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filosofia da educação

texto 2

A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DA
EDUCAÇÃO
e o estatuto da teoria

Muitas vezes, no passado, o ensino da filosofia da educação tomou a forma de uma

apresentação mais ou menos cronológica das «teorias» ou das «concepções filosóficas»

produzidas para a prática educativa. Esse procedimento inspirava-se em uma tradição didática

fortemente arraigada na própria área de filosofia e tinha o mérito de fornecer um painel

bastante abrangente dos grandes filósofos do passado. No entanto, o preço a pagar por esse

lustre cultural era sem dúvida excessivo: em primeiro lugar, a ênfase em um conjunto acabado

de idéias, e não na atividade de reflexão em que a filosofia, antes de qualquer outra coisa, se

constitui; e, em decorrência disso, a construção de um «saber» teórico que, livre de toda

relação com a realidade daquele a quem se dirige, tende a revestir-se de uma autoridade

inquestionável.

Não é ademais difícil perceber, na origem dessa tradição, as posições analisadas no texto

1, já que o fundamento desse modo descontextualizado de se ensinar a filosofia da educação é


a velha crença de que o verdadeiro saber não precisa da prática nem para se organizar nem

para se validar.

Se, todavia, a filosofia tem um papel central na formação dos educadores e dos

pesquisadores em educação é porque a natureza do fazer educativo impõe à teoria ser muito

mais do que uma série de belos desenvolvimentos, e mais também do que um corpo coerente

de explicações previamente organizado. Diante dos enigmas que a existência humana e social

colocam para a educação, qualquer teoria fracassará, se não for acompanhada de um contínuo

questionamento, se não for vivificada pela constante reflexão. E, para isso, a filosofia pode

certamente ajudar: pois de seu passado ela pode nos oferecer não somente conceitos e teorias,

mas igualmente as interrogações de que se originaram.

E, de fato, a filosofia dizia Cornelius Castoriadis, é compromisso com a totalidade do

pensável. Não apenas, portanto, com a totalidade daquilo que já foi pensado mas, sobretudo,

com tudo que ainda há para pensar.

Assim definida, aliás, a questão do ensino da filosofia, a questão de porque apreendê-la

se desloca: não se trata de buscar avidamente conhecer tudo o que já foi escrito e pensado

(desafio de todo modo irrealizável), nem sequer de se preparar antecipadamente para

responder a todas as questões que possam ser levantadas (projeto simplesmente insano!), mas

de buscar no estudo os meios de explorar ao máximo possível as possibilidades de pensamento

que são as nossas, lá onde estamos.

A atitude de interrogação a que visa a filosofia se fundamenta não no poder de uma

racionalidade humana impessoal, mas na convicção do poder da criação humana, que decerto

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se manifesta na cultura que nos precede e que supera os limites de nossas experiências, mas

que também se manifesta em nossa própria existência. Logo, essa atitude implica uma

responsabilidade para consigo mesmo, para com seu meio, sua época, sua espécie; e implica,

igualmente, a capacidade de manter sob constante exame crítico suas próprias limitações. Em

outros termos, essa atitude só se justifica por um projeto de autonomia que sempre começa

pelo questionamento do mito de uma razão controladora e todo-poderosa cujas «teorias», ao

invés de liberar nossa reflexão e criatividade, nos tornam mais alheios a nosso próprio

pensamento, mais conformados com o instituído, imobilizados.

A filosofia é, assim, esse compromisso com a interrogação que não quer se fechar, e é

dessa forma que ela é prática de emancipação, que ela é terreno de luta pela autonomia.

Assim, se a «concepção filosófica da educação» nos interessa é porque, remetendo

àquilo que foi um dia pensado, ela nos ajuda a descortinar franjas enormes daquilo que ainda

não pensamos, daquilo que ainda não nos interrogamos em nossa atividade cotidiana. É numa

luta permanente contra nossa tendência à acomodação, nossa preferência pelas respostas, ao

invés de perguntas, contra nosso desejo de reconforto – de que as verdades acabadas se

alimentam, que o pensamento tenta se fazer. É isso que as grandes páginas da filosofia nos

ajudam a perceber, nos ensinam.

Eis como conceber filosoficamente a educação pode significar entendê-la como terreno

de permanente questionamento, de interrogação aberta. E é assim que a filosofia pode colocar-

se a serviço da educação e da valorização do professor – mas não oferecendo uma espécie de

«menu» de concepções a serem escolhidas para compor nosso prato feito educacional.

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E se isso é assim, é porque a educação é, ao mesmo tempo, um enigma e uma atividade

prático-poiética. Kant decretou que ela era, juntamente com a política, «a mais difícil das artes».

Freud a chamou, simplesmente, de «impossibilidade». A educação e a política – e, acrescentaria

Freud, a psicanálise – são atividades impossíveis. Essa é uma afirmação muito profunda, mas só

a entenderá quem se colocar na mesma perspectiva que era a de Freud, ao dizê-lo: a da

autonomia humana.

A natureza, os objetos criados pelo homem podem ser inteiramente desvendados

naquilo que são e na forma como se comportam por uma ciência, no sentido mais estrito do

termo: eles podem ser inteiramente explicados pela teoria. O que é uma cadeira, o que é um

cão, o que é um raio – o que é um vírus, como se comportará um ciclone, estas e outras

questões, muito mais difíceis, podem ter embaraçado e podem embaraçar, ainda, nosso

entendimento.

Porém, no caso do humano, nunca é possível dizer inteiramente o que é, nunca se

poderá prever totalmente seu comportamento, pela simples razão que o modo de ser do

homem, sua existência, toma a forma de autocriação incessante. Por isso não há, para ele, um

conhecimento preciso e infalível. Não se pode dizer o que o homem será ao nascer, nem ao

menos aquilo em que se tornará, a partir daí. Sempre haverá, entre a legítima necessidade de

compreender o humano e a realidade, uma enorme fenda, e esta fenda se chama criação. Por

isso, a educação é um enigma.

A criação é também a origem e o fundamento da autonomia humana. Nisso consiste a

impossibilidade da educação: como é possível educar um ser autônomo? A educação tem por

4
finalidade construir a autonomia do indivíduo, como o próprio termo (autonomia) já anuncia,

essa construção é sempre, necessariamente, uma autocriação. Em suma, para educar o

humano, para torná-lo um ser autônomo, deve-se partir e deve-se tomar como base algo que

ainda não está lá – essa própria autonomia. Por isso, diz Castoriadis, a educação é uma atividade

prático-poiética.

A expressão prático-poiética tenta resolver um falso impasse entre duas possibilidades

que Aristóteles1 elencou, para definir a natureza das atividades humanas: há, dizia o filósofo,

algumas atividades que têm uma finalidade determinada, que visam a produção de alguma

coisa objetivável, uma coisa ou um efeito sobre algo. A essas atividades que não têm, portanto,

fim em si mesmas, mas cujo fim é sempre exterior, Aristóteles chamou de poiesis (que se

poderia traduzir aqui como fabricação). E há, também, atividades que não visam a produção de

nada: sua finalidade está em seu próprio exercício. Aristóteles denomina essas atividades, que

têm fim em si mesmas, de praxis. Ora, essa distinção parece que não se aplica à educação. Para

ela, a autonomia deve se constituir, ao mesmo tempo, em fim a ser buscado e na própria

atividade. Em outras palavras, na educação, o processo e o produto, meio (poiesis) e fim (praxis)

se confundem, não há como distingui-los inteiramente: ela é uma atividade prático-poiética. Na

educação, a autonomia é, concomitantemente, o meio para se chegar ao fim e o próprio fim

buscado.

O problema se apresenta como um dilema quando se opõe, equivocadamente, instrução

e formação: poderia a comunicação de um conhecimento ser um fim, ou deveria ela ser sempre

1
Aristóteles, Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002
5
um meio da educação? Até onde se pode ir em uma atividade que pretenda tão-somente dar a

conhecer um conhecimento, ou um saber-fazer, sem considerar a dimensão formativa

indissociavelmente ligada à instrução? E como pretender formar alguém sem atentar para o que

é meio e matéria dessa formação?2

Não há respostas absolutas para essas questões, nem é possível estabelecer uma regra

para determinar onde acaba a preocupação com os meios e onde começa o cuidado com os

fins. Meios e fins só encontram justificação nessa permanente tensão que os liga – e que,

desafiando a capacidade de questionamento e de criação do professor, põe em movimento a

ação educativa. Mas a criatividade e a deliberação do professor não são garantias absolutas!

Quem é ou já foi professor reconhece essa característica de seu ofício: algo de absolutamente

essencial sempre escapa – e o que escapa não é nada de irrisório, mas justamente o que mais

importa, o cerne da educação: o fato de que só o próprio indivíduo pode se construir, de que

cada indivíduo necessariamente cria, cria a cada vez, nas palavras de C. Castoriadis, seu «modo

próprio de existência». Mas de que, por sua vez, essa autocriação, longe de implicar auto-

suficiência, não só admite, mas exige a saída de si, a socialização, as trocas com o mundo –

exige, enfim, a educação.

Assim, a resistência que a realidade educativa oferece às tentativas de conhecimento

absoluto e de controle é um fato e, mais do que isso, uma preciosa oportunidade para que o

professor se questione acerca de suas próprias «certezas». A resistência é a marca

permanentemente manifesta da liberdade alheia, da liberdade humana em geral – da liberdade

2
Essas questões serão aprofundadas no textos 3 e 4.
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do aluno, como da própria liberdade, também. Por isso, dizer que a educação é um enigma

significa, igualmente, dizer: pode-se – e deve-se! – tentar elucidar esse enigma, mas jamais será

possível reduzi-lo a certezas.

Para o educador comprometido com o projeto de autonomia, esse conceito abstrato

sobre o qual tantos filósofos, tantos políticos, tantos sociólogos tentaram teorizar – a liberdade

humana – se apresenta como realidade quotidiana. Não é, pois, à idéia de Deus, ou à noção de

um «direito natural» que ele recorre, como a teoria tantas vezes fez, para afirmar uma noção

abstrata que a prática social não cessa de negar. A liberdade que conhece esse educador se

apresenta a ele sob seu verdadeiro nome: criação humana. O humano cria, e sua primeira

criação é a si próprio. Historicamente, essa evidência – de que «o modo de ser» próprio da

espécie humana é a criação – foi e vem sendo sistematicamente ocultada. A isso Castoriadis

chama de heteronomia: a alienação individual e coletiva.

Uma sociedade heterônoma tende a produzir indivíduos que desconhecem e alienam

esse poder criador em si mesmos. Isso se reflete, paradoxalmente na tentativa de controle; no

campo educacional, na equivocada noção de que o processo educativo pode ser inteiramente

explicado e seus resultados preditos pelas teorias, conquistados pela rigorosa aplicação dos

métodos, concretizados no recurso sistemático às técnicas. E, dessa forma, na ausência da

autonomia social e individual, a educação fica reduzida ao que não é: ao espaço de mera

aplicação de teorias e de procedimentos pensados a priori. Como essas teorias e procedimentos

não são postos em questão, disso resulta que a resistência ao controle sobre a qual falávamos

vai ser interpretada como erro, vai ser explicada pela identificação de «culpados»: de um lado, o

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aluno – que é «rebelde», que é «violento», que é «indisciplinado», que é «incapaz»… de outro,

o professor – que é «incompetente», que «falha» em sua tarefa.

No entanto, contrariamente ao que se pensa, a educação não pode ser entendida como

mero domínio aplicado, como campo de aplicação de leis, teorias, determinações vindas de

fora. Por pelo menos duas razões gritantes: o aluno e o professor – dois seres que são livres,

porque são criadores. E, por mais que o poder criador possa ser limitado, e ocultado, e

obstruído, por mais que a criação de si se dê em condições de heteronomia, isso é, como mera

ratificação do que está instituído, o que resiste, tanto no professor quanto no aluno, ainda é

suficientemente expressivo, manifesto e resistente para atuar como uma espécie de denúncia

espontânea das ilusões da tecnocracia da educação.

Castoriadis tem, a esse respeito, uma frase bastante eloqüente e profunda: falando da

psicanálise, – isso é, de uma outra dessas atividades «impossíveis» que, visando a autonomia

humana, sugerem uma intervenção externa ali onde só pode autocriação – ao falar da

psicanálise, Castoriadis afirma que, aí as teorias servem para não serem usadas:

… o analista, diz ele, tem principalmente necessidade do seu saber para


não lançar mão dele, ou melhor, para saber o que não deve ser feito,
para atribuir-lhe o papel do demônio de Sócrates: a injunção negativa»,
e isto porque «a teoria orienta, define classes infinitas de possíveis e de
impossíveis, mas não pode predizer nem produzir a solução.»3

A função emancipadora da educação não deve, portanto, ser entendida tão-somente

como atualização das faculdades do indivíduo, como ativação de uma potência que preexistiria,

como atualização de algo que podemos definir a priori, como um poder ser alguma coisa que já

3
in As Encruzilhadas do Labirinto, vol. I. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 41.
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sei de antemão que ele é, tal como a filosofia tradicionalmente concebeu. Na educação, o

projeto de autonomia depende da atualização de um poder poder ser. Explique-se: este «poder

poder» ser significa que não há um conteúdo objetivo para definir como o humano é

determinado desde o nascimento, não há uma virtude específica, uma predisposição particular

que definam o que o humano é ao nascer. Esse modo de conceber a educação, que entende sua

tarefa como a de simples atualização de germens, das «potencialidades» que estão presentes em

cada indivíduo é, sem dúvida, muito corrente em educação. É com base nessa concepção que,

desde Aristóteles, considerou-se que os mestres deviam «avaliar» o potencial de seus

discípulos, para determinar aqueles que deveriam ser objeto de maior ou de menor

investimento e atenção educacionais. Além de altamente perigosa, pelos preconceitos e

injustiças que acaba por legitimar, esta posição apóia-se em uma falsa antropologia. Se ela fosse

consistente, o humano nada criaria, apenas teria a opção de desenvolver, ou não, talentos

rigidamente determinados por sua disposição natural. Mas são muitas as evidências de que a

natureza humana é infinitamente mais rica, e deve ser definida como possibilidade de criar suas

próprias possibilidades como ser. A esse poder, chamamos, justamente, criação.

Justamente porque o humano é, na feliz expressão Castoriadis, «efeito que ultrapassa

suas causas e causa que seus efeitos não esgotam», a teoria, que só considera o que é universal,

que adota necessariamente a linguagem da generalização, não consegue exprimi-lo totalmente,

não esgota os sentidos que ele tem. Por isso, aquilo que o indivíduo é não pode ser reduzido a

uma formulação teórica, por mais perfeita que ela seja. Pode-se, pois, dizer que o que

permanecerá, para a teoria, como irredutível, já que resiste às «explicações» que para ele são

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fornecidas, ao controle que os métodos proclamam, ao fazer automático que as técnicas

parecem por vezes supor.

É claro, porém, que isso não significa que o indivíduo seja o incognoscível absoluto, mas

sim que, diz ainda Castoriadis, a criação não pode ser inteiramente explicada, sua origem nunca

pode ser inteiramente identificada. Não se pode explicar o que o humano é de forma acabada e

exaustiva e, assim, não se pode prever a criação. Pode-se explicar inteiramente os fenômenos

físicos e biológicos, mas não o chamado «fenômeno humano». É claro que a teoria pode dar

conta de muitos aspectos da condição e da existência humana – pode explicar como o indivíduo

contrai a hepatite, pode explicar e prever as conseqüências de um tombo, se todas as variáveis,

as condições objetivas desta queda são controladas e levadas em conta. Mas nada disso é

suficiente para explicar o que realmente nos importa aqui, o mais fundamental: o fenômeno

pelo qual o homem é como ele é – diferente, a cada vez, dos outros homens. E o fenômeno pelo

qual ele se cria a si mesmo a cada vez como singularidade, como ser absolutamente único ainda

que sempre se criando como membro de uma só espécie.

Porém, se a teoria, no caso do que é essencialmente humano, e especificamente naquilo

que interessa à educação, não pode explicar, prever e controlar tudo, ela pode e deve elucidar.

No que se refere à realidade humana e social, a finalidade da teoria não é a de explicação, mas a

elucidação.

O tipo de conhecimento que se pode e se deve obter para a educação nunca é o

conhecimento objetivo, explicativo e preditivo que caracteriza outras atividades teóricas. Não é

um conhecimento que produz certezas, leis a serem aplicadas, mas interrogações que não serão

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jamais totalmente respondidas, ainda que sobre elas se deva, na prática, deliberar. Assim, a

deliberação nunca será determinada, fornecida de antemão pela teoria – pois, de outro modo,

ela não seria uma deliberação. Deliberar é uma atividade criadora que cabe ao educador.

Uma vez que, por envolver seres humanos, cada situação educativa é única, o educador,

por mais que apoiado nas teorias, nos métodos e técnicas que tem a seu dispor, está sempre

diante desse grande enigma, de uma interrogação que não lhe cabe desvendar, nem responder,

porque esta interrogação refere-se ao ser do outro, à sua liberdade.

Nessa perspectiva, deve-se dizer que, também para o próprio aluno, o seu poder ser é

um enigma, que supera qualquer previsão, mas que depende de sua criação incessante, ao

longo de sua vida: pode-se, pois, afirmar que educar é, essencialmente, ter em mente esse fato

e ajudar o aluno a tomar consciência da responsabilidade que lhe cabe em sua autocriação.

Educar é construir, a cada momento, o sentido do que é educar, tanto quanto viver é, a cada

momento, fazer e refazer o sentido do que é viver, e existir é fazer e refazer incessantemente o

sentido muito próprio que a existência humana adquire em cada um de nós.

Infelizmente, em educação, na maioria das vezes, a teoria não é entendida assim. Ao

buscar nas teorias pedagógicas e educacionais e nos métodos e técnicas que delas derivam

aquilo que não podem fornecer, os educadores, longe de melhorar suas perfomances, ao menos

no que diz respeito à construção da autonomia dos alunos e à luta pela emancipação humana,

perdem de vez a chance de oferecer uma contribuição positiva. Nessas circunstâncias, as

teorias, métodos, técnicas e procedimentos que poderiam servir de bons aliados passam a ter a

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função de tornar os educadores «…surdos ao novo, a essa emergência [sempre imprevisível que

é a] singularidade do sujeito.»4

Diante da singularidade humana, fica claro que nem mesmo a posteriori, isso é, nem

mesmo como aquisição da experiência repetidamente feita, a teoria é capaz de predizer, de

explicar uma vez por todas o ato educativo, o aluno, seu modo de ser, de aprender, de se auto-

construir.

A auto-alteração dos indivíduos, que a educação ajuda a provocar e de que deve tornar

cada aluno consciente, nunca é, em suma, o resultado da aplicação de uma teoria, «produto» de

um fazer técnico. Mas cabe à educação cuidar para que o aluno tome consciência de sua

autonomia; de que ele não está, apesar das aparências, inteiramente condicionado pelas

determinações sociais, biológicas, históricas e educacionais.

Se a liberdade está na criação, a emancipação humana está na possibilidade de que o

indivíduo passa a ser dotado, pela reflexão, de tomar consciência de seu poder de deliberar. As

deliberações, as decisões que cabem a cada um de nós, em nossa auto-criação, podem se

tornar, pela educação, pela psicanálise, pela reflexão, conscientes. Usando um exemplo: a

psicanálise pode, a partir daquilo que chamam «um sintoma», voltar até as condições que

ocasionaram o trauma. Mas ela jamais explicará porque o indivíduo reagiu ao trauma por

aquele sintoma, e não por outro.

Da mesma forma, analisando as condições educacionais colocadas em ação, pode-se até

avaliar mais ou menos objetivamente o que o aluno aprendeu, mas jamais se poderá prever

4
ibid, p. 97.
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aquilo que fará, ou explicar aquilo no que se tornou como resultado direto de uma ação

educativa objetivada.

No entanto, elucidar aquilo que somos, ou aquilo em que nos tornamos é perceber que

o que somos não resulta de uma fatalidade, mas sempre, também, de uma escolha, de uma

deliberação. A elucidação é a tomada de consciência de que o papel de cada um, diante de si

mesmo e diante da sociedade, nunca é passivo, é a tomada de consciência de seu poder criador.

Talvez mais ainda do que a psicanálise, a verdadeira função da educação seja a de denunciar a

suposta fatalidade que se acredita pesar sobre a sociedade e sobre os indivíduos – sobre os

alunos, sobre a escola, sobre a própria prática. Esta é a missão emancipadora que a educação

pode e deve assumir. Diante dela, parafraseando Castoriadis,

…o professor está preso à exigência constante de um «pensar» e de um


«fazer» diante do desenrolar de um enigma interminável… que ele deve
elucidar na realidade concreta, por meio de construções «teóricas»,
sucessivas, sempre fragmentárias, essencialmente incompletas, nunca
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rigorosamente «demonstráveis»…

Por fim, todas estas reflexões levam a reconsiderar o status que se deve conceder ao campo

educacional.

Como conjunto de construções teóricas com pretensões explicativas, a educação dá

forçosamente lugar a um conhecimento que é sempre, como diz Castoriadis, fragmentário,

incompleto, provisório. Como prática de atuação, a educação é uma recriação constante dos

procedimentos, dos métodos, do modo como nos relacionamos com as técnicas pedagógicas e

instrucionais, mas é também o terreno em que se operam essas e outras deliberações mais

5
Ibid. p. 94-5.
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importantes, que não podem ser garantidas ou determinadas a priori, legitimadas pela

autoridade teórica ou técnica.

Sobre essas decisões, o professor tem que poder prestar contas a seu aluno, aos pais, à

sociedade. Pois dizer que educar é criar o sentido de educar implica em devolver ao professor a

sua responsabilidade, sua iniciativa no ato educativo.

Elucidar o que é e o que se pensa que deve ser a educação é concebê-la filosoficamente.

A filosofia tem esse papel importante, e ineliminável, em toda educação que se quer

emancipadora: tal como a teoria, ela não fornece à prática educacional garantias, ela não pode

justificar nem antecipadamente nem posteriormente as nossas ações, ela não pode se substituir

à iniciativa que é sempre a do professor; mas ela é o instrumento pelo qual se pode ganhar

consciência da liberdade, da necessidade de deliberação frente à questão: «o que penso que

deve ser a educação?» Ela permite tomar consciência e prestar contas daquilo que se faz de si

mesmo mim e de sua prática e, desta forma, permite participar de modo sempre próprio e

específico da construção coletiva do sentido da educação. A filosofia é instrumento para

elucidação dos sentidos que a educação veio adquirindo e adquire em cada contexto social e

histórico particular, e ela permite identificar todas estas questões como essenciais para a

prática da educação.

E, assim, fica claro que a concepção filosófica da educação é uma tarefa de auto-reflexão

individual e coletiva, e que seu objeto parte e tem como fim a emancipação humana e,

portanto, a construção de uma sociedade democrática.

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IMMANUEL KANT

A educação, portanto, é o maior e o mais difícil problema que pode ser


proposto aos homens. De fato, os conhecimentos dependem da
educação e esta, por sua vez, depende daqueles. Por isso, a educação
não poderia dar um passo à frente a não ser pouco a pouco, e somente
pode surgir um conceito da arte de educar na medida em que cada
geração transmite suas experiências e seus conhecimentos à geração
seguinte, a qual lhes acrescenta algo de seu e os transmite à geração
que lhe segue.

KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996. p. 20.

Uma vez que as disposições naturais do ser humano não se


desenvolvem por si mesmas, toda educação é uma arte. A natureza
não depositou nele nenhum instinto para essa finalidade. A origem
da arte da educação, assim como o seu progresso, é: ou mecânica,
ordenada sem plano conforme as circunstâncias, ou raciocinada. A
arte da educação não é mecânica senão em certas oportunidades,
em que aprendemos por experiência se uma coisa é prejudicial ou
útil ao homem. Toda arte desse tipo, a qual fosse puramente
mecânica, conteria muitos erros e lacunas, pois que não obedeceria a
plano algum. A arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser
raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo
que esta possa conseguir o seu destino. Os pais, os quais já
receberam uma certa educação, são exemplos pelos quais os filhos se
regulam. Mas, se estes devem tornar-se melhores, a pedagogia deve
tornar-se um estudo; de outro modo, nada se poderia dela esperar e
a educação seria confiada a pessoas não educadas corretamente. É
preciso colocar a ciência em lugar do mecanicismo, no que tange à
arte da educação; de outro modo, esta não se tornará jamais um
esforço coerente; e uma geração poderia destruir tudo o que uma
outra anterior teria edificado.
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996. pp. 21-22.

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CORNELIUS CASTORIADIS

Nossa relação com a história da filosofia cria, por si só, uma questão
filosófica de primeira grandeza – o que é natural, já que toda reflexão é
também auto-reflexão, e a reflexão não começa hoje. Dos múltiplos
aspectos dessa questão, um é particularmente importante aqui. Ruptura do
fechamento, a reflexão tende, no entanto, demaneira irresistível, a se
fechar novamente sobre si mesma. Isso é inevitável… já que, de outro
modo, a reflexão se limitaria a ser um ponto de interrogação indeterminado
e vazio. Mas a verdade da filosofia é a ruptura do fechamento,
desestabilização das evidências recebidas, inclusive e sobretudo as
filosóficas. Ela é esse movimento, mas um movimento que cria o solo sobre
o qual caminha, e que não é, nem pode ser uma coisa qualquer – ele define,
delimita, forma e determina. 0 próprio de uma grande filosofa é permitir
que se vá além de seu próprio solo, e inclusive incitar a isso. Como ela
tende – e deve tender – ao compromisso com a totalidade do pensável,
tende a fechar-se sobre si mesma. Mas, se é grande, nela encontraremos,
ao menos, as evidências de que o movimento do pensamento não pode se
deter aí e até parte dos meios para prossegui-lo. Tanto uns quanto outros
tomam a forma de aporias, de antinomias, de francas contradições, de
nódulos heterogêneos.
CASTORIADIS, C. Feito e a ser feito; as encruzilhadas do labirinto V. Rio de
Janeiro: DP&A, 1999. p. 27.

A pedagogia começa na idade zero, e ninguém sabe quando termina. O objetivo da pedagogia – falo,
evidentemente, de um ponto de vista normativo – é ajudar o recém-nascido, esse hopeful and dreadful
monster a tornar-se um ser humano. O fim da paidéia é ajudar esse feixe de pulsões e de imaginação a
tomar-se um anthropos, no sentido indicado mais acima, de um ser autônomo. Podemos também dizer,
lembrando Aristóteles: um ser capaz de governar e ser governado.

A pedagogia deve, a todo instante, desenvolver a atividade própria do sujeito, utilizando, por assim
dizer, essa mesma atividade própria. O objeto da pedagogia não é ensinar matérias específicas, mas
desenvolver a capacidade de aprender do sujeito – aprender a aprender, aprender a descobrir, aprender
a inventar. Isso, evidentemente. a pedagogia não pode fazer um ensinar certas matérias – tampouco a
análise pode progredir sem as interpretações do analista. Mas, assim como essas interpretações, as
matérias ensinadas devem ser consideradas como degraus ou pontos de apoio, servindo não só para
tomar possível o ensino de uma quantidade crescente de matérias, mas para desenvolver as

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capacidades da criança de aprender, descobrir e inventar. A pedagogia deve necessariamente também
ensinar – desse ponto de vista, devemos condenar os exageros de vários pedagogos modernos. Mas
dois princípios devem ser firmemente defendidos: – todo processo de educação que não visa a
desenvolver ao máximo a atividade própria dos alunos é mau; – todo sistema educativo incapaz de
fornecer uma resposta racional à pergunta dos alunos – por que deveríamos aprender isso? – é
defeituoso.

CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto III: o mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992. p. 156-157.

A impossibilidade da psicanálise e da pedagogia consiste em que ambas


devem apoiar-se numa autonomia que ainda não existe, a fim de ajudar
a criação da autonomia do sujeito. Isso aparece, do ponto de vista da
lógica ordinária, a lógica conjuntista-identitária, como uma
impossibilidade lógica. Entretanto, a impossibilidade parece consistir,
também, particularmente no caso da pedagogia, na tentativa de fazer
homens e mulheres autônomos, no quadro de uma sociedade
heteronímica; e, além disso, no seguinte enigma aparentemente
insolúvel: ajudar os seres humanos a aceder à autonomia, ao mesmo
tempo que absorvem e interiorizam as instituições existentes, ou apesar
disso.
A solução desse enigma é a tarefa "impossível" da política – tanto mais
impossível quanto deve, aqui ainda, apoiar-se numa autonomia que
ainda não existe, a fim de fazer surgir a autonomia.
Id., p. 158.

A criação do projeto de autonomia, a atividade reflexiva do pensamento e a luta pela criação de


instituições auto-reflexivas, isto é, democráticas, são resultados e manifestações do fazer humano. Foi a
atividade humana que gerou a exigência de uma verdade, quebrando o muro das representações da
tribo, a cada vez instituídas. Foi a atividade humana que criou a exigência de liberdade, de igualdade, de
justiça, na sua luta contra as instituições estabelecidas. E é o nosso reconhecimento, livre e histórico, da
validade desse projeto, e a efetividade da sua realização, até aqui parcial, que nos liga a essas exigências
– de verdade, liberdade, igualdade, justiça – e nos motiva na continuação dessa luta. (Id., p. 258-259)

Id., p. 258-259.

JEAN-JACQUES ROUSSEAU
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Todo animal tem idéias, posto que tem sentidos; chega mesmo a
combinar suas idéias até certo ponto e o homem, a esse respeito, só se
diferencia da besta pela intensidade. Alguns filósofos chegaram mesmo a
afirmar que existe maior diferença entre um homem e outro do que entre
um certo homem e certa besta. Não é, pois, tanto o entendimento,
quanto a qualidade de agente livre possuída pelo homem que constitui,
entre os animais, a distinção específica daquele. A natureza manda em
todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influência,
mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é sobretudo na
consciência dessa liberdade que se manifesta a espiritualidade de sua
alma, pois a física, de certo modo, explica o mecanismo dos sentidos e a
formação das idéias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e no
sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais que
de modo algum serão explicados pelas leis da mecânica.

ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade


entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p.243. [Os Pensadores]

Mas, ainda se as dificuldades que cercam todas essas questões deixassem, por um instante, de causar
discussão…, haveria uma outra qualidade, muito específica, que os distinguiria e a respeito da qual não
pode haver contestação – é a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade que, com o auxílio das
circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na espécie
quanto no indivíduo; o animal, pelo contrário, ao fim de alguns meses, é o que será por toda a vida, e
sua espécie, no fim de milhares de anos, o que era no primeiro ano desses milhares. Por que só o
homem é suscetível de se tornar imbecil? Não será porque volta, assim, ao seu estado primitivo e –
enquanto a besta, que nada adquiriu e também nada tem de bom a perder, fica sempre com seu
instinto – o homem, tornando a perder, pela velhice ou por outros acidentes, tudo o que sua
perfectibilidade lhe fizera adquirir, volta a cair, desse modo, mais baixo do que a própria besta? Seria
triste, para nós, vermo-nos forçados a convir que seja essa faculdade, distintiva e quase ilimitada, a
fonte de todos os males do homem; que seja ela que, com o tempo, o tira dessa condição original na
qual passaria dias tranqüilos e inocentes; que seja ela que, fazendo com que através dos séculos
desabrochem suas luzes e erros, seus vícios e virtudes, o torna com o tempo o tirano de si mesmo e da
natureza. Seria horrível ter de louvar como um ser benfeitor o primeiro a sugerir aos habitantes das
margens do Orinoco o uso dessas tabuazinhas que aplicam nas têmporas de seus filhos e que, pelo
menos, lhes asseguram uma parte de sua imbecilidade e de sua felicidade original.

Id.

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É fácil de ver, com efeito, que entre as diferenças que distinguem os homens,
inúmeras, consideradas como naturais, são unicamente obra do hábito e dos
vários gêneros de vida que os homens adotam em sociedade. Assim, um
temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza, que dele derivam,
resultam mais freqüentemente da maneira dura ou afeminada pela qual se
foi educado, do que da constituição primitiva dos corpos. A mesma coisa
acontece com as forças do espírito; a educação não só estabelece diferença
entre os espíritos cultos e os que não o são, como também aumenta a que
existe entre os primeiros na proporção da cultura, pois, quando um gigante e
um anão andam pelo mesmo caminho, cada passo que um e outro dêem
trará uma vantagem a mais ao gigante. Ora, fazendo-se uma comparação
entre a diversidade prodigiosa de educação e de gêneros de vida que reina
nas várias ordens do estado civil e a simplicidade e uniformidade da vida
animal e selvagem – na qual todos se alimentam com os mesmos alimentos,
vivem da mesma maneira e fazem exatamente as mesmas coisas –
compreender-se-á quanto deve a diferença de homem para homem ser
menor no estado de natureza do que no estado de sociedade e quanto
aumenta a desigualdade natural na espécie humana por causa da
desigualdade de instituição.

Id., p. 257.

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