundamental refletir também o cuidado como
preocupação para uma convivência capaz de acrescentar ao crescimento do Dasein e
não de aprisioná-lo, nem substituí-lo. Em vista disso, deve haver equilíbrio sobre os
modos do Dasein manter o cuidado (Sorge) enquanto, ocupação (Bensorge) e
preocupação (Fürsorge) diante de si e dos outros entes, que mobilize e não paralise a
construção do ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2005; FERNANDES, 2011).
O cuidado ainda vem ser delineado por Heidegger em duas dimensões: autêntico e
inautêntico. O cuidado autêntico seria a atitude de envolvimento para consigo e os
entes, movido pela angústia, de maneira a buscar possibilidades para atualização dos
movimentos transformadores. O cuidador autêntico se implica com os outros seres, se
relaciona e se apropria do seu sentido existencial. Já o cuidado inautêntico vem ser o
mundo da ação predefinida, não havendo espaços para questionamentos, sendo
anteriormente já imposto as maneiras de lidar com as situações, com as pessoas e com a
vida (HEIDEGGER, 2005; ALMEIDA; BOEIRA, 2008).
27

O cuidado numa perspectiva “heideggeriana” se coloca na relação com o mundo


do se preocupar, do se ocupar e do olhar para si mesmo, como possibilidade de sentido.
Portanto, o cuidado é próprio do ser, que se coloca como ser-aí ao existir, ser-no-
mundo, como presença e ser-com-os-outros, ao conviver com outros seres, se implica e
zela de modo significativo e afetivo a si mesmo e aos outros, a partir de uma
coexistência. Com isso, o Dasein é na sua profundidade um ser de cuidado, que se
mobiliza, pondo-se em atitudes de abertura e lançando-se ao mundo para buscar
alimentar a sua existência.

2.2 Leonardo Boff e a ética do cuidado


Boff é um dos escritores da atualidade que muito aborda a questão do cuidado,
particularmente o aspecto ético. Como professor, teólogo e humanista, Boff, em suas
discussões, se mostra pertencente a matriz teórico-epistemológica da fenomenologia
existencial de Heidegger, por entender que os fenômenos que se apresentam no
cotidiano, pertencem a constituição ontológica, permeando a essência do humano e
movendo as suas ações práticas. A partir das ideias de Heidegger, Boff (1999) expõe
que o cuidado se faz mais do que um ato, mas uma maneira de ser ético, se colocando
no mundo através de suas relações com todas as coisas.
Dessa maneira, a ética do cuidado discutida por Boff (1999) se mostra como uma
relação amorosa, respeitosa para com tudo o que envolve o ser humano, desde a relação
consigo e com outras pessoas, até a mantida com o planeta, com a responsabilidade de
protegê-lo e de todos os seres cuidar. Então, como Heidegger, Boff pensa que o cuidado
eleva ao humano a integrar os sentimentos de preocupação e ocupação, através das
atividades em seu cotidiano para fortalecer a existência pessoal e social. Portanto, o
cuidado acompanha o homem em cada fase da vida até a morte.
Para Boff (1999) não há possibilidade de cuidar dos outros e do planeta, sem
primeiro cuidar de si mesmo, prestando atenção no seu ser, necessitando também dos
outros por sermos seres carentes e suprido por recursos além de nós mesmos. Tal prática
vem ser algo necessário ao longo de toda a vida, sendo que o ser só conseguirá
compreender e cuidar do outro ser se primeiro entender e cuidar de si mesmo. Cuidar de
si mesmo se faz uma dimensão de perceber-se numa relação amorosa, harmoniosa e
suave para com a sua realidade interior e com a qualidade de vida em que escolhe
estabelecer (BOFF, 1999; 2013).
28

Além da dimensão ontológica, o cuidado, vem imbricado de uma questão


antropológica, através das interações vivenciadas entre os seres humanos. Desse modo,
o sonho que o ser humano deve alimentar é de uma sociedade plena, partindo da
condição de cuidar, considerando as diversidades culturais, os saberes e as ideias. Ainda
afirma que o homem se expressa no aqui e agora, na sua vida cotidiana, dessa maneira
projeta-se nas necessidades de cuidado sua e do outro. Consequentemente, o cuidado se
faz de relação fraterna e não agressiva para com a realidade (BOFF, 2013, p. 20).
O autor expõe que o mundo vive uma crise generalizada, onde o descuido, o
abandono e a indiferença se mostram sintomas da grande destruição ocorrida em nosso
planeta. As pessoas cada vez mais se colocam sozinhas, distanciando-se da sua essência
de cuidado e enterrando a sua condição humana. Consequentemente, há uma
propagação do descuido, do descaso e abandono, podendo culminar na falta de cuidado.
Com a falta de cuidado o ser humano perde a conexão com a totalidade, com o sentido
de pertença à humanidade, esvaziando a consciência, não se vendo dentro de um
universo, em suas relações com as coisas e os seres (BOFF, 1999).
O ser humano, nessa perspectiva, precisa se reencantar para que novas maneiras
de pensar e agir culminem numa convivência respeitosa, capaz de reconstruir através do
cuidado da essência humana, inicialmente a si e posteriormente apresentar essa relação
harmoniosa aos outros e ao meio em que faz parte. Em ligação com a ideia
“heideggeriana”, Boff afirma que o cuidado está presente na raiz primeira do humano,
antes mesmo de realizar qualquer ação. Logo, ele reconhece que o cuidado é um modo-
de-ser essencial, que faz parte do ser humano, de uma fonte primeira e que não pode ser
esquecida. Sendo assim, o cuidado estará presente em todas as ações do ser, sendo base
para o existir humano como humano (BOFF, 1999).
O cuidado na perspectiva fenomenológica apontada por Boff vem indicar que se
faz um fenômeno que se apresenta a nossa consciência, transformando o nosso sentido
de ser quem somos. Ou seja, não é somente pensar e falar de cuidado como algo
separado de nós, mas de vivê-lo. “Não temos cuidado. Somos cuidado” (BOFF, 1999, p.
89). Então, o cuidado se faz inseparável do ser, pois, se colocarmos de lado deixamos de
existir e de nos constituir como humano.
Para compreender o ser humano, Boff sinaliza que se deve buscar o sentido de
cuidado na própria pessoa para conseguir perceber as nuances presentes no “Ser”, nas
suas experiências, nos seus encontros com outros entes e na sua prática cotidiana
29

existencial. O cuidado, assim, acontece numa perspectiva de ir ao encontro de si e do


outro, a dar importância para algo, provocando preocupação, inquietude e senso de
responsabilidade para com suas ações (BOFF, 1999).
Ao tratar de ser-no-mundo Boff expõe que há duas maneiras básicas de se
estabelecer: o trabalho e o cuidado. Através do trabalho, o ser humano intervém dentro
de uma realidade, interagindo com a natureza e com os outros humanos. Pelo trabalho o
homem produz não somente para sobreviver, mas também para alimentar seus desejos.
É por meio do trabalho que o homem se situa em dados momentos sobre as coisas para
dominá-los em prol de interesses. Já o modo de ser-no-mundo pelo cuidado seria o
oposto do ser-no-mundo do trabalho enquanto poder dominante, mas equivale a uma
relação recíproca com outros entes, de maneira a interagir, a respeitar e a valorizar a
todos os seres. É o cuidado que dará as condições ao humano de se ligar com os outros,
formando uma unicidade, em que todos são importantes na construção da existência. Ao
invés da agressão, o cuidado se apresenta a partir de uma relação respeitosa e amiga, em
que os seres se põem lado a lado. Pensar dessa forma, não é deixar de trabalhar na
intervenção do mundo, mas de recusar a dominação, percebendo a necessidade do
coletivo, obedecendo a dinamicidade das relações de si, com os outros e com a natureza
(BOFF, 1999).
A concretização do cuidado para Boff se faz no estabelecimento de relação
consigo mesmo, com o outro e com o planeta. O autocuidado se põe na preocupação
com o corpo, sendo matéria e espírito. É a partir do corpo que se apresentam as
fragilidades humanas, os seus equilíbrios e desequilíbrios. Ao adoecer, o corpo todo
adoece e não somente uma parte dele. Ao se autocuidar, o ser humano se propõe a
acolher-se cuidando da vida que o anima de forma total, desde a alimentação até as suas
relações existenciais consigo mesmo. O cuidado com o outro se apresenta na condição
própria de exercício de relações ilimitadas, zelando pelo diálogo e pelas ações
inventivas de espaços libertadores da capacidade de existir. Cuidar do outro passa
também pelo compromisso de lutar contra a exploração da condição opressora,
redimensionando os valores dando rumos a compromissos éticos além dos interesses
próprios. O cuidado com a natureza seria a utilização dos recursos de maneira
responsável, sem desgastes, conservando o ecossistema como um todo. Para tanto, Boff
expõe que ações que visem o cuidado com a natureza é possível através de um processo
coletivo de educação, em que todos participem do processo, partilhando os saberes e
30

ampliando para novas formas de conviver harmoniosamente com a natureza (BOFF,


1999).
Tudo o que fazemos envolve o cuidado, pois para Boff é o próprio amor em
ação. O autor identifica quatro sentidos de cuidado:
“Primeiro: relação amorosa, suave, amigável, harmoniosa e protetora para com a
realidade pessoal, social e ambiental” (BOFF, 2015, p. 126). O cuidado se mostra nas
relações cotidianas, assim se faz necessário aperfeiçoar sempre mais os momentos de
convívio para com os outros seres, não buscando dominá-los, mas compartilhando as
forças para melhor viver;
“Segundo: cuidado é todo tipo de preocupação, inquietação, desassossego, (...) perante
pessoas e realidades com as quais estamos afetivamente envolvidas” (idem, p.126).
Diante do outro somos capazes de entender a nossa existência, precisamos cada vez
mais deixarmos de ser indiferentes aos outros que nos envolvem, protegendo e
revitalizando o conjunto das relações entre os seres;
“Terceiro: cuidado é a vivência da relação entre a necessidade de ser cuidado e a
vontade e predisposição de cuidar, criando um conjunto de apoios e proteções (...)”
(idem, p.126). O cuidado envolve a todos, mesmo o melhor cuidador precisará de
cuidado sempre. Deve-se então, manter a ideia de cuidado permanente, qualificando
mais e mais os cuidadores para traspor dificuldades encontradas ao longo do fazer e do
ser nos espaços em que se encontram;
“Quarto: cuidado-precaução e cuidado-prevenção” (idem, p.127). Nós nos constituímos
como cuidadores e responsáveis pelos malefícios e benefícios de nossas atitudes. É
preciso ampliar ainda mais o olhar para prevenir e garantir bem-estar a nós e aos seres,
buscando mudança de pensar e agir humano.
Ao negar o cuidado o ser humano petrifica-se e embrutece as suas relações. Boff
coloca que o ser humano ao se distanciar do cuidado se afunda na capacidade de ternura
e amor, causando conflito em si e em todos os que estão em seu entorno. Já o excesso de
cuidado causa obsessão, engessando a capacidade do viver espontâneo. No descuido o
ser humano deixa de ser inteiro em suas ações, perdendo a sua serenidade no viver. O
“Ser” deve buscar um ponto de equilíbrio para não faltar e nem transbordar de cuidado,
mas de vivê-lo numa condição de sentir-se humano em sua humanidade e na
dinamicidade de suas ações cotidianas (BOFF, 1999; 2013).
31

A ética do cuidado, portanto, se faz como disposição necessária para que o ser
humano exista, e que num processo reflexivo se possa prevenir danos futuros e resgatar
aqueles já acontecidos, visando a transformação e a convivência de si para com os
outros de maneira harmoniosa. Assim sendo, a essência humana reside no cuidado,
antecipa toda ação do sujeito sobre si e sobre os que o envolvem e possibilita um novo
olhar diante das relações, a partir de uma convivência aberta e equilibrada.

2.3 Paulo Freire e a educação humanística


Freire é considerado um grande filósofo da educação, trazendo a visão de
educação humanista, a partir da influência no pensamento fenomenológico, nas ideias
marxista e em teóricos do existencialismo, sendo um deles, Heidegger. Como
Heidegger, Freire tem a visão de que o homem é um ser-no-mundo envolvido em sua
realidade histórica e cultural, sendo capaz de emancipar-se de uma educação que
aprisiona e se elevando para uma educação crítica, tornando os sujeitos conscientes de
sua cidadania e podendo transformar a sua realidade (MARTINI, 2005).
Freire, em uma de suas obras, faz uma diferenciação entre o homem e o animal.
O homem, assim como um animal, tem o comportamento determinado pelo seu meio,
vivendo as dificuldades atemporais. Só que o homem, diferentemente do animal, é
capaz de problematizar a sua realidade e refletir novas estratégias para superação das
diversas situações, criando e recriando o seu espaço histórico (FREIRE, 2003).
Ao pensar na historicidade do homem, a ideia de liberdade vem de forma
impulsionadora na prática educativa crítica, proposta por Freire, pelo fato de sermos
seres inacabados e de busca cotidianamente dentro de uma luta que torne o indivíduo
consciente de sua humanidade. Para que essa luta por liberdade aconteça, o homem se
faz relação no mundo, mediados através da dialética, refletindo a sua realidade e sua
condição histórico-cultural (FREIRE, 2003).
A ideia de mundo articulada por Freire se faz como o lócus histórico, em que o
homem existe, capaz de decidir, de valorizar e de agir sobre ele. O mundo de cada
pessoa vem ser a percepção do lugar em que se existe, que se relaciona e que se realiza.
O mundo em Freire é envolto de vários sentidos, tanto pode ser identificado por
materialidade da natureza quanto as relações sociais estabelecidas pelo homem com
seus pares. Dessa forma, o homem tem a condição de se perceber acompanhado por
outras existências e direcionar o seu existir (FREIRE, 2001).
32

O homem também é um ser de práxis, já que ao tomar consciência ele reflete e


age, diante da realidade a ser modificada. Sem a práxis, não é possível superar as
contradições existentes entre quem oprime e quem é oprimido. Freire (2005) em sua
metodologia propõe a utilização do diálogo como meio para socializar e interagir as
ideias, propondo mudança nos envolvidos, fazendo com que se mobilizam a se tornarem
sujeitos críticos e conscientes de seu papel no mundo. Freire (1997, p.25), assim expõe:
“(...) estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é
um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade”. Dessa maneira, a
concepção dialógica proposta por Freire (2005), traz à tona, que para aprender, as
pessoas precisam de interação, estabelecendo um diálogo no processo de transformação
dos vários espaços existentes, elevando a igualdade, atitude de respeito e reconhecendo
as pessoas envolvidas no espaço dialógico.
Através do diálogo e das ações o homem se relaciona com o mundo a sua volta, de
forma que suas experiências refletem nas demais relações mantidas nos diversos
espaços em que encontra-se inserido. Em uma educação autoritária, em diversos
momentos ocorrem a inibição das potencialidades criativas do ser humano. Então, “o
clima opressor e autoritário ou amoroso e dialógico vai respectivamente deformando ou
formando personalidade e identidades em pleno desenvolvimento” (LOUREIRO, 2009,
p. 32).
O diálogo na concepção “freireana” vem a ser o poder presente no oprimido para
o exercício da liberdade. É, pois, através da utilização da palavra que a ação e a reflexão
pode acontecer, pronunciando a experiência e dando sentido ao mundo. O mundo vem,
portanto, envolvido de consciência e no processo dialógico os homens colaboram
deixando de ser meros objetos para se colocarem como sujeitos de encontro e
comunicação. O homem, desse modo, se faz ser em libertação, que tem consciência de
si para tornar-se um em si no mundo, através da linguagem, da leitura do vivido e da
compreensão da sua realidade (FREIRE, 2001).
Freire traz dessa maneira, a crítica a educação permeada de imposições,
nomeando-a de educação bancária. Tal perspectiva aprisiona o ser criativo e o
condiciona a repetição. Logo, não há diálogo, o professor é o sujeito e o aluno o objeto.
Não há sujeito-sujeito. O homem é visto como um ser vazio, que precisa ser preenchido
de conteúdos impostos por ideologias dominantes. E ao contrário da educação bancária,
Freire propõe a educação dialógica, capaz de facilitar o processo de consciência de
33

mundo, fazendo com que todos sejam sujeitos do processo e que juntos ensinem e
aprendam mutuamente (FREIRE, 2003; LOUREIRO, 2009).
O homem dentro de sua temporalidade vivencia a criticidade em descobrir-se a si
mesmo e, concomitantemente, o mundo a sua volta, compreendendo a sua
existencialidade, passando do discurso da liberdade para a concretização da libertação.
Freire aponta que não pode haver libertação do homem sem humanização, ele ao viver
em processo de busca de libertação, problematiza-se e em meio a uma sociabilidade
com outros, efetiva o seu processo ontológico de responsabilidade com o meio no qual
pertence (FREIRE, 2003).
Ao trazer Freire para a discussão do cuidado, volta-se o olhar para uma educação
que reflete a existência, que por meio do diálogo e das ações sejam capazes de
compreender o “Ser” em sua totalidade imbricado no mundo, numa realidade, que não é
estática e que está em movimento de transformação. A educação humanista vê então no
sujeito o aqui-e-agora, levando a uma tomada de consciência para ação no mundo. O
homem é verdadeiramente presente, tendo a visão que está inconcluso, capaz de
emancipar-se na relação com o mundo e com os outros (FREIRE, 2003; LOUREIRO,
2009).

2.4 Carl Rogers e alguns traços da Psicologia Humanista

Nessa pesquisa é privilegiada a experiência do sentido quanto ao cuidado,


propiciando espaços de reflexão, de escuta e de emancipação, junto a professoras da
educação infantil, como meio de significação do que se manifesta no vivido. Carl
Rogers, psicólogo norte-americano, pertencente ao movimento humanista, consolidou
os princípios da Psicologia Humanista, apresentando através de sua proposta chamada
inicialmente de Terapia Centrada no Cliente, posteriormente de Abordagem Centrada na
Pessoa e mais a frente apresentou a Abordagem Centrada no Aluno, também chamada
de Educação Centrada no Aluno. A Educação Centrada no Aluno é aquela que se
preocupa com a realização do ser do estudante. Propondo a cada um a se tornar pessoa,
atualizando as suas possibilidades. Desse modo, Rogers preocupa-se em pensar uma
educação humanizante centrado no aluno e não na área de conhecimento (BICUDO,
2006).
Rogers se mostrou com a atenção a área educacional por intermédio de práticas
de desenvolvimento das relações pessoais. Sua discussão foi pautada na aprendizagem
34

ocorrendo de maneira autêntica, efetivada na experiência e nas relações com as outras


pessoas. Na visão “rogeriana” os alunos aprendem melhor, a partir do momento que se
sentem motivados e participantes do processo de construção, além de que os professores
possibilitem espaços humanizados, emanando afeto, confiança e sendo um facilitador da
aprendizagem, não colocando como centralidade o conteúdo, mas criando um clima
essencialmente harmonioso de ensino e aprendizagem (BICUDO, 2006).
Rogers, ao longo de sua obra, nos indica que cada pessoa tem dentro de si as
capacidades de se autodescobrir para o processo de crescimento pessoal. No
pensamento de Rogers, assim como de Freire (2003) ensinar não é transmitir
conhecimento, mas captar a abertura existente em cada pessoa para a construção de
novos saberes. Ao aprender o sujeito autodescobre-se, envolvendo não somente o
intelecto na condição de aprendiz, mas o ser emocional, sendo assim a aprendizagem se
consolida e é eficaz. O professor como facilitador indica os caminhos para que a própria
pessoa vá vivendo e criando as condições de aprendizagem oportunas com a realidade
do “Ser” (BICUDO, 2006).
Rogers em sua obra utiliza-se de termos da Fenomenologia para articular a
Abordagem Centrada na Pessoa. Especificamente no livro “O que se chama pensar?”
aprofunda-se na concepção de Heidegger para articular a ideia quanto ao ensino. Para
Rogers encadeando com as ideias “heideggerianas”, ensinar é mais difícil do que
aprender. Pois, para se tornar professor é exigido a obtenção de várias informações,
além de aprender a deixar o outro aprender. Para tanto, concordando com Heidegger,
Rogers traz que o professor como facilitador do processo de aprendizagem deve agir
com criatividade e amor, de maneira a incitar novas formas de aprender
significativamente (BRANCO; CIRINO, 2017).
Rogers (2002) foca na concepção de atualização da pessoa visualizada como um
todo, imerso na realidade e aberta para conhecer outras formas, através da exploração
dos aspectos cognitivos, sensoriais, emotivos e sociais. O ponto importante na
Abordagem Centrada no Aluno é que cada um se revela em suas expressões, mostrando
a si mesmo dentro da realidade no qual está inserido.
Mediante isso, Rogers (2002) vê o ser humano como um todo não passível de ser
decomposto em partes. Desse modo, implica no conhecimento da vida da pessoa, das
forças do seu passado e do seu futuro agindo sobre o seu presente. Mudança e
35

crescimento são as características básicas do ser humano, de acordo com essa


concepção. O “Ser” para Rogers está em contínuo processo de crescimento.
Para Rogers (1997), o esforço fundamental de qualquer pessoa é voltado ao seu
processo de crescimento. O “Ser” psicologicamente saudável é aquele que cresce dessa
forma, vivendo e aprendendo com suas experiências. Desse modo, existindo no mundo
a pessoa se depara com imensas ações, interpretando as experiências vividas e
realizando suas escolhas. A experiência assim irá constituir a estrutura do Eu,
conseguindo ter a possibilidade de ressignificar através das novas formulações ocorridas
pelas reflexões cotidianas (BICUDO, 2006).
A Abordagem Centrada no Aluno pensada por Rogers encontra um aparato de
maneira integral, ou seja, o “Ser” aprendente responde ao que lhe é apelado com tudo o
que é não sendo subdividido como razão ou emoção. Rogers não o vê a pessoa como
um ser que se isola no tempo e espaço, mas percebe como um Eu que está envolto de
experiências a partir do momento que se abre para elas, as valorizando e explorando
conhecimento para sua autoconstrução (BICUDO, 2006).
Para Rogers, não é o currículo formal que deverá estar no centro das atividades
educacionais, assim como as áreas do conhecimento estão inter-relacionadas. Sua
preocupação primordial, podendo ser visto por nós até como cuidado, seria o
autoconhecimento. A aprendizagem do “Ser” se dá pelo conhecimento de si, para se
alcançar o do outro e da realidade que está, compreendendo-se para compreender o
outro e percebendo suas particularidades, valorizando-as e aprimorando-as (ROGERS,
2002).
A relação professor-aluno para Rogers se dá pela aceitação receptiva, o calor e
amizade de quem está junto, lado a lado e não como alguém que é maior que o outro. As
aulas são verdadeiros espaços de encontros, para refletir o que está emergindo do espaço
em que estão. Assim, o professor é um facilitador do processo de aprendizagem, agindo
autenticamente, através do seu corpo e da coerência das palavras que não somente saem
de sua boca, mas de suas ações concretas (MARTINS; BICUDO, 2006).
O papel do professor se apresenta, assim, como sendo o de facilitador da
aprendizagem do aluno, uma vez que, ao aceita-lo como é, não coloca barreiras externas
que o afastem do seu interesse. Antes procura auxiliá-lo a caminhar na direção do
conhecimento daquilo que interroga (ROGERS, 2002).
36

Rogers, conforme Bicudo (2006), propõe que sejam transformadas as estruturas


da instituição para que a educação centrada no aluno possa ser desenvolvida. Para tanto,
a primeira condição seria que os educadores assumam uma filosofia humanística. Com
isso, o estudante que possa e queira aprender, teria a disposição um currículo que fizesse
sentido e que a aprendizagem partisse de suas experiências e não impostas por outras
pessoas.
O ensino na perspectiva “rogeriana” se centra no aluno, percebendo suas
potencialidades para aprender, criando condições favoráveis para seu crescimento,
deixando-o livre para ver e escolher por onde deseja ir no viés da aprendizagem. O
professor é o facilitador do processo para mediar a dimensão da aprendizagem no
aspecto significativo. No viés “rogeriano”, a aprendizagem se referencia no aluno e há a
perspectiva do autoconhecimento enquanto pessoa, que está em constante atualização.
Precisa-se retomar o sentido do cuidar, do que a própria palavra diz em sua raiz,
de solicitude, zelo, atenção, pertencimento, preocupação e ocupação para com o outro.
O espaço da escola pode ser o lugar para formação de indivíduos capazes de se
sensibilizar, se fazer empático, se envolver com o outro e com o seu lugar. A educação
dessa forma, pode desvelar a capacidade de sentir o outro, dispor tempo com todos os
seres humanos e não humanos, organizar os trabalhos para enriquecimento da
aprendizagem através da sintonia com a totalidade e com tudo o que move o ser
existencial.
Ao trazer esses teóricos para a discussão de cuidado em educação, preocupamo-
nos com a formação dos professores, pois o professor é uma das pessoas que poderá
levar ao aluno a se expressar ao mundo como ser de cuidado. O espaço educacional e de
formação pode ser também o lugar para que as pessoas se permitam refletir o sentido do
seu “Ser” e, concomitantemente, de sua existência, melhorando as suas relações e
intervindo no mundo.
Sintetizando as ideias desses teóricos podemos refletir, em concordância com
Heidegger, a rica contribuição a respeito do sentido do ser e de cuidado, através da
reflexão da existência humana pelo próprio Dasein. O Dasein sendo o próprio ser, se faz
ser-no-mundo, atuando e se relacionando com as coisas e com os outros entes. O ser-no-
mundo visualiza a si mesmo, as suas angústias e se coloca como ser de cuidado. O
cuidado acontece dentro da temporalidade, presente, não como algo fixo, mas que
37

constantemente vai se renovando, se reestruturando e se compreendendo


(HEIDEGGER, 2005).
Boff vem tratar da ética do cuidado como uma relação amorosa, respeitosa e não
agressiva para consigo mesmo, com os outros e com o mundo que está presente. O
cuidado é algo intrínseco ao humano e por ser essencial faz parte da vivência das
experiências para melhor viver e conviver no conjunto das relações. Em toda a vida se
exige do ser humano ser também cuidador, pois somos feitos de matéria de cuidado
desde o primeiro respirar de vida. Somos seres éticos e responsáveis por nossas ações,
podendo nos orientar para atitudes construtivas e não destrutivas com o que nos envolve
(BOFF, 1999; 2013; 2015).
Freire compartilha o pensamento de uma educação para a liberdade, de modo que
cada sujeito tome consciência de sua condição humana, que inicia a partir de uma
educação de si, de descoberta e de transformação da sua realidade. Na concepção
“freireana” o ser humano é histórico, mas também inacabado, consequentemente
estando aberto a aprender mais e mais a ler o mundo. Através dessa leitura consciente
do mundo o ser humano consegue emancipar-se para conseguir mudar a si e o que está a
sua volta, a partir de um engajamento permanente de uma educação crítica, capaz de
dialogar e formar seres plenos e autônomos (FREIRE, 2003).
Rogers articulou o trabalho na perspectiva humanista como espaços de
crescimento pessoal, a partir da mediação de um facilitador e da ajuda colaborativa de
outras pessoas, na ideia de espaços de escuta e de abertura das angústias e anseios, em
que a pessoa vê o seu interior e atualiza-se para melhorar as suas relações consigo e com
os outros. Os processos entre as pessoas se fazem imbricado de congruência, empatia e
confiança. Nos espaços educacionais Rogers pensa no professor como facilitador da
aprendizagem, que pode fazer com que o aluno se conheça e seja capaz de descobrir o
conhecimento através da sua experiência (ROGERS, 2002).
Portanto, refletir sobre cuidado em educação, passa por uma compreensão do
sentido de “Ser” humano, “Ser” pessoa, “Ser” Dasein, ser-no-mundo, “Ser” homem
na sua humanidade, cuidando e se cuidando. Na formação de professores trazer à tona o
cuidado é elevar a compreensão de que somos seres inacabados, precisando ter atitude
permanente de cuidado, responsabilizando-se por si mesmo e preocupando-se com os
outros na construção de relações saudáveis.
38

3. “EDUCUIDAR”: um despertar para indissociabilidade de educar e cuidar

Nosso estudo toma a direção de unicidade, entre: autores, pensamentos, conceitos


e palavras. Não seria diferente com a proposta de agregar o educar com o cuidar, já que
ambos se vinculam em toda atitude ecoada pelo “Ser”. De fato, pensamos que onde há
educação há cuidado, onde há cuidado existe educação. Um se relaciona ao outro, e
conseguimos reconhecer que educação e cuidado interagem nas ações de cada pessoa
em prol do bem estar do outro.
Esse espaço será um processo introdutório quanto à integração entre educar e
cuidar, já que compreendemos que a ação não se esgota, mas que vive um processo
criativo no jeito de “Ser” de cada pessoa em suas experiências cotidianas (ROGERS,
2002). É um primeiro passo que damos em produzir algo que vai surgindo ao longo da
sensibilidade do fazer-se, pesquisando. Germinamos uma semente com esperança de
uma frondosa árvore que dê muitos frutos e possa se multiplicar como movimento de
(trans)formação de si e de outros por um estar-no-mundo consciente de ser-cuidado
(HEIDEGGER, 2005; BOFF, 1999). Assim, esse espaço será uma reflexão autoral, nas
particularidades de compreensão de um aspecto teórico-prático, enveredando caminhos
da realidade e pensando numa construção visivelmente necessária em nossos dias atuais.
Como apareceu o “educuidar”? O que seria “educuidar”? Por que mesmo inserir
“educuidar” em nossa pesquisa? O cuidado em educação nos sinalizou para o
“educuidar”. Após momentos de reflexão na ação, assim como acontece na elaboração
de ideias, nos deparamos com essa palavra: “educuidar”. E de maneira inquietante,
continuava a vir à tona nos momentos cotidianos, até que permitimos existir em nosso
estudo, falando um pouco de nós e da nossa construção de vida. Macedo (2000)
explicita que o pesquisador ao se lançar ao seu objeto de estudo acaba por assim dizer,
falar um pouco mais de si. Consideramos desse modo que esse labor em pesquisar e
tornar próximo esse jeito de buscar conhecimento, estabelece elos de pensar o cuidar na
ação do educar e não como algo separável, mas sendo incorporado mutuamente no
convívio do (re)fazer-se ensinando e aprendendo (FREIRE, 2003).
Em torno do levantamento acerca da bibliografia referente ao termo “educuidar”,
aparecem dois trabalhos. O primeiro, desenvolvido por Dias (2012), tendo a referência
da consideração da integralidade da pessoa em processo de desenvolvimento. A autora
se embasa nas ideias de Caldwell, tratando que essa perspectiva poderá ser articulada da
39

creche ao ensino superior, sendo alterado o modo de cuidar ao longo do processo


educativo. O segundo, escrito por Cañete (2015), trata da discussão de práticas docentes
com professores de educação infantil acerca de cuidar e educar. Importante frisar que
antes do encontro com tais textos, alimentávamos o “educuidar” tendo um enraizamento
em nossa reflexão na perspectiva fenomenológica.
Merleau-Ponty (apud AMATUZZI, 2007) nos indica que a consciência emerge do
lugar das significações, seguindo um fluxo do vivido. A perspectiva que aqui
desenvolvemos de “educuidar” se constitui na reflexão do mundo vivido junto as
participantes de nossa pesquisa-formação e da realidade que foi nos anunciando e
ecoando maneiras participativas e transformadoras em meios educacionais,
potencializando o que tem de melhor, que é o próprio “Ser” e sua consciência de existir.
Enquanto conceito por nós desenvolvidos, refletimos que o “educuidar” como modo de
perceber a integralidade no “Ser” que se movimenta nas relações consigo, com o outro e
com o mundo. Que se constrói em meio ao processo formativo e se mostra implicado
em seu “Ser”, mediante a vivência da ética do cuidado. Isso ocorrendo, por alguém que
facilita o alcance do projeto de vir-a-ser, que utilizaremos o termo “educuidadores”.
Para articular o termo “educuidar”, nos envolvemos com o pensamento de
multirreferencialidade, através de autores como Heidegger (2005), Boff (1999), Freire
(2003), Gadamer (2002), Rogers (2002), Barbier (2004), Bondía (2002; 2017), Fazenda
e Pessoa (2013), Josso (2007), Longarezi e Silva (2008), Macedo (2000), Morin (2000)
e Ribeiro (2016). Para Macedo (2000) a multirreferencialidade ocorre pela ampliação
dos olhares acerca da realidade, não elevando nenhum conhecimento mais que o outro,
mas buscar maneiras de comunicação entre os referenciais. Conforme Ardoino (1998)
apud Fagundes e Burnham (2001) é pela articulação das diferenças que permitirá a
elaboração de novos significados ao fenômeno que nos é posto a compreender.
Mediante isso, um novo significado foi favorecido pela realidade para pensarmos
o “educuidar”, enquanto construção de conhecimento a partir das emergências nos
espaços educativos. Conceituamos, conforme isso, o “educuidar” como o processo de
“Ser” pessoa, envolvido da ética do cuidado, vivendo a tomada de consciência quanto
ao seu inacabamento e implicando-se no aperfeiçoamento potencial de sua formação de
maneira criativa.
Elaboramos um diagrama que nos moverá a explanar, a partir da realidade
vivenciada, tal conceito.
40

Diagrama 2. Educuidar

Fonte: Sousa e Ribeiro, 2018.

O diagrama aqui exposto pode ser interpretada de diferentes maneiras. Mas é o


movimento de circularidade que desejamos realçar, já que “educuidar” não é algo
estático, imóvel, mas em contínuo aprimoramento em “Ser”. Então, “educuidar” se faz
da junção de educação e cuidado, prenhe de sentido como mesmo afirma Boff (2013)
para refletir maneiras possíveis de estar-no-mundo como agente transformador de si e
do lugar em que se encontra junto-a-outros. Esboçaremos, assim, a abrangência do
“educuidar” em quatro dimensões: cuidado, educação, ser-aí e ser-no-mundo. E, por
fim, faremos um momento-síntese de todas essas dimensões na tessitura do “educuidar”.

3.1 Cuidado: momento da acontecência do “educuidar”.


41

A dimensão primordial do “educuidar” passa pelo cuidado, uma vez. que no


“sopro que rege a nossa vida”, cada um de nós precisou ser cuidado por alguém para
que nos constituíssemos e nos compreendêssemos enquanto “Ser”. O cuidado conforme
Heidegger (2005) acontece ao longo de toda a vida e é por ele que somos e existimos.
Segundo Boff (2013) o cuidado está nas duas pontas da vida, no nascimento e na morte.
No primeiro momento, em especial, se não formos cuidados deixamos de existir.
Em todas as dimensões da vida vemos ecoar o cuidado no corpo, na alimentação,
na dimensão intelectual e espiritual, até mesmo ao acender uma simples chama de um
fósforo. Mas o cuidado é inesgotável, não se encerra em uma ação, é um lugar contínuo
que necessita ser sempre revisitado (BOFF, 2013).
Heidegger (2005) se debruça a pensar no cuidado a partir do termo Sorge,
marcando a dimensão do “Ser” existencial-ontológico, enquanto Dasein (ser-aí) que se
presentifica e constrói o próprio destino. O Dasein sendo essencialmente cuidado se
comporta na forma de ocupação (Bensorge) em meio a outros entes e a preocupação
(Fünsorge) na solicitude coexistencial junto a outros. A ocupação e a preocupação são
elementos que se fundamentam no cuidado.
A ocupação e preocupação dá a dimensão do “Ser” homem como um atencioso
vigilante do cuidado. O termo homem vem de húmus, situando-o no tempo, como nos
diz Heidegger (2005) o homem é projetado no tempo para ser livre na construção de seu
projeto de “Ser”, sendo obra do cuidado. Dentro do tempo o cuidado é cura, na relação
entre angústia e dedicação, já que o “Ser” se entrega ao mundo em que se ocupa. Desse
modo, todos somos convocados a nos revermos autocuidadores, ampliando os encontros
consigo mesmo.
Como autocuidadores construímos nosso “Ser” de “educuidadores”,
redimensionando o para-ser, percebendo os hábitos mantidos, o que nos faz bem e como
podemos modificar caso não sejam escolhas acertadas. Além de que nascemos sendo o
próprio cuidado, mas temos a condição de escolher o como ser-cuidado. É a eterna
atitude de vigilância para com o que somos, evocando a nunca se esquecer de si mesmo,
mesmo que o tempo e as circunstâncias tentem nos sufocar. Daí a atitude de atenção e
preocupação para com nossos hábitos e maneiras de se dispor no mundo.
Esse movimento de estar-no-mundo faz do “educuidador” um sensibilizador de
cuidado, dando importância ao que o outro é e não ao que imagina que poderia “Ser”, já
que “Ser” é uma escolha subjetiva e construída de modo pessoal. Para o “educuidador”
42

há a realização de pertencer ao processo histórico do outro, a estar junto ao outro, com


olhar envolvido ou até mesmo empático. Cuidar e ser cuidado são duas dimensões
importantes a serem refletidas para o “educuidador” em sua existência pessoal e social.
Na perspectiva da existência pessoal o “educuidador” é alguém que olha
inicialmente para si mesmo, cuida do corpo, das imagens que habitam em si, das
palavras e da sua ética. É “Ser” que olha para si primeiro, para depois cuidar do outro
como presença e energia de renovação de vida. Importante refletirmos que o
“educuidador” não cura, ele cuida, ele contribui no tratamento, no cuidado, mas é cada
“Ser” que se autocura. O “educuidador” está lá para acompanhar e facilitar o
melhoramento do outro.
No viés da existência social, nos voltamos a Heidegger (2005) quando fala do
“Ser” como Dasein, dando o significado “Da” como abertura. A abertura é sempre um
querer antecipar-se a algo, de projeto em “Ser”. E “Ser” é estar em relação, mesmo que
cada Dasein tenha uma existência única, diferindo-se totalmente da maneira como outro
Dasein possa viver, ele se coloca na posição de realizar a sua existência, decidindo estar
de um determinado modo e não conseguindo fugir de si mesmo. E caso ocorra à fuga
corre-se o risco de um processo de definhamento, já que a verdade do “Ser” fica
aprisionada, corroborando em modo-de-ser adoecedor.
Conforme Heidegger (2005), ao cuidarmos somos tocados pelo mundo que nos
envolve, pois não podemos estar fora dessa relação. Somos lançados na possibilidade de
preocupar-se e ocupar-se com o mundo, iniciando por nós mesmos. Nessa possibilidade
de presença no mundo pela abertura, estamos constantemente a pré-compreender,
conduzindo-se a compreensão, refletindo sobre o que sou e sobre as ações que executo,
conseguindo se envolver com o outro pela escuta. Em meios educativos, a escuta torna-
se tão necessária, ressignificando o modo-de-ser, promovendo um ambiente
humanizado e propiciando dessa maneira o desenvolvimento humano em sua plenitude.
Barbier (2004) utiliza o termo escuta sensível abordando que é preciso sentir o
universo afetivo, os processos imaginários e cognitivos do outro. Conforme isso,
refletimos que quando nos colocamos em diálogo com uma pessoa, somos movidos a
participar do universo que ela traz, estabelecendo confiança e compreensão, quanto as
suas ideias, aos valores e a sua existência.
O “educuidador” é um promotor de autonomia nos estudantes no ato de escutar.
Freire (2003) indica que nas atitudes do professor o escutar permeia para além da
43

capacidade auditiva, mas se dispõe a estar com o outro, dando abertura a fala, aos seus
gestos e as diferenças. O escutar verdadeiro conforme Freire (2003) perpassa também
aos questionamentos e discordâncias para o crescimento de ambos. É escutando bem
que me aperfeiçoo, através das trocas entre quem fala e quem ouve. Nos contextos
educativos, a escuta ao ser vivenciada cotidianamente, facilitará o diálogo e a confiança
entre facilitador e estudante em processo de reflexão e ação no mundo.
O cuidado, em que dimensionamos para o “educuidar”, representa uma atitude de
visão global na recuperação dos entrelaçamentos do que somos e de tudo o que nos
envolve. Nunca esquecendo que somos parte de um todo e que sozinhos não
conseguimos viver. O “educuidar” tem como fonte a ética do cuidado, que zela e se
preocupa com a terra, casa comum aos viventes, com as pessoas, com o lugar que
transformamos em espaços de benquerença e alegria, com o alimento e com o nosso
modo-de-ser.
É pela ética do cuidado que somos humanos, precisamos ser cuidados e
empreendemos o cuidar. O cuidado religa a nossa essência de humanidade. Mas com a
ganância do poder e desejar ter mais, o “Ser” enquanto animal racional impõe o conflito
entre a emoção (pathos) e a razão (logos) em prol, muitas vezes, de bens materiais,
deixando de lado a essência da vida que é a relação com tudo o que nos possibilita bem
viver. Aristóteles, segundo Boff (2013), cunhava a razão como a rainha que impunha
controle na emoção. É para nós um grande desafio, a justa medida entre razão e emoção,
não exaltando mais uma que a outra, mas tentando alinhá-las de maneira equilibrada.
Para isso, o “educuidar” se constrói na visibilidade da ética do cuidado enquanto
relação amorosa, em que nos ligamos afetivamente ao outro e a realidade, buscando
garantir o bem estar de tudo e todos, sustentando-se num processo civilizatório de
solidariedade e felicidade (BOFF, 2013). Apoiando-se no pensamento “heideggeriano”,
Braunstein (2012) retrata o “Ser” com a construção da ética do cuidado, na dimensão de
cooperação, de respeito as diversidades culturais, dos valores cultivados pelas gerações,
da responsabilidade pela felicidade do coletivo, não esquecendo-se nem mesmo do lugar
em que está. É um compromisso do humano, ou seja, de todos nós, uma sociedade mais
igualitária, em que todos tenham seus direitos garantidos e a consciência de seus
deveres para a unificação civilizacional.
A ética do cuidado é, pois, agir também com o coração. Heidegger (2005) expõe
que o “Ser” é dotado de disposição afetiva. Desse modo, os sentimentos são possíveis
44

de serem despertados pela afetividade havendo uma relação consigo mesmo, de maneira
a acessar a sua nudez, no sentido de conectar-se originalmente com sua existência. Por
intermédio da afetividade o “Ser” é colocado na frente de si mesmo para compreender-
se. Portanto, na visão de Heidegger (2005) afetividade e compreensão são modos de
acesso, ou por assim dizer, via de acesso para se relacionar com seu próprio “Ser” e o
“Ser” de outros. Sendo afetivo, o “Ser” se abre para as novidades, se descobre e
consegue falar de si.
A afetividade é um dos passos dados ao movimento de abertura do “Ser”,
colocando-se em primeiro plano, encontrando a possibilidade de existir autenticamente
e aberto à realidade. Compreendemos que o “Ser” pode se manifestar de várias maneiras
afetivamente, a partir de sua via, do modo de acesso e das pessoas de seu convívio.
Então, a afetividade não ocorre como um viés do cuidado, mas é a peça fundamental
para que aconteça (HEIDEGGER, 2005).
Freire (2003), ao falar acerca da relação em meios educativos, nos diz que, se
perpassada pela afetividade, a amorosidade e o diálogo, o desenvolvimento ocorre
livremente, humanizando os espaços e as pessoas. Conforme tal pensamento, refletimos
que a afetividade permeia as relações e as práticas, já que o processo de ensinar
sobrevive das trocas estabelecidas pelos vínculos. Destacamos que o “educuidador” não
necessariamente tenha que se vestir do papel de “bonzinho”, mas assumir seu amor
pelos estudantes e o mundo, firmando seu compromisso com um planejamento que
promova aprendizagem, que trate de vínculos afetivos saudáveis e que ambos sintam-se
confortáveis a livre expressão.
A afetividade não se faz somente de abraços, claro que para o sentimento florescer
nas relações eles também precisam ser expressos. Mas, o “educuidador” que se
preocupa com o estudo para melhoria de si e de suas práticas, que estabelece um
convívio saudável, no desejo de formar outros humanos e até mesmo sinalizar ao outro
quando algo não vai bem, pode ser também considerado afetividade.
Nesse intuito, percebemos que o “educuidador” é parteiro de inspirações no
estabelecimento de posturas críticas, nas interações nos espaços educativos,
apropriando-se de sua cultura e valorizando-a, para que possam exercer a cidadania,
agindo politicamente junto aos seus. Para tanto, Freire (2003) nos diz sobre a leitura de
mundo, que passa tanto pela palavra falada quanto a escrita. Essa palavra falada e
escrita deve ser compreendida por si mesmo e que outros que tiverem acesso consigam
45

interpretar e sentir o que emerge da experiência de quem escreve. Como Freire,


pegamos o embalo do método socrático, que não se contenta com o já pronto, o
mecanicamente “correto”, mas se constrói na pergunta que gera reflexão, sem deixar de
lado o que foi sentido, as emoções clarificadas e as construções históricas. O
“educuidador” se faz de um desvelador dos desejos e afetos que envolvem o fazer
educativo cotidiano. Mas vê possibilidades de como diz Freire (2003) de fazer e refazer
uma história mais humana e pensada no coletivo.
Sendo assim, a leitura do mundo não pode estar distante do contexto. É o contexto
que move o lançamento da palavra. Palavra essa que dá sentido e nos leva a
interpretação do mundo das possibilidades de criar, ousar e inventar nosso papel de
“educuidar”, autocuidando-se, abrindo-se a sua pessoalidade, escutando sensivelmente,
agindo eticamente, com afetividade e lendo o mundo, o seu e de outros, no viés de
mediação para as descobertas da presença entregue e preocupada consigo e com os
demais seres.

3.2 Educação: construção do “Ser” reflexivo junto a outros.


Ao nos voltarmos para a etimologia de educação, vemos que em português ela
foi inserida no dicionário no século XVII, tendo uma raiz latina nos termos educare ou
educere. A primeira palavra significava ação de nutrir, de criar, de cultivar, até mesmo
amamentar. Já o segundo termo significa literalmente conduzir à força para algum lugar
(SAMPAIO et al., 2002). A junção para chegar à palavra educação se dá com o termo
cuore (coração), sendo então algo que vem do coração.
Para Sampaio et al. (2002) há duas dimensões em educação, a prática do educar,
que alimenta possibilitando o crescimento e a aproximação do ensino, na profundeza de
seu sentido, introjetando o destino em alguém. Dessa maneira, na Grécia Antiga esse
alguém que instruía e educava eram chamados de “paidagogós”, verdadeiros parteiros
do “Ser” aprendiz. Que ao nos lançarmos para a história da educação possibilita
perceber a constituição hoje da formulação profissional de pedagogo, aqueles que
conduzem e estimulam a potencialidade do “Ser” em formação.
A tarefa do pedagogo é vivenciar a educação, gestada de conhecimento e de
aprendizagens. A educação conforme Sampaio et al. (2002) é o que o “Ser” conquista
ao fim do processo de interação junto ao educador que o indicou a teoria e a prática, o
saber e o fazer. Mas, indica-se a educação para além da finalização do processo de
46

seriação realizada por uma instituição de ensino, sendo, pois, construção contínua, de
experimentação ao longo da vida, vivendo passagens entre o “Ser” e o dever-ser. A
educação é a relação com a comunidade e a sua subjetividade. Ela se constrói por meio
da cultura, se reconstrói nos diversos saberes e se tece na maneira de participar no
mundo.
Para Freire (2003) a educação é o motor regente da palavra falada, escrita e lida,
não somente da palavra que gera cidadãos que denunciam as desigualdades sociais, mas
que se lança a romper com epistemologias que não nos cabem mais, maneiras de pensar
que não alimenta a possibilidade de expansão em dar significado as ações.
Nesta perspectiva, temos avançado muito quanto ao processo de ensino e
aprendizagem e nos movemos a pensar conforme Freire (2003) que somos possíveis de
construir e produzir novos saberes, que vai muito além de transferir conhecimento.
Enquanto “educuidador”, o professor conduz os estudantes a reflexão e a discussão,
propiciando uma leitura da realidade, percebendo o crescimento de cada pessoa além do
cognitivo. Tal crescimento envolve a formação enquanto pessoa, que se preocupa e atua
junto a outros para compreender e agir mediante os problemas sociais que vão
aparecendo. Sendo algo não somente individual, mas de todo um coletivo.
Dirige-se que o ensino e aprendizagem como construção coletiva, na perspectiva
do “educuidar” se move da superação de práticas de memorização mecânica de um
conjunto de teorias, sem conexão com o mundo. O estudante deixa de ser pensante, para
ser executante de padrões. Desse modo, vivemos por padronizações de formas de
ensinar e de aprender, repetindo-se a não pensar o que se repete, somente executando tal
e qual, sem reflexão e muito menos questionamentos. Mais a frente, o que se percebe é
o desnorteamento do “Ser” após se desvencilhar do aparato institucional, sendo o que
foi vivido sem sentido e vazio em sua função (FREIRE, 2003).
Pensa-se em um processo educativo regido pela orientação de educadores, que
tomem consciência de serem “educuidadores”, dando liberdade para que os estudantes
se expressem das várias maneiras, que reflitam sobre o que aprendem, porque aprendem
e como aprendem, que construam o espírito crítico para despir a criatividade que está
ecoando dentro de si. A sala de aula deixa de ter como figura central o professor,
tornando-se mediador da aprendizagem e elevando o aspecto de que todos ali tem algo a
ensinar e a aprender (FREIRE, 2003).
47

Nesse tecer entre ensinar e aprender, a prática cotidiana se enlaça de


dialogicidade, que faz com que o “educuidador” pense em novas estratégias em
contribuir para que os estudantes tenham curiosidade no pesquisar e reflitam eticamente
como é ser-no-mundo. O “educuidador” é capaz, pelo diálogo, em contribuir para
condições de aprendizagem autêntica e verdadeira (FREIRE, 2003; ROGERS, 2002).
Lembrando que o “educuidador”, enquanto pessoa também em construção, se
mostra como alguém autêntico e acolhedor, não menosprezando a uns e engrandecendo
os outros, mas possibilitando que todos se sintam valorizados em seu percurso
formativo. Rogers (2002) nos mostra que os estudantes ficam mais motivados a
aprenderem, se os professores propiciarem um clima humano, desde relacional, até
mesmo de confiança para estar como facilitador da aprendizagem.
Como possibilidade de aprimoramento desse fazer no aspecto “educuidador”, o
planejamento pensado permeia o aprender a aprender. Sendo, pois, que o conhecimento
é contínuo e quanto mais buscarmos sempre mais vamos aprender algo que poderá ser
multiplicado nas facilitações de aprendizagem. Conforme Rogers (2002) o processo de
aprender não se dá somente pela liderança do professor, nem pelo domínio do conteúdo,
nem pelos recursos e muito menos pelo planejamento curricular, mas acontece pela
posição do professor ser-presença significativa e positiva, de alguém que compreende e
indica os caminhos que poderão ser trilhados pelo aprendiz.
Importante refletir que não há uma única maneira de planejar, como se fosse
uma receita, mas que segundo Freire (2003) embasa-se na dialética e na dialogicidade.
O “educuidador” ao planejar deve levar em conta as questões econômicas, políticas,
culturais, filosóficas, éticas e sociais que estão a serem vividos na realidade. É na
verdade utilizar do pensamento complexo, conforme Morin (2005) contextualizando o
saber, já que estamos todos interligados, tendo a compreensão do todo e não
construindo um saber fragmentado, nem se posicionando no reducionismo, mas
entrelaçando os saberes com a capacidade de enfrentar as incertezas.
Viver é um caminho de incerteza, já que não sabemos o que ocorrerá no dia
seguinte, mas que temos a condição de nos preparar para a vivência desse novo
amanhecer. Vejamos então, que o espaço “educuidador” se constitui como processo
educativo que olha para o cotidiano e produz saber observando e vivendo nele. É “abrir
portas” para que os estudantes verbalizem o que desejam também aprender, construindo
juntos um processo curricular, não somente do que seja comum a todos, mas partindo
48

dos desejos e dos saberes da realidade. O currículo, desse modo, é um orientador do


processo de ensino e aprendizagem. Mas muito educadores o veem como uma “cartilha”
a ser seguida ao “pé da letra”, não dando nenhuma abertura as emergências do
cotidiano, nem inovando para as necessidades apresentadas pelos estudantes.
Bondía (2002) considera que nas escolas o currículo é sempre mais numeroso,
em pequenos blocos conteudista, comandado pela velocidade do tempo, deixando que a
experiência deixe de fazer parte da aprendizagem. E aí, o que fica? Pequenas
recordações depois de muitos anos, um tanto vagas e percebendo como tudo foi tão
rápido, sem dar tempo de “ruminar o aprendido” dia após dia.
O currículo em nosso olhar de “educuidar”, não se constitui de algo que
“engessa”, mas que percebe que estamos dentro de um processo de humanização. O
“educuidar” vem valorizar a pessoa, não o vendo somente enquanto cognição, mas
envolvido de aspectos estéticos, morais e subjetivos, em construção de autorealização.
O “educuidador” através do currículo busca indicar que cada estudante tem um “eu” a
ser explorado, não moldando-os a um padrão, mas que cada um entenda o seu modo de
aprender e as suas aptidões. Em razão disso, no espaço “educuidador” o estudante sente-
se seguro para se expressar, agir, experimentar, errar e descobrir-se (ROGERS, 2002;
FREIRE, 2003).
Nesse mister entre planejar e se orientar pelo currículo, voltamo-nos a
interdisciplinaridade, como forma de ampliar a visão superando a concepção
fundamentada na racionalidade interdisciplinar. Através da interdisciplinaridade se
consegue dialogar com outras áreas, reconhecendo-se incompleto, capaz de
compartilhar ideias e jeitos de pensar. “Ser” “educuidador” interdisciplinar exige
abertura, mas também paciência na espera. Já que é um processo de amadurecimento de
um coletivo, que se constitui no diálogo como também no conflito, mas sempre com
foco nas possibilidades de se livrar de obsessões racionalistas, que empobrece o
aprender (FAZENDA ; PESSOA, 2013).
Interdisciplinaridade, segundo Fazenda e Pessoa (2013), é ato de encontro,
reconhecendo no outro a possibilidade de conhecer mais um pouco de algo. O
“educuidador”, mesmo com anos de experiência, no olhar interdisciplinar, vive junto
com os estudantes a integralidade de aprendiz, conhecendo suas limitações e pensando
em maneiras de superação. Ainda Fazenda (1998) pontua que a interdisciplinaridade se
49

preocupa não com cada disciplina, mas com o homem enquanto “Ser” do mundo, ou
seja, uma obra aberta a ser aprimorada cotidianamente.
Nesse caráter interdisciplinar o “educuidador” se envolve de um processo
educativo em dar e receber, precisando de colaborações para melhoramento de si
mesmo e de suas práticas. Para tanto, essa melhoria se descortina pela formação
bildung, que lança para redescobrir o “Ser” criativo que habita em cada pessoa, que
embase o “educuidador” na articulação entre teoria e prática, evitando a dicotomização
entre ambas, mas agregando-as a integração (GADAMER, 2002).
O pensar numa formação amplamente integradora, indica-nos a olhar de modo
preocupado para com a valorização profissional permeada desde a formação inicial até a
formação continuada. Os programas de formação inicial para educadores são de grande
relevância na construção de profissionais qualificados e convictos de seu fazer
humanizado, que pensa de maneira complexa conforme Morin (2005) e que tem
condições de fazer a diferença nos vários espaços onde ocupar. Além de imbuir da ideia
de que a profissionalização é um processo contínuo, que não se encerra no dia do
recebimento de um “diploma”, mas se faz de transformações que vão ocorrendo ao
longo de toda a vida do professor que o levará a compreender as condições ideais para o
exercício docente.
Nosso país muito avançou na valorização profissional, mas ainda há muito por
fazer, já que os nossos professores ainda é uma das categorias com baixa remuneração.
Matijascic (2017) em estudo realizado acerca dos professores da educação básica no
país ressalta que a remuneração é ainda muito baixa, destacando ser o terceiro pior
salário no mundo, numa dimensão de 38 países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Podemos pontuar as problemáticas vividas pela precarização do serviço de tantos
professores contratados nas redes públicas, partindo da nossa realidade, percebe-se que
os mesmos são contratados a cada início de ano letivo e demitidos a cada encerramento,
sem nenhum direito garantido quanto a férias e outras contribuições regidos pelas leis
trabalhistas do nosso país.
Além disso, quando os professores buscam se aperfeiçoar por intermédio de
programas latu ou stricto sensu, acabam por sofrerem processos de desgaste quanto à
procura de garantia do direito de licença para realização da formaçãomuitos dos casos
vão parar nas instâncias judiciais. Assim, demonstra-se fragilidade nas relações
50

dialógicas, levando muitos dos professores a escolherem se desligarem e buscarem


novas maneiras de valorização profissional.
Consideramos que valorização profissional passa pela experiência de luta. Ao
lutarmos somos capazes de romper com o que o mundo nos impõe a viver, tomamos
consciência e nos transformamos. Concordamos com Freire (2000) quando nos diz:
Uma das coisas mais significativas de que nos tornamos capazes, mulheres e
homens ao longo da história que, feita por nós a nós nos faz e refaz, é a
possibilidade que temos de reinventar o mundo e não apenas de repetí-lo ou
reproduzí-lo. (...) É exatamente porque somos condicionados e não
determinados que somos seres da decisão e da ruptura. E a responsabilidade
se tornou uma exigência fundamental da liberdade. Se fossemos
determinados, não importa porquê, pela raça, pela cultura, pelo gênero, não
tínhamos como falar em liberdade, decisão, ética, responsabilidade. Não
seríamos educáveis, mas adestráveis. Somos ou nos tornamos educáveis
porque, ao lado da constatação de experiências negadoras da liberdade,
verificamos também possível a luta pela liberdade e pela autonomia contra a
opressão e o arbítrio (FREIRE, 2000, p.121).

A compreensão da desumanização, leva-nos a consciência de negar as injustiças,


a exploração, o domínio, assim como buscar a liberdade, se organizar e recuperar a
humanidade que nos foi roubada. O “educuidador” se envolve na ação política para a
libertação de si e de outros. Vivenciando nesses cenários a relação dialógica e
levantando fortes considerações quanto às negações de direitos que ao contrário só
oprimiram e porque não dizer que ainda oprimem a classe trabalhadora.
O “educuidador” é aquele que facilita a aprendizagem, que educa, que orienta,
que propicia diálogo, que escuta a realidade, que pensa complexamente, que participa
politicamente da sua realidade e que precisa também ser visto em todas as suas
dimensões, sentindo-se valorizado para estar melhor em seu cotidiano.

3.3 Ser-aí: lançados para escolher como “Ser”.

O ser-aí é um termo utilizado por Heidegger (2005) para revelar o próprio


existir, originário do Dasein, que se constitui em relação com o outro. A partir dessa
relação, o ser-aí se mostra como abertura, já que o “Da” é o aí do aqui e agora, no
sentido de voltar-se para si ocupando-se e preocupando-se no seu comparecimento ao
mundo. É ontológico do existir do ser-aí, a abertura. Sem a abertura Heidegger (2005)
nos expõe que o ser-aí não teria essência, pois é o contato com o outro que eleva ao
sentido existencial.
51

Por conseguinte, ao ser-aí é dada a liberdade, que acontece na abertura, no não-


fechamento, construindo disposição de estar com o outro, podendo escolher o que
“Ser”, olhando para si mesmo como leveza ou um fardo a ser carregado. Ou seja, ao ser-
aí somos lançados no mundo, entregue a consciência de autoconstruir-se, sendo dada a
responsabilidade de si mesmo, vivendo “a dor e a alegria de ser o que se é” como nos
falara Caetano Veloso em uma de suas músicas2.
Nesse lançar-se ao pertencimento de si mesmo, o ser-aí descobre-se que tem a
tarefa de “Ser”. E com essa liberdade o ser-aí também tem a condição de se esquivar, se
desviando das maneiras próprias de estar-no-mundo. Através disso, as relações mantidas
pelo ser-aí se abre também para compreender a si mesmo, dando-se a experiência que
não ocorre de modo estático, mas em movimento. Conforme isso, o “Ser” está e é na
relação. Segundo Ribeiro (2016), o professor presente em sala de aula se relaciona
profundamente com os estudantes, vivendo a dialogicidade, a autoatualização e estando
em projeto de vir a “Ser”. Desse modo, em qualquer contexto onde estivermos enquanto
“educuidadores” nos colocamos como seres de amor, que vive a intensidade de estar,
interessando-se pelo o que o outro é e o que faz, isso ocorrendo por intermédio da
relação de abertura e de inserção no mundo de si e do outro (RIBEIRO, 2016).
No encontro entre pessoas, a corresponsabilidade e a relação de cuidado cria
espaços de produção de mais sentido em buscar “Ser” e escolher o que “Ser”. É um
desafio o encontro, já que na contemporaneidade estamos tão envolvidos do
individualismo e do distanciamento ao ser, elevando mais o ter. O encontro do ser-aí
com outro ser-aí movimenta a potencialidade de resistir, lutar e não aniquilar a vida que
pulsa na relação.
Freire (2003) nos fala que precisamos realizar a leitura da realidade, em que no encontro
com o outro somos capazes de revelar e interagir, não perdendo de vista os aspectos
políticos e afetivos.
O encontro entre professor e estudante se faz espaço em processo de construção
de múltiplos conhecimentos. O encontro é uma necessidade de estar com o outro, com
possibilidade de construir relação regida pelo cuidado. Para Rogers (2002) por meio dos
encontros, as pessoas conseguem elaborarem suas experiências, permitindo vir na
consciência que a experiência é “Ser” a si mesmo, não é algo somente externo, mas é o

2
Música Dom de Iludir de Caetano Veloso.
52

sentimento internalizado nessa relação. O “educuidador” junto aos “educuidandos” deve


estar muito atento ao estabelecimento do encontro, pois, conforme Rogers (2002) ao
perceber que alguém se esconde por trás de fachadas, o cuidado com a relação se dá na
busca do outro através do encontro verdadeiro.
Rogers (2002) expõe que o encontro pessoal e profundo não acontece
frequentemente, mas quando há a possibilidade de ocorrer, tem-se a experiência de
viver a verdadeira humanidade. Daí as esperas são necessárias na formação, para que a
experiência do encontro ocorra plenamente, sem os entraves da desconfiança. O
encontro, como crescimento do ser-aí se envolve do diálogo, que para Freire (2005) o
diálogo adentra a reflexão consciente no mundo. O mónologo, é o próprio isolamento e
negação da humanidade, já que o diálogo é abertura, é renovo de novo. O diálogo
compreende a intersubjetividade de ser diferente do outro. Faz-se na relação, numa
admiração de ver o mesmo mundo, cada um com seu olhar, na proposição ou oposição
para se entender o fenômeno de existir (FREIRE, 2005).
O diálogo no processo do “educuidar” é um movimento de constituição de
consciência a sua historicização, que se abre para (re)encontrar-se com sua essência,
comunicando-se com o outro. Sendo que o outro o leva a “Ser” social, construindo a
história, a história do lugar que se está e das pessoas com quem se convive, projetando a
liberdade de pensar e agir como ser-de-humanidade.
Segundo Freire (2005) a consciência é sempre consciência do mundo. O diálogo
“educuidadoso” tem a abertura de elevar o homem a conscientizar-se de sua autoria
histórica. Elaboram-se novos caminhos diante dos que são postos e se tem a condição de
provocar a dialética, que leva a todos a reconhecer sua condição e buscar saídas para
estar-melhor-no-mundo. O diálogo estabelece-se pelas palavras, elas têm forças. Cada
palavra ecoada expressa um mundo, não somente dando e favorecendo o nome as
coisas, mas plenifica o sentido de estabelecer relação com o outro. Para Freire (2005) a
palavra é diálogo. Nesse diálogo um colabora com o outro, no aspecto de aprender algo,
de reconhecer a consciência de si e do outro, de possibilitar o encontro criador de
consciência e favorecedor de entendimento de identidade.
Para uma possibilidade de diálogo aberto, consciente e possível de compreensão
a partir do encontro, é descortinado o horizonte de “Ser”, norteando-se pela
temporalidade, em que cada um tem tempo próprio para se manifestar, tem o tempo para
“Ser”. As relações não se constituem de maneira profunda no primeiro encontro, mas
53

inicia consigo e com disponibilidade do outro, numa dimensão a-temporal, ocorrendo na


implicação de compreensão.
Cada “Ser” descobre com a experiência o seu tempo de “Ser”, compreendendo-
se e sendo indicado no próprio pensar o desenrolar da sua temporalidade. Vemos que a
infância tem traços específicos de outras etapas da vida. É nesse período que
desenvolvemos inclusive a sensibilidade de escutar o sentir. Com um “educuidador”
atento, o “Ser” compreende o sentido dentro do tempo, moldando o seu tempo, sua
maneira de sentir e vivendo também do tempo das esperas de formular caminhos para
seu processo histórico.
Com isso, o “Ser” não consegue fugir para fora da vivência do tempo, não sendo
estático, mas estando em atitude de ação. Percebendo esse horizonte do tempo aberto,
mostrando que o amanhã é incerto e que estando bem preparados para viver cada etapa
da vida, somos capazes de possibilitar uma existência leve e carregada de
aprendizagens, sem destruir a si e muito menos ao que está ao seu redor.
Heidegger (2005) dimensiona o tempo de modo tão subjetivo que ninguém
poderá substituir o outro, mediante os acontecimentos. Tem fatores que somente ao
“Ser” é dado a escolha e a individualidade do lançamento no mundo dentro desse
tempo. Até mesmo o período de preparação para a morte é um fator individual que cada
um vivenciará de maneira diferente.
Tempo de “Ser” é acontecimento, é descobrimento de sua autenticidade,
tomando consciência do poder-ser que gera espontaneidade e criatividade. Conforme
isso, refletimos que o “Ser” estará sempre regido por um passado, um presente e um
futuro, tendo o privilégio de escolher confortar o passado, viver bem o presente e
planejar o futuro, tendo a possibilidade de viver o ‘a gente’, mostrando-se em cada ação,
do seu jeito, reconhecendo-se e sendo reconhecido onde estiver.
Sentindo que há tempo de “Ser”, a possibilidade que se oferece é a vida sempre
lançada a novas perspectivas, a conseguir construir e reconstruir pensamentos e ações
numa dimensão de automelhoramento. E ao “educuidador” emerge a concepção de que
cada pessoa é uma pessoa, dando a possibilidade de deixar o outro “Ser”, de poder-ser
sem máscaras e nem papéis.
O projeto de vir-a-ser vem “Ser” uma resposta ao ser-aí percebendo o que
mesmo “faz brilhar seus olhos”, o que leva a sentir-se humanizado. Ainda na infância, a
pergunta que muito circula é “O que você vai ser quando crescer?” e muitos pais
54

acabam por começar a planejar o futuro de seu filho sem ao menos dar o tempo para
maturação de “Ser”.
Os espaços “educuidadores” como uma alternativa, poderão junto com a criança
perceber os vários modos de conhecer, entendendo que cada um tem uma maneira que
emerge mais instantânea que outras. São importantes muitos meios utilizados pelos pais
para logo introduzirem as crianças em diversos espaços de aprendizagem, como por
exemplo: inglês, dança, arte, etc., mas é mais importante do que isso, dar o tempo do
“Ser” construir-se, sentir-se, viver e aprender, sem necessariamente viver uma vida
conforme os pais desejam para esse “Ser”, mas dar a condição de construir o seu modo-
de-ser.
Desde os primeiros anos de vida, nós através da ajuda dos nossos
“educuidadores” somos conduzidos ao nos autocuidarmos. Isso partindo de pequenas
até as grandes ações de autocuidado. O cuidado é assim inerente ao ser humano, ou seja,
vem antes. O autocuidado mostra que cada um de nós conseguimos manter a própria
existência, desde o início até o fim da vida para sobreviver e se tornar humano.
Inicialmente o “Ser” precisa de outro para sobreviver e com o passar do tempo cada um
conseguirá lidar com seus cuidados. Se autocuidando o “Ser” busca a cura. Curo-me
cuidando de mim, do outro e do mundo, realizando o projeto-de-ser, vivendo a liberdade
e o tempo de “Ser”. A cura que aqui trazemos é algo que percebemos como contínuo,
como uma busca constante, em que nada está pronto, mas numa busca de
automelhoramento.

3.4 Ser-no-mundo: impulsionados a estar-com-o-outro

O “educuidador” ao ser-no-mundo participa da experiência de ser gerado no seio


de uma comunidade e carregar um aparato cultural, assim como todas as pessoas que
dele se aproximar, nunca se esquecendo de valorizar tal questão nos espaços educativos
em que se desenvolve a aprendizagem. Bondía (2002) ao tratar do saber da experiência
envolve ao “Ser” na relação da vida humana, em que se conhece na mediação da
cotidianidade. Experiência essa que simplesmente acontece e que é possível valorizá-la
na dialogicidade de construir juntos a aprendizagem.
Ao “Ser” provocado a inebriar-se da experiência, o “educuidador” se envolve em
buscar formação, não no aspecto de conformação de padronização de práticas
55

engessadas, mas de transformação no encontrar em cada pessoa, a singularidade do


inacabamento, de perceber elementos próprios da história e do caminho escolhido para
alcançar a aprendizagem. Desse modo, a formação se realiza entre ambos os lados, tanto
entre “educuidador” quanto “educuidando”, já que ninguém é “tábula rasa”, sem
nenhum rabisco em sua história, mas antes mesmo de colocar seus pés na escola, já vem
envolvido de elementos que o constitui, enquanto pessoa, com uma realidade familiar,
comunitária e social muito própria.
A intersubjetividade no circuito da aprendizagem se conecta a agregar teoria e
prática na reflexão e ação cotidiana, tendo o “educuidador” como um companheiro no
processo de aprender, não monopolizando o saber, nem elevando para a dominação de
ideias hegemônicas, mas alimentando a reciprocidade da troca e do espírito de
curiosidade.
Deste modo, o ser-no-mundo deve ser compreendido de maneira particular, já
que no espaço educativo cada um terá um caminho próprio e o seu tempo para
construção da aprendizagem. Para Gadamer (2002) o desenrolar da consciência
histórica é um modo de autoconhecer. Disso, valorizamos que o “Ser” ao conhecer sua
história, emergirá ainda mais a curiosidade para ver o mundo que o envolve,
reconhecendo-se e refletindo a realidade que o circunda.
Heidegger (2005) nos aponta que reconhecer-se enquanto “Ser” é aprender a
pensar. Conforme essa ideia nos voltamos ao “educuidador” mais do que o ofício de
ensinar, mas de estimular a pensar entre ambos os lados, tanto em quem ensina quanto
quem aprende, mesmo que seja difícil, doloroso, é necessário para viver o processo
(trans)forma-dor. Pontuamos desse modo, o trans enquanto mudar a forma, o jeito, o
pensar e suas ações, no caminho que exige dar outra aparência em suas práticas.
A formação é esse esforço de dar novas direções ao caráter de mudança, ir
sempre possibilitando que esse “Ser” saia diferente. Pois, segundo Rogers et al. (1983)
o contato com o outro além de produzir cultura, alimenta a intersubjetividade das
consciências configurando-se em encontro que assegura existir e efetivar ações
conjuntas. Aqui nos conectamos ao tratar de formação em práticas “educuidadoras”,
enquanto perspectiva implicada, como formação na formação docente, que mobiliza ao
“educuidador” a pensar e alterar a sua prática pela reflexão, envolvendo-se do real e
legitimando-se como sujeito crítico de sua ação, criando saberes e produzindo sentidos
no labor, amor e dissabor cotidiano (MACEDO, 2014; FREIRE, 2005).
56

Segundo Freire (2003) a formação leva-nos a pensar que teoria e prática


precisam sempre estar dialogando, são consequentemente inseparáveis. Mas para se
construir inter-relação entre teoria e prática, no cotidiano “educuidador”, refletimos
conforme a ideia “freireana” que no processo transformador é necessário se imbricar de
reconhecimento e emancipação humana, no que tange a capacidade de compreensão e
intervenção no mundo vivido. A teoria e a prática adquirida ao longo da formação e das
experiências, no olhar “educuidador” pode ser ampliada e conduzida para contribuição
na ação social e na formação de outras pessoas no seu percurso histórico.
Ao “educuidador” que reflete, temos a esperança que sua ação seja carregada de
consciência do seu estar-no-mundo. Com isso, emerge a práxis, cheia de energia e
sentido ontológico em “Ser” mais humano, vivendo a coerência no que pensa, diz e age
na presentificação de pertencer a comunidade de pessoas que lutam por libertação,
contra as injustiças sociais, desigualdades e opressões (FREIRE, 2003).
Os contornos do pensar no ser-no-mundo envolvido no estar-com-o-outro, nos
coloca a diferentes maneiras de possibilitar a criação e recriação da subjetividade.
Ribeiro (2016) ao trazer à tona a perspectiva de Metodologia Viva, retrata o profissional
docente, como a imagem de um artista, que mobiliza para a sensibilidade, através do
contato afetivo, inspiracional e criativo em sua capacidade de vir a “Ser”.
A criatividade no desenrolar do espaço “educuidador”, tanto de quem forma
quanto de quem é formado, se fará no estabelecimento do caminhar autoral. Cada um
junto a outros, se mostrará autor dos sentidos vividos e aprendidos. É uma busca a
aprimorar a obra de si mesmo, na orientação e facilitação de outros que te indicarão
outras maneiras de alcançar-se profundamente aos seus “talentos artísticos” (RIBEIRO,
2016; JOSSO, 2007).
O espaço “educuidador”, como lugar de reinvenção, com esforço, formação e
consciência, tem a condição de se transformar em um lugar de ser-mais, termo cunhado
por Freire (2005), no que diz respeito a sua afirmação de que enquanto humanos somos
inacabados, capazes de saber mais de nós, na permanência da busca e vocacionados a
ser-mais por libertação de maneira integral. Mesmo que na vocação de ser-mais nos
percamos no caminho criacional, através da desumanização em que estamos sujeitos
todos os dias, a partir dos poderes ideológicos opressores, que afugenta o “Ser” na
alienação que massacra a criatividade, somos possibilitados a recriar e co-criar junto a
outros, tomando decisões e agindo em prol da transformação social (FREIRE, 2005).
57

O que temos pela frente é pensar e agir para que os espaços “educuidadores”, o
“educuidador” e seus “educuidandos”, se remodelem no viés de humanização,
deixando-se “Ser” e em dados momentos deixarem o outro “Ser”, nos altos e baixos nas
ladeiras das dificuldades que a realidade nos interpõe e que nos leva a tantas vezes
visualizar a desistência, mas tendo a força de copiosamente buscar autonomia e
consciência de ser-no-mundo.
A integração de “Ser” junto ao outro, remete-nos a realidade que marcha para
abrir caminhos no desejo de melhor ser “educuidador” e “educuidando”
constantemente, no aparato de experimentar o novo, a se recriar, a formar-se numa
práxis, na árdua vivência direta que abafa o ser-mais, mas que com atitude, desejo e
exercício constante de desvencilhamento do que o aprisiona nos instituímos a abrir
novos caminhos que integra o “Ser” em todas as suas dimensões de autocuidado,
cuidado com o outro e com o mundo.

3.5 “Educuidar”: a provoc(ação) de práticas com sentido.

Até o dado momento fizemos um trajeto relacionando as imensas possibilidades


que “educuidar” se amplia em nossas práticas cotidianas, mas especialmente na arte dos
encontros. Conforme isso, refletimos que os encontros tanto consigo, com o outro e com
o mundo em dados momentos é movido de conflito, surgindo como diria Morin (2000)
a constante atitude do “sapiens demens” que corrompe as atitudes de amorosidade e
benquerença dos humanos. O “educuidar” mediante tais questões nos indica práticas de
sentido em retomadas a melhores relações, consigo, com as outras pessoas e a nossa
casa comum, que é a terra. Consideramos que provocamos nesse convívio não somente
o bem, mas também o mal, através dos usos irresponsáveis dos recursos a nossa
disposição, causando desgaste de nossa casa, que podemos considerar a nós mesmos,
nosso corpo e nossa humanidade. Consequentemente manifestamos essa mesma
condição de humanidade para com o que está externo a nós, violentando e se
apropriando no hábito de ferir a tudo o que é vida, desde o solo, a água, o ar e as
pessoas que nos circundam.
Para “educuidar”, precisamos nos autoavaliar e mudar profundamente nosso
modo de “Ser” e de habitar o lugar que pisamos. Essa mudança alcançará muitas outras
pessoas, regendo uma sociedade diferente, já que deve ser iniciada com pequenos sinais
58

que diferem dos grandes modelos de produção e de consumo, caminhando ao contrário


das imensas estruturas que pensam no lucro e muito pouco se faz por melhores
condições de sobrevivência.
Percebe-se até então, que a pessoa não consegue se mudar sozinho, como diria
Freire (2003) os homens se constroem juntos. Desse modo, “educuidar-se” não se faz
também sozinho, exige um constante envolvimento com o outro, alimentando-se através
da convivência, guiando a vida em projetos de devir que indiquem experimentar outros
jeitos de habitar a si e o mundo. Com isso, o melhor modo de estar bem com o outro,
exige um pouco a vivência da chamada ascese, que seria aprender a dar e não somente a
estar na atitude de renúncia.
A ascese é o amor de indicar aos poucos o que o outro precisa. O “educuidador”
em suas práticas vai desse modo, mobilizando para os encontros de seus
“educuidandos” com o conhecimento de maneira respeitosa com o outro e sustentável
para com o planeta (BOFF, 1999). Nessa trilha ascética, o “educuidador” ama e é
amado por sua alegria em sentir-se mediador da aprendizagem integral e indica a outros
o desvencilhamento necessário e contínuo dos medos, da avidez em aprender e ensinar,
ao espírito de independência e liberdade.
Aquele que em suas práticas deseja vivenciar o “educuidar” deve se envolver de
uma formação que envolve o tripé, entre: reflexão-contemplação-ação. Digamos que a
reflexão é o passo inicial por uma busca formativa, como pontuamos em outros espaços
de autopoiesis, compreendendo as reais necessidades, escutando muito as pessoas e as
situações. Após a reflexão seria a contemplação, já que é necessário planejar, se
debruçar, se preparar para emergir a ação, requerendo abertura para transcender o que
ora lhe é posto, lançando-se para ações carregadas de criatividade e da linguagem do
lugar.
Quanto aos materiais a serem explorados no processo de “educuidado”, nos
voltamos a pensar que é preciso sim ter uma visão global de mundo, mas também que as
pessoas se reconheçam nas páginas de seus livros, e porque não pensar de cada um
construir através da pesquisa, curiosidade e criatividade seus próprios materiais de
estudo. Bondía (2017) afirma que a produção de materiais a partir de si e da sua
experiência, podem ser consideradas de techné, sendo a própria arte elaborado pelo seu
fazer pessoal.
59

O processo de autoavaliação deve ter espaço constante. Macedo (2000) nos fala
que a vida cotidiana é o aceno constante de nossas interações e na maneira de agir no
mundo. Desse modo, autoavaliando-se o “educuidando” e o “educuidador”, tranquiliza
o que fora vivido, decantando as misturas emanadas nas experiências de maneira a
perceber o que foi leve e pesado, purificando a si mesmo e o espaço em que ocupa, para
ter condição em retomar de maneira aberta e exaltiva apostando em novos caminhos a
serem vividos.
O “educuidador” se faz um enamorado pela vida plena em tudo e todos que o
envolve. Além de se envolver com as questões políticas e socioeconômicas de si e dos
que a ele são responsáveis. Esse enamoramento acontece em pequenas doses, no trajeto
das ações cotidianas e não no consumo desenfreado de pensamentos quanto a práticas
prontas que estabelece o que o outro deve fazer e não o estimula a como seguir a sua
trajetória de “educuidar”.
Outro lembrete importante é que não há razão sem a emoção, pois as escolhas da
vida são feitas na escuta do coração. A escuta que não se faz somente em ouvir, mas em
trazer o mundo do outro na tentativa de compreendê-lo no seu tempo e no lugar onde
fala. Desse modo, o convite é caminhar para o ápice da integralidade, decorando, ou
seja, aprendendo de cor a ligação da relação. Com isso, o “educuidar” eleva a viver
passo a passo um mundo pleno, integrado e alegre.
Essa plenitude se dá pela mudança da consciência do “educuidador” que precisa
vivenciar um itinerário formativo, abrindo-se ao processo humano por intermédio da
orientação pelo facilitador. O facilitador tem que estar encantado para encantar a outros
numa adesão inicial do projeto de vida em “educuidar”. Conforme isso, ao vivenciar a
mudança, o “educuidador” se torna um novo “Ser”, tendo um novo estilo de vida,
tornando-se referência de vida para si e os outros.
Bondía (2017) nos indica que quando o teórico busca formular o conceito está
constantemente apressado, em busca de apropriação rápida, para usá-la também
rapidamente. Mas aqui falamos da experiência, na dimensão da reflexão e de processos
experimentados na prática, percebendo que com esforço e luta os espaços podem sim se
tornarem “educuidadores”. Portanto, nesse intento, “educuidar” enquanto conceito e
pensamento é algo que causa desassossego. Após o nosso pequeno caminho reflexivo,
concebemos que “educuidar” está em cada “Ser”, sendo possível através dos vínculos e
encontros serem despertados, compreendendo a integralidade que envolve a
60

aprendizagem: corporal, psíquica, emocional, cognitiva, criativa, mas especialmente no


transbordamento de relações próximas e afetivas.
O “educuidar” nesse percurso reflexivo vai do visível ao invisível. Visível pelas
pequenas ações que se envolve na fertilidade do chão de onde se planta e invisível
porque seus brotos nascem e frutificam na profundidade existencial e na
responsabilidade de considerar-se cidadão da humanidade.
61

EDUCUIDAR

É do cuidar compreender, estar atenta, se implicar, se envolver e se inteirar.


É do educar observar, acompanhar, se desafiar e buscar avançar.
É o cuidar e educar, ambas as questões.
Mas um sem o outro não funciona, paralisa o processo e pode definhar.
O cuidar e educar acontece de maneira ampla, integrada, completa em
todas as formas de nos vários espaços amar.
Estar aberta a cuidar e educar amplia os horizontes,
Para procurar saídas e ir substituindo a expressão do estar sempre a
reclamar.
Ao cuidar e educar estou em processo inacabado,
Que impulsiona a novos modos de ser
E na via de buscas de posturas criativas procurar formar.
Se cuidar e educar vão se entrelaçando na aventura de esperançar,
Coloco-me como o próprio sentimento de pertença
Da arte de ser na vida e fazer dela a sintonia de cuidado em educação,
Revelando e desvelando a beleza de educuidar!

18 de outubro de 2017
62

4 OBJETIVOS

4.1 GERAL

Compreender o(s) sentido(s) dado(s) por professoras da educação infantil, quanto as


práticas de cuidado a partir da mediação de uma proposta formativa.

4.2 ESPECÍFICOS

• Possibilitar momentos com as professoras para ação reflexiva e auto reflexiva


acerca das atitudes de autocuidado, cuidado com o outro e com o ambiente que
se encontra;
• Refletir sobre o conceito de cuidado relacionado à perspectiva educacional;
• Identificar, nas reflexões das professoras, elementos quanto ao cuidado no que
diz respeito as atitudes consigo, com o outro e com ambiente que se encontra;
• Analisar os processos reflexivos que emergirem da experiência;
• Entender como o sentido do cuidado influencia o fazer docente;
63

Experimento andando: Experiment(ando)...

Entre o certo e o errado a gente vai tentando,


Porque não sabemos verdadeiramente se é certo ou errado
O que vamos experimentando.
A experiência vive da instantaneidade,
Carregado de significância e de atenção
Na busca de superar a passividade.

Pois ser passivo é o contrário de ativo.


Eu cruzo os braços e deixo a vida passar
Sem ao menos dela sentir-se verdadeiramente vivo.
Vivo porque me impulsiono de ação
Que pela temporalidade do movimento do caminhar
Torno-me um membro refletindo a compreensão.

Compreendo a viva trilha do caminho que se abre,


E nada é mais destemido do que se lançar
Para as intuições que só o ser sabe.
Porque saber é se voltar à delicadeza
Da sensível história de fazer história,
Criando e transcriando o bem com proeza.

Um dia tudo foi distante, mas agora é pra valer,


Os sonhos sonhados por tantos
Se corporificam em mim com poder.
Poder de representar um coletivo no caminho que vou,
E muitos vão me alertando, que é preciso continuar
Em tudo o que faço e naquilo que sou.

Olhando sempre avante para as esperanças,


De promover vida por todos os lugares
Deixando sempre um sinal de alegria como o sorrir de uma criança.
Criança, criar, criando me indica que vivo a aprender,
Sendo, sentindo, errando e acertando
Na arte de “brincar de viver”.

01 de novembro de 2017.
64

5 PERCURSO METODOLÓGICO

O percurso metodológico adotado nesse trabalho se insere na perspectiva


qualitativa, sendo a investigação do tipo pesquisa-ação, mais especificamente pesquisa-
formação. A abordagem adotada é a fenomenológico-hermenêutica “heideggeriana”,
uma vez que este estudo busca compreender o cuidado em educação e os sentidos
atribuídos por professoras na vivência de suas experiências.
A pesquisa caminha para o processo de reflexão e criticidade. Dessa maneira, a
pesquisa qualitativa leva a investigar os fenômenos humanos e sociais. Tal pesquisa
pretendeu compreender os sentidos das experiências das professoras e suas
complexidades quanto a relação do cuidado em educação, não as enquadrando em um
modelo, mas as entendendo nas suas construções (LONGAREZI; SILVA, 2008).
Somos, desse modo, verdadeiros artesãos esculpindo jeitos diferentes de pensar
e compreender a pesquisa nos processos formativos. Mediante isso, subdividimos esse
espaço em três momentos para aprofundarmos as facetas que envolvem nossa pesquisa-
formação de cunho fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”. No primeiro
momento, articulamos as ideias da pesquisa-formação, pensados por autores como Josso
(2007), Longarezi e Silva (2008) e Perrelli (2013). No segundo momento, o
desenvolvimento da perspectiva fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”,
abordando o seu autor, Heidegger (2005), e por fim, no terceiro momento, inter-
relacionamos a pesquisa-formação com a fenomenologia hermenêutica “heideggeriana”,
lançando a possibilidade do cruzamento de dois caminhos que se encontram como
espaço do conhecimento do acontecer e do acontecido, seja ao pensado, falado, refletido
e compreendido na formação de professores.

5.1 A pesquisa-formação: modo de reflexão e ação de um jeito diferente de


pesquisar

No bojo das pesquisas qualitativas e voltadas para as intervenções encontra-se a


pesquisa-ação e, mais especificamente, a chamada pesquisa-formação. Aqui, faz-se
oportuno traçar um pequeno histórico da pesquisa-ação, para compreendermos como
chegamos a escolher a pesquisa-formação como meio para alcançar e pensar no cuidado
em educação.
65

5.1.1 Por onde começou a pesquisa-ação


Para Barbier (2004), a pesquisa-ação teve sua fase inicial em dois períodos, o
primeiro num cenário americano, antes da Segunda Guerra Mundial e nos anos 60. O
segundo período, tendo uma radicalização mais voltado a política e ao aspecto
existencial, especificamente no Canadá, entre o final dos anos 60 até os nossos dias.
Ainda segundo Barbier (2004) há a sustentação de que a pesquisa-ação teve
origem com Kurt Lewin, alemão, mas naturalizado americano, psicólogo voltado a
Gestalt, desenvolvendo a Action-Research, sendo uma reflexão por ele desenvolvida
percebendo a realidade e realizando uma reflexão autocrítica sobre a ação dos grupos e
a necessidade de que os próprios participantes instituíssem as mudanças de atitude e
comportamentos em sua realidade.
A orientação da pesquisa-ação se dá pela participação dos envolvidos. O
pesquisador se torna interventor, dando consciência aos participantes de suas práticas
cotidianas. Ardoino (1989) apud Barbier (2004) pontua algumas perspectivas da
pesquisa-ação ainda em seu desenvolvimento: a) perspectiva axiológica, buscando
trabalhar a democracia no grupo pesquisado; b) perspectiva praxiológica, tornando o
grupo um espaço de ação e decisão; c) perspectiva metodológica, sendo um ambiente de
experimentação; d) perspectiva epistemológica, sendo o grupo, produtor de
conhecimento.
A pesquisa-ação segundo Barbier (2004) não combina com pessoas chamadas
por ele como “mornas”, porque é um se arriscar a intersubjetividade e um lançar-se para
si mesmo, que não imaginasse que iria aprofundar. Para Dubost (1987) apud Barbier
(2004) a pesquisa-ação é uma revolta a separação do pensamento para com a ação. É
uma maneira encontrada para se voltar para a responsabilidade humana mediante os
ocorridos sociais. De frente ao outro o pesquisador que desenvolve pesquisa-ação
percebe cada ser humano como alguém em constante transformação, acredita no
processo que cada um pode fazer, dando nova velocidade na engrenagem da vida. A
pesquisa-ação é envolvida de escuta e interação com o outro, olhando para o contexto
que está posto.
O pesquisador segundo Barbier (2004) se põe diante do outro como semelhante,
não deixando de analisar, mas tendo a clareza que somente é no fazer da pesquisa-ação
que o verdadeiro objeto de estudo se clarifica, a ser compreendido. A pesquisa-ação se
66

faz de projeção a mudança social (BARBIER, 2004). Indica como os sujeitos do grupo
compreendam a sua realidade, pensando mudanças para o bem estar seu e de outros.
Inicialmente ao ser planejada a pesquisa-ação não precisará formular hipóteses, é
o reconhecimento de que o problema está ali e que se mostra como alguém que pode
colaborar para a tomada de consciência e a mediação de ação coletiva. As questões a
serem colhidas enquanto dados, serão o que a coletividade apresenta. Os instrumentos
para tal colheita propiciam interação no grupo, como por exemplo, conversas grupais
(BARBIER, 2004).
O processo avaliativo da pesquisa acontece com o grupo que foi investigado,
para que percebam a suas realidades e orientando-se para retomar aos problemas
pontuados. A discussão dos resultados é a própria discussão do grupo. Desse modo, a
linguagem tem que ser de fácil compreensão, evitando termos rebuscados. Para
apresentar os resultados o pesquisador apresenta ao grupo pesquisado e propõe a
avaliação para que possam dar sugestões de melhorias. Depois, poderá ser apresentado
na comunidade acadêmica como considerar interessante (BARBIER, 2004).

5.1.2 Pesquisa-ação que se descortina em pesquisa-formação


Provavelmente iniciada na segunda metade do século XX, realizando o
cruzamento entre pesquisa e formação. A pesquisa-formação, por sua vez, percebe a
relação que se faz entre sujeito-sujeito, dando voz a todos os envolvidos, de maneira a
compreender a realidade e agindo sobre ela (JOSSO, 2007; LONGAREZI ; SILVA,
2008; PERRELLI, 2013). Essa pesquisa está sendo desenvolvida com professoras, em
que fortalece a ideia de um processo de construção permanente, de modo a favorecer
espaços de diálogos e na participação ativa, através de consensos as diversas
problemáticas ao longo da pesquisa. O contexto escolar se torna um lugar de possíveis
transformações e superações da formação, mediada por reflexões no coletivo
(LONGAREZI ; SILVA, 2008).
Segundo Longarezi e Silva (2008), a pesquisa-formação teve provavelmente o
seu despertar na segunda metade do século XX, numa tentativa de agregar a pesquisa e
formação de professores em um mesmo espaço de pensamento, objetivando a
transformação de suas realidades, pensando na possibilidade de que as mudanças
acontecessem de maneira efetiva e tivessem continuidade no modo de resolução das
problemáticas e permanência das perspectivas iniciadas no processo formativo.
67

Para melhor entendermos os passos da pesquisa-formação, podemos observar a


ilustração que segue:
Diagrama 3. Pesquisa-Formação

Fonte: Elaborado por Sousa e Ribeiro, 2017.

A pesquisa-formação vem representar a dicotomia nas maneiras usuais de se


pesquisar, unificando a pesquisa e a formação, na construção de conhecimento que
começa por si mesmo e envolve a visão de um grupo, acerca da sua compreensão de
mundo experimentado nas vivências das práticas. O primeiro passo a ser dado, então, é
feito pelo pesquisador, mas sinalizado também pelo grupo, sendo a própria proposta
formativa, que será construída coletivamente, tornando a todos participantes do
processo.
O pensar a proposta formativa faz do pesquisador um buscador de meios para
alcançar o objetivo do estudo, que não é somente seu, mas do próprio grupo, através de
embasamento teórico e observações da experiência. Desse modo, a proposta formativa
da pesquisa-formação estará dialogando diretamente com as urgências da realidade,
trazidas pelos próprios participantes (LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELLI, 2013).
Os participantes são, pois, convidados a sua participação de maneira livre,
trazendo suas experiências, permitindo sobre elas o debate e a reflexão pelo grupo,
construindo em conjunto o conhecimento sobre o fenômeno posto na proposta. O
68

pesquisador se torna participante do processo formativo, ele se forma e convoca os


participantes a busca de autoformação, através da reflexão de si e de maneiras que
poderão escolher para aperfeiçoamento próprio (LONGAREZI; SILVA, 2008;
PERRELLI, 2013).
A vivência da proposta formativa vem necessitar de um aparato também
estrutural para o desenvolvimento da pesquisa-formação. Inicialmente, o pesquisador
deve perceber a disposição do grupo e o interesse mediante a proposta, assim como a
disponibilidade de tempo dos participantes, das instalações físicas onde acontecerão os
encontros, o que realmente a escola precisa, as negociações com as equipes gestoras, a
preparação de materiais didáticos para o andamento da formação, os passos a serem
dados mediante o planejamento dos encontros e a abertura para a flexibilidade de
mudanças no planejamento inicialmente pensado, mas não perdendo o foco da pesquisa-
formação (LONGAREZI; SILVA, 2008).
O pesquisador é também participante do processo, delineia o caminho, mas não
o limita somente a sua vontade, proporciona ao grupo escolher e unifica as ideias para
que todos sintam-se envolvidos na reflexão-ação. Na pesquisa-formação o fenômeno é
enxergado de maneira a ver o ser integralmente, não o reduzindo a variáveis. Quem
escolhe pesquisar dessa maneira deve estar disposto a ser sensível aos resultados
provocados na relação do grupo com todos que dele fizerem parte. É, pois, relevante
que o pesquisador-participante compreenda as pessoas nos seus modos de pensar, até
mesmo suas crenças, seus preconceitos e vendo com o olhar do ser que ali se apresenta.
Tudo na vivência da pesquisa-formação junto ao grupo é valioso, por isso se tem o
caráter humanístico de se pesquisar, sem procedimentos rígidos e impositivos (JOSSO,
2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELLI, 2013).
O processo de vivência da proposta formativa na pesquisa-formação junto ao
grupo de participantes, torna cada pessoa um colaborador da formação e da pesquisa,
beneficiando a todos e não somente ao pesquisador que se faz responsável pela
articulação. Então, para tanto, é necessário o estabelecimento de confiança em todo o
grupo, não sendo visto como espaço acirrado de confronto, mas de diálogo mediante os
saberes e vivências da experiência trazidos por todos os envolvidos (LONGAREZI;
SILVA, 2008; PERRELLI, 2013).
No planejamento da proposta formativa, cada participante também é convidado a
se preparar previamente para a vivência do encontro, através da reflexão sobre a
69

temática norteadora sugerida pelo pesquisador. Cada participante reflete a sua


experiência através da escrita de narrativas, deixando vir à tona o vivido no exercício da
docência/profissionalização, como também de alguma maneira se rememora a própria
vida, dando um caráter de investigação da formação de si mesmo (JOSSO, 2007).
Em cada encontro, algo que muito envolve o grupo é o movimento da escuta.
Tal movimento de escuta exige abertura de todos os participantes, já que o espaço da
pesquisa-formação é uma construção de confiança entre todos. Cada pessoa traz a sua
narrativa escrita, sendo convidada a expor oralmente e se complementando no exercício
da fala. Todos os participantes têm o espaço de abertura para suas colocações das
questões emergidas da experiência, dando vez a apresentação de preocupações e
inquietações, a partir de um processo individual e coletivo surgidos nas narrações dos
envolvidos (JOSSO, 2007). Nesse sentido, a pesquisa-formação reflete sobre os
percursos, as práticas e as vivências dos participantes, sendo um espaço para que os
sujeitos olhem para si mesmo, as suas construções de identidade e a evolução das suas
vidas profissionais e sociais.
Na prática da pesquisa-formação se utiliza como uma de suas bases a escrita e
narrativa de suas experiências, construindo um conhecimento de si e vivenciando a
troca entre o grupo de pessoas participantes do processo. A constituição de si se faz
também pelo olhar do outro, se abrindo para compreensão de mundo e entrando em
contato com a sua experiência e a do outro. As experiências no grupo de pesquisa-
formação são trazidas, dialogadas e refletidas pelos próprios participantes, sendo assim
um trabalho construído conjuntamente e numa visão autoformativa, dando importância
a todos os elementos expostos no grupo (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008;
PERRELLI, 2013).
A narração das histórias de vida e das experiências na pesquisa-formação se
constrói como marco a narração de si dentro de um grupo, buscando a transformação de
seu próprio caminho. Desse modo, se propõe tanto a narrativa escrita quanto oral de
cada participante do grupo, tendo como objetivo compreender a experiência do outro e a
intervenção para uma autoformação enquanto ser que envolve toda a vida pessoal
(JOSSO, 2007).
Uma dimensão importante na pesquisa-formação é a capacidade de escuta, não
somente do pesquisador, mas de todo o grupo. Escutar o outro, de alguma maneira
volta-nos a escuta de nós mesmos, participando do processo do outro, que se desenrola
70

em sua própria singularidade. A escuta é tão formativa quanto a narração que se prepara
antes e é exposta no grupo. Já a leitura do que se escreveu, envolve uma escuta de si, na
vivência da espontaneidade sobre o vivido. Isto sendo, ultrapassam o fazer da razão,
envolvem os sentimentos intersubjetivos do que somos (JOSSO, 2007).
Ao se colocar no grupo, os participantes se escutam e escutam as outras pessoas.
São capazes por meio dessa escuta, produzirem individualmente e coletivamente os
processos reflexivos, permitindo a saída do isolamento das questões que envolvem a sua
realidade, para compreender também com as experiências das outras pessoas. Com isso,
são possíveis aos participantes evolução de suas práticas, de maneira solidária com as
dificuldades dos outros e reinventando os modos de resolução dos fatos apresentados no
grupo. Sabe-se que cada pessoa traz um universo em si mesmo, daí a importância em
respeitar as crenças e as percepções quanto ao mundo, tentando através do diálogo a
ampliação acerca da visão trazida, numa busca de progressão da própria humanidade e
ressignificando as experiências através do processo reflexivo (JOSSO, 2007).
Outra característica que pode ser evidenciada, é a pesquisa-formação como um
momento de tomada de consciência de si mesmo e de sua formação, mediante o
compartilhamento das experiências, construído através do trabalho individual e em
grupo através de aprendizagens reflexivas, dando sentido a formação e ocorrendo
transformação de modo permanente. Esse modo de pesquisar privilegia a forma como
cada pessoa cria e recria os seus sentidos na formação (JOSSO, 2007).
Com a tomada de consciência, a pesquisa-formação instiga ao participante ao
envolvimento com a transformação, que começa por si e envolve a realidade que está.
As transformações de si entre os participantes se faz de esforço pessoal, como sendo
uma provocação para construção de mudança envolvendo a autocrítica e acontecendo a
mudança na ação de suas práticas. Essa transformação de si, permeia a problematização,
o diálogo e as possíveis propostas de mudanças que devem partir do individual e do
grupal. Com isso, o pesquisador tem a possibilidade de validar e sugerir a vivência na
prática das sugestões dadas pelos participantes (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA,
2008).
Em cada encontro da pesquisa-formação o grupo é imbuído a refletir e
ressignificar seus processos formativos, dando vez a novos registros e a reflexão sobre
sua prática. Os encontros, são avaliados por todos os envolvidos, olhando para as
experiências do processo, a partir do trabalho conjunto, sobre o que foi percebido,
71

vivido, sentido e refletido. A avaliação contribui na compreensão da realidade que é


vivenciada, dentro e fora do grupo, já que cada participante trará elementos que
permeiam sua realidade. Os diálogos da pesquisa-formação deverão ser gravados e
disponibilizados ao grupo para análise do andamento do processo (JOSSO, 2007).
No trabalho de análise das experiências vividas na pesquisa-formação, o
pesquisador, junto com o grupo, busca elevar o sentido através das leituras e do que foi
apreendido. O grupo como um todo, pode colaborar na análise dos registros e até
mesmo complementar algo que não ficou claro. A pesquisa-formação vem ao encontro
da promoção de formação significativa de quem participa do processo, ressaltando as
individualidades e as possibilidades de união entre o participante e a busca por ampliar
o seu aparato reflexivo diante de sua prática. O participante na pesquisa-formação vive,
reflete e é ele mesmo em processo de formação (JOSSO, 2007).
A autoria da pesquisa-formação se dá pelo grupo, é ele quem escreve e reescreve
a espetacular maneira de compreender a vida em processo de formação. Os participantes
são envolvidos da condição de “Ser” em transformação, transformador de sua ação, que
aprende e que é apreendido por sua experiência, compondo novas notas que
emanciparão sua identidade. Cada membro pode se reinventar do seu jeito, sentindo na
pele a abertura de possibilidades que o levam a consciência em suas práticas (JOSSO,
2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELLI, 2013).
A pesquisa-formação ainda considera o desenvolvimento de saberes de forma
democrática e coletiva. Então, seu desenvolvimento dará condição para o sujeito ocupar
o espaço de emancipação, produzindo sentidos a partir da orientação a ser vivenciada
sobre o cuidado em educação, aqui experimentada nessa pesquisa. “Ninguém está em
melhor condição de conhecer a realidade do que as pessoas pertencentes a ela”
(LONGAREZI; SILVA, 2008, p. 4). “Na pesquisa-formação procura construir
significados e sentidos, formar e transformar-se ao longo da pesquisa” (PERRELLI,
2013, p. 6). O conhecimento então evolui para percepção da experiência do vivido, do
cotidiano num processo de autoformação.
A autoformação vem, então, criar o repertório da pesquisa-formação,
desenvolvendo o que realmente somos e a maneira como damos significados as nossas
ações cotidianas, é um constante movimento de relação significativa com o outro, num
progressivo descobrimento de si, fabricando, inventando e construindo a vida na
formação. Essa vida formativa a ser construída envolve a atenção, a articulação da
72

escuta e a experimentação de compreensões aos processos de ser quem se é. Podemos


até relacionar a pesquisa-formação como espaço de convivência, que envolve a vida em
movimento com acolhimento e discordâncias, com busca de aceitação e divergências,
mas num exercício constante de se transformar, transformando e vivendo.

5.2 Fenomenologia hermenêutica “heideggeriana”: compreensão do vivido

A fenomenologia-hermenêutica foi desenvolvida por Heidegger (2005), dando a


centralidade do ser, numa compreensão de sua existência. Nesse espaço será feito um
apanhado teórico do pensamento de Heidegger e do método elaborado por ele –
fenomenologia hermenêutica - que norteia essa pesquisa-formação e embasa as ideias
de compreensão de práticas de cuidado, experienciados pelas professoras de educação
infantil que articulamos nos encontros formativos. Aprofundar Heidegger e sua proposta
fenomenológica-hermenêutica parte da compreensão de ver o ser humano como
construtor de sua humanidade e sensibilidade, de maneira a tomar consciência de si e
emergir o sentido do seu mundo.
Em Ser e Tempo especificamente, a reflexão “heideggeriana” envolve o ser na
ideia de existir com a sua verdade, tendo como ponto central dessa obra o sentido do
ser. Segundo Heidegger, somente é possível pensar no ser pelo Dasein ou ser-aí, que
está no mundo e que se estabelece nas relações com outros entes. A essência do Dasein
se faz do seu próprio existir, questionando a partir da sua existência. O Dasein se
questiona todo o tempo, e somente a ele é designado a condição para realizar tal feito
(HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
Heidegger (2005) em Ser e Tempo apresenta que o homem enquanto ser, está em
relação com o mundo, não num aspecto de algo separado, nem de domínio que um é
maior que o outro, mas sim de concretização de unidade de ser e mundo. Desse modo,
articula o conceito ser-no-mundo. Mas deixando claro que ser e o mundo co-pertencem
um ao outro, tratando de uma estrutura de sentido que constitui o Dasein. O homem
então, torna-se na ideia “heideggeriana” como ser-no-mundo e os demais entes os
intramundanos.
O Dasein se distingue dos demais entes – os intramundanos - por compreender e
dar significado ao mundo, se implicando, estando e convivendo nos espaços de
mundaneidade. Além de ser-no-mundo, o Dasein é ser-em e ser-junto já que co-existe
73

com os entes, se constituindo e estando em relação junto aos que dele fazem parte
(HEIDEGGER, 2005).
No mundo, os entes intramundanos pertencem a ele, mas não podem significá-lo
como faz o Dasein. O ser vive a relação com os entes intramundanos, especialmente na
ocupação, estabelecendo a ligação como instrumentos de suas ações. Podemos
exemplificar os entes intramundanos como os objetos que trabalhamos para uso do
pensar, exemplo: a caneta e o papel, em que ambos só terão funcionalidade se o ser-no-
mundo der sentido de ação e colaboração (HEIDEGGER, 2005).
Mundo, em Heidegger (2005) é também para além do sentido de lugar que
habitamos, é o que existe no próprio ser e que o lança a novas realidades, envolvendo os
seus pensamentos e os acontecimentos que existem em sua condição de ser-aí. Não se
fazendo isoladamente, mas sendo entrelaçado pelo quadripartido, na relação de: céu
(meio que estabelece relação com a terra), terra (natureza), deuses (representa entes
supremos) e mortais (homens e mulheres que vivem os sentidos no mundo). O
quadripartido é uma relação de totalidade, de co-pertencimento e co-presença, em que
todos têm sua importância para que o Dasein exista (HEIDEGGER, 2005; FERREIRA,
2003).
Tudo o que envolve o Dasein, enquanto ser-no-mundo, constitui-se de
possibilidade de ser, mais e mais presença no mundo. O pesquisador fenomenológico
hermenêutico “heideggeriano” deve estar atento ao ser-no-mundo, ampliando a sua
visão com o sentido e a relação que estabelece do Dasein com os entes. Critelli (1996)
indica que o ser pode mostrar o que não é, enganando-se e desejando enganar a outros,
mas que a atenção mantida pelo pesquisador, o fará se aproximar do verdadeiro sentido,
a partir das manifestações trazidas pelo ser-aí.
Enquanto pesquisadores, podemos acessar os sentidos do Dasein através dessas
manifestações que envolvem fenômenos. Toda manifestação é envolvida de algum
fenômeno, sendo os acontecimentos cotidianos e por meio deles tendo a condição de
acessar o sentido do Dasein, já que estabelece relação de ser para ser constantemente.
Por isso, Heidegger (2005) fundamenta o método fenomenológico hermenêutico na
própria existência, mostrando que por meio dessa maneira de olhar o ser, extraímos dele
reflexões e as angústias vividas pela busca de sentido mediante sua relação consigo e
com o mundo.
74

O método fenomenológico hermenêutico “heideggeriano”, propõe que


inicialmente haja proximidade do Dasein, devendo haver abertura entre o pesquisador e
o participante, já que será vivido um processo em direção a interpretação e compreensão
do sentido do ser. O pesquisador deve se colocar sem interpretações iniciais, tanto
teóricas quanto as trazidas por suas experiências, que podem o levar a perder-se
mediante o sentido do fenômeno a ser compreendido. Quem deve ser visto na pesquisa
fenomenológica hermenêutica “heideggeriana” é o participante e não o pesquisador
(CRITELLI, 1996).
Somente ao Dasein é possível a concessão da palavra e da significação do que o
rodeia. A palavra se põe como ferramenta também de nossa presença no mundo e como
presença das coisas do mundo. O Dasein acolhe o mundo dando e transformando os
significados que nele existem. Além de que pesquisar em busca de sentido e
compreensão do fenômeno, faz do pesquisador também um cuidador de seus discursos,
se aproximando do ser-aí e da sua realidade, respeitando também o movimento temporal
do Dasein, sem o forçar, mas possibilitando o espaço de abertura para trazer as suas
experiências. Nas questões norteadoras, o pesquisador deve estar pronto a ser uma
pessoa de escuta sem julgamentos, dando maior importância ao como se sente na
vivência do que o porquê do vivido (CRITELLI, 1996).
O ser na sua condição de abertura, consegue interpretar e dar sentido as coisas
que encontra no mundo. O Dasein em dados momentos pode se revelar, como também
pode se ocultar, o pesquisador deve estar atento a esses movimentos, já que o sentido
ocorrerá a partir da visão de quem se pesquisa e da aproximação das experiências. A
fenomenologia vem ser um modo de penetrar, como possibilidade de pensar nesse ser
que se faz presente. Segundo as ideias “heideggeriana”, a hermenêutica acontece na
medida que o ser existente é capaz de interpretar e compreender-se, sendo tais reflexões
produzidas no interior das relações, junto com outros seres que se revelam
(HEIDEGGER, 2005).
A fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana” exige do pesquisador a
consciência de si, num lançamento de abertura para compreender o sentido da
experiência do fenômeno pesquisado em suas relações estabelecidas com o mundo,
interpretando-o e constituindo-se de compreensão do vivido. A intenção diante da
busca de compreensão é trazer à luz o que se oculta do Dasein, assim se interpreta o que
se mostra na temporalidade do ser pela vivência de um processo, já que no início o ser-
75

aí não se deixa ver. O próprio Dasein questiona sobre a sua existência, por isso se faz
presença, como ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
Heidegger (2005), ao nos indicar que não existe ser sem mundo, leva-nos a
compreender que estamos inseridos numa realidade histórica, inicialmente sendo
jogados e depois realizando escolhas, não existo somente comigo mesmo, mas também
me fazendo e refazendo a partir do contato com outros. Desse modo o Dasein se projeta,
num processo de interpretação da finitude existencial consigo, com os outros e com o
mundo. Ao interpretar a existência, o Dasein vive o poder-ser, entendendo também a
finitude de existir, que seria a morte, sendo o fim da possibilidade diante da projeção do
ser-no-mundo.
O Dasein dar-se dentro da temporalidade, visto por Heidegger em três
dimensões: no passado, sendo o que não é mais presente e se torna ausente; no presente,
o ser que se faz presença no mundo; no futuro o poder-ser que ainda se faz ausente já
que não aconteceu no aqui e agora e sua relação, como possibilidades de existir. No
tempo presente, para Heidegger há o desvelamento trazendo à tona as experiências
vividas, não podendo modificar o passado e nem antecipando o futuro, mas decidindo
em cada instante do seu presente, numa atitude de retomar e manifestar novas maneiras
de ser (HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
No método fenomenológico “heideggeriano” a elevação do sentido do Dasein se
envolve como um círculo, conforme mostramos:

Diagrama 4. Círculo hermenêutico “heideggeriano”

Pré- Interpretação/
compreensão Compreensão

Fonte: Elaborado por Sousa e Ribeiro, 2017.

Inicialmente a pré-compreensão em Heidegger (2005) se mostra como a


interpretação prévia do mundo, como uma condição para a compreensão. O Dasein ao
76

estar no mundo está em pré-compreensão naquilo que se deseja conhecer, em


dinamismo e esforço por compreensão do seu sentido. Esse ser-aí, para Heidegger
(2007) ek-siste, projeta-se, lança-se, pela abertura que transcende3 rumo a profundidade
do seu ser e do que o envolve. O transcender do ser-aí é uma ultrapassagem na
mundaneidade, e o constitui, na maneira de entender o que envolve a existência e
superando a angústia em dados momentos, para permear a si mesmo e dar o sentido da
continuidade de sua história, através do desvelamento de sua condição de ser. O aspecto
da transcendência é um retorno para si mesmo em direção a um movimentar-se diante
do espaço que ocupamos (HEIDEGGER, 2007). Relembrando que mundo aqui descrito
em Heiddegger (2005) é a existência em sua totalidade consigo e com outros entes.
Ao existir exercitamos da interpretação na compreensão de ser-no-mundo. É
próprio do humano – ontológico - estar a interpretar o que se apresenta diante do que é
mostrado. O Dasein por questionar e vivenciar o diálogo com outros seres, consegue
interpretar pela sua presença sendo-no-mundo. Ele próprio se interroga e com isso, tem
condição de interpretar o seu sentido existencial. A interpretação do fenômeno se
envolve com a circularidade do primeiro momento da pré-compreensão, que se lança na
interpretação por meio das relações e que compreende o ser-aí, na existência e abertura
para entender o sentido da sua essência (HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
No método fenomenológico hermenêutico “heideggeriano” o ser-aí apresenta o
velamento e o desvelamento ao longo da compreensão de sentido de ser. O pesquisador,
numa busca de superação do movimento de desvelamento e revelamento questiona, para
que o ser-aí se mostre, se manifeste e se analise. Nesse movimento de compreensão, o
próprio Dasein, em atitude de abertura, retorna ao seu lugar existencial, expõe o sentido
do seu ser e se atualiza (HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
Na fenomenologia hermenêutica “heideggeriana” não há a separação entre
sujeito e objeto, a compreensão se dá enquanto sujeito-sujeito na compreensão de
mundo vivido e sentido. O estar fora com o ser-aí no mundo marca a compreensão
prévia, como o que se apresenta, que parecia estar oculto, mas que se instaura por meio
do diálogo. O diálogo que considere a possibilidade de encontro entre os seres-no-
mundo. Nessa experiência dialógica, o pesquisador não é apenas alguém que busca

3
Heidegger (2007) desenvolve a discussão acerca do ser-aí no movimento de transcendência na obra
intitulada Sobre a Essência do Fundamento.
77

investigar o fenômeno apresentado pelo Dasein, mas é aquele que está lá mergulhando
na riqueza dos sentidos que se abrem na relação vivida pelo encontro (HEIDEGGER,
2005; CRITELLI, 1996).
O encontro entre o Dasein, numa procura de compreensão, envolve a quebra de
barreiras incialmente surgidas e que se confirma na superação do que estava obscuro e
que veio a ser revelado. Tudo simplesmente estava e está ali diante dos olhos, nesse
sentido o Dasein não permanece inerte, mas insiste na dinamicidade de vivenciar a
morada das relações, compreendendo e habitando a existência vinculadas a si e a outros.
A abertura de compreensão, trazendo a consciência o sentido do ser-aí, segundo
Heidegger (2005) deve ser envolvido de disposição afetiva, se afetando e cuidando do
ser que se apresenta, com suas angústias e mobilizações. A compreensão é um conhecer
onde se situa no mundo e não como o Dasein deve lidar com o mundo.
Isto posto, o pesquisador que desenvolve o método de fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana” vem junto com o ser-aí, pré-compreender, interpretar e
compreender o fenômeno vivenciando a circularidade do movimento de revelar e
desvelar o que ora se mostra e em dados momentos se oculta. O pesquisador tem a
proposição de por meio de seus questionamentos acompanhar o processo de elevação do
sentido do ser-no-mundo, lançado a abertura de possibilidades em existir. Tal modo de
pesquisar vem ser um meio acolhedor de desvelamento das experiências, não
necessariamente buscando algo definitivo, pronto e acabado, mas experimentando que
pelo encontro, todos de alguma maneira saem com novos sentidos em ser-no-mundo-
com-os-outros.

5.3 Pesquisa-Formação de cunho fenomenológico hermenêutico


“heideggeriano”: relação de caminhos que se cruzam.

A pesquisa-formação, como apresentado, é uma metodologia que se insere na


perceptiva qualitativa, sendo a investigação do tipo pesquisa-ação. Logo, a proposta de
pesquisa-formação que visa construir significados e sentidos está em consonância com a
proposta de Heidegger, também chamada de fenomenologia-hermenêutica
“heideggeriana”. Para tanto, relacionamos a pesquisa-formação com os aspectos da
fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana”, uma vez que a formação pode
potencializar para uma compreensão do aprofundamento e da construção de novas
78

práticas como lugar de cuidado em educação e os sentidos que poderão ser atribuídos
pelas pessoas na vivência de suas experiências.
Segundo Heidegger (2005), o homem é ser-aí, fazendo-se presente em atitude de
abertura. Ao se lançar no mundo, o homem se faz um ser-para, não sendo estático, mas
em transformação. O ser-para está em realização de uma meta comum junto a outros
entes que encontra na sua existência. Dessa forma, a fenomenologia-hermenêutica
“heideggeriana” se coloca como compreensão inicial das relações com outros entes,
interpretando os fenômenos. A fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana” leva-nos a
compreender como a pessoa se coloca no mundo, qual a forma de lidar com a situação,
sendo observado o modo próprio de ser. É feita uma análise do mundo vivido pelo
“Ser”, expandindo a compreensão do ser humano e de sua experiência.
Os caminhos entre pesquisa-formação e a fenomenologia hermenênutica
“heideggeriana” se cruzam e se interligam para indagar o sentido existencial que
envolvem o “Ser” em processo de formação, trazendo a reflexão do viés da proposta,
permeada pela identidade de si mesmo numa procura de entender a sua relação com o
outro e com o meio que está. Na pesquisa-formação todos são aprendentes, em projeto
de formar-se, já que ao ser aprendente ninguém está pronto, todos são atores da vivência
da própria história (JOSSO, 2007).
A pesquisa-formação possibilita que as pessoas saiam do isolamento de suas
ideias e se socializem para uma criação de si mesmo, no aspecto de olhar para suas
fragilidades e potencialidades, conseguindo crescer e transformar suas práticas. A
fenomenologia hermenêutica “heideggeriana” lança o ser a abrir as asas, despertando
novo padrões de sentidos, na possibilidade da abertura de si, co-criando-se com o
contato consigo, com o outro e o mundo (JOSSO, 2007; HEIDEGGER, 2005).
A pesquisa-formação numa perspectiva fenomenológica hermenêutica dá seus
primeiros passos através da escuta da realidade que está posta pelo Dasein. A proposta
formativa inicia-se pela necessidade trazida pelo ser que está no mundo e que busca
cotidianamente o intermédio de compreensão mediante as angústias que em dados
momentos paralisa, mas que o lança a mobilizar-se com ação no mundo. O pesquisador
nessa proposta de pesquisa, procura respostas para suas inquietações, mas com algo que
não somente ele irá se aprofundar, mas todos os demais participantes estarão em
caminho constante de compreensão do sentido vivido.
79

Assim, expomos a interligação feita entre ambos os métodos de pesquisa:


Diagrama 5. Pesquisa-formação numa perspectiva fenomenológica hermenêutica
“heideggeriana”.

Fonte: Elaborado por Sousa e Ribeiro, 2017.

A proposta formativa não somente deve ser planejada na procura de responder


aos questionamentos feitos pelo pesquisador, mas uma co-presença e co-participação
junto ao grupo em que a pesquisa-formação foi lançada. Na pesquisa-formação no viés
da fenomenologia hermenêutica “heideggeriana” o foco é o sentido do “Ser”, mediante
a sua compreensão nas relações consigo, com os outros e com o mundo. O pensar do
pesquisador quanto a proposta de formação deve sempre envolver as disposições e a
abertura dos participantes para a vivência. Caso contrário, não haverá a serenidade no
caminhar da pesquisa-formação, já que o “Ser” para compreender se funda na sua
estrutura de sentido em participar do processo, de maneira livre e aberto para vivenciá-
lo (CRITELLI, 1996; HEIDEGGER, 2005; JOSSO, 2007).
Na vivência propriamente dita nos encontros reflexivos, o pesquisador
possibilita o cuidado na integração de todos os participantes, para o bem-estar, inclusive
estrutural e nas técnicas a serem desenvolvidas. Os primeiros encontros se fazem
verdadeiramente do cativar para a vivência do processo reflexivo, permitindo que o
espaço formativo se torne não somente lugar para que venha à tona os pensamentos,
mas o “Ser” integrado de emoção, razão, corpo, ação, consciência, imaginação,
80

cognição e afetividade. Cada encontro vem, pois, aguardado por todos, mas cada pessoa
deve ser vista de maneira única, criando um verdadeiro clima de aliança, deixando
evocar o “Ser” pessoa do jeito que é, com sua realidade e suas escolhas (JOSSO, 2007).
Importante ressaltar que os ambientes físicos nos encontros formativos
favorecem muito para a possibilidade de acesso ao sentido do “Ser”. Especialmente
quando não há interferência e que as pessoas podem se colocar livremente sem o medo
de serem interrompidas, tendo um tempo reservado para o momento do encontro e
introduzindo-se na escuta de si mesmo. O pesquisador deve estar atento as
possibilidades de negociações entre o grupo e as estratégias a serem vivenciadas,
deixando sempre claro que a pesquisa-formação é construído por todos (LONGAREZI;
SILVA, 2008; JOSSO, 2007).
A pesquisa-formação na perspectiva da fenomenologia hermenêutica
“heideggeriana” tem como proposta a vivência de processos formativos em pequenos
grupos, de no máximo vinte pessoas, em encontros com espaços de tempo pequeno,
podemos exemplificar o tempo semanal ou quinzenal, para favorecer o diálogo e a
sintonia na compreensão dos participantes. O grupo formativo se faz como espaço para
que as pessoas desenvolvam a capacidade de comunicação e aperfeiçoamento nas
relações interpessoais e experimentado junto a outras pessoas. A pesquisa-formação tem
caráter formativo e proporciona maneiras de cuidado e transformação da realidade
social a partir da mudança vivida por cada pessoa. É o lugar em que as pessoas podem
ser elas mesmas, expressando-se com liberdade (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA,
2008; ROGERS, 2002).
A pesquisa-formação propõe em suas técnicas a utilização de narrativas, em que
possam aprofundar os sentidos de sua existência. Através dessa narrativa escrita ou oral,
os sujeitos são capazes de evidenciar e questionar acerca de si mesmo e de tudo que o
permeia (JOSSO, 2007). É, pois, um trabalho reflexivo que exige abertura e desejo de
transformação. A fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana” vem efetivar o caráter
de conhecimento de si dentro da sua fala, em que o sujeito é capaz de pensar sobre sua
existência, a partir de sua própria experiência (CRITELLI, 1996; HEIDEGGER, 2005).
Na execução do desenvolvimento de narrativas escritas, o pesquisador propõe
métodos diferenciados para que o sentido do “Ser” se apresente de maneira a ser
refletida pelo próprio Dasein. Sempre envolvido de uma questão norteadora para que o
ser-aí deixe vir à consciência olhando para sua própria realidade e o seu aspecto interior
81

de sentido dado as suas ações no mundo. Para tanto, os participantes podem ser
conduzidos a escrita de diários reflexivos, como também a produção de outros materiais
escritos
No exercício de transformação, cada sujeito inclusive o pesquisador enquanto
mediador da pesquisa-formação pode criar e recriar o sentido de si mesmo. Assim,
como através do uso da palavra, o grupo pode analisar e interpretar a existencialidade de
seus pares. A reflexão em ser autor, leva a dinamização da formação como processo
contínuo e necessário para melhoria de práticas (JOSSO, 2007).
O papel do pesquisador na pesquisa-formação é o de mediador e de alguma
maneira participante. O pesquisador nesse tipo de pesquisa, se forma a partir das
experiências e das vivências pessoais, depois estando num momento de reflexão e
trazendo à tona o sentido desse viver, teorizando-o. O pesquisador não somente analisa,
mas também se reconhece nessa percepção em olhar o que se é, de forma a aceitar-se,
compreendendo a si e aos outros, crescendo e se atualizando para a experimentação de
relações que o mobilizará na sua humanidade. Na fenomenologia-hermenêutica
“heideggeriana” percebe-se o Dasein, em construção, nunca satisfeito e colocando-se
sempre como “Ser” de busca. A atividade de busca perpassa por todos os campos onde
o homem esteja presente e o espaço de pesquisa-formação se faz entre sujeito-sujeito,
do pesquisador e do participante e não como sujeito-objeto, em que distancia sempre
mais o pesquisador de seu lugar reflexivo (LONGAREZI; SILVA, 2008; HEIDEGGER,
2005).
Reinventar a si mesmo numa proposta de pesquisa-formação e ainda mais de
cunho fenomenológico-hermenêutico “heideggeriano”, faz do pesquisador um
facilitador e não um mero analista, mas de um incentivador de troca recíproca de
informações e conhecimentos, tal qual se apresenta na compreensão dos sujeitos. A
escola precisa de espaços de cuidado em que os professores verbalizem suas
experiências e despertem para uma transformação que parte de dentro para fora, ou seja,
de si para a sua prática.
O exercício fundamental que se fará na realização da pesquisa-formação de
cunho fenomenológico-hermenêutico “heideggeriano” será da construção dialógica, de
compreensão do que se vive, permitindo a escuta, “deixando aflorar as experiências e
reflexões da vivência de cada um” (PERRELLI, 2013, p. 6). O pesquisador, enquanto
formador, forma-se a si também e não somente ao outro. Promove uma autoformação,
82

formando-se na escuta junto aos outros e da realidade pesquisada, trazendo uma


compreensão crítica aos elementos da pesquisa, deixando aflorar os sentidos do vivido.
A pesquisa-formação valoriza, portanto, as singularidades e nós vamos para
além, por meio do aporte fenomenológico, valorizando as interioridades e os tempos de
abertura de cada pessoa. Vamos a partir da pesquisa-formação de cunho
fenomenológica hermenêutica “heideggeriana” tornando a realidade conhecida e não
mais como um objeto distante, comunicando de maneira familiar os limites, os valores e
os processos subjetivos que envolvem a (trans)formação na relação entre as pessoas que
se constroem juntas e se disponibilizam a se recriarem no misterioso tempo da vida.

5.3 Passos metodológicos e procedimentos utilizados

5.3.1 A escola: que lugar é esse?

O campo de pesquisa foi uma escola de educação infantil, localizada em um


bairro periférico da cidade de Juazeiro-BA, sendo pertencente a Rede Pública
Municipal. A escola funciona nos períodos matutino e vespertino, com atendimento a
cerca de 250 crianças, de idade entre 0 a 5 anos, ambas não somente pertencentes ao
bairro em que está localizada, mas também de bairros circunvizinhos. A escola possui
uma equipe administrativa composta por gestora, secretária, duas cozinheiras, duas
assistentes de serviços gerais e dois porteiros. Além da equipe pedagógica com uma
coordenadora pedagógica, onze professoras e cinco auxiliares de sala. O prédio tem um
estilo padrão do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos
para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), instituído pela
Resolução nº 6, de 24 de abril de 2007, tendo sido financiado pelo governo federal
através de parceria com o município.
Antes a escola funcionava em um prédio menor, com estrutura pouco adequada
para o favorecimento de atividades que se referenciam a educação infantil e está
presente a dezesseis anos na comunidade. Recebeu o nome em homenagem a uma
professora que muito contribuiu para a educação escolar de muitas crianças na cidade.
No prédio atual está funcionando há três anos. O projeto arquitetônico segue o padrão
elaborado nomeados de Tipo B, Tipo C, Tipo 1 e Tipo 2. Cada tipo descrito faz
referência a questões censitárias e classificação de vulnerabilidades sociais.
A escola de educação infantil aqui descrita se refere ao Tipo B, que é o maior
padrão do projeto. Dispõe de uma sala de Creche I, para crianças de 4 meses a 11
83

meses, tendo espaço para atividades, repouso e fraldário; duas salas de Creche II, que
atende a crianças de 1 a 2 anos, com espaço para atividades e repouso; duas salas de
Creche III, para crianças de 3 a 4 anos, também com espaço para atividades e repouso e
duas salas de Pré-Escola, destinada a crianças de 4 a 6 anos, com espaço para
atividades. Além das salas preparadas para as atividades, a escola dispõe de sanitários
apropriados para a estatura das crianças, sala multiuso com material que favorecem a
atividades lúdicas (tapetes emborrachados, livros variados, brinquedos) e TV, DVD e
equipamento de som. Junto a isso, a escola tem uma sala de informática que é utilizado
como depósito com material de papelaria, já que os computadores ainda não foram
disponibilizados (BRASIL, 2007).
O espaço de serviços da escola é composto de lavanderia, refeitório, cozinha,
despensa, lactário e sanitário/vestiário para funcionários. A área administrativa e
pedagógica da escola tem os espaços da secretaria e coordenação, sala da gestão, sala de
professores e sanitário para professores. No pátio externo da escola tem espaço de
anfiteatro, parque infantil, refeitório, solário e jardim (BRASIL, 2007).
Toda a estrutura da escola ligada ao projeto Proinfância segue um mesmo padrão
em todo o país, inclusive de cores e formatos estruturais. Sendo no projeto descrito a
consideração a tradição, as características de cada região em nível térmico e facilidades
de manutenção. Pode-se também pontuar que todas as salas dispõem de climatização e
aproveitamento de iluminação solar, que pode ser vista como de maneira positiva já que
estamos em uma região em que a maior parte do ano o clima é quente (BRASIL, 2007).
A escola é também o espaço de cuidado, inclusive nas questões estruturais para
um bem-estar de todos, em busca de processo educativo humanizado, com adequada
estrutura e uso dos diversos lugares para o bom favorecimento de aprendizagem e
desenvolvimento. Além da disposição dos recursos que propiciem a oportunidades de
diversidades nas escolhas das ações educativas por parte das professoras. Claro que o
espaço da escola não é neutro, já que mantém um jeito próprio pensado por uma
instância maior, habitando nela símbolos de representatividade de um modo de pensar a
educação infantil.

5.3.2 As professoras: quem nos fala?


84

O grupo em que a pesquisa-formação foi realizada corresponde a professoras da


Educação Infantil de uma escola da rede pública municipal, sendo um total de onze
profissionais. Dessas onze professoras, quatro delas são do quadro efetivo da secretaria
de educação municipal e as demais, sendo sete, são em regime de contratação
temporária. Além do grupo de professoras, a gestora e a coordenadora da escola
solicitaram participar dos encontros da pesquisa-formação, sendo conversado com o
grupo e aprovado as suas devidas inserções no processo. Todas foram convidadas de
maneira livre à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(APÊNDICE I).
Como critério de exclusão da pesquisa, pactuamos que as participantes que não
obtivessem assiduidade nos encontros, ou seja, as que faltassem dois encontros ou mais
seriam excluídas da pesquisa. Todas concordaram com o acordo para uma melhor
organização na proposta formativa.
De modo a melhor compreendermos o grupo de participantes, organizamos
tabelas que identificam fatores relacionados a idade, formação e tempo de experiência
profissional das participantes e contribuem para entender o fenômeno descrito em nossa
pesquisa. Importante lembrar que todas são mulheres, não sendo necessário estar
exposto nas tabelas. Acerca do elemento oportuno a se discutir sobre a feminilidade
total do grupo pesquisado, pode-se refletir conforme Freire (1997)4 que há aspectos
ideológicos quanto ao ser professora, diferentemente de “tia”, termo tão utilizado na
educação infantil como modo de tratamento das crianças para com as professoras,
ampliando para a mulher que contribui para o desenvolvimento educativo em tenra
idade. Enquanto que o termo “tia” traz um sentido de como mesmo diz Freire (1997)
uma verdadeira armadilha enquanto profissão. “Ser professora implica assumir uma
profissão enquanto não se é tia por profissão” (FREIRE, 1997, p. 9).
Além do papel de mães, esposas e filhas, através dos cuidados para com os
filhos, esposos e familiares, as mulheres descritas nessa pesquisa-formação, a exemplo
de muitas outras, tem o papel em sua profissão de cuidarem de outros, no caso das
crianças nas quais são docentes. O cuidado que exige atenção, sensibilidade e
especialmente formação. Ainda segundo Freire (1997) há por trás da nuance da

4
Freire (1997) desenvolveu uma crítica quanto ao modo de ver a mulher, enquanto profissional da
docência e da maneira como são tratadas, através da escrita do livro Professora sim, tia não: cartas a
quem gosta de ensinar.
85

docência feminilizada na educação, ampliamos para o aspecto da educação infantil, a


questão da docilização por parte de governantes quanto a mulher, enquanto professora,
afim de “amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas
fundamentais” (FREIRE, 1997, p. 18).
Outra autora que discute sobre a mulher por trás da professora é Fernández
(1994), que aprofunda acerca do conhecimento e da importância da dignificação desse
papel profissional, sendo necessário maior valorização e superação dos “mitos” sexistas
que coloca o ser feminino, ou seja, a professora, relacionada aos aspectos de cuidado na
educação infantil, como também em outras profissões ditas como femininas.
Nesse sentido, nossa pesquisa-formação vem também observar os aspectos de
identidade e dignidade que envolvem a classe profissional da docência. Assim também,
para perceberem o valor que tem, o seu papel social e a necessidade de trabalhar as
relações de autocuidado, cuidado com o outro e com o mundo, para melhor exercício no
magistério, que vão para além do afeto, mas uma posição crítica diante da realidade que
envolvem.
Para melhor compreensão de quem são essas professoras/participantes podemos
observar o aspecto referente a idade das participantes, cada participante escolheu como
se chamaria nessa pesquisa e estão identificadas pelos termos por elas designados:
Tabela 1. Idade das participantes da Pesquisa-Formação
Participantes Idade Quantidade
Afeto 20 a 29 anos 02

Carinho 30 a 39 anos 07
Criatividade
Determinada
Fortalecida
Guerreira
Simplicidade
Paciência
Alegria 40 a 49 anos 04
Amor
Humilde
Sorriso
Total: 13 participantes
86

Observa-se que os números maiores que se apresentam quanto à idade das


participantes estão entre 30 a 39 anos com 53% do total do grupo e a menor idade
apresentada foi de 20 a 29 anos com 15%.
No aspecto de formação acadêmica e escolaridade podemos observar:

Tabela 2. Formação/Escolaridade das participantes da Pesquisa-Formação


Participantes Formação Acadêmica Quantidade
Afeto Licenciatura em pedagogia 10
Amor
Carinho
Criatividade
Determinada
Fortalecida
Guerreira
Paciência
Simplicidade
Sorriso
Alegria Licenciatura em pedagogia e 02
Fé especialização na área
educacional
Humilde Licenciatura em outras áreas 01
Total: 13 participantes

Conforme a tabela 2, pode-se verificar que 69% do grupo de participantes tem


formação acadêmica em pedagogia, ou seja, relacionada a área de atuação em que estão
atualmente. Apenas 7% de participantes realizaram sua formação acadêmica em outras
áreas, sendo licenciatura em matemática. Por nossa pesquisa-formação delinear-se pelo
aspecto da formação continuada, numa perspectiva reflexiva de cuidado em educação,
conforme Nóvoa (1992) é importante conhecer a experiência dos professores,
realizando levantamento e refletindo os momentos dos seus percursos pessoais
profissionais.
Pensando no aspecto de formação acadêmica de professores, pode-se refletir
segundo Freire (2003) que a formação muitas vezes é vista para atender aos interesses
do mercado, envolvido do capitalismo neoliberal. Então, somente a formação acadêmica
não consegue nos indicar que exista consolidação da superação da “educação bancária”,
que fragmenta os saberes e impõe a maneira de vivenciar a prática como transmissão e
87

não como relação mútua em que todos aprendem. O cuidado envolve a formação, à
medida que como pontua Nóvoa (1992) o trabalho docente se faz na reflexão crítica
sobre as práticas de construção de suas identidades.
Longarezi e Silva (2008) nos expõe que formação docente se faz da construção
de um processo, em que acontece durante toda a trajetória do professor, dos primeiros
anos de vida até mesmo a preparação acadêmica. O professor, é, portanto, ele mesmo,
enquanto pessoa, em sua prática profissional, levando seus aspectos históricos, sociais,
ideológicos e singulares da sua essência existencial.
Outro dado que podemos trazer para análise é o tempo de experiência
profissional:
Tabela 3. Tempo de experiência profissional na área educacional das participantes
da Pesquisa-Formação
Participantes Tempo de experiência Quantidade
profissional na área
Guerreira 01 a 05 anos 05

Paciência
Alegria
Afeto
Criatividade 06 a 10 anos 03
Determinada
Fortalecida

Carinho 10 a 15 anos 02
Simplicidade
Amor 16 anos ou mais 03
Humilde
Sorriso
Total: 13 participantes

Quanto ao tempo de experiência profissional na área educacional, pode-se


observar na tabela 3 que o maior número relacionado de 01 a 05 anos foi de 38%,
enquanto que o menor valor foi o referente de 10 a 15 anos sendo de 15%. O tempo
relacionado a experiência profissional, vem ser um dado muito relevante a medida que
identificam o grupo de maneira diversificada, cada uma com sua história profissional,
com formação acadêmica singular e com práticas de ensino que apresentam como são
enquanto pessoas. Rogers (2002) nos indica que estamos em contínuo processo de
transformação e construção, nunca somos totalmente, mas vamos sendo. Dessa forma,
88

cada uma em sua particularidade está em processo, em movimento de mudança. Freire


(2001) mostra que estamos em mudança, que o ato de ensinar/aprender não é algo
determinado a ser vivenciado da mesma forma com todas as pessoas. O autor ainda fala
da “docência decente”, que deve envolver inclusive a afetividade, a relação, a ética e a
estética.
Bondía (2011) vem, pois, afirmar que experiência é o que se passa, que
acontece, que vai para além de mim, que é vivenciado pelo exterior, mas iniciado no
interior de cada um de nós. Os anos são uma representação do movimento vivido pelo
grupo quanto ao aspecto profissional, é um encontro com o acontecido. Ainda Bondía
(2011) pontua que a experiência é um território passageiro, mas que deixa uma marca
por toda a vida. Na experiência o “Ser” nunca sai da mesma forma, ele forma, se
deforma e constitui-se.

5.3.3 Encontros: em-com-as-outras

Os encontros foram realizados no espaço reservado a sala de professores da


escola em questão, sendo previamente agendados os dias para suas devidas realizações e
em horário de serviço das professoras. No primeiro encontro, o horário reservado pela
gestão da escola foi de duas horas referente ao dia do planejamento pedagógico. O
segundo encontro, aconteceu em horários de aula, sendo organizados previamente pela
equipe atividades e outras pessoas que pudessem substituir as professoras para
participarem da proposta formativa. O grupo foi subdividido em dois, garantindo o dia
letivo das crianças. Os demais encontros ocorreram na mesma organização. Somente o
último encontro teve a característica de encontro com os dois grupos, tendo a presença
também do professor orientador dessa pesquisa-formação.
Ao consultarmos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
(BRASIL, 1996), no art. 61° inciso I e II, podemos perceber que há a recomendação
quanto a formação dos profissionais docentes envolvendo a interrelação entre teoria e
prática, inclusive mediante a formação em serviço e aproveitando a formação e as
experiências vividas anteriormente. A pesquisa-formação com o grupo participante teve
a possibilidade de garantir que ocorressem em espaço e no tempo de trabalho, assim,
houve a abertura para valorizar a proposta como momento de formação continuada de
89

professoras em serviço, utilizando-se dos consensos para negociações das melhores


estratégias apontadas pelo coletivo grupal.
O horário e o ambiente disponível para realização da proposta formativa
contribuíram muito para o bom andamento dos encontros. O tempo vivenciado nos
encontros variaram entre uma hora e meia e duas horas. Como estamos inseridas em
meio ao semiárido brasileiro, que temos como clima seco e quente, com poucas
variações de temperatura, a sala disponibilizada para os encontros dispunha de
climatização e mobília adequada para que todas estivessem confortáveis ao longo do
encontro.
As professoras, tanto no início quanto no final dos encontros, expunham suas
motivações em estarem participando da pesquisa-formação, avaliando o processo de
maneira positiva. Mas observou-se que após a vivência do segundo encontro, as
professoras estiveram mais desejosas em continuarem a participar, já que
compreenderam a metodologia que estávamos utilizando e as contribuições que estavam
despertando em suas vidas e nas suas práticas.
No total foram realizados cinco encontros, em que três desses encontros
ocorreram subdivisão em dois grupos. Quanto à participação, em dois encontros
obtivemos a frequência de 95% e nos demais foram de 100%. As professoras que
estiveram ausentes nos encontros sempre destinavam alguém para exporem ao grupo os
motivos de sua ausência. Isso se mostra um elemento da importância que se deu ao
grupo por cada participante, do se preocupar em colocar a confiança e sinalizar o desejo
de estarem presentes nos próximos encontros.
Não houve qualquer desconforto de ordem a oferecer risco a integridade física
ou psíquica. Nenhuma das participantes comunicou a ocorrência de danos a elas
causados pela realização da pesquisa-formação. Ao contrário, as participantes
sinalizaram da grande contribuição no processo de formação continuada e ampliação
quanto a ideia de autocuidado, cuidado com o outro e com o mundo.

5.4 Dispositivos de colheita de informações

Como dispositivos de colheita de informações foram utilizados: 1) Diário de


observação direta no campo de pesquisa, para registrar elementos que contribuirão na
pesquisa; 2) Diários reflexivos escritos pelos participantes da pesquisa, permitindo
trazer a produção de sentidos das experiências vividas, a partir do cuidado, sendo
90

escritos quatro diários por cada participante e solicitados conforme as temáticas


trabalhadas nos encontros; 3) Entrevista coletiva, registrada em gravador digital,
realizada ao longo do desenvolvimento dos encontros. Cada encontro foi permeado de
diálogos na busca de refletir os sentidos quanto ao cuidado pelas professoras. E através
da fala, as participantes deixaram emergir suas compreensões das experiências vividas;
Sade et al (2013) expõe que entrevistar é intervir, sendo o procedimento metodológico
de “colheita de dados”, destacando mais a produção do que a representação. A
entrevista em torno de uma pesquisa que possibilita intervenção cultiva a realidade no
ato de conhecê-la. Esse cultivo pressupõe a dupla direção metodológica de acompanhar
a experiência dos sujeitos na situação de entrevista e cuidar dos efeitos do procedimento
de colheita de dados. A entrevista coletiva dá a possibilidade do descortinamento do
acesso a memórias e sentidos das vivências pessoas, fomentando novas perspectivas e a
coletivização das experiências. 4) Recursos gráficos como desenho livre, foram
utilizados para apresentar visualmente as ideias, que puderam expressar e introduzir a
fala quanto ao sentido de cuidado; 5) As técnicas grupais articularam as participantes ao
favorecimento de interação e produção da sua compreensão de cuidado e a do grupo e;
6) Os processos avaliativos foram desenvolvidos ao final de cada encontro, com o
intuito de perceber o andamento da pesquisa-formação, acompanhando pontos
significativos e possibilitando melhoria ao longo do processo.

É importante relembrar os objetivos específicos, nos quais o projeto de pesquisa


está baseado, enumerados por:
1º - Possibilitar momentos com as professoras para ação reflexiva e auto reflexiva
acerca das atitudes de cuidado consigo, com o outro e com o ambiente que se encontra;
2º - Refletir sobre o conceito de cuidado relacionado à perspectiva educacional;
3º - Identificar, nas reflexões das professoras, elementos quanto ao cuidado no que diz
respeito as atitudes consigo, com o outro e com ambiente que se encontra;
4º - Analisar os processos reflexivos que emergirem da experiência;
5º - Analisar como o sentido do cuidado influencia o fazer docente;

Quanto à relação entre os instrumentos e os objetivos, destaca-se que cada


encontro teve um planejamento próprio, assim houveram instrumentos utilizados em
91

alguns dos momentos relacionando-se consequentemente a um dos objetivos


específicos:
• O Diário de observação esteve interligado com todos os objetivos, já que ao
longo do processo foram colhidos elementos relevantes para análise.
• Os Diários reflexivos escritos pelas professoras, esteve em conformidade com
todos os objetivos, em que cada participante pode expressar através da escrita a
sua compreensão de cuidado, como também suas experiências.
• A entrevista coletiva ajudou no desenvolvimento de todos os objetivos, para
emergir a reflexão dos sentidos de cuidado, ao longo dos momentos, no processo
formativo.
• Os recursos gráficos (desenho livre e apresentação de imagens diversas) esteve
em consonância com os objetivos 1, 3 e 4, como meio de visualizar os sentidos
da experiência.
• As técnicas grupais foram desenvolvidas no objetivo 1, para mediação dos
diálogos.
• Os processos avaliativos tiveram conexão com os objetivos 1, 3 e 5, para
identificar e rever a pesquisa-formação como espaço de experimentação
reflexiva.

5.5 (Com)figurando informações

O projeto de pesquisa inicialmente foi submetido ao Comitê de Ética da


Universidade de Pernambuco, sendo devidamente aprovado e registrado com o CAAE
de nº 68415917.9.0000.5207, sob a Resolução 466/2012-CNS/CONEP. Tivemos o
consentimento da direção da escola onde foram coletados os dados, através da
assinatura da Carta de Anuência da responsável pela instituição. As participantes da
pesquisa foram informadas dos objetivos e procedimentos a serem utilizados, ambas
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), (APÊNDICE I),
atestando que desejavam participar da pesquisa e que estavam cientes dos objetivos e
procedimentos. Foram informadas de que era garantido o esclarecimento e resposta a
qualquer pergunta; a liberdade de abandonar a pesquisa a qualquer momento sem
prejuízo para si ou para seu tratamento; a garantia de que, caso houvesse algum dano a
92

sua pessoa, os prejuízos seriam assumidos pelos pesquisadores. Além de que os dados
individuais não seriam informados.
Na primeira etapa da colheita de informações, foi realizada a visita na escola,
sendo solicitada a autorização para realização de tal estudo. A representante legal da
escola assinou a Carta de Anuência e negociou-se um encontro prévio com o grupo de
professoras, para apresentar a proposta sobre cuidado em educação. Nessa etapa foram
registradas as observações.
Na apresentação da proposta com a participação das professoras da escola, foi
discutido sobre a pesquisa-formação de cunho fenomenológico-hermenêutico
“heideggeriano” que seria vivenciada. Apresentamos o cronograma de atividades da
pesquisa-formação e convidamos as professoras a voluntariamente contribuírem com a
pesquisa, tendo o grupo o número de onze professoras, considerando para a participação
a inserção de pelo menos quatro meses na escola. Todas as participantes assinaram o
TCLE e negociamos os dias, os horários e o espaço na escola para desenvolvimento das
atividades da pesquisa. Nesse momento, foi entregue o material composto de um
caderno e uma caneta, destinados a escrita dos diários reflexivos.
No terceiro momento, promovemos os encontros com as professoras, ou seja, a
proposta da formação propriamente dita. Cada encontro se realizou por um tempo de no
máximo duas horas e ocorrendo quinzenalmente. Os encontros tiveram como temas: 1º
encontro - Sentido de cuidado: ação reflexiva da capacidade de ser; 2º encontro - O
cuidado de si e do outro: emancipando-se para estar-no-mundo-com-os-outros; 3º
encontro - O cuidado com o ambiente: o resgate de nossa humanidade; 4º encontro - A
professora/educadora como cuidadora: o envolvimento do cuidar no fazer docente; 5º
encontro - O lugar do cuidado em educação: refletindo os processos transformadores na
formação. Os temas escolhidos vêm de inspiração das ideias articuladas por Boff (2009;
2013) em suas discussões quanto à ética do cuidado.
A partir do segundo encontro foi solicitado a cada participante trazer
previamente escrito o diário reflexivo que abordem acerca do cuidado consigo, com o
outro, com o ambiente, com o fazer docente e os processos transformadores vivenciados
a partir da experiência da pesquisa-formação. No decorrer dos encontros foram tomadas
notas das observações pertinentes para compreensão da produção de sentidos
desenvolvidas pelas participantes e gravados trechos dos diálogos vivenciados nas
oficinas.
93

Descrevemos então, nesse espaço o modo pensado para vivência dos encontros,
mas sofrendo alteração ao longo do processo, já que as avaliações apontavam para mais
caminhos a serem percorridos.
No primeiro encontro com o tema - Sentido de cuidado: ação reflexiva da
capacidade de ser – se iniciou com uma técnica de apresentação Eu sou...e você quem
é? em que o grupo se colocou em círculo e uma participante se posicionou no centro se
apresentando, falando um pouco de si e finalizando perguntando a outra participante: E
você quem é? Assim, a participante perguntada se colocou no centro do grupo
continuando a apresentação, até que a última participante se apresentasse. Introduziu-se
sobre o conceito de cuidado e as participantes foram convidadas a livremente
desenharem algo que remetessem a temática. Após, cada pessoa apresentou o seu
desenho falando de seus significados e seu pensamento acerca de cuidado.
Apresentamos brevemente o sentido de cuidado a partir da visão de Heidegger
(2005) e sendo aberta uma discussão acerca das impressões dessa possibilidade de
percepção quanto ao ser-no-mundo, segundo o autor. Para tanto, preparamos
previamente folder, sendo descrito os principais pontos que seriam elevados na reflexão
sobre o que o autor nos indicava quanto ao cuidado (APÊNDICE IV). Importante
enfatizar que os roteiros dos encontros e os folders foram inseridos na produção do
material Cuidado em Educação: guia de formação e reflexão para educadores. Por fim,
foi solicitado que cada participante trouxesse para o próximo encontro o seu diário
reflexivo em que relate alguma experiência de cuidado de si e do outro, permitindo vir à
tona as impressões, sentimentos e ações desse momento. Para avaliar a oficina, cada
participante pode expressar em uma palavra o que foi vivido na experiência. Na
avaliação sinalizaram que gostariam de saber mais como esses teóricos trazidos na
pesquisa-formação poderiam contribuir em suas práticas. Refletimos e pensamos nos
próximos encontros.
O segundo encontro com a temática - O cuidado de si e do outro: emancipando-
se para estar-no-mundo-com-os-outros – iniciamos com a dinâmica Amor e Vida
(APÊNDICE II), em que o grupo se dividiu em duplas, em que uma seria o amor e a
outra vida. Através de alguns dispositivos de frases as participantes podiam trocar
cuidados da maneira como desejassem ou sabiam.
Foi aberto diálogo quanto as ressonâncias da dinâmica e logo após a escrita do
diário reflexivo sobre o cuidado consigo e com o outro nas experiências de vida. Como
94

no primeiro encontro, por conta da garantia do dia letivo, o grupo foi subdividido em
dois, ocorrendo um pela manhã e outro pela tarde. O primeiro grupo teve a participação
de seis participantes e o da tarde de cinco. Desse modo, o diálogo aconteceu diante do
grupo presente, não tendo a necessidade de subdividir em pequenos grupos como o
pensado inicialmente. Foram lidos os diários reflexivos, de maneira livre sobre cuidado
de si e do outro, tendo abertura para complementação da fala a partir da escrita e de
contribuições do grupo.
O teórico que elaboramos o folder (APÊNDICE IV) desse segundo encontro foi
Carl Rogers, que trabalha com o conceito de tendência atualizante, de modo que cada
pessoa tem condições de atualizar as suas capacidades e pontencialidades. Como
solicitado pelo grupo, um dos pontos trazidos foi o aspecto do pensamento de Rogers na
educação, como sendo o ser um todo integrado, estando sempre em processo de auto-
avaliação (ROGERS, 2002).
Em conjunto, cada participante avaliou o encontro com uma palavra sobre o
momento experimentado, sendo escritas e explanadas os seus significados. Para o
encontro posterior, cada participante foi convidada a escrever e trazer para a partilha no
grupo, uma experiência sobre cuidado com ambiente que se encontra, a sua maneira de
habitar e sentir nos sinais cotidianos vividos por cada uma. Como texto norteador para
essa prática entregamos A fábula do Cuidado, para uma imersão do processo reflexivo
da escrita (ANEXO) (BOFF, 2013).
No terceiro encontro - O cuidado com o ambiente: o resgate de nossa
humanidade – iniciamos com a dinâmica Os humanus cuidando da Humanidade,
(APÊNDICE III) em que cada participante recebeu um cartão com uma cor e
vivenciado aspectos de cuidado diferente ao grupo, sendo: olhar, aperto de mão,
palavras de ânimo, carinho no rosto e abraço. Após a avaliação desse primeiro
momento, as participantes foram convidadas a leitura dos diários reflexivos solicitados
no encontro anterior sobre o cuidado com o ambiente que se encontra e observaram os
pontos em comuns, complementando a fala umas das outras.
Brevemente foram discutidos pontos que valorizassem o cuidado com o
ambiente, bastante difundido por Boff (2009; 2013; 2015), através da entrega do folder
previamente preparado (APÊNDICE IV). O encontro assim foi avaliado, através da
escolha de uma imagem impressa apresentando flores variadas da caatinga, em
consonância com a abertura com a estação do ano, a primavera. Ao escolherem a
95

imagem, as participantes deveriam verbalizar como avaliavam o encontro e qual a


pessoa que mais a sensibilizou na leitura e explanação dos diários reflexivos. Foi feito o
convite as participantes para dar continuidade ao diário reflexivo, escrevendo algum
momento em que como professora sentiu-se cuidadora em suas práticas educativas junto
aos alunos.
O quarto encontro - A professora/educadora como cuidadora: o envolvimento
do cuidar nas práticas educativas – iniciou-se com uma breve vivência de escuta do
corpo através de exercícios de alongamento e respiração. Após esse momento se fez
uma breve avaliação da vivência e de como se sentiam após sua realização.
Os grupos foram estimulados a utilizarem do material disponível: papel, lápis de
cor, giz de cera e canetas para que cada uma inicialmente desenhassem uma de suas
mãos na folha de papel. Depois que escrevessem no espaço referente a palma da mão,
algo que goste na experiência de docência. No espaço do desenho fora da mão, foi
sugerido de colocar algo que não gosta no exercício docente. Na parte referente ao pulso
os sentimentos referentes a profissão atualmente e entre os dedos palavras que
representem seu percurso docente. Depois dessa atividade, a produção nãos seria mais
individual e sim grupal. Cada participante teria que passar a folha em sentido horário, ao
receber cada folha as participantes eram convocadas a complementar a produção,
colocando ideias e frases que considerassem pertinentes.
Ao retorno da folha com os complementos, cada participante contemplaria
através de um breve silêncio a produção feita por si mesma e pelo grupo. Após,
espontaneamente iriam através da fala colocando suas ideias e suas experiências acerca
do que fora construído e pontos trabalhados no diário reflexivo sobre suas ações
enquanto professora/cuidadora. Como também o grupo poderia complementar ou
perguntar algo relacionado a fala da participante.
Foi entregue nesse encontro o folder referente ao quarto teórico (APÊNDICE
IV), Paulo Freire pensando numa educação humanística na educação infantil e tendo
uma visão integral, para o ser que se constitui através de suas relações com o meio que
está. Assim, também como maneiras de melhorar as práticas cotidianas, escutando a
realidade que nos é apresentada.
Para avaliar o encontro as participantes seriam convidadas a perceber como fora
o processo vivido mediante esse encontro. Para o encontro seguinte, cada participante
96

foi estimulada a escrever sobre a experiência vivida através de suas participações com a
pesquisa-formação.
No quinto encontro - O lugar do cuidado em educação: refletindo os processos
transformadores na formação – o encontro esteve planejado para a vivência das leituras
dos diários reflexivos de cada participante acerca das transformações sentidas ao longo
da pesquisa-formação. Após a leitura, cada participante ainda expõe sobre como foi
escrever o diário relatando a experiência e as demais poderiam complementar as falas.
Ainda foram discutidos com o grupo alguns elementos, dos recursos gráficos,
das técnicas grupais e das falas trazidas pelas vivências, sendo planejado um momento
para análise das informações conjuntamente em que envolver a todas para o consenso
dos elementos que apareceram na pesquisa-formação previamente expostos.

5.6 Plano de Descrição e Análise das Informações


A pesquisa realizada teve como centralidade os sentidos quanto ao cuidado em
suas dimensões: autocuidado, cuidado com o outro, o ambiente que se encontra e com o
fazer docente. Visualizando também os processos transformadores ao longo do processo
de reflexão. Os dados colhidos através da escrita do diário de observação direta em
campo, dos diários reflexivos das participantes, das transcrições dos momentos
coletivos, das técnicas e materiais produzidos, das avaliações dos encontros, foram
organizados, para análise e interpretação segundo a Analítica do Sentido, proposta de
compreensão do real desenvolvida por Critelli (1996), no qual se baseia na perspectiva
hermenêutica de Heidegger.
O método de Analítica do Sentido, desenvolvida na via da fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana” vem, pois, refletir o modo do humano se perceber como
ser-no-mundo, emergindo os significados, compreendendo o sentido do fenômeno e
ocorrendo na cotidianidade do ser. Critelli (1996) ainda mostra que a compreensão do
ser vive um eterno movimento do vir-a-ser, estando em constante mudança, mas abrindo
o espaço para a significação das escolhas feitas mediante a existência.
Com todo o material colhido e da situação hermenêutica estabelecida, buscamos
chegar às temáticas de sentido junto ao grupo, já que foi agendado um momento para
discussão dos resultados e análises, sendo uma proposta de investigação e participação
da pesquisa-formação, também na análise das informações. As temáticas se referiram
aos sentidos dados pelas participantes às suas experiências, quanto à percepção do
97

cuidado, as implicações do autocuidado, cuidado com o outro, com o ambiente que se


encontra, com o fazer docente e os processos transformadores quanto ao cuidado nas
diversas dimensões, a partir da pesquisa-formação. A partir de várias leituras do
material coletado e as temáticas de sentido que se clarificou, foram reunidos os temas
que se relacionavam, desvelando o fenômeno pesquisado, ampliando assim a
compreensão do mundo vivido das professoras quanto ao cuidado (CRITELLI, 1996).
Os áudios das entrevistas coletivas foram ouvidos e sendo transcritos os trechos
que mais consideramos relevante, que emergiam os sentidos da experiência das
participantes acerca do cuidado. Os trechos das entrevistas coletivas vinham imbricadas
da história de vida das participantes, como sinaliza Bondía (2002) quando narramos
nossa história damos sentido a nossa experiência, construindo representações de si
mesmo, consequentemente reinventando-se.
Assim, os áudios foram escutados pelo menos duas vezes para perceber as
narrativas para compreender a história que cada participante trazia ao grupo e a relação
com o que acontecia no movimento de reflexão. Os recursos gráficos foram observados
ao longo de alguns dias, para perceber o que mesmo nos falavam sobre os sentidos de
cuidado consigo, com o outro e com o mundo. Os diários reflexivos foram escaneados
para serem devolvidas as participantes, na análise das informações foram lidos e relidos
a cada vez que os áudios eram ouvidos, como também observados as organizações
realizadas pelas participantes, já que continham colagens, frases de autores que
gostavam, cores e formas diversificadas.
Ao escutarmos os áudios podíamos perceber o que mais o grupo sinalizava de
compreensão do vivido, desse modo organizamos cada encontro atribuindo as unidades
de sentido e inter-relacionando o discursos das entrevistas, os diários reflexivos, o diário
de observação, os recursos gráficos e os processos avaliativos. Ao longo da organização
das unidades de sentido fomos relacionando com os aspectos teóricos que nortearam
nossa pesquisa, além de permitir que o próprio grupo pudesse dizer e interpretar as suas
relações sobre o cuidado.
Essa etapa de nossa pesquisa-formação foi vivenciada com tranquilidade,
percebendo o tempo reflexivo e não o cronológico. Já que para Heidegger (2005) o
tempo é a marca fundamental da compreensão do sentido e a própria compreensão de
ser humano. Observamos com isso, que os sentidos não se clarificavam de maneira
linear, mas que necessitavam de que fosse um momento que exigia um pouco mais de
98

nosso esforço no sentido de não ver o correto, mas o que realmente aparecia e poder
fazer desse aparecimento um acontecimento do “Ser”.
O tempo no desenrolar desse momento de análise das informações também foi um
fator de angústia, já que o pesquisador na perspectiva que desenvolvemos busca
encaminhar o desvelamento pela autenticidade, pelas observações da provocação dada
ao “Ser” de cada participante, acessando também as possibilidades desse refazer sendo-
com-os-outros (HEIDEGGER, 2005).
Desenvolvemos uma pesquisa-formação de cunho fenomenológico hermenêutico
“heideggeriano”, assim atribuímos também ao grupo participante a possibilidade de
revisar, interpretar e reinterpretar as unidades de sentido encontradas. Até mesmo para
discordar das interpretações observadas, deixando emergir o que a experiência elevou.
Buscamos dar transparência aos elementos que íamos compreendendo dos sentidos
quanto ao cuidado pelas participantes. Ao vivenciarmos o encontro de consenso para
validação dos sentidos emergidos da experiência, pode-se perceber a relação dialética
entre reinventar-se e ressignificar a sua experiência, tornando-se uma pesquisa fértil de
sentidos.
Foram posteriormente produzidos os sentidos da experiência na formação das
professoras quanto ao cuidado na vivência de si e do outro, e consequentemente em seu
fazer docente à luz da fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana”. A
interpretação/compreensão é, assim, colocada como um processo de produção de
sentidos que perpassam a pesquisa ao longo de sua realização.
99

Em- com-o-outro - Encontro

O encontro vem envolvido sempre de uma ansiedade anterior a sua realização.


Sempre surgem as perguntas: O que irá acontecer? Como irei agir? O que as pessoas
vão pensar de mim?
Mas que como uma borboleta que vai se preparando para sair do casulo para o seu
primeiro voo, tudo ocorre no tempo e na espera de viver um processo.
O voo inicialmente é anunciado por um grito de vida e que mesmo que seja
amedrontador nunca saberei se é bom voar se não alçar voos.
No encontro ocorre o mesmo, eu me anuncio, me experiencio, me sinto e permito que o
outro adentre as minhas fronteiras.
E que mesmo que tenho medo de me revelar, ao escutar vou me compreendendo para o
que em mim é tecido, cada fio de vida, cada emaranhado e cada teia do pulsar de existir.
No encontro eu me faço e me refaço, me transformo e deixo-me modelar.
É inesperado, é inevitável, é incontrolável, porque quando sinto já me mostrei.
E quando sou aceita, me envolvo e me coloco no lugar do outro.
Consigo ver com os seus olhos e ajudo a ampliar a visão para ir mais um pouco além.
Existir no encontro é uma verdadeira arte,
Que move, que desenterra o que sou, que me leva a enlamear-me de mim.
Nada sou sem os poderes dos encontros.
Eles me fazem sussurrar a condição de minha humanidade,
De me escutar, para escutar o outro.
De me envolver, para me envolver com o outro.
De ser eu mesma, me mudando para observar a mudança também no outro.
Encontro me diz em – com – o – outro, me fazer com o outro, nem que seja com muitos
outros que crio e que me indicam o em – comigo, estar comigo no voo mais pleno de
gratidão pelo entender quem sou.

15 de setembro de 2017.
100

6 TRAVESSIAS RESSOANTES NA PESQUISA-FORMAÇÃO DE


PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA HERMENÊUTICA
“HEIDEGGERIANA”.

Todo caminho percorrido começa com o primeiro passo e cada passo exige
ainda mais abertura para conhecer, compreender e ser. Ressaltamos que a pesquisa-
formação numa perspectiva fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”, aqui
descrita, vivencia uma travessia de experimentação. Nenhum grupo antes vivenciou o
método em que desenvolvemos tendo a pesquisa-formação interligada a fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana”.
Conforme isso, recordamos como Bondía (2002) em que traz o aspecto de
travessia, como sendo o percorrido, o lugar de passagem de atravessamento que não tem
volta, não há possibilidades de voltar atrás, mas ir até o fim, no limite. A experiência
propicia ao ser o fascínio de atravessar lugares desconhecidos, um tanto perigosos, mas
carregado de existência pulsante de vida. Envolvemo-nos em uma viagem que não tinha
retorno, somente ida à busca de compreender os sentidos da experiência quanto ao
cuidado de professoras da educação infantil.
Em dados momentos, como em muitas viagens estivemos em perigos, em como
proceder num determinado sinal dado pelo grupo. Mas como expõe Heidegger (2005), a
experiência demanda abertura, receptividade e desejo do alcance de algo que acontece e
que se apodera de nós para sermos-no-mundo. Fomos tombados pela experiência, pelas
travessias, pelos perigos, incômodos e tudo o mais que essa viagem pôde nos
proporcionar. Mas saímos transformados, pelas feridas, pelas cicatrizes, pela doçura e
sensibilidade dessas mulheres, mães, filhas, amigas, professoras e por nós chamadas
também de participantes. Deixamos nos abordar por inúmeras questões, mas vivendo o
transcurso do tempo da evolução através da prática da escuta sensível, que há uns deve
ter trazido incômodos, mas que a outros foram momentos de deleite sobre seu olhar de
cuidado.
Conforme Bondía (2017), o sujeito da experiência nas palavras de Heidegger é
alguém alcançado, tombado e derrubado. Isso nos diz que a pesquisa-formação nos
levou a compreender que o chão da escola que pisamos não nos moveu a estar sempre
em pé, eretos, seguros, mas nos levou a perceber que ao traçar os objetivos temos que
ter clareza naquilo que queremos e do modo como dimensionamos a experiência.
Assim, as nossas experiências vividas na pesquisa-formação nos mostraram que
101

padecemos um pouco, mas que nos tornamos fortes diante de um cenário formativo
educacional apático, determinante e o que ora era inatingível, se tornou emancipação em
cada participante que vivenciou esse caminho de pesquisa. Construíram-se juntos a
capacidade de formação e de transformação.
No presente espaço, articularemos os resultados e discussões de nossa pesquisa-
formação de cunho fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”, num esforço de se
arriscar a refletir e compreender as significações sobre os sentidos da experiência de
professoras da educação infantil acerca do autocuidado, cuidado com o outro, com o
mundo e com o seu fazer docente. Digamos se arriscar, pois aqui tratamos de
existências, descobrindo a potencialidade do tripé entre reflexão-ação-reflexão
(FREIRE, 1997).
Serão, então, discutidas as temáticas que envolveram os encontros da pesquisa-
formação, ocorridas entre os meses de setembro e outubro de 2017, e o consenso
realizado em maio de 2018, com as participantes do grupo. No consenso foi sugerido
que cada uma teria a possibilidade de escolher o nome que gostaria de ser chamada no
escrito e que fossem referentes ao seu modo de cuidar. As participantes escolheram
como nomes: Afeto, Alegria, Amor, Carinho, Criatividade, Determinada, Fé,
Fortalecida, Guerreira, Humilde, Paciência, Simplicidade e Sorriso. Foi uma escolha
para algumas fáceis, já para outras precisou de alguns segundos de reflexão, já que
perceberam que as palavras escolhidas falavam um pouco delas, e um fator interessante
é que realmente o termo que decidiram ser chamadas tratava de traços de suas
personalidades e no qual se colocam como ser-no-mundo.
Recordando que, no primeiro encontro, onze participantes se envolveram no
processo, posteriormente a coordenadora e gestora da escola pediram para participar,
sendo aprovadas as suas inserções no grupo. É de suma ressaltar que uma pesquisa
como essa, não tem a pretensão de esgotamento do fenômeno investigado, que no nosso
caso são os sentidos atribuídos por professoras sobre cuidado, mas por meio da
conversa, a intenção de ampliação da visão de mundo e das experiências, redescobrindo
o lugar, compreendendo e se inquietando com tudo o que é possível de dar abertura.
Os desvelamentos que podemos especificar nessa discussão, partem dos
encontros realizados, ocorrendo no espaço de uma sala reservada na escola, em horário
de serviço, em que a gestão e coordenação organizaram a equipe para suas vivências. As
entrevistas foram escutadas duas vezes, sendo transcritos os trechos que consideramos
102

mais relevantes e que anunciaram o desvelamento dos sentidos acerca do cuidado, assim
ocorrendo para melhor análise das informações. Tivemos como instrumentos de colheita
de informações: o diário de observações, os recursos gráficos, as técnicas grupais e os
processos avaliativos, utilizamos dessas ferramentas para traçar as compreensões,
realizando o processo de bricolagem.
Como discute Macedo (2009), a bricolagem na pesquisa qualitativa é o
movimento do pesquisador em olhar para o corpus de informações colhidas e
impulsionar-se para a competência de torná-las inteligíveis e fecundas de interpretação.
Exigindo do pesquisador uma compreensão da sua pesquisa, da reflexão que ela
proporciona e viver as incertezas do imprevisto, sabendo como lidar com as situações e
buscando saídas para dar o esplendor do fenômeno interpretado.
Organizamos para melhor descrição de nossos resultados acerca desse primeiro
encontro, seis pontos em que cada um relaciona-se as temáticas experimentadas em
cada encontro e que nos dão a visualização de como se deu o desvelamento do
fenômeno relacionado ao cuidado em educação, por meio da proposta formativa. Em
cada ponto de discussão por meio do tempo reflexivo, pudemos compreender as
unidades de sentido apresentadas pelas participantes em cada momento e pelas
participações dos materiais que foram instrumentos para emergir os sentidos quanto ao
cuidado em educação.
Há uma compreensão de que o cuidado emergidos dos sentidos dados pelas
participantes da pesquisa-formação se dá pelo modo-de-ser de cada uma em sua
realidade sócio-histórica. Sinalizamos que os discursos estão organizados a partir da
sequência temporal ocorrida em cada encontro, somente os diários reflexivos e os
processos avaliativos estão organizados a partir das unidades de sentido. Para o leitor,
tal organização dá uma compreensão do surgimento das falas emergidas no chão da
escuta sensível.

6.1 Sentido de cuidado: ação reflexiva da capacidade de “Ser”

No início de tudo sempre há uma preparação e para bem vivenciarmos a


experiência da pesquisa-formação nos preparamos e a escola também se preparou, como
mesmo a palavra nos anuncia há um preparar-se para agir. Quem pesquisa e quem
participa do processo se prepara para entender o que há de novo na destinada pesquisa-
103

formação. Houve uma preparação de todas as maneiras, a escola através dos seus
envolvidos abriu suas portas para experimentar um jeito diferente de formação, em que
cada “Ser” se faz participante no processo da reflexão e ação em volta de uma palavra
que muito se faz pertinente: o cuidado. (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008;
PERRELLI, 2013; HEIDEGGER, 2005).
Compreender o cuidado exige uma preparação formativa, inicialmente de quem
busca entender os sentidos atribuídos por professoras da educação infantil, área que
tanto se discute a interligação entre cuidar e educar. Sendo, pois, envolvida nas ações
pedagógicas do fazer profissional, através da atenção dada as crianças que delas se
colocam como responsáveis ao longo de horas semanais, numa convivência contínua e
que propicia o acompanhamento e a estimulação nos aspectos do desenvolvimento de
modo integral, desde as afetivas até mesmo os aspectos biológicos.
O desejo inicial foi compreender, mas acabamos também indo pelo aspecto da
contribuição da abertura de consciência nas ações que envolvem o cuidado. Em nossa
pesquisa-formação, a relação entre sujeito-sujeito foi muito mais do que dar e receber,
foi vivenciar trocas, vínculos e ações criativas mediante o fazer e “Ser” cotidianamente
como próprio cuidado (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELLI, 2013;
HEIDEGGER, 2005).
O primeiro elemento que impactou a pesquisa-formação para as professoras
inicialmente convidadas a participarem do processo foi a palavra formação. Formação
pontuada por elas como algo a mais a se fazer, uma coisa a mais a se comprometer e
uma “tarefa de casa” para ser feita em meio a tantas atividades do seu exercício docente
na educação infantil. Muitos pontos vieram à tona em torno dessa palavra, que carrega
em si, algo tão profundo, como o que Gadamer (2002) expõe quando traz o termo
alemão bildung para relacionar com a formação como sendo a busca do “Ser” em suas
ações que potencializam a si mesmo, “a maneira humana de aperfeiçoar suas aptidões e
faculdades” (GADAMER, 2002, p. 16).
Gadamer (2002) ainda relaciona a bildung como uma tarefa consigo mesmo, que
cada “Ser” deve se empenhar com sensibilidade no aperfeiçoamento da sua percepção
de aprendizagem. Ao adquirirmos as habilidades não somente devemos assimilá-las,
mas vincular a essência existencial. A bildung não é o dever “Ser”, mas o que repousa
da própria autoconsciência da essência em suas atividades cotidianas: de relações, de
trabalho e de aprimoramento de si mesmo.
104

Podemos então, refletir sobre os processos formativos nas redes públicas, em


nossa realidade, a municipal. Como andam os processos de formação dos professores da
educação infantil? Será que realmente os professores se sentem participantes do
processo formativo? Segundo dados consultados da secretaria de educação do município
de Juazeiro-BA5, a cidade dispõe de uma Escola de Formação de Educadores de
Juazeiro da Rede Municipal de Ensino – EFEJ, sendo pertencentes a esse órgão a equipe
que desenvolve as formações destinadas aos profissionais da educação, atualmente
sendo composta de professoras em exercício e acompanhadas pela equipe da secretaria
de educação deliberados para formação.
Através desse primeiro momento, discutindo sobre formação com o grupo da
pesquisa, vimos que as professoras percebem os espaços formativos como um lugar
esgotante, sendo mais um dia na semana a estar em serviço, seguindo um padrão
coordenado pela equipe de formação e propiciando poucos espaços para a reflexão e
autocuidado, no intuito de estarem bem no cuidado com as crianças, com quem
convivem.
Tais indagações partiram antes mesmo da apresentação do grupo. Mas
interligando a discussão, solicitamos que de maneira livre, sem necessariamente dar
elementos que norteassem, cada uma do seu jeito se apresentasse. Ao longo da
apresentação, percebemos que as professoras falavam além de características próprias,
traziam o aspecto profissional, em especial sobre a docência na educação infantil e se
referindo ao tempo de experiência, ao gostar ou não de ser professora, a relação com as
crianças e os aspectos de formação acadêmica. Segundo Heidegger (2005) o Dasein tem
uma interpretação diversificada de si mesmo, uma vez que há o pertencimento do que
formou ou deformou o seu modo de “Ser”. Dessa maneira, compreendemos que o
processo de identidade das professoras em questão, está tão envolvida no fazer
profissional que não há uma separação do que se é para o que faz, os dois se tornam um
só.
O Dasein para Heidegger (2005) busca se compreender a partir de outros que se
relacionam e se comportam em essência, por meio do mundo que se presentifica. O ser-
aí se mostra a partir de si mesmo e a sua maneira de habitar o mundo em contato com
suas significações. Cada ser-aí enquanto ser-no-mundo vai construindo um caminho no

5
http://efej2013.blogspot.com.br e http://www.juazeiro.ba.gov.br/www6/secretaria-de-educacao/
105

processo de criação e recriação de si mesmo. Diante desse caminho, o ser-no-mundo


habita num tempo, onde o Dasein se identifica com o caminho já trilhado e abrindo-se
para possibilidades de passos a serem reformulados no presente de sua ação.
Mas Heidegger (2005) nos indica que o Dasein da mesma maneira que busca
compreender a si mesmo, ele foge de si, sendo um movimento de ir e vir diante de sua
autenticidade. O que muito se apresentou diante dessa experiência, foi o temor ao
acesso a si mesmo e utilizando dos elementos do estar no mundo junto-às-coisas. Sendo
compreensível, já que era o primeiro despertar para a questão de entender-se como ser-
aí, presente no mundo do poder-ser professora de educação infantil.
A pergunta disparadora desse encontro foi O que é cuidado? Solicitamos que as
professoras desenhassem algo que remetesse a sua ideia de cuidado. Após um breve
instante de produção, as participantes expuseram suas ideias quanto a sua compreensão
de cuidado, e faremos a exposição das quatro unidades de sentido emergidas desse
primeiro encontro através dos desenhos, da vivência e de seus relatos orais, sendo:
relação com o outro, bem estar, família e escola e cuidado como algo subjetivo.
Para tanto, realizaremos uma discussão acerca dos desenhos ao longo das
unidades de sentido produzidos nesse encontro e que ora o apresentamos:
106

Imagem 1. Desenhos das participantes quanto ao sentido de cuidado.


107
108

Fonte: Sousa e Ribeiro, 2017.


109

Relação com o outro

Nesse encontro, a maioria das participantes expôs de maneira breve a sua


compreensão de cuidado, mas conseguindo nos apresentar por meio dos seus desenhos e
suas falas os seus sentidos de cuidado. Em suas falas expuseram o significado e
percebemos que os filhos estão como prioridade no cuidar, antes mesmo de olharem
para si. O cuidado no viés “heideggeriano” indica o sentido fundante da vida, cada
participante que ali expôs quanto a prioridade do cuidado com seus filhos, demonstrou o
sentido que tem as suas vidas a partir da geração de filhos (HEIDEGGER, 2005).
O cuidado que se mostra como sentido na relação com os filhos e conforme Boff
(2013) o nó de relações está ativo e se construindo constantemente. Na observância do
cuidado com seus filhos, as mães constantemente afirmam do esquecimento de si
mesmas. O vínculo que ali existe é tão pleno de significância que é até nomeado de
incondicional.
Heidegger (2005, p. 32) pontua que “ser está naquilo que é e como é, na realidade,
no ser simplesmente dado (Vorhandenheit) no teor e recurso, no valor e validade, na
pre-sença, no ‘há’”. Tais palavras corroboram com a condição de escolha quanto ao
aspecto de cuidado com os filhos, o valor que dão a tal aspecto. Conforme isso, os
desenhos apresentam elementos voltados a sentimentos, sendo observado a composição
de coração, sorrisos, como também lágrimas. Desse modo, a singularidade da vivência
do tempo de cada uma, de modo único, pensante e agindo em sua realidade, refere-se a
preocupação por estar bem e ver os outros bem.
Para Heidegger (2005) não há “Ser” sem mundo, o “Ser” não consegue se
estruturar sem o mundo. Sendo assim, as mulheres dessa pesquisa-formação podem ser
vistas como constituídas na relação com o outro, estando no mundo familiar,
profissional e social. O mundo no pensar de Heidegger (2005) é compartilhado com os
outros e tais participantes carregam assim um papel social de responsabilização para
com seus filhos, muito mais do que a elas mesmas.
Nos desenhos de Paciência e Sorriso, percebe-se a representação da casa,
habitada por outras pessoas. Casa carrega um sentido afetivo na questão de relações,
vínculos, lugar de lembranças, que se entranha dos detalhes, do cheiro, dos sabores que
evoca esse espaço. A casa nesses desenhos podem nos indicar conforme Heidegger
(2005) as possibilidades de “Ser”, na sua intimidade, carregando essência na maneira
110

como é construída e habitada. Compreendemos que o cuidado é também espacial, que


pelo lugar exterior se interliga o interior. A casa é o lugar que nos demoramos,
chegando dentro de nós. Não tratamos aqui do aspecto somente estético que poderá
significar para cada pessoa a questão da sua casa, mas os sentidos que as paredes
carregam no seu modo-de-ser habitando-a.
Cuidar assim como habitar uma casa é uma longa experiência e exercício
constante, é mostrar como ser-no-mundo, onde o “Ser” se refugia e se protege não
somente do meio em seu sentido literal, mas das angústias que envolvem seu cotidiano.
Mediante isso, percebemos uma sequência quanto ao cuidado, inicialmente com os
filhos, depois com o lugar de habitação, o lar e o espaço da intimidade familiar.
Para bem habitar esse lar, as participantes mostram que deve-se haver alguns
elementos essenciais para a harmonização desse e de outros lugares, como a escola em
que trabalham, considerando-os como lugares de cuidado. O primeiro ponto que se
descortina é o fator relacionado a união e depois a relação. União está imbricada na
relação, assim nos voltamos a compreender que na relação com o outro a sintonia se
envolve também num lugar, apresentados pelas participantes os espaços da natureza.
Além de que pela relação esse lugar também de algum modo vivencia a mudança junto
com os seres que nele habita.
Para Boff (2005) o lugar da convivência, e ampliamos não somente para a casa
que habitamos, mas também para os espaços profissionais que ocupamos, carregam e se
envolvem de algumas dimensões. Inicialmente a sensibilidade, já que por meio disso
haverá o intermédio de ida ao encontro com o outro, até de perceber quando socorrê-lo e
de que maneira ajudá-lo. Outra dimensão é a com-paixão, sendo a capacidade de se
autocuidar, mas também de dispor-se a bem estar com o outro, na alegria e nas
dificuldades, sintonizando com a mesma paixão vivida junto ao outro.
Boff (2005) ainda indica a acolhida, sendo o desenrolar da sensibilidade e da
compaixão, visto por pequenos e grandes gestos ao outro que chega e aquele que ali
está, tornando o ambiente afetuoso e desejoso de ser habitado. Ainda o autor indica que
a convivência deve ser carregada de hospitalidade, desde o dar de comer, beber, até
oferecer a própria cama. O oferecer a própria cama ao nosso entender, é também deixar
que o outro repouse em nível de confiança, já que a relação com o outro se constrói no
tempo e nas ações de produções de harmonia, capaz de transformar a realidade,
florescendo e frutificando uma comunidade de vida, representadas pelas flores e frutos
111

em dois desenhos das participantes Paciência e Sorriso. Um questionamento que


podemos nos fazer para próximos estudos é: O que floresce ou frutifica a partir da
relação com o outro?
Uma das participantes sintetiza em suas palavras o que pontuamos na unidade de
sentido como relação com o outro, assim nos falou: “Cuidado é amor... é princípio do
amor. Quando você cuida e ama, você se importa com o outro.” (CARINHO). Partimos
da dimensão do cuidado que não é visto somente a si mesmo, mas especialmente ao
outro, no processo de doação, sensibilidade e ações concretas em seus cotidianos. Com
isso, a unidade de sentido que segue dá continuidade a essa, explicitando que cuidar é
sentir-se bem, acompanhemos o desenrolar das ideias emergidas.

Bem-estar
Heidegger (2005) nos mostra que o homem em sua essência se volta para
responder potencialmente o que o mundo o questiona. Cada comportamento seu não
pode ter significado sem estar envolvido numa realidade concreta. Ainda Heidegger
(2005), nos indica que o Dasein tem a liberdade de abrir a sua “clareira do ser”,
manifestando em seu cotidiano o entendimento ontológico de ser-cuidado.
A participante Fé apresentando seu desenho nos fala:

Vejo que você tem que cuidar primeiro do funcionário para depois cuidar do
aluno. [...] Não posso dizer que todo mundo tem cuidado. Porque nem todas
as pessoas a gente confia. Se eu trabalho aqui, eu sei que posso tirar dúvidas
com algumas pessoas... Eu coloquei aqui uma parte que representa a equipe,
porque a gente tem que trabalhar com amor e com respeito... Eu trabalho com
uma equipe maravilhosa.

A participante expõe que o cuidado no espaço profissional deve ser inicialmente


emergido pela equipe que gere a escola, motivando os funcionários para que estejam
bem no convívio junto as crianças. Mas também fala do aspecto de bem convivência e
confiança na equipe de trabalho, nomeados por ela com amor e respeito. E valoriza a
equipe em sua fala, mostrando-a como “maravilhosa”.
Compreende-se que a participante, expõe o seu desejo da continuidade de boas
relações no espaço de trabalho. Heidegger (2005) mostra que o Dasein tem a liberdade
em sua potencialidade de “Ser” e no imprevisível do questionamento demonstra o que o
realiza e suas necessidades. O que é perceptível nos leva a compreender o que fora
imperceptível. A participante explana o aspecto da insegurança na relação com o outro,
dentro e fora do meio profissional, relatando que há uma aproximação maior com
112

algumas pessoas. Essa ideia, enfim vai de acordo com a visão “heideggeriana” ao
afirmar que em cada “Ser” tanto há a abertura quanto o fechamento da clareira de “Ser”.
O Dasein que se presentifica como ser-no-mundo é marcado pelo cuidado junto
a outros, mas uns poucos outros de maneira mais íntima. No desenrolar de uma equipe,
seja em escola ou empresa, as relações de proximidades acontecem naturalmente através
das identificações. Conforme isso, consideramos que o “Ser” se identifica com outro
“Ser” na sua maneira de estar-no-mundo.
Os desenhos ainda nos mostram sentimentos que emergem no fazer dessa
experiência enquanto professoras. É significativo perceber o trato para com as crianças,
demonstrando a alegria no fazer docente e práticas que contribuam na dimensão da
coletividade. Nenhum dos desenhos apresenta isolamento, pelo contrário as cores e os
traços revelam sentimentos de amorosidade no estar-junto as crianças, “educuidando”
em cada momento através da voz, do olhar, da ludicidade, da escuta e da alegria.
Conforme Heidegger (2005), a vida escolhida pelo Dasein assume uma direção
concreta e vive nessa direção, no nosso caso, o estar como professora na educação
infantil. Na visão do filósofo, o Dasein se encontra no que faz, nas pessoas com quem
se relaciona e no mundo que tem sentido a partir de si mesmo. Esse mundo escolhido
pelo Dasein para ser habitado, carrega o cuidar no compartilhamento da relação, em
seus diferentes sentidos de viver. Sabe-se que cada relação tem um sentido diferente, o
Dasein e o cuidado também terá uma posição diferenciada com cada pessoa que se
envolver.

A participante Alegria pontua: “Gosto dos meus 40 guris na escola. Por mim as
crianças não deveriam sofrer... Aí eu coloquei uma árvore e água, pois como é que a
gente vai viver sem água?” O cuidado segundo essa fala da participante nos leva a
concordar com o que Boff (1999) nos expõe que sem a natureza não há vida,
necessitando que cada um de nós retome nossos hábitos, desenvolvendo uma ética do
cuidado, respeitando e cuidando da comunidade dos seres vivos, com o alimento, com
as pessoas, com a vida planetária. A participante sinaliza que o bem estar, se dá pela
relação equilibrada com o ambiente.
O cuidado como bem-estar além da relação, do apoio conjunto e da natureza, é
visto perpassando o aspecto de alimentação que envolve a corporeidade. Digamos que
não somente o alimento que mantém o corpo, mas o que move a vida. Nesse movimento
113

de vida, um alimenta o outro e são espaços como família e escola percebidos como
lugares de cuidado, em que acompanharemos na próxima unidade de sentido.

Família e escola
O cuidado está relacionado com a própria existência de cada participante, através
da revelação de atuação, as demandas e as responsabilidades. Heidegger (2005) mostra
que na convivência de “Ser”, deve-se haver uma disposição para perceber que em cada
lugar e com cada pessoa há uma maneira diferente de cuidar. A participante Guerreira
na sua fala traz que:
Eu coloquei uma parte de natureza, eu coloquei uma casa e coloquei uma
família. No caso, eu acho que o cuidar começa em casa. O cuidar, o primeiro
passo tem que ser a família. Eu acho que é o começo de tudo... Depois a
gente parte para a escola. Mas se não andar junto, família e escola. Eu acho
que esse cuidar quebra... mas tem que ser os dois juntos. Tem que ter a
parceria família e escola.

Para a participante os dois primeiros espaços de cuidado acontecem na família e


posteriormente na escola. O convívio com a escola mostra a criança como ser-aí, tendo
os educadores a tarefa de indicar os caminhos formativos desse “Ser”, para integração
consigo e com o modo como habita o mundo. Segundo Freire (2003), a escola deve se
voltar para a formação que pense no desenvolvimento dos educandos, não somente ao
mundo do trabalho, mas na formulação de valores na condição de estar-no-mundo.
O homem enquanto “Ser” privilegiado em ter o poder de questionar-se, também
tem a condição de responder as questões que lhe são colocadas, dentro do aspecto da
temporalidade em que vive. A escola é um lugar de “aprendências” do “Ser”, na
convivência com outros, compreendendo como melhor se autocuidar para que possa
viver.
Na compreensão ainda da participante Guerreira, família e escola devem andar
juntos, para mobilizar o ser-de-cuidado. Uma escola que insere em seu cotidiano o
cuidado com os seus educandos, levando em consideração as particularidades de cada
um que ali está, abre para a possibilidade de realização do projeto de devir, no
favorecimento da abertura para o “Ser” autêntico, cuidadoso com tudo e todos.
Nos desenhos ainda apareceram palavras que remetem a relação cuidadosa:
companheirismo, ser verdadeiro, ajudar o próximo e procurar saber como está o
próximo. Além de serem apresentados elementos da natureza, como: árvore e sol.
Heidegger (2005) nos mostra que a compreensão é o modo do Dasein perceber a própria
114

existência de mundo. As palavras que acompanham os desenhos apresentados


demonstram as atitudes de cuidado para com as outras pessoas. E os elementos da
natureza, podem ser interpretados como o cuidado enquanto momentos de paradas, de
descanso e de retomadas, para melhor voltar as suas ações carregadas de energia,
renovação e alegria.
Sabe-se da realidade do professor de educação infantil: exaustivos momentos
cotidianos, uma rotina pontualmente a ser vivenciada, pouco tempo para olhar a si,
preenchimentos de formulários constantes e planejamentos fora de seu horário de
trabalho. Assim, percebe-se que até o dado momento, pouco se falou de si mesmas,
falando mais do outro e de suas atividades, sendo eleitos elementos para mostrar a
realidade que ora é vivida.
Um dado muito levantado nas falas e nos desenhos foi o aspecto sobre a questão
da transcendência, especialmente vinculados à religiosidade. As participantes
visualizam como uma âncora de cuidado para consigo, através do fortalecimento de
crenças religiosas numa busca de entender de onde inicialmente partem suas existências.
Heidegger (2007)6 pontua que a transcendência é uma ultrapassagem existencial de algo
para além de si mesmo. Algo que ultrapassa o ser-aí, que se coloca na presentificação
cotidiana. Toda a ação de ultrapassagem transcendental se dá segundo Heidegger (2007)
na vigência da procura de possibilidades de algo a se realizar, o Dasein se identifica
com o ente supremo (Deus) para retornar a sua essência.
Ainda discutindo esse elemento, Boff (2013) explana que somos seres de
transcendência e temos o desejo de entrar em comunhão com um ser supremo. O
cuidado para Boff (2013) também passa pelo aspecto da espiritualidade, que vai para
além da religião, é na verdade conhecer a profundeza de si mesmo, deixando vir a
consciência do conhecer-se e numa procura constante de “cultivar a bondade, a
benquerença, a solidariedade, a compaixão e o amor” (BOFF, 2013, p. 1999).
Mediante tais elementos até então pontuados, percebe-se que a compreensão
quanto ao cuidado caracteriza cada uma em suas histórias e no modo de “Ser”. A
unidade de sentido que segue, vem, pois, desenvolver o aspecto da subjetividade do
sentido de cuidado.

6
Heidegger (2007) escreve o livro Sobre a essência do fundamento após Ser e Tempo, mostrando que a
questão do ser dos entes só se compreende de maneira adequada se também for pensada a questão que
envolve a transcendência, também vista por ele como constituição fundamental do ser-aí no mundo.
115

Cuidado como algo subjetivo, de cada uma a partir das experiências de vida.
Eu entendo o cuidar como algo muito subjetivo. Muito do eu. É muito
subjetivo seu. É algo peculiar. Entendendo dessa forma, ele não pode ser
universalizado... Não existe uma única maneira de cuidar. Existem pessoas
que não conseguem, por exemplo, dar um abraço, mas que são prestativas...
Temos que ter cuidado em padronizar as maneiras de cuidar.
(SIMPLICIDADE)

É com as palavras da participante Simplicidade que iniciamos a discussão dessa


unidade de sentido.
Heidegger (2005) expõe que o tempo é anterior a toda subjetividade, como
também objetividade. A fala trazida pela participante nos indica que a contextualização
quanto o sentido de cuidado para cada uma do grupo da pesquisa-formação é a maneira
de “Ser” uma presença-no-mundo. O nosso desafio é afastar-se do determinismo que
nos é imposto e da objetividade que as ciências consideradas duras nos aprisiona.
Cada pessoa, conforme o viés “heideggeriano” pode ser compreendido no seu
tempo, no seu desvelo e no seu aspecto sociocultural. Desse modo, cuidar não é tarefa,
é, pois, concretização de vida. O cuidar parte do entendimento, das experiências, de
maneira peculiar. O pensar, o refletir e o retomar mobiliza enfim para a possibilidade
colocada pela facticidade como nos fala Heidegger (2005) em que somos lançados a
ser-no-mundo a partir do processo de consciência.
Por meio dos desenhos apresentados, observamos que as professoras
exemplificavam o cuidado, através das relações com as pessoas, família, amigos,
aspectos da natureza, casa, espiritualidade e sentimentos.
O cuidado ao aprofundar os desenhos se faz de um exercício integral, de inteireza
do “Ser”, do cultivo aos aspectos da natureza e também a dimensão do pessoal e
transpessoal. Há também aspectos nos desenhos que representam entre nós os
sentimentos, em especial o amor e visualizamos em várias dimensões: com a família,
com o trabalho e o espaço de natureza. Nesse interim, percebe-se uma conexão com
tudo o que envolve as particularidades de cada participante. Os aspectos da natureza
também são considerados como espaços de quietude, silêncio, tranquilidade, parar para
se escutar e tempo disponibilizado ao lazer.
Heidegger (2005) ao falar sobre mundo amplia para a compreensão das relações
significativas, o jeito do Dasein de ser-aí no lugar em que se é lançado. O mundo é
também a abertura de possibilidades de realização do existir humano, onde aparece o
116

sentido do vir-a-ser. Ao exporem sobre o cuidado na diversidade apresentada pelas


participantes, percebemos que o cuidado não é visto por um único viés, mas que tem a
possibilidade de questionar, afinando a temporalidade, a espacialidade, as relações e a
corporeidade.
Para Boff (2013) ao discutir acerca de cuidado, o “Ser” traz a sua subjetividade, já
que não é coisa, não é algo pronto e acabado, mas um emaranhado de relações ativo que
está constantemente se construindo. No grupo houve, portanto, uma interação quanto ao
compartilhamento dos desenhos, aprendendo, trocando e agregando informações quanto
ao “Ser” de cada uma. Ainda Boff (2013) diz que o ser humano realiza uma modalidade
de consciência e reflexão, mediante as suas relações. A partir do outro, o “Ser” se
desperta e se forma existencialmente.
Bondía (2002) ao falar de experiência afirma que o saber a partir do que fora
vivido por cada um é particular, subjetivo e pessoal. Mesmo que duas pessoas passem
pelo mesmo processo, seja formativo ou de vida, não farão a mesma experiência. Cada
um passará por isso no seu tempo, do seu jeito e com seus modos de enfrentamento. A
experiência em refletir o sentido do que seja cuidado corrobora com a participante
Simplicidade, quando fala que é algo do seu eu, singular e de alguma forma, sendo
praticamente impossível de haver repetição.
Conhecendo inicialmente as ideias do primeiro teórico – Martin Heidegger - a
nortear a pesquisa-formação, o grupo acabou por concluir que cuidando, seremos
cuidado e esse cuidado parte inicialmente de nós mesmos. A compreensão do que seja
cuidado se tornou muito singular de cada “Ser”, já que há um processo histórico
próprio, único, que faz sentido no existir. Elementos em comuns foram apresentados e
cada uma do seu jeito se fez presente, num aspecto simples, tendo o olhar que a
existência humana é um infinito de possibilidades, vendo a relação consigo e com os
outros numa abertura para novos rumos.
Como processo avaliativo desse encontro, as palavras que mais vieram à tona
foram o espaço para reflexão e o se colocar no processo, consideraram que foi um
momento positivo e visto como proveitoso. Indicaram que o tempo reservado a
formação acaba por sufocar os momentos para refletir sobre si mesmo e espaços como
esse propiciam leveza e fortalecimento nas práticas cotidianas.
Esse encontro com o grupo da pesquisa-formação, possibilitou pensar o cuidado
partindo do sentido de existir do ser-aí, enfatizando a singularidade do Dasein,
117

motivando para o autoconhecimento e sinalizando para o processo de reabilitação da


consciência através das metodologias utilizadas. O cuidado vivido pelo ser-aí de cada
participante, nesse encontro, se manifestou num processo de compreensão de si e das
coisas que as envolviam. Assim como quem facilita a pesquisa-formação se torna um
companheiro no processo, deixando de lado a impessoalidade para se envolver com
existências, sendo gente e compreendendo o “Ser” gente.

6.2 O autocuidado e o cuidado com o outro: emancipando-se para estar-no-


mundo-com-os-outros

Autocuidado é uma expressão que constantemente usamos em termos formais e


informais e em espaços variados, mesmo que não utilizamos a palavra propriamente
dita. Podemos exemplificar: quando falamos ao outro: “se cuide”, ao falarmos a nós
mesmos “eu vou fazer isso para me cuidar”, ao escutarmos prescrições médicas “você
precisa se cuidar” ou até mesmo no contexto de algo que poderá acontecer, caso não
sejamos atentos “você cuide, porque senão...”. O cuidado com o outro estabelece
também essas relações de linguagem em nosso meio, como quando utilizamos: “cuidado
ao atravessar a rua”, “cuidado com o perigo”, “cuide disso, cuide daquilo” e “cuide
daquela pessoa, que ela está precisando”. Esses são alguns exemplos que ilustram sobre
essa palavra tão utilizada entre nós: cuidado.
Heidegger (2002) fala que o modo de ser-aí passa pela existência. Segundo o
autor, o prefixo “ex” de existência, significa “fora de” e se faz no ser-aí como ser-no-
mundo. Há então algo que é inseparável do “Ser”, que é o pertencer ao mundo, em ação
e interação. E é na relação de si e do outro, que o Dasein se lança a uma abertura de
sentido de cuidado numa ocupação (Bensorge) e preocupação (Fürsorge) em ser-aí e
nas relações com outros entes. O autocuidado em linhas iniciais, parte do existir de
maneira ocupada e preocupada, de si mesmo, alcançando o outro, mediante a sua
presença no mundo e com outros entes.
Boff (2013) nos mostra que o autocuidado é um estabelecimento de vínculos
preocupados com o lugar que habitamos no mundo, com os familiares, amigos e todos
os seres. O autocuidado, conforme Boff (2013) é envolvido da ética que permeia a
autoconsciência e a autocrítica sobre si mesmo e suas ações. Envolve responsabilidade
para com sua existência e sensibilidade pelo existir de outros. Envoltos desse pensar,
118

somos, pois, marcados com o desejo de agir no mundo com consciência, melhorando os
erros e tornando a vida mais bela, a partir do cuidado (BOFF 1999; 2013).
No segundo encontro, o grupo da pesquisa-formação se refez, de maneira a ser
subdividido em dois – pela manhã e tarde - para garantir o dia letivo das crianças da
escola. O primeiro grupo foi composto pelas participantes: Afeto, Amor, Fé,
Fortalecida, Guerreira e Humilde. Já o segundo grupo se constituiu de Alegria,
Carinho, Criatividade, Determinada, Paciência, Simplicidade e Sorriso. Como
Longarezi e Silva (2008) nos indica, a pesquisa-formação emerge da realidade e ao
longo de seu processo, ela transforma-a, formando-a. A organização da escola para a
garantia dos encontros pode ser vista como um aspecto cuidadoso, implicado e
preocupado para o bom êxito da proposta.
A proposta formativa inicialmente pensada, agora é vivida de maneira singular,
vivenciando o mesmo planejamento em cada grupo, mas trazendo um modo diferente de
funcionamento e o jeito próprio de “Ser” de cada participante. É válido ressaltar que a
organização dos grupos partiu da coordenação pedagógica da escola e sendo negociado
com as professoras.
No início da vivência do segundo encontro, em ambos os grupos, propomos a
dinâmica Amor e Vida (APÊNDICE II), sendo um verdadeiro treino ao olhar profundo
para com a outra pessoa que ali estava na frente, como a ação de movimentos
relacionados ao cuidado com a outra, da maneira que desejasse ou soubesse. Entre
ambos os grupos, sinalizou-se que foi um momento intenso, vindo à tona emoções
(choro e riso), dificuldade em olhar nos olhos, mas também sentimentos de acolhimento
e cuidado.
Ao dar abertura para a leitura dos diários reflexivos sobre autocuidado e o cuidado
com o outro, houve um intervalo para explanação de duas participantes que não
escreveram algo. Sendo, pois, apresentados motivos como falta de tempo, de inspiração
e de compreensão do que realmente era a proposta da escrita. Foi questionado se as
demais participantes tiveram dificuldades quanto a escrita do diário e somente foi
pontuado a questão de falar de si mesmo, mas sendo um exercício prazeroso e oportuno
para a reflexão quanto ao cuidado. Negociamos que as participantes falariam, mas que
se comprometeriam de escreverem nos diários reflexivos acerca dos seus pensamentos
sobre o autocuidado e o cuidado com o outro. Ambas concordaram com a atividade.
119

Ao longo das leituras, os diários iam sendo enriquecidos pela recordação de


eventos que levaram a se retomarem no presente quanto ao autocuidado. Além de
valorização dos pequenos momentos, por experiências anteriores que os levaram a rever
seus aspectos de cuidado. A leitura dos diários foi motivador para deixar emergir o
interdito. Ao perguntarmos inicialmente como fora essa escrita, a participante
Fortalecida traz: “[...] quando comecei a escrever, aí vinha na memória muitas coisas, a
cada palavra e cada frase vinha mais outras. Foi bem interessante!” A escrita de diários
como processo reflexivo conforme Josso (2007) interliga a uma formação voltada para a
vida, emergindo sentidos múltiplos, revelando a criatividade do pensar, do agir e do
estar junto. Algumas das participantes no primeiro momento não conseguiram
compreender a mobilização do diário reflexivo, mas com a colaboração das demais foi
se despertando para a autorreflexão e imersão no seu “Ser” pessoal, as sensibilidades, as
dificuldades e as mudanças ocorridas ao longo da pesquisa-formação.
Como os momentos foram a partir desse encontro vivenciado em dois grupos,
sinalizou-se que tais questões emergiram entre um ou outro grupo. Na análise das
informações pudemos perceber cinco unidades de sentido: o cuidado mais com o outro
do que consigo mesmas, situações que geraram adoecimentos, o espaço profissional que
contribui para a reflexão e prática de cuidado, estratégias de busca de autocuidado e
tempo como mobilizador ou paralisador do autocuidado. Acompanhemos o desenrolar
dos sentidos das participantes quanto ao autocuidado e o cuidado com o outro.

O cuidado mais com o outro do que consigo mesmas


Ao falarmos de autocuidado, nos voltamos a prestar atenção de como estamos,
do que ando experimentando e realizando. Seria um processo autoavaliativo, já que
pensar sobre exige um breve momento reflexivo. Boff (2013) explana que o
autocuidado se envolve em acolher a si mesmo, assim como fazemos com os talentos
que temos e as dificuldades que nos são próprias. Ainda o autor confere que todos
somos sapiens e demens, pessoas de lucidez, mas também de violência. Dessa forma,
somos os opostos que constantemente se encontram em uma mesma existência.
O cuidar do outro para Boff (2013) envolve perceber todo um sistema que
circunda esse “Ser”. Estando com o outro e olhando para suas limitações somos como
afirmou Boff (1999) outra obra que somos provocados, evocados e convocados a
vivenciar a ética do cuidado no aspecto de cooperação pela cura do outro. Ao serem
120

questionadas acerca do autocuidado e do cuidado com outro, emergiu esse diálogo no


primeiro grupo7:
Guerreira: Assim, eu digo que eu não cuido muito de mim, porque eu me
preocupo muito com o outro. Eu sou muito família, entendeu?! Assim eu
estou sempre ligando para saber. Se você tá passando por uma situação eu
geralmente me coloco no lugar da pessoa. Só que assim a gente adoece de
certa forma, entendeu?! Porque a gente traz, não porque a gente queira trazer
o problema. Mas a gente vai só acarretando o problema, entendeu?! Mas
assim eu me preocupo mais com o próximo do que comigo. Eu as vezes fico
pensando quanto a casa da minha mãe. Éramos 11 irmãos. Mas assim lá em
casa eu não tenho muita amizade. Eu não fui de muita festa, de sair. [...] A
gente sempre ia assim entre irmãos. [...] E assim às vezes um tá passando por
um problema, eu me preocupo. E os meus pais já são só. Mas minha mãe
resolve tudo e meu pai também, entendeu?! Eu estou sempre preocupada. Ah!
Se tem um médico eu me proponho a ir. Ah! Se vai dormir em tal lugar, eu
vou me proponho. [...] Mesmo sabendo que vai me sobrecarregar. Mas eu sei
que estou a disposição, para qualquer coisa. Se precisar de minha ajuda pode
contar comigo. Quer dizer não me preocupo comigo, se estarei bem naquele
dia. Se meus filhos precisarem de qualquer coisa, eu digo assim pode deixar.
[...] Eu estou ali a ajudar sempre o próximo. E às vezes eu esqueço de cuidar,
eu sei que eu preciso me cuidar.
Clara: No caso porque tu achas que se sentes responsável por todos da sua
família? Você é a filha que está em que posição de nascimento?
Guerreira: Não, eu não sou a mais velha. Tem ainda alguns, inclusive o meu
irmão que morreu afogado. Eu sou a sexta. Minha mãe era professora. Meu
pai trabalhava no Mercado do Produtor. Minha mãe sempre trabalhou fora e
você não diz assim que ela tem a idade que tem. Meu pai sempre trabalhou.
Então assim, [...] quando minha mãe decidiu trabalhar fora porque a gente
vivia só do dinheiro do meu pai e não dava para sustentar os filhos. Aí era
uma necessidade, não é. [...] Minha avó é que ficava olhando os filhos.
Porque minha mãe trabalhava muito fora. A gente sempre teve uma
obrigação. Sempre teve responsabilidade, não é. Um fazia uma coisa e outra.
E a gente vai tomando para si a responsabilidade, não é. Aí sempre teve
aquela coisa assim. Mas os irmãos sempre teve presente. As meninas até
dizem que Dona L. soube cuidar de todas as filhas dela. Porque assim, todos
se precisarem fazer isso, se precisarem cozinhar, meus irmãos sabem. [...]
Mas minha mãe não colocou não. A gente mesmo é que foi tomando como
responsabilidade. [...] E graças a Deus todos estão bem encaminhados. [...] E
a gente se vira, não fica esperando por ninguém, não. [...] Na outra
encarnação eu acho que quero nascer homem. (risos) Porque é mãe para isso,
é mãe para aquilo. [...]
O grupo concorda e complementa.
Mas graças a Deus, minha família, meu esposo ajuda muito. [...] Ele sempre
tá presente. No que eu precisar, ele resolve. Mas para você ver a preocupação
que eu cuido mais dos outros do que de mim. Eu fico preocupada no bem
estar. Eu fico pensando com quem vou deixar meus filhos. No bairro que eu
moro a gente vê muita coisa. E a gente fica preocupada.
O grupo complementa perguntando onde mora.
Fortalecida: Mas está geral.
Guerreira: Mas a gente tá sempre orientando. Os meus meninos. Eu tenho
um de nove e outro de treze. Mas eles não gostam de tá na rua. Porque logo

7
Alguns dos diálogos apresentam todo o trecho da discussão por dar o caráter de interpretação do sentido,
da realidade vivida e consequentemente da compreensão de ser-no-mundo. A pesquisa-formação visa dar
voz aos participantes, por isso seguimos a coerência de propiciar o descortinamento do sentido através da
exposição de todo o diálogo do grupo.
121

eles não tem muita amizade. Mas onde eu moro, os irmãos estão tudo
encostado. É um quarteirão que meu pai deu um pedaço de terreno para cada
filho. Cada um fez a sua casa. Na rua que moro é tudo assim, é irmão, aí vem
primo e de frente é irmão. [...] Mas meu esposo como trabalha de noite, de
dia ele fica com os meninos. Nesse intervalo que estou na escola, ele fica em
casa. Aí eles não sentem tanto. Na hora que eu chego ele tá em casa, não é.
Mas assim, sempre eu prefiro primeiro pensar neles do que em mim. Sempre
foi assim. Mas aí as vezes eu paro e penso que tá na hora de pensar... Mas eu
gosto do que eu faço. Eu estou feliz. [...]

Nessa fala, a participante Guerreira além de expor acerca da sua autoavaliação


quanto ao aspecto de cuidado, colocou no grupo particularidades como histórias de sua
família e o modo de exercer seu papel como filha, mãe e esposa. A participante
Guerreira inicia sua fala sinalizando que se preocupa mais com o outro do que consigo
mesma. E mais uma vez coloca a família com devida importância na vivência do
cuidado. Em seu relato, fala da imensa preocupação em todos os sentidos com os seus
filhos. Heidegger (2005) mostra que o Dasein ao substituir o outro acaba por vivenciar
o cuidado inautêntico, conduzindo a existência de um outro. Para o filósofo não é um
fator negativo, mas pode ser explicado pela estrutura mobilizada do seu “Ser” ao longo
de sua existência. O sentido atribuído pela participante, compreendemos como cuidado
inautêntico, mas sendo a possibilidade encontrada por ela para ser-aí, presente,
implicada e responsável por sua família.
Na fala, ainda a participante indica sentimentos como empatia, de colocar-se no
lugar do outro, especialmente nos momentos de mais dificuldades. Em sua narração, a
participante mostra que ainda se sente responsável pela sua mãe, mesmo tendo outros
irmãos. A mesma assume o papel de liderança no aspecto do cuidado familiar. Segundo
Heidegger (2005) o “Ser” se manifesta pelos entes, assim os entes para a participante
em seu discurso é sua família, e tal elemento existe na manifestação do modo de cuidar.
Outro aspecto relevante é que essa manifestação é vista de maneira temporal, em cada
momento da vida o “Ser” se porta de maneira diferente, mesmo que a participante
participe do processo de cuidado para com sua mãe, tais ações não serão do mesmo
modo como em sua juventude. Mediante isso, compreendemos que o cuidar sofre
alterações dentro da temporalidade.
A participante demonstra que tem a consciência de que precisa se autocuidar, mas
esquece, para estar totalmente disponível ao outro. Ao relatar sobre sua história de vida,
compreendemos que a responsabilidade pela família foi algo construído desde a sua
infância, já que sua mãe trabalhava como professora, provavelmente estando fora de
casa durante algumas horas ao longo do dia e seu pai no trabalho braçal. Deixa clara as
122

estratégias utilizadas pelos pais para o provimento do sustento. Tinham a ajuda da avó
que observava os filhos, enquanto os pais estavam no trabalho. Quando a participante
fala da responsabilidade desde cedo, e não somente a ela, mas a todos os irmãos, nos
voltamos a pensar que os seus pais os prepararam para buscarem alternativas para “se
virarem” no cotidiano, desde os cuidados com a casa até com os estudos.
Em meio ao seu discurso, a participante também faz o registro do papel de “Ser”
mulher, já que para ela o sentido do cuidado parece ser mais de responsabilidade da
mulher do que do homem. Fala da contribuição do esposo na educação dos filhos,
expondo que fica menos preocupada com a presença dele junto aos filhos. As normas
sociais são ditadas cotidianamente, o ser mulher em nossa sociedade patriarcal carrega
ainda o modo do que a mulher deve desenvolver, especialmente como cuidadora de
todos.
Segundo Boff (1999) foi culturalmente colocado que o cuidado é algo do “Ser”
feminino, mas expõe que o homem e a mulher são corresponsáveis, sendo possível
transbordar o bem e o mal, de acordo com a maneira de nos inclinarmos ao cuidado. É
necessário se esforçar para superar as desigualdades dos sexos, inventando relações que
construam a riqueza no modo-de-ser-cuidado (BOFF, 1999).
Outro dado interessante é que a participante em questão, reside próximo aos
irmãos, primos e mãe. Há um grau de proximidade e consequentemente o sentimento de
responsabilidade para com todos que está ao seu redor, provavelmente esquecendo-se
do seu autocuidado por sentir-se convocada todo o tempo a doação ao outro. Mas há um
sentimento de felicidade ao cuidar do outro, assim ao perceber que o outro está bem,
interioriza o sentido de vida em manter atenção e responsabilidade no meio que o
circunda.
Separamos outro relato para compreendermos mais o sentido do autocuidado e
cuidado com o outro. Já nesse caso que vamos expor a professora não é mãe, assumindo
a responsabilidade para com os pais. Acompanhemos o compartilhamento da
participante Fé:
Para mim é quase a mesma coisa que as meninas já falaram. [...] Minha
família não é daqui da região, é do Pernambuco. Eu vim para cá com 5 anos
de idade. A minha mãe teve três filhas. Eu sou a mais velha. Mas assim toda
vida recebi carinho e cuidado. Tanto do meu pai como da minha mãe. [...]
Minha família morou sempre muito distante dos outros. Só tinha minha avó
paterna, que ela tinha o cuidado igualmente. Porque assim [...] ela tinha o
jeito de ajudar a um e outro. [...] Quando chegamos aqui não conhecíamos
ninguém. Aí fomos encontrando pessoas que realmente se colocavam como a
família que a gente não teve. E a gente com o passar do tempo fomos morar
123

numa roça. E lá morava uma família que começou a mostrar carinho,


dedicação, respeito. E a gente foi começando até a chamar eles de tios, por
conta que eram os tios que a gente não teve. [...] Toda vida eu fui assim. Não
sou fácil de fazer amizade. Eu vou analisando, observando e tudo aquilo.
Porque eu não sou o tipo de pessoa de chegar, abraçar e beijar. Porque eu não
sou de demonstrar isso. Meus irmãos são totalmente diferentes de mim. Se te
viu hoje, eles param, falam. E eu não. Já fico mais presa. E eu acho que foi a
questão de não ter esse afeto com a minha família. E o carinho mesmo de
casa. Porque eu não era de ter vários colegas, vários amigos. Então nunca fui
assim de andar com essas pessoas. [...] Ao lembrar daquela família eu lembro
de atenção, de carinho. E às vezes a família de sangue demonstra não ter
importância nenhuma para pessoa. E aí com o passar do tempo essa tia
minha, ficou doente, teve uma diabetes muito forte, sofreu bastante. E ela me
tratava como se fosse filha dela. Porque ela só teve filho homem. E ela
acabou falecendo. E tenho os filhos dela como irmãos de consideração. [...]
Entendo o que eles passaram. Porque eu com cinco anos de idade, minha mãe
adoeceu e eu tentava ajudar nos afazeres domésticos. [...] Meu pai ia
ajudando. E os vizinhos começaram a ver aquela situação de minha mãe
doente e começaram a ajudar (algumas lágrimas). E aí tudo isso eu me
preocupo muito. Se o telefone tocou, eu não penso em outra pessoa. Primeira
coisa que penso é em minha mãe. Que eu penso que é algo que aconteceu
com ela. E assim diante disso tudo, minha irmã que é de consideração passou
por uma depressão muito forte. Que assim tem horas que eu parava e
perguntava meu Deus porque estamos passando por isso tudo? [...] Aí tive
muitos problemas. Porque tem amigos que entram na vida da gente e finge
que são amigos, mas não é. [...] Para estudar também foi difícil, porque não
tínhamos condições de pagar transporte. Depois com a ajuda de algumas
pessoas consegui estudar. E a gestora da escola me ajudou muito. [...]
Quando criança eu só brincava de ser professora. [...] Meus colegas era os
alunos e eu a professora. [...] Aí depois fiquei pensando em fazer uma
faculdade. [...] Mas pensava que quem faz pedagogia é louco. (risos) Mesmo
assim pelo estímulo de outras amigas eu comecei a fazer pedagogia. Depois
eu fui gostando e dentro da sala de aula eu fui entendendo que o caminho era
aquele dali. E aí com o passar do tempo eu encontrei várias pessoas que me
ajudaram. Minha família principalmente que é a base de tudo. [...] Em uma
experiência que tive com uma criança, entendi que eu tinha jeito para ser
professora. Tinha uma criança numa escola que passei que saia agredindo os
colegas. [...] E os colegas não sabiam chegar e ajudar. Porque eu acho que a
profissão da gente, é um ajudar o outro. E realmente a gente não encontra
isso. [...] Eu fiquei angustiada com isso. E sou difícil de chorar. Fico com
aquela sensação de entalo. E minha mãe diz que é desde pequena. [...]

A participante expõe como uma linha do tempo a sua autoavaliação quanto ao


autocuidado e o cuidado com o outro. Inicia falando ao grupo como sua família chegou
à cidade, tendo vividas várias mudanças até o seu devido estabelecimento. Após,
explica a construção afetiva e até define os motivos que a levam a se considerar mais
distante das pessoas, especialmente para a questão do toque, mas com a convivência de
outras pessoas consegue perceber que tal elemento sofreu alteração. O toque é uma das
maneiras de cuidar que, para Heidegger (2005), é nomeado de solicitude, como um jeito
de se relacionar com o outro no aspecto envolvente e significativo. É uma maneira de
demonstrar sua consideração para esse outro que está diante de você.
124

Pela afetividade, segundo Heidegger (2005), o “Ser” tem a possibilidade de


encontro com um ente, com algo que o aproxima e leva-o a despertar sentimentos em si
que chega a alcançar o outro. É, pois, uma das condições do cuidar quando tratamos no
viés afetivo de tocar e permitir-se ser tocado, já que não toca somente o corpo, mas toda
uma história e o “Ser” em sua totalidade. Num abraço, por exemplo, se toca as paixões,
as emoções, vence barreiras e se constroem laços relacionais.
É também exposto pela participante o aspecto do distanciamento familiar, em que
considera que algumas pessoas não se importam como o outro está. Relata aspectos de
adoecimento familiar, dentre eles descreve fatos acontecidos com a mãe e a tia. E pela
circunstância teve que se responsabilizar pela ajuda ao outro, ainda se referindo nos dias
de hoje quando fala da imensa preocupação para com a mãe, vivenciando a angústia
constante de pensar no bem-estar, especificamente de sua progenitora.
A participante Fé expõe que além da tia e da mãe, um momento difícil vivenciado
por ela foi a dificuldade vivida com outra pessoa, considerada por ela como uma irmã.
Para Boff (2013) acompanhar o outro no processo de adoecimento é o cuidar envolvido
de amorosidade, preocupado e atento com as situações. Mas não se esquecendo nunca
de olhar para si, fortalecendo as suas ações nas possibilidades que estão ao seu alcance e
não o que é impossível de conseguir no processo de acompanhamento de cura do outro.
Com todas as intempéries na vida, a participante viu que a escola foi um dos
caminhos escolhidos para vivenciar o cuidado, assim como a profissão que escolheu.
Desse modo, apresenta a experiência vivida com um de seus alunos, expondo que pelo
afeto e atenção, viu que “tinha jeito para ser professora”. O cuidar aí se envolve da
compreensão de identidade como professora. Freire (2003) pontua-nos que o educador
em seu processo, se coloca na história como possibilidade e não como determinação. A
participante ao relatar a proximidade vivida junto com o aluno com dificuldades
aproximou-se não somente para resolver o problema dele, mas de alimentar seu
caminho como cuidadora, na profissão escolhida.

Mediante todos os aspectos, o autocuidado também para essa participante fica em


segunda instância. O cuidado é inicialmente construído e encorajado em seu vínculo
familiar, depois com a socialização de outros e indicando esse jeito de “Ser” ao seu
fazer profissional, pode ser alterado através do processo de consciência.
A participante Humilde em seu diário reflexivo compartilha que:
125

É muito interessante quando paramos para pensar em relação a esse tema.


Será se eu mesmo cuido de mim? Ou cuido mais do outro?
Ocupar-se consigo não é pois, uma simples preparação momentânea para a
vida, é uma forma de vida. E isso me faz enxergar que através do cuidar do
outro eu cuido do meu próprio ser através da minha existência e da minha
convivência com os outros.

A participante em seu registro, inicialmente se questiona, reflete, se refaz, para


chegar a conclusão de que cuidando do outro, a sua existência tem sentido. Segundo
Amatuzzi (2007) o sentido está presente no “Ser”, tendo seu exterior como estímulo,
mas é o seu interior que tem a resposta. Sente-se que pela busca do sentido, a
participante sentiu-se tocada e compreendeu que o cuidado é construído também no
estar-junto-a-outros e não como fator isolado.
O segundo grupo, também se integrou a unidade de sentido em questão quando
em meio as discussões, as participantes expuseram a compreensão da falha existente
quanto ao seu autocuidado, descortinando em adoecimento, que acaba por fragilizar a si
mesmas. Uma das participantes assim expõe:
Carinho: Só que a gente é tão fraquinho, a gente que é ser humano, vem um
momento de sobrecarga na gente. [...] E até o seu físico não aguenta mesmo.
Que foi o meu caso, que comecei a adoecer fisicamente. Disso dá para
perceber que eu não cuido muito de mim. Muito bem como deveria. (risos)
Porque acabo que a gente tá dando conta de uma série de coisas e eu? Faço o
que amo e o que gosto. Mas se eu fizer isso exageradamente que vou tá me
prejudicando. E vamos tendo uma consequência até física mesmo, uma
enfermidade que adquire.

O adoecimento aqui que a participante demonstra, é visto como fator resultante da


doação a cuidar mais do outro do que de si mesma. Refletimos conforme Amorim
(2013) que ao termos consciência que somos finitos, desenvolvemos como potencial
criador uma maior qualidade em viver, olhando para nós mesmos e alimentando o
sentido em existir, reconhecendo suas limitações e vendo o que é possível realizar,
preservando-se para melhor estar com o outro.
A participante Carinho ainda complementa a fala anterior, relacionando o cuidar
do outro como o próprio amor que se presentifica, “[...] Falaram aqui da família. Aí vejo
que não tem amor maior, do que chegar em casa e a gente ter filho e marido que você
ama e que é feliz. E que você acaba cuidando deles. E sinto eles cuidando de mim. É um
amor recíproco, não tem nem como explicar. [...]”. Para Heidegger (2005) o Dasein,
enquanto existência se coloca no cuidado não por amor a outra coisa, mas a si mesmo.
O amor que se plenifica nas ações para com o outro, no “Ser” se mostra como poder-
ser-si-mesmo. A possibilidade desse poder-ser se move nessa benquerença da relação do
126

ser-com, podendo “Ser” autenticamente o que se é. Claro que no pensar


“heideggeriano” há constantemente o retrair-se, mas também o revelar-se através da
amorosidade e a intensidade do modo como amamos cada pessoa, assim como exposto
em outro ponto se dá pelo fator da temporalidade. A maneira como se ama e a quem se
ama ocorre a partir da condição existencial construída na historicidade de ser-no-
mundo.
A participante Sorriso relata em seu diário reflexivo que: “[...] Cuido da minha
pessoa muito pouco. Um cuidado automático, sem perceber a importância do cuidar de
si e do outro”. Somos constantemente cobrados pelo cotidiano, não dando muitas vezes
espaço para sentir como se autocuidar, priorizando o outro de todas as formas. Segundo
Fazenda e Pessoa (2013) tudo começa com o sentimento, se transforma em gentileza a
si mesmo, em escutar o que se conecta a sua subjetividade humana.
A participante Criatividade escreve em seu diário

[...] A minha maneira de demonstrar que gosto é justamente cuidando nos


momentos que precisam da minha ajuda, procuro ser uma pessoa educada,
compreensiva, penso muitas vezes antes de falar, mesmo quanto estou
chateada. Não gosto de magoar as pessoas e sei o quanto certas palavras
machucam. Sou uma pessoa muito sensível, gosto de tratar as pessoas como
gostaria de ser tratada.

As breves palavras da participante demonstram o grande interesse e atenção que


ela dá ao outro, como também no cuidado com as palavras para que não haja
dificuldades de comunicação e estranhamento na relação com o outro. Mostra a si
mesma como uma pessoa sensível, que trata bem as pessoas e deseja que isso seja
recíproco. Josso (2007) mostra que em pesquisas que se voltam a ter como
metodologias as histórias de vida, é pensado sobre a identidade existencial através do
auto-registro. A participante fala de si e do modo como se relaciona ao grupo, de
maneira confiante e deixando claro os caminhos que poderão quanto a ela, tornar a
relação mais próxima e fraterna.
Compreendem que ao cuidar do outro, se autocuidam e que cuidar é uma maneira
subjetiva de “Ser”, mostrando em suas ações cotidianas o que é e a maneira de lidar
com os outros. Amorim (2013) desenvolve a ideia de que cada um constrói um estilo
próprio, dando forma ao que se é e do modo de cuidar pensando no bem da coletividade,
criando valores exigindo sensibilidade e leveza para interligar-se afetivamente consigo e
com o outro.
127

Alguns fatores levam as participantes a compreenderem que houve momentos da


vida que as levaram a minimizar ainda mais o seu autocuidado e também o cuidado com
o outro. Fatores esses que são vistos por elas de maneira variada, desde adoecimento de
si ou de algum familiar, o exercício docente e instabilidades financeiras. A próxima
unidade de sentido nos mostrará tais aspectos.

Situações que geraram adoecimento

Frente aos sentidos dados quanto ao cuidado, caminhamos para o outro extremo
que seria o descuido. Fato esse que muitas vezes não é previsto, mas simplesmente
acontece na experiência de cada pessoa. Segundo Boff (1999) o cuidado se encontra na
justa medida, não convivendo nem com o excesso nem com a carência, mas mantendo
um ponto de equilíbrio entre ambos. O descuido se mostra como um desequilíbrio da
dinamicidade da vida, levando-o ao adoecimento que pode ser identificado de maneira
física até a psíquica. Já que quando o “Ser” adoece o desequilíbrio é integral, precisando
de pausas e menos intensidades aos elementos que lhe fazem mal. A participante Amor
expõe experiências vividas quanto ao descuido.

Eu escrevi sobre o momento de cuidado a partir de uma situação que já


aconteceu a algum tempo atrás. Que meu psicológico ficou afetado demais.
(Fez a leitura de uma experiência quanto a escolha que fez entre escola
pública ou privada).
Em seu diário reflexivo:
Relembrando minha vida profissional, parei para lembrar de um fato
marcante, que fez grande diferença em minha vida profissional e pessoal.
Que por um tempo, estando e vivendo a “Síndrome de Gabriela”, eu nasci
assim, eu cresci assim... Percebi que precisava viver uma mudança, que
poderia ter grandes consequências na minha vida. Pois, eu precisava viver,
me cuidar, já estava me sentindo esgotada. Nesse ano participei de uma
seleção para concorrer a uma vaga, de professora de Educação Infantil de
escola pública. E ensinava em uma escola particular, completando dez anos
de trabalho. Me dividia entre as duas escolas, duas realidades. E no segundo
semestre resolvi ficar em uma escola. E pelas experiências vividas, conflitos
interiores, angústias, resolvi permanecer na Escola Pública e “abrir mão”
da escola particular. A partir daí fui vivendo e cuidando mais de mim e de
meus familiares. E com essa atitude, comecei a ter mais tempo para estudar.
Me preparar para o concurso em Juazeiro. Consegui uma boa colocação,
mas como não tinha o curso de Pedagogia, não pude assumir. E com tristeza
dei por encerrada essa fase. E no período de quatro anos tive a oportunidade
de iniciar o curso de Pedagogia, como portadora de diploma. No ano que
conclui o curso, a secretaria de educação de Juazeiro me convocou de novo
e como já estava formada, pude então dar início a uma nova etapa na minha
vida profissional.
(Fala complementando a leitura): Aí nesse período houve a comparação, duas
realidades diferentes, duas escolas diferentes. Nesse período fiquei
preocupada, acho que nem dormia, nem vivia direito. Era muito trabalho,
muita coisa, muita pressão lá. E como eu queria experiência aí pensei: Não, a
128

questão financeira é na escola particular e a questão de trabalho, de ter o que


segurar mesmo é na escola pública. Aí no final do ano, depois de dez anos
nessa escola, tive que decidir entre escola particular ou escola pública, aí
acabei ficando na escola pública. Porque eu acordava e me sentia bem no
lugar da escola pública. Já que eu não me via mais naquele lugar (se referindo
a escola particular). [...] Nunca rezei tanto na minha vida como foi nesse ano.
Aí nessa época eu falava que aqui é Deus que caminha. E acabei ficando
dando aula de banca e sem querer ou não eu tava me preparando. Eu pegava
criança de 5º ano para dar o reforço escolar e eu tinha um grupo de amigas. O
que me fez fazer isso foi que uma amiga nossa ficou com câncer, não é. [...].
E ela com câncer disse: [...] eu não sinto falta da escola. Eu dizia: Meu Deus
ela com câncer dizendo isso. Dizia que não sentia saudades da escola. E eu
estou fazendo o que aqui? Eu acabei optando, quando eu ouvi a fala dela e
outra tinha falecido também de tanto trabalhar. Essas duas situações. Aí eu
disse não eu não quero isso para minha vida, não. Vou me cuidar. É tanto que
meu filho já grandinho reclamava dizendo: Mãe, cadê a senhora. A situação
era tão séria que as vezes eu chegava em casa, cansada, sentava e lá mesmo
eu dormia, de cansaço. E outras vezes eu deitava e não conseguia dormir. E
como eu me sinto responsável pelo meu trabalho, o que é que eu vou fazer?
A sala de aula para mim não é só a sala de aula. A gente não pode ficar só
fazendo a mesma coisa. A gente tem que fazer coisa extra. Optei por isso. E
sem querer ou não, quando eu estava no reforço com essas amigas. Elas
diziam, quando você quiser estar aqui comigo pode vir. Aí eu fico refletindo
que eu tenho que seguir o meu caminho. Porque o salário não compensa. [...]
Eu consegui me classificar no concurso de Juazeiro, mas eu não tinha
pedagogia, eu tinha geografia. Aí foi que eu consegui por conta dos anos na
escola pública e na particular. Me chamaram. Nesse período entrei em
pedagogia como portadora de diploma. Aí fiz pedagogia, em dois anos e
meio. Aí me chamaram de novo, pela segunda vez. Já tinha pedagogia, aí
estou aqui.
Clara: Tu tem quantos filhos?
Amor: Dois. Já são rapazes. E eles me cobram, cadê você. Aí reflito espera aí,
o negócio está sério. [...]

Consideramos tal relato como sendo uma verdadeira reflexão da experiência de


cuidado, especialmente de si mesma ao longo de seu trajeto enfatizado pela participante
de cunho profissional. Nas palavras de Bondía (2017, p. 69) “a experiência é sempre do
que não se sabe, do que não se pode, do que não se quer, do que não depende de nosso
saber nem de nosso poder, nem de nossa vontade”. Se perguntasse para a participante ou
qualquer outra pessoa se desejava viver tal aspecto por ela relatado, obviamente seria
“não gostaria”. Mas a participante percebeu que as dificuldades no aspecto profissional
dela a fizeram outra pessoa, no sentido de ter passado por fases difíceis que a levam
hoje escolher caminhos menos tortuosos.
No início da escrita do seu diário reflexivo, ela expõe sobre o período que
considerou que estava a viver como é popularizado como a “síndrome de Gabriela”, em
que o “Ser” não tem perspectiva, nem se desperta a mudança de si e que não há
esperanças para o sentimento de que novas oportunidades aparecerão. Mas pelo seu
relato, percebe-se que a participante tomou consciência do momento vivido e reiniciou
129

seu processo de busca por melhores condições de trabalho. E que mesmo estando há dez
anos em torno da escola privada, decide por buscar oportunidade na “Escola Pública”.
Fator interessante é a distinção que a participante faz em sua escrita quanto uma escola
a outra, a pública ela enfatiza com letra maiúscula. Aí podemos refletir que talvez o
professor é desvalorizado em suas condições de trabalho, mas pode ocorrer de que em
algumas redes privadas há uma grande demanda de trabalho, mas a remuneração muito
baixa perante o que o setor público repassa a esse profissional.
O adentrar a “Escola Pública” para essa participante foi uma verdadeira vitória,
percebendo até que “fui vivendo e cuidado mais de mim e de meus familiares”.
Relaciona a um trabalho mais tranquilo, podendo se dedicar aos estudos individuais
para preparar-se para concursos públicos, em que conseguiu ser aprovada, mas que não
tinha a formação prevista no edital, já que é inicialmente licenciada em Geografia.
Mesmo assim, continuou a ser persistente e a retomar o seu percurso através do curso de
Pedagogia.
Após um processo seletivo da rede de Juazeiro – BA, a participante indica uma
“nova etapa da minha vida profissional”. Josso (2007) tratando de identidade evolutiva,
mostra que a transformação acontece progressivamente, reformulando os laços sociais,
tomando nova forma e recriando o sentindo de si, de novos modos de existir e subsistir.
Desse modo, a vida pessoal e profissional pela participante tem grande influência sobre
a outra, é algo inter-relacionado.
Como no primeiro encontro, o fator relacionado a espiritualidade como meio de
cuidado é retomado na fala dessa participante. Boff (2013) sinaliza que a filosofia era
inseparável da espiritualidade, uma era aprendida junto com a outra. Com a
racionalidade técnica foi sendo ambas separadas e a espiritualidade sendo vista de
maneira a ser menosprezada por não ser algo palpável. Nos discursos da maior parte das
participantes, percebe-se que independente de religião, algumas fazem referência a uma
busca de cuidado pelos momentos reflexivos em que experimentaram a autoconsciência
de modo singular.
A opção escolhida pela participante para conseguir resistir às dificuldades quanto
as oportunidades profissionais foram emergidas de um processo resiliente, de encontrar
outras maneiras de autosustentação, como as aulas particulares a algumas crianças. Para
Heidegger (2005, p. 54) “o ente é entendido em seu ser como ‘vigência’, isto é a partir
de determinado modo do tempo, do presente”. O “Ser” é inquieto por realizar-se, desse
130

modo nas palavras da participante percebe-se o processo por ela vivenciado da busca,
exercendo seu papel de ser-no-mundo na procura de realizar-se.
A escuta do outro foi essencial para retomar o fazer docente, como também saber
realizar a divisão de que a experiência do outro não é a mesma sua, sendo capaz de
construir seu próprio percurso. Segundo Bondía (2017) ser sujeito da experiência é
ultrapassar passagens ainda desconhecidas, deixando ser afetado pelo acontecimento. E
isso sendo vivido de maneira singular, não sendo possível viver da mesma maneira
pelas pessoas. Para Heidegger (1987) apud Bondía (2017) a experiência do ser alcança,
se apodera, tomba e transforma a cada um, que leva a sofrer, a padecer, mas se erguer
renovado.
Em seu relato a participante ainda sinaliza que a sua família apresenta elementos
que a levem perceber o descuido. Desse modo, em dadas situações compreendemos que
estamos descuidando de nós pelo olhar do outro. O convívio com outras pessoas marca
a intensidade de existir dando significados e ganhando novos modos de se atentar a si
mesmo e as situações que o permeia (KAHLMEYER-MERTENS, 2008).
O cuidado com o seu fazer docente é muito visto nas relações dos professores,
especificamente da educação infantil, que passam horas a fio convivendo com as
crianças, deixando de lado a si mesmas. Nesse fazer docente, o cuidar e o educar é
impregnado na ação, necessitando constante atenção por parte dos educadores que
convivem com crianças. Os saberes construídos ao longo do processo de educar e cuidar
se dá pelo vínculo, que o educador conseguirá perceber o modo-de-ser de cada criança
que ali está.
Mas, há fatores que tende a ser um aspecto de descuidar do educador, sendo
exigido nos referenciais que regem a prática na educação infantil que seja polivalente,
tendo condições de trabalhar com conteúdos diversos, que reflita sua prática e tenha
“uma formação bastante ampla” (BRASIL, 1996, p. 41). Aí podemos realizar os
questionamentos: que tempo é destinado a esse educador o estudo, a formação, o
planejamento, a reflexão de sua prática, já que normalmente passa quarenta horas
semanais envolvidos diretamente com as atividades junto às crianças?
Compreendemos mediante tais elementos que ao longo do aspecto da
temporalidade, esse educador de tanto cuidar do outro, sem autocuidar-se e nem ter
apoio ao seu cuidado, desenvolverá malefícios, tendo como consequência seu
131

adoecimento, fragilizando seu “Ser” e tendo sentimento de declínio na sua carreira


profissional.
O aspecto do sentimento de desvalorização profissional também é visível, já que a
participante em questão é do quadro temporário e que a remuneração é menor do que
um efetivo. Além dos direitos trabalhistas que não lhe são garantidos em cada final de
ano, sendo demitida e recontratada no início do ano letivo seguinte. Os professores em
regime temporário na rede passa constantemente pelo fator angustiante relacionado a
insegurança de estar ou não enquanto profissional num determinado período. Heidegger
(2005) nos mostra que o Dasein é marcado pela angústia e por meio disso o “Ser” tem a
condição de se desvelar em sua plenitude, vivendo a escolha em reformular o curso de
sua existência ou ficar condicionado ao que lhe está posto. O “Ser” tem a angústia de
continuar sendo e a essa e as outras participantes percebeu-se o amedrontamento com a
insegurança da desvalorização enquanto profissionais, mesmo que tenha feito um
investimento formativo como o apresentado pela participante para conseguir o seu
espaço profissional.
Afeto, em sua fala, demonstra ter se identificado com o que fora exposto pela
participante Amor e nesse descortinamento outras participantes vão se envolvendo na
discussão e expondo suas histórias de vida e sofrimentos. O outro que fala também
expressa elementos que são pessoais e que ao longo das suas expressões posso me
identificar. Rogers (2002) ao falar sobre a vivência do eu, expõe que a pessoa em
processo de escuta da sua experiência se autoexamina a partir de diversos aspectos. E
ainda continua de que uma escuta de si mesmo numa plenitude de confiança se dá no
espaço de confiança dado por quem facilita, permitindo que sofra uma deformação, para
mais tarde perceber a transformação vivida. A participante Afeto compartilha:
Assim, vivi algo parecido, comecei a trabalhar com 16 anos. Aí me dedico ao
que eu faço. E vi que não estava me cuidando. Cheguei a um momento que
eu entrei em depressão. E naquele momento vi que não dava mais para mim.
Aí falei pro gestor que não dava mais para mim que não estava conseguindo
mais ficar naquele ambiente. Aí choraram, tudo. Bom fiquei na minha casa.
Aí minha família sempre perto, não é. Eu já casada, minha mãe tinha que vir
e ficar comigo. Ela tinha que ficar na cama junto comigo. Ficava eu, ela e
meu esposo. Só que eu não estava totalmente dentro da depressão, eu tava
encaminhando. Algo lá dentro falava. Vinha assim como uma busca de
socorro, pedindo. E isso eu sempre implorando a minha família. Me ajude
que eu não estou mais aguentando. Até que por se aproximar mais a família e
os amigos eu fui me recuperando mais. Aí na escola recebi o convite de novo.
Não aceitei porque sei que é muita pressão. Na escola particular. Porque pede
muito da pessoa. Aí vi que não dava para mim. Fiquei uns tempos sem... aí
passei a me cuidar. Primeiramente a mim enquanto pessoa, para se olhar e se
132

cuidar. Então é isso, primeiro a gente tem que estar bem para poder pensar no
próximo.
Fortalecida: [...] Um ano depois comecei uma depressão. Eu não dormia. [...]
Aquilo ali me afetou tanto porque eu não me cuidava, não é. Mas quando eu
via que ele (filho) estava melhor, eu ficava bem. [...] Depois que passei, fui
percebendo com o tempo e entendendo o que eu tinha que viver. Eu fui
passando a me entender, a me compreender. [...] Daí procurei estar mais perto
dos meus amigos. [...] O que você passa hoje é o que você provoca que irá
acontecer, suas ações, suas atitudes. [...] Hoje eu estou mais forte e já ajudei
outras pessoas, assim com uma conversa, um carinho, mostrando a outra
pessoa o caminho certo. Porque eu já convivi com pessoas que teve
depressão profunda e que já tentou se matar. E eu fui e mostrei a ela que não
era isso. [...] Eu falo opa! Não hoje eu não estou bem, eu vou tentar ver aonde
foi que eu estou errando, para me cuidar para cuidar dos outros. E assim eu
faço.
[...] Aí é uma coisa que eu sempre comento, quando vejo alguém que está
passando por um momento difícil eu conto minha história. [...] Eu conto a
história que eu vivi, que me deu forças e hoje eu estou aqui. [...] Lutei, luto e
vou lutar. [...]

A participante Fortalecida assim como Afeto, também expõe acerca da escola


particular, como um espaço de trabalho exigente, tendo como consequência a
considerada depressão e assistenciada por sua família em total atitude de prontidão.
Numa possível retomada no trabalho nessa escola particular, decide por não retornar, se
cuidar e rever sua vida em outras dimensões.
Dando sequência a discussão, a participante Fortalecida fala sobre sua
experiência quanto a depressão, só que por conta de seu filho que encontrava-se
adoentando e ia também junto a ele se esvaecendo. Mas quando percebia certa melhora
da saúde, também sentia que conseguia melhorar. A participante Fortalecida percebe
que pela vivência da superação do bem estar de seu filho, vê-se mais forte para enfrentar
as dificuldades que a vida a impõe. Como também mantém atenção sobre si mesma
quando sente que não está bem, desenvolvendo técnicas próprias de autocuidado,
especificamente a escuta de si. Outro fator que a faz ir curando a si é contar e recontar a
outras pessoas sobre as dificuldades vividas, assim vai superando um pouco mais a cada
vez que expõe sua história para outra pessoa.
As participantes Afeto e Fortalecida nas suas falas, ficam como quê se
perguntando sobre o que fora vivido, mas conforme Bondía (2017) a experiência vivida
não é fácil de ser entendida em um primeiro momento, mas que vão se tornando
experiências quando vão sendo elaboradas e adquirindo sentidos em relação a própria
vida. Desse modo, o entrelaçamento profissional com o pessoal pode acarretar muitos
fatores, como por exemplo: o adoecimento docente.
133

Novas direções podem ser dadas as realidades, já que enquanto “Ser” temos o
poder criador e uma das saídas vistas pelo grupo é a formação. Mais precisamente a
formação que se gesta no fazer reflexivo do cotidiano, (re)pensando seus modos de
autocuidar-se para cuidarem melhor do outro, sendo observado o declínio pelos sinais
dados pelo corpo. Na vivência do encontro no segundo grupo, a participante Carinho é
questionada após falar sobre o adoecimento vivido:
Clara: Você acha que o seu adoecimento tem relação com suas atividades
profissionais?
Carinho: Sim. Porque eu vou me sobrecarregando. Aí chega um momento
que a máquina (risos) que o corpo não aguenta. E que pode gerar um
problema psicológico, físico, enfim. Eu estou sentindo. Porque uma simples
gripe, estou me perguntando porque está demorando tanto para se recuperar?
Minha imunidade está baixa. Aí eu estou num quadro que já está mais difícil
de se resolver. Mas como eu estava antes, eu confesso que eu estou bem
graças a Deus. Nos últimos meses foram os momentos mais difíceis para
mim. [...] Que bom que passou. E eu te digo que estava mesmo precisando
dessas coisas novas. De dizer assim vamos, estamos junto, vamos para frente.
Que nos motivam. Porque a gente precisa enquanto ser humano dessas
coisas. [...] Eu tive uns meses muito difíceis, nem demonstrava. Mas aí eu ia
refletir minha posição de trabalho, sobre questões que eu imaginei que
estavam consolidadas, mas não estavam ainda.

Segundo Boff (2013) o ser humano é corpo, numa realidade bio-psico-energético-


cultural que se abate conforme as ocorrências da vida. Assim pela pesquisa-formação a
participante consegue perceber que o cuidado deve começar por si mesma, na busca de
uma vida saudável, percebendo seus limites e tendo a consciência de sermos frágeis e
que há força em cada pessoa para acolher a vida que pulsa em si mesmo no cultivo
amoroso dessa morada, na humanização do seu autocuidado (BOFF, 1999).
A participante Carinho relata que o adoecimento pode ter ocorrido pela grande
doação dada ao trabalho, na constante preocupação pelo bom andamento da equipe e se
desenrolando em um corpo que experimenta a doença, sinalizando a necessidade de
conscientização para destinar atenção e tempo para regulação do seu bem-estar.
Além das imensas situações a serem enfrentadas no cotidiano, as participantes
expuseram que o espaço profissional, a partir dos contatos com as colegas de trabalho,
tem a possibilidade de cultivar o cuidado, tanto no aparato reflexivo como o da prática.
A unidade de sentido seguinte assim nos apresenta.

O espaço profissional que contribui para a reflexão e prática de cuidado


O fazer dos profissionais da educação infantil pode ser visto estando mais no
espaço da escola ao longo da semana do que em suas residências. Além de estarem
134

envoltos em relações cotidianas com as pessoas que estão nesse espaço, seus conflitos,
as amizades, as problemáticas e que vão afetando o entorno desse lugar profissional. A
trajetória desse lugar implica como fundamento, o conhecer tanto o lugar quanto as
pessoas que lá estão, de experimentar envolver-se de uma prática que exige a
integralidade do jeito e do espaço em que está compondo, além da atenção extrema as
crianças com quem está envolvida.
As participantes percebem a pesquisa-formação como retomada reflexiva para
verem a si mesmas como cuidadoras, vivendo a reflexão por meio das suas práticas
cotidianas. Carinho fala que não conseguiu realizar a escrita do diário reflexivo, mas
que a equipe vem se sensibilizando com o adoecimento dela ao longo dos meses que
antecederam a pesquisa e que tem possibilitado sua melhora. Destacamos um trecho que
ela nos expõe:
Não consegui fazer a escrita do diário. Mas tenho em mente, que esse
momento que está sendo proporcionado que a gente vive sendo cuidada e
cuida. Mas passa despercebido. [...] E aí esse momento nos levou a refletir
mais. [...] Mas com a correria muita gente não fez a questão da escrita. No
momento que estamos juntas veio a mente, que eu senti que esses dias
cuidaram muito mais de mim, do que eu propiciei esse cuidado. [...] E o
cuidado pode ser de diversas maneiras. Eu me senti cuidada, quando pude
contar com o espaço da escola, quando pude contar com pessoas para me
ouvir. Porque quem está num cargo de direção, seja ela qual for, a gente tem
que ter isso na veia, que preciso trazer motivação pro meu grupo. E eu vi que
até na dificuldade é possível.
[...] Me senti cuidada, quando uma professora colega nossa. Mas aí estava
tomando medicação, como ainda estou. (No momento a participante estava
há alguns dias gripada) Aí a mãe dela mandou um remédio. Aí fico vendo
assim, está vendo como é maravilhoso esse cuidado. [...] Para mim foi muito
bom perceber e sentir esse cuidado. [...] Fui presenteada com um mimo das
colegas, aí esse mimo foi tão importante, porque você se sente lembrada. [...]
(CARINHO).

Para Heidegger (2005) há fatores no caminho da vida que faz com que o “Ser” se
esqueça dele mesmo. O ser-aí toma como que desvios dessa rota existencial de
percepção de si mesmo, mas com alguém ou um coletivo que observa suas condições de
vida, poderá contribuir no resgate do bem estar através de ajudas e aproximações no
intuito de refazer o caminho. A participante Carinho pontua três aspectos do processo: a
formação como processo reflexivo, sentimento de ter sido cuidada pelas colegas de
trabalho e o retorno de gratidão ao grupo por meio da melhoria de bem estar. Mesmo
sendo o segundo encontro, a participante já começa a perceber que a rotina vai sendo
alterada por intermédio da atenção dada para a possibilidade de estar bem. Com essa
fala a participante se coloca em abertura para se deixar ser cuidada pelo seu grupo de
trabalho, sendo pessoa motivadora de cuidado no cotidiano.
135

Em concordância com a participante anterior, o diário reflexivo de Humilde traz:


[...] Eu percebo que sou cuidada através das ações que convivo. Tenho uma
preocupação intensa com os meios onde tenho convivência que é o familiar e
o profissional. Antes de agir, me coloco muito no lugar do outro, sempre
preocupada em dar soluções positivas para determinadas situações [...]

Em seu escrito, Humilde fala que os espaços em que mais se volta para o cuidado
é o “familiar e o profissional”, podemos perceber que são os espaços que ela está mais
presente, tomando decisões e contribuindo para tornar os lugares agradáveis. Segundo
Heidegger (2005) o segredo para tornar o cuidado possível parte do ser-aí, assim como
pensar novas perspectivas de harmonizar o ambiente que nos envolve.
O segundo grupo, a partir da exposição de uma participação sobre o que estava a
sentir no momento presente, as dificuldades enfrentadas em seu cotidiano, se mobilizou
para compreendê-la, consequentemente se compreendendo e tendo a condição de
retomadas mais conscientes. Pensamos ser considerado a sequência do diálogo
levantado:
Simplicidade: (leitura do diário reflexivo)
Trabalhar com educação infantil é encantador, é apaixonante. Contudo, é
desafiador e em alguns momentos até frustrante. Pois, há momentos que nos
deparamos frente a um enorme abismo entre a teoria e a prática. É como se
fossem duas coisas totalmente distintas e todo sentimento de segurança, de
saber fazer, se dissolve como açúcar na água e de repente surge um
sentimento de impotência, insegurança e incapacidade. Hoje foi assim!
Em sua fala: [...] O sentimento que eu tenho tendo com o meu trabalho é que
eu vinha muito bem no meu barquinho. E de repente me deparei com uma
enorme tempestade. E eu não consigo conduzir o barco como antes. Essa
tempestade está aí e eu não consigo passar por ela. E é isso, todo
conhecimento, toda leitura, toda teoria. Para mim nessa situação não vale de
nada. Porque eu fico perdida. Com problema de indisciplina. É tudo tão
assim. Que não sei se a palavra é indisciplina. Não sei se estou pecando,
dizendo que um menino de 2 anos é indisciplinado. É esse conflito de não
saber nem usar os termos. Nem como é que eu posso dizer, como é que eu
posso me expressar. Porque é muito ruim. É uma criança de 2 anos. O que é
que eu tenho que esperar de uma criança de 2 anos? Aí assim, eu estou com
problemas com crianças de 2 anos. Eu posso dizer que as crianças de 2 anos
são indisciplinados? Porque eles correm no pátio da escola [...]. eu não tenho
conseguido ter esse controle. E aí eu me cobro. [...] Aí eu me vejo como
vitrine... está todo mundo vendo, está todo mundo falando. [...] Aquela
professora é sem controle. E é porque ela está na formação (risos). Porque até
então estava indo tudo muito bem. [...] Esse é o sentimento que tenho vivido
hoje. E onde entrou o cuidado aí? O cuidado entra quando a colega me ouve.
Quando a colega diz: Fique tranquila! Sabe da experiência que viveu. E que
foi assim: Estamos juntas! Pode contar comigo! [...] A vontade as vezes é de
parar mesmo. Dizer por mim está entregue. Mas aí fico com o sentimento de
como vai resolver. E é complicado isso. Porque você está ali, tudo direitinho,
tudo certinho e de repente o negócio vira de ponta cabeça. E você fica
perdida de como resolver, com insegurança. E agora José, o que é que eu
faço? E como se colocar também no lugar da criança? [...] São realidades que
não são fáceis. Que tem o histórico de pais presidiários, de espancamento
dentro de casa. De criança de 2 aninhos chegar aqui roxo, de espancamento.
E a gente também se coloca no lugar. E as vezes eu fico pensando que não
136

teria sido bom ter construído tanto conhecimento. Porque aí eu ia fazendo as


coisas com menos preocupação. Aí ia dizer está aí, pronto e acabou. [...]
Conhecimento dói. Dói mesmo. Porque hoje eu fiquei muito mal. Porque eu
tive que fazer uma coisa que eu condeno. Eu não acho que é certo. Mas eu
me vi numa situação, numa pressão, que eu tive que fazer. E depois foi um
sentimento de remorso, de arrependimento, de o que foi que eu fiz? Não era
assim, ele só tem 2 anos. E já tem todo um histórico. Mas tive que ser firme.
Peguei a criança no braço e disse que ele iria sentar sim. Ele dizia que não
iria sentar. E eu disse que ele iria sentar sim. E você vai obedecer sim. Se
você se levantar eu vou pegar em você de novo. Quem vai pegar em você sou
eu. Não é lobo, nem bruxa, sou eu que vou pegar. E você vai ficar aqui sim. E
ele sentou. E de longe eu fiquei olhando. [...] Aí depois eu tentei remendar
aquela situação. Pedi para que ele pusesse as mãos sobre a mesa. Aí ele botou
a mãozinha. A mãozinha que eu segurei com força ele não colocava, aí eu
puxava e ele puxava também. E eu peguei as duas mãozinhas dele e dei um
beijo nas duas mãos. A tia vai beijar a sua mão. Como você obedeceu a tia. A
tia vai beijar sua mão! Mas quando você ficar teimoso a tia vai segurar. Você
quer que a tia segure sua mão de novo? Ele disse: Não! [...] E aí tudo o que
ele pegava ele me perguntava. O que é isso? É o óculos? Eu dizia sim é um
óculos. Tentando consertar. Porque para mim eu tinha quebrado minha
relação com ele. E aí eu fui tentando reconstruir aquela relação. [...] Mas
assim coisas assim que a gente lê, a gente estuda, a gente tem a prática.
Coisas que a gente condena. Só que tem situações, que... naquela hora eu já
tinha falado. [...] Eu me vi numa situação que eu tinha que pegar mesmo pelo
braço e tal. [...] E aí sim tudo aquilo que eu li, que eu já estudei, que eu já
vivi? Foi tudo por água abaixo.
Clara: Um detalhe interessante que tu consegue inclusive ver na sua fala é
que tu reflete. E que a teoria te ajudou a retomar e a refletir. [...] O que você
fez o que o grupo acha? Eu considero como cuidado também, colocar limites,
sem precisar de violência, mas conseguir encontrar um caminho para que a
criança possa pensar sobre como ele pode melhorar. E que precisa de um
outro para sinalizar isso. Aí na sua fala você disse que condena práticas como
essa. Mas no aqui e agora, que outras saídas tu teria? E infelizmente a
realidade das nossas crianças são gritos, surras e considero que você agiu
com humanidade. Porque você tentou de várias formas. Até você chegar no
topo. Mas você desequilibrou? Aí trago a teoria também, Piaget diz que para
gente aprender a gente desequilibra e reequilibra. [...] Aí é considerar que
estamos em processo de construção de identidade. Aí é perceber que você
tem algo muito legal, você reflete a sua prática. Então, não se sinta culpada
de ter agido assim.
Simplicidade: Na hora de dormir ele continua agitado, na hora de escovar o
dente ele corre. [...] E aí na hora de deitar eles ficam... Não quero dormir com
tia Simplicidade não.
(risos)
Ele tem medo de mim. Mesmo assim eu digo que vai dormir com tia
Simplicidade sim. Bora deite aqui. [...] Aí a gente se vê em um discurso. E aí
eu pensando no discurso da primeira formação. [...] E aí eu fico pensando...
minha gente todo o discurso de autonomia. Aquele discurso lindo de
autonomia. E agora as colegas me veem nessa prática. é aí que pega.
Carinho: Eu lembrei de uma coisa. Depois daquele dia que estávamos
conversando. Depois da palestra do Prof. Marcelo na secretaria. Que falaram
assim... gente esse discurso sobre autonomia, sobre a brincadeira. Que o
professor Marcelo estuda muito sobre a brincadeira. Que a gente se fosse
colocar em prática toda essa teoria, tal como é descrito... é impossível dentro
de um sistema, dentro de uma escola, que é uma educação sistematizada. A
teoria em si vai além. Porque na prática, no dia a dia surgem situações que
não tem outra alternativa, digamos assim. O que fazer naquele momento? A
teoria que a gente conhece, que aprendeu não resolveu. Não tem outra
solução. Não é assim? Cada uma de nós nos deparamos assim em algum
momento. Com essas angústias e as angústias dela também são minhas. [...]
137

Eu não tenho a varinha mágica. E digo vamos pensar. Enfim, você vai e é
uma situação daquela turma em um dado momento. Tentando. [...] Mas a
gente não tem mesmo uma receita. Porque aquela receita lá da teoria, a gente
não achou. A gente precisaria pegar uma outra coisa, talvez. Não é verdade?
Aí a gente precisa socorrer também.
Clara: O que a gente tira de reflexão para esse caso?
Sorriso: Eu também estou no mesmo barco de Simplicidade. Eu trabalhava
no interior, ai vim para cá. Aí é muito diferente. As pessoas lá são mais
educadas e aqui... E ontem aconteceu um episódio, chegou a mãe aí de um
mês para cá a criança vem para creche só chorando e chorando. E ela faz
todos os dengos dela, não é. E aí ela chegou e me viu colocando o outro no
repouso. Porque um menino muito indisciplinado, chutou o coleguinha.
Depois eu chamei ele, aí eu disse você vai sentar e ele disse não vou. E
coloquei para ele sentar na cadeira e ela não gostou. Quando ela veio buscar a
criança, aí chegou e colocou nos braços. E disse: Professora, não gostei do
que você fez. E disse que eu deveria ter feito assim: Meu filho sente aí, com
carinho. Quem está dentro da sala de aula, naquele contexto todo sabe que já
fez tudo para resolver e não conseguiu. O único jeito que achei foi aquele.
[...] Só não peguei no braço como Simplicidade fez, mas se a mãe tivesse
visto tinha condenado Simplicidade [...] E eu fiquei assim parada. Depois foi
para casa e ficou chateada segundo ela com o jeito que eu agi com a criança.
Eu disse: Mãe, eu fiz de tudo com essa criança. Eu já falei, já pedi, já
implorei. Mas ela continua do mesmo jeito, batendo no colega, chutando o
coleguinha. [...] Aí a gente fica cheia de angústia.
Simplicidade: E até chegar nesse ponto tem todo um contexto.
Sorriso: Exatamente.
Sorriso: Porque aí chegar para criança e dizer: Menino, vá sentar. Mas aí
desde um aninho que leva é murro na cara. Todo mundo conhece a forma
como ele é.
[...]
Sorriso: E a gente fica nessa angústia. Sei lá. Se a gente está fazendo certo.
Entendeu?!
Clara: É o processo reflexivo, de refletir a partir de um conhecimento.
Sorriso: E dói. Aí eu vou para F. (coordenadora) a gente conversa, a gente.
Aí é isso.
[...]Sorriso leu seu diário. E ao longo o grupo ria da maneira como ela lia.
Clara: Para você o que foi escrever isso?
Sorriso: Eu contei coisas que eu pensava de mim. [...] Sei lá meu jeito é esse.
Clara: E aí você se vê nessa imagem?
Sorriso: Sim, por meio da reflexão você se vê do jeito que você é. Para
entender e aceitar o próximo.
[...]
Clara: Alguém tem alguma pergunta, alguma colocação?
Paciência: Só para Simplicidade que eu queria dizer assim, que eu vejo ela
muito perfeccionista, sabe. E isso aí é o que deve estar te deixando chateada,
entendeu?! E com a educação infantil, é isso que eu acho na minha
concepção, não tem essa coisa certinha não. Eu acho que ele se sente tão a
vontade. Eu acho que ele nem tem isso na casa dele. De correr, entendeu?!
Porque o que deve acontecer na casa dele? A gente nem sabe. Se a gente
perguntar os pais dele, eles não vão dizer, eles vão falar o que eles quiserem
dizer. Aí ele fica correndo. Eu vejo assim que ele está se sentindo muito a
vontade. Como se fosse um parque, como se fosse um lugar muito bom. Eu
acho.
[...]
Carinho: [...] Olhando agora para tudo isso, vejo o que podemos tirar de bom.
Como as nossas crianças são autônomas. Claro que tem que impor um limite,
não é isso que eu quero dizer. Mas gente, quem foi que instituiu que na nossa
prática a gente saia e viva aquele modelo. Quem foi que disse que é o
momento para ir por exemplo para esse refeitório? Quem foi que disse que a
gente gosta de sair um atrás do outro? É ter a liberdade de andar, de
138

conversar. E uma criancinha nessa idade tem 2 aninhos. Não é que ele está
fazendo bagunça não. E não se culpe tanto, não. E entendo que você não vai
se eximir da sua responsabilidade de impor limites. Mas até onde? Aquilo ali
vai ser algo que será prejudicial mesmo para a aprendizagem. [...] Será se eu
não estou preocupada que fulano que não tem um pensamento pedagógico vai
estar pensando? [...] Eu estou falando de que as pessoas as vezes não tem o
entendimento, nem a propriedade para falar daquilo.
Clara: Eu tenho uma preocupação, de que as nossas escolas de educação
infantil estão entrando num padrão de institucionalização, como que as
crianças já estivesse sendo preparados para serem técnicos. [...]
Simplicidade: Vejo que a minha preocupação é com o que as pessoas vão
dizer. Quem vê uma cena, você vai fazer leitura daquilo que você viu. A mãe
de Sorriso fez a leitura do que ela viu. Mas ela não tinha o contexto de tudo o
que aconteceu. Todas as questões que aconteceram antes. Todo o contexto
que aquela imagem estava inserida. Ela não percebeu isso. [...]
Carinho: Quando a gente está num ambiente educacional, a gente enquanto
educadores temos uma responsabilidade maior. [...] O que me dá um
pouquinho de tranquilidade é que por exemplo, na discussão, não é... Porque
é que não pode? É algo tão demais assim, que a criança não tenha a
necessidade de se movimentar, sabe. Você me convence de que tem uma
estratégia melhor? Falo com o meu colega educador. Estamos todas aqui,
educadoras pedagogas. Porque é que o outro acha que é tão demais? Será que
deixar a criança estática como se fosse uma estátua é correto ou correr
livremente e andar devagar. O que é correto? Ah, o correto é deixar a criança
andar livremente. [...] Olha o que ela já construiu ali, o que já foi de mais
construtivo naquela criança, sabe?! As vezes as leituras que o outro faz nos
dizem muito. Eu não acho tudo tão demais. Eu acho que a D. é tão mais e
mais. Eu vejo angústia demais nela. [...]

Simplicidade ao expor abertamente acerca do problema inicial trazido por ela


que seria a limitação sentida por não conseguir manter a disciplina de uma criança de
dois anos, emerge reflexão sobre si, sua profissão e a formação adquirida de maneira
teórica e prática. Conforme Josso (2007) quando algum participante expõe questões e
preocupações ao grupo, revela-se o começo da reflexão do processo formativo como
saída do seu isolamento no desenvolvimento de novas maneiras de resolver as situações
inicialmente trazidas. Nesse desenrolar de um ponto inicial, muitos outros elementos
foram trazidos, tendo a abertura e participação desse segundo grupo na reflexão e
retomada do modo de ação.
Algo interessante na exposição da participante, foi na percepção que a
dificuldade no cotidiano escolar estava a afetar o seu “Ser” pessoal. Desse modo,
visualizamos que o professor da educação infantil que se implica na construção de cada
criança que ali está não deixa no espaço profissional o que fora vivido, mas carrega em
seu percurso pessoal. Um processo ideal para a não sobrecarga das imensas demandas
com as crianças, relacionados ao professor seria a contribuição de outros profissionais
de áreas diversas para ajudá-las em seus desenvolvimentos. Infelizmente a realidade é
outra, exigente e transbordante de fatores de mais trabalho ao professor que pensa e age
139

no acompanhamento de cada criança, desde quando demonstre um comportamento


adverso até quando há algum sinal de adoecimento físico, além das questões que
envolve esse “Ser” social e culturalmente.
A professora expõe uma desesperança quanto à dificuldade vivida e até se
questiona se a aquisição de conhecimento foi válida ou não para a colocação de sua
postura nos momentos de conflitos. O conhecimento para ela, não fora vivenciado na
prática pontual desse momento especificamente vivido junto a essa criança em que
considera que desequilibrou. Ainda entra em conflito de como inclusive nomear o
comportamento da criança, questionando se realmente era indisciplina.
Para Heidegger (2005) é condição humana ocupar-se desempenhando atividades
que indique o “Ser” da sua existência. O conflito faz parte já que envolve refletir,
experimentar, em dados momentos desanimar, mas nunca desistir de continuar a tentar.
O “Ser” retoma pela criatividade e o desejo por cuidar, transformando a desesperança
em novidade de ação. E a nova ação começou a ser reconstruída pela escuta sensível
propiciada no grupo, em que todas as participantes se envolveram empaticamente com o
universo trazido pela participante. A proposta da escuta sensível é o trabalho sobre o eu-
mesmo, não separando o “Ser” da realidade, mas o auxiliando na auto escuta para que
ele próprio possa compreender e escolher que rumos tomar sobre o refletido
(BARBIER, 2004).
A educação infantil é vista como um momento crucial para que a criança tenha a
aquisição de limites, disciplina, autonomia e a previsão de uma rotina pré-estabelecida.
Mas também é colocada como controle por parte de muitos professores, como uma
forma de organização das atividades que são realizadas de modo grupal, necessitando
em dados momentos de intervenção individual ao se perceber que a criança não
conseguiu avançar como o esperado. Pelo curto tempo de espaço de planejamento ao
longo da semana, esse professor muitas vezes busca responder as especificidades do
trabalho com as crianças, mas voltamo-nos a pensar nesse educador como pessoa que é
muitas vezes domado por um sistema de produção, exigindo tantas vezes mais do que
ele possa dar.
A participante se autocobra por não conseguir ter tido êxito por meio de diálogo
menos acirrado com a criança. E se questiona quanto o olhar do outro sobre a prática
executada por ela. É oportuno sinalizar que a participante em alguns momentos foi
convidada para ministrar formação para professoras da educação infantil da rede e sente
140

que é vista como modelo. Tal perspectiva foi construída internamente pela participante
e o grupo mostra para ela que a ajudará e colaborará no encontro de meios para
melhorar o fator que atualmente a preocupava.
Segundo Heidegger (2005, p. 78) “O ser, que está em jogo no ser deste ente, é
sempre meu. [...] A interpretação da pre-sença deve dizer sempre também o pronome
pessoal, devido a seu caráter de ser sempre minha: ‘eu sou’, ‘tu és’” (grifo do autor). A
participante em questão se coloca abertamente ao grupo, interpretando a si mesma, as
suas ações e as possíveis opiniões quanto a sua prática. Enquanto “Ser” em construção,
a interrogação fará parte do processo de envolvimento com o fator de mudança. O
cuidado se envolve do interrogar-se, percebendo que algo não está muito favorável para
a significação existencial e que se lançando a ver com os olhos da compreensão é
possível encontrar novas saídas para o que angustia.
Traçando uma linha de pensamento sobre a experiência vivida, a participante recai
na reflexão do cuidado sentido pela equipe, desde a escuta, a relação de confiança e
segurança. Mesmo assim, houve momentos que pensou em desistir, mas que foi
percebido reflexões empáticas, ao expor que entende também a criança, relatando outras
questões relacionadas à violência intrafamiliar vivida na comunidade escolar. Percebe
que a realidade não é fácil e que nesses momentos angustiantes o conhecimento está à
“deriva”, sem ter uma firmeza no chão da escola.
Rogers (2002) retrata que a pessoa ao se sentir aceita e compreendida, consegue
construir o seu modo de “Ser” de modo a se sentir acolhido e tendo liberdade na
expressão dos sentimentos cotidianamente. O grupo junto a essa participante a levou
compreender que alguns aspectos são difíceis de serem solucionados, mas se voltaram a
mostrarem que aquela criança estava a se realizar na liberdade de construir novas
maneiras de se envolver com a vida. Então, estimulam a pensar que seu trabalho não
está sendo em vão e que com a ajuda e o olhar atencioso a participante poderá ter
segurança no seu fazer docente através do apoio de sua equipe de trabalho.

Em outro trecho a participante indica que “conhecimento dói” e dói porque exige
muito de seu “Ser”. Ao falar que segurou o braço da criança e ter chamado a atenção,
sentiu remorso, já que ao longo de seu percurso formativo indica que sempre foi
colocado que o fator força deveria ser evitado para não produzir possíveis desvios no
comportamento da criança em seu desenvolvimento. Conforme Heidegger (2005, p.
111) “a atitude prática não é ateórica no sentido de ser desprovida de visão”. Esse
141

pensamento integrando com a fala da participante Simplicidade move a refletir que o


agir é contemplado no cuidado da ocupação, sendo necessária para que se retome a
angústia vivida por todas as tentativas em prol de escolher outros caminhos práticos.
Segundo Freire (2003) o conhecimento deve ser uma ferramenta essencial para
intervenção no mundo. A participante utiliza-se do conhecimento envolvida em sua
formação acadêmica e sabe quais caminhos o professor de educação infantil deve tomar.
Mas com tudo o que estava ao alcance percebeu que não houve obtenção de êxito em
suas tentativas, até chegar ao considerado seu extremo. Mesmo que a participante não
percebesse em primeira instância, a criança, deixando um pouco de lado o
conhecimento técnico, para se voltar ao “saber cotidiano” apontado na visão
“freireana”. Saber cotidiano para Freire (2003) é aquele que se sustenta na incorporação
de outras significações dadas pelo “Ser”, produzindo novos conhecimentos em seu
grupo social.
Concordando com esse aspecto discutido, outra participante em meio ao diálogo
sinaliza que “[...] Aí ele fica correndo. Eu vejo assim que ele está se sentindo muito a
vontade. Como se fosse um parque, como se fosse um lugar muito bom.”
(PACIÊNCIA). Por meio dessa fala, percebemos que o mesmo fenômeno foi
compreendido de modos diferentes, pensando nessa criança, no contexto fora da escola
em que está envolvida, levando a professora a se tranquilizar na mediação do tempo de
“Ser” que talvez seja diferente da temporalidade dos demais colegas.
O papel de facilitação para Rogers (2002) é compreender os sentimentos que
envolvem o grupo, aceitá-los e construir o espaço de confiança a partir deles. A posição
enquanto facilitação no grupo teve como preocupação a atitude de respeito, a aceitação
do outro e o modo de “Ser” e pensar de cada pessoa que ali estava. O facilitador no viés
“rogeriano” tem que saber realizar os questionamentos que levem a pessoa a se
interrogar e no tempo oportuno para não empobrecer o processo de construção para
retomada. Como na elaboração de uma arte, a facilitação se envolveu de demonstrar
uma relação sincera, de aprendizagem com o processo e com a degustação do prazer de
formular novas compreensões emergidas no grupo.
Outro ponto levantado foi acerca da autonomia e havendo a preocupação com a
educação sistematizada, que a criança tem que ter um determinado padrão de “Ser”.
Para Freire (2003) a autonomia se faz pela capacidade de decisão quanto ao seu próprio
destino vivido pelo “Ser”. Autonomia essa pensada como emancipação do homem,
142

assumindo em si o caráter de criticidade, de perceber o que seria bom ou ruim para si e


ao seu coletivo. Em meio às práticas da educação infantil, o professor que permite que
estimule minimamente a autonomia, sabe que o fazer do cotidiano é inesperado e não há
receita pronta. Além de que tenha clareza que autonomia não é permissividade, mas
estabelecer através do diálogo as regras para uma convivência harmoniosa entre todos.
A participante Sorriso expõe também uma dificuldade vivenciada, só que em seu
caso com a mãe de um dos seus alunos. A mãe se sentiu incomodada no modo como a
professora se dirigiu ao seu filho. E retrata a maneira das famílias tratarem o professor
em uma experiência anterior em uma escola do campo, em sua fala traz “As pessoas lá
são mais educadas e aqui...”. O exercício docente é visualizado pela professora como de
imensas cobranças pelos pais das crianças, mas com o apoio da coordenadora sente que
tem condições de redimensionar suas práticas.
A participante Carinho em sua fala mostra que a experiência é o que acontece
conforme Bondía (2017) com aquilo que choca, que nos emudece, nos indica sensações,
para que nessa agitação consiga ser escutada a partir do que a realidade traz, o que cada
criança ou pessoa que permeia o espaço da escola fale com palavras e ações o que se
precisa ouvir para convencer que os aparatos educacionais vão para além do que é dado
e estabelecido nas sequências didáticas, mas que é a vida que deve continuar a pulsar
nesse fazer e refazer docente.
O cuidado em meio às discussões nesse encontro pode ser visto para além da
ocupação e sim como preocupação que se envolve e suscitam do “Ser” as forças para
retomar, perceber as inseguranças e com a ajuda de outros a dar sentido às pequenas
ações de humanidade. Para tanto, o professor de educação infantil carrega em si as dores
e os amores com aqueles em quem está cotidianamente envolvido e estrategicamente
vão percebendo que vão se sentindo cuidadas ou se autocuidando por meio dessas
relações. Desse modo, foi trazido pelos grupos as referências quanto as estratégias
utilizadas para o autocuidado.

Estratégias de busca de autocuidado

No cotidiano o “Ser” se mostra como presença, se movendo dentro da cultura, se


diferenciando socialmente, mas frequentando o mundo que envolve ser-em que
“determina por completo o seu ser” (HEIDEGGER, 2005, p. 91). Ou seja, na visão de
143

Heidegger (2005) ser-em é uma constituição existencial, pensando dentro de si o seu


modo de habitar e conforme Boff (1999) animar o corpo que é sua morada.
Ainda segundo Boff (1999) ser pessoa indica que a acolhida à vida, as virtudes e a
capacidade de realinhar a humanização de si faz parte do cuidado. Para Heidegger
(2005) não há separação entre o que seja o corpo e a energia de vida que o envolve, o
filósofo traz que a afirmação ‘sou’ condiz com o estar ‘junto’ de maneira familiar. A
partir da perspectiva de Heidegger (2005) e Boff (1999), compreendemos que o
autocuidado é a expressão sublime da existência do cuidado do ser-no-mundo junto a
outros, se empenhando para cuidar da vida que lhe é presenteada, desde as relações, até
o seu estado físico, que envolve alimentação, respiração, assimilações criativas de busca
de bem estar e compreensões aos fatores que levam a desequilibrar perante as crises
existenciais.
As participantes da pesquisa-formação pontuaram que o autocuidado se interliga
aos desafios da cotidianidade, especificamente com as atividades vivenciadas na
educação infantil. No processo de compreensão auto avaliativa a participante Amor do
primeiro grupo traz em seu discurso: “Eu posso dizer que a experiência com o infantil
estou tendo agora, nesses dois anos. Aí é muito esforço. E digo que fico falhando no
cuidado mesmo pessoal. Mas aí quando dá e quando tenho tempo aí descanso, saio com
os amigos, junto a família para ser presente”.
Nessa fala da participação percebemos que coloca como prioridade o trabalho
com as crianças, e somente quando dá tempo se propicia momentos de descanso e lazer
com os amigos e família. Para a participante o autocuidado está voltado para estar-com-
o-outro. Mediante isso, Heidegger (2005) em sua discussão quanto a presença do ser-
no-mundo, interroga como o “Ser” sai da esfera interna para conhecer a externa. Já nós
em torno dessa reflexão, podemos pensar: como o educador de educação infantil sai do
externo para conhecer o interno? Ou seja, perceber e compreender os sinais vigentes em
si, que corre o risco de saltar a extremidade do descuido.
A participante em seu relato expõe que está sendo falha no autocuidado, mas com
a reflexão emanada de seu interior considera que há alguns resquícios de estratégias de
como propiciar esse cuidado. Conforme Josso (2007) o “Ser” que reflete sobre si é
engajado na busca de sanar as emergências interiores, provocadas pelo seu meio. Uma
estratégia nesse gerenciamento de autocuidado a partir do trabalho em equipe é o olhar
do outro sobre as ações. Assim a participante Carinho do segundo grupo se posiciona:
144

Então eu me senti muito cuidada, em chegar para uma colega e dizer assim:
Ah! Hoje eu estou chateada! Sabe?! Assim, momento de desabafo. [...] Para
que o outro também perceba que eu sou ser humano, que passo por situações.
Eu pude contar com esse ouvir de muitas aqui. E um ouvir sincero. Que
entende, que estamos no mesmo barco. [...] Para mim foi muito importante.

A escuta sensível é reconhecida pelo outro como a aceitação incondicional,


conforme a fala apresentada a participante sente que com o seu desabafo não foi
julgada, nem comparada e muito compreendida. As educadoras de educação infantil que
constantemente estão na convivência do espaço escolar se fortalecem através de práticas
cotidianas e da relação de confiança com seus pares que dão a nitidez dos sentidos de
cuidar no respeito, na ternura e na segurança de relação de confiança (BARBIER,
2004).
Outra estratégia de autocuidado trazida por uma das participantes também do
segundo grupo é o fator relacionado à aparência, considerada por ela como autoestima.
Determinada nos fala em seu diário reflexivo: “Eu às vezes me dou uma coisa, que falo:
não, agora vou arrumar meu cabelo, fazer a minha unha, etc. E você acredita que dá
certo. Fico poderosa, alegre e me sinto feliz, podendo assim, esquecer um pouco dos
problemas e recebo elogios. Aí é que a autoestima sobe, muito bom”.
A autoestima pode ser considerada um dos elementos de afetividade no
autocuidado. Na visão de Boff (2013) a autoestima é uma construção, que é necessária
engravidar de sentido na construção do humano. Para tanto, o modo-de-ser não é um
novo “Ser”, mas ir estruturando e dando novas formas a tal constituição. Assim, o “Ser”
se nutre, se recupera e promove cura em si buscando outras cores, outras imagens,
outras escolhas em sua vida pessoal e profissional.
Morin (2000) expõe acerca da complexidade humana e traz que somos parte de
um mosaico grande e infinito que é a vida, participando de muitas histórias, se
entrelaçando com as experiências coloridas, doloridas e sofridas, mas que estrutura
nosso jeito de “Ser” e se envolver consigo e com o outro. A importância de cultivar a
autoestima nesse espaço de discussão, move a refletir que as ações carregadas de
(com)paixão nutre o ânimo no cotidiano do envolvimento afetivo no autocuidado.
Outro modo de perceber o autocuidado são os momentos junto aos seus: famílias
e amigos. No diário reflexivo a participante Criatividade escreve “Aproveito muito os
momentos que estou com minha família, são os momentos mais importantes e felizes da
minha vida, no qual cuido e sou cuidada”. Segundo Boff (1999) o cuidado de nossas
mães e avós é gerador, já que pela atenção por elas diretamente reservadas fomos nos
145

desenvolvendo, assim é o primeiro norteamento do estar-junto-ao-outro como nos diz


Heidegger (2005).
Ainda Boff (1999) indica que a dimensão de ser mulher-mãe carrega dentro de si
um útero acolhedor não só de filhos por ela gerados, mas de outros que se aproximarem.
Como educadoras e educadores que se devotam a acompanhar o desenvolvimento das
pessoas em sua busca de experimentar a chamada “aprendência” como nomeado por
Macedo (2000). Outra estratégia que é sinalizado na discussão desse grupo é o fator de
desvelo ao cuidado de alguém e os momentos de convivência plena com os seus, como
afirmado pela participante, o cuidado com o outro que emerge a sentir-se cuidada.
O elemento alimentação também aparece como estratégia de autocuidado. A
escrita do diário da participante Simplicidade assim expõe: “[...] Sempre gostei de me
alimentar bem e faço isso nos dias que acordo com a auto estima elevada, geralmente
nos finais de semana e férias. Penso que o hábito de alimentação está relacionado
também a auto estima, uma vez que corpo e alma estão conectados
incondicionalmente”. O cuidado para Boff (1999) perpassa pela manutenção da vida na
perseverança de prevenir antes que o adoecimento ocorra. Em breves observações
percebemos que o fator alimentação no cotidiano das professoras de educação infantil é
preocupante, já que a qualidade de uma alimentação rápida é a opção mais acessível, o
tempo destinado para o intervalo entre uma e outra atividade é curto, sendo pois lançada
como opção o preparo de alimentos menos saudáveis. Mas não é impossível de alterar
essa questão, o grupo pode se tornar uma verdadeira organização de alimentação
saudável, como um modo de autocuidado.
A participante Simplicidade ainda esclarece que o preparo de uma alimentação
mais cuidadosa é dada pela influência da autoestima e ainda expõe a não dissociação do
“Ser”, mas o percebendo integralmente. Para Boff (2013) o cuidado básico é a
vigilância sobre seus limites, criando projetos de vida consistentes que o lance ao
resgate de sua humanidade. E para se viver o autocuidado as participantes mostram que
o fator tempo é determinante nesse processo, em que relatamos na próxima unidade de
sentido.

Tempo mobilizador ou paralisador do autocuidado


146

“Vem vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera
acontecer”8. O tempo será sempre o mesmo, mas são as pessoas que farão a sua
alteração. Para Heidegger (2005) a temporalidade ocorre por meio da unidade entre
existência, facticidade e de-cadência. Em outro momento em nosso escrito tratamos
acerca dessa estrutura do “Ser” apontada pelo filósofo, mas podemos recordar a
existência sendo o ser-aí na condição ontológica em existir, a facticidade em que o
“Ser” é lançado no mundo e que é possível realizar suas escolhas para melhorar sua
história e a de-cadência como mesmo a palavra traz envolve queda, caída, seria os
fatores que nos levam a ter conflitos existenciais e que o “Ser” foge em estar-diante-de-
si-mesmo (HEIDEGGER, 2005).
Nas palavras de Heidegger (2005, p. 123) “[...] a temporalidade é – sentido da
cura”. A temporalidade acontece na visão “heideggeriana” nas maneiras possíveis que
“Ser” vai se tornando si mesmo. E é com o encontro consigo mesmo que acontece as
pluralidades no modo-de-ser e no porvir, vai se despertando para a “acontecência” em
autocuidar, cuidar do outro, do mundo e das coisas.
Nessa unidade de sentido o tempo é visto pelas participantes como mobilizador ou
paralisador do autocuidado. A participante Carinho compartilha em sua fala:

O cuidar é isso, um cuidar, um ouvir. É muito mais do que o material. É dar


atenção. E que está difícil. Está difícil porque a nossa rotina. Nossa sociedade
hoje. Digamos assim que você não tem tempo para nos organizarmos. [...] E
aí poderíamos fazer algo bem melhor, mas o tempo não nos permite. Porque
a gente vive de regras, de um sistema que tem que seguir. E que acaba que
você não faz como deveria ser feito.

O tempo é visto pela participante como paralisador de ações quanto ao cuidar, a


sua primeira indicação nessa fala é acerca do ouvir e remete aos aspectos da atualidade
no que tange a sociedade multifacetada em que a regra do tempo é produzir e o sentir a
experiência é deixada em segunda instância. Segundo Heidegger (2005) as dificuldades
do “Ser” para com o tempo é referente ao deixar-vir-a-si. No caso das professoras da
educação infantil, a rotina prevista para se executar ao longo do dia junto as crianças
ocorre como um norteador e com criatividade esse educador pode ir estabelecendo o seu
próprio tempo de autocuidado.

8
Trecho da música Pra não dizer que falei de flores, composição de Geraldo Vandré em 1968 e recordada
em uma das orientações.
147

Considera-se muito relevante a coragem por parte do grupo em efetivar a


pesquisa-formação no horário de suas atividades junto as crianças. Enquanto que talvez
em outros espaços, a organização para tais encontros poderia ocorrer de maneira a fazer
com que esse professor viesse a se encontrar em mais um dia da semana. É provável que
os resultados obtidos sofreriam alterações, já que a abertura total possa não ocorrer caso
não valide e a escuta do desejo do grupo.
Em seu diário reflexivo a participante Determinada escreve: “[...] O dia a dia é
muito corrido e acabamos esquecendo de nós mesmos. Não pode acontecer. Porque só
conseguiremos fazer um bom trabalho, se estivermos bem com nós mesmos. Saber
dividir o tempo para você, ou seja, cuidar, para auto estima melhorar”. Para a
participante, o tempo deve ser mobilizador de práticas de autocuidado, tendo equilíbrio
entre as várias dimensões do cuidar para não deixar nenhum dos lados descobertos pela
sua ausência.
É pelo tempo que possibilitamos a constituição da cura como diz Heidegger
(2005), mas se não começarmos no presente instante a cuidar vamos ficar como que
esestáticos esperando um porvir que nunca irá chegar, já que “o tempo original é finito”
(HEIDEGGER, 2005, p. 126). Pelas decisões mantidas em sua existência o “Ser” deixa
transparecer os aspectos de cuidado em sua temporalização. Mas por sermos ser-de-
cuidado algo que não podemos esquecer é da relação com o outro, com o cotidiano
corrido não podemos deixar passar despercebidos o outro que precisa de nossa pre-
sença, como o ocorrido no fim do encontro com o segundo grupo a professora Alegria
perguntada sobre a questão do seu autocuidado e do cuidado com o outro ela chora e
fala no grupo: “Esse meu jeito de ser alegre e agora vem as lágrimas é a tristeza que eu
tenho sentido na minha vida. (silêncio e choro) [...]” Desse modo, o grupo decide
abraçá-la.
O silêncio e a acolhida fez parte desse momento, permitindo ecoar o afeto
construído e dando apoio necessário a colega de trabalho que cotidianamente torna o
lugar alegre através de seu sorriso e do seu modo-de-ser. A qualidade desse breve
tempo, das poucas palavras, do abraço e do silêncio nos mostraram que o cuidado é
aquela relação, dentro da temporalidade e da história que se preocupa, se envolve com a
vida do outro, que demonstra solidariedade e compaixão (BOFF, 2006).
Nas falas e leituras sobre o que traziam para o compartilhamento no grupo, as
participantes se colocaram de maneira aberta, compreensiva, alegre e espontânea,
148

pensando numa retomada reflexiva de ações e planejamentos de vida. Ao realizarem a


leitura dos diários, as participantes deixavam expostas algumas alternativas quanto ao
autocuidado e muito o que envolviam o cuidado com os outros. Questionamos sobre os
motivos de terem escrito mais o cuidado com o outro do que consigo, em que falaram
que sentiam que cuidam mais do outro, que não dispõe de tempo para olhar para si e que
a condição que atualmente se veem é de se disponibilizar totalmente para o outro,
consequentemente deixando um pouco de lado o autocuidado.
Nos grupos se apresentaram questões diferentes e que envolveram a prática da
escuta e compreensão de umas para com as outras. Em um grupo, veio à tona as
problemáticas relacionadas aos aspectos familiares, desde tempo não disponibilizado
aos filhos até mesmo aos cuidados sentidos como exigentes para com os pais idosos. As
histórias que se relacionavam às dificuldades familiares foi o ponto chave de um dos
grupos para a compreensão do autocuidado e do cuidado com o outro. Sentimento de
perda, de temor a ausência, de alegria por ter vivenciado processo resiliente muito
envolveu e mobilizou um dos grupos.
Já o outro foi permeado acerca da dificuldade de uma das professoras quanto ao
lidar com indisciplina em meio ao cotidiano escolar. O grupo se sensibilizou,
interpretou e se lançou para contribuir na compreensão das crianças que estavam
causando preocupação na participante. E de como ajudá-la a ver com outros olhos, o
que realmente as crianças apresentavam diante das ações que mantinham, como por
exemplo: correr no pátio e não entrar na fila quando solicitado pela professora. Vale
salientar, que a criança pontuada pela professora tem dois anos de idade, levando a
compreensão por parte das demais participantes, como necessidade psicomotora de
expressão de outras maneiras e não somente o que estava posto diante delas. Outro
ponto trazido, em meio a conversa foi a realidade social e familiar das crianças da
escola, em particular os aspectos de vulnerabilidades que de alguma maneira interferem
nas ações cotidianas das crianças com as demais pessoas que se relacionam.
As professoras de educação infantil têm mais do que somente a exigência de
inserir a criança no mundo das primeiras letras, do aperfeiçoamento da imaginação e da
psicomotricidade, mas se faz também alguém que observa o contexto sociocultural em
que as crianças estão inseridas, escutando suas histórias, o que pensam, o que sentem e
o que desejam.
149

Em meio ao grupo, a professora em questão se mostrou mais tranquila para se


reavaliar quanto as ações junto as crianças de sua turma. E as demais professoras se
mostraram também abertas a reverem suas práticas, fortificando o trabalho através da
escuta com as outras, num esforço de buscar saídas para melhoria da qualidade de suas
ações pedagógicas.
O teórico apresentado ao grupo nesse encontro foi Carl Rogers (guia formativo) e
conforme citado pelo grupo houve a empatia na vivência do encontro, de maneira a
abertura para escuta e ajuda numa busca de solução para as várias problemáticas
apresentadas. Em grupos de pesquisa-formação a relação interpessoal, o afeto e o
interesse pelo outro se mostra como precursor de cuidado mais efetivo, vivido
espontaneamente na cotidianidade das atividades com todos os que envolvem o “Ser”
(ROGERS, 2002; JOSSO, 2007).
Na avaliação do encontro, as participantes expuseram que o momento foi um
espaço de valorização da experiência, do colocar o que sentiam, da forma como viam,
do jeito que são e sentiram aceitação por parte de todas para vivenciar autoavaliação e
atualização das suas existências. A pesquisa-formação envolveu o processo reflexivo da
vida de cada participante dentro e fora do espaço de trabalho. E viram como momento
cuidador, elevando para sensação de leveza, de tranquilidade e de suavização diante das
dificuldades cotidianas vividas. Podemos acompanhar no trecho como aconteceu a
avaliação referente ao segundo grupo:
Clara Como avaliamos nosso encontro de hoje?
Paciência: Eu estou me desbloqueando, sabe. Eu gosto muito de ouvir.
Significativo, aproximação, escuta,
Clara: Como estamos saindo?
Carinho: Me sinto mais leve, coloquei a palavra aproximação, porque eu me
reportei a dinâmica inicial. Como é difícil a gente olhar no olhar, porque a
gente se sente constrangida. Todas nós. E o momento de aproximação que foi
a dinâmica. Aí cada um, eu estou sentindo assim, que você não está só. Que
algumas pessoas estão perto e que a gente não está só. Mas assim, eu estou
sentindo que a gente está para se ajudar, sabe. Uma mais perto da outra. Foi o
que ficou para mim hoje. Aí a gente sai bem mais leve. Com certeza.
Simplicidade : Acho que acolhimento, seria a palavra. Não que eu não me
sentisse acolhida. Mas foi um acolhimento sentido. [...] E eu estou mais leve.
E querendo entender mais sobre a angústia. E percebi que não é ruim se
angustiar. E eu fiquei mais leve de ver que a minha angústia é necessária. E
outras pessoas conseguem perceber de outra maneira que eu não percebia.
[...] Aí a partir de agora vou tentar ver essa situação com outros olhos. Não
mais como uma tempestade dentro de um copo d’água. [...]
Clara: Eu fico feliz de aprender com vocês.
Criatividade: A palavra para mim é motivação. Falta esse momento. De saber
o que o outro está pensando. O que está vivendo. E quando chega, cada um
fica no seu cantinho e não sabe do outro. E juntos a gente pode melhorar.
Carinho: [...] Que momento legal você nos proporciona para gente. E só tem
a agradecer. Porque eu faço a minha leitura da sua ação. Tão pouco a gente
150

tem de conhecimento de propriedade. De chegar junto e poder cuidar. [...] E


esse momento permitiu que a gente ouvisse uma a outra. Aí é a questão do
estar se policiando mais, talvez. [...] Só tenho o que agradecer, viu.
Simplicidade: Confesso, que vim hoje temerosa e ficava pensando como vai
ser esse encontro hoje? E junto ao grupo vi que ele se uniu. E fiquei pensando
o que você vai mexer com o quê? E a leitura dos diários não foi vazia, foi
carregada e escrita com o coração. Porque juntas fomos reescrevendo com o
coração.
Criatividade: Ótimo esse momento, de conhecer um ao outro. Na correria
você não sabe. Aí é um motivar o outro. Era importante se isso tivesse em
todas as escolas esse momento de se encontrar, de trocar conversas.
Clara: Gente, se vocês permitem eu quero compartilhar com vocês um poema
que escrevi pelo contato com um grupo de professores de uma rede
municipal. E que muito me trouxe aqui nesse momento. E que acho que tem
muito haver da revelação de cuidado que fizemos hoje.
Poema – Revelação de cuidado9
O que falar diante da dor.
Da dor de querer.
Da dor de saber.
Da dor de desejar vencer.
A dor que dói no corpo e na alma.
Que paralisa e que angustia o ser.
Educar também dói.
Exige tempo, delicadeza, renúncia, abertura e sensibilidade.
Educar cuidando, dói mais ainda.
Porque leva a mudar e a transformar.
Transformar o quê?
Transformar o meu perceber,
Nas estradas do meu viver
E buscando o meu renascer.
Toda dor deseja cura. Cura em um mar de secura, de angústia, de escuta e de
energia.
Mas a cura é cuidado.
Por isso, precisa de tempo, de esperas e de atenção.
Cuidado curador se faz de inquietude do coração,
Para aprender de “cor”, a cor mais bela de uma nova motivação.
Motivação de cuidar de si,
E afirmar a vida que ainda pulsa,
Que dança, que canta e que ecoa
Na realidade de humanização.
A dor mais profunda se cura com amor,
Com afeto, com atenção e inquietação.
Só o amor expande o cuidar de mim, para cuidar do outro,
De modo gratuito, contínuo e necessário
Numa relação de com-paixão, estando e sendo a própria paixão de amar!
(Palmas)
Carinho: Tem certeza que esse poema não foi feito para gente?
Clara: Também, foi feito para vocês. Mas isso é de tudo o que ando vivendo
com vocês, com outros grupos...

Avaliar os caminhos é sempre retomar e ver o que podemos melhorar para os


próximos. Mas ao avaliarem esse encontro, as participantes perceberam a necessidade

9
Esse escrito foi feito após o momento com professoras em adaptação Secretaria de Educação –
Petrolina – PE no dia 12 de setembro de 2017.
151

de estabelecer os contatos com o grupo de trabalho. Os fardos tornam-se mais leves, as


angústias são movidas para a reflexão e o que é produzido se constitui de vida. É uma
grande esperança, como mesmo uma das participantes coloca “se outras escolas
pudessem ter esse momento”. E avaliam que quem media tem a tarefa primordial de
mobilizar o grupo, com isso a importância do pesquisador nessa estratégia de pesquisa-
formação se mover com abertura e relação de companheirismo, de que o saber é uma
construção de trocas e que dialogando chega-se a reflexões para mudança.

6.3 O cuidado com o ambiente: o resgate de nossa humanidade.

Ao pensarmos sobre o modo de habitarmos o espaço que estamos, Boff (1999)


vem afirmar que somos envolvidos da filiação da Terra, que conforme os gregos
chamando-a de deusa Gaia, mãe de todos, somos por ela constituídos. A
representatividade do feminino da Terra, como mãe, que concebe, gera e entrega a vida.
Envolvemo-nos com a sensibilidade de sermos sustentados por Gaia, que cuida e que
interliga todos os povos, como uma comunidade terrena de filhos e filhas da grande e
generosa mãe Terra (BOFF, 1999).
Partimos dessa imagem figurativa do cuidado para com o ambiente que estamos
por meio da Terra e de tudo o que a envolve, para dedicar tempo especial para
compreender que a existência do outro envolve o grupo e suas relações, à medida que
vão tendo abertura e que se importa assim como uma mãe pelo seu bem-estar e daqueles
que estão interligados.
O início desse terceiro encontro foi envolvido da dinâmica Os humanus
cuidando da humanidade (guia formativo), vivido de maneira ativa e participativa, na
dimensão do dar e receber cuidados. Todas as participantes mergulharam na vivência,
de modo a permitir receber os cuidados diferenciados estimulados pela dinâmica,
tornando o grupo mais leve para os momentos posteriores. Na avaliação inicial da
dinâmica, mais uma vez retorna a questão do tempo disponível para essas vivências, que
precisa dar continuidade e tendo a motivação para a impregnação de melhores relações,
mais próximas e afetivas.
O cuidado em Heidegger (2005) envolve o ser-no-mundo vivendo inserido numa
temporalidade. Somos, pois, marcados por uma realidade de aceleramento da vida,
152

complexa e rápida no estabelecimento desse mundo moderno. Vivido de maneira


apressada, lançando tantas vezes a indiferença, que também pode ser visto como
descuido para consigo, com o outro e com o meio que se faz ser-aí. E posterior a
indiferença, o que ocorrerá segundo Heidegger (2005) é o esquecimento-do-ser. A nossa
proposta formativa vem resgatar essa condição de compreensão do sentido do “Ser”, no
aspecto do cuidado, que se encontra no próprio Dasein e que carece de reflexão para
melhores ações no mundo vivido.
Como no outro encontro, os grupos da pesquisa-formação aconteceram em dois
momentos, pela manhã e pela tarde. No início novamente as mesmas participantes do
encontro anterior, sinalizaram a dificuldade em escrever o diário reflexivo, tratando dos
mesmos motivos: falta de tempo, compreensão e reflexão. Ao vermos que esse elemento
se repete, pensamos na perspectiva do poder-ser que Heidegger (2005) traz, para
explanar acerca das possibilidades de singularidade existencial envolvida de liberdade,
mas que de alguma maneira inquieta trazendo angústia, que ainda não se revelou pelo
Dasein.
Para tanto, questionamos como o grupo poderia ajudar na formulação dessa
escrita, mas as participantes reforçaram que iriam tentar escrever suas reflexões no
diário. Deixamos em aberto o aspecto de ajuda, caso fosse necessário e sinalizado por
cada uma, podendo ser deliberada uma das participantes de maneira espontânea a essa
atividade. Heidegger (2005) expõe que o “Ser” necessita de ajuda, por visualizar o
perigo em poder-ser, de não conseguir lidar sozinho consigo mesmo. Diante da
liberdade em “Ser”, o Dasein se confronta com a imperfeição de sua essência. O ser-aí
sente-se limitado na possibilidade de viver criativamente, por isso restringe a sua
liberdade a angústia do “não conseguir”.
Retomando o encontro anterior, surge essa discussão no primeiro grupo:

Clara: Hoje como é que estamos?


Guerreira: Bem cansada. (Risos)
Fortalecida: O hoje, hoje meu está bem, mas essa semana não foi bem não.
Meus familiares recebeu uma notícia muito terrível, não é. Tenho uma prima
que não mora por aqui, mora em outro estado. Aí ocorreu que mataram o
filho dela...a pedradas. Então foi uma notícia que abalou muito a minha
família, não é. Podem me ver assim sorrindo sei lá o quê. Mas por dentro está
doendo. E causa uma revolta, porque a gente fica se perguntando porque
mesmo aconteceu. Mas foi terrível, quer dizer está acontecendo.[...] O corpo
dele foi encontrado em Alagoas. [...]
Clara: E da última semana que nos encontramos para hoje?
Guerreira: Foi boa. Foi leve. E assim depois do encontro foi ótimo, porque é
assim, parece que a gente se sente mais leve. É bom esses encontros assim,
153

compartilhar, conversar. [...] Eu naquele dia mesmo me senti ótima. A


sensação é que a gente tava num consultório. (risos)
Fortalecida: Eu estava comentando com Carinho e Amor ontem, eu dizia
para elas o tempo que a gente vem convivendo e eu olhava para Amor e via
ela fechada. [...] Aí as conversas daquele dia a gente já foi se abrindo mais.
[...]
Clara: O cuidado gente é uma construção, não é algo que a gente vai
conseguir realizar de hoje para amanhã. O que essa pesquisa que estamos a
mediar é uma primeira pitada para uma realidade que pode ser continuada das
várias maneiras.
Amor: E necessária, não é. Porque as pessoas estão mais individualistas, não
é. E aqui a gente está se colocando no lugar do outro. [...] Eu penso demais
em relação aos alunos, a família deles. Mas é assim é constante essa
preocupação. [...] Ver o aluno com outro olhar e as vezes a gente pensa que é
uma coisa, mas não é.
Clara: E tanto Leonardo Boff que vamos estudar um pouco hoje quanto
Heidegger fala que o cuidado é para toda a vida. É da constituição do ser
humano a relação cuidadosa. E a nossa prática é de fazermos as leituras dos
diários que vocês preparam previamente, aí vamos compartilhando ideias e
instigando também. Hoje a nossa temática envolve o cuidado com o lugar
que estou [...] Quem quer começar a leitura. (Risos)

Nesse breve diálogo inicial nesse encontro, percebe-se que as participantes


demonstram exaustão perante as suas atividades cotidianas, mas que a discussão
levantada até então pelos encontros vividos tem contribuído para amenizar um pouco
das dificuldades do dia a dia, além de fortalecer os vínculos enquanto equipe de
trabalho. Josso (2007) indica que as transformações ocorridas entre as pessoas ao longo
da formação resultam em um engajamento contínuo de olhar para o que emerge em seu
interior e pelas provocações do ambiente. Em consonância a essa ideia Boff (2003)
mostra que o cuidado perpassa a busca de tornar os lugares sociáveis numa atmosfera
menos desumana, como o indicado pela participante Fortalecida, afirmando que por
conta da mediação no grupo houve proximidade com algumas colegas que não mantinha
muito contato.
Outra observação é que o encontro não se encerrou somente no dia e horário
agendado, mas que foi continuado pelos corredores e breves intervalos na escola. As
professoras de educação infantil por muito conviverem tiveram a possibilidade de
continuar o exercício da escuta, de modo descompromissado, sem necessariamente ser
por conta de um elemento de pesquisa, mas pelo desejo de continuar o encontro com o
outro. E juntas foram descobrindo mais e mais de si mesmas, entrando em sintonia
profunda e de modo recíproco a arte de encontrar-se também na outra (ROGERS,
2002).
No início da leitura dos diários e exposições das experiências, o primeiro grupo
logo iniciou suas falas. Dando tempo a cada uma de se colocar e na medida em que iam
154

escutando, muitas se emocionavam e relacionavam fatos pessoais e de como haviam


superado algumas barreiras. Voltamos a conversar sobre os aspectos de relação
apresentados pertinentemente no encontro anterior e que retornaram ao centro das
discussões quanto às experiências de cuidado com o ambiente.

Já o segundo grupo no início, foi vivenciado de maneira mais cautelosa, o grupo


parecia estar reflexivo por algo externo aos encontros da pesquisa-formação
propriamente ditos, mas que emergiu uma discussão em torno de questões que surgiram
na experiência do cotidiano:

Clara: E aí pessoal, conseguiram refletir, fazer algo em seu diário reflexivo?


(Silêncio)
Sorriso: Vai Carinho!
Carinho: Fiquei em silêncio para Sorriso falar primeiro (risos)
(Silêncio)
[...]

Assim cada grupo tem seu tempo, seu jeito e seu modo de organização. O silêncio
demonstrado nesse início vem emergir muita reflexão, ao grupo é importante dar o
tempo das esperas e respeitar os limites de cada participante. Para Amatuzzi (2010) o
silêncio é primordial na perspectiva de uma palavra pronunciada e encarnada da
experiência que envolve o sentimento e as revelações das ideias para o ato criativo de
retomada. O pesquisador em dados momentos se angustia com o silêncio do grupo, mas
a essência do silêncio indica a novidade do sentido, já que se reflete o refletido, ou seja,
ali na ausência da palavra pronunciada estava emergindo a reflexão do que ora sentiam
que estava a desalinhar quanto à harmonia do convívio do grupo de professoras.
Visualizamos que a unidade de sentido principal nesse encontro facilitados nos
dois grupos foi o cuidado com as relações, no qual acompanharemos a partir de então.
Pela ordem dos fatores ao longo da discussão organizamos as unidades de sentido em:
cuidado com a ambiência da escola, cuidado com as relações, ambas vividas
pertinentemente no diálogo dos encontros e cuidado com o corpo e cuidado com os
lugares observados nos diários reflexivos.

Cuidado com a ambiência da escola (lugar, pessoas, fazer docente)

Nossa condição ontológica de ser-no-mundo, mostra-nos que existimos numa


unidade segundo Fonseca (s/d) que não se aparta, mas coexistimos com o mundo,
implicados nessa convivência com o ambiente. Boff (2013) fala que a o ambiente é um
155

organismo vivo, em que suas partes de correlacionam e se interligam com os seres,


dentre eles o homem. O ambiente nesse fazer docente da educação infantil é pulsante,
vivo, em movimento constante em prol de desenvolvimento para algum caminho, seja
para o favorável quanto para o desfavorável, tudo dependerá das pessoas que dele fazem
parte, dos sistemas que influenciam nesse ambiente, nas questões sócio-política-
econômica-cultural brotada do chão da realidade. A escola não se faz somente das
quatro paredes e nem se sustenta nesse quadrado construído, mas pelas relações tem
capacidade vital de favorecer a consciência para construção de si e decisão por melhorar
os aspectos do ambiente social.
O primeiro grupo em que facilitamos esse terceiro encontro, ao se perguntar sobre
a escrita do diário, emerge essa discussão:

Amor: Pense que a gente tem tanta coisa e acabei não escrevendo muito.
Guerreira: Eu tenho dificuldade de colocar o que dentro de mim no papel,
porque preciso sentar para escrever. Mas assim, a mente anda tão cansada
que quando chega em casa e não tiro tempo. Porque eu tenho que sentar uma
horinha para sentar e escrever. Sentar mesmo, concentrar, para poder vir as
ideias. Mas assim não coloquei aqui no caderno. Mas eu posso falar. Para
escrever eu tenho que arranjar um tempinho realmente só para me dedicar
esse diário. Eu acho que o cuidar em casa, esses dias os meninos disseram:
Minha mãe... É o seguinte quando eu pego para fazer uma coisa eu me
dedico. Quando eu estou trabalhando eu me dedico e me dedico tanto que
acho que deixo um pouquinho outras coisas. E o que está acontecendo? As
vezes eu chego em casa, procuro suprir a necessidade dentro de casa. Tenho
que dar atenção a marido, a filho. Aí eu chego em casa faço uma coisa e faço
outra. Aí um dos meus filhos disse: Eita que a minha mãe vive só para essa
escola. (risos) Tudo agora só é essa escola. Mas aí eu falei: Não filho eu dou
atenção a você também. Mas no momento eu penso que estou pecando um
pouquinho com o cuidado deles, não somente com a comida, o que veste,
mas de sentar e dar atenção. Eu gosto de participar das coisas deles. Mas eu
estou deixando um pouquinho. [...] Eu preciso parar e dividir as coisas
direitinho, para poder dar um pouco de atenção. Eu cuido. Esses dias meu
marido disse: tem um amigo meu que quando a mulher está na escola,
esquece do marido. (Risos) Mas assim a gente se esquece em dados
momentos de cuidar, mas a gente precisa ir e se preocupar. E tem dias que a
gente chega em casa e só quer é dormir.
Clara: Tu tens 40 horas de trabalho?
Guerreira: Tenho 20 horas. Mas aí a gente pega dois ônibus. [...]
Humilde: O que dá para perceber é que Guerreira está entrando agora. Agora
é que ela está se dedicando a ser professora. Aí no início a gente tem aquele
gás que se brincar a gente não fazia nada, só se dedicar ao trabalho. [...] Tem
dias que ela sai daqui uma e meia. E ela só sai daqui quando deixa tudo
pronto. [...] Quando tu fala sobre seu marido, aí quando a gente sai já vão
logo dizendo é proibido falar de escola. [...] E a turma dela é problemática. Aí
ela prepara coisas para chamar a atenção.
Guerreira: Para mim é tudo novo. Aí quero fazer direitinho. Sinto que faço
parte de uma equipe maravilhosa. Eu nunca fui tão bem acolhida. A
coordenadora assim presente. Eu acho muito presente. Não é em toda escola
que a gente tem a coordenadora para explicar tudo. Sempre disposta a ajudar.
Está presente e eu gosto disso. Se toda escola fosse como Humilde e Carinho
156

trabalham eu diria que a educação iria para frente. Porque a gente trabalha
animada. É uma equipe muito unida, graças a Deus!

Em outros encontros, a sinalização da questão da falta de tempo para dedicar-se


além das suas atividades pedagógicas foi trazida pelas participantes. Para Heidegger
(2005, p. 13) “o fundamento ontológico originário da existencialidade da pre-sença é a
temporalidade”. Compreende-se que as participantes mostram que estão em movimento,
mas priorizando e se dedicando ao seu fazer profissional ou as atividades com o cuidado
a sua família, mais do que organizando um breve momento para si mesmo, para seu
processo autoreflexivo e atencioso as suas experiências. Importante também o aspecto
da sinceridade em relatar os motivos que as levam a sentir dificuldades na escrita do
diário reflexivo, pois sentem que precisam de mais tempo e espaço reservado para a
reflexão.
É positivo que o grupo se sinta confortável em explanar as suas dificuldades ao
longo do processo da pesquisa-formação. A relação entre pesquisador e participante
através da confiança e do diálogo junta as pessoas a vivenciarem suas vidas, relatando
seu ritmo a partir da afirmação de onde conseguiu andar. Conforme Macedo (2000), o
trabalho de campo é um confronto pessoal com o que é desconhecido, o guardado e o
que ainda está na escuridão. Mas com tranquilidade, essa abertura em compreender-se
mutuamente demanda tomadas e reajustes para que o estilo de cada pessoa apareça na
coerência de uma pesquisa-formação de cunho fenomenológico hermenêutico
“heideggeriano”.
A participante Humilde apresentou também a dedicação ao trabalho cotidiano de
Guerreira, pelo gosto que tem por planejar, pensar em aperfeiçoar a prática e
compreendendo o tempo por ela dedicado, explicitado pela mesma pela ocorrência da
inserção recente na docência da educação infantil. Segundo Heidegger (2005) o cuidado
precisa de tempo, e para a participante ainda está sendo construído o tempo da
experiência docente, tendo a necessidade de se debruçar mais e mais no aprimoramento
de suas práticas.
Com a fala de Humilde, a participante Guerreira valoriza a contribuição dada por
sua coordenadora pedagógica, explanando que a mesma tem paciência para explicá-la
todas as suas dúvidas. E percebe como positivo o trabalho da gestão, sentindo-se
acolhida e apoiada em todas as ações. O cuidado com a preparação das atividades por
parte de Guerreira mostra o compromisso dedicado com cada criança que faz parte de
157

sua turma, se esperançando na qualidade educacional também pelo vigor de pessoas que
apostam no aprimoramento a partir do cotidiano e do vínculo estabelecido com cada
professor. Para Freire (2003), a mudança ocorre pelo professor que coordene as ações
tornando o educando como agente sujeito e participante de sua aprendizagem, assim
reverbera-se também para a relação professor-gestor-coordenador. A equipe que confia
e aposta em seus professores, construindo um espaço de diálogo, em que
constantemente as pessoas estejam se superando e pensando o seu processo de
libertação (FREIRE, 2003).
A participante Amor em seu diário reflexivo expõe que “no meu dia a dia procuro
prestar mais atenção em pequenos gestos para poder contribuir para um mundo melhor e
um ambiente mais saudável”. Segundo Fonseca (s/d) devemos superar o mundo
coisificado, encontrando novas possibilidades de cultivar uma civilização mais humana
e fraterna. Desse modo, o ambiente da escola perpassa as relações conforme
acompanharemos na unidade de sentido seguinte.

Cuidado com as relações

Heidegger (2005) quando diz que o ser-aí é sempre ser-no-mundo-com,


desvelando o sentido do que somos também na relação com os outros e com o mundo.
Nessa relação existimos ontologicamente, compreendendo nossa existência no convívio
com outros entes, vinculando-se numa tarefa de poder-ser potencialmente total, sem
mascarar o que se é. Esse vínculo com o outro nunca é neutro, vem sempre envolvido de
sentimentos afetivos, que colorem e trazem à luz o sentido de existir.
Como nos indica Freire (2003) o “Ser” não se faz no silêncio, mas sim na palavra,
no trabalho e na ação-reflexão. O “Ser” possui consciência do mundo, exercita a
atividade de decidir a respeito do que fazer, em dados momentos se afasta do mundo
para observá-lo e compreendê-lo, para depois atuar nele e transformá-lo, assim sua
existência é história, envolvida e construída nas suas ações e decisões (FREIRE, 2003;
LOUREIRO, 2009). Segue o diálogo propiciado no primeiro grupo:
Humilde: [...] Eu digo que depois que Carinho entrou, pense para mim como
ser humano, como profissional ela eu não tenho o que falar. [...] Tudo o que
hoje eu vou fazer eu sento com ela. Eu não tinha com quem sentar, para
conversar, para me dar uma ideia. Aí ela diz: Vamos fazer assim...entendeu.
E hoje eu estou tendo essa parceria que hoje eu me sinto mais aliviada.
Apesar de tanto problema que a gente enfrenta eu me sinto aliviada, porque
hoje eu confio na pessoa que está aqui. [...] Por isso eu digo todo dia não
sofram calada, não fiquem retraídas, porque isso não traz coisa boa para
158

gente não. E se a gente não se liberar não vai dar certo. Depois que eu vi as
fotos e o modo de tratar de vocês aí me deu vontade de participar. Porque tem
coisas que são prontas, mas vejo que aqui é uma construção. [...]
Clara: Quando a gente passa a conhecer um pouco do outro, passamos a
compreender ele. A escola é esse espaço que a gente tem que aprender a
conviver a se relacionar melhor. E tem que dar o primeiro passo.
Fortalecida: Você não precisa amar, amar... Mas você tem que respeitar,
respeito é fundamental. [...] Não é porque você não queira ser sua amiga que
vai estar tratando o outro mal, sabe. [...]
Humilde: Esse tipo de coisa eu não aceito. Eu falo isso todos os dias, aqui
dentro a gente tem que aprender a se respeitar. Minha obrigação aqui é
chegar e dar um bom dia, é questão de educação. Não é questão de que eu
não goste, eu não vou falar. Como é que eu trabalho com uma pessoa em sala
de aula, você é minha parceira como a questão de quem tem auxiliar. E
assim, você não tratar bem a pessoa que trabalha com você. Você passa,
quem está ali no integral, são oito horas, você passa oito horas ali na sala e
não tem o diálogo. E a gente sabe que não somos para sempre. Hoje eu estou
em uma sala, amanhã posso estar em outra. A gente tem que aceitar os
desafios. [...] Como a gente vive várias contextos, hoje a gente está aqui,
amanhã pode acontecer de ir para outro lugar. Chegar lá você toma um
choque, porque aí a gente tem que vencer os desafios.
Fortalecida: [...] As vezes você está ali sentada e chega alguém que diz bom
dia e ainda fala o nome, mas não o seu. É ruim quando a pessoa não fala com
você. [...]
Humilde: Quando a gente recebe um bom dia diferente chega o dia fica
diferente. [...]
Clara: E é o bem estar, porque as vezes achamos que o lugar é que tem que se
adequar a nós, mas nós podemos mudar esse lugar. Podemos ir mudando aos
poucos esse lugar. Uma andorinha só não faz verão. Onde quer que a gente
esteja a gente faz a diferença, de acordo com as minhas opções.
Humilde: Carinho mesmo ela tem uma coisa que eu acho muito bonita. Ela
abraça todo mundo. Aí tinha uma professora que disse, Carinho chega e
abraça todo mundo e você não abraça ninguém. Aí eu disse e você me
abraça? [...] Parece que eu porque estou no cargo de gestora, eu não posso
falar algumas coisas. Quer dizer se eu chego, falo com você e você não me
abraça, porque eu vou abraçar? Ela tem o lado dela. [...] Aí dizem que eu não
tenho esse jeito de falar com as pessoas abraçando. Mas quem viver me
abraçar eu abraço.
Clara: Cada um tem uma forma de cuidar. Você tem um jeito, eu tenho outro,
Afeto tem outro. Cada um tem seu jeito de ser.
Humilde: Me disseram aqui que eu tenho um jeito diferente. Assim, qualquer
coisa que o outro precise, eu entendo. [...] No momento com gestores da rede,
foi trabalhado acerca das habilidades sócioemocionais e falam que essas
questões devem ser tratados a partir da creche, da base. [...] Tem mais que
chegam aqui e dizem: Tomem aí, se virem. [...]
Guerreira: [...] O jeito de cuidar é dar essa atenção aos mais próximos de
nós. Não deixo de falar com meus filhos antes de irem dormir. [...] Uma
atitude de respeito a coisa da bênção, tomam a bênção a todo mundo. [...] É
um sinal de respeito.[...]
Determinada: A mãe e o pai são os mais próximos da vida da criança. [...]
Clara: E tu escreveu algo?
Fortalecida: Eu escrevi alguma coisa... (começa a ler) O problema de muita
gente aqui no trabalho é de não dar o direito de lhe conhecer. E lhe julgam
sem conhecer.
Clara: Como vocês conseguem perceber que as relações se fortalecem?
Humilde: Esse ano teve muitas mudanças na equipe. Porque era muitas
professoras que iam e voltavam. Esse ano para mim foi ruim. Estamos em
setembro e vejo que não andou. Até os resultados pela própria secretaria,
percebem que não andou muito.
159

Clara: E a gente pode pensar que os espaços de cuidado podem ser com
parcerias fora da escola para fortalecer vocês. [...]
Determinada: [...] Eu digo que eu consegui me abrir com você o que eu não
tinha conseguido com a minha família.
Afeto pede para fazer a leitura do seu diário reflexivo.
A gente pode considerar que a gente está sempre em mudança.
Clara: E assim como foi escrever?
Afeto: Eu gostei, porque foi um desabafo. A gente fica trancado e não acha
uma pessoa assim para poder desabafar. E aqui foi uma maneira agradável
para desabafar.
Clara: Como tu avalia as tuas relações?
Afeto: Na minha casa nós somos muito afetivos. Aí se não der para se ver
liga. Mas sempre tem aquela preocupação, não é. Também os momentos que
eu tenho disponível sempre dou atenção para meu esposo, meu filho, minha
mãe, não é, minha família.
Clara: E aqui na escola, como tu avalia teu processo?
Afeto: É... também assim, com as pessoas que dá espaço, não é. Para mim ser
afetiva, eu estou sendo. E também sempre procuro observar a maneira das
pessoas.
Clara: Tu é do tipo que vai ao encontro ou que aguarda?
Afeto: Tem momentos que eu vou, mas tem outros que já aguardo.
Clara: E tu achas, mais que momentos aparecem esse aguardar?
Afeto: Assim quando eu vejo o espaço que ali eu veja que eu tenho que
chegar. Agora como eu coloquei, o olhar da pessoa. Se eu ver que aquela
pessoa tem e dá aquela abertura para mim chegar, eu chego. Senão eu espero
e aguardo o tempo me permitir.
Clara: Agora tem uma coisa que diz assim, se você dar o primeiro passo há
uma mudança no processo. [...] Se eu não der o primeiro passo, será quando é
que o outro vai dar o passo que estamos esperando? [...]
Determinada: Ás vezes você fica com receio de chegar e falar com a pessoa.
[...] Eu gosto de mandar mensagem perguntando ou falando: Hoje eu notei
que você estava assim, o que aconteceu? [...]
Humilde: E tem gente que fica lançando divulgação nesses grupos, aí
desgasta. E tem gente que a mensagem chega já vai apagando. Aquela
palavra naquele dia pode até bater com você. [...] Tem mensagens que eu me
envolvo e coloco lá. [...] A gente tem que saber o que posta. Colocam
algumas coisas que não convém. [...] Ano passado teve um dia que teve um
bate boca. Aí eu disse: Espera aí, começam na brincadeira e aí vão se
agredindo. [...]
Clara: E vocês consideram que além do grupo do whatsaap essas questões se
estendem no presencial? Porque as vezes enviamos mensagem no zap e
somos incapazes de dar um bom dia. Como é que vocês avaliam isso aqui,
acontecendo na escola?
Determinada: Da minha parte?
Clara: Vamos falar de nós, que o nosso alcance.
Determinada: As pessoas que eu mando mensagem elas me retribuem.
Humilde: [...] Eu mesmo tenho uma prima que ela diz bem assim, que quando
se completa ano ninguém mais liga. (risos) [...] Aí teve um dia que eu enviei,
aí ela disse quem falou comigo no zap eu não respondi, sabe porquê? Eu acho
uma falta de respeito, ela disse. É uma falta de carinho. Acabou esse contato.
E é verdade. Você não tem mais não. Antigamente quando a pessoa
completava ano, nem que não tivesse festa, mas você ia até a pessoa para dar
um abraço. Depois disso eu nunca mais mandei mensagem pelo zap. (risos)
[...] Eu fiquei de férias e fiquei uns vinte e cinco dias sem zap e eu me
desestressei. [...] Tem coisas que você vê que é bom, tem outras que não é
bom. [...]
Clara: E aí está faltando?
Grupo: Amor
Clara: Como tu pensas essa discussão aqui?
160

Amor: As relações depende da pessoa. [...] as vezes você faz esse julgamento,
que não é, não é. E assim quando você ouvir alguma coisa de alguém. Você
sempre tem que... a questão das peneiras, não é. Saber qual das peneiras.
Humilde: Oh mulher não fale em peneira não, porque peneira é algo que dói.
(risos)
Clara: E no contexto aqui da escola, como tu vê tuas relações?
Amor: Poderia ser melhor, não é. Por conta que as meninas que estão no
integral a gente não tem muito contato, não é. [...] Quando eu entrei eu não
sabia que era assim, cada uma no seu quadrado. Porque fica com as crianças
o tempo todo, não é. Aí não tem aquele momento. Já nós, ficamos tomando
café e o almoço. Aí falta mais. [...] Aí vejo que é das próprias pessoas. E
também de ter momentos fora, não só daqui. Não sei acho que precisa mais,
não é. Fortalecer o laço.
Humilde: [...] Eu falo gente se estamos aqui dentro somos uma família, não
precisamos estar nos dividindo. [...] O dia dos professores está chegando, aí
tem momentos que a gente se desestimula, mas depois vem algo e me move a
fazer.
O grupo se animou quando sinalizou acerca da festa dos professores.
Amor: Eu moro em Petrolina, mas gosto de trabalhar aqui por conta dessa
acolhida. Aí quando nos encontramos no momento de integração fiquei
pensando que seria tudo diferente. Quando eu conheci as duas, aí deu aquela
aliviada. Aí eu vim conhecer a escola e vim até com minha família. Meu
marido disse: Menina, estou até sentindo uma energia boa. [...] Aí me
fortaleceu. Aí quando eu vim, gostei muito.

Nas falas das participantes, houve elementos que se relacionaram aos aspectos de
convívio dentro da escola, apresentados como divergentes e que não possibilitavam o
crescimento do grupo. Parafraseamos o que Rogers et al. (1983, p. 56) trata acerca do
movimento de grupo, “é possível a multidão tornar-se um organismo consciente”. Sem
mesmo o questionamento ser feito, diante do que dificultavam as relações entre a
convivência com a equipe, expuseram assuntos emergentes a serem vistos, numa
tentativa de resgate de unidade do grupo de trabalho.
A facilitação do grupo acerca dos conflitos internos da equipe de trabalho deu-se
numa busca de alternativas para melhoria e aperfeiçoamento do cuidado com nossa
humanidade, que se inicia por nós mesmas. Houve assim um processo criativo, dando
espaço para a escuta de todas as participantes e por fim sugerindo algumas atividades
significativas para a aproximação entre a equipe de trabalho, experimentando
concretamente a tentativa de harmonização do grupo como um todo.
Josso (2007) apresenta a pesquisa-formação como uma possibilidade sensível de
evolução, em que os participantes podem desenvolver suas competências,
transformando até mesmo o lugar que estão em um espaço de nova socialização,
renovando os laços afetivos e sociais, dando prosseguimento aos seus projetos de vida e
compreendendo sua identidade.
161

Em Heidegger (2002) percebemos que o Dasein ao estar lançado no mundo, vive


as inúmeras possibilidades que lhe são ofertadas, até mesmo as indiferenças. Num
retorno a compreensão do sentido de ser-no-mundo, o Dasein ao se encontrar, precisa
observar o mundo em seu entorno, olhar para o que o envolve, percebendo o que não é
visível, nem palpável, mas sentido na vivência, que poderá ou não ferir outro “Ser”.
Cada Dasein deve pois, se dispor a compreender os entes em sua existência e
procurando aperfeiçoar a si mesmo, sem necessariamente ferir a particularidade do
outro ser-aí, mas num movimento de colaboração do cuidado ao outro, levando-o a
reflexão de sua humanidade.
O segundo grupo também se norteou pelo cuidado com as relações:
Alegria: É para começar e falar sobre o ambiente que convivo? O meu
cuidado em casa e na rua é do mesmo jeito. E essa semana foi empurrando
com a barriga. E na relação na rua que moro, eu me dou com todo mundo. E
no meu trabalho, eu adoro. E eu não escrevi nada, não tive tempo, não vou
mentir.
Clara: Aqui no ambiente de trabalho, como você sente?
Alegria: Para mim, ninguém é diferente. Todas são iguais, com um olhar só
sobre os outros.
Clara: E a sua casa?
Alegria: É a questão de tempo.
[...]
Sorriso: Já trabalhei em ambiente diferente, escola, é a segunda escola. Mas
eu nunca tive problema nenhum com colegas, nem com diretor, nem com
coordenador, com ninguém. Mas o meu olhar é igual de um médico, do jeito
que eu olho para um eu olho para todos. Não tenho distinção. Mas sempre
tem aquelas pessoas que você mais se identifica, para conversar, trocar ideias.
Ou sei lá. Sair. Mas o meu ambiente sempre foi harmonioso com qualquer
um. Na escola, em casa também. Eu tenho uma irmã que é estressada. Mas
quando ela começa, eu saio debaixo. Minha menina é estressada também. Eu
sou calma, mas minha menina é estressadinha. Qualquer coisa, ela se estressa
e eu já saio debaixo também. Eu deixo primeiro ela se resolver, para depois
eu me aproximar. E com as crianças aqui na escola, sempre gosto de trabalhar
de forma harmoniosa com elas. Ensinando o que é certo e o que é errado.
Também para cuidar com o ambiente. [...] Vejo com eles a maneira deles
pensarem, deles se envolverem com outros colegas. Fazendo de tudo para que
seja um ambiente harmonioso. Eles tem que se amar, para depois amar os
outros, não é. E por aí vai...
Clara: As pessoas que tu tem mais afeto, o que te atrai nelas?
Sorriso: São sempre as pessoas que mais me procuram, que mais me dão
atenção, carinho, sei lá. Que chegam junto quando eu preciso de alguma
coisa. Assim aquela reciprocidade entre um e outro.
Clara: Você é do tipo que procura ou espera?
Sorriso: Tanto procuro, como espero. (risos) Mas veja eu nunca tive
problemas com ninguém da escola, assim. Eu passo e falo com todo mundo.
Todo mundo é meu amigo. Todo mundo é meu colega.
Clara: Há aquelas pessoas que não temos tanta intimidade e que é normal.
Sorriso: Eu passo dou bom dia. Se você quiser chegar e conversar comigo, eu
paro e ouço. Se você me pedir um segredo eu também guardo. [...]
Clara: O que eu vi nesses primeiros dias, o seu olhar é acolhedor.
Expressamos isso com o nosso corpo.
Sorriso: Eu tenho afinidade com todo mundo.
162

Clara: Tu sente que o grupo aqui da escola te ajudou? Porque tu mudou de


escola.
Sorriso: Sim, cresci demais.
Clara: Em que dimensão?
Sorriso: De acolhimento, de conhecimento, de carinho.
Clara: As outras pessoas vão nos formando também. Que sozinho a gente não
consegue.
Sorriso: Tem gente que você não conversa. Mas através de um olhar, de um
sorriso, você sabe que aquela pessoa está em harmonia com você.
[...]
Determinada: Eu estive em outra escola. E aqui estou no céu. Fiquei mal com
algumas situações, mas não vou aqui relatar.
Clara: Qual a tua reação diante disso?
Determinada: Fique calada. E outras pessoas viram e não falaram nada a ela.
E as pessoas vieram me perguntar. Aí eu disse que foi. Aí começamos a
conversar.
Clara: E você tem consciência que isso não te fez bem?
Determinada: Com certeza.
Clara: E hoje?
Determinada: Hoje não. Fiquei muito chateada. Fiquei uns dias sem falar e
tal. Aí fiquei pensando: retome.
Clara: E quem primeiro tomou a iniciativa de conversar?
Determinada: Eu. [...] Imagine você trabalhando no mesmo ambiente e ficar
sem falar com a pessoa? Eu acho que não vale a pena não. [...]
Clara: Tem algo positivo aqui, vocês buscam ajuda entre vocês. É uma
prática que tem que continuar.
Determinada: Eu estou aqui hoje pela graça, porque minha pressão está alta e
é do emocional. Eu tenho que cuidar de mim. Eu tenho filho, pai, mãe e
tenho que cuidar também. E eles foram morar comigo.
Clara: Como você se sente agora nessa posição familiar?
Determinada: Eu sou o centro da família agora. As responsabilidades são
minhas. Tenho um irmão que não comparece. E faço com prazer, porque são
meu pais. Passo, passo por várias coisas e estou ali firme, por eles.
Clara: As tuas questões de saúde, como apareceu?
Determinada: Eu trabalhava numa creche e não sabia que tinha pressão alta.
Eu era auxiliar, aí tava com as crianças, me senti tonta e cai no banheiro. A
sorte é que o posto é ao lado da escola. Fui a consulta médica. Aí fiquei
aferindo a pressão todos os dias. E aí deu pressão alta. Hoje tomo dois
remédios. [...] A gente tem muito assim em casa, muitas coisas também. [...]
Simplicidade: Devemos respeitar nossos limites. Eu tenho que respeitar o
tempo do outro. As vezes eu tenho que me anular e essa minha anulação, para
Clara por exemplo é como se eu tivesse respeitando ela. Eu estou cedendo a
maneira e a atitude dela me anulando. [...] As vezes a gente se expressa, se
impõe, expressa o seu desejo, o seu pensamento e tudo o que você acredita. E
as vezes o outro recebe como uma agressão. Mas não é uma agressão ou uma
falta de respeito. Não é desrespeito ou agressão. É só o meu posicionamento
naquilo que eu acredito. O outro também tem que saber me respeitar. É
complicado eu dizer ao outro que ele me desrespeitou. Aí as pessoas tem que
me respeitar do jeito que sou. E aí, e agora? É complicado a relação. É uma
tarefa difícil. E eu ao longo dos anos, eu era muito a boazinha. [...] Porque
que eu tenho que ser boazinha na vida? [...] O negócio de ser aceita no grupo,
tenho que estar me anulando. [...] Nunca que eu podia desagradar todo
mundo? Eu passei muito tempo para entender que eu não precisava agradar
todo mundo. Foi um crescimento pessoal. [...] A partir de agora estou me
posicionando. [...] Eu não vou ser sempre a princesa, de vez em quando vou
ser bruxa. E que o outro não veja como agressão, nem falta de respeito. [...]
Falando do cuidado também. Eu tive sempre muita dificuldade de receber. É
como se eu não precisasse do cuidado do outro. De receber elogio, carinho,
reconhecimento, de receber tudo. Até de receber presente, eu digo: Precisava
não. E uma amiga disse: Precisava sim, receba com carinho. E uma outra
163

amiga dizia: Deixa eu cuidar de você. [...] A gente vai deixando de se cuidar
e temos que aprender a receber. [...] Eu sempre fui muito assim: Eu me basto.
Não quero ter preocupação. Eu não quero ser um fardo para minha família.
Eu vou tentar resolver minhas coisas sozinha. E não compartilhar problemas
e não ser um incômodo para ninguém. Aí fico vendo que não vale a pena. E
eu onde é que estou? Eu vivo a situação de me anular muito. [...] Até o que
assistir na televisão, era se o outro gostar. Eu não sabia o que ia assistir. Eu
não sabia o que eu gostava. [...] Eu cheguei a esse ponto e fui me
descobrindo, as minhas preferências, o que realmente gosto de fazer. As
vezes eu sou medrosa, aí tenho medos quando me posiciono. O mínimo de
recusa aí eu cedo. Dependendo da situação eu recuso e morro ali. [...] Eu
sempre tive dificuldade de aceitação, do que os outros vão pensar, do que vão
achar, porque fulano vai ficar com raiva, porque fulano vai deixar de gostar
de mim, vai falar mal de mim... E aí é anulação. E você? E o seu gosto? E o
que você quer? E eu estou tentando. [...] Eu vi isso, que eu preciso do outro
sim. Mesmo que eu tenha dificuldade em confiar, eu preciso do outro. Que eu
sozinha não me basto. Eu preciso entender isso, essa independência, é bom
até um certo momento. Mas faz mal, faz muito mal. E é necessário. Até
mesmo trabalho, família, de tudo. Não somente aqui na escola, mas na
família também. Para tirar assim algum problema de mim, só quando a coisa
está bum, já. [...] E ter cuidado com o modo de se posicionar, para não trazer
uma dor ao outro. [...] Relacionamento é complicado. Dentro da família, no
trabalho, em qualquer lugar. [...]
Sorriso: Você está sendo você.
[...]
Carinho: Quero é agradecer por você estar aqui. Esses momentos estão me
levando a pensar mais em si. Quando mais eu penso, mais vejo que tenho que
fazer por mim. Eu falo do meu trabalho. Nossa que função difícil. O lidar
com o outro em todos os momentos. Isso que falo do trabalho. Eu me sinto
assim, no meio de relações que eu preciso intermediar, porque as coisas
precisam acontecer da melhor maneira possível. E eu não sei fazer de conta.
Quando eu estou aqui eu estou bem, porque é aquilo que eu amo fazer. Só
que você está no meio de um sanduíche que muita coisa não depende de
você. E que poderiam ser feita da melhor maneira possível. Eu fico pensando:
Eu quero fazer o melhor, o melhor e se eu não fizer, aí fico me cobrando ou
então vou fazer pelo outro. Estou me sentindo ainda. Mas melhorei muito,
estou me sentindo sobrecarregada. E aí vem a preocupação: Será que é isso
mesmo que eu quero fazer? Mas é isso que eu gosto de fazer. Mas devido a
tanta coisa fico pensando: Meu Deus será se está valendo a pena? E se o
outro fizesse o papel dele aí não ficaria pesado para mim. [...] Eu tenho que
trabalhar em mim o conflito. Eu estou falando do profissional. Eu tenho até
uma abertura, chego para falar, e muitas vezes eu me calo para não chatear e
isso não está me fazendo bem. Aí não vê não do jeito que eu vejo. Aí vem
com uma maldade muito grande. E você vê como algo tão natural e o outro
não vê. E eu me sinto assim... meio em situações que eu não sei como
intermediar na realidade. Aí o que eu faço, ou eu me calo diante dessas coisas
ou eu remédio um pouco. Mas eu fico chateada. [...] É complicado. Eu estou
falando de algo muito subjetivo. Mas é complicado até de você pronunciar. E
de falar.
[...]
Você percebe se o outro se abrisse para uma ajuda aí iria avançar. [...] Na
minha função exige que eu dê o melhor de mim. [...] Que bom que temos
esse grupo para refletir, porque ao tempo que reflete vai melhorando. [...] A
fala de Simplicidade me deixou reflexiva. Gente por mais que fulano seja
meu amigo, eu preciso falar que não e dar minha opinião. E as vezes eu me
calo e a pessoa pensa que eu concordei.
Simplicidade: Carinho, tem o peso do cargo. Eu vejo que é difícil. Trabalhei
quinze anos em uma escola particular. [...] Passei lá quinze anos. Passei por
duas diretoras. E teve uma que arrendou as crianças, e é minha amiga. Uma
vez ela conversando, Simplicidade eu vi as fotos que vocês foram outro dia
164

na pizzaria. Aí eu falei: Até pensei de te chamar. Ela disse: Não, ali era
momento de vocês. E na escola ela era a diretora, fora era minha amiga. Ela
tinha isso claro na cabeça. Só que nessas funções a pessoa tem que ter muito
equilíbrio para dividir. Quando chega para o outro e dá uma orientação, aí se
você não gosta tem gente que diz: Aff, a pessoa que é minha amiga. Ela não é
sua amiga, ela é a coordenadora. Ela é sua amiga em outro momento. É
complicado, Carinho porque o cargo pesa. Porque é referência, todo mundo
olha, até as atitudes. Admiro Carinho, e sabemos que ela tenta fazer o
melhor.
Carinho: [...] Hoje eu não estou nos meus melhores dias. Tem dias que a
gente não está bem. Mas você tem que se permitir. Eu me aceitar e o outro
me aceitar também. Mas eu não estou naqueles dias bem. [...] Com isso tudo
eu gostava da psicologia, mas agora deixo mesmo para quem gosta muito,
porque entender não é para todos. (risos)
Clara: É linda gente. (risos)
Paciência: Eu pensei que eu tinha problemas.
Carinho: Mas descarregou.
Clara: E aí Paciência?
Paciência: Aqui na escola as minhas relações estão bem. Tem pessoas que
você está perto, porque você precisa, entendeu? Aí você consegue ter mais
intimidade. Ter aproximação, você ouvir, um problema, uma coisa. Aí
quando eu passar pro outro lado. Está entendendo, não é como é. É que é
mais o pessoal desse lado até na hora de comer. Fazemos mais assim por
conta dos horários. Consegui me organizar mais em casa. Eu deixava para
fazer tudo de uma vez. O problema de casa é de não conseguir dominar a
minha filha. Ela é influenciada pela minha mãe. [...] Aí a culpa é minha em
qualquer coisa porque eu brigo com ela. Ela pode fazer tudo. Mas a culpa é
minha. Eu ando revoltada. Se a menina correr e está comigo a culpa é minha.
Se for com ela, eu finjo que vejo e não diz nada. Eu fico quieta. Aí quer que
eu crio a menina. O meu sonho é sair de casa. Aí no dia que eu digo que vou
comprar uma casa e sair ela começa. Eu não fico calada. Eu tenho que abrir a
boca porque acho que vou estourar. Minha filha o futuro dela será o quê?
Minha mãe morrerá. E vai ficar como? E a autoridade que é sua? Acho que o
cuidar é colocar também limites, isso é amor. Ela diz que sente mais amor
pela minha filha do que eu. E o que ela sentia por mim? Ela me criou. E é
tudo eu. Estou tentando organizar. Ficando mais presente. Eu tava hoje
comentando com Alegria. Aí ela me deu uma coisa. Aí eu fico pensando:
Porque está me dando? Aí a gente não tem costume, tenho dificuldade de ser
cuidada. [...]

No início dessa discussão, a participante Alegria apresentou em seu sentido que o


cuidado envolvendo as relações perpassa a estar bem com as pessoas, tanto os
familiares, quanto com os colegas de trabalho. O sentido que conseguimos captar da
participante quanto ao sentido de cuidado com o ambiente se faz no favorecimento de
relações harmoniosas, em que as pessoas se integrem e se construam mutuamente. Boff
(1999) traz que ser Terra, ser ambiente, é perceber-se envolvido em uma comunidade,
que compartilha de si e se irmana com outros na rede da vida.
A participante Sorriso expõe a representatividade do seu modo de se relacionar
com as pessoas como um médico. Para ela, a ideia de relação com as pessoas
inicialmente é de olhar de maneira igual para todos. Mas depois ao longo do seu relato
ela demonstra que as aproximações se dão também pela afinidade, demonstrando
165

abertura e interesse de estar-com-o-outro. Segundo Heidegger (2005) a consciência de si


também está na consciência do outro, coexistindo com os outros, acompanhando os
destinos e o processo de consciência.
Em sua prática a participante Sorriso relata que junto as crianças há o estímulo
para estabelecimento de relações harmoniosas. Assim, fica concreto que o professor da
educação infantil se ocupa não somente de ensinar as habilidades cognitivas, mas em
favorecer o desenvolvimento pessoal no respeito a si, ao outro e ao mundo. Boff (1999)
fala que o sentido de responsabilidade quanto à crise planetária deve ser discutida desde
a tenra idade, numa entrega de perceber que não estamos sozinhos na vida e que o outro
e o mundo precisam ser tratados com desvelo e solicitude.
Ao longo dos relatos percebe-se que mesmo em meio aos conflitos cotidianos, o
grupo sente a importância de cada pessoa para seu processo de crescimento. Para
Rogers (2003) a relação é trabalho, feito mutuamente entre as pessoas, não somente
entre um dos lados, favorecendo seu crescimento e a comunicação aberta revelando-se
empaticamente no outro. Isso quer dizer de não somente colocar os sentimentos para
fora, expressá-los, mas se comprometer de causar no outro sentimento que gostaria de
obter ao estar em sua presença.
A participante Determinada expõe sutilmente uma dificuldade vivida, mas que
não gostaria de nesse momento relatar. Foi respeitado o tempo e oportunizado uma
reflexão acerca de seu bem estar por essas feridas do cotidiano. A participante sente que
tem tido a ajuda de outras colegas para superar tais dificuldades, assim o cuidado
envolvendo as relações perpassam pela acolhida, escuta e apoio nos momentos positivos
e negativos do convívio. Boff (1999) confere que a totalidade do modo-de-ser-cuidado
envolve a relação de convivência, não de intervenção, mas de interação e comunhão
com o outro. Desse modo, o grupo se debruça a refletir acerca do fenômeno ocorrido e
que mesmo não se pronunciando claramente o que aconteceu, a mediação favorece a
refletir sobre o que fere a outra, dando a oportunidade de conhecer mais de perto
elementos que desequilibram a relação harmoniosa.
Em meio ao diálogo, muitas contribuem nesse processo reflexivo, mas importante
pontuar a abertura da participante Carinho, quando traz a dificuldade vivida relacionado
ao trabalho em que desenvolve com as professoras enquanto coordenadora. Sente que
mesmo que haja por sua parte esforço e compromisso, a outra também deve tentar
minimamente se envolver no processo pedagógico. Além disso, Carinho percebe que
166

sua prática não somente está voltada para questões técnicas, mas seu papel envolve a
mediação de relações. Com a fala de Carinho, nos remetemos a corroborar sua ideia
com a de Freire (2003) quando diz que a educação é ato de amor e coragem, que se
sustenta no diálogo e na compreensão.
Nas participantes compreendemos que tanto amor quanto coragem em seus
fazeres cotidianos envolvem a pertinência de se relacionar com o outro, mesmo que para
isso ocorram feridas, mas tendo a esperança de sempre ter alguém para amenizá-las.
Entre o grupo, percebem-se as relações de confiança através do grau de afinidade,
marcada pela criação e recriação da experiência de estar-com-o-outro, mesmo que haja
alguns desalinhos, voltando-se sempre a possibilidade de passagens agradáveis no fazer
docente, no trabalho em equipe e na construção de verdadeiros laços de amizade. Para
Boff (2013) as maiores relações são a da amizade e do amor. Desse modo, precisa-se de
um cuidado especial, para que a experiência seja desfrutada afetuosamente com as
pessoas, fortalecendo a si mesmo na travessia da vida.
Considera-se que o diálogo envolvido tem sinais do que fora experimentado pelas
participantes no seu cotidiano, como também elementos construídos ao longo das
relações, exemplo disso é a questão trazida pela participante Paciência no aspecto de
sentir dificuldade quanto a educação de sua filha pelas interferências de sua mãe.
Segundo Amatuzzi (2010) pela palavra o “Ser” toma posição, estrutura sua experiência
e delineia novos modos de existir. As preocupações trazidas pelas participantes quanto
ao bem estar de seus familiares envolve a relação como diz Fonseca (s/d) do mundo que
somos, não é algo que se separa, um momento sou professora em outro sou mãe/filha,
sou esse todo complicado e implicado em ser-no-mundo.
Algo que apareceu em meio aos discursos foi o aspecto de sentirem dificuldades
em se deixarem ser cuidadas. Segundo Boff (1999) a pior doença é negar o seu existir e
o pior desvio do cuidado é a negação. O autor ainda continua que esse é o caminho
escolhido para o embrutecimento das relações, vivendo a tribulação do afastamento da
ternura e consequentemente do ser-cuidado. O conflito por não se deixar ser cuidadas
pode ser considerada por motivos diversos, dentre eles a centralidade das ações em que
se tornaram lideranças em suas famílias, em seu trabalho, nas relações de amizade,
enviesando o esquecimento de si e só recordando de voltar-se para o cuidado quando
sintomas aparecem fisicamente. Dessa maneira é preciso refletir que o deixar ser
cuidado é uma relação de amor não somente ao outro, mas especialmente a si mesmo.
167

A unidade de sentido seguinte reflete acerca dos cuidados com o corpo, alguns
elementos trazidos na discussão, mas a maior parte emergidos na escrita dos diários
reflexivos.

Cuidado com o corpo

O nosso corpo é uma das dimensões primordiais do ser-cuidado, já que é por ele
que nos relacionamos com a comunidade terrenal. Para Boff (2013) enquanto seres
humanos nós somos corpo, dotado de uma integralidade entre percepção, cognição,
afetividade, aspecto físico e espiritual. Por sermos corpos, estamos emaranhados de
relações com as outras pessoas e com o mundo, estando-no-mundo-com-os-outros
(HEIDEGGER, 2005a).
Segundo Heidegger (2005, p. 100) o “Ser” é “tomado pelo mundo que se ocupa”,
estamos em um mundo desenfreado que nos impõe a ocupação de algo e o
esquecimento de si mesmo. Enquanto corpo sofremos as consequências da elevação de
atividades e acabamos por somatizar as mazelas que corrompem a harmonia de “Ser”.
Entre os professores, não somente da educação infantil, o esquecimento ao corpo é
comumente visível, tendo que dar conta pelo sistema de trabalhos que envolvem muito
o cognitivo, esquecendo-se que é um todo, integral e que tem limites. Desse modo,
muitos que pensam a educação a nível sistemático carregado de regras, quantidades,
modelos prontos, esquecem que esse professor é corpo, a ser cuidado e envolvido de
atenção pelo grande desgaste que é estar na presença de outros mundos cotidianamente
em sala de aula. Muitas vezes não conseguindo lidar com as mazelas que ali é colocado,
não tendo o apoio e consequentemente adoecendo.
Nesse encontro, os diários reflexivos trouxeram elementos que apontam para o
olhar ao corpo, assim a participante Simplicidade escreve: “Cuidar do corpo envolve
vários aspectos do cotidiano e um deles é a alimentação. Alimentar-se bem é buscar
alternativas saudáveis. Não está ligado a quantidade, mas a qualidade. Quando paramos
para analisar a nossa alimentação, percebemos como é difícil cuidar de nós mesmos.
A participante Criatividade, escreve em seu diário “Com relação ao cuidado com
o meu corpo, confesso que tenho sido displicente, preciso melhorar minha alimentação,
voltar a fazer minha dieta corretamente, necessito voltar a fazer exercícios físicos e
fazer alguns exames médicos”. Em concordância a participante Carinho relata a mesma
dificuldade das colegas, complementa em seu diário escrevendo: “[...] estou deixando
168

muito a desejar, ainda não encontrei uma estratégia de organização de horários para que
eu possa fazer exercícios físicos, o que significa infelizmente é que ainda não coloquei
isso como prioridade na minha vida. Ainda estou no campo do discurso, mas preciso
urgentemente colocar isso em prática, sendo que quero viver muito tempo e com
qualidade de vida”.
Para Boff (2013) a nossa sociedade está enferma na dimensão da corporeidade. O
corpo é esquecido e dá lugar ao dilaceramento do “Ser”, emergindo a possibilidade de
adoecimento pela ausência de práticas cuidadosas com a nossa morada, o nosso corpo.
Ainda o autor continua que o estar-no-mundo envolve o ato de saber como se nutrir, do
que comemos e bebemos, esse é um cuidado amoroso para consigo e um modo de
prevenir contra as doenças que assolam os seres pelo descuido com o que se consome.
Uma das participantes coloca a sua dificuldade em planejar horários e momentos a
serem reservados a práticas de exercícios físicos, mas algo positivo foi emanado a
reflexão de que em algum momento tal preocupação sairá do campo do discurso para a
vida cotidiana. Além disso, percebe que autocuidando-se terá como se precaver e ter a
possibilidade de viver por mais tempo.
Conforme Heidegger (2005) a existência passa pelo corpo, assim como pelo
tempo. Desse modo há questões que não poderão ser adiadas, pois isso é adiantar a
nossa morte. Para o filósofo, se a vida fosse eterna estaríamos sempre adiando, deixando
para depois, o que poderemos fazer hoje. Dessa maneira, pela pesquisa-formação as
participantes eleva a consciência para o autocuidado através do corpo, cuidando da vida
que o anima, se humanizando para humanizar como ser-no-mundo.

Cuidado com os lugares

Ao falarmos de lugar nos remetemos aos sentidos de pertencimento, na


perspectiva “heideggeriana” somos ser-no-mundo porque estamos imbricados em uma
realidade espacial. Os espaços são os lugares de habitação dos seres humanos, que
merecem respeito e zelo para propiciar harmonia a todos que nele estiverem presentes.
Desse modo, refletimos que qualquer coisa que fizermos contra esse espaço,
vivenciaremos o chamado “efeito dominó” em que as demais peças cairão junto,
aniquilando a vida humana (HEIDEGGER, 2005; BOFF, 1999).
Segundo Boff (1999) precisamos urgentemente criar uma nova ética a partir de
uma nova ótica, que as pessoas não vejam a terra como algo a ser dominado, mas que
169

propiciem e assegure as condições de seu desenvolvimento. A participante Carinho


escreve:
[...] uma prática simples de cuidado que ainda não consegui efetivar foi a
coleta seletiva do lixo. Olha a importância da reflexão, passei a me questionar
porquê ainda não adotei essa prática na minha casa e na escola na qual
coordeno e tenho a missão de direcionar, de formar opinião.
Claro que a partir desse momento já começa uma mudança em minha vida,
algo bom, positivo que quero praticar e ensinar aos meus filhos.
Pois como digo que amo a vida, que cuido sem pensar no meio ambiente, isso
é dicotômico. Uma coisa está intrinsecamente ligada a outra em um processo
milagroso e maravilhoso chamado “vida”.

Enquanto educadores, sabemos o que fazer, mas não iniciamos muitas vezes as
práticas de cuidado com o meio dentro de nossa casa, urge assim emanarmos a pensar e
agir pensando no destino que tomaremos de maneira irreversível caso não tomemos
consciência do espírito de sustentabilidade, em que possamos ter a justa medida para o
nosso sustento e dos demais seres, não extraindo da terra mais do que ela possa dar e
sim utilizando com responsabilidade. No processo formativo aqui vivenciado
conseguimos perceber a promoção de mudança no pensamento, não necessariamente
dizendo o que fazer, mas refletindo quando daremos o primeiro passo para essa ação
concreta de cuidado não somente com a terra, mas conosco mesmo.
Para Alegria “se não existe cuidado é porque não há amor”. Então, é chegada a
hora de iniciarmos o processo da ação, já que a reflexão é vivida no cotidiano escolar.
Nos pequenos gestos, podemos construir a sociedade sustentável que tanto sonhamos,
modificando atitudes pessoais e formando verdadeira aliança como diria os gregos com
a deusa Gaia, não a explorando, mas tornando um lugar agradável para se viver na única
casa que ainda temos como habitação (BOFF, 1999).
As falas sobre a relação de cuidado com o ambiente inicialmente estavam mais
voltadas para o outro e depois com o exercício do sentido, começaram a falar de si
mesmas. Expuseram sobre as dificuldades de expressão de afetos nas relações com as
pessoas, mas que havia cuidados singulares que conseguiam demonstrar de modo
próprio, como por exemplo: o silêncio que demonstram diante das dificuldades do
outro, mas estando disponível para ajudar no que fosse necessário. Ao questionarmos
sobre as ações relacionadas a ser proativas, ou seja, em primeiro ir ao encontro e não
ficar aguardando acontecer, boa parte das participantes relataram que aguardam alguém
dar o primeiro passo.
Ao refletirmos esse ponto entre presença e ausência nas relações de cuidado com
o ambiente, que o grupo trouxe imbricados em suas ações cotidianas, compreendemos
170

como Heidegger (2005) que o Dasein, ou estar-aí, se envolve na questão de cuidado


(Sorge) com o outro, pela presença, sendo utilizado com o termo grego pelo autor de
parousia, significando presença e vinda. Pela parousia, o Dasein compreende-se
enquanto humano em sua humanidade, produzindo história e deixando de ser impessoal.
Somos parousia na mobilização do estar com o outro, numa mutualidade de cuidado e
não somente quando nos é solicitado. Sendo ausente, o ser-aí se oculta, se consuma no
distanciamento colocado pela modernidade, mas podendo pelo esforço de cada um
voltar-se para o “Ser” presença parousia, cuidando e sendo cuidado.
Nesse interím, Freire (2005) fala do humano como “Ser” de possibilidades que se
faz num constante movimento de busca. Sendo que não há, “Ser” sem mundo e mundo
sem “Ser”. Não há “Ser” sem relação, nem relação sem “Ser”. No aqui e agora o “Ser”
está imerso de realidade, que para se transformar precisa se movimentar,
problematizando as suas ações e superando a educação bancária, que silencia os corpos
e suas relações. Para Freire (2003), o diálogo é o meio pertinente para a humanização do
“Ser”, na compreensão de sua história e na transformação de sua realidade.
Ainda no encontro, as participantes pontuaram acerca dos aspectos de cuidado
quanto as relações qualitativas, que manifestam deficientes pela falta de tempo, sendo
um dos motivos, segundo as participantes, que desencadeiam o distanciamento. Além
também da desconfiança estabelecida com os outros, sinalizando para o medo de
julgamento pelo crivo do olhar do outro e o desejo de reconhecimento do que realmente
são e não do que os outros idealizam que deveriam ser. Falou-se muito sobre a condição
de aceitação de si mesmo e de que os outros a aceitassem da maneira como eram.
Heidegger (2005) em seus estudos nomeia uma estrutura do cuidado Sorge,
mediante três momentos: a existencialidade, a facticidade e a decadência. A
existencialidade é o próprio “Ser” existindo, o Dasein se expõe como é, com a sua
verdade e insistindo para dar mais abertura no seu “Ser”. Na existencialidade, o “Ser”
toma consciência e rege o curso de sua vida. A facticidade é a maneira da presença do
“Ser” já existir, já estando no mundo. O Dasein assume a responsabilidade de ser-no-
mundo na relação de ser-com-os-outros, sendo presença parousia se abrindo e se
guardando para a ação no mundo. A decadência é vista por Heidegger (2005) como a
perda da essência do Dasein, é, portanto, o inverso da existência. Se faz da anulação do
ser Sorge, se fechando e se encobrindo para as relações com outros seres.
171

Ao observarmos acerca da realidade colocada um tanto como determinada,


pensamos como Freire (2003) que a realidade está sendo construída pelas ações de cada
pessoa e sendo modificada. As relações de descuido, traçadas pelas participantes, levam
também a desumanização, que nega o “Ser” criativo, tirando a possibilidade de
construção, de transformação próprias do humano. Na relação cuidadosa, o “Ser”
encontra a dialética como modo de influência mútua e que o redimensiona ao
compromisso com a realidade. Através da dialética, o “Ser” intervém em sua realidade,
gerando novos saberes, substituindo a passividade pelo exercício da atividade.
No aspecto de aceitação ou não aceitação explanada pelas participantes mediante
as relações mantidas, trazemos Rogers et al. (1983) descrevendo-nos que ao aceitar-se,
o “Ser” ao invés de se criticar, fica livre para “Ser” quem é realmente, admitindo de
modo gradual o seu eu real, com suas polaridades e impulsos. O facilitador diante de um
cenário de aceitação ou não aceitação de si, tem como papel a compreensão, dando
espaço para a reflexão profunda, de importância a pessoa, seus sentimentos e
experiências.
A facilitação quanto a esse aspecto foi mediada no grupo lançando-se para uma
relação de proximidade, por parte de todas as envolvidas no momento do grupo,
permitindo-se a expressão máxima dos sentimentos, das ações e entraves por parte das
participantes que vivenciaram e se colocaram de maneira transparente diante da
necessidade de sentirem-se aceitas, sem julgamentos e sentindo uma verdadeira
compreensão empática (ROGERS, 2002).
Outro descuido do cuidado com o ambiente, a partir da visão de si mesmo foi o
fator relacionado as dificuldades na questão de alimentação saudável, assim como
sintomas físicos, como por exemplo hipertensão, que acabam se descortinando por
conta dos aspectos emocionais. Foi pontuado também o descuido quanto a vivência de
atividades físicas cotidianas, que mobilizam para melhores qualidades de vida. As
participantes identificaram momentos adoecedores, que se relacionavam a carga horária
de trabalho excessiva, sendo colocado a questão de muitas demandas para com o seu
fazer docente e dificuldades com familiares, não conseguindo dar atenção necessária a
todos, nem mesmo a si mesmas.
O cuidado com o ambiente foi envolvido da discussão sobre a crise planetária, que
se inicia por nós mesmas e relações que nos envolvem. Mesmo antes de expor sobre o
teórico trazido para o terceiro encontro, as participantes já demonstravam que a
172

destruição do ecossistema, de todos os seres e coisas, está sendo iniciado por nós e nas
maneiras como estabelecemos vínculos, vendo tudo como objeto e não como “Ser” que
precisa repousar, se renovar, para continuar gerando vida, como a Terra mãe.
É, pois, trazido no guia formativo tratando sobre as ideias centrais de Leonardo
Boff e a ética do cuidado. Que é pela ética do cuidado que construímos as relações entre
as pessoas e os espaços que estamos. Para Boff (1999; 2013) é urgente sairmos do nosso
círculo e entrar no universo do outro, sabendo cuidar da Terra e de tudo o que nela
existe, numa coletividade na busca de superar a indiferença e transformar os lugares que
estamos de maneira responsável.
Como modo de intervenção, mediante a ideia de não saber aceitar cuidado, mas
conseguir cuidar, ter uma estranheza diante da gratuidade nas relações, propomos a
formação de equipes para pensarem sobre maneiras diversificadas de cuidado para com
os demais colegas de trabalho, mesmo com aqueles que não tem tanta proximidade, ao
longo das duas semanas até o próximo encontro. Todas as participantes concordaram
com a atividade e se dispuseram a realização da ação de cuidado.
Como avaliação, as participantes trouxeram pontos sobre identificação com a fala
e as angústias das outras, a confiança para com as colocações de caráter pessoal, mas
que faziam o grupo se conhecer, a participação da gestora e coordenadora e a
possibilidade de vivência prática de cuidado, numa abertura de resgate da humanidade
que se encontra em crise, começando pelo grupo e pela escola que fazem parte.
Registradas através dessa discussão, em que se propôs de cada uma pegar a imagem de
uma flor e falar para a outra o que afetou em meio ao diálogo vivenciado no grupo.
Segue como foi esse momento:

Guerreira: Afeto, seu olhar, sua maneira de falar, você passa uma certa paz. E
assim, talvez a gente não tenha o contato do afeto, do abraçar, do carinho, do
beijar, mas você é do bem. Dá para perceber pelos seus atos, pelos seus
gestos, pela maneira como você trata as crianças, a maneira que você fala,
seu carinho. E isso é muito bom. E só vai fortalecer cada dia mais a nossa
amizade.
Afeto: Fortalecida a gente já tem um tempo que a gente... mas nunca tivemos
uma proximidade maior. E assim, eu vejo em você experiência, uma pessoa
também do bem, que não tivemos espaço de uma conhecer a outra, mas nas
suas palavras eu vejo suas qualidades.
Fortalecida: Essa pessoa assim... é Humilde. Por ser meu primeiro emprego e
Deus me abençoar e você é uma benção na minha vida. É uma pessoa
maravilhosa, abençoada. Não tenho nada a falar. [...] Eu sinto uma energia
muito boa e positiva. [...] Aqui é um lugar que me trouxe muita paz e
tranquilidade. E que você continue sendo sempre a pessoa que lhe conheço.
Humilde: Eu vou definir essa pessoa assim...Amor. Ela e C. quando entraram
na EMEI, eu senti uma coisa de quando eu entrei aqui. Senti um carinho
173

como uma coisa que estava faltando. Não sei se é porque pela idade são mais
maduras, não é. Eu vejo nela a jurema preta (pega o cartão com a imagem) é
um nome forte, mas serena, que carrega paz. E ela é assim. Carrega flores.
Sinto muita fortaleza. (chora um pouco e levanta para abraçar Amor)
Amor: Guerreira, você é uma pessoa aberta a aprender, aberta a ajudar,
guerreira.
Humilde: E assim essa coisa da afetividade tava faltando. Porque quando eu
cheguei na Amélia Duarte eu não fui bem recebida. Então por eu não ter sido
bem recebida, hoje eu dou esse retorno. E não tem coisa pior do que você
chegar num lugar e ser discriminada. E eu fui. Muito. Muito. (chora) Mas
como eu era obesa, muitos apelidos eu recebi. Então é assim, eu não quero
que vocês passem pelo que eu passei. É por isso que hoje eu dou o melhor. E
eu sofri muito quando eu entrei aqui. [...]
Guerreira: Obrigada pela acolhida.

Já o segundo grupo pela questão do tempo não tivemos a possibilidade de realizar


essa dinâmica, mas foi visto como bem positivo a discussão realizada.
O grupo através da abertura para outros membros mostrou-se que não estava
fechado e que outras poderiam participar do processo. Na pesquisa-formação, há o
respeito ao tempo e aos jeitos de lidar com as situações, sendo um exercício
democrático e participativo de todo o grupo. O desdobramento do trabalho quanto a
atividade de exercício de cuidado para com a equipe de trabalho, se mostra como
comprometimento ao processo formativo e a transformação de si mesmo para com suas
ações. Josso (2007) mostra que a reflexão sobre os processos da pesquisa-formação é
produtiva através do investimento das participantes de maneira ativa em todas as etapas
da proposta e nas interações oferecidas pelo grupo.
Então, não há caminho demarcado na pesquisa-formação, ele vai se abrindo à
medida que vai sendo vivido, sendo ajustado pela criatividade e abertura do grupo,
tornando todos sujeitos no processo. Portanto, nesse encontro se visualizou o
descortinamento da vivência do resgate de humanidade, através das relações de cuidado
consigo, com o outro e com o ambiente.

6.4 A professora/educadora como cuidadora: o envolvimento do cuidar no fazer


docente

Ao se atentar para a chegada do espaço formativo, vemos que o “Ser” deve estar
por inteiro, integrado, envolvido para experimentar se autoformar junto com outros.
Assim, iniciamos com uma série de exercícios de alongamento e respiração, para entrar
em sintonia consigo mesmas e com as sensações trazidas. A respiração ajudou muito a
cada uma a perceber-se em meio à rotina sobrecarregada de atividades. Após sintonizar
com uma respiração circular e tranquila, convidamos para exercícios de alongamento
174

que articulassem: pés, pernas, cintura, tronco, braços, ombros e pescoço. Além de
suaves toques no rosto e de percepção de alguma parte em seu corpo que necessitaria
mais emergente de cuidados a partir da renovação de energia pelas próprias mãos.
Apenas 15 minutos foram suficientes para trazer bem estar, conforme relataram as
participantes mediante esse primeiro momento do encontro.
Rogers et al. (1983) nos indica que a pessoa traz para os grupos a
espontaneidade e o desejo também de se sentir modificada, desenvolvendo a habilidade
de escuta do mundo interior e o interior dos outros. Ainda expõe que a informação a ser
falada deve se envolver de confiança a nível total – razão, intuição, sentimentos, corpo –
ambos como fonte de orientação para suas entregas no grupo. O grupo passa a ser mais
do que um aglomerado de indivíduos, mas de um coletivo de expressões capazes de se
transformarem.
Cada grupo, mesmo tendo o mesmo planejamento foi conduzido de maneira
diferente, já que as necessidades apontadas foram outras e que as pessoas também
carregavam anseios de fala muito subjetiva, a partir de suas experiências e das
memórias que se emergiram norteadas pela temática sugerida. Apresentamos nesse
encontro, então três unidades de sentido: cuidado com as relações junto a sua equipe de
trabalho, cuidado com a prática pedagógica e sentimento de desvalorização profissional.

Cuidado com as relações junto a sua equipe de trabalho

O terceiro encontro foi envolvida de uma atmosfera de ansiedade para relatarem


como da experiência de cuidar da equipe de trabalho de maneira diversificada. O grupo
da manhã realizou essa ação diferente do grupo da tarde. O primeiro foi caracterizado
de maneira individual, uma participante em cada dia da semana. O segundo foram em
pequenos grupos (duplas ou trios) para envolvimento da atividade. Foi interessante os
dois grupos caminharem de maneiras diversas, para o grupo também compreender as
imensas possibilidades existentes de cuidar.
Com essa atividade retomando ainda Rogers et al. (1983) traz que o facilitador em
torno de um tempo mediando o grupo se transforma num colaborador, num
companheiro das maneiras de intensificar suas ações no mundo. O facilitador deve se
renunciar em dados momentos para sentir a dança de possibilidades trazidas junto ao
grupo. Isso faz com que se pense em mundos únicos, vividos por cada pessoa, sendo o
facilitador convidado a ver, sentir e ser no lugar dos outros pertencentes ao grupo.
175

Olhando com o olhar das outras, perguntamos sobre como foi a experiência. As
participantes do primeiro grupo relataram que inicialmente causou certa estranheza em
abordar as pessoas da equipe que não estavam participando e mesmo as que estavam.
Estranheza pelo fato de sentirem que as pessoas achavam que tinham que fazer algo em
troca do cuidado, mas que ao longo da semana foram compreendendo a gratuidade da
ação e se envolvendo nela. Mesmo as pessoas que faltavam nos dias referentes a
atividade, eram lembradas e na primeira oportunidade logo eram abordadas com a
surpresa do cuidado pensado pelas participantes. As participantes relataram de terem
pensado de maneira diversificada a aproximação com as pessoas da equipe: entrega de
doces, palavras de gentileza e que sempre se envolviam no abraço.
O segundo grupo, relatou que foi uma experiência muito boa e que a parceria com
sua dupla ou trio, contribuiu para pensar estratégias de cuidado para com a equipe. O
diferencial desse grupo foi que suas ações estiveram sendo realizadas após o primeiro
grupo. Além de que falaram de terem tido mais tempo para pensarem o como realizar a
atividade. As participantes desse grupo, fizeram a ação juntas, ou seja, nos seus
pequenos grupos, e perceberam que se sentiam encorajadas a irem ao encontro das
outras, conseguiam combinar horários e experimentavam em adentrar na rotina das
colegas. Sentiram grande aceitação por parte da equipe e mesmo aquelas pessoas mais
distantes, a nível de relacionamento, se aproximaram, tornando o espaço mais
agradável. As maneiras como pensaram para cuidarem da equipe foram: conversas
informativas e distribuição de símbolos quanto a campanhas preventivas (outubro rosa,
contra o câncer de mama), flores de EVA confeccionados pelas próprias participantes e
entrega de maçã, tendo um cartão que traziam dados sobre os benefícios de seu
consumo, além de recordarem e valorizarem o dia dedicado ao professor.
Mesmo que tenhamos feito um resumo do que foi vivenciado pela prática de
trocas de delicados cuidados junto a equipe da escola, pensamos que as palavras das
próprias participantes carregam os sentimentos do que fora vivido na experiência.
Importante pontuar que no início do encontro no primeiro grupo, a mediação tinha sido
pensado para que esse momento de compartilhamento fosse mais no fim, mas o grupo
refaz o caminho pensado e sinaliza o desejo de discutir acerca do vivido. Falam-nos:

Clara: A proposta para nosso diário reflexivo foi escrever sobre nossa prática
como cuidado. Como a gente se vê enquanto professora/cuidadora no
convívio de minhas práticas. A partir dessa dinâmica em que nossa mão foi
reformulada e produzida pelo grupo todo, a gente pode fazer uma leitura do
nosso diário, quem não fez pode estar participando como nas outras vezes.
176

[...] O professor está em constante relação com o outro, como estou


percebendo a minha relação de cuidado na minha prática. Está aberta a
palavra.
Amor: Antes de conversar. Você não quer saber da experiência não do mimo?
Clara: Ah! Então vamos redimensionar para essa experiência. E aí como foi a
semana?
Amor: Para mim foi a primeira, bem no início da semana. Assim, foi legal
porque acabou incluindo todos da escola. E ficava na expectativa: O que vão
fazer hoje? (risos) Aí ficavam falando: Eu vou receber isso, logo pela manhã?
Obrigado. Eu pensei numa coisa...e eu fiz no domingo, porque é complicado.
Fui ao shopping, aí fiz um bombom de chocolate. Coloquei numa cestinha e
saí distribuindo e as pessoas ficaram contentes por receber. Foi bem
interessante, foi muito gostoso. Todos os dias tinha a expectativa, o que é que
vem hoje? (Risos)
Determinada: E agora, será quem é? A gente voltou a ser menino.
Guerreira: Ser criança.
Clara: Amor foi na segunda, aí todo mundo participou e se envolveu.
Amor: Todo mundo.
Clara: E na terça, quem foi?
Guerreira: Foi bom, aí eu fui na terça-feira. Aí já coloquei uma frase. Já deu
tempo no caso. Eu coloquei um pirulito e uma frase.
Amor: Porque querendo ou não a gente tem que parar para pensar como
agradar. A gente não vai fazer qualquer coisa. Meu Deus, o que é possível
que eu faça. O que eu gostaria. Uma coisa em comum, o que seria?
Clara: E a quarta, quem foi?
Humilde: Foi eu. Eu trouxe uma coisa que ninguém gostava. (Risos)
Determinada: Ela não me deu.
Humilde: Era jujuba. E uma frase de incentivo. A gente tem que aprender a
viver através da naturalidade e não do interesse. Aí saí entregando aí pro
povo. As meninas que não estavam, aí guardei o delas. Porque elas
participaram da formação durante a semana. Aí quando elas chegaram foram
recebidas com jujubas. Acho que elas não imaginavam que iria ser assim.
(Risos) Eu guardei.
Afeto: A quinta foi eu. Dei uma borboleta com bis e um bom dia. Aí quando
eu cheguei na sala de Elisângela, aí ela disse: Oxe, pois ninguém tá me
avisando que tem que trazer esses mimos. (Risos) Aí ela disse: Vou procurar
também uma coisa para mim trazer.
Humilde: E nunca trouxe. (Risos) [...]
Determinada: Já eu foi na sexta-feira e no planejamento. Ficou até melhor,
não é. Eu fiquei me perguntando o que eu vou fazer. Meu Deus do céu. Aí eu
comprei uns pirulitos. Aí eu enrolei com papel celofane como se fosse uma
flor e escolhi duas mensagens. Aí distribui com abraço e bom dia. E gostei. E
no mesmo dia as meninas chegaram de volta. Além de que as meninas:
Alegria, chegaram com paçoca com aquele broche do outubro rosa. Pirulito
com paçoca ficou uma delícia.
Humilde: A semana ia ser curta aí não ia dar paras meninas fazerem, porque a
semana seguinte era só três dias.
Clara: Foi muito legal porque vocês falam da questão de um símbolo, mas
um símbolo que aproxima das pessoas. Um símbolo que de alguma forma
vocês sentiram que as pessoas acolheram bem.
Humilde: Porque às vezes você vem para cá e tem pessoas que você acaba
nem vendo. Se não for no momento de evento no pátio. Porque evento no
pátio é o momento que sai todo mundo. Se não for assim aí tem uma turma
que vem primeiro e depois uma turma que vem depois. Aí acaba nem se
vendo. Tem dias que eu estou na escola e saio de sala em sala. E tem gente
que diz: Oh, você estava aqui. Aí eu digo: Estava, estava aqui.
Clara: Muito legal isso. Aí recebi umas fotos e fico contente de vocês estarem
progredindo. É uma prática simples e que a gente não precisa
necessariamente adotar sempre. Mas aí de vez em quando para sair da rotina
177

é uma boa para despertar a relação de cuidado com a nossa equipe. Com as
pessoas que são mais próximas da gente, não é. E aí agora?

O segundo grupo, assim nos trouxe acerca da experiência:

Clara: Como foi o momento de distribuição de cuidados aqui na escola?


Sorriso: Vai Carinho.
(Risos)
Sorriso: Hoje eu só vou ouvir.
Carinho: Você fala em relação aquele cuidado, aquele mimo.
Clara: Sim. Que cada dupla ou trio pensou em fazer.
Carinho: Foi muito bom. Divertido também. E a gente, como a maioria do
grupo está participando, a gente ficava comentando que o outro também
fizesse alguma coisa. E aí ficavam na expectativa. E era algo bom, não é.
Novidade, acerca do que iria acontecer. Foi bom. Foi bom também em
relação as reações, que a gente foi sentir a reação do outro e também ver, não
é como o outro reagia. Então assim foi bom.
Sorriso: Foi bom de fazer, não é.
Determinada: Foi muito animado.
Clara: De Criatividade e Carinho foi hoje.
Criatividade: Foi demorou um pouquinho.
Carinho: Não foi nada combinado. Ia ser na segunda e não deu certo. [...]
Teve uma série de coisas que só deu para fazer hoje.
Clara: E as pessoas, como vocês sentiram que receberam esse cuidado?
Como vocês perceberam?
Sorriso: Elas estavam mais abertas.
Carinho: Eu estava falando com as meninas, que não estão nos encontros, os
demais profissionais que trabalham na EMEI elas se sentiram incluídas. No
pensamento de que eram percebidas também. Com certeza elas se sentiram
cuidadas. Para elas que não estão participando e que talvez achassem que iam
ficar de fora.
Determinada: Em alguns lugares esse reconhecimento é tão raro, que talvez
elas nem esperavam que iam ganhar algo.
Carinho: Algo muito bom foi a dupla de Simplicidade e Determinada que
deram uma maçã e colocaram uma mensagem para o dia do professor. E todo
mundo recebeu. E todo mundo amou receber a maçã. Porque afinal de contas
a escola só acontece com todos os profissionais. Com certeza nos deixou
mais pertinho como grupo. Não foi?
Clara: Eu gostei da ideia da alimentação, que foi um elemento que entrou no
último encontro. Então vocês exploraram bem essa questão da alimentação
saudável.
Simplicidade: [...] Pois é a gente não tem contato com todo mundo, só com as
pessoas que tem a mesma rotina que a minha. E aí foi legal ir na sala de cada
uma, porque tem salas aí que eu nunca tinha entrado esse ano ainda. E aí foi
legal entrar e falar com cada uma. [...] Eu fiquei muito surpreendida com a
receptividade. Confesso que não imaginei que iam ser tão legal como foi. Foi
muito bom poder participar, poder pensar em cada detalhe, como a gente iria
fazer. [...] No cartão falava sobre os benefícios da maçã. [...] Eu gostei muito
da elaboração, da distribuição, do encontro com as pessoas. [...]

O cuidado como modo ontológico do Dasein é aberto na temporalidade,


desvelando e revelando o próprio “Ser” e existindo na presença com disposição afetiva.
Heidegger (2005) mostra que os percalços da existencialidade nos caminhos de vida e
no tempo, possibilitam a criatividade de ampliação da visão para ver novos horizontes e
doar-se a ser-no-mundo, num esforço de dar sentido ao seu “Ser”. A atividade
178

desenvolvida na escola pelas participantes do grupo se alinha muito a esse modo de


pensar “heideggeriano”, em que o Dasein está aberto e ao estabelecer relações também
se conecta as sensações trazidas pelos outros, em sentido dinâmico, dando espaço ao
imprevisível numa realização de si mesmo.

Os dois grupos colocaram na avaliação dessa atividade que todas se sentiram


muito bem e que ficaram contentes em distribuírem e receberem cuidados diferentes,
cada uma do seu jeito e da maneira como sentiam. Colocaram que as profissionais de
algumas áreas, como: merendeiras, portaria e auxiliares de serviços gerais, ficaram
surpresas de também serem lembradas em todo o processo. Falaram que receberam
sorrisos e abraços afetuosos que muito fizeram bem nos dias da realização da atividade.
Além de que conseguiram adentrar os espaços ocupados na escola de uma para com as
outras, conhecendo um pouco das ações das colegas. Algumas participantes expuseram
que nesse ano ainda não tinham adentrado algumas salas de aula e que foi uma
oportunidade para perceber o andamento da escola como um todo. As participantes se
enamoraram de uma prática de cuidado que tinha como principal aspecto a autonomia,
na escolha do que fazer e do jeito de estabelecer cuidado com o outro. Se apaixonaram
pelo fazer experimentando e verbalizaram também seu amor por educar.
Pensando no sentido do “Ser”, Heidegger (2005) nos expõe que existir é também
buscar escutar a realidade, vendo o que o outro nos indica. O pensar para Heidegger
(2005) é inseparável da linguagem que emerge as sensações. Desse modo, quando as
profissionais de outras áreas colocaram que se sentiram bem ao receberem os cuidados,
mostraram que na escola existe divisões de grupos em que se relacionam com quem está
mais próximo. O pensamento de Heidegger (2005) ainda envolve o silêncio que muito
fala e essa fala se faz da ação de escutar. De alguma maneira, as participantes que
escutaram esse elemento se voltaram para a reflexão de um coletivo escolar mais
próximo.
A próxima unidade de sentido vem interligar o cuidado como experiência de
prática pedagógica no seu cotidiano, levando a refletir sobre suas ações enquanto
professoras/educadoras.

Cuidado com a prática pedagógica


179

Com isso, introduzimos a dinâmica Mão que nos fala, solicitando para
desenharem uma das mãos, para sintetizarmos o diário reflexivo acerca da
professora/educadora como cuidadora, como também pontos positivos e negativos da
profissão, percursos de formação e exercício profissional, sentimentos atuais e
perspectivas de futuro. Após a produção individual, as participantes produziram
coletivamente através da complementação de umas para com as outras. Assim, no
momento de falarem sobre seus diários e acerca do que apareceu nessa dinâmica, o
primeiro grupo sinalizou as problemáticas em serem professoras na educação infantil:

Amor: (leitura do diário)


Durante todo esse meu trajeto como professora educadora, sempre tentei me
colocar no lugar do aluno. E até mesmo não observando só o meu aluno,
mas os alunos de modo geral. Procurando não ver só o aluno, a criança e
sim olhar. Porque nessa observação mais atenciosa você pode descobrir se a
criança está doente, triste, machucada e até se já foi violentada sexualmente.
Como já aconteceu com um aluno de uma escola pública. O mesmo estava
agressivo e falava palavrões, comportamento bem diferente, com o qual o
mesmo não tinha no início do ano letivo. É evidente que o cuidar e o educar
devem estar juntos. O cuidado precisa considerar, principalmente as
necessidades das crianças, que quando observadas, ouvidas e respeitadas
podem dar pistas importante sobre a qualidade do que estão recebendo. E
com a aprendizagem de forma integrada, com situações de cuidado e
brincadeiras dirigidas. Vamos trabalhando nos alunos a sua identidade, o
respeito, o acolhimento entre as crianças. Podendo com isso interferir na
autoestima da criança.
Clara: E aí, qual foi seu sentimento ao escrever isso?
Amor: Eu saí pensando, o sentimento de preocupação. Às vezes a gente não
vê o aluno e temos que estar observando. (Choro) Não só cuidar da
aprendizagem, de estar ensinando e orientando o aluno em questão
pedagógica, mas também tendo o cuidado, não é.
Clara: E no caso esse aluno representa algo para você? O que mudou assim
em você?
Amor: Mudou a questão de olhar mais, de observar mais o aluno. [...]
(Chorando) Eu fiquei muito triste sem poder ajudar.
Clara: Pode soltar o choro, viu.
Humilde: Isso, não prenda não. Que é ruim para o coração.
Amor: (Ainda chorando) Eu me senti impotente em relação a isso. Porque era
na escola pública e não tinha quem ajudasse. Eu não suportava ver o outro
sofrendo. E a mãe, o pai e a família sem poder fazer nada. Eu não pude fazer
nada. Eu não pude fazer nada. É horrível.
Humilde: A gente se sente incapaz, não é.
Amor: Aí eu passei a observar melhor as crianças. Porque quando a mãe me
falou e eu chamei a mãe para conversar sobre isso, aí eu falei para ela que
não foi falta de cuidado com o filho dela. Que eram crianças que conviviam
com ela, na casa dela. E ela acabava deixando ir para lan house, aí já sabe
essas lan house da vida. Quando vinha aí aconteceu isso. E um irmão maior
ficou vendo essa situação. E fez a criança ainda pegar dinheiro da casa dela,
para jogar e ir para lan house. E hoje nem sei como é que está a situação dela
hoje. Já tem um tempo e ela ficou muito triste porque não teve ajuda de
órgãos municipais. O pai da criança pediu que ela não mostrasse nem quem
era, porque senão iria fazer alguma coisa. Isso me marcou porque eles
estavam precisando de ajuda e eu não consegui... E pode acontecer com
qualquer um. E acho que isso é horrível. [...]
180

Clara: Tem algo que a gente pode refletir enquanto professoras. Em dados
momentos a gente se sente impotente, além de ter sido colocado em nós que
deveríamos fazer o possível e o impossível. Nesse dado momento você fez o
seu possível. E o sentimento que vem, você até falou essa palavra impotência.
Mas eu mudo ela para potência, porque você potencializou esse seu lado
cuidadora-observadora. Hoje, talvez seja completamente diferente sua relação
com as crianças e da observação atenta.
Amor: Com certeza.
Clara: E houve sim de alguma forma a mudança da impotência para a
potência. Porque de alguma forma transformou você em alguma coisa. [...]
Você também repetiu uma palavra: preocupação. Lembram do primeiro
encontro em que falamos que a preocupação é o aspecto do cuidado mais
implicado. O se implicar é o quê, é você se colocar por inteiro junto aquelas
crianças. E quando você traz é muito isso, o cuidado e o educar não se
separam. Você está implicada. E essa experiência te ajudou de alguma forma
a ampliar sua visão.
(silêncio)
Determinada: A gente fica até sem ação em relação ao que Amor traz.
Clara: E falar sobre abuso infantil nos sinaliza para muitas questões. A gente
não sabe o que acontece dentro da casa de cada criança.
Humilde: [...] Hoje em dia estamos com um aspecto em que as mães se
separam dos pais, aí ficam colocando outras pessoas de novos
relacionamentos. Aí pode acontecer de pessoas que não trabalham, não fazem
nada e ficam com seu filho. Aí sai para trabalhar, deixa o filho com um certo
tipo de gente e que na verdade começa o abuso e começa as ameaças. [...] Por
isso, eu falo que entrar na educação é meio complicado, porque a gente acaba
se metendo onde não deve. [...] Tem coisas que as vezes dá vontade de
chegar e denunciar de cabo a rabo. Esse ano aconteceu de uma mãe que veio
aqui matricular a filha, aí tem uma filha mais velha que não entra em casa ao
longo do dia todo, porque ela sente medo do padrasto abusar dela. Deve ter
acontecido alguma vez para chegar a esse ponto. E ela sabe disso, mas não
toma a decisão de se separar. A filha dela aqui é de dois anos. Casos que
chegam aqui de crianças que são filhos de presidiários e há conversas aqui de
que pode ter crianças que sejam filhas do próprio avô. Por conta desses
relacionamentos. Aí os meninos chegam espancados e você pergunta e eles
dizem que foi a mãe. E os vizinhos vem relatar que realmente a mãe agride
mesmo, dá é de murro na cara dos meninos. E fica machucado. Teve uma vez
que chegou foi com uma queimadura, quem sabe o que aconteceu mesmo. Só
que aquela coisa, eu não tenho provas para denunciar, só fico sabendo. E
como é que a gente faz? [...] Aí o caso mesmo dessa mulher, perigosa,
matadora. Então, como é que professor dorme tranquilo? Aí ficam com medo
de denunciar e o conselho chegar junto. Mas não se tem coragem, porque
sabe se ela descobrir ela manda matar. E os meninos não moram com ela.
Mora com a avó. Acho que ela pega os fins de semana, ficam com eles e
voltam. Ela esses dias andou solta e estava usando até tornozeleira eletrônica.
[...]
Determinada: E eles nem conheciam o pai. [...] O pai saiu da prisão e veio
buscar as crianças. Nós nem vimos, quem viu foi as meninas da portaria. E aí
a mãe veio na frente e logo ele chegou. [...] Aí o primeiro contato era esse.
Acho estranho porque nunca os filhos viram o pai e ela enquanto mãe já foi
entregando os filhos a ele. [...]
Humilde: [...] Você quer ser professor de verdade. Porque aqui você é tudo. É
professor, é dentista. [...] Pelo menos a gente vê que quem vem trabalhar na
educação infantil tem esse olhar. Porque tem professor por aí que não tem
não. E tem professor da educação infantil que chega e não está nem aí. Vem
só pelo dinheiro. Como eu mesma vi a fala de uma. Que queria só o dinheiro
no fim do mês. Quer dizer não se preocupa, não vê não enxerga. E aí quando
vem trabalhar aqui... Eu já trabalhei na educação infantil, mas assim eu não
via tanta coisa lá no fundamental e no EJA como o que tem agora. Porque
essas crianças passam por muita coisa. E se a gente não for observador, a
181

gente termina como muitos professores por aí que diz: esse menino é terrível.
Eu fico revoltada. Mas não sabe porque é aquilo ali. Vá atrás. Aprenda a
chamar. Aprenda a tratar. Tem menino que você quer dar um abraço, ela fica
todo assim (demonstra) chega se endurece. Porque eles não tem em casa. Se
eles são assim, é porque falta de alguma forma. Não tem um carinho, não tem
um bom dia, um beijo, um abraço. Tem criança que sai daqui de tarde e no
outro dia parece que volta com a mesma fome. Será o que comeu? [...] Tem
casos de crianças que saem com a fralda descartável e volta com a mesma no
outro dia. Que cuidado é esse? [...] A gente também não pode aceitar tudo.
Quando eu vejo que dá para conversar, eu chamo e converso. Agora tem caso
que é até complicado. [...] Aqui a gente é só mulher, vai que possa acontecer
alguma coisa. [...] A gente nessa área de educação a gente tem que estar
muito atento. Essa questão aí Amor para você foi uma luz para que você
pudesse saber olhar. Porque tem muita gente que não olha não. [...] Eu sou
muito humana. [...] Eu enquanto educadora eu gosto do contato com as
crianças. Aí quando chega e a gente fala com eles vem tudo para abraçar. [...]
A carência é grande. [...] Tem menino aqui que fica travado. E nós aqui
precisa ter olhar e carinho. [...] Teve uma menina esses dias de uma das
turmas que disse que a professora não gostava dela porque não a abraçava. Aí
eu conversei com essa professora e quando ela abraçou essa menina, ela se
derreteu para ela. A gente tem mania de ter os prediletos em sala de aula. Eu
mesma tinha essa mania, de que todo ano eu tinha um filho que eu adotava.
[...] Tem gente que só abraça aquele que gosta.
Fortalecida: [...] Você tem que procurar se aproximar da criança. E as
crianças observam você. [...]
Fé: Tudo o que você faz, eles observam. [...]
Fortalecida: [...] Muitas das vezes as crianças nos relatam o que vivem. É
muita coisa, que a gente fica com cabelo em pé. [...]
Guerreira: [...] Teve uma criança na minha sala que disse: Tia, meu pai bate
em minha mãe. E tem coisas que você nem imagina. [...] Ela disse: Meu pai
quando bebe ele bate na minha mãe. [...] A gente vê a estrutura da criança e
fica pensando como será o futuro.
Humilde: A gente fica pensando de que nós que tivemos uma estrutura boa a
gente sofre, imagine quem não tem. [...]

O fato norteador no primeiro grupo para vir à tona toda a discussão emergida foi o
caso apresentado pela participante Amor. Outros momentos vividos no passado e no
presente das participantes tornearam a reflexão quanto ao seu ser educadora. E em
dados momentos, o sentimento de desamparo para com as demandas vividas
cotidianamente na escola, além do medo quanto ao fator violência. Mas houve a
possibilidade de juntas compreenderem que uma fortalece o fazer da outra e que juntas
como equipe conseguem ir amenizando os fardos encontrados no caminho da educação
infantil.
A pesquisa-formação de caráter fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”
para nós, teve todo sentido de existir, nesse espaço e nesse momento, foi a experiência
vivida pelas participantes e que estava ali desejosa de ser refletida no intuito de se tomar
novos rumos no reconhecimento como professoras de infâncias. Assim, conforme
Macedo (2000) o que ora colocado foi o “Ser” em sua existência. Esse foi um dos
182

momentos que nos fizeram refletir que o vivido de maneira plural afeta a cada pessoa
que ali se envolveu e se implicou no cuidado com o outro, sendo pelas professoras, as
crianças dos seus convívios.
Freire (2003) retrata em sua obra a práxis na própria ação. No diálogo vivido no
encontro formativo, cada uma teve a possibilidade de co-criar com a outra, falando de
angústia, tendo a compreensão de que cada lágrima ali escorrida deixou marcas e que as
transformaram, que possibilitou novos olhares, mais atentos, mais afetuosos a tantas
crianças que sentem ausência e frieza do afeto.
A escola por ser um dos primeiros lugares sociais das crianças da primeira
infância é o espaço que merece ser visto com cuidado, para que cada professora possa
cuidar dos brotos que a vida lança, ano após ano por intermédio do convívio diário com
cada “Ser” que ali se apresenta. Muitas dessas professoras, como mesmo falado por
elas, se tornam muito mais do que simplesmente aquelas que educam acerca do certo e
do errado. Mas as protetoras que acalantam em dias tristes e tem compaixão por tantos
eventos que ocorrem na vida de cada “Ser”. Pelo que percebemos, cada história passada
pelas mãos dessas professoras ficam, permanecem de maneira viva, sofrendo e se
alegrando com a paixão ou as vitórias do outro, seja por meio de um dia que a criança
chega com marcas de violência, que as ferem de maneira integral ou na companhia da
superabundância do “Ser” criança, através da brincadeira e das curiosidades (BOFF,
2005).
Algo importante nesse encontro foi que utilizamos dinâmicas e diários como
dispositivos para a fala, mas foi o vivido que ali deu o norte da discussão, da reflexão
em se olharem professoras cuidadoras. Na leitura do diário reflexivo da participante
Amor, muitas memórias foram apresentadas por meio da fala e que talvez se olhássemos
somente para o escrito não saberíamos do sentimento que estava ali pulsante e
atualizado e da potência que poderíamos apresentar para a participante em sua prática
atual, já que o seu olhar mudou graças a experiência com uma criança, fazendo-a uma
observadora atenta aos interditos dos seus pequenos.
O cuidado na prática pedagógica por meio do diálogo do encontro com o primeiro
grupo foi envolvida do chamado por Heidegger (2005) de “dar espaço”. As
participantes deram espaço para a liberação do que o cuidado como ocupação mostrou,
acessando novos conhecimentos. Não neutralizando o que foi vivido, mas tirando
aprendizagens dessas experiências, elevando a serem orientadores de outros passos caso
183

algo aconteça com as crianças sob suas responsabilidades. Mas há também um


questionamento: Nossas professoras estão tendo apoios mediante a essas problemáticas
vividas em seu cotidiano? Pelo que percebemos o apoio encontrado é dentro da própria
equipe. É relevante que momentos como esses propiciados pela formação tenham a
possibilidade de continuar, para que esses professores sintam que não estão sozinhos e
saiam fortalecidos para continuarem tentando.

Desvalorização Profissional

O cuidado em meio aos percursos profissionais das participantes da pesquisa-


formação se apresenta como modo-de-ser fundado na relação com as pessoas, mas em
conflitos que o lançam a mudanças em suas vidas. Segundo Boff (1999) há dois modos
de ser-no-mundo, pelo cuidado e o trabalho. Mas na educação infantil o cuidado se
envolve no trabalho e vice versa. Em meio a interação do grupo as professoras através
da dinâmica a mão que nos fala, expõem suas angústias e os sentimentos que o levam a
pensarem na desvalorização do seu “Ser” profissional, refletindo que novos passos
podem se descortinar na sua realização de ser-no-mundo. Podemos acompanhar a
discussão por intermédio do seguinte trecho:

Simplicidade: [...] A gente percebe que todas as mãos que passaram por mim,
eu percebi que não estou sozinha nesse barco, não. E que muita gente tem o
mesmo sentimento que eu tenho em relação a profissão. Não estou falando de
nada pessoal ou que venha ferir o outro não. Eu estou falando em relação a
profissão. O exercer, o fazer pedagógico, o dia a dia em sala de aula, o
trabalho, o profissional. E eu percebi isso que muita gente tem o mesmo
sentimento que eu. Eu vi palavras como decepção. Quem nunca se
decepcionou com a profissão? Quem nunca vivenciou um momento de
decepção com a profissão? Não são com as pessoas que fazem o ambiente de
trabalho não. É com a profissão, com o seu fazer pedagógico. Tem dias que
você chega na sala de aula, você planeja a coisa mais linda do mundo e chega
lá, dá tudo errado. E o menino não está nem aí. Você não consegue atingir a
criança. Não consegue atingir o seu objetivo daquela aula e você sai
frustrada, porque você se dedicou tanto e quando chegou lá você não teve
essa devolução. Quantas vezes... e esse é um sentimento recente. Quantas e
quantas vezes eu me deparei triste e desanimada com minha profissão, por
conta de interferência política partidária. E aí você ter uma ideologia e pensar
que a educação é tudo isso que as pessoas falam. Mas que somos reféns de
uma política partidária. É refém de todo o sistema político governamental que
faz com que a educação esteja na arma de manipulação do poder. Na mão das
pessoas que tem o poder. E esse é meu sentimento hoje, recentemente. Me
faz desacreditar em algum momento e me faz desejar jogar tudo para cima e
ir procurar emprego na Master Magazine.
(Risos) Porque é melhor ir vender roupa, do que ficar numa educação que
tudo pode. Que no fundo, no fundo fica só no discurso, porque na hora de
executar não se tem o mesmo gás. Então assim, inclusive sou aquela que
desafia. Quem nunca também não se sentiu desafiada na produção? Eu estou
184

vivendo um momento de desafio e ansiedade, porque assim eu fico pensando


no futuro. O futuro como irá ser? Eu vou conseguir dar conta de uma
educação infantil com 50 anos? O que vai ser da minha vida no futuro? Então
deixa eu correr ali e fazer um outro curso, que me possibilite trabalhar com
ensino médio, um fundamental II. Aí eu me sinto desafiada a ver nova
possibilidade de trabalho e assim eu fico com medo também. Medo, o que me
espera na minha profissão no futuro? Qual será o meu futuro profissional? Eu
vou ter oportunidade de fazer o quê mais, além de trabalhar na educação
infantil? Eu tenho a capacidade de assumir um outro cargo na educação? Eu
quero isso para mim? O que é que esse cargo me trará? Que benefícios e
dificuldades? Renúncias e de pesos nas minhas costas? Hoje em dia esse é
meu anseio, meu medo, minha insegurança e um desafio. Porque você chega
a um ponto que você olha para o que você planejou, idealizou, sonhos e aí
você chega e se pergunta: E agora, eu vou para onde? [...]
Sorriso: Aproveito a fala de Simplicidade e trabalhei muito na Master
Magazine. (Risos) E a minha inquietação quando eu estava lá era fazer um
curso superior. Fiz então um curso de pedagogia. Aí ficava me perguntando :
Será se vou ser professora? Aí fiz o concurso, passei e disse: Vixe, e agora?
Vou, não vou. Vou, passei não é. Queria mudar também. Queria
experimentar outra área. [...] E eu ficava querendo mudar, mudar. Quando eu
trabalhava nessa loja eu ficava pensando que daqui a pouco eu vou ficar
velha e vão me botar para fora e aí como eu vou ficar? [...] Hoje eu vejo que
eu gosto do que eu faço. [...] Gosto de trabalhar com as crianças. E pretendo
me aposentar na educação infantil. Não sei se vou chegar até lá.
Clara: Obrigada.
Carinho: Quem você olhar fala, Clara.
Clara: Eu vou fechar os olhos. (Risos)
Carinho: [...] Eu coloquei que na palma da minha mão eu me percebi como o
cargo que estou, porque preciso ser professora. [...] Quando eu coloquei
reflexão, eu me reportei muito ao meu cargo que estou exercendo agora.
Porque para mim o que me dá prazer e perceber o que eu faço, é eu ver que
em algum momento, alguma situação, eu contribui de alguma maneira. De
alguma maneira eu contribui para que algo bom acontecesse, na sala de aula,
com o aluno. Nossos objetivos, todas nós vê o resultado lá no aluno. E no
meu caso eu vejo no professor, meu colega. E dá para perceber que de
alguma maneira aquilo foi importante. E eu vejo isso. Tem dois anos agora
em outubro que estou na coordenação e vejo que construímos muita coisa
boa. E muita coisa conseguimos recuperar. Isso tudo por conta da reflexão.
[...] Amei essa dinâmica, não conhecia.
Clara: Foi uma criação nossa.
Carinho: Pois passe para nós.
Determinada: Eu vou começar por uma fala de uma mãe, que é bom ver a
evolução da criança, em ver que antes não fazia nada e hoje faz o seu nome.
Para mim é uma maravilha. [...] Eu coloquei também acerca da
desvalorização, não como profissional, mas com a rede, com os pais, que
você vê que a gente fez pelo filho dele. E ele não dá nem parabéns para você.
[...] E quanto a rede é quanto a nós contratados nos tratam como se não
fôssemos nada. Mas eles precisam da gente. É isso a minha revolta, a minha
fala. Tanta coisa que a gente sabe e precisamos nos unir. Para poder correr
atrás do objetivo que a gente quer. [...]

Há uma preocupação que paira no grupo, seria acerca do futuro. E o futuro que
está em suas portas. Pontuam-se em meio a essa discussão três questões: condições de
trabalho, processos ideológicos e remuneração. O primeiro elemento é acerca das
condições de trabalho em que as professoras estão inseridas. A educação infantil tem
como exigência um extenso tempo de trabalho, além de atividades extraclasses,
185

planejamentos e reuniões. Esse professor tem uma sobrecarga intensa, podendo emergir
estresse e outros sinais de adoecimento.
Na lei nº 9.394/96, é sinalizado que a composição da jornada de trabalho desse
professor tem o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o
desenvolvimento de atividades que se referem aos educandos. Ficando parte do seu
tempo para atender a outras necessidades que envolvem a sua profissão. O que se vê na
realidade é um crescimento ainda maior de trabalho que o professor leva para casa,
programas comprados pelas secretarias municipais que só trazem mais angústia e que
não se pensa na realidade que está posta ali no chão da escola (BRASIL, 1996).
Outro aspecto trazido pelas participantes é acerca do regime de contratação frágil
das redes de educação. Admissões um tanto sucateadas já que não assegura o bem-estar
desse profissional, tendo uma realidade em que a cada fim de ano os professores
contratados são demitidos e readmitidos no início do ano letivo seguinte. Assim, esse
professor fica ao longo dos meses de dezembro e janeiro vivenciando um processo
angustiante se terá ou não nova oportunidade.
Algo trazido pelas participantes foi acerca das intervenções político partidárias,
realidade tão conhecida nas pequenas ou grandes cidades de nosso país. A educação é
tratada como um instrumento de poder para muitos dos representantes e não como
instrumento de libertação por uma sociedade mais justa e igualitária. Isso é um fator
agravante já que se planeja o avanço dos índices educacionais, mas não se pensa que
tais intervenções interferem diretamente no aprendizado do aluno, por conta de
alterações repentinas de muitos professores, tendo uma grande rotatividade ao longo de
um mesmo ano.
Observamos que as produções da dinâmica a mão que nos fala sintetiza os
encontros e os traços vivenciados por cada grupo. Organizamos a apresentação da
produção por ordem alfabética conforme o nome escolhido pelas participantes.
186

Imagem 2. Desenhos das participantes relacionados a Dinâmica A mão que nos fala.
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Fonte: Sousa e Ribeiro, 2017.


190

O primeiro grupo expôs que os pontos positivos que pensam acerca do “Ser”
professora, são: parceria, poder compartilhar o conhecimento, os vínculos afetivos,
ensinar e a responsabilidade de estar no desenvolvimento de crianças no primeiro
percurso de vida. Como pontos negativos, expuseram faltas: de compromisso, de
cumprimento de metas, de humanismo, de material didático e de respeito. Sobre como
se sentiam, colocaram que se sentiam cansadas, mas também otimistas e disponíveis.
Acerca de perspectivas de futuro, demonstraram preocupações quanto a saúde, como
um caminho árduo na educação a se viver, precisando dar mais espaços para aceitações
e adquirindo experiências.
As participantes do segundo grupo escreveram como pontos positivos:
acolhimento de mim para com o outro, vida dinâmica, aprendizagem, perceber e
contribuir para o progresso das crianças, brincar e as amizades que vão estabelecendo
com as pessoas da escola. Já os pontos negativos, foram: sensações de desvalorização,
falta de compreensão, desunião e intrigas. Os aspectos ligados a como se sentiam
enquanto professoras atualmente foram apresentados como: felizes, realizadas,
satisfeitas, mas também decepcionadas e se sentindo desafiadas pela realidade atual.
Sobre o que pensavam sobre o futuro, colocaram-se em perspectivas de aprendizagem
para melhorarem as suas práticas, ainda mais dedicadas na profissão, mas apresentando-
se também medos, inseguranças, inquietações, desafios e anseios.
Ao produzirem coletivamente, as participantes ao lerem os escritos das colegas
escreveram palavras de ânimo, além de qualidades que consideram nas outras e frases
que reafirmavam os termos escritos pelas participantes. Do ponto de observação, as
participantes se empolgaram com a possibilidade de ter algo escrito das demais e se
envolvendo com o pensamento umas das outras.
As observações realizadas, mostram que as participantes por meio dessa dinâmica
conseguiram se questionar e questionarem as outras, para que novos rumos fossem
visualizados diante do processo experiencial de existir. Ao questionarem segundo
Heidegger (2005) cada Dasein vivencia a compreensão em “Ser” pre-sença, com olhar
para si mesmo, na possibilidade de se avaliar escolhendo “Ser” ou não “Ser” o que se
apresenta e se desdobrando em processos de reelaboração existencial.
A leitura dos diários reflexivos veio permeado de todas essas ideias e do que
tinham observado na produção anterior. E observando o aspecto subjetivo dos grupos
pôde-se perceber que trouxeram discussões diversas e que muito acrescentou na
191

reflexão sob a ação. O grupo da manhã, articulou o diálogo em meio aos aspectos de
experiências docentes que marcaram e marcam seus percursos, trazendo à tona
preocupações para com o bem estar das crianças. Uma das participantes relatou sobre o
c0aso de um de seus alunos que foi abusado sexualmente por outras crianças maiores e
que no momento se sentiu impotente para alguma ação mediante tal evento. O grupo
muito atento, levantou possibilidades de que essa sensação de impotência deixe de fazer
parte da vida dessa professora, trazendo que cada uma faz o melhor para que as crianças
se desenvolvam e possam continuar construindo suas histórias. Expuseram que com a
falta de apoio da família, aspectos socioeconômicos e o distanciamento de outros órgãos
públicos que apoiem a escola, fica bastante difícil o exercício docente, apresentando-se
ao longo dos caminhos, conflitos e fracassos na escola.
No grupo da tarde, a leitura dos diários reflexivos e as observações da produção
da Mão que nos fala, envolveu a preocupação quanto a realidade atual política brasileira
e indicaram as inquietações quanto ao exercício de professoras da educação infantil nos
próximos anos. Além de mostrarem por meio da fala a forte e determinante influência
política partidária fazendo a educação refém dos próprios interesses. Levantaram acerca
do sentimento de desvalorização para com as professoras em período de contrato
determinado, sendo todas demitidas em dezembro e só sendo recontratadas no início do
ano letivo seguinte. Expuseram a questão de que não se sentem com direitos
trabalhistas, mesmo trabalhando ao longo do ano todo, suas férias não são remuneradas.
Dois grupos em uma mesma escola, mas que trouxeram cenários diferenciados
quanto às experiências do cotidiano docente. Trazemos, pois, que a pesquisa-formação
propõe a articulação da subjetividade em meio aos processos formativos. Assim, não
houve padronização dos encontros, que mesmo realizando o mesmo roteiro previsto,
cada grupo ocorreu de modo diferente, dando o caráter existencial de movimento de
vida que parte do ser-no-mundo-com-os-outros.
Apresentamos o quarto teórico da nossa pesquisa-formação, Paulo Freire,
indicando possíveis caminhos de educação humanística na educação infantil. Fazendo
com que a criança desde cedo já vá construindo o espírito crítico mediante sua
realidade, conhecendo-se e conhecendo o lugar e as pessoas com quem vive. O diálogo
no pensar de Freire vincula o educador do educando e na educação infantil os espaços
são envolvidos de sinalizações quanto a essas ações, desde o momento da chegada da
criança na escola até a hora da saída.
192

Ao avaliarem o encontro, colocaram que se sentiram muito bem, tendo a sensação


desde já de saudades, sendo o penúltimo encontro da pesquisa-formação. Foi entregue a
cada participante, um chaveiro com formato de sandália, tendo fixado a frase de Paulo
Freire: “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho
caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar”.
Para o quinto encontro, os grupos se subdividiram nas atividades, o da manhã
ficou de preparar a acolhida e o da tarde o mural expondo as fotografias dos encontros.
Além disso, solicitou-se a escrita do diário reflexivo sobre como foi participar da
pesquisa-formação, quais transformações sentiram que aconteceu sobre o seu
autocuidado, cuidado com o outro e com o ambiente que os rodeia e as experiências
emergidas dos encontros.

6.5 O lugar do cuidado em educação: refletindo os processos transformadores


na formação

A escola toda se preparou para a vivência do quinto encontro, já que a atmosfera


que pairava era de uma preparação cuidadosa e aberta. Tivemos a presença dos dois
grupos participantes da pesquisa-formação e dos pesquisadores facilitadores do
processo (mestranda e orientador). Isso fez com que o grupo se envolvesse e pensasse
em estratégias para acolher quem já estava e quem ainda ia conhecer.
O ambiente do encontro aconteceu em uma das salas dedicada a leitura e outras
atividades com as crianças da escola, tendo as cadeiras dispostas em círculo e a
exposição do painel com fotos e palavras que tiveram sentido na compreensão das
participantes ao longo dos encontros da pesquisa-formação.
O grupo da manhã preparou a singeleza de um cartão em que havia escrito a frase:
“Doçura: viver com suavidade. Com delicadeza. Enxergar o outro com ternura.
Exercer o cuidar. Mover-se pela vida com leveza. Exercitar a sutileza. Conviver com
tolerância. Tratar a si mesmo com carinho”. Depois propuseram a dinâmica do pirulito,
em que com o braço direito esticado e com o pirulito na mão, deveriam tentar colocar na
boca sem dobrar o braço. A estratégia seria que uns entregassem o pirulito para outros.
E a explanação que o grupo deu para tal dinâmica, foi que sozinho ninguém conseguiria
progredir, que todos precisamos da ajuda de alguém para continuar a caminhar.
Para apresentação, convocamos cada um a falar seu nome e um gesto que o
identificava, sendo posteriormente, repetido pelo grupo. Sentiram abertura em colocar
193

gestos que falassem de si e todo o grupo acompanhou em sintonia, repetindo os gestos


uns dos outros.
Abriu-se o diálogo acerca do processo da pesquisa-formação, como uma estratégia
de pensar no cuidado em meios educativos. Explanamos brevemente acerca da
formação que acontece partindo de si mesmo para o encontro do outro e que vai se
constituindo no processo de sua realização. Na pesquisa-formação não há nada fechado
e tudo vai se firmando a partir da abertura do grupo. A proposta formativa vivenciada
com esse grupo mostrou que cada participante pode dar o seu jeito, o seu toque especial
no processo. Para tanto, o grupo foi presenteado com as palavras de um dos
pesquisadores:
Marcelo: Estamos aqui para avaliar o nosso processo. Nas orientações
conversávamos muito sobre os acontecimentos do grupo e eu ficava sempre
morrendo de vontade de conhecer vocês e estar aqui. Às vezes ela mandava
as fotos e tal. E eu dizia: Oh que inveja, queria estar aí com vocês. Ela trazia
experiências riquíssimas, que imagino que vocês tenham realmente vivido.
Experiências de aprendizagem, de surpresas, de reconhecimento, de
empoderamento. Então assim, ficava com muita vontade de querer fazer
parte, mas diretamente. A gente tinha combinado também esse dia de
culminância, que não é necessariamente o último dia. Estávamos também
conversando um pouco sobre isso, de dar continuidade desse processo. Aqui
é uma culminância, onde a gente encerra uma etapa, para começar outras
etapas. Então a gente sabia que iria ter esse momento, aí eu segurava um
pouquinho a minha ansiedade para estar aqui com vocês. Dizer que a ideia da
pesquisa-formação, ela é antes de tudo uma proposta de empoderamento. E a
gente sabe o quanto nós professores, principalmente os professores da
educação básica, mais ainda os professores da educação infantil, necessitam
desse autoreconhecimento, desse empoderamento. Claro que a gente precisa
do outro, é claro que a gente não sabe tudo, claro que de vez em quando a
gente precisa de um expert. Mas a gente tem muito conhecimento, muita
sabedoria, a gente tem muita experiência desenvolvida e que a gente pode e
deve compartilhar, a gente deve afirmar isso. Então, acho que uma pesquisa-
formação é antes de mais nada um reconhecimento de que nós somos capazes
de galgar o desenvolvimento, que nós temos saberes importantes. Importante
esse empoderamento. E o empoderamento passa também pela questão da
gente aprender a se cuidar. Aprender a cuidar do outro. A gente desenvolver
estratégias de autocuidado. Cuidado não é só quando a gente cai e se arranha
e vai passar alguma pomada, alguma coisa. Cuidado é o dia a dia, cuidado
tem haver com atenção, cuidado tem haver com ética, com respeito. Cuidado
tem haver com o meio onde a gente se dedica ao nosso trabalho. Cuidado tem
haver com o respeito com relação a nossa profissão. Então, a ideia da
pesquisa-formação eu vejo isso. É a ideia de fortalecer o sentimento de
equipe, de grupo, não é. Da gente também criar contextos mais bacanas para
gente se sentir bem. Afinal de contas a gente passa muito tempo no trabalho.

A pesquisa-formação tem como coerência a proximidade. Desse modo, efetivou-


se o encontro com o pesquisador-formador que orienta o trajeto desse fazer-se
pesquisando. O pesquisador sensível para Barbier (2004) tem a nobre missão de dar voz
ao grupo e permitir que essa voz ganhe novos sentidos em outros grupos. A presença do
194

pesquisador-formador, orientador do processo envolveu a sinalização de aproximação e


que mesmo escutando os relatos estava implicado no processo, mediando estratégias
que pudessem beneficiar o grupo.
Os relatos de experiência foram motivados aos seus compartilhamentos e as
próprias participantes sugeriram de que no término de cada relato fosse indicada outra
pessoa para sua exposição. Em cada fala era emerso a experiência movida pelo
sentimento de pertencimento ao grupo, de conhecimento das outras que compunham o
grupo, das relações de proximidade e da reflexão acerca do cuidado. Recordaram os
momentos vividos nos encontros e indicaram que mesmo sendo quatro encontros, foram
muito proveitosos e intensos na arte de escutar, expor suas angústias e de autocuidado
para melhor cuidar do outro e de suas práticas junto as crianças. Agradeceram
imensamente pela realização dos encontros na escola e pensaram de alguma maneira em
darem continuidade com a perspectiva do cuidado em educação.
Segundo Bondía (2002) a paixão de estar em relação com as pessoas culminam
em uma verdadeira vida, sendo até mesmo possibilidade de renascimento. O grupo
então não sai do jeito que entrou, ele viveu a mudança, esperançando renascer de um
novo “Ser”. E juntas renascemos, já que saímos um pouco mais diferentes.
O grupo também recordou o início do processo da pesquisa-formação, em que
com a leitura do Termo de Livre Consentimento e Esclarecido ficaram receosas sobre o
que seriam vivenciados. Mas que foi motivador experimentar estar juntas nos encontros,
sem ao menos sabendo onde o grupo iria chegar e que foi para além do que imaginavam
que iria acontecer. As burocratizações nos processos formativos, a partir desse exemplo
traz algo de imposição, desse modo desmotiva a participação de todos no processo. Mas
com a abertura de permitirem experienciar a formação, foram aos poucos percebendo
que todas construíram juntas, muito viabilizando sonhar e viver os primeiros passos de
uma escola cuidadora, que cultiva a preocupação por suas educadoras alcançando as
crianças no qual estão envolvidas cotidianamente.
Rogers (2002) mostra que as relações se mostram como intensamente pessoal e
subjetiva, já que acontece uma compreensão interna para uma autocura e nos grupos a
relação se faz de pessoa para pessoa e não de pessoa para alguém a ser julgado. Todos
somos capazes de viver abertamente um processo, com disponibilidade e mudança de si.
E a mudança acontece cotidianamente, através da ampliação do olhar sob a sua
experiência, que há de ter sempre consequências e escolhas a serem feitas. O grupo se
195

faz o espaço para sentir como é ser o que se é, refletindo e se transformando sem mesmo
perceber, mas tem a sensação de viver sem cobrar que a mudança aconteça
repentinamente (ROGERS, 2002).
Para tanto, ressaltamos a relevância do processo de autoformação. Assim,
puderam-se perceber quatro unidades de sentido, relacionados à vivência de cuidado no
grupo, a formação que favoreceu a reflexão quanto ao autocuidado, cuidado com o
outro e o meio, a facilitação da pesquisa-formação e o que fica de continuidade a partir
desse processo reflexivo. A pesquisadora-formadora facilita para a escuta sensível por
meio da explanação:
Clara: E aí vivenciamos todos esses momentos e foram momentos muito
oportunos para gente se conhecer. Se conhecer enquanto equipe, pessoa e
grupo. E a pesquisa-formação ela vem propiciar muito isso a autoformação. E
a partir disso, ficou de trazer hoje para o grupo nossos relatos de experiência.
Então é a escuta sensível que desenvolvemos ao longo dos nossos encontros.
A escuta sensível, a escuta aberta, então esse é o momento. Daí a minha
primeira pergunta: Quem deseja começar? (risos)

Como nos demais encontros, nossas unidades de sentido estão organizadas a partir
do tempo sequencial vivido pelo grupo.

Vivência de cuidado no grupo

A vida em grupo carrega desafios diversos, mas necessários para impulsionar a


“autopoiesis”, recriando a si cotidianamente. A pesquisa-formação de cunho
fenomenológica hermenêutica “heideggeriana” vivida por nós, constituiu-se de uma
prática privilegiada de atenção a maneira como cada pessoa utilizava sua liberdade e a
capacidade de recomeçar de novo. Cada pessoa conseguiu conceber a sua auto-
orientação, mas o grupo estimulou aos descobrimentos das singularidades, das angústias
e dos processos transformadores. Fomos privilegiados em nos permitirmos deslocar-se e
mobilizar uma formação que a técnica consistia na escuta de si em meio ao grupo, na
reflexão junto-com-outros e no aprimoramento bildung da existência (HEIDEGGER,
2005; JOSSO, 2007; GADAMER, 2002; BARBIER, 2004).
Rogers (2002) fala que a pessoa experimenta no grupo a abertura para o mundo,
tanto interior como exterior, abrindo-se a novos modos de ver, a novas maneiras de
“Ser” e sentir. A vivência no grupo por intermédio da pesquisa-formação foi uma
mudança de curso para muitas das professoras ali, ávidas por se encontrarem com as
colegas, mas o encontro que perpassou a si mesmas.
196

A participante Guerreira foi a primeira a realizar seu relato de experiência.


Propiciando-nos essas palavras do seu diário reflexivo:

Antes de tudo quero agradecer a Clara pela oportunidade de me contemplar


com esta pesquisa, pois através dela pude conhecer um pouco mais das
minhas colegas de trabalho e pude compartilhar da minha vida com elas,
pude perceber que todos nós temos fraquezas. Mas que temos muitas vitórias.
[...] Esses quatro encontros me deram a oportunidade de falar e ouvir cada
uma. E sei que esses encontros saímos mais leves e dispostas a mudar alguns
aspectos, como no cuidado consigo mesmo. Sei também que como
profissional pude observar cada aluno com olhar que eles merecem. E que
essa experiência vai me deixar um legado para toda a vida. Só tenho a
agradecer. (GUERREIRA)

Após a leitura de seu diário, a pesquisadora-formadora a pergunta:

Clara: Guerreira, como foi escrever esse relato?


Guerreira: Todo encontro eu ficava dizendo, Clara não escrevi nada. Mas
sempre eu falava alguma coisa. [...] Fluiu as ideias e comecei a pensar como
foram os encontros, não é. Realmente para mim foi muito gratificante. Aqui a
gente está todo dia e convive com todas. Mas a gente não tinha esses
encontros de parar para ouvir. Era só oi, bom dia, boa tarde. Mas esses
encontros foi o momento de conhecer cada uma das colegas de trabalho. Eu
agradeço.

A participante coloca a questão da dificuldade da escrita, como apareceu em


outros encontros. Mas tem clareza de que participou bem do processo e que o grupo se
fortaleceu através da escuta. Para Longarezi e Silva (2008) a pesquisa-formação produz
conhecimentos novos e assim cresce o processo de conscientização. Mesmo que a
participante apresente a sua dificuldade quanto a escrita do diário reflexivo, é pertinente
considerar que ela conseguiu produzir saberes através da participação ativa no grupo
junto com as demais professoras.
Em meio a discussão a participante Alegria coloca que a pesquisa-formação
aproximou o grupo, já que há aproximação entre as professoras que trabalham com as
turmas do integral e o outro grupo com as turmas que funcionam parcialmente. Além de
falar que conseguiu escrever, tendo sido uma dificuldade trazida por ela ao longo dos
encontros. Assim foi mediada a discussão:
Alegria faz a leitura do seu diário:
[...] muitas das vezes ficamos em um mesmo ambiente, mas nem sempre nos
encontramos, e é através desses desencontros que acabamos não nos
conhecendo. [...]
Às vezes a gente fica muito parada nas salas, como por exemplo,
Criatividade e Simplicidade eu nem conhecia ela direito. Aí elas ficam lá
trancadas com os bebês e eu fico cá. No intervalo elas vão saindo e trocam
comigo o olhar.
Clara: Venceu, Alegria venceu a coisa da escrita! E aí como foi escrever?
Alegria: Escrevi hoje. (risos)
Marcelo: Muito bonita. Uma poesia.
197

Alegria: Mas para isso os anjos me ajudaram. Eu estava com os bebês. A


gente está com os anjos, não é?
Marcelo: Sim.
Alegria: Aí consegui escrever.
Para a participante o estar em grupo e no seu fazer cotidiano trouxe elementos
inspiracionais para vencer as barreiras vividas no processo reflexivo e profundo através
também da escrita do diário reflexivo. A pesquisa-formação traz a dimensão da
autonomia, de modo a aguardar o tempo e o jeito do outro, além de construir novos
conhecimentos a partir de sua prática. A participante Alegria percebe que a relação no
grupo de trabalho se estreitou e que as crianças de seu convívio continuaram a ter
importância no seu fazer docente. Percebe-se que a formação não deve ser
desvencilhada da realidade cotidiana, ela deve propiciar a inspiração de retomadas e
novas travessias a serem descobertas.
O grupo de professoras da educação infantil muito mantém uma convivência,
por conta das horas que estão mais no espaço da escola do que em outras atividades
pessoais. O fator acolhida é trazido no discurso da participante Fé, quando ela fala:
Fé: Então assim, a gente trabalha em uma equipe que podemos chegar e não
necessariamente abraçar todo mundo, todos os dias. Mas cada um tem seu
jeito, sua forma, de cuidar, de olhar. E perceber como o outro está, se o outro
está bem. Você percebe. Então a gente teve os quatro encontros que
proporcionou que nos conhecêssemos um pouquinho. Não a história de vida
de cada uma, mas isso é uma parte mais individual, não é. Mas tinham coisas
que a gente se sentia sufocada e foram nos encontros que a gente pudesse
desabafar. Só em você saber sobre cada uma. As vezes a gente passa por
dificuldades, enfrenta barreiras e ai você vê o outro sorrir. As vezes o sorriso
dele esconde uma lágrima. [...]
Marcelo: Foi profundo. Porque você fala de encontro. O encontro é... nos
humaniza.
Fé: Teve momento aqui que todo mundo abraçou todo mundo. Foi uma
forma de acolher a equipe. Eu mesma no início eu disse que não iria
participar. Mas fui refletir um pouco e vi que seria uma oportunidade. Quero
agradecer a Paciência que me ajudou e me incentivou a participar. Porque eu
estava já com a folha dizendo que não iria participar. E depois foi ela que
queria desistir e eu disse que você não iria desistir. Então, isso é cuidado, um
se preocupar com o outro. Querer o bem estar do outro.

Importante frisar que a contribuição entre as participantes para a não desistência


da vivência na pesquisa-formação dá a importância de refletir o cuidado em educação,
como meio que favoreça ao crescimento do grupo. Para Rogers et al. (1983) a pessoa
que está presente no grupo sai afetada com algo de alguém, crescendo em consciência e
renovando sua tendência formativa. Ainda Ribeiro (2016) pontua que o professor ao
caminhar em seu fazer docente dialoga, se abre e reflete, ressignificando suas ações.
198

Mas no caminho da pesquisa-formação tiveram também turbulências,


especialmente no início, conforme observamos no relato em que a pesquisadora-
formadora fala com a participante Fé:
Clara: Acho que no início tu foi uma das professoras que se impactou com a
palavra formação. Que vocês diziam que era mais uma coisa para fazer. A
forma-ção que aconteceu foi facilitado por nós, mas foram vocês que fizeram
acontecer.
Humilde: No início teve muita resistência. Aí eu dizia: Minha gente será
bom.
Carinho: No primeiro encontro houve resistência. Na minha cabeça quando
Clara chegou para apresentar o projeto, era eu apaixonada de um lado e ela de
outro. A gente tava apaixonada com isso. Que bom que tivemos essa
experiência. O primeiro encontro que tínhamos ciência que as pessoas iriam
participar. Mas no momento do TCLE foi impactante. Mas quem não
participou, depois quiseram participar. Isso tem que continuar. Porque a
gente estava organizando a instituição aí não poderia mais. Mas a
empolgação, o que a gente passa. Foram momentos bem legais, como o do
mimo, em que envolvemos todos, independente de estar no projeto ou não,
cativou, para que elas também tivessem essa vontade de participar.

A resistência aqui colocada nessa relação em meio a pesquisa-formação se dá por


ser algo desconhecido e tantas vezes só se conhece vivenciando. Propusemos vivenciar
para depois cada uma tomar a decisão de participar ativamente do processo formativo.
Quem facilitava também se colocou empaticamente para compreender a posição do
grupo de professoras, já que as formações tantas vezes são impostas, trazendo mais
demandas e não contribuindo muito para a construção enquanto pessoa, definindo-a
somente como profissional que deve seguir regras e acompanhar índices, sem pensar
nas suas consequências com o exacerbado peso do trabalho, que não fica somente na
escola, mas é continuado em casa.

A formação como momento de retomada para perceber a si mesma integralmente.

A formação envolvida da experiência possibilita desvelar as pessoas como elas


são e levarem a reflexão para retomar suas vivências de modo mais ativo e buscando
transformação. As professoras da educação infantil, participantes dessa pesquisa-
formação perceberam que houve uma construção de consciência para o autocuidado,
como uma prática a ser vivida cotidianamente. Assim uma das participantes escreve em
seu diário:

[...] No início houve dúvida, se iria tocar na nossa vida particular. Mas depois
quando iniciou foi esplêndido. Senti algo tão bom, me senti leve. [...] Porque
há momentos que só precisamos falar um pouco e só ouvir o outro. Saber que
há pessoas que só precisam de ouvir, um simples minuto. E ali se acalma, se
limpa de algo que sufoca e ninguém pára um minuto com ela para escutar.
(FORTALECIDA)
199

E complementa em sua fala a participante Fortalecida traz que:


No início fiquei receosa, mas a gente viu que foi diferente. Clara chegou no
momento exato, eu estava passando por um momento delicado. E eu no
terceiro encontro tinha passado por um momento trágico. Foi um momento
difícil para a minha família. Foi bom, gostei e pudemos conhecer das colegas.
Me acheguei mais. Obrigada.
Clara: Você foi maravilhosa.

Um dado importante trazido pela participante foi a questão de se sentir ouvida,


escutada, demonstrando a leveza de “Ser”. Em Ser e Tempo, Heidegger (2005) reflete
sobre o sentido do “Ser”. O “Ser” que cuida e é cuidado. A formação no viés que
desenvolvemos propiciou a escuta sensível trazida por Barbier (2004) que o pesquisador
deverá sentir o universo afetivo, os processos imaginários e cognitivos do outro.
Quando nos colocamos em diálogo com uma pessoa, somos movidos a participar do
universo que ela traz, estabelecendo confiança e compreensão, quanto as suas ideias,
aos valores e a sua existência.
Mas o caminho formativo nem sempre carrega aberturas instantâneas, precisa de
tempo para ser absolvido e paciência para a compreensão do processo, por parte do
pesquisador para com os participantes na pesquisa-formação fenomenológica
hermenêutica “heideggeriana”. Desse modo, a participante compartilha:
Quando tomei conhecimento desse projeto, achei interessante o tema a ser
abordado. Como também a importância de ser trabalhado. Mas ao ler o
contrato fiquei pensativa, pois se não me engano, o mesmo ressaltava que se
precisasse, o participante poderia ter ajuda de profissionais habilitados. [...]
foi solicitado que falássemos sobre momentos de cuidado conosco. E
refletindo sobre isso, me veio a lembrança de sequências de atitudes que tive
que tomar há um tempo atrás, porque até então, estava vivendo uma situação
cômoda, tudo certinho, trabalhando com pessoas amigáveis em um ambiente
favorável. (AMOR)

Importante o que foi trazido pela participante Amor ao tratar do Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido, podendo ser observado como inicialmente um
material aversivo, mas que com abertura, ela e o grupo puderam perceber que se tratava
de um documento para validação da pesquisa. Heidegger (2005) nos fala que o homem
pertence à linguagem. Por meio do diálogo o processo formativo pode ser esclarecido e
vivenciado tranquilamente.
A abertura em falar, revelou a capacidade primorosa de cada participante em
manifestar o seu próprio existir. Foram como que abertura para ser-no-mundo, se
compreendendo e se dispondo a analisarem a si mesmas para voltarem para seu
autocuidado (HEIDEGGER, 2005).
200

Autocuidado que acontece na formação, enquanto lugar de aprendizagem, de


mostrar suas experiências e falar de si. Essa aprendizagem construída pelas relações
moveram as participantes a revelarem que há um sentido em estarem na docência.
Sentido esse em cuidar. Acessar o outro pelo cuidar (HEIDEGGER, 2005;
KAHLMEYER-MERTENS, 2008). Expomos, conforme isso, o que a professora
escreveu em seu diário:
O educador aprende todos os dias a conviver. Então com esse projeto eu pude
aprender muito, tipo: acolher um ao outro, conhecer mais um pouco de mim,
cuidar de mim também, me transformar mais humana. [...] Esse projeto foi
muito enriquecedor para minha vida. [...] O segundo encontro me fez
enxergar quem realmente eu sou e preciso mudar. E mudei a minha maneira
de lidar e cuidar dos outros e principalmente comigo. [...] Tratar a si mesma
com carinho. (DETERMINADA)

A formação possibilitou o encontro de si mesmo em cada pessoa. Tanto de quem


participava como quem mediava. Josso (2007) nomeia de existência singular plural o
processo vivido em construir e retomar ideias se escutando e escutando ao outro, a partir
da disposição em estar presente no contexto formativo existencial. A formação ao trazer
a existência desenvolve o processo de escuta de si mesmo, como maneira de autocuidar-
se, resultando de revisão, de questionamento e de reflexão sobre o curso da vida
(JOSSO, 2007). A professora após ler seu relato oferece um abraço a pesquisadora-
formadora como gesto de gratidão pela experiência vivida no grupo. Há ainda a
complementação de sua ideia pelo pesquisador-orientador, em que podemos
acompanhar:
Marcelo: Você fala que o cuidar de si não significa ser egoísta, não é. Como
você falou a família continua em primeiro lugar, mas é de você não se
esquecer.
Determinada: Eu não lembrava assim do meu cuidado. Aí passei a pensar
mesmo.

O autocuidado para Heidegger (2005) acontece dentro da temporalidade das


experiências de ser-no-mundo. Mas o “Ser” não deve se aniquilar e se ausentar em
“Ser” presença e sim tentar harmonizar as várias dimensões do cuidar para que ambos
os lados sejam atendidos e zelados, sem o adoecimento e nem a sensação de desamparo.
A professora Alegria traz em sua discussão: “Antes eu quero dizer que não estou
cuidando de mim. Mas eu vou conseguir. Que nem Determinada falou de ajudar a
família. Eu ainda estou só com a família. Eu ainda não tive tempo para mim, mas eu vou
ter”. Segundo Josso (2007) não há o que seja individual se não for ancorado na
coletividade, seja na família ou na equipe de trabalho. O cuidado se modula nas
201

histórias que circundam as relações. A participante Alegria fala ainda de não ter
conseguido se autocuidar, mas o cuidado está pertinente nela na dimensão familiar e
quem sabe possa redimensionar algum momento para si mesmo.
A professora Afeto assim aborda: “Foi uma experiência muito significativa, nos
proporcionou momentos de reflexão onde paramos para pensar em nós e no outro. [...]
Com certeza o que foi absorvido nos encontros jamais será esquecido”.
Com isso, percebe-se que o autocuidado não ocorre de maneira isolada, mas
sempre pensando no e com o outro. A formação num caráter de escuta existencial,
segundo o que foi visualizado nos escritos, indica como que inesquecível, já que cada
um traz a si mesmo e é a si mesmo que será feito um aperfeiçoamento para estarem
melhores em suas experiências cotidianas, seja em contexto escolar ou pessoal.

A pesquisadora-formadora como facilitadora para a retomada do autocuidado

Em alguns estilos de formação, os formadores solicitam que os seus formandos se


desloquem do lugar de ensino, para repensarem a prática. Em nossa pesquisa-formação
fizemos ao contrário, é no próprio lugar em que cada pessoa está que exploramos o
potencial de consciência do ensino e da prática vivida na educação infantil. Na visão
“heideggeriana”, cada um co-existe com um outro. Preciso do outro para me interrogar,
para ser-no-mundo, sendo-com-os-outros (HEIDEGGER, 2005). As participantes nos
expuseram acerca do papel da mediação da pesquisadora-formadora: “Eu só tenho a
agradecer [...] a Clara que nos ouviu e trouxe experiência para que nós possamos nos
abraçar e ouvir a colega melhor” (ALEGRIA).
Barbier (2004) fala que o pesquisador sensível necessita de um trabalho sobre o
eu-mesmo, para bem estar na realidade em que será ouvida. Desse modo, fica
transparente que para o processo de escuta em pesquisa-formação deve-se buscar
vivenciar a aceitação, inicialmente consigo, para após alcançar e perceber o outro. A
pesquisadora-formadora foi vista pelo grupo como alguém que colocou extrema atenção
ao que traziam e mediava vendo a oportunidade de redimensionarem, com intuito de
novos olhares, vivenciando novas práticas de autocuidado.
Conforme Josso (2007), a formação é envolvida do “Ser” de maneira integral. A
autora expõe que apresentamos nesse processo o “Ser” de sensibilidades, sendo próximo
do “Ser” de carne, já que demonstra aspectos agradáveis ou desagradáveis. Com o
espírito de abertura, viu-se na formação vivenciada que o autocuidado aconteceu
202

inclusive na abertura em dizer o que não foi bom no processo. Vejamos o que a
professora nos diz:

Estou muito feliz por participar desse projeto de pesquisa em formação de


professores. Foram momentos significativos, onde pude refletir sobre o ato de
cuidar do outro, do meio em que vivo e principalmente o cuidado comigo,
pois se eu não estivesse bem, não tenho como cuidar de nada e nem de
ninguém. [...] Mas não gostei do formato de dois grupos, pois tivemos a
oportunidade de ouvir e conhecer melhor as experiências, os relatos, os
desabafos de algumas colegas, mas não tive de todas. Seria mais interessante
se esses encontros fossem com a equipe toda. (CRIATIVIDADE)

Ainda a participante Criatividade desperta em sua fala:

Criatividade: Desde o início fiquei animada em participar. Foi bom conhecer


um pouco de cada uma. E senti falta por ter sido dois grupos, seria muito
bom se tivesse um só. Eu pude conhecer a história de uma, mas também
conhecer a outra. Esse momento seria bom, mesmo que Clara não estivesse
aqui. Seria bom para gente ouvir cada uma.
Marcelo: Podem pensar um ritual de encontro.
Carinho: As sugestões que Clara nos entregou de colocarmos em prática.
Acho que é essa a sacada, de pensarmos práticas concretas.
Criatividade: É tão bom a gente trabalhar de maneira motivadora. Vamos
tendo mais respeito pelo outro.

Esse escrito nos mostra que a equipe da escola investigada, dispõe de poucos
momentos para escuta uma das outras, demonstrando o desejo de diversos momentos
coletivos para que saibam mais, de suas histórias, e não somente para discutir as suas
práticas pedagógicas. As professoras de educação infantil, por vivenciarem mais tempo
na escola do que em outros afazeres, convivem mais com a equipe de trabalho e as
crianças, do que com suas famílias ou amigos. Com essa experiência, as participantes
perceberam uma pequena “brecha” para conviverem um pouco mais.
Acerca do elemento trazido pela participante quanto ao formato dos grupos, fica,
pois, um dado a ser refletido para a vivência da pesquisa-formação em contextos
educativos, de perceber a importância da integração de todo o grupo de participantes no
processo. Mas como vivenciamos a partir da realidade, a equipe gestora se organizou da
melhor maneira possível para que em ambos os lados não houvesse lacunas, nem por
parte das professoras e nem pelas crianças, garantindo a elas o dia letivo.
Segundo Macedo (2013) há uma implicação na formação, quando o “Ser” sente
que é compreendido e quando se constrói horizontes emancipatórios. E assim,
vivenciamos o processo de formação quanto ao cuidado, desejosos de que cada
participante se envolvesse com o olhar responsável e que visualizamos no autocuidado,
o cuidado com o outro e com o meio.
203

Uma nova visão indica a tomada de consciência. Cuidar do outro, parte


inicialmente do autocuidado. O cuidado para Heidegger (2005) não pode ser visto
apenas como teorização, mas em contínuo caminho de ação. O autocuidado nos chama a
vivermos constantes mudanças, e é a partir de si mesmo que a formação mostrou que
deve-se iniciar. Desse modo, a professora relata que “[...] com a formação percebi que
cuido mais do outro do que de mim. Um cuidar automático, sem perceber a
importância” (SORRISO). Em sua exposição a participante ainda relata que:
Sorriso: Houve reflexão profunda em cada momento. Já lhe conhecia antes.
Mas achava você assim, a “dona da verdade”. (Risos) Depois dos nossos
encontros foi que pude perceber que você é uma pessoa boa. Totalmente
diferente do que eu pensava antes. (Risos)
Clara: Foi ótimo saber dessa visão.
Sorriso: Achava você nariz empinado.
Clara: Mas eu tenho isso também, não se preocupe.
Sorriso: Falava com Carinho, falava com Humilde e não falava direito de
mim.
Clara: Eu tenho uma coisa, que vocês prestaram atenção. Que é aos poucos, a
aproximação é aos poucos. Quando eu entro na vida de alguém, aí eu entro de
vez.
Sorriso: Mudei tudo.
Clara: Agradeço Sorriso.

A abertura da participante Sorriso ao expor a sua visão anterior a pesquisadora-


formadora ressaltou a confiança mútua em compreender e ver que rótulos podem ser
mudados a partir do conhecimento. Para Rogers et al. (1983) para adentrar o mundo do
outro, a pessoa precisa renunciar a conceitos fixos sobre o mundo e as pessoas. Pode ter
ocorrido que outras participantes tenham tido essa visão seja com a pesquisadora como
qualquer outra participante, o importante foi o tempo estimulado para conhecer e
aprimorar as relações abertas e concebidas de afeto.
Como mesma a palavra facilitar diz, a pesquisadora-formadora é vista pelo grupo
como quem facilitou o processo de percepção quanto ao autocuidado. Houve nessa
facilitação o crescimento, já que cada uma sentiu que saiu um pouco mais diferente
estando em contato com as outras, buscando novas possibilidades de “Ser”.

O que fica de continuidade a partir da formação quanto ao autocuidado

Com a formação se constituiu um (re)tomar o curso no caminho relacional de


autocuidado. Vendo-o como importante e fundamental em suas vidas. O autocuidado
tomou-se uma condição reflexiva, que se desdobra no mundo de cada “Ser”, que
participou do processo formativo. Mas cada uma pelas notas escritas pode-se perceber
204

que estão deixando sempre a porta aberta, projetando-se para existirem com sentido e
não meramente automatizadas em fazer, mas especialmente sendo-na-ação
(HEIDEGGER, 2005). Podem-se verificar tais pensamentos alinhados ao escrito da
participante:

As ações diretas, os encontros do projeto chegaram ao fim, porém a


atmosfera do CUIDAR continua presente nas pequenas ações do cotidiano da
escola. A sementinha foi lançada e começa a germinar. É possível perceber
esse desabrochar no momento do planejamento, execução das atividades e na
relação/interação diária entre funcionários/alunos, cada um com sua forma de
cuidar. (SIMPLICIDADE)

Na discussão de seu registro escrito a participante Simplicidade ainda traz que:


Simplicidade: Eu na verdade não escrevi como você pediu, mas enfim...
Antes eu tinha a compreensão que cuidar é a troca de afeto e nas discussões
foi possível perceber que cuidar não é só atitudes de afeto, foi muito mais do
que isso. O fato de eu não abraçar todo mundo não quer dizer que eu não
tenha uma atitude cuidadora. Cada uma tem a sua maneira de cuidar, cada
uma tem sua maneira de transmitir o que é cuidar. Eu para mim foi legal
demais. Porque eu já cheguei a pensar e me cobrar, dizendo: Puxa eu não sou
uma pessoa que cuida. Porque eu não sei ser como fulana que abraça todo
mundo. E eu não saio abraçando todo mundo. Eu pensava que eu era uma
pessoa que não cuidava do outro. E ao longo das discussões eu pude perceber
que cuidar não é só isso. É uma infinitude o cuidar.
Foi uma experiência muito significativa, para mim em especial.
A atividade do mimo, quero lhe agradecer a oportunidade de fazer com que
realizássemos a atividade do mimo. [...] Foi um carinho na alma. [...] E nesse
momento pude perceber a harmonia no ambiente escolar. E despertou o
desejo de cuidar mais de mim e dos outros que estão ao meu redor. No dia
que você veio, eu já pensava que seria isso, muito legal. E foi além do que eu
imaginei.
Clara: Simplicidade postou da prática, me despertou muita coisa. Foi a coisa
da participação do grupo. E foi uma sinalização do próprio grupo. Para dizer
que vocês que são capazes de fazer esse movimento de vida.
Marcelo: E vocês falaram que as colegas que não participaram e talvez não
era o momento delas. Aí fiquei pensando assim, que a ideia da formação não
era criar uma dependência em relação a Clara. De vocês serem protagonistas.
Não precisa ser igual, mas a gente pode recriar e pensar em alguma coisa com
as outras professoras, com as auxiliares. O empoderamento passa por aí. A
formação são outras formas de agir.

A participante traz que a partir da mediação formativa quanto ao cuidado, o grupo


vem se aprimorando ainda mais em suas práticas pedagógicas, sendo pensadas com
doses a mais de atenção e de preocupação. Além de trazer o aspecto da subjetividade, de
que cada um tem um modo de cuidar. Conforme Kahlmeyer-Mertens (2008) a educação
que parte da consideração do cuidado, anda no tráfego da perspectiva do dever-ser,
permitindo que cada um se projete reflexivamente em suas experiências e práticas.
205

A formação se descortina na autonomia, o cuidado envolve a liberdade de


realização do poder-ser de cada participante dessa pesquisa-formação. As falas que
envolvem a questão de uma possível dependência inicial pela pesquisadora-formadora,
logo será voltado para a reflexão de práticas humanizantes, em que se dê atenção aos
gestos de ternura e afetividade, que vão para além de um abraço e sim a prática docente
compromissada com a realidade (FREIRE, 2003).
Heidegger (2005) nos mostra que a relação não anula a viver a individualidade,
mas que faz com que experimente algo mais próximo do “Ser”. Através do autocuidado,
cada uma saiu com o sentido a ser alimentado, sentido de encontro de si mesmo em toda
ação. Sabe-se que o professor da educação infantil está muito envolto das atitudes de
educar e cuidar, assim as participantes perceberam que para estarem por inteiras nessa
relação teriam que se autocuidarem. Vemos no escrito:

Ao refletir sobre o cuidado passei a valorizar mais a minha prática e a colocar


a intenção de cuidar naquilo que faço, afim de que esse cuidado seja uma
atitude em minha vida. [...] A partir dessa pesquisa, o grupo da escola ficou
mais forte, mais unido, foi algo que nos aproximou, nos encontros tivemos a
oportunidade de ouvir o outro, de considerar pontos de vista e de praticar o
cuidado através de várias formas de carinho. Passei com tudo isso a ouvir
mais o outro, a me importar mais, percebi que não estou só, temos muitas
angústias, sonhos, expectativas muitas vezes em comum. (CARINHO)

Esse escrito indica um processo autoavaliativo da participante, de como ela chega


e sai da formação. Segundo Macedo (2013) a formação carregada de sentido, mobiliza a
cada participante a se tornar autor de sua própria construção. Há, pois, na formação
mudanças no curso da caminhada na prática constantemente, para se alcançar lugares
ainda não habitados, dando (re)novo as experiências cotidianas.
O tempo é visto por Heidegger (2005) como um dos modos de vivermos o
cuidado. Pelas pressas pós-modernas vividas, vemos que o tempo é caracterizado como
um dos elementos que em dados momentos atrapalham o bom andamento do processo
de autoformação. Mas, visto pelo grupo participante da pesquisa-formação como pouco
e intenso. Pouco em tempo de horas, mas intenso em sua finalidade, sendo uma
construção coletiva de relação, de proximidade de (re)tomada de caminhos para
autocuidado. Nos fala a participante:
Na minha concepção foi um grande momento em poucos dias, experiência
rica, um chá de realidade que está bem esquecida. [...] Foram poucos
encontros, mas deu para perceber que temos histórias diferentes, com o
mesmo objetivo, o de cuidar. Me senti cuidada pela primeira vez pelas
colegas, nas dinâmicas que me mostraram que precisamos sempre do outro.
[...] (PACIÊNCIA)
206

Fazendo um resgate do início da participação de Paciência a pesquisadora


recorda, tendo a pertinente reflexão:
Clara: Paciência e aí, passou um panorama. Eu lembro que no início você
preocupada se iria ou não participar da pesquisa-formação, porque eu não sei
o dia de amanhã. E essa preocupação pairou muito. E aí como é que sai esse
coração agora?
Paciência: Estou me sentindo fortalecida, não é. O último encontro foi bom
para que eu tome novos rumos. Estou mais pensativa, com o que eu quero.
Eu não vou parar por aqui.

O sentimento de “sentir-se cuidada pela primeira vez pelas colegas” foi envolvida
pela relação de abertura e intencionalidade de cada participante. Por muito conviverem
as professoras da educação infantil acabam por se condicionarem a rotina cotidiana,
seus afazeres, deixando de lado a relação afetiva que sustenta o próprio autocuidado.
Instaurou-se aí a abertura a se disporem a “perder tempo” para ganhar ainda mais, sendo
presente afetivamente com o outro (HEIDEGGER, 2005; RIBEIRO, 2016).
A professora nos fala que “[...] cuidar está na nossa rotina do dia a dia” (FÉ).
Conforme Heidegger (2005) as relações possibilitam que o ser-no-mundo seja presença.
Essa presença acontece de modo ao considerar a importância de sua participação na
intervenção com e junto a outros, desse modo vislumbro e me teço no emaranhado da
cotidianidade, atuando de maneira ativa para os processos transformadores. Ao se olhar
para o autocuidado, cada um vê a si mesmo, responsabilizando-se pela singeleza de
manter atenção afetiva, para “Ser” presença viva nos espaços em que está.
Freire (1997) atribui que o poder de transformação da realidade em meios
educativos acontece na formação inicial e permanente, não faltando o gosto por práticas
democráticas, que permita que cada um se expanda em busca de seu automelhoramento.
Ao ser-no-mundo implicamos uma visão atenta, desvendando o que está oculto e
acreditando na potencialidade de si e de outros para tornar o ambiente mais agradável
para viver e conviver. Desse modo, a professora explana em seu escrito:
[...] essa experiência veio acender uma chama ou melhor, veio dar uma luz
para que possamos a cada dia aprender a valorizar um ao outro, através de
gestos simples, como: o tocar, o sorrir, o abraçar, o olhar, o respirar; gestos
que fazem diferença na vida de qualquer ser humano. (HUMILDE)

Pela formação no viés existencial desenvolvidos com o grupo da pesquisa-


formação, mediamos para a compreensão de possibilidade de um caminho a ser
desbravado, através da abertura e ousadia em experimentar. O autocuidado tomou forma
e move a cada uma das participantes a refletirem a si mesmas, as suas experiências junto
a familiares e com as crianças em suas atividades profissionais. Com isso, outras
207

pessoas a levaram a entender o que positivamente estava em si mesma. A participante


Humilde traz em seu discurso que:
Humilde: [...] Acho que o que coloquei aqui, Clara que me acompanha a
algum tempo. Aqui é uma luz que apareceu no meu caminho em meio a uma
tempestade, ela veio para clarear. Até o nome combina, Clara. E te digo que
Deus te proteja e continue assim. Não esqueça de nós, mais do que nunca
quando eu tiver caducando eu vou bater lá no seu consultório. (Risos)
Clara: Humilde é os braços abertos para todas as pessoas. [...] A gestão tem
que se melar na comunidade, se envolver, se implicar. O processo de gestão
não é fácil, todos sabem. E uma coisa legal é que tu proporciona. E agora
com Carinho, vocês tem a condição de fazer com que esse grupo se
movimente.
Humilde: E essa foi outra criatura que Deus botou no meu caminho. Eu tenho
16 anos de município passei por várias escolas e ela agora como
coordenadora é mesmo uma parceira. No momento que eu pensava em
desistir ela apareceu. A sintonia é imensa. Até para resolver as coisas a gente
tem que ter muita parceria. Eu tenho a felicidade de ter uma pessoa para dar
opinião. E aí uma parceira. E vocês também, não é... que graças a Deus as
coisas só andam porque todo mundo é unido e temos uma parceira muito boa.
[...]
Clara: Foi algo interessante de vocês duas participarem. E o grupo teve
abertura para acolher. De todo mundo poder estar junto.
Marcelo: Me chama a atenção na sua fala Humilde, é a palavra respeito.
Respeito no sentido da diferença, respeitar o diferente. Respeito também
trazendo as limitações de cada um. E é legal a posição do gestor de admitir
que tem dificuldades, que precisa do outro e acho que isso é muito
importante. E cria uma ética do grupo, não é. Que o grupo tenha tido mais
tranquilidade em aceitar, porque as vezes não é fácil. [...]
Humilde: E tem horas que a gente traz na memória. Acho que foi no segundo
encontro que a gente tava falando do cuidar e do receber. Eu nem lembrava
desse momento. Mas um dia , aí eu lembrei de quando eu entrei. Veio assim
de volta ao túnel do tempo. Eu lembrei que eu não fui bem recebida. E não
tem coisa pior você chegar e não ser bem recebida. Aquela coisa assim.
Então, o que eu não quero para mim eu não quero pro outro. Certo, eu não
gosto de tal pessoa, mas eu tenho que saber respeitá-la. Nós somos
profissionais, seres humanos. Passamos a maior parte do tempo aqui dentro e
não com a família da gente. [...] Não tem coisa melhor do que viver em paz.

O autocuidado perpassa para a participante Humilde as relações pessoais e as


profissionais, especialmente no trabalho de parceria e do sentimento de acolhida. A
participante enquanto gestora também enfatiza acerca do respeito, para que o trabalho
em equipe flua tranquilamente percebendo cada uma do jeito que é. Ela traz o elemento
da memória despertada nos encontros, percebendo que a sua ação diante das dores de
seu passado propicia a acolhida e o respeito ao outro. Conforme Josso (2007) o que foi
trazido por Humilde permeia o imaginário sensível, que toca as emoções na fala e na
consciência do convívio e do trabalho em grupo.
208

Compreenderam que o cuidado é algo a ser constantemente vivido e sentido com


autonomia e autenticidade, já que cada um é o construtor de seu próprio “Ser”
(HEIDEGGER, 2005; FREIRE, 1997). Em conformidade com esse pensamento, a
professora Amor escreve:
[...] devemos reexaminar constantemente nossos objetivos, procedimentos,
evidências e saberes. Dessa forma, estaremos aprimorando nossos
conhecimentos e com isso nossos alunos serão beneficiados, pois estamos
contribuindo na formação de cidadãos. Temos que nos valorizar, nos cuidar,
para sermos valorizadas.

E explanou em sua fala:


Amor: Eu fiz um apanhado do início, não é. Leitura do diário reflexivo.
Clara: Linda escrita.
Marcelo: Você está no cargo de?
Amor: Estou como professora, tive experiências diversas em escolas e sou de
Petrolina.
Marcelo: Certo.
Amor: Aí tive uma trajetória de mudanças que precisaram serem feitas para
que eu chegasse até aqui.
Marcelo: E você teve coragem, não é?
Amor: Oh, não fale não. Mas eu vim para o lugar certo.
Humilde: Na escola onde ela trabalhou em Petrolina é uma escola de
referência.
Amor: 10 anos trabalhando na escola e tive que tomar uma atitude. Aí quando
Clara veio, aí me fez lembrar.

A professora Amor trouxe em seu discurso o fato de ter tido recordações da sua
trajetória profissional, umas dolorosas, outras prazerosas de vir à tona. Longarezi e
Silva (2008) trazem que a pesquisa-formação deve ter esse olhar apurado para a
experiência do docente de modo individual e coletiva, construída em seu cotidiano.
O grupo que experimentou vivenciar a pesquisa-formação fenomenológica
hermenêutica “heideggeriana” se mostrou com abertura para vivenciar o processo
formativo. Numa dimensão que a formação não teria nada fechado, nem planos, nem
ideias, mas que o sentido emergiria do fazer e refazer praticando. O autocuidado foi
visto pelo grupo, a partir do que compreendemos como sendo momentos de escuta, de
reflexão, para buscarem maneiras concretas de ações atenciosas e afetivas para consigo,
com o outro e com o mundo.
O facilitador da pesquisa-formação segundo o que foi visto no grupo, deve ser um
“escutador” que se constrói e aprende com o outro. E aprendendo juntos, a formação
possibilita emergir o jeito de “Ser” pessoa de cada um, se autocuidando e cuidando de
tudo o que envolve, com a possibilidade e a condição de “Ser”, no presente e no devir
de suas experiências.
209

Assim como facilitadores do processo formativo, compartilhamos das


experiências vividas junto ao grupo da pesquisa-formação, pensando que a mudança não
aconteceu somente do grupo, mas também por quem facilitou o processo. Rogers et al.
(1983) alinhado a esse pensamento, retrata que o facilitador mediando um grupo será
atraído ao novo, para vivenciar novas experiências, um tanto até mesmo desconhecidas.
Para tal congruência, ele tem de renunciar-se, estar aberto para aprender a reaprender e
mesmo que seja desafiante, que o grupo o estimule a se envolver com prazer. Expomos
o relato na íntegra:
Começo com minhas indagações, já um pouco conhecidas por vocês!
O que nos trouxe aqui? Melhor, pergunto para mim mesma: O que me trouxe
aqui, para essa escola, para esse grupo, para essa realidade? Mas perguntas
que nos levam a refletir algo que é necessário, o Cuidado! Foi o Cuidado que
me trouxe aqui! Essa palavra que ficou e ficará tão pertinente entre nós. E
que tanto me move a pensar numa educação para a vida e a escola que tem
sentido!
Aqui junto a vocês expus minha maneira de ser, porque como vimos, ser é
mais que simplesmente uma matéria, mas existir, fazer parte e deixar algum
sinal. Me fiz pessoa de escuta, na arte do dar e receber, numa abertura de
sentir o que vocês sentiam, de me implicar na dor e no amor de vocês. Estive
com olhar atento ao coração simples e preocupado de cada uma, nessa trama
de tentar compreender-se, de buscar maneira de mudar, nem que fosse
doloroso. E que em dados momentos fui dizendo que mudança ocorre de
maneira leve e quando vemos já aconteceu.
Entre nós trouxemos a presença de um universo inteiro, desde as crianças das
turmas, a equipe de trabalho, os familiares, os amigos, os pais com quem
mantemos contato, mas acima de tudo trouxemos nós mesmas, eu e vocês!
Nos fizemos presente! Tivemos a presença ilustre de quatro pensadores que
envolveram nossos sentidos: Heidegger, Rogers, Boff e Freire. Homens que
também sentiram a essência do cuidar. Que nos indicaram reflexões de como
olhar para a nossa realidade, envolvida de crises e que com pouco pode se
tornar um lar feliz!
Esse trabalho não foi mediado somente por mim. Mas como mesmo a palavra
diz orientação, eu fui e continuo a ser orientada, norteada e envolvida de um
processo reflexivo junto ao orientador que escolhi. Porque foi uma escolha
mesmo, teimosa, exigente, mas feliz por ter conseguido! Gratidão sempre
Marcelo! Grata por também me escolher e acreditar na pertinência do sonho
que pulsa em produzir vida em espaços educativos.
Como fala Dulce Critelli (p. 18) “Quando as coisas mudam é porque
mudaram nossas ideias a seu respeito, mudou a serventia que tinham para
nós, nosso interesse por elas, nossos modos de nos referirmos a nós mesmos
e uns aos outros”. Assim, sinto que mudei estando com vocês, e quero mudar
ainda mais no sentido de estar sempre em busca de co-criar com os outros,
melhorando a inspiração para um novo fazer, em que o cuidar esteja sempre
envolvido do educar e o educar do cuidar.
Gratidão é o termo que melhor ecoa para esse momento, mais do que
Obrigada! Pois gratidão é reconhecer que vocês me beneficiaram, já obrigada
segundo o que andei pesquisando nos dicionários é um termo em que se sente
devedor de algo. Então é gratidão mesmo que falo para vocês! Gratidão:
Afeto, Alegria, Amor, Carinho, Criatividade, Determinada, Fé, Fortalecida,
Guerreira, Humilde, Paciência, Simplicidade e Sorriso, que experimentaram
comigo a intensidade da pesquisa-formação, numa busca de autoformar-se
para possibilitar bons sinais de esperança no cotidiano do convívio junto as
crianças, a equipe de trabalho, os pais e a comunidade escolar como um todo.
210

Assim, sementes no jardim foram lançadas, é hora de que muitas e muitas


continuem a serem semeadas para que nosso caminho na educação tenha
sempre mais sentido, com uma escola menos adoecida, com relações mais
próximas e com experiências significativas.
E como comecei, concluo com outra pergunta: Somos Cuidado, para cuidar e
se cuidar. Vocês me ajudam a lançar essas sementes do cuidado em
educação?

A partir dessas palavras, as participantes ativamente responderam que desejavam


continuar trilhando o caminho do cuidado em educação, no cotidiano mais leve e
atencioso para com tudo e todos. Freire (2003) nos traz que o ser humano é “Ser”
relacional, estando nele, mas também saindo dele. Tem a capacidade de se projetar
mediante sua realidade, discernindo e tomando consciência de seu processo histórico.
Desse modo, ainda coloca que o ser humano é aberto, sendo criador de cultura, travando
relações com as significações de mundo que vão variando com o contato mantido
socialmente. Quando o grupo indica que aconteceu a proximidade nas relações junto a
equipe, revelaram o cuidado que deve se manter consigo e com as pessoas ao seu redor
para dar mais sentido as suas ações na prática educativa.
Ainda Freire (2003) fala que o “Ser” é “Ser” aberto para o diálogo, pois não existe
pessoa sem diálogo e não há diálogo sem um mínimo de consciência que o faz
redimensionar a sua historicidade. Um novo “Ser” se vislumbra no olhar “freireano”, o
“Ser” de dialogação que se lança a construção de sua identidade estando com e para os
outros na co-participação e pertencimento ao grupo de vida.
Recordamos também, para além das pessoas e situações, pois, cada uma trouxe a
si mesma, se implicando no emaranhado de seu próprio percurso de cuidado ao longo de
seu processo histórico. De alguma maneira todos saem mudados de uma formação que
propõe como norteamento a autoforma de cuidar-se. Em meio a quase conclusão do
encontro, a participante Amor interrompe trazendo a ideia:

Amor: No folder que você nos entregou tinham as imagens do vídeo Vida
Maria. Tem muito haver com a gente.
Clara: E teve uma sequência.
Amor: É mais fácil e mais cômodo ficar na mesma, mas desejar mudar nos
amplia a visão.

Pequenos elementos foram observados pelas participantes, desse modo percebem


que o exercício de autonomia não é algo que está fora a ser buscado, mas sim dentro de
cada uma, vivendo a pertinência da voz de “autopoiesis” que reformula outros modos de
ser-cuidado (JOSSO, 2007; HEIDEGGER, 2005).
211

Elaboramos ainda um texto com leitura dinâmica, em que algumas participantes


fariam a leitura de determinadas partes e todos responderiam cantando versos musicais.
Todos participaram empolgados e animados, refletindo todo o texto e os refrãos
escolhidos para envolvimento do grupo.
Por fim, o grupo da tarde da pesquisa-formação, apresentou o mural com as fotos
dos encontros e dos chamados “mimos”, que foram os momentos de cuidados
vivenciados com toda a equipe da escola. Trouxeram palavras-chave que retrataram os
sentimentos do grupo. Do primeiro encontro foram: ansiedade e expectativa. No
segundo encontro: aproximação, toque e carinho. Terceiro encontro: prevenção, toque e
afeto. Quarto encontro já com sentimento de saudades, tendo: momentos de desabafos,
de leveza e aconselhamento. Em meio aos encontros, o grupo se envolveu em um
momento considerado muito especial, das entregas dos “mimos” e cuidados distribuídos
a equipe da escola.
Amatuzzi (2007) expõe que a passagem por uma vivência, carrega a sensação do
impacto do encontro, que elabora-se imediatamente, mas que é sentido algum tempo
depois, necessitando do tempo reflexivo e de elaboração transformando-se em
experiência.
O grupo preparou um lanche para culminar esse momento e convidamos todas a
darem continuidade através da análise das informações e das escolhas das temáticas de
sentido. Boff (2006) ao tratar das virtudes do cuidado, mostra que é no comer e no beber
juntos que as pessoas celebram a vida e a alegria de conviver. Nesse gesto pensado pelo
grupo há, pois, uma reprodução de vida com generosidade, festividade e apoio nos
reencontros dos vínculos com as outras pessoas. Encorajamos a darem continuidade
com criatividade e leveza nas suas práticas quanto ao cuidado e o olhar para si mesmas.
Mediante a vivência dos cinco encontros junto ao grupo da pesquisa-formação na
perspectiva fenomenológica hermenêutica compreendemos que o cuidado acontece de
modo particular e com estímulos para sua vivência cada uma das participantes puderam
experimentar singularmente modos diversos de sentir e compartilhar cuidados consigo e
com o meio em que se encontram.
A pesquisa-formação experienciada pelo grupo não teve o aspecto de linearidade,
mas circular, pois a palavra falada e a escuta eram pontualmente vividas por cada uma,
abertamente e intensamente sendo libertadora de angústias, de alegrias e de incertezas
nos caminhos de suas práticas educativas.
212

Segundo Bondía (2002) o “Ser” que se apaixona não possui o objeto amado, mas
sim possuído por ele. O grupo construiu a essência de “Ser” irmanados pelo cuidado,
apaixonando-se pelo autocuidado e cativando o outro para vencer a aalienação e o
aprisionamento que sufoca e adoece os professores.
Todos somos filhos do cuidado como nos diz Boff (2015) e cada um carrega em si
a essência de alimentar o outro, como sendo uma tarefa a viver na própria existência. O
cuidado nos orienta para as ações, sendo construtivas e menos destrutivas. Em cada
encontro o grupo se fez reflexivo sobre as questões que envolviam o cuidado consigo,
com o outro, com o ambiente e com seu fazer docente. As reflexões aos poucos
mostraram sinais de ações concretas, como a atividade de distribuição de cuidados junto
a equipe de trabalho.
Algo que foi bastante discutido nos encontros foi a preocupação do autocuidado,
envolvendo desde o físico até a alimentação. Puderam refletir sobre as escolhas que
andam fazendo ultimamente e redimensionar as suas opções para perspectivas de busca
do saudável. Além do tempo dedicados a si mesmas, de busca de quietude, de
fortalecimento e de olhar cuidadoso para com os sinais que o corpo vai dando.
Percebemos que através das observações houve um determinado diferencial entre
as professoras com mais idade e consequentemente com mais experiência em sala de
aula, do que com as mais jovens. Ambas participaram ativamente do processo da
pesquisa-formação, mas com o processo de estar junto ao grupo pode-se perceber que as
professoras com mais idade espontaneamente falavam de si, num movimento de ouvir a
si mesmas e o que a vida lhe dizia e solicitava. Enquanto que algumas professoras mais
jovens teriam que ser questionadas até entenderem que o processo era falar de si
mesmas. Compreensível tal ação, já que como Heidegger (2005) nos fala que o Dasein
se vela e desvela constantemente.
Os encontros foram verdadeiras oficinas de escuta sensível, sonhos escutando
sonhos e consciência junto a consciência. Cada uma trazendo a si mesmas, podendo dar
sentido a experiência das outras, já que em dados momentos haviam identificações
quanto as vivências. Diante dos processos de escuta, o silêncio também falava e as
vezes até inibia quem estava falando, já que somos adaptados a sempre estar
interpretando tudo o que nos aparece. Mas é a oportunidade de sentir o outro, sem julgar
e vivendo a escola do olhar, despertando a profundidade de contemplar a outra do jeito
que ela é.
213

A tentativa de compreender sobre o cuidado em educação vivenciando junto ao


grupo de professoras da educação infantil quanto aos sentidos da sua experiência,
possibilitaram ver que cada “Ser” é único, mas que se unificam na realização do
encontro, formando uma imagem de pertencimento a um grupo, que ao cuidar de si, dos
outros e de tudo o que está a sua volta tem a capacidade de movimentar o “Ser” que é
fonte de vida para “educuidar”.
A experiência nos aconteceu, passou por nós e nos deixou marcas indeléveis,
jamais esquecidas, tanto para quem facilitou como quem participou. A passagem foi
aberta, captando reflexão e retomadas, tornando a cada professora, agentes de suas
ações de cuidado, abrindo para possibilidades de práticas com paixão, com desejo de
aprimoramento e envolvendo sempre o poder-ser que se melhora para si, para os outros
e o mundo, como “educuidadores”.

6.6. Consenso: (re)encontros, (re)conhecimentos e (re)verberações.

Na pesquisa dos nossos sonhos, o vínculo deu continuidade e mesmo que não
fossem elementos palpáveis, eram sentidos no cotidiano da escola, na história de cada
participante e em nós pesquisadores no nosso repensar de práticas. Desse modo,
compreendemos que todo percurso formativo é movido por início, meio e fim.
Retornamos ao contexto da escola para apresentar o que fora colhido de informações
quanto ao autocuidado, o cuidado com o outro e com o mundo e também saber do que
foi vivido pós-encontros da pesquisa-formação. No primeiro contato mantido para esse
momento, logo era sinalizado a alegria do reencontro. E como é valioso sentir que o
grupo continua crescendo na abertura e percepção de retomadas.
Importante lembrar que o momento de consenso aconteceu após quase sete
meses do último encontro com as participantes. O tempo foi favorecedor para o
processo autorreflexivo. Participaram dentre as treze participantes, nove dessas. E
queriam saber mais dos pesquisadores, do que falar sobre elas. A alegria pelo
reencontro estava estampada nos olhares, mesmo em meio a correria das atividades que
a equipe estava a preparar com as aproximações das festividades referente a Semana do
Bebê promovida pela rede. Mesmo assim, tiraram um breve momento para escutarem
sobre as informações colhidas, o fortalecimento dos laços e as recordações de outras
colegas que agora estão contribuindo em outras escolas.
214

Ao longo de todo o processo nos meses posteriores aos encontros, os laços


afetivos entre pesquisadores e participantes se estreitaram ainda mais, em todos os
lugares onde nos encontrávamos a conversa era remetida as vivências acerca do cuidado
e o quão foi positivo para retomar caminhos. Constantemente através das redes sociais
recebíamos as novidades da prática pedagógica das participantes, como também as
decisões de vida tomadas a partir da tomada de consciência junto ao grupo. Assim,
despertou-se a curiosidade de como ficaram as participantes após a realização da
pesquisa-formação, em que cada uma pôde contar como está atualmente e, trazer
notícias das outras que estão pertencendo outras equipes em novas escolas. Ora
compartilhamos acerca de cada participante:
• Afeto está como professora em outra escola de educação infantil no bairro em
que reside. Tem colocado em sua prática muito do que fora refletido nos
encontros da pesquisa-formação.
• Alegria iniciou o ano letivo em uma nova escola, mais próximo da sua casa e
sente-se contente por conviver mais com sua família. Ao longo dos encontros
demonstrava inquietação por não poder acompanhar o crescimento de seus filhos
e atualmente tem sido muito presente nesse processo.
• Amor continua na escola com duas turmas de crianças com quatro anos, sente
que os encontros possibilitaram mais reflexão e continua a estar implicada no
processo educativo.
• Carinho sempre se fazia presente e nos motivava a retornar a comunidade
escolar, solicitando ideias, partilhando o que estava a fazer para melhoria da
escola e de sua vida. Tem dado continuidade a muitas ações relacionadas ao
cuidado e anima o grupo a dar continuidade.
• Criatividade se tornou coordenadora pedagógica, tem feito um bom trabalho na
rede e contribuído para que o despertar do cuidado em sua nova realidade possa
acontecer de maneira sutil, mas real.
• Determinada continua na escola, somente vivenciando um horário. Tem se
voltado para o seu autocuidado através de técnicas que favoreçam o seu bem-
estar. Lembrando que no início dos encontros a participante relatava que não
estava bem e que precisava se retomar.
• Fé também continua na escola, com uma turma e tem refletido muito em suas
práticas como inserir o cuidado.
215

• Fortalecida relatou ao grupo a grande alegria em retornar ao trabalho com a


turma de 1 ano, antes estava em outra turma.
• Guerreira aceitou o desafio nesse ano de assumir duas turmas, mas se sente
angustiada com o processo do material inserido na rede para a aceleração da
alfabetização das crianças de 5 anos.
• Humilde continua a apoiar os trabalhos desenvolvidos por todas as professoras e
decidiu inserir acerca de cuidado no projeto anual da escola e no seu plano de
gestão.
• Paciência está na escola quando alguma professora a convida para assumir a
turma, mas não está contratada pela rede. Tem continuado a persistir em um de
seus sonhos, que é abrir um espaço para cuidado de crianças de 0 a 3 anos.
• Simplicidade se tornou coordenadora pedagógica de outra escola da rede e anda
disseminando práticas de cuidado junto às professoras que orienta. No quarto
encontro Simplicidade demonstrou preocupação de como seria seu futuro na
educação e, atualmente esse projeto de futuro chegou e tem se lançado para
aprimorar a oportunidade recebida.
• Sorriso continua na escola e tem tido muita alegria no seu trabalho docente.
Relata que o grupo a deixou animada e que gostaria de que houvesse uma
organização dentro da escola para dar continuidade.

Todas continuam a acompanhar o trabalho desenvolvido, por intermédio das redes


sociais, enviam mensagens e propagam o que vivenciaram sobre os sentidos de cuidado.
Então, compreendemos que a pesquisa-formação de cunho fenomenológica
hermenêutica “heideggeriana” não acabou no último encontro, mas se propagou na vida,
no fazer da experiência, nas ações cotidianas, nas decisões, no autocuidado e no desejo
de se encontrarem.
Ficamos a pensar que a proposta inicial continua e enquanto ser-no-mundo cada
uma irá com autonomia e leveza despertando todos os dias o cuidado que está no
próprio “Ser”. E nós, enquanto pesquisadores, como saímos desse processo? Não
saímos, assim como as participantes, faz agora parte de nós e dos passos que vamos
dando em vários outros lugares, através de projetos de presente e de futuro, de novas
orientações que estamos tendo e na criatividade que vai se restaurando no sentimento de
contribuir para o despertar do cuidado.
216

Quando se ama cuidar

O amor é o que faz o homem


E todo amor envolve cuidado,
Porque cuidar é amar.

Amando gente de carne e espírito


Torno o ritmo da vida um pouco mais diferente
Ou até mesmo indiferente.

Indiferenças que nos levam a superar as nossas incertezas e desesperanças,


Colocando o olhar no desejo de plenitude de vida
Propagando-se em muitas energias, reenergizantes.

O cuidado guarda e aguarda o amor acontecer,


Pois é de leve que o outro permanece
E deixa sinais em nós.

Até no silêncio pulsa firme o cuidado.


E se nenhuma palavra for proclamada,
Mesmo assim conseguiremos ver com os olhos do coração.

Coração esse que ama cuidar


Que firma-se cuidando do amor que pertence ao tempo vivido,
Do passado envolvendo a saudade dos ocorridos,
No futuro de planos previstos,
Mas especialmente no presente que conduz ao sentido.

Sentido de dar um sim no fazer e refazer dos caminhos da ação


Cuidando porque amamos e amando porque cuidamos
Na espera, na esperança, na esperteza de viver
A inquietude e teimosia de encontrar
O desejo de se tornar sempre cotidianamente um novo ser.

17 de novembro de 2017
217

7 ARREMATAÇÕES

O cuidado Sorge que ora se vela e se desvela em nossa pesquisa-formação numa


perspectiva fenomenológica-hermenêutica, possui o viés de compreensão da essência
humana, traçada por Heidegger (2005) como Dasein, ser-aí e ser-no-mundo. Vem, pois,
pela experimentação vivenciada junto ao grupo de professoras da educação infantil, ao
longo de seu percurso, visto como de suma importância em propostas formativas em
meio educacional, sendo o cuidado ligado a educação de maneira implicada e
indissociável.
Utilizamos do caráter multirreferencial, para revelar o ser complexo como nos
indica Macedo (2000), não o vendo como ser complicado, mas ser iluminado de sentido,
de palavra que se entranha de fecundidade a compreensão. Articular a
multirreferencialidade em nossa pesquisa sobre cuidado em educação deu voz a
prudência de cuidar em construir a dialogicidade autêntica entre os pensadores.
A pesquisa-formação tem como principal elemento a participação integral das
pessoas que dela se envolvem. Ao observar as avaliações e o percurso formativo, pode-
se considerar o modo ativo e participativo de todas as professoras da educação infantil
na escola investigada, da presença envolvida e suas ações concretas de cuidado. As
compreensões de cuidado emergidas da experiência junto as professoras se envolveram
de pensar que cuidar se faz de maneira particular e que há “contágio” entre o grupo
quando se abre para viver concretamente modos variados de se cuidarem para sentirem-
se apoiadas e fortalecidas mediante a cotidianidade em turmas de educação infantil.
Percebemos que há uma urgência de profunda reflexão sobre o cuidado,
especialmente voltados para as relações consigo mesmo, com o outro, com o ambiente e
com o seu fazer docente nos espaços escolares junto aos professores. Através do
aprofundamento da ética do cuidado foi sinalizada a elevação da harmonia e da busca de
soluções coletivas para as adversidades apresentadas nos espaços em que estavam
inseridas, sendo vivenciada de maneiras práticas através da organização de semanas de
cuidado na escola, tendo cada uma a liberdade de expressarem de formas diferentes de
cuidar também da equipe que conviviam.
Como sinalizado por uma das participantes, pode-se experimentar de uma
próxima vez o trabalho a se desenvolver através dos encontros com o grupo todo, se não
218

possível, propor que em meio aos encontros tenha um que possa ter a presença de todos,
até para avaliar o andamento dos processos vividos.
Logo, a compreensão quanto aos sentidos atribuídos por professoras da educação
infantil sobre o cuidado em suas várias dimensões, mostraram a busca por realizações
pessoais, levando-as ao aperfeiçoamento através de uma formação bildung, dando o
melhor, primeiro a si mesmas e depois ao mundo da vida. A bildung se tornou potencial,
numa compreensão das possibilidades de sentirem-se melhores e propagarem relações e
jeitos de cuidados em suas práticas educativas (GADAMER, 2002).
Proposta formativa como essa que interligam o cuidado em educação, implicam
em respeito, paciência, ampliação de pensamentos, sentimentos, discordâncias e
vivência de humanidade. É um verdadeiro processo de autoformar-se, de autocuidar-se
e de se autocompreender-se. E na arte do encontro, sendo em-com-as-outras, o grupo se
fez como espaço de transfusão de experiências reflexivas, comunicando a si e as outras
as suas presenças e se animando para juntas construírem uma verdadeira escola
cuidadora, com poucos gestos, mas com potência incrivelmente eficaz de aproximar os
Daseins pelo diálogo e a reflexão sob a ação (HEIDEGGER, 2005; FREIRE, 2003).
A pesquisa-formação na perspectiva fenomenológica hermenêutica
“heideggeriana” despertou para pensar que em processos formativos existe um
planejamento que deve ser sempre flexível, já que o grupo sinaliza por onde ir e de que
jeito ir. Fizemo-nos participantes do processo formativo, não somente o grupo escolhido
para experimentar a pesquisa-formação foi beneficiado, mas também quem lá facilitou,
se envolveu, se implicou e deu atenção ao que cada uma trazia para (com)partilhar no
grupo.
Juntos, nesses passos dados na análise das informações, compreendemos que
cuidar e educar, caminham juntos, assim cada professor/educador com o pensamento
dessa unidade se torna um “educuidador”, dando significado e introduzindo um sentido
diferencial em sua prática, a de educuidar. Houve uma verdadeira semeadura de
esperanças em qualificar as práticas educativas junto as crianças da educação infantil,
iniciando por si mesmas e ultrapassando as fronteiras alcançando os outros e o espaço
em que estão inseridas.
O sentido que ora nos remetemos quando pensamos em cuidado é a perspectiva de
autonomia, em que cada ser ao tomar consciência, consegue agir de maneira mais eficaz
no seu autocuidado e no cuidado com os outros e o mundo. A ética do cuidado, nos
219

mostra que é da essência do ser humano, junto aos outros, elaborar maneiras criativas de
relações amorosas, reflexivas, não agressivas, carregadas de respeito e protetora nos
processos de vida. A escola é o lugar de viver o cuidado e o movimento tem que ser
coletivo, cada um pensando em possibilidades de buscar alimentar-se e alimentar o
outro de cuidado, mantendo a vida pulsante que ecoa nos seus espaços, garantindo
possibilidades de desenvolvimento e qualidade nos processos formativos junto a outros
e religando-se a tudo o que revela a humanização por meio do cuidado em educação.
220

8 PRODUTO

O produto apresentado como contribuição aos processos educativos se consolida


através do livro Cuidado em Educação: Guia de Reflexão e Formação para
Educadores, com a possibilidade de disseminação da experiência de reflexão e
formação quanto ao cuidado. Tal material está disponível em meio físico e digital, tendo
o intuito de disseminação prático acerca da formação do cuidado em contextos
educativos. Assim como a própria dissertação, que trouxe a perspectiva de humanização
na educação, promovendo educação e saúde ao educador e consequentemente aos
educandos na via do cuidado. Já que o cuidado é vivido por todos e sendo uma
possibilidade de vivência prazerosa, integrada e mobilizadora no cotidiano escolar.
O livro Cuidado em Educação: Guia de Reflexão e Formação para Educadores,
vem composto da proposta de cinco encontros e outros materiais possíveis que possa ser
vivenciado em grupo quanto ao cuidado em educação.
221

Significa(ação) particular de Cuidado

Posso permitir que venha à tona muitas palavras para aqui representar
O que foi e está sendo ao cuidado colocar em práticas em meios educativos e teorizar.
Digo que é um modo da gente amar
Que é uma forma de sensibilizar
De acolher o outro e abraçar
Saber notícias do outro e se alegrar
Matar as velhas saudades e de maneiras diferentes se expressar
Ter compaixão das dores que a realidade se põe a anunciar
Sentir os silêncios que muitas vozes não conseguem falar
Por que ouvir é bem menos do que escutar
E nos mobilizamos a mais que escutar – a auscultar
Nós auscultamos a profundeza do ser
Do que traziam na intensidade do dialogar.

Mas todas as palavras juntas não conseguem me mostrar


Porque cuidar é subjetivo, do jeito de ser e amar
De se olhar e ao outro alcançar
Do meio em que estar, modificar
Porque exige se emancipar
Insistindo que o mundo pode ser diferente
Incitando a ver as imperfeições e se abrir para se (re)criar
Vivendo o respeito a si, a gentileza ao outro e vendo a terra como lar.

E não é aqui que dou um ponto final,


Mas é só o início da reflexão continuar
Na pertinência de que podemos dar um pouco mais de nós
No ato de continuar a se esperançar
Andando, aprofundando, de vez em quando parando,
Para sempre se (re)fazer na condição de se humanizar.

04 de fevereiro de 2018
222

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2016.
228

APÊNDICES

APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Elaborado de acordo com a Resolução 466/2012-CNS/CONEP)

Convidamos V.Sa. a participar da pesquisa Cuidado em Educação: os sentidos da experiência na


formação de professores, sob responsabilidade da pesquisadora Clara Maria Miranda de Sousa orientado
pelo Professor Marcelo Silva de Souza Ribeiro, tendo por objetivo compreender o(s) sentido(s) dados por
professores da educação infantil quanto as práticas de cuidado, analisando seus processos reflexivos a
partir da mediação de proposta formativa.

Para realização deste trabalho usaremos o método de abordagem qualitativa, sendo pesquisa-formação de
caráter fenomenológico-hermenêutico “heideggeriano”. Como instrumentos de investigação serão
utilizados: diário de observação, diários reflexivos escritos pelos participantes da pesquisa, gravador
digital, para armazenagem de momentos relativos as entrevistas coletivas, os recursos gráficos (desenho
livre e apresentação de imagens diversas), as técnicas grupais e processos avaliativos durante a pesquisa-
formação.

Esclarecemos que manteremos em anonimato, sob sigilo absoluto, durante e após o término do estudo,
todos os dados que identifiquem o sujeito da pesquisa usando apenas, para divulgação, os dados inerentes
ao desenvolvimento do estudo. Informamos também que após o término da pesquisa, serão destruídos de
todo e qualquer tipo de mídia que possa vir a identificá-lo tais como filmagens, fotos, gravações, etc., não
restando nada que venha a comprometer o anonimato de sua participação agora ou futuramente.

Quanto aos riscos e desconfortos, a metodologia utilizada para a coleta de dados, não oferece riscos à
integridade física, mas podendo ocasionar algum desconforto de origem psíquica. Caso você venha a
sentir algo, comunique ao pesquisador para que sejam tomadas as devidas providências de
encaminhamentos a outros profissionais, estando à disposição para ressarcir qualquer eventual prejuízo.

Os benefícios esperados com o resultado desta pesquisa são a contribuição científica para a investigação,
a aplicação de descobertas da pesquisa e a nível profissional o participante desenvolverá a sua formação
continuada em suas ações educativas.

O (A) senhor (a) terá os seguintes direitos: a garantia de esclarecimento e resposta a qualquer pergunta; a
liberdade de abandonar a pesquisa a qualquer momento sem prejuízo para si ou para seu tratamento (se
for o caso); a garantia de que em caso haja algum dano a sua pessoa, os prejuízos serão assumidos pelos
pesquisadores.

Inclusive, acompanhamento médico e hospitalar (se for o caso). Caso haja gastos adicionais, os mesmos
serão absorvidos pela pesquisadora.

Nos casos de dúvidas e esclarecimentos o (a) senhor (a) deve procurar os pesquisadores através do
endereço Universidade de Pernambuco Campus Petrolina. BR 203, Km 2, s/n. Vila Eduardo, Petrolina -
PE, 56.328-900, telefone (74)99191 2470 ou pelo email claradassis@gmail.com.
Caso suas dúvidas não sejam resolvidas pelos pesquisadores ou seus direitos sejam negados, favor
recorrer ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, localizado à Av. Agamenon
Magalhães, S/N, Santo Amaro, Recife-PE, telefone 81-3183-3775 ou ainda através do e-mail
comite.etica@upe.br.

Consentimento Livre e Esclarecido

Eu ___________________________________________________, após ter recebido todos os


esclarecimentos e ciente dos meus direitos, concordo em participar desta pesquisa, bem como autorizo a
divulgação e a publicação de toda informação por mim transmitida, exceto dados pessoais, em
publicações e eventos de caráter científico. Desta forma, assino este termo, juntamente com o
pesquisador, em duas vias de igual teor, ficando uma via sob meu poder e outra em poder do(s)
pesquisador (es).
229

APÊNDICE II - DINÂMICA AMOR E VIDA

Objetivos: Trabalhar a interação, fortalecer a afetividade e laços de amizade do grupo,


descontração.
Procedimento: Pedir ao grupo que se dividam em duplas. Uma pessoa será a Vida e a outra, o
Amor. Propiciar o diálogo/vivência.

Amor – Oi! Pergunte para a sua vida, qual o nome dela (e).
Vida – Oi! Pergunte para o seu amor, qual o nome dele (a).
Amor – Oi! Olhe abertamente para sua vida, contemple-a, acolha-a (Observação através do
olhar)
Vida – Oi! Olhe abertamente para seu amor, contemple-a, acolha-a (Observação através do
olhar)
Amor – Oi! Pergunte como sua vida está se sentindo (Breve conversa).
Vida – Oi! Pergunte como seu amor está se sentindo (Breve conversa).
Amor – Oi! Demonstre para sua vida que você está feliz, dê um abraço apertado e demorado
nela.
Vida – Oi! Pegue nas mãos de seu amor, veja o formato, explore um pouco, toque-as em toda a
sua extensão.
Amor – Oi! Pergunte para sua vida se ela tem um outro amor ou amores, como cuida desse
amor, o que está fazendo para dedicar espaço a olhar e viver esse amor (Tempo breve para
conversa).
Vida – Oi! Pergunte para seu amor se ela também tem um outro amor ou amores, como cuida
desse amor, o que está fazendo para dedicar espaço a olhar e viver esse amor (Tempo breve para
conversa).
Amor – Oi! Pergunte para sua vida qual o significado do cuidado para ela!
Vida – Oi! Pergunte para seu amor qual o significado do cuidado para ele!
Amor – Oi! Cuide um pouco da maneira que desejar e souber de sua vida.
Vida – Oi! Cuide também um pouco da maneira que desejar e souber de seu amor.
Amor – Oi! Fale para sua vida como ficou agora depois de tudo o que escutou e viveu.
Vida – Oi! Conforte seu amor! E compartilhe também o que sentiu agora depois do que escutou
e viveu.
Amor – Oi! Diga para a sua vida que precisa ir em busca de novas vidas.
Vida – Oi! Diga para a seu amor que também vê que precisa ir em busca de novos amores.
(Troca de duplas)
Amor – Oi! Pergunte para sua nova vida, qual o seu nome e acolha sua nova vida.
Vida – Oi! Demonstre que está feliz, abrace de modo demorado seu novo amor.
Amor – Oi! Fale para sua nova vida que você está muito feliz em vê-la.
Vida – Oi! Fale também para sua nova vida que você está muito feliz em vê-la.
Amor – Oi! Cuide de maneira terna e gentil dessa sua nova vida.
Vida – Oi! Retribua esse cuidado para com seu amor.
Amor – Oi! Sua vida está com saudades.
Vida – Oi! Seu verdadeiro amor à chama, volte para seu primeiro amor.
Amor – Oi! Fale para sua vida que estava também com muitas saudades.
Vida – Oi! Fale para seu amor que está muito feliz em revê-lo (a) e demonstre essa felicidade.
Amor e Vida – Oi! Fechem os olhos um pouco, peguem nas mãos, respirem e deixem agir em
seu corpo o que sentiram nesse momento.
Amor – Oi! Bata palmas para sua vida.
Vida – Oi! Faça o mesmo também, bata palmas para seu amor.
Amor e Vida – Oi! Batam palmas porque só assim podemos ver que amor e vida cuidam para
que nasça um ser humano melhor.
230

Avaliação: Frase ou palavra que representou o momento.


Autoria desconhecida
Adaptação por Clara Maria Miranda de Sousa, a partir das obras consultadas:
BOFF, Leonardo. BOFF, Leonardo. Direitos do coração: como reverdecer o deserto.
São Paulo: Paulus, 2015.
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. Trad. Manuel J. C. Ferreira, 5 ed. São Paulo:
Martins Fontes,1997.

APÊNDICE III - Os Humanus cuidando da Humanidade

Era uma vez uma ilha chamada de Humanidade. Nesta ilha havia lugares bonitos, mas
que estavam sendo devastados, porque todos os que lá viviam degradavam e destruíam
essa casa comum e consequentemente as relações. Humanidade crescia mais e mais,
com seres de todos os tipos, animais, flores, árvores, diversificados aromas e deliciosos
sabores.
Humanidade era habitada também pelos Humanus – Homens. Que em dados
momentos destruía a beleza da Humanidade e consequentemente se autodestruíam. Até
que chegou um tempo que os Humanus se isolavam mais e mais, esquecendo-se dos
outros. Diante disso, foram adoecendo e definhando chegando quase a morrer. Havia
alguns Humanus que tiveram uma ideia para viver. Eles próprios compreenderam a
capacidade de se transformarem em Cuidado, mas que sozinhos não iriam conseguir.
Assim, os Humanus sobreviviam pelos cuidados mantidos, fortalecendo uns aos
outros e com diferentes maneiras de cultivar o cuidar.
Havia na Humanidade Humanus que cuidavam com OLHAR CARINHOSO,
eles eram produzidos e distribuídos pelos Humanus de cores AZUIS. Todos os dias, de
manhã bem cedinho, os Humanus AZUIS cuidavam de cada um de seus amigos com
OLHAR CARINHOSO para viver aquele dia.
Outros Humanus cuidavam através de PALAVRA DE ÂNIMO, eles produziam
esses cuidados e se identificavam pelas cores VERDES, da mesma forma como os
cuidados anteriores, estes espalhavam entre os companheiros PALAVRAS DE ÂNIMO,
que eram sussurradas no ouvido de cada um deles.
Diariamente, todos os Humanus precisavam de uma atenção através de UM
APERTO DE MÃO, estes cuidados eram distribuídos pelos Humanus de cores
LARANJA. A cada altura do dia eles se transformavam e espalhavam APERTOS DE
MÃO carinhosos para cada um dos Humanus que estavam ao seu redor.
Os Humanus eram regados de cuidados conhecidos por CARINHO NO ROSTO,
quem os distribuía eram os de cores AMARELAS. Os Humanus AMARELOS
manifestavam esse afeto singular, deixando os outros Humanus confiantes e seguros.
231

Havia ainda Humanus muito especiais que os demais precisavam muito, estes
eram produzidos e distribuídos pelos Humanus VERMELHOS. Todos esperavam com
ansiedade a visita dos Humanus VERMELHOS. Os cuidados que eles distribuíam
chamavam-se ABRAÇO CHEIO DE AMOR.
E assim, a Humanidade ia se tornando um lugar muito bom para se viver, já que
as atitudes mantidas pelos Humanus faziam com que se responsabilizassem e se
envolvessem afetivamente consigo e com o outro. Todos davam e recebiam os cuidados
necessários para viver uma troca ilimitada. Os Humanus viviam muitos anos,
esbanjando cores e formas lindas até desaparecerem felizes para dar lugar a novos
Humanus que nasciam diariamente. Estes, logo davam e recebiam os cuidados especiais
que faziam da Humanidade um lugar carregado de muita vida.

Adaptação por Clara Maria M. de Sousa da Dinâmica o Jardim Encantado de Edson


Ponick.
Obra consultada: BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela
terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
232

APÊNDICE IV – Folders dos teóricos utilizados nos encontros


233

Texto mobilizador: UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO


Como estou me percebendo Heidegger, Martin. Ser e Tempo. 15. Ed.
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
enquanto ser de Cuidado na Petrópolis – RJ: Vozes, 2005. STRICTO SENSU EM FORMAÇÃO DE
minha vida? PROFESSORES E PRÁTICAS
INTERDISCIPLINARES - PPGFPPI

PESQUISA-FORMAÇÃO
CUIDADO EM EDUCAÇÃO:
Os sentidos da experiência na formação de
professoras.
Vejo-me como
cuidadora em Cuidado para Clara Maria Miranda de Sousa (Mestranda)
Marcelo Silva de Souza Ribeiro (Orientador)

minhas ações Heidegger é o


cotidianas? próprio existir
humano, ligado
ao existir de um
outro, vivenciando
Percebo-me abertura e
vivenciando o
pertencimento ao
Cuidado
mundo.
Autêntico ou
Inautêntico? 1º ENCONTRO:
Sentido de Cuidado: ação reflexiva na
capacidade de ser.
234

MARTIN HEIDEGGER Com o exercício da reflexão você poderá


aperfeiçoar o seu ser-presença, através do ser na
ü Heidegger, filósofo alemão, um dos mais ocupação, cuidando também dos outros de modo
Sorge (Cuidado) a viver a abertura para a vivência dos afetos.
influentes do século XX.

Dasein (Ser)
ü Desenvolveu o método fenomenológico
hermenêutico – sentido do ser. Existencialidade (existir) Autêntico Inautêntico
ü No processo reflexivo o ser se mostra e
eleva ao grau de compreensão do sentido.
Facticidade (presença)
ü Para Heidegger tudo o que é vivenciado é Cuidado
importante, permeado pelos sentidos do
Decadência (Mover-se de
cotidiano. modo descompromissado)
O cuidado numa perspectiva “heideggeriana” se
ü Conseguimos nos compreender a partir do
coloca na relação com o mundo do se preocupar,
outro. do se ocupar e do olhar para si mesmo, como
possibilidade de sentido.
ü O homem é ser-no-mundo e dimensiona CUIDADO (SORGE) – vivido no cotidiano
para o estar-no-mundo, através das ü A pessoa que não confia no outro ser
(BENSORGE) – Ocupação humano, não pode tornar-se um facilitador.
escolhas que faz, responsabilizando pelos ü Métodos: trabalhar com problemas
seus atos e sendo capaz de mudá-los. (FUNSORGE) – Preocupação significativos, colocar os recursos a
disposição dos alunos, fazer contratos,
ü A obra que muito falou sobre cuidado foi utilizar auto-avaliação, dinamismo.
O ser-no-mundo se faz de uma existência
ü Todos somos seres de cuidado, que se
Ser e Tempo.
inserida em uma realidade, podendo responder as mobiliza, pondo-se em atitudes de
ü O cuidado é ontológico do ser humano, ou abertura e lançando-se no mundo para
questões que lhe são colocadas no tempo vivido.
buscar alimentar sua existência.
seja, o homem é o próprio cuidado.
235

Texto mobilizador: UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM FORMAÇÃO DE
ESTOU ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. Trad. PROFESSORES E PRÁTICAS
CUIDANDO DE Manuel J. C. Ferreira. 5 ed. São Paulo: INTERDISCIPLINARES - PPGFPPI
MIM MESMA? Martins Fontes, 1997.
PESQUISA-FORMAÇÃO
CUIDADO EM EDUCAÇÃO: Os
sentidos da experiência na formação de
professoras.

Aceitar-se a si Clara Maria Miranda de Sousa (Mestranda)


Marcelo Silva de Souza Ribeiro (Orientador)

CUIDO DO OUTRO? mesmo é um pré-


QUAIS
ESTRATÉGIAS QUE
requisito para
UTILIZO? uma aceitação
mais fácil e
genuína dos 2º ENCONTRO:
O cuidado de si e do outro: emancipando-
se para estar-no-mundo-com-os-outros.
outros.
ME ACEITO E ME
COMPREENDO DO Carl Rogers
JEITO QUE SOU?
236

CARL ROGERS ü Essa humildade por parte do professor o ü Aceitar-me a mim permite-me aceitar os
levará a um relacionamento autêntico e outros.
transparente com o educando. A ü Aceitar não é julgar, interpretar ou explicar,
autenticidade será a principal ferramenta do mas compreender.
educador que conduzirá o aluno à
aprendizagem significativa.
EMPATIA

PESSOA TRANSFORMAÇÃO

ACEITAÇÃO
POSITIVA CONGRUÊNCIA
ü Carl Rogers (1902-1987), americano, que INCONDICIONAL
baseou seu trabalho no indivíduo. Um dos
PROCESSO CONSTRUÇÃO
representantes da Psicologia Humanista.
ü Trabalhou o conceito de tendência Na educação...

atualizante, que é a tendência inata de cada ü O professor é facilitador da aprendizagem.


pessoa atualizar suas capacidades e ü A pessoa é um todo, mente e corpo, sentimento e
potenciais. intelecto.
ACEITAÇÃO
ü Na educação o relacionamento deve ser ü A pessoa que não confia no outro ser humano,
interpessoal, afetuoso e de interesse de não pode tornar-se um facilitador.

ambos, professor e aluno, juntos, caminhando ü Devo valorizar a minha experiência, o modo ü Métodos: trabalhar com problemas significativos,
colocar os recursos a disposição dos alunos, fazer
para o aprendizado significativo. Um como sinto, o que sinto. Aceitar a minha
contratos, utilizar auto-avaliação, dinamismo.
aprendendo com o outro, todos os dias. experiência é aceitar o que sinto.
237

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
ESTOU CUIDANDO
Texto mobilizador: PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
DE MINHAS STRICTO SENSU EM FORMAÇÃO DE
RELAÇÕES COMIGO, BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do PROFESSORES E PRÁTICAS
COM OS OUTROS E humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: INTERDISCIPLINARES - PPGFPPI
COM A NATUREZA? Vozes, 1999.
PESQUISA-FORMAÇÃO
____________. O cuidado necessário: na vida, CUIDADO EM EDUCAÇÃO: Os
na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na sentidos da experiência na formação de
espiritualidade. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, professoras.
2013.
QUAIS AS MINHAS Clara Maria Miranda de Sousa (Mestranda)
Marcelo Silva de Souza Ribeiro (Orientador)
AÇÕES QUANTO A Cuidar das coisas implica ter
CRISE intimidade com elas, senti-las
PLANETÁRIA? dentro, acolhê- las, respeitá-las,
dar-lhe sossego e repouso.
Cuidar é entrar em sintonia com
as coisas. Auscultar-lhe o ritmo
e afinar-se com ele. Cuidar é
QUAIS OS estabelecer comunhão. [...]
CUIDADOS QUE Cuidado é aquela energia que 3º ENCONTRO:
ESTOU TENDO NOS continuamente faz surgir o ser O cuidado com o ambiente: o resgate de
humano. nossa humanidade.
LUGARES QUE
ESTOU? Leonardo Boff
238

LEONARDO BOFF ü A crise planetária começa por nossas relações


e o cuidado deve primeiro partir de nós
Sentidos de
Cuidado
mesmos.
ü O ser humano precisa se reencantar, para que
novas maneiras de pensar e agir, culminem Prevenção e
Relação amorosa
Promoção de Vida
numa convivência respeitosa, tomando
consciência e perceber quem verdadeiramente
somos.
ü Somos ser-no-mundo através do cuidado e do Deixar-se ser
Preocupação
cuidado
trabalho.
ü Leonardo Boff (1938), brasileiro, teólogo e
ü A concretização do cuidado se faz no Na educação...
filósofo, autor na área humanista.
estabelecimento de relação consigo mesmo, ü É preciso reinventar um novo paradigma para a
ü Escritor da atualidade que muito aborda condição de existência do ser humano em
com o outro e com o planeta.
sobre o cuidado, baseando-se em Martin harmonia consigo mesmo e com o outro. E a
Heidegger, entendendo que cuidado e Cuidar de si: ética do cuidado vem com esse intuito. Ao
olhar para o seu praticar a ética do cuidado consigo e com o
cuidar é próprio do ser humano, o
corpo. outro se está garantindo a própria sobrevivência.
constitui. ü Entende-se que tudo que se fizer com cuidado,
Cuidar do outro:
ü O cuidado é uma maneira ética de viver numa será sempre bem feito e revelará outro ser
olhar para as humano a partir desse resgate do cuidador.
relação harmoniosa com todos os seres e relações ü Aprendizagem a sustentabilidade.
coisas. ü Se há cuidado, é porque há amor. De tal forma,
Cuidar do planeta: haveria uma sociedade mais humanizada. Todos
ü É relação amorosa, respeitosa para com tudo
cultivar de modo cuidariam de todos. Logo, todos amariam a
o que envolve o ser humano, desde a relação responsável.
todos. E cuidar e amar faz bem.
consigo mesmo e com as outras pessoas.
239

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
SOU UMA Texto mobilizador: PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
FREIRE, Paulo. Pedagogia da STRICTO SENSU EM FORMAÇÃO DE
PROFESSORA PROFESSORES E PRÁTICAS
Autonomia: saberes necessários à prática
QUE ME VEJO educativa. 30. Ed. São Paulo: Paz e Terra, INTERDISCIPLINARES - PPGFPPI
CUIDADORA? 2003.
PESQUISA-FORMAÇÃO
CUIDADO EM EDUCAÇÃO: Os
sentidos da experiência na formação de
A alegria não chega professoras.

apenas no encontro do Clara Maria Miranda de Sousa (Mestranda)


Marcelo Silva de Souza Ribeiro (Orientador)
achado, mas faz parte

COMO O CUIDADO do processo da busca. E


ENVOLVE AS ensinar e aprender não
MINHAS PRÁTICAS
EDUCACIONAIS? pode dar-se fora da

procura, fora da

boniteza e da alegria.

Paulo Freire 4º ENCONTRO:


A professora/educadora como cuidadora: o
envolvimento nas práticas educativas
240

PAULO FREIRE ü Somos seres inacabados e de busca


cotidianamente dentro de uma luta que torne
o indivíduo consciente de sua humanidade.
DIÁLOGO
Para que essa luta por liberdade aconteça, o
homem em relação com o mundo reflete sua
condição histórico-cultural.

Decidir
REFLEXÃO AÇÃO

Lugar
ü Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de
histórico Na educação...
setembro de 1921 — São Paulo, 2 de maio de Agir ü Educação Bancária x Educação Dialógica
1997) foi um educador, pedagogo e filósofo sobre Valorizar ü O educador possibilita a criatividade e a
curiosidade dos educandos.
brasileiro. É considerado um dos pensadores ele ü O educador possibilita a consciência de
mais notáveis na história da pedagogia mundo dos educandos.
ü A educação que indica descobrir-se a si
mundial, tendo influenciado o movimento ü O homem é um ser de práxis. mesmo e buscando o exercício de liberdade e
chamado pedagogia crítica. É também o ü Metodologia dialógica como meio de humanização.
ü A pessoa é capaz de emancipar-se na relação
Patrono da Educação Brasileira. socializar e interagir as ideias, propondo consigo, com os outros e com o mundo
ü Visão de educação humanista pautada nas mudanças dos envolvidos, fazendo com que
ideias marxista e em teóricos do se mobilizem a se tornarem sujeitos críticos e
existencialismo como Heidegger. conscientes de seu papel no mundo.
241

ANEXO

FÁBULA DO CUIDADO

“Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma ideia
inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto
contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.

Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.

Quando, porém, Cuidado quis dar nome á criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu.
Exigiu que fosse imposto o seu nome.

Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a terra. Quis também ela
conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da terra.

Originou-se então uma discussão generalizada.

De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a
seguinte decisão que pareceu justa:

Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da
morte dessa criatura.

Você, terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto,


também de volta o seu corpo quando essa criatura
morrer.

Mas como você, Cuidado, foi quem, por


primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus
cuidados enquanto ela viver.

E uma vez que entre vocês há acalorada discussão


acerca do nome, decido eu: essa criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus,
que significa terra fértil‟.” (BOFF. p. 46).

O primeiro ensinamento que tiramos da fábula de Higino é que o cuidado é anterior ao


homem. É ele que inicia a formação do ser humano e o acompanha por toda a vida.
Mas, na constituição do homem também existe o espírito, o qual é dado pelo divino
(Júpiter - céu), assim como existe o corpo, dado pela terra (Tellus).

E para orientar, no tempo e na história, esse corpo e esse espírito, acompanhado de


Cuidado, chamado homem é necessário um deus sábio e justo como Saturno. “O ser
humano é, simultaneamente, utópico e histórico-temporal. Ele carrega em si a dimensão
Saturno junto com o impulso para o céu, para a transcendência. Nele revela também o
peso da terra, da imanência. É pelo cuidado que ele mantém essas polaridades unidas e
faz delas material da construção da sua existência no mundo.” (BOFF. p. 67).

BOFF. Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Rio de
Janeiro: Vozes, 1999.
242

Últimas palavras nesse breve caminhar...

Quando acreditamos no potencial do ser, conseguimos realizar grandes ideais.


Vejo que boas ações foram construídas e estão sendo realizadas por intermédio deste
trabalho, que para mim foi um movimento de fazer mais do que um trabalho escrito,
mas um trabalho vivido, cheio de sentidos de ser “gente”, de carne, osso e humanidade.
A formação se constitui num momento de parada para refletir acerca das nossas
ações cotidianas e sinto que refleti na ação. Aceitei, mediante isso, o desafio de deixar
nascer muitas possibilidades em um único estudo.
Quero, assim, recordar alguns poucos elementos desse trajeto, que me move a
tocar em frente, pensando e vivendo como “educuidadora”. Inicialmente como não
esquecer as conversas junto ao orientador, que tive a oportunidade de refletir e elevar ao
mundo da vida. Foram momentos sublimes, de pensar e repensar práticas que movam a
humanidade de “Ser”, a compreender que a reflexão melhora o viver. Além de tantos
amigos que contribuíram nesse tear, desde as buscas iniciais até nos momentos de
diálogos, que de repente saltavam novos elementos a explorar.
Outros momentos mais que sublimes nesse caminhar foi à decisão em propiciar o
diálogo teórico do quarteto de reflexão existencial: Heidegger, Boff, Freire e Rogers.
Além de tantos outros autores que descortinaram a multirreferencialidade. Um encontro
marcante, mesmo que breve, foi os minutos corpo a corpo com Leonardo Boff, e de
olhar nos olhos e ver sua humildade e humanidade em apontar para o que mesmo eu
poderia fazer de diferente nesse trabalho. Poucos têm o privilégio de conversar com um
de seus teóricos, eu tive e um mundo se abriu diante dos olhos da vida. Com singeleza
ele disse para mim: “Veja, não se esqueça da sensibilidade, porque falar de cuidado é
despertar a sensibilidade!”. Não somente falei de sensibilidade, mas essa pesquisa-
formação me fez muito mais sensível em dignificar o cuidar, o viver, o educar e estar
com o outro.
Houve desafios e medos? Sim, muitos! Porque os medos também nos ensinam.
Dentre eles: de como, onde e o quê colocar mesmo em prática acerca de cuidado em
educação. Mas com o movimento de criatividade fui deixando que o próprio cuidado me
norteasse.
Em cada sorriso, em cada momento agradável ou angustiante, vejo que tudo valeu
a pena! As noites mal dormidas e inquietas, dos pensamentos que só desapartavam de
243

mim quando eram escritos, dos muitos cadernos espalhados pela casa contendo ideias,
as preocupações sobre como toda a pesquisa seria e quem eu iria encontrar. Tudo, tudo
mesmo valeu e vale muito a pena viver. E se preciso fosse viveria tudo de novo. Pois, os
meus sonhos se concretizam quando vejo o bem se multiplicando, nos olhares e ações
das professoras e crianças que vão demonstrando desde cedo a beleza de ser
verdadeiramente humano, existindo para si, para o outro e com o outro.
Cada detalhe foi pensado com muito zelo, carregando a confiança de andar pelo
caminho encurvado, de difícil acesso, mas feliz. Porque ser humano é estar nas curvas
da vida. Desse modo, cada um de nós é capaz de dar brilho a educação, dar vez e voz as
dores e os amores do cotidiano e não temer jamais a protagonizar as mudanças. Que
começa de dentro para fora de cada um.
Não me despeço, mas fecho esse ciclo confortavelmente cuidada e abro outro com
a expectativa de um porvir tão feliz quanto esse que se fecha. Como diz a música
Tocando em Frente “cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si, carrega o
dom de ser capaz, de ser feliz”, vou ressignificando passo a passo dos meus caminhos.
Como escutei de nobres amigas, não dou um ponto final, mas reticências, porque
há continuidade em propor uma prática tão transformadora. E por que mesmo um fim?
Se podemos viver os recomeços...
Somos cuidado, então a hora do agora é fazer com que o autocuidado, o cuidado
com o outro e do mundo se espalhe e encharque de vida, todos os lugares e segundos do
nosso existir. E para não perder o costume faço da síntese um poema.

Humanicência

Não deixo pontos finais no caminho, mas reticências...


Não deixo exclamações, mas vejo as existências...
Que sensibilizam e florescem, exigindo espera, cultivo e paciência.
E transborda de marcas insinuantes da docência.
Carregada de sentidos em contribuir para amenizar a carência
Que (re)jeita o ser na produção de ciência
Lançando-se para a reprodução sem consciência
De si, do outro e do mundo sem a (com)vivência.

Nos pontos que fecham e abrem ciclos de entrelinhas


Dou muitas reticências... a esse caminho
Dando o tempo das paradas e dos (re)alinhos
De viver o pensado no cotidiano de minha humanicência.

04 de março de 2018

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