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Claudio Zannoni
Maria Mirtes dos Santos Barros
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre o maracá, instrumento
musical idiofônico presente em todas as culturas indígenas do Brasil, focalizando as sociedades indígenas
Timbira e Tupi que habitam no Estado do Maranhão. Essa abordagem trata também da origem mítica desse
instrumento sonoro, de sua confecção, como também analisa sua relação com o mundo espiritual indígena,
enquanto “voz” dos espíritos. Apresenta ainda uma breve abordagem de rituais iniciáticos que autorizam
homens a tocarem esse instrumento.
Palavras-chave: Povos Indígenas do Maranhão. Maracá. Voz dos espíritos. Rituais.
Abstract: This paper aims to present a study on the maracá, musical instrument idiofônico present in all
indigenous cultures of Brazil, focusing on indigenous societies Timbira and Tupi living in the state of Ma-
ranhão. This approach also addresses the mythical origin of this instrument sound, his cooking but also
examines its relationship with indigenous spiritual world, while "voice" of the spirits. It also presents a brief
overview of initiation rituals that allow men to play this instrument.
Keywords: Indigenous Peoples of Maranhão. Maracá. Voice of the spirits. Rituals.
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo presentar un estudio sobre el maracá, instrumento musical
idiofônico presente en todas las culturas indígenas de Brasil, centrándose en las sociedades indígenas Timbira
y Tupi que viven en el estado de Maranhão. Este enfoque también aborda el origen mítico de este instrumento
musical, su cocina, sino también examina su relación con el mundo espiritual indígena, como la "voz" de los
espíritus. También se presenta una breve descripción de los rituales de iniciación que permiten a los hombres
a tocar este instrumento.
Palabras clave: Pueblos indígenas del Maranhao. Maracá. La voz de los espíritus. Rituales.
maioria dos rituais da vida dos povos indíge- vável que possa pôr em risco a harmonia da
nas brasileiros. comunidade, embora que temporariamente.
Se entre os Krikati o uso desse instrumen- Vale observar que deles só se retiram as en-
to é prerrogativa apenas de um cantor, entre tranhas, permanecendo, portanto, inteiros, só
os Tenetehara, ele é conduzido por vários can- sendo feitos em pedaços no momento mesmo
tores simultaneamente, cada um contribuindo, do cozimento.
à sua maneira, com a realização do ritual. Se Estamos diante de uma experiência sen-
entre o primeiro povo ele é específico daquele sorial de extrema importância. Não é pela
determinado cantor e naquela circunstância, linguagem da fala, com seus conceitos, que
para o outro ele pode ser conduzido por qual- se estabelece o “diálogo com o mundo para-
quer homem iniciado no maracá. lelo”, mas através do som, elemento univer-
Nos rituais de iniciação tenetehara, ele sal que, no caso do maracá, marca o ritmo,
tem uma função particular que, conforme de- mas não a intensidade da emoção somada ao
poimentos colhidos, serve para apaziguar os canto que é o som domesticado pela cultura
espíritos presentes no ritual, ao mesmo tempo através da língua.
em que marca o ritmo da cantoria. Por outro lado, o maracá abre “a porta” do
Para a iniciação masculina, ele representa universo paralelo para que cada categoria de
uma insígnia que diferencia a vida do rapaz, espíritos esteja alerta para aquilo que a so-
que passa a utilizá-lo como iniciado. Para a ciedade, através do pajé, quer dizer ou pedir
moça, e para as mulheres em geral, ele é a eles.
um objeto interdito, isto é, elas não podem Embora não haja um altar de sacrifícios
tocar nele, embora não se conheça nenhuma para uma oferenda às divindades, que ali não
restrição quanto a visualização do maracá. existem, não se pode negar que, pela quan-
Porém, sendo esse um instrumento musical tidade de animais abatidos para o ritual, tra-
indispensável a qualquer ritual tenetehara, ta-se de um sacrifício. Do contrário, se fosse
representa um suporte ao canto e, portanto, somente pelo suprimento da carência de pro-
uma maneira de, através dele, o cantor entrar teína por que se deveria cantar para as carnes
em contato com os espíritos que devem ser todas as noites?
apaziguados para que essa moça goze de boa Através da carne moqueada, os espíritos
saúde como mulher, com maturidade biológi- são trazidos para o ritual. Esses mesmos es-
ca para procriar. píritos provocam medo, mas consentem que
É com a carne de alguns animais, caçados a vida dos humanos continue alimentando,
apropriadamente para o ritual, que o corpo protegendo e curando-os. Dessa maneira a
dela será “fechado” para doenças oriundas do sociedade precisa da natureza e dos espíri-
mundo espiritual, por quebra de tabu ou por tos que a povoam. Há, portanto, uma relação
outros motivos. mantida através da tensão. Embora seja per-
Talvez por isso se cante para os animais mitido ao homem caçar, este homem estará
mortos durante todo o período que antecede a sempre sob a vigilância dos espíritos proteto-
festa. Comer da carne desses animais, nesse res dos animais; mas, como cantor, através
momento crucial, é entrar em comunhão com do maracá, ele mediará a relação entre seu
o mundo paralelo, poder nele incursionar sem, mundo e o mundo paralelo.
contudo, com ele se confundir.
Quem são esses animais? O que fazem
eles na festa da moça? São hóspedes ilustres, NOTAS
por isso se canta para eles? Galvão, já citado 1. Martin Scorcese. Feel like going home. DVD FO-
anteriormente, diz que se canta (trazendo o CUS filmes.
mel para aldeia) para que esse não fique triste. 2. Achamos interessante que se tenha propos-
Essa pode ser uma das razões pela qual se to justamente nestes termos: “mundo parale-
canta para os animais moqueados. Observa-se lo”, conceito mais abrangente do que “mundo
que quando se tem caças moqueadas na aldeia, sobrenatural” ou “outro mundo”, com o qual,
como é sabido, os cantos xamanicos visam es-
é necessário que os cantores se disponham a
tabelecer contato. Em se tratando de “mundo
cantar todas as noites para elas. Assim, nesse paralelo”, cremos que se pode pensar também
período, não pode haver desavenças entre os no mundo dos animais, das plantas, no mundo
donos do moqueado, isto é, os pais das moças da natureza.”(AYTAI, 1999, p.82)
em situação de liminaridade e os cantores. 3. Povo Indígena de língua tupi que habita o Mara-
Não podem também assumir conduta repro- nhão (Guajajara) e o nordeste do Pará (Tembé).
4. Povo Indígena de língua jê, da família timbira, LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Belo
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