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de Iniciação à filosofia do
P
rofessor de Ética, Luiz Beltrão reuniu, em Iniciação à filosofia do Jornalismo,
um conjunto de reflexões que vinha desenvolvendo pelo menos desde
1951, a partir de sua participação em diferentes congressos e conclaves em
torno da atividade jornalística. A obra está claramente datada, não apenas pela perspectiva
adotada ou pelos conceitos desenvolvidos, mas porque o próprio autor fez questão de
registrar a época de sua criação, na página de fechamento da mesma – 1953-1959. Não
por acaso, ela assumiu a perspectiva filosófica e não apenas técnica do fazer jornalístico,
evidenciando a responsabilidade social que tal atividade representa à comunidade
humana. A obra, concluída em 1959, foi formalmente publicada em 1960,3 pela mesma
editora que já lançara o texto de outro pesquisador, o norte-americano Fraser Bond,4 e
que se tornara igualmente referência na bibliografia do país. Logo Beltrão seria também
uma citação obrigatória para todos os que quisessem refletir responsavelmente sobre
aquela atividade que, embora relativamente nova no País, contextualizava-se numa
sociedade que se industrializava, modernizava e massificava e onde, mais que nunca, o
jornalismo assumia papel central para o desenvolvimento social.
Na primeira parte, vamos encontrar um esboço histórico bastante amplo, que se divide
entre pré-história e história, e que, então, se desdobra numa série de outros movimentos.
Na fase pré-histórica, e seguindo tendência então existente,6 Beltrão dilata bastante o
conceito de jornalismo para poder falar da China do ano 2200 a.C. em que, para ele,
se iniciam atividades que poderiam ser consideradas como jornalísticas, desde sua
forma escrita até a transmissão de mensagens através de mensagens luminosas. O
Egito está, também, incluído nessas primeiras referências. (1960, p. 24).
Quanto à fase histórica propriamente dita, ela começaria com as acta publica
romanas e se desdobraria até o século XI, em que as informações se difundiam
pelas cantilenas (p. 24-25), até chegarmos ao Renascimento, quando “o jornalismo
se consubstancia nas folhas escritas à mão, geralmente de interesse para
comerciantes e navegadores” (p. 25), isso já ao longo do século XIII, entre ingleses,
alemães e franceses. O século XV, que assiste à invenção da tipografia, também vai
conhecer as gazzettas venezianas, ainda difundidas em folhas manuscritas, mas
logo a impressão gera interesse em alguns soberanos que decidem utilizá-las para a
divulgação de informações de seu interesse.
5 Os cursos de Jornalismo no Brasil ainda eram recentes: a partir de 1953, a Faculdade Cásper Líbero criara o
primeiro curso, e a própria Universidade Católica de Pernambuco iniciara seu curso, no âmbito da Faculdade de
Filosofia.
6 Lembremos que Carlos Rizzini já publicara O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. Rio de Janeiro: Kosmos, 1946
e, em seguida, editaria: O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Nacional, 1977.
ainda antes da chegada da família real, em 1808, popularizam-se na Colônia
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portuguesa (p. 28ss).
É que, nesse momento, ele discorre sobre o rádio e o jornalismo oral (que já men
cionara), reconhece a importância do telefone e da fita magnética para, em seguida,
mencionar uma curiosidade: a existência, na França de 1958, de uma revista cha
mada Sonorama, que alterna páginas de papel com outras de material plástico em
que apresenta gravações as mais variadas, as quais podem ser retiradas e colocadas
no toca-discos para serem ouvidas! (p. 40-41).
Esse tipo de passagem, aliás, evidencia a preocupação que Luiz Beltrão tinha de
manter-se permanentemente atualizado. Para isso, valia-se de bibliografia científica
tanto quanto dessas informações esparsas, que eventualmente circulavam por suas
mãos, e que ele tratava de colecionar como nesse caso.7
Em seguida, Beltrão cuida do jornalismo pela imagem, a partir da charge. Passando pelo
desenho, “depois da palavra falada, [...] sem dúvida a mais antiga expressão jornalística do
mundo” (p. 42), registrando-a a partir de 15 mil anos a.C., ele chega à ilustração e à
caricatura, que as examina, primeiro, nas manifestações europeias e, em seguida, no
Brasil, a partir de Rugendas e Debret, até chegar à fotografia. Aqui, mais uma vez, ele recua
aos tempos de Leonardo da Vinci, que teria sido o primeiro a idealizar uma câmara escura,
até o século XIX, quando José Niceforo Niépce e Luis Mandé Daguerre inventam “o sistema
de gravar imagens em uma placa preparada com iodo e prata mercurial”. (p. 46).
Esboçada essa perspectiva histórica, Luiz Beltrão dedica as três últimas páginas
dessa primeira parte a discutir o conceito de jornalismo. Primeiro, como “atividade
essencial à vida das coletividades, como uma instituição social que, no mundo
inteiro, assume uma posição da mais alta relevância”. (p. 60). Responde, assim, ele
mesmo, à questão inicial em que lamentava o descaso em que a atividade jornalística
se encontrava no Brasil. Mas se mostra insatisfeito com essa definição e avança mais,
encerrando o capítulo com um conceito abrangente que, em última análise, vai, a
partir de então, nortear todo o seu trabalho e também aquele livro: “Jornalismo é a
informação de fatos correntes, devidamente interpretados e transmitidos periodica
mente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião
pública, no sentido de promover o bem comum.” (p. 62).
São esses elementos que ele passa a examinar na segunda parte, sob o título geral:
“Os caracteres do jornalismo”, em que destaca a atualidade, a variedade, a
interpretação, a periodicidade, a popularidade e a promoção jornalísticas.
8 VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Cinema, 1959.
A atualidade é a característica predominante. (p. 66). O jornalismo deve relatar o que
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ocorre no presente, o que sucede naquele momento, mas também levar em conta o
seu desdobramento no futuro imediato. Depois de examinar rapidamente as relações
Na terceira parte de seu trabalho, chegamos aos agentes do jornalismo, que o autor
identifica como sendo o público, o editor, o técnico e o jornalista, exatamente nessa
ordem.
O público é o leitor, o ouvinte ou o telespectador, mas ele se caracteriza não pela
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passividade (como nas antigas teorias da comunicação, como a hipodérmica de
Harold Lasswell imaginava), mas pela iniciativa ativa. O público tem curiosidade e
Se Balzac distinguiu o jornalista publicista do jornalista crítico, cada qual com seus
subgêneros, Beltrão simplifica a lista, separando o editor financista do editor
idealista. O primeiro toma o jornalismo como negócio e, portanto, valoriza o diver
timento e a publicidade. Já o segundo coloca-se como representante de uma de
terminada corrente filosófica e, por consequência, promove o panfletarismo e a
autocensura. (p. 124, 128). Beltrão, nessa passagem, limita-se a caracterizar cada
um dos editores, sem avaliá-los, até porque cada um deles, certamente para o
próprio autor, apresenta elementos positivos e negativos, dependendo de como
exerce sua função. Beltrão encerra o estudo lembrando, ainda, do Estado editor,
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que consideraria o jornalismo como um serviço público. (p. 131). Reconhecendo
que, às vezes, o Estado exorbitou de suas funções; em situações ditatoriais, por
Hohlfeldt, Antonio. Cinquentenário de publicação de Iniciação à filosofia do Jornalismo, de Luiz Beltrão
exemplo, o autor defende essa atividade estatal como um editor idealista, para a
divulgação de certos e determinados atos jurídicos que lhe interessariam dire
tamente, mas, sobretudo, à própria cidadania.
Beltrão, nessa passagem delicada, defende que o Estado editor não pode competir
com a empresa jornalística. Defende, pois, a livre empresa. Ao mesmo tempo, e
certamente motivado pelo clima que, ainda na época, persistia em torno da
importância de experiências ideológicas como a da União Soviética, valoriza tais
iniciativas. Além do mais, é bom lembrar que a própria Unesco valorizava tais práticas,
aliás, plenamente vigentes naquelas sociedades reconhecidas como exemplares da
democracia, como a Inglaterra e a França, onde um sistema empresarial convivia em
equilíbrio com o sistema estatal.
Deve-se registrar, por outro lado, que Luiz Beltrão se coloca, aqui, mais pragmático
do que outros promotores do jornalismo, como o controvertido Joseph Pulitzer que,
depois de todas as disputas que manteve com William Randolph Hearst, deixou,
como seu legado, não apenas uma bela soma para financiar um curso universitário
de formação jornalística quanto, em sua defesa, escreveu o importante texto A escola
de jornalismo: a opinião pública.9
O terceiro agente é o técnico, o que permite ao autor fazer uma nova rememoração,
primeiramente relembrando a fase da manufatura, até chegar à mecanofatura. O técnico
é um intermediário (p. 140) entre a atividade subjetiva e a objetiva do jornalismo.
Crescendo em importância, com a industrialização e a massificação, os técnicos “foram
os propulsores do progresso mecânico, respondendo ao apelo de popularidade crescente
do jornalismo”. (p. 145). Criticamente situado, contudo, Luiz Beltrão chama, a seguir, a
atenção para o que denomina problema da automatização, antecipando que
estamos em pleno curso de uma nova [e] grande revolução industrial, em que o ser humano
vai sendo substituído por servos-mecanismos, que não estão sujeitos nem à fadiga, nem
ao erro, nem às emoções, que alteram o metabolismo e desequilibram mesmo os mais
eficientes técnicos. (p. 150).
Mas alerta que tudo isso contribui para a criação de monopólios, graças à crescente
concentração de empresas no campo da comunicação social, à formação consequente
de trusts e à eventual dependência do conhecimento técnico que pode “subordinar
9 PULITZER, Joseph. A escola de jornalismo: a opinião pública. Florianópolis: Insular; UFSC, 2009.
o comportamento e os hábitos de vida dos homens aos interesses das máqui-
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nas”. (p. 155).
Uma vez mais, conclui-se que a organização da obra não atende apenas a um requisito
de clareza ou objetividade pedagógica, mas, sobretudo, a uma perspectiva filosófica (e
ética), tão claramente expressa no título do livro. Por isso mesmo, essa terceira parte
se conclui pelo jornalista, máquina pensante, “que executa um trabalho criador e
inovador, polimorfo, e complexo” (p. 158), que resistirá naturalmente a uma eventual
ditadura dos computadores eletrônicos, segundo a expressão do autor.
10 BARRETO, Afonso Henrique L. Recordações do escrivão Isaías Caminha. 7. ed. São Paulo: Brasilense, 1978.
Numa discussão cada vez mais oportuna, Beltrão discute, então, os diferentes
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aspectos do jornalista. O jornalista deve ter vocação, é certo, traduzida na curiosidade,
que é inerente ao profissional; deve ser fecundo, ou seja, evidenciar a capacidade de
Hohlfeldt, Antonio. Cinquentenário de publicação de Iniciação à filosofia do Jornalismo, de Luiz Beltrão
Além das adversidades externas, o jornalista tem de lutar contra uma outra muito
mais grave, oriunda de sua própria fecundidade, que é a imaginação e a invenção
que podem levar a desfigurar a realidade. Daí que Luiz Beltrão passa a defender a
necessidade de um código de comportamento:
O jornalista tem a obrigação profissional de divulgar qualquer notícia comprovada que lhe
chegue ao conhecimento, o que não o priva – nem o redime, se acaso não obedece aos
estilos – de prever as consequências sociais dessa divulgação. Em pesar as obrigações que
tem para consigo e para com a sociedade em geral, em balancear o dever profissional e o
dever social, em conduzir-se, em caso de conflito, com senso de oportunidade e de
responsabilidade. (p. 167).
11 Veja-se MAGALHÃES JÚNIOR, R. (Ed.). Reportagens que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Bloch, 1973. O texto
da entrevista, inserido no volume e atribuído a Carlos Lacerda, vem antecedido de uma passagem do diário do pró-
prio José Américo de Almeida, intitulada “Eles e eu”, de 1970.
No encerramento do capítulo, Beltrão insiste tanto no aspecto ético quanto no
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estético do trabalho do jornalista, o que influirá no estilo jornalístico. (p. 170).
Não é apenas o jornalista que necessita, em qualquer parte, sobretudo no nosso país, de
uma educação especial, que o torne apto à defesa da liberdade de opinião. É o próprio
povo, é o ouvinte, é o espectador do cinema e da TV, cujo dever fundamental é, sem dúvida,
preservar esse bem, legando-o, ampliado e firme aos seus pósteros, como o fizeram as
gerações passadas. (Beltrão, 1960, p. 184).
Beltrão conclui, retomando a constatação com que abrira seu livro, que um dos
motivos da falta de consideração do jornalismo pela sociedade brasileira, na época,
devia-se, justamente, à “falta de conformação do seu exercício [exercício do jorna
lismo] às normas da moral comum e da moral profissional”. (p. 199). Valeria a pena
que se examinasse, hoje em dia, a percepção que o cidadão brasileiro tem do jor
nalismo, ainda que se saiba que a imprensa é uma das instituições que, na atua
lidade, segundo pesquisas recentes, goze da maior credibilidade com o público.
Beltrão defende ainda que, embora o jornalismo deva servir, antes de tudo, à co
munidade em que é exercido, reconhece essa característica do jornalismo norte-
americano como um dos fatores de seu dinamismo e pujança. (p. 203). Quanto ao
Brasil, registra que o jornalismo brasileiro foi nacionalista antes mesmo de existirem
jornais, valorizando as ações de Tiradentes e de Frei Caneca como os pioneiros de
tal função, a que se seguiriam José Bonifácio, Cipriano Barata, Gonçalves Ledo e
Evaristo da Veiga.12 Relembra, ainda, o então e relativamente recente episódio do
escritor Monteiro Lobato que, justamente através da imprensa, lançara a campanha
do monopólio do petróleo. (p. 210).
Alerta, contudo, que o jornalismo tem compromisso com a paz mundial e daí que a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, defende a liberdade de
opinião e de expressão. Os debates em torno dessas liberdades continuariam ao
longo das décadas seguintes, separando cada vez mais os blocos liderados pelos
Estados Unidos e pela então União Soviética, como consequência da chamada
guerra fria existente entre os dois blocos. (p. 220ss). Escrito em 1959, o livro de
Beltrão não tinha como antecipar, evidentemente, os debates que resultariam na
Nova Ordem da Informação (Nomic), de que o Relatório McBride fora o propulsor,
nem nos eventos que se seguiriam à queda do Muro de Berlim e à derrocada do
sistema soviético.
Vale destacar, porém, no encerramento desta síntese, o registro com que Beltrão,
talvez um pouco idealisticamente, fechava seu livro: “O Brasil está em situação
privilegiada para defender e propagar, por um jornalismo livre, responsável e
12 José Marques de Melo tem-se preocupado em recuperar a memória e o significado desses pioneiros, organi-
zando trabalhos como Imprensa brasileira: personagens que fizeram história. São Paulo: Universidade Metodista;
IOESP, 2005. Seguiram-se mais três volumes, o último dos quais editado em 2009.
consciente, os princípios de uma paz duradoura, sob a égide da justiça e da
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fraternidade universal.” (p. 222).
Referências
BALZAC, Honoré de. Os jornalistas. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
BARRETO, Afonso Henrique L. Recordações do escrivão Isaías Caminha. 7 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1978.
BELTRÃO, Luiz. Iniciação à filosofia do jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1960.
FRASER, Bond. Introdução ao jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1962.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. (Ed.). Reportagens que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Bloch,
1973.
MELO, José Marques de. Imprensa brasileira: personagens que fizeram história. São Paulo:
Universidade Metodista; Ioesp, 2005.
PULLITZER, Joseph. A escola de jornalismo: a opinião pública. Florianópolis: Insular; UFSC,
2009.
RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. Rio de Janeiro: Kosmos, 1946.
RIZZINI, Carlos. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Nacional, 1977.
VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Cinema,
1959.