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“JULIO DE MESQUITA”
TRABALHO BIMESTRAL 1
ASSIS
2016
Kabengele Munanga (1986), professor e antropólogo congôles que se naturalizou
brasileiro, publicou o seguinte trecho no livro intitulado “Negritude: usos e sentidos”:
Diante deste recorte citado acima, percebemos que a intenção do escritor é enfatizar
que o desafio em encontrar a identidade negra africana ainda é muito constante. Além deste
excerto, observa-se esta busca contínua em histórias, contos, entre outras formas de dar
vida novamente às situações enfrentadas pelo povo africano, inclusive oferecem à
sociedade e à nação uma maneira de se orgulharem de histórias ocorridas, de zelarem por
suas culturas e costumes, principalmente, protestam o abandono da síndrome de rejeição
desta identidade negra africana.
Por muito tempo os negros tomaram para si a discriminação imposta por outras etnias
(normalmente por países de primeiro mundo), a mesma que, juntamente com os valores
culturais e tradicionais dos africanos, serviram de inspiração para as obras discutidas e
analisadas em sala de aula.
Sabemos que por muito tempo os negros lutaram por liberdade física, psicológica e
cultural, no entanto, após a conquista por essa “liberdade”, estes ultrapassaram os limites da
literatura em si e a partir de então, alcançaram espaços como na política, na cultura, entre
outros âmbitos sociais, mas ainda sim não chegaram a uma igualdade plena.
Mia Couto, por exemplo, grande escritor de obras africanas, retrata em muitos de
seus contos maneiras para se adequarem as situações contadas, assim fazendo com que as
histórias únicas sejam neutralizadas, nos dando a oportunidade de apaixonarmos pelos
contos, personagens, no entanto, não nos deixando refletir apenas sobre as ocorrências
boas ou ruins. Couto nos oferece um mar de emoções e descobrimentos.
Afirmo que a definição de identidade pode ser bem mais ampla do que dito aqui,
devido aos inúmeros significados que devem ter nos dicionários, porém procuro ser breve e
digo que construir uma identidade é algo associado à posição social, cultural, econômica,
étnica, política e territorial, ou melhor, quando se está em processo de aceitação, a intenção
é adaptar-se às regras dos grupos nos quais deseja inserir-se e procurar ser mais
semelhante aos pertencentes deste, para não atrairmos olhares de indiferença ou de
insatisfação, assim tenta igualar-se aos padrões oferecidos. Sintetizando, o conceito de
identidade está relacionado aos aspectos individuais e plurais, porém é possível dizer que se
assimilam os valores culturais, sociais e econômicos do branco, abarcando discursos
pseudojustificativos e inúmeras acepções da negritude.
Além disso, em uma das confederações organizadas pelo TED (ONG que produz uma
série de conferências realizadas em diversos países), a fim de trazer novas perspectivas e
discussões sobre temas que precisam de atenção, Chimamanda Adichie narra um
fragmento de sua história demonstrando o quão vulneráveis tornamos face a uma única
história.
Sabemos que existem os mais diferenciados países na Terra e com culturas muito
adversas, contudo, o mais incrível é que dentro de um único país existem variadas tradições,
e muitas vezes não se tem conhecimento sobre elas, bem como os mais distintos costumes
possíveis. Portanto, nota-se nos contos, como por exemplo, do menino Azarias que não
tinha conhecimento de minas terrestres, apenas de seres que foram narrados a ele devido à
tradição. No entanto, quando busca-se investigar diversas histórias, se vive a quebra da
parcialidade no que se transmite aos outros indivíduos.
Assim como os contos de Mia Couto que abrange temas como a “identidade”, Adichie
também retrata este como um de seus assuntos escritos em três livros, no qual seus
trabalhos coexistem de maneira profunda com o país de origem, cuja mesma articula
inúmeras experiências de vida e produz uma impressão complexa de história e violência,
bem como relatada por Couto, em que insiste em falar das guerras civis de forma insistente.
Vamos às analogias:
Observa-se que Azarias (um nome escolhido pelo escritor de maneira emblemática,
porque a vida do garoto era constituída por historias de azar) é órfão, ou seja, era um
menino sem identidade que no decorrer da história tenta encontrá-la em todo momento. Este
tenta descobrir o porquê do boi Mabata-bata ter explodido e para obter a resposta, o menino
recorre a uma tradição africana: “Interrogou o horizonte [...]” (6º parágrafo), e esta nos
evidencia que Azarias possui uma forte presença das tradições, assim como vemos em
outras passagens do texto, quando o mesmo acredita que a “urina do nadlati” (deus do
trovão) poderia ter explodido o boi, entre outras passagens, pois ele recebeu estas tradições
dos demais personagens.
Quando os soldados noticiam que a explosão do boi foi causada por uma mina que
rebentou ao ser pisada pelo mesmo, o conto nos apresenta duas histórias, logo percebemos
que o menino Azarias, assim como Adichie, possuía apenas uma única história, visto que
Adichie, quando pequena, só conhecia os contos norte-americanos e concluía que o
restante do mundo era da mesma maneira. Já Azarias, não pensou na possibilidade do boi
ter explodido devido a mina, provavelmente instalada na pós-independência, uma vez que
não tinha conhecimento deste acontecido.
No fim do conto o menino, Azarias, morre ao pisar, também, em uma mina terrestre.
Em suma, observamos que Mia Couto descreve um contexto conflituoso e muitíssimo
atribulado em Moçambique, uma “guerra” entre a tradição e a presença dos colonizadores,
mas faz isto com uma forte presença cultural, nos mostrando que a literatura africana não
nos conta apenas fatos históricos, porém nos remete a eles.
Couto em “A última chuva do prisioneiro”, mais uma vez dá ênfase à água, visto que,
no primeiro conto o autor descreve o rio como uma passagem, e como se sabe, a água é um
elemento primordial para as histórias do mesmo, inclusive a água tem uma essência
simbólica em diversas culturas, em que geralmente pode significar: purificação, fonte de vida
e regeneração interior.
O que podemos notar além do fenômeno da água, é que o prisioneiro diz em alguns
momentos que os portugueses são culpados pela construção de cadeias, ou melhor, eles
nem sabiam o que eram cadeias antes destes terem colonizado a África, isto é, os
incidentes de pós-independência e guerra civil, trouxeram consigo algo que não eram de
natureza africana, sendo eles a falta de liberdade derivada das cadeias.
Ainda sobre o conto acima, nota-se que os personagens tinham uma única história,
ou seja, um enredo de metades e tristezas, no entanto, Couto oferece aos leitores e aos
próprios personagens, uma reconstrução de vida, no momento que os personagens vão
juntos, a procura da terra dos coqueiros, de uma nova história, ou de uma nova identidade e
talvez de uma eterna completude.
Mia Couto em “Nas águas do tempo”, inicia com o avô falando sobre as tradições, as
idas ao rio e das margens para o seu neto (que representa a esperança), logo, nota-se a
presença da recuperação da identidade e tradição que passa de geração para geração.
O avô crê nos sonhos e em algo que no início o garoto não vê, porém em uma
situação o neto diz compreender os panos que acenavam na margem, no entanto, na
terceira (o algarismo três é considerado número do mistério) e ultima ida ao rio, o avô desce
da canoa, vai até a margem e acena com o pano vermelho (no qual significa a vida) para o
neto, até que esse pano fica branco (que representa a morte). Observa-se que, o neto tem
uma única história para si até o instante que consegue ver seu avô na margem.
Neste conto, a água poderia significar uma passagem, já o tempo seria o decorrer dos
anos e das histórias de geração em geração que são realizadas mediante a oralidade, como
exemplo as contadas pelo avô, visto que ao pedir para que o menino não contrarie a
correnteza, pois poderia atrair consequências ruins, é uma transmissão de tradições, mais
especificamente de crenças espirituais, mas vai além disto, porque a água é também
definida como à origem de alguém ou algo, e o tempo a vivência na Terra, e por fim a morte
significa um recomeço.
Ainda sobre a obra referida acima, há uma construção de um elo entre o avô e o neto,
levando a uma compreensão do passado e de uma perpetuação de um presente. Nota-se a
presença de influência de zelo pelos costumes, pela cultura e até mesmo pela busca
contínua de identidade, que é orientada pelo avô (simboliza alguém sábio, devido à idade e
sua experiência que o conduzia) e direcionada ao neto, para que tenha uma continuidade.
A mãe do menino, que era muito mais racional, não gostava das viagens dos mesmos
até o rio, talvez seja pelo medo dos desastres que ocorreram em consequência das minas
terrestres e devido às tradições e costumes das histórias de fantasmas.
Observa-se a procura da identidade da sociedade moçambicana ao deparar-se com a
leitura deste conto, visto que, Mia Couto busca a mesma mediante a identidade narrativa, de
geração para geração, ou melhor, por meio da ficção e os mais diferenciados aspectos
linguísticos, inclusive, volta à escrita para muitas tradições, tentando recuperar uma África
antes do sistema colonial por intermédio do entendimento antigo.
Vemos que Gigito (quem “abre” os olhos do cego) é o guia do cego Estrelinho, que
narra os acontecimentos da vida e as paisagens, mas de uma maneira bem diferente
daquela em que viviam na realidade, de forma imaginária, utópica, ou seja, Gigito não
contava o que realmente acontecia naqueles momentos de guerras, e sim como seria o
mundo sem elas, um mundo mais bonito.
No entanto, Mia Couto leva Gigito para guerra, isto é, tira os olhos do cego Estrelinho,
faz com que ele conheça o outro lado do mundo, as guerras, assim fazendo com que a
história única do cego venha ser recontada e, como novo guia e olhos de Estrelinho, Couto
dá vida à Infelizminha, a mesma retrata as paisagens e acontecimentos de modo muito
nítido e real.
Ainda sobre o conto acima, Couto nos oferece duas histórias, a real e a como
desejaríamos que fosse, ou melhor, Gigito e Estrelinho tinham o poder da criatividade, e
claro, da alma, afinal, o primeiro guia criava ótimas visões para o cego, e Estrelinho
enxergava com o coração, em contrapartida, Infelizminha não conseguia nem criar e muito
menos ser sensível ao relatar as situações ao ceguinho.
Gigito sabia proteger o cego e como oferecer a ele aquilo que o mundo não tinha,
mas notamos que Estrelinho só passa a imaginar e “ver” quando percebe que mesmo sem
Gigito pode imaginar, interpretar e passar possíveis respostas para Infelizminha, e juntos
buscarem a utopia, como em outros contos.
Um número característico dos contos do Mia Couto que vê-se na obra “Chuva: a
abensonhada” e também em outras histórias, sendo uma delas: “Nas águas do tempo” é o
algarismo três, que significa um número transcendental (“que pertence à razão pura, a priori,
anteriormente a qualquer experiência, e que constitui uma condição prévia dessa
experiência: segundo Kant, o espaço e o tempo são dois conceitos transcendentais”), ou
melhor, é um número vital.
Vemos que Tristereza (uma das personagens) é totalmente crente ao que se diz
sobre os benefícios da chuva e esta acredita que a chuva é resultado das rezas e claro,
devido o fim das guerras em Moçambique, mas para explicar a chuva, a mesma tem uma
definição muito associada às tradições moçambicanas, dizendo “Lá em cima, senhor, há
peixes e caranguejos. Sim, bichos que sempre acompanham a água”. (9º paragrafo).
REFERÊNCIAS
COUTO, Mia. “O dia em que explodiu Mabata-bata”. In: Vozes anoitecidas [contos].
Lisboa: Editorial Caminho, 1987.
COUTO, Mia. “A última chuva do prisioneiro”. In: Contos do nascer da Terra [contos].
Lisboa: Editorial Caminho, 1997.
COUTO, Mia. “Nas águas do tempo”. In: Estórias abensonhadas [contos]. 2ª ed. Lisboa:
Caminho, 1987.
COUTO, Mia. “O cego Estrelinho”. In: Estórias abensonhadas [contos]. 5ª ed. Lisboa:
Caminho, 1994. p. 27-32.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986, p. 43-44.