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Cinquentenário de publicação

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de Iniciação à filosofia do

Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 9, n. 18, jul./dez. 2010


Jornalismo, de Luiz Beltrão1
Fiftieth anniversary of publishing
of Iniciação à filosofia do
Jornalismo, of Luiz Beltrão
Antonio Hohlfeldt2

P
rofessor de Ética, Luiz Beltrão reuniu, em Iniciação à filosofia do Jornalismo,
um conjunto de reflexões que vinha desenvolvendo pelo menos desde
1951, a partir de sua participação em diferentes congressos e conclaves em
torno da atividade jornalística. A obra está claramente datada, não apenas pela perspectiva
adotada ou pelos conceitos desenvolvidos, mas porque o próprio autor fez questão de
registrar a época de sua criação, na página de fechamento da mesma – 1953-1959. Não
por acaso, ela assumiu a perspectiva filosófica e não apenas técnica do fazer jornalístico,
evidenciando a responsabilidade social que tal atividade representa à comunidade
humana. A obra, concluída em 1959, foi formalmente publicada em 1960,3 pela mesma
editora que já lançara o texto de outro pesquisador, o norte-americano Fraser Bond,4 e
que se tornara igualmente referência na bibliografia do país. Logo Beltrão seria também
uma citação obrigatória para todos os que qui­ses­sem refletir responsavelmente sobre
aquela atividade que, embora relativamente nova no País, contextualizava-se numa
sociedade que se industrializava, modernizava e massificava e onde, mais que nunca, o
jornalismo assumia papel central para o desenvolvimento social.

1 Trabalho recebido em 8-6-10. Aprovado em 11-6-10. Conferência apresentada na Universidade de Caxias do


Sul, em 12.3.10, por ocasião do início do ano letivo do Centro de Comunicação daquela instituição e em comemora-
ção a Luiz Beltrão.
2 Pós-Doutor em Jornalismo pela Universidade Fernando Pessoa, em Porto, Portugal. Pesquisador do CNPq. Pre-
sidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) (2008-2011); membro do
Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor). Professor de “Teorias da comu-
nicação”, de “Leituras em jornalismo” e de “Comunicação e opinião pública”, no PPGCOM da Famecos/PUCRS.
E-mail: hohlfeld@pucrs.br
3 BELTRÃO, Luiz. Iniciação à filosofia do jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1960.
4 BOND, Fraser. Introdução ao jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1962.
Um simples olhar ao sumário da obra nos esclarece a respeito de como a mesma foi
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pensada e organizada:
I Parte – “As manifestações do jornalismo”;
Hohlfeldt, Antonio. Cinquentenário de publicação de Iniciação à filosofia do Jornalismo, de Luiz Beltrão

II Parte – “Os caracteres do jornalismo”;


III Parte – “Os agentes do jornalismo”;
IV Parte – “As condições do jornalismo”.

Para justificar o esforço despendido neste trabalho, Beltrão registra, na Introdução,


o desapego que a atividade jornalística experimenta no Brasil. Reconhecendo a
deficiência na formação dos profissionais, propõe-se, por isso mesmo, a reunir
algumas ideias que havia desenvolvido ao longo dos últimos anos, mesclando a
larga experiência de prática pessoal que acumulara, com aquela, mais recente, de
professor em um curso de formação profissional de jornalistas.5

Na primeira parte, vamos encontrar um esboço histórico bastante amplo, que se divide
entre pré-história e história, e que, então, se desdobra numa série de outros movimentos.
Na fase pré-histórica, e seguindo tendência então existente,6 Beltrão dilata bastante o
conceito de jornalismo para poder falar da China do ano 2200 a.C. em que, para ele,
se iniciam atividades que poderiam ser consideradas como jornalísticas, desde sua
forma escrita até a transmissão de mensagens através de mensagens luminosas. O
Egito está, também, incluído nessas primeiras referências. (1960, p. 24).

Quanto à fase histórica propriamente dita, ela começaria com as acta publica
romanas e se desdobraria até o século XI, em que as informações se difundiam
pelas cantilenas (p. 24-25), até chegarmos ao Renascimento, quando “o jornalismo
se consubstancia nas folhas escritas à mão, geralmente de interesse para
comerciantes e navegadores” (p. 25), isso já ao longo do século XIII, entre ingleses,
alemães e franceses. O século XV, que assiste à invenção da tipografia, também vai
conhecer as gazzettas venezianas, ainda difundidas em folhas manuscritas, mas
logo a impressão gera interesse em alguns soberanos que decidem utilizá-las para a
divulgação de informações de seu interesse.

Esboçado esse largo quadro da gênese jornalística, Luiz Beltrão dá um saldo e o


atualiza agora sob a perspectiva brasileira. Parte ele da difusão oral de informações,
através das sátiras verbais, dos sermões, da correspondência e dos pasquins que,

5 Os cursos de Jornalismo no Brasil ainda eram recentes: a partir de 1953, a Faculdade Cásper Líbero criara o
primeiro curso, e a própria Universidade Católica de Pernambuco iniciara seu curso, no âmbito da Faculdade de
Filosofia.
6 Lembremos que Carlos Rizzini já publicara O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. Rio de Janeiro: Kosmos, 1946
e, em seguida, editaria: O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Nacional, 1977.
ainda antes da chegada da família real, em 1808, popularizam-se na Colônia

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portuguesa (p. 28ss).

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Volta, em seguida, o autor, para o desdobramento das atividades jornalísticas no
mundo ocidental, registrando a importância que o surgimento da matéria-prima
chamada papel teve sobre o jornalismo. Registra, então, que “o documento mais
antigo em papel, que se conhece na Espanha, é o Repartimiento de Valencia, feito
por Jaime I, de Aragon [sic], em 1237” (p. 33), para depois refletir a respeito da evo­
lução tecnológica que desde então se experimentou, chegando-se ao microfilme. O
autor avança, então, para uma breve referência ao jornalismo eletrônico, sem apro­
fundar, contudo, tal perspectiva. (p. 36).

É que, nesse momento, ele discorre sobre o rádio e o jornalismo oral (que já men­
cionara), reconhece a importância do telefone e da fita magnética para, em seguida,
mencionar uma curiosidade: a existência, na França de 1958, de uma revista cha­
mada Sonorama, que alterna páginas de papel com outras de material plástico em
que apresenta gravações as mais variadas, as quais podem ser retiradas e colocadas
no toca-discos para serem ouvidas! (p. 40-41).

Esse tipo de passagem, aliás, evidencia a preocupação que Luiz Beltrão tinha de
manter-se permanentemente atualizado. Para isso, valia-se de bibliografia científica
tanto quanto dessas informações esparsas, que eventualmente cir­culavam por suas
mãos, e que ele tratava de colecionar como nesse caso.7

Em seguida, Beltrão cuida do jornalismo pela imagem, a partir da charge. Passando pelo
desenho, “depois da palavra falada, [...] sem dúvida a mais antiga expressão jornalística do
mundo” (p. 42), registrando-a a partir de 15 mil anos a.C., ele chega à ilustração e à
caricatura, que as examina, primeiro, nas manifestações europeias e, em seguida, no
Brasil, a partir de Rugendas e Debret, até chegar à fotografia. Aqui, mais uma vez, ele recua
aos tempos de Leonardo da Vinci, que teria sido o primeiro a idealizar uma câmara escura,
até o século XIX, quando José Niceforo Niépce e Luis Mandé Daguerre inventam “o sistema
de gravar imagens em uma placa preparada com iodo e prata mercurial”. (p. 46).

O capítulo se completa com alusões ao desdobramento natural dessas conquistas,


isto é, o cinema e a televisão. Beltrão menciona o surgimento imediato, logo após a
descoberta do cinema, dos jornais de tela ingleses ou das actualités francesas.
Chama a atenção para o fato de que os irmãos Lumière, ao filmarem Chegada do
trem na gare de Ciotat, tornavam-se os primeiros cinerrepórteres do mundo. (p. 49).
7 Beltrão refere que sua fonte é a seção: “Rosa dos ventos”, do jornalista José Ricardo, divulgada pelos Diários
Associados, em dezembro daquele ano (isto é, 1958).
Seguindo o plano original da obra, desloca sua atenção mais uma vez para o Brasil,
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referindo trabalho recente, na época da escritura do livro, de Alex Viany,8 sobre os
primórdios da cinematografia nacional, registra algumas das produtoras então
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criadas e destaca a importância que o cinema alcança, mundialmente, com o


desdobramento da Segunda Grande Guerra.

Passa, então, à televisão, recapitulando as primeiras experiências de 1927, da Bell


Telephone e registra os números alcançados por essa indústria, mundial­mente con­
figurada, mostrando sua penetração entre o público e a preocupação que organismos
internacionais, como a Unesco, apresentam sobre ela (p. 57), reconhecendo que a
televisão se utiliza de técnicas próprias e que, portanto, diferencia-se do cinema.

Volta o autor a falar do Brasil, relatando a instalação da primeira emissora brasileira,


a TV Tupi, em 18 de setembro de 1950.

Esboçada essa perspectiva histórica, Luiz Beltrão dedica as três últimas pá­ginas
dessa primeira parte a discutir o conceito de jornalismo. Primeiro, como “atividade
essencial à vida das coletividades, como uma instituição social que, no mundo
inteiro, assume uma posição da mais alta relevância”. (p. 60). Responde, assim, ele
mesmo, à questão inicial em que lamentava o descaso em que a atividade jornalística
se encontrava no Brasil. Mas se mostra insatisfeito com essa definição e avança mais,
encerrando o capítulo com um conceito abrangente que, em última aná­lise, vai, a
partir de então, nortear todo o seu trabalho e também aquele livro: “Jor­nalismo é a
informação de fatos correntes, devidamente interpretados e transmitidos periodica­
mente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião
pública, no sentido de promover o bem comum.” (p. 62).

Retomemos o conceito, destacando seus diferentes comandos:


• informação de fatos correntes
• interpretados
• e transmitidos à sociedade
• para difundir conhecimentos
• e orientar a opinião pública
• no sentido de promover o bem comum.

São esses elementos que ele passa a examinar na segunda parte, sob o título geral:
“Os caracteres do jornalismo”, em que destaca a atualidade, a variedade, a
interpretação, a periodicidade, a popularidade e a promoção jornalísticas.

8 VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Cinema, 1959.
A atualidade é a característica predominante. (p. 66). O jornalismo deve relatar o que

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ocorre no presente, o que sucede naquele momento, mas também levar em conta o
seu desdobramento no futuro imediato. Depois de examinar rapidamente as relações

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entre jornalismo e história, ele ecoa, de certo modo, a liça de Hipólito José da Costa,
quando defende que o jornalismo é o conciliador do passado com o futuro, através do
presente, na medida em que sua luta constante é o da fixação da realidade.

Passa-se, em seguida, à variedade. Luiz Beltrão reconhece a função de diver­timento e


de espairecimento que desempenha o jornalismo. Daí a necessidade de novidade e, ao
mesmo tempo, de especialização, que iniciam com a primeira publicação de Émile, de
Girardin, em 1836, e se traduz nas rubricas editoriais. Um jornal moderno precisa trazer
a mais completa síntese dos acontecimentos e, ao mesmo tempo, apresentar-se
suficientemente segmentado para interessar aos leitores de toda uma família. (p. 75).

A categoria mais importante, do ponto de vista filosófico, é a interpretação. Para


além da seleção dos acontecimentos que vão virar notícia, é fundamental que o
jornal apresente comentários e projeções capazes de orientar o leitor sobre os
desdobramentos futuros de tais ocorrências. (p. 77). A interpretação jornalística,
contudo, difere daquela histórica, porque está jungida ao presente imediato. O
jornalista corre muito mais riscos de erro, porque está trabalhando em ci­ma do
acontecimento imediato, o que lhe exige discernimento e bom senso, imparcialidade
e honestidade. Beltrão distingue, então, o jornalismo extensivo, aquele circunscrito
à informação de última hora, ao intensivo, jornalismo de profundidade, que transforma
um periódico realmente em referencial para de­cisões as mais diversas. (p. 81-82).

Alternando categorias essenciais quanto à responsabilidade social do jornalismo com


aquelas que lhe são inerentes, mas mais externas, Beltrão discute, então, a perio­
dicidade, que reconhece ser a menos subjetiva e a mais formal, pois se refere aos
intervalos em que as informações-notícias são apresentadas ao público. Recuperando
a figura dos antigos pregoeiros e chegando às atuais manchetes, ele reconhece que o
jornalismo contemporâneo sofre a tirania do relógio, que constitui o que chamamos
dead line de fechamento de cada edição, se for jornalismo impresso; ou do segundo-
limite em que uma informação chegada à redação pode ser editada e incluída na
próxima edição do radiojornal ou do telejornal noturno. (p. 86 ss).

A popularidade é outra categoria examinada. Beltrão reconhece, por essa ca­te-


goria, a existência de uma constante disputa pelo público e pela audiência. Aqui,
ele volta a se preocupar com a história das tecnologias, lembrando des­de a ex­
pansão das estradas e dos serviços postais, que facilitaram a difusão das
informações, até o surgimento do telégrafo e de outras inven-ções, que colaboraram
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e impuseram crescentemente a preocupação com a rapidez na transmissão e a
amplitude na cobertura – física e temática – dos acontecimentos. Mas, por trás
Hohlfeldt, Antonio. Cinquentenário de publicação de Iniciação à filosofia do Jornalismo, de Luiz Beltrão

dessa rememoração, Beltrão está preocupado é em chamar a atenção para a


responsabilidade social do jornalismo. Por isso, lembra que entre a popularidade
e a liberdade de que necessita o jornalismo, coloca-se a censura e a publicidade,
a última característica da comunicação de massa, a tolher eventualmente o
responsável exercício do jornalismo. (p. 100).

Daí que a categoria seguinte, por ele examinada, é a da promoção, ou seja, da


responsabilidade do jornalismo que o leva a realizar campanhas cívicas, a se
preocupar com o bem comum em face dos interesses privados; a resistir aos
regimes totalitários que pretendem valer-se do jornalismo para a propaganda de
suas ideologias. (p. 103ss). Ele dedica toda uma passagem às relações entre o
jornalismo e o Direito – tema que ganha especial atualidade diante dos recentes
acontecimentos que vimos experimentando no Brasil, com a inexistência de
qualquer marco legal quanto à liberdade de imprensa e, ao mesmo tempo, com o
questionamento, pelo Superior Tribunal Federal, da profissão jornalística.

Aqui, o jornalista pernambucano propõe a substituição dos conceitos de jor­nalismo de


opinião e de jornalismo de informação por jornalismo eclético e jor­nalismo ideológico
que, segundo ele, seriam denominações mais compatíveis com o espírito do jornalismo
moderno. (p. 110). Para ele, o jornalismo eclético é aquele “que não subordina os seus
juízos a uma determinada doutrina, registrando os acontecimentos e como que neles
pondo as inferências acaso extraídas”, enquanto o jornalismo ideológico é aquele que
“possui um complexo de idéias que visa difundir e sob cujo crivo faz passar todos os
seus julgamentos e opiniões”. (p. 111). Para o jornalismo ideológico, Beltrão cita,
dentre outros, a revista Seleções do Riders Digest, nos Estados Unidos, o jornal
Osservatore romano, da Santa Sé, e a radioemissora Rádio Mundial, do Rio de Janeiro,
que tinha sido adquirida pela Legião da Boa Vontade, em 1955.

Observe-se que, mesmo no desenvolvimento de uma reflexão teórica como a


realizada em livro, Luiz Beltrão jamais se afasta da perspectiva jornalística, mantendo
exemplos atualizados e conhecidos do leitor, de modo a facilitar-lhe a compreensão
do que ele expõe e defende.

Na terceira parte de seu trabalho, chegamos aos agentes do jornalismo, que o autor
identifica como sendo o público, o editor, o técnico e o jornalista, exatamente nessa
ordem.
O público é o leitor, o ouvinte ou o telespectador, mas ele se caracteriza não pela

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passividade (como nas antigas teorias da comunicação, como a hipodérmica de
Harold Lasswell imaginava), mas pela iniciativa ativa. O público tem curiosidade e

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quer ser informado, distrair-se, emocionar-se ou receber informações. O público,
nesse sentido, toma iniciativas enquanto é agente jornalístico, ao enviar cartas às
publicações, atuar como colaboradores, etc. Se esses aspectos podem passar
despercebidos no momento atual, basta recuarmos e examinarmos os primeiros
jornais para nos darmos conta de quanto o público logo se torna importante: os
editores se dirigem ao leitor, ora explicando-lhe sua periodicidade, seu preço e os
modos de assinatura; ora se valendo de correspondência que esse mesmo leitor
cede ou envia ao jornal, para daí retirar informações – cartaz chegadas a um
comerciante; missiva enviada por um chefe militar, etc., por meio do que se atualiza
o conjunto de acontecimentos transformados em notícia para um outro leitor. (p.
118ss). Beltrão reconhece, por fim, na contemporaneidade, a importância, como
agente jornalístico, dos órgãos estatais, do que hoje deno­minaríamos Organizações
Não Governamentais, etc.

O autor conclui reconhecendo que, “em média, um sexto do trabalho jor­na­lístico


oferecido ao público pelos veículos de divulgação é de autoria e responsabilidade
do próprio público”. (p. 122). Por curiosidade, seria o caso de se analisar a ten­
dência atual, apresentada por alguns jornais, revistas ou radioemissoras, sem
esquecermos os mais variados sites da internet, em que se demanda a participação
do receptor, que pode não apenas sugerir pautas, mas enviar colaborações, con­
cretizadas em reportagens, entrevistas, notícias, fotografias, etc.

O segundo agente destacado por Luiz Beltrão é o editor. Historicamente, trata-se do


proprietário da prensa, hoje concessionário de rádio ou televisão. Para o autor, é o
mais importante agente. Ao tempo do jornalismo manuscrito, confundia-se o jor­
nalista com o técnico (aquele que sabia como transformar a informação para sua
divulgação. No caso, era alfabetizado. Mais adiante, possuía e sabia como fazer
funcionar uma prensa, etc.).

Se Balzac distinguiu o jornalista publicista do jornalista crítico, cada qual com seus
subgêneros, Beltrão simplifica a lista, separando o editor financista do editor
idealista. O primeiro toma o jornalismo como negócio e, portanto, valoriza o di­ver­
timento e a publicidade. Já o segundo coloca-se como re­pre­sentante de uma de­
terminada corrente filosófica e, por consequência, promove o panfletarismo e a
autocensura. (p. 124, 128). Beltrão, nessa pas­sagem, limita-se a caracterizar cada
um dos editores, sem avaliá-los, até porque cada um deles, certamente para o
próprio autor, apresenta elementos positivos e negativos, dependendo de como
exerce sua função. Beltrão encerra o estudo lembrando, ainda, do Estado editor,
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que consideraria o jornalismo como um serviço público. (p. 131). Reconhecendo
que, às vezes, o Estado exorbitou de suas funções; em situações ditatoriais, por
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exemplo, o autor de­fende essa atividade estatal como um editor idealista, para a
divulgação de certos e determinados atos jurídicos que lhe interessariam dire­
tamente, mas, sobretudo, à própria cidadania.

Beltrão, nessa passagem delicada, defende que o Estado editor não pode competir
com a empresa jornalística. Defende, pois, a livre empresa. Ao mesmo tempo, e
certamente motivado pelo clima que, ainda na época, persistia em torno da
importância de experiências ideológicas como a da União Soviética, valoriza tais
iniciativas. Além do mais, é bom lembrar que a própria Unesco valorizava tais práticas,
aliás, plenamente vigentes naquelas sociedades reconhecidas como exemplares da
democracia, como a Inglaterra e a França, onde um sistema empresarial convivia em
equilíbrio com o sistema estatal.

Deve-se registrar, por outro lado, que Luiz Beltrão se coloca, aqui, mais pragmático
do que outros promotores do jornalismo, como o controvertido Joseph Pulitzer que,
depois de todas as disputas que manteve com William Randolph Hearst, deixou,
como seu legado, não apenas uma bela soma para financiar um curso universitário
de formação jornalística quanto, em sua defesa, escreveu o importante texto A escola
de jornalismo: a opinião pública.9

O terceiro agente é o técnico, o que permite ao autor fazer uma nova rememoração,
primeiramente relembrando a fase da manufatura, até chegar à mecanofatura. O técnico
é um intermediário (p. 140) entre a atividade subjetiva e a objetiva do jornalismo.
Crescendo em importância, com a industrialização e a massificação, os técnicos “foram
os propulsores do progresso mecânico, respondendo ao apelo de popularidade crescente
do jornalismo”. (p. 145). Criticamente situado, contudo, Luiz Beltrão chama, a seguir, a
atenção para o que denomina problema da automatização, antecipando que

estamos em pleno curso de uma nova [e] grande revolução industrial, em que o ser humano
vai sendo substituído por servos-mecanismos, que não estão sujeitos nem à fadiga, nem
ao erro, nem às emoções, que alteram o metabolismo e desequilibram mesmo os mais
eficientes técnicos. (p. 150).

Mas alerta que tudo isso contribui para a criação de monopólios, graças à crescente
concentração de empresas no campo da comunicação social, à formação consequente
de trusts e à eventual dependência do conhecimento técnico que pode “subordinar
9 PULITZER, Joseph. A escola de jornalismo: a opinião pública. Florianópolis: Insular; UFSC, 2009.
o comportamento e os hábitos de vida dos homens aos interesses das máqui-

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nas”. (p. 155).

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Se levarmos em conta que esse texto foi escrito ao longo da década de 50 (séc. XX),
como registramos no início, não deixa de ser espantoso que Beltrão tenha antecipado
fenômenos que, nas décadas seguintes, e sobretudo nesses primeiros momentos do
século XXI nada mais fizeram que se ampliar. Não apenas devemos reconhecer aqui
as referências às concentrações empresariais, gerando megaempreendimentos que
hoje nos preocupam, não mais apenas em face do jornalismo, mas de todo o
fornecimento de equipamentos e produtos de entretenimento, quanto, lembrando que
ainda não se conhecia a internet, não deixa de ser irônica a observação final, se
lembrarmos que, na maioria dos casos, as redações de jornais, ao menos as brasileiras,
só receberam ar-condicionado quando foram instalados computadores, salvando os
jornalistas do inferno dos verões escaldantes e dos apertados espaços de produção
redatorial, como já documentara na década de 20 (séc. XX), o escritor Lima Barreto.10

Se Beltrão não chega a se referir explicitamente às conquistas tecnológicas que


logo se seguiriam, não deixa de evidenciar sua constante atualização ao falar de
tradutores eletrônicos, máquinas leitoras, calculadoras eletrônicas e tudo o mais
que ele aborda, nessa passagem, para valorizar os agentes de jornalismo como
definidores do futuro da atividade, quanto mais não seja por uma questão de
sobrevivência, “sobrevivência do espírito, da criação, da polivalência que caracteriza
a sua natureza e o seu ofício. Sobrevivência do jornalismo como informador e
orientador do homem social, como impulsionador do bem comum”. (p. 158).

Uma vez mais, conclui-se que a organização da obra não atende apenas a um requisito
de clareza ou objetividade pedagógica, mas, sobretudo, a uma perspectiva filosófica (e
ética), tão claramente expressa no título do livro. Por isso mesmo, essa terceira parte
se conclui pelo jornalista, máquina pensante, “que executa um trabalho criador e
inovador, polimorfo, e complexo” (p. 158), que resistirá naturalmente a uma eventual
ditadura dos computadores eletrônicos, segundo a expressão do autor.

Humanista por definição, Luiz Beltrão reconhece a importância da máquina, mas


renega sua ditadura. Daí a citação de Chesterton, segundo a qual a máquina deverá
ser, sempre, apenas “a doll, not an idol” (p. 159): a máquina ajuda o jornalista a se
libertar do tempo, a alcançar a liberdade do espírito, mas ela deve estar sempre a
serviço do homem.

10 BARRETO, Afonso Henrique L. Recordações do escrivão Isaías Caminha. 7. ed. São Paulo: Brasilense, 1978.
Numa discussão cada vez mais oportuna, Beltrão discute, então, os diferentes
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aspectos do jornalista. O jornalista deve ter vocação, é certo, traduzida na curiosidade,
que é inerente ao profissional; deve ser fecundo, ou seja, evidenciar a capacidade de
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produção e de trabalho criativo: “O jornalista deve adquirir conhecimentos, não ser


um jejuno em nenhum campo da atividade humana, possuir cultura geral e,
sobretudo, informar-se incessantemente do que vai pelo mundo, através de todos os
veículos ao seu alcance.” (p. 162-163).

Além das adversidades externas, o jornalista tem de lutar contra uma outra muito
mais grave, oriunda de sua própria fecundidade, que é a imaginação e a invenção
que podem levar a desfigurar a realidade. Daí que Luiz Beltrão passa a defender a
necessidade de um código de comportamento:

O jornalista tem a obrigação profissional de divulgar qualquer notícia comprovada que lhe
chegue ao conhecimento, o que não o priva – nem o redime, se acaso não obedece aos
estilos – de prever as consequências sociais dessa divulgação. Em pesar as obrigações que
tem para consigo e para com a sociedade em geral, em balancear o dever profissional e o
dever social, em conduzir-se, em caso de conflito, com senso de oportunidade e de
responsabilidade. (p. 167).

Isso é o que constitui o atributo de discrição que se exige do profissional. O pesquisador


cita, então, um fato conhecido – a entrevista do então ministro do Tribunal de Contas da
União, José Américo de Almeida, conhecido escritor, autor de A bagaceira, e antigo aliado
de Getúlio Vargas, na Revolução de 30, mas que dele se afastara após o Estado Novo
implantado em 1937. José Américo de Almeida preparava-se para ser candidato à
Presidência da República, em 1945, quando, ao fim da segunda Grande Guerra, tornara-
se difícil para Vargas manter o sistema ditatorial, quer por pressão das Forças Armadas,
quer pela pressão da própria opinião pública em geral, diante da contradição explícita de
o Brasil ter lutado ao lado dos Aliados, contra sistemas opressivos como o nazismo
alemão e o fascismo italiano, e manter um sistema também opressivo em seu próprio
território. Beltrão cita como autor da entrevista que acabaria sendo publicada pelo
Correio da Manhã, no dia 22 de fevereiro de 1945, sem que o DIP a censurasse, o que
significou um profundo golpe na ditadura, o jornalista Luís Camilo de Oliveira Neto. No
entanto, o que se sabe, hoje, é que essa entrevista teria sido realizada pelo então jovem
jornalista Carlos Lacerda.11 Certamente os historiadores do jornalismo brasileiro poderão
confirmar a versão de Beltrão ou corrigi-la: fica aqui, apenas, o registro.

11 Veja-se MAGALHÃES JÚNIOR, R. (Ed.). Reportagens que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Bloch, 1973. O texto
da entrevista, inserido no volume e atribuído a Carlos Lacerda, vem antecedido de uma passagem do diário do pró-
prio José Américo de Almeida, intitulada “Eles e eu”, de 1970.
No encerramento do capítulo, Beltrão insiste tanto no aspecto ético quanto no

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estético do trabalho do jornalista, o que influirá no estilo jornalístico. (p. 170).

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A quarta parte da obra: “As condições do jornalismo”, é uma espécie de coroação de
todo o trabalho. Aqui, Beltrão aprofunda as discussões em torno do problema da
liberdade e da responsabilidade. No fundo, era a sua grande meta, e por isso havia
batizado sua obra sob a perspectiva filosófica (que implicava ética).

A liberdade é um “valor inerente e essencial” ao jornalismo, garante o autor (p. 174),


sobretudo porque, na perspectiva de Beltrão, o jornalista é um intelectual. Compondo a
necessidade de liberdade com a de responsabilidade, o autor reconhece que os limites
da liberdade não pertencem apenas à ordem jurídica, mas são também morais, filosóficos
e religiosos. (p. 177). E agrega: “Era uma educação especial para a liberdade de opinar
que movia Joseph Pulitzer, na sua iniciativa vitoriosa de criar a Escola de Jornalismo na
Universidade de Columbia”, mas destaca:

Não é apenas o jornalista que necessita, em qualquer parte, sobretudo no nosso país, de
uma educação especial, que o torne apto à defesa da liberdade de opinião. É o próprio
povo, é o ouvinte, é o espectador do cinema e da TV, cujo dever fundamental é, sem dúvida,
preservar esse bem, legando-o, ampliado e firme aos seus pósteros, como o fizeram as
gerações passadas. (Beltrão, 1960, p. 184).

De outro lado, ele valoriza a responsabilidade, seja pela irreparabilidade do dano


infligido pelos órgãos jornalísticos (p. 188), seja diante das tentativas de pressão
que podem surgir da parte de indivíduos ou instituições política ou economicamente
poderosas. Relembra, então, o significado da ação do escritor Émile Zola, que assu­
mira a defesa de oficial de Artilharia do Exército francês Alfred Dreyfuss, injustamente
acusado de traição à pátria, em seu país, mobilizando a opinião pública e salvando
aquele militar, não apenas da morte como do opróbio que cairia sobre seu nome. Daí
que ele se tornaria a grande atração do I Congresso de Jornalistas ocorrido em
Londres, em 1893. Tanto nesse quanto no conclave que se seguiu, em Bruxelas, os
debates se centralizaram justamente na ética profissional. Também nos congressos
latino-americanos, em 1928, 1942 e 1945, os debates conduziram à aprovação de
um decálogo do jornalista. Condenando o jornalismo sensacionalista, pretendia-se
que “nenhuma notícia editorial nem anúncio que não seja próprio para um menino
ou menina de quinze anos deve ser publicada.” O jornalismo sensacionalista,
entendido como “sistema de concessões à curiosidade mórbida das mais baixas
categorias de leitores”, deve ser sempre condenado. (p. 191). Quanto ao Brasil,
Beltrão relembra a legislação portuguesa de 1821, mantida pelo País mesmo após
a independência política, mas reconhece que, em 1949, a “ausência de normas
éticas no jornalismo brasileiro” preocupou seriamente os profissionais reunidos no
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seu segundo congresso, em São Paulo, a que se seguiria o da Bahia. Desde 1939
discutia-se a criação de uma Ordem dos Jornalistas, a exemplo dos advogados –
Hohlfeldt, Antonio. Cinquentenário de publicação de Iniciação à filosofia do Jornalismo, de Luiz Beltrão

tema que, como se vê – continua em nossa agenda de debates profissionais.

Beltrão conclui, retomando a constatação com que abrira seu livro, que um dos
motivos da falta de consideração do jornalismo pela sociedade brasileira, na época,
devia-se, justamente, à “falta de conformação do seu exercício [exercício do jorna­
lismo] às normas da moral comum e da moral profissional”. (p. 199). Valeria a pena
que se examinasse, hoje em dia, a percepção que o cidadão brasileiro tem do jor­
nalismo, ainda que se saiba que a imprensa é uma das instituições que, na atua­
lidade, segundo pesquisas recentes, goze da maior credibilidade com o público.

Beltrão defende ainda que, embora o jornalismo deva servir, antes de tudo, à co­
munidade em que é exercido, reconhece essa característica do jornalismo norte-
americano como um dos fatores de seu dinamismo e pujança. (p. 203). Quanto ao
Brasil, registra que o jornalismo brasileiro foi nacionalista antes mesmo de existirem
jornais, valorizando as ações de Tiradentes e de Frei Caneca como os pioneiros de
tal função, a que se seguiriam José Bonifácio, Cipriano Barata, Gonçalves Ledo e
Evaristo da Veiga.12 Relembra, ainda, o então e relativamente recente episódio do
escritor Monteiro Lobato que, justamente através da imprensa, lançara a campanha
do monopólio do petróleo. (p. 210).

Alerta, contudo, que o jornalismo tem compromisso com a paz mundial e daí que a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, defende a liberdade de
opinião e de expressão. Os debates em torno dessas liberdades continuariam ao
longo das décadas seguintes, separando cada vez mais os blocos liderados pelos
Estados Unidos e pela então União Soviética, como consequência da chamada
guerra fria existente entre os dois blocos. (p. 220ss). Escrito em 1959, o livro de
Beltrão não tinha como antecipar, evidentemente, os debates que resultariam na
Nova Ordem da Informação (Nomic), de que o Relatório McBride fora o propulsor,
nem nos eventos que se seguiriam à queda do Muro de Berlim e à derrocada do
sistema soviético.

Vale destacar, porém, no encerramento desta síntese, o registro com que Beltrão,
talvez um pouco idealisticamente, fechava seu livro: “O Brasil está em situação
privilegiada para defender e propagar, por um jornalismo livre, responsável e
12 José Marques de Melo tem-se preocupado em recuperar a memória e o significado desses pioneiros, organi-
zando trabalhos como Imprensa brasileira: personagens que fizeram história. São Paulo: Universidade Metodista;
IOESP, 2005. Seguiram-se mais três volumes, o último dos quais editado em 2009.
consciente, os princípios de uma paz duradoura, sob a égide da justiça e da

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fraternidade universal.” (p. 222).

Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 9, n. 18, jul./dez. 2010


O Brasil ainda experimentaria, depois de 1964, uma nova ditadura. O livro de Luiz
Beltrão nunca mais foi reeditado, como é comum ocorrer no Brasil, mas ele se
manteria fiel a seus princípios e às suas preocupações, quer no estrito exercício de
suas atividades profissionais, quer como professor, pagando ele mesmo um alto
preço por essa coerência: apesar de ter sido o primeiro Doutor, com tese defendida
diante de uma banca internacional, seria expulso da sua cátedra universitária,
perseguido, proibido de exercer sua atividade e contestado censorialmente em suas
ideias. Não obstante, resistiu, persistiu e venceu. Sua obra continua a ser estudada
e, a cada ano, mais se evidencia a reflexão apropriada, responsável e pioneira de
suas pesquisas e de suas obras. Que o diga esta Iniciação à filosofia do jornalismo.

Referências
BALZAC, Honoré de. Os jornalistas. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
BARRETO, Afonso Henrique L. Recordações do escrivão Isaías Caminha. 7 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1978.
BELTRÃO, Luiz. Iniciação à filosofia do jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1960.
FRASER, Bond. Introdução ao jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1962.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. (Ed.). Reportagens que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Bloch,
1973.
MELO, José Marques de. Imprensa brasileira: personagens que fizeram história. São Paulo:
Universidade Metodista; Ioesp, 2005.
PULLITZER, Joseph. A escola de jornalismo: a opinião pública. Florianópolis: Insular; UFSC,
2009.
RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. Rio de Janeiro: Kosmos, 1946.
RIZZINI, Carlos. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Nacional, 1977.
VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Cinema,
1959.

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