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Itararé – SP – Brasil
v. 04, n. 01, jan./jun. 2013, p. 28-42. FAFIT/FACIC
Resumo
O presente estudo tem por objetivo discutir os modelos das universidades americanas
proposto por Robert Paul Wolff, em “O ideal da universidade”. Trata-se de um estudo de
natureza bibliográfica. São propostos quatro modelos idealizados de universidade: a
universidade como santuário do saber; a universidade como campo de treinamento para
as profissões liberais; a universidade como agência de prestação de serviço; a
universidade como linha de montagem para o homem do sistema. O primeiro modelo é
pensado história da universidade. O segundo modelo é atual. O terceiro é uma projeção
baseada em tendências atuais. O quarto é uma crítica radical da universidade. Conclui-se
que, enquanto tipos ideais, os modelos servem de suporte teórico para a análise de
realidades distintas.
Palavras-chave: modelos de universidade, “O ideal da universidade”, Robert Paul Wolff.
Abstract
This study aims to discuss the models of American universities proposed by Robert Paul
Wolff in "The ideal of the university". This is a study of nature bibliographic. Are proposed
four idealized models of university: the university as a sanctuary of scholarship, the
university as a training camp for the professions, the university as a social service station;
the university as an assembly line for establishment man. The first model is drawn from
the history of the university. The second model reflects its present character. The third is a
projection of present trends and thus is a prediction of the shape of the university to come.
The fourth model is a radical critique of the university. It is concluded that, while ideal
types, models serve as a theoretical basis for analysis of different realities.
Keywords: models of university, “The ideal of the university”, Robert Paul Wolff.
1. Introdução
Universidades foram criadas por todos os tipos de motivos: para preservar uma
velha fé, para granjear prosélitos para uma nova fé, para treinar trabalhadores
habilitados, para melhorar o padrão de profissões, para expandir as fronteiras do
conhecimento e mesmo para educar os jovens. (WOLFF, 1993, p. 25)
Outro aspecto levantado por Wolff (1993) para refutar a construção de um conceito
delimitado de universidade, com propósitos definidos, é o fato de que a seleção de um
dos propósitos da universidade como o propósito, determinaria um quadro no qual a
maioria das assim chamadas universidades não seriam realmente ‘universidades’.
Em O ideal da universidade são esboçados quatro modelos de universidades. Para
o Wolff (1993, p. 26):
Os quatro modelos esboçados por Wolff (1993) são: a universidade como santuário
do saber; a universidade como campo de treinamento para as profissões liberais; a
universidade como agência de prestação de serviço; e a universidade como linha de
montagem para o homem do sistema.
Discutir cada um dos modelos é o objetivo deste artigo de natureza bibliográfica.
Antes de passar a discussão é importante destacar, pensando no cenário educacional
brasileiro, que o modelo universitário americano serviu de base para a montagem da Lei
nº 5.540/68 e as que a sucederam.
2. O ideal da universidade
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se mantém afastada das questões imediatas da ordem social. Quieta,
contemplativa, freqüentemente celibatária, ela é avivada por disputas livrescas de
notável virulência em que uma nota de rodapé pode ferir tão profundamente como
uma espada e uma resenha pode esmagar com força fatal. Os eruditos
verdadeiramente grandes são homens de enorme estatura no mundo universitário.
Por menos atraentes que possam ser em sua aparência e em sua fala, uma aura
os circunda como a que desce sobre o ganhador de um Prêmio Nobel (WOLFF,
1993, p. 29).
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Esperava-se desenvolver no estudante iniciante a sensibilidade e receptividade que o
permitirá compartilhar da tradição oriunda dos grandes pensadores com seus
companheiros iniciados.
Os eruditos são homens conhecedores das principais obras do espectro da
tradição e com seu trabalho preservam os grandes textos. A universidade assim
concebida agrega uma comunidade de intelectuais e estudantes que aprofundam
discussões em uma leitura comum, a qual é acessível para poucos especialistas. Os
estudantes, de um modo geral, mesmo não sendo detentores da condição de
especialistas, constituem uma platéia informada. Para Wolff (1993, p. 32),
Trata-se de um modelo que encontra muito pouca oposição real aos ideais e ao
tipo de atividade do erudito. Para Wolff (1993), mesmo os entusiastas de outras tradições
como os da pesquisa científica e da prestação de serviços reconhecem essa atividade e
concordam que os intelectuais humanistas devem fazer parte de qualquer projeto de uma
Universidade Ideal.
O problema que fica é que, em alguns casos, a erudição torna-se o único
conhecimento válido nas universidades. O modelo é, dentro do estágio atual das ciências
modernas, fora de seu tempo.
Wolff (1993, p. 34) conclui sua exposição sobre o modelo com as seguintes
palavras: “na minha universidade ideal, embora talvez não na sua, um canto tranqüilo
será separado para o erudito; e eu lhe concederei assim uma deferência que não
mostraria a homens meramente ricos ou poderosos”.
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Uma característica notória das profissões liberais é o credenciamento profissional.
Nesse credenciamento, o profissional submete seu trabalho à avaliação de outros
membros da profissão, o que, na sociedade americana, confere alto status social às
profissões detentoras de autonomia para tal prática. Trata-se de um poder que confere
dignidade profissional.
O alto status e, por extensão, os elevados salários pagos a profissionais liberais
serviram para a profissionalização de diferentes papéis ocupacionais. Ao quarteto
tradicional – Direito, Medicina, Teologia e Filosofia – muitas outras categorias
profissionais liberais se juntaram. No que tange à organização dessas “novas” profissões,
Wolff (1993, p. 37) faz o seguinte comentário:
Em cada etapa, os mesmos passos foram dados: em primeiro lugar, afirma-se que
a atividade baseia-se num conjunto de conhecimentos e técnicas que podem ser
formulados em princípios e ensinados em sala de aula; conclui-se, então,
naturalmente, que um profissional competente pode ensinar a atividade a outros e
julgar se o aluno a dominou; segue-se daí que escolas profissionais deveriam ser
criadas, exigências de admissão fixadas, diplomas concedidos e comissões
oficiais de credenciamento indicadas, de modo que somente aqueles qualificados
a praticar a profissão estarão legalmente autorizados a fazê-lo. Em alguns casos,
o nível mais alto de profissionalização é alcançado e os profissionais reservam-se
o direito de julgar quais fins seus clientes deveriam almejar, bem como quais
meios deveriam empregar.
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Essa última exigência tem uma clara ligação com a questão da conduta e do estilo
da educação na graduação. Sobre o assunto, Wolff (1993, p. 41-42) faz a seguinte
manifestação:
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O treinamento profissional objetiva alcançar a qualificação através do domínio
evidente de um conjunto de tópicos e de um repertório de habilidades. Está
impregnado de normas distintivas da profissão, as quais se espera que o
candidato internalize e a elas se amolde. O papel social, o status, a renda e, em
medida considerável, a autoimagem do candidato serão definidos pela profissão
para a qual ele se prepara. Essas características de treinamento profissional, e
não o grau de generalidade ou de especificidade dos tópicos aprendidos, separam
o treinamento profissional de outras formas de educação.
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novo nem sempre permeia o tradicional; alguns setores, como as ciências naturais, são
tradicionalmente abertos às mudanças, outros, como as ciências humanas, situam-se em
um polo oposto. O fato reflete tanto na prática docente como discente.
Na prática, a multiversidade não é uma simples receptora de benefícios sociais. Ela
é um elemento altamente produtivo da economia americana. Com corpo docente
qualificado, a multiversidade desenvolve atividades que revertem montantes significativos.
Entre as atividades desenvolvidas estão aquelas que exigem perícia técnica ou
habilidades teóricas, como a produção de novas tecnologias. Para Wolff (1993), essas
agências de prestação de serviços são verdadeiras holding companies da indústria do
saber.
A multiversidade, assim, serve a propósitos da sociedade mais ampla. Os
propósitos são os mais diversos possíveis. Sendo assim, nada mais natural que tratar
essa variedade de propósitos, que muitas vezes é conflitante, com uma universidade
inteiramente diversificada, nem que o preço a ser pago seja a unidade e a harmonia de
outrora.
Uma das críticas mais contundentes ao modelo é que a escolha de um único ou
poucos interesses sociais, quaisquer que sejam eles, representa uma perda para todas,
exceto para a fração da sociedade beneficiada. Wolff (1993) refuta a crítica argumentando
que a mesma é feita com base num elitismo reacionário na educação. A refutação é
sustentada em três pontos principais - a tradição, a justiça e a utilidade social. Para o
autor,
A justiça social, bem como a história, exige que a universidade sirva à sociedade
na qual ela se insere. Ela é, afinal, parasítica em relação à comunidade,
consumindo recursos como os mosteiros faziam outrora. A contabilidade social
pode ser um pouco obscura, mas em algum lugar, de algum modo, os professores
e os estudantes estão vivendo do trabalho das classes trabalhadoras. E quanto
mais puras, quanto mais intelectualmente meritórias forem as atividades da
academia, tanto mais parasitárias serão. É certamente razoável que os seus
beneficiários devam devolver uma parte do seu valor à sociedade, na forma de
inovação tecnológica, consultoria especializada, treinamento profissional e
cooperação em empreendimentos socialmente úteis. (WOLFF, 1993, p. 59)
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camadas inferiores e um desdém em relação às camadas intermediárias. O
direcionamento, em muitos casos, da multiversidade para esses segmentos gera o
mencionado esnobismo.
A segunda queixa é a tendência existente de se minar a política interna da
academia. A multiversidade é caracterizada por apresentar grande dependência da
administração central para sua gestão, principalmente quanto mais numerosas e
diversificadas forem as atividades trazidas para a órbita dessa instituição. Em termos
práticos, a direção de uma instituição por seus docentes e discentes torna-se um
problema numa instituição com muitos corpos docentes e discentes e poucos, para não
dizer nenhum, laços coerentes de unidade interna. O reitor tem o poder de mandar por
delegação. Muitas das decisões tomadas sequer chegam ao conhecimento da
comunidade universitária. Wolff (1993), mesmo considerando procedente tal crítica,
entende que ela não é relevante.
Outra crítica, muito mais grave, é feita em relação ao fundamento lógico da
multiversidade. Esse fundamento, explica Wolff (1993), é defendido com a ardilosa noção
de “necessidade social”. Tudo é justificado por essa necessidade, sem uma distinção do
que é uma demanda efetiva ou de mercado e o que é necessidade social ou humana. O
fundamento conforma-se como uma perfeita expressão da ideologia liberal.
O mercado livre tradicional apresenta como fundamento lógico duas suposições
erradas. A primeira suposição considera que todas as necessidades humanas são
necessidades sentidas. A segunda suposição considera que necessidades sentidas numa
sociedade de mercado são expressas por uma demanda efetiva.
A teoria clássica, por sua vez, é eximida de julgamentos morais. A felicidade é a
única coisa realmente boa; a felicidade é alcançada com a satisfação de qualquer desejo
que uma pessoa possa ter. Assim, os desejos dos homens transformam-se em uma
demanda declarada, para qual surgirá na sociedade elementos capazes de a
satisfazerem.
Wolff (1993) não concorda com nenhum desses posicionamentos. Para o autor,
existem inclusive autores que, em direção oposta, chegam a advogar que a demanda de
mercado efetiva é uma verdadeira necessidade humana. Na prática, “o resultado é uma
racionalização ideológica velada de quaisquer que sejam os desejos humanos ou sociais
que por acaso sejam patrocinados por dinheiro ou poder suficientes para transformá-los
em demanda efetiva” (WOLFF, 1993, p. 66).
A grande questão é que muitas vezes necessidades humanas não podem ser
expressas de forma adequada como demanda de mercado. A multiversidade busca
continuamente o atendimento das necessidades nacionais, que são apresentadas como
verdadeiras necessidades sociais e humanas. No entanto, assevera Wolff (1993), a
tendência não passa da multiversidade se ajustar à demanda efetiva na forma de
subvenções, programas de bolsas de estudos e assim por diante. Em última instância,
trata-se de aceitar os objetivos e os valores de quem tenha dinheiro para pagar por eles.
Wolff (1993) acusa que o modelo é um “aluguel da universidade”. Em seu
raciocínio, a universidade deveria fazer julgamento próprio do valor social das tarefas a
que é solicitada. Com a dependência demasiada de subvenções federais, a
multiversidade acaba ficando impedida de assumir posições contrárias a orientações,
evidentemente, equivocadas.
A última crítica, apresentada por Wolff (1993, p. 69), tem ligação com o papel da
multiversidade. Para o autor, se a multiversidade “é um instrumento do interesse nacional,
ela não pode então ser um crítico do interesse nacional, pois um instrumento é um meio e
não um avaliador de fins”.
Nos Estados Unidos, o poder do governo federal era tal que nenhum centro,
independente de sua atividade, ousa desafiar as políticas impostas. As grandes
universidades são, talvez, as únicas instituições com autoridade moral e intelectual para
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fazerem oposição a tal política. No entanto, a visão da universidade voltada para a
prestação de serviço compromete o cumprimento desse papel. Para Wolff (1993, p. 69-
70),
A visão que Clark Kerr tem da universidade voltada para a prestação de serviço
oferece uma grande escolha àqueles de nós que se preocupam com o futuro da
academia. Aceitará a universidade as interações simbióticas com o Governo que
são oferecidas atualmente? Devotará ela seus recursos à satisfação daqueles
desejos sociais que se fazem sentir como demanda efetiva? Ou permanecerá
institucionalmente distante e vai se contrapor ao momentum do Governo, da
fundação e da indústria? Não adiantará lutar por uma saída intermediária,
pensando que podemos aceitar o dinheiro do Governo e sermos aceitos nas
câmaras administrativas e ao mesmo tempo permanecermos livres para discordar.
Talvez pudéssemos persuadir a nós mesmos de que tal caminho é honroso, mas
temo que logo descobriríamos que na prática ele é impossível.
A teoria, que poderíamos chamar de heresia marxista vulgar, diz mais ou menos o
seguinte: a universidade na sociedade capitalista é (como) uma corporação
dirigida por administradores e curadores (e corpo docente – a teoria é confusa
sobre o papel dele) no interesse da instituição e dos capitalistas, muitos dos quais
se encontram em posições administrativas. Os estudantes são um proletariado
explorado e oprimido, maltratado e manipulado por seus patrões. A libertação virá
pela solidariedade, organização, e a deposição da estrutura de poder da
universidade, através de uma aliança de estudantes juntamente com os
professores mais novos que escolham ligar-se à classe de estudantes
progressistas.
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Para Wolff (1993), existem três razões principais para que esse modelo,
considerado por ele como uma grotesca deturpação do caráter da universidade,
agradasse os estudantes revoltosos:
- a retórica não original, que é marcada por slogans, gritos de ordem e símbolos,
associações emocionais entre outras formas semelhantes;
- a falsa ideia de que o rebelar dos estudantes (proletariado) contra os exploradores
capitalistas produz uma espécie de vanguarda para o futuro;
- o reconforto moral com a identificação de um proletariado sofredor, pautado na
velha crença judaico-cristã de que o sofrimento purifica e enobrece.
Wolff (1993) entende que essas razões, e a própria retórica utilizada – com marcas
do movimento da classe trabalhadora –, estão equivocadas. Uma análise quase marxista
da universidade, diferentemente do modo como foi feito pelo movimento dos estudantes,
teria a seguinte forma:
Partindo dessa interpretação, Wolff (1993) faz uma paródia comparando a indústria
com a universidade. O raciocínio apresentado é o seguinte: de uma forma geral, a
indústria produz uma oferta superior à demanda. A qualidade do produto é variável e, no
caso da universidade, existe uma eterna falta dos diplomas mais procurados. A demanda
é o preço, principalmente porque firmas de qualidade, através de técnicas oligopólicas de
controle de mercado, mantêm uma oferta artificialmente baixa. Singularmente, essas
firmas não exigem para seu produto o alto preço em moeda corrente. Na prática, as
universidades vendem seus diplomas com considerável prejuízo. A exigência é outra, ela
tem a forma de certos padrões de comportamento e desempenho. Os clientes que
adquirem diplomas de qualidade pagam o mesmo com dinheiro e esforço. O poder de
ganho e oportunidades dos detentores dos diplomas de qualidade é ampliado
sensivelmente. A demanda é ampliada e a briga pelo produto é feroz. Os trabalhadores
(leia-se corpo docente) têm poder considerável de negociação, mesmo privados da
negociação coletiva. Os clientes (estudantes), por sua vez, são privados de recursos
tradicionais dos consumidores como o boicote, à medida que existem muitos clientes em
potencial dispostos a tomarem seus lugares, se eles utilizarem o referido expediente.
Essa paródia que, no entendimento de Wolff (1993), apresenta algumas
incorreções, permite entender o cerne do descontentamento estudantil, o elevado preço
não pecuniário cobrado. No entanto, é importante frisar que as relações morais entre o
capitalista, o trabalhador e o consumidor e as existentes entre administradores, corpo
docente e estudantes são bastante distintas. A universidade não é uma firma capitalista
que tem como finalidade principal o lucro.
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As críticas dos estudantes radicais sobre o que está errado com as faculdades e
universidades, segundo Wolff (1993), podem ser perspectivadas em três fases. A primeira
fase é subjetiva, portanto, vaga, imprecisa e não articulada, talvez, um simples
sentimento. Nos Estados Unidos, os estudantes detentores dos melhores perfis estão
completamente descontentes com a educação que lhes é oferecida na universidade.
Destarte, parece óbvio que algo está errado quando os estudantes mais bem talhados
para a vida acadêmica numa determinada instituição são os que mais violentamente se
rebelam contra ela. Alunos que enfrentaram verdadeiras batalhas para a admissão em
uma universidade conceituada, descobrem que adentraram num sistema pouco
estimulante, restrito e cheio de exigências educacionais, por vezes, irrelevantes. A
educação especializada ou profissional acaba parecendo inútil e desinteressante.
Outro ponto destacado por Wolff (1993) é a relação dos estudantes com a sua
universidade. O estudante é parte de uma comunidade acadêmica que tem íntima ligação
com diferentes segmentos da sociedade. Essas ligações produzem ações práticas, das
quais, algumas delas, não são aceitas por estudantes radicais. Em relação a esse
estudante:
Tão forte é sua identificação com a universidade que, embora os rebeldes possam
criticá-la, condená-la, insultá-la, fechá-la e até mesmo – Deus nos livre – queimá-
la, a única coisa que eles não farão é simplesmente dar-lhe as costas e afastar-se.
Eles são verdadeiramente os filhos da universidade, e assim não é surpreendente
que seu supremo ato de rejeição seja sair dos muros da academia e à sombra
dela fundar sua própria Universidade Livre. Todas as coisas essenciais de uma
universidade podem ser aí encontradas – professores, estudantes, cursos,
bibliografias. Só que os títulos são diferentes: o teatro revolucionário, em vez de
Shakespeare; uma história das revoluções, em vez da história da França; táticas
de guerrilha, em vez de uma abordagem estatística do comportamento eleitoral.
Mas os currículos da universidade são flexíveis, e praticamente não há nenhum
curso de Universidade Livre que não possa ser confortavelmente acomodado num
estabelecimento vizinho (WOLFF, 1993, p. 78).
Em sua forma coerente, entende Wolff (1993), a crítica dos estudantes radicais é
colocada nos seguintes termos: a universidade não deixa de ser uma indústria na
sociedade capitalista, mas, diferente do que foi apresentado anteriormente na forma de
paródia, o diploma não é seu produto e os estudantes não são seus clientes. O produto
da universidade é o homem do sistema. Os clientes são instituições variadas, cujas
atividades destrutivas, repressivas e antissociais demandam trabalhadores leais e
submissos. Nessa ótica, os estudantes são a matéria-prima em que a universidade
amolda seu produto. Trata-se da etapa final de um processo iniciado antes mesmo da
escola primária.
O homem do sistema é um trabalhador altamente produtivo, que é produzido com
um alto custo. Consequentemente, quem adquire esse produto deve pagar um preço alto,
quer seja na forma de impostos ou contribuições “voluntárias”, às instituições formadoras.
Com essa lógica, uma instituição, que a primeira vista pode ser considerada sem fins
lucrativos e mantida com donativos de caridade, inserida como parte de uma economia
industrial avançada, torna-se extremamente lucrativa.
Considerando que a atividade da universidade tomou a forma de treinamento para
a formação de mão de obra e de disciplinar, depara-se com um problema real, cuja
solução exige criatividade do corpo docente e da administração. Neste ponto, Wolff (1993,
p. 79) faz uma síntese da crítica radical nos seguintes termos:
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não podem ser coagidos ou subornados para desenvolver os tipos de atividades
criativas necessárias para o crescimento econômico contínuo. A motivação deve
ser interna, e deve ser algo mais que mera ganância ou consumismo.
Ainda pautado na crítica radical, Wolff (1993) apresentou uma armadilha com que o
sistema e, por extensão, a universidade se depararam: homens, que são encorajados a
pensar e agir criativamente, podem começar a questionar o sistema para o qual estão
sendo preparados. Os questionamentos podem chegar à própria pedra fundamental do
sistema – a produção para o lucro e não para o uso. Em outros termos, a idealização do
homem do sistema pode gerar um opositor ao capitalismo e ao imperialismo. A repressão
da originalidade e iniciativa não é uma solução, à medida que o sistema será desfigurado
com a repressão do lucro.
Para os críticos radicais, além da formação desse homem, “deve-se achar um
modo de provocar um extravasamento de energia criativa em direções lucrativas, ao
mesmo tempo em que a atenção dos produtivos Homens do Sistema é desviada dos
atraentes males em injustiças do sistema social e econômico que estão para entrar”
(WOLFF, 1993, p. 79-80). Para os radicais, a finalidade oculta das faculdades e
universidades americanas é o cumprimento dessa dupla tarefa complexa.
Na prática, os estudantes são colocados em uma disputa desde as séries iniciais.
Tudo é feito para que eles se tornem cientes da competição que visa a desejáveis
posições nos níveis superiores. Para Wolff (1993, p. 80), “antes que se tornem
suficientemente maduros para questionar o valor dos prêmios que disputam, os alunos
são lançados numa desesperada competição pela faculdade, pela pós-graduação e pelo
que vier depois”. As recompensas para o sucesso são visíveis.
O modelo, marcado pela competição e busca do sucesso, reprime o estudante de
ver os males do sistema para o qual está lutando para entrar. A competição pelos cursos
profissionalizantes e de pós-graduação torna-se um fim único. Wolff (1993) destaca que o
sistema tem sido extremamente competente em neutralizar seus críticos.
A crítica radical aceita a universidade como um espaço de investigação e debate. A
questão pendente tem relação com o conteúdo da educação universitária: a forma derrota
o conteúdo, a teoria está divorciada da prática, a luta por notas tornou-se uma instituição
e a competição norteia a vida acadêmica.
A leitura que os radicais fazem desse cenário conforma a segunda crítica dos
mesmos. Essa segunda crítica tem um alvo mais amplo, a sociedade. A posição desses
estudantes é expressa da seguinte forma:
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ou meramente um paralelo extraordinário entre a universidade e a sociedade?; Como a
universidade reflete tão perfeitamente os valores da sociedade?
Para os radicais, existe uma imposição de valores sociais às universidades através
de financiamento da educação universitária e de ingerências na alta administração das
universidades. Como parte considerável do dinheiro das universidades vem da indústria,
das fundações e do governo, a sociedade passa a ingerir na academia.
Um exemplo típico são as bolsas de estudos fornecidas por esses segmentos
sociais. Esses segmentos oferecem auxílios financeiros para o desenvolvimento de
pesquisas de seu interesse. Citando o exemplo do governo, Wolff (1993, p. 83) descreve
o funcionamento médio do sistema como: “o governo põe à disposição das universidades
o tão necessário dinheiro das bolsas de estudo. As universidades respondem aceitando o
dinheiro e aplicando os fundos assim liberados a outras necessidades urgentes (tal como
salário do corpo docente)”.
O efeito prático dessa alocação é, em muitos casos, uma imposição para os
estudantes completarem seus estudos de pós-graduação em um tempo reduzido. Dessa
forma, o próprio sistema de pós-graduação é ajustado para que “o bom aluno comum”
possa concluí-lo no tempo estabelecido. Com efeito, uma louvável destinação de dinheiro
acaba comprimindo todo o estudo de pós-graduação num ritmo que não tem lógica com
as disciplinas oferecidas e a pesquisa solicitada.
Todavia não são apenas as pressões financeiras que pressionam as universidades,
os valores da sociedade são impostos, também, através do modo como a universidade é
dirigida. O argumento dos críticos é que “representantes do sistema militar-
governamental-industrial participam dos quadros dirigentes das universidades e escolhem
seus principais funcionários executivos. Embora os reitores das universidades sejam,
frequentemente, antigos professores, são selecionados por outros profissionais que muito
naturalmente elegem para as fileiras da administração somente aqueles cujas atitudes
são compatíveis com o sistema” (WOLFF, 1993, p. 83).
Para os extremistas, apenas a separação radical da universidade e da sociedade
pode modificar o quadro existente. Sem essa separação ou uma reorganização da própria
sociedade, a substituição de falsos valores por valores verdadeiros e de uma educação
para a repressão por uma educação libertadora não ocorrerão.
Para Wolff (1993), apesar de existirem pontos corretos nas críticas radicais, ela
está errada em vários pontos importantes. Para começar, entende o autor, apesar das
pressões sofridas pelas universidades e corretamente diagnosticadas pelos estudantes
radicais, a educação universitária é libertadora para a maioria dos estudantes. Ela ocorre
“por causa daquilo que a universidade é e não apesar daquilo que ela é” (WOLFF, 1993,
p. 85).
O autor entende que o problema existe e as soluções necessárias não se limitam a
soluções marginais, mas, para ele, “mesmo agora muitas faculdades e universidades são
muito mais livres, muito mais capazes de conduzir ao questionamento sério e ao debate
livre, muito mais comprometida com valores humanos que qualquer outra instituição
importante dos Estados Unidos” (WOLFF, 1993, p. 85). Na verdade, as rebeliões existem
em função da contradição entre uma tomada de consciência recente e a manutenção de
velhas exigências sociais impostas aos alunos.
Outra posição dos radicais que é objeto de discordância por parte de Wolff (1993) é
em relação à sociedade americana. O argumento apresentado para tal refutação é que as
universidades, apesar de algumas distorções, “são os centros mais importantes, viáveis e
únicos de oposição aos valores e políticas dominantes da sociedade” (WOLFF, 1993, p.
85). Sendo assim, aduz o autor, “o papel de oposição da universidade se origina de sua
própria natureza como centro de livre investigação. Contra todas as pressões da
sociedade mais ampla, faculdades e universidades nos Estados Unidos têm estado, há
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meio século, na vanguarda da reforma social progressista e da crítica social” (WOLFF,
1993, p. 85-86).
3. Considerações finais
Referência
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