Sei sulla pagina 1di 13

1

O desafio da complexidade1
Edgar Morin

A problemática da complexidade permanece marginal. Tanto no pensamento


científico como no pensamento epistemológico como no pensamento filosófico. Quando
se consideram os grandes debates da epistemologia. anglo-saxónica entre Popper, Kuhn,
Lakatos, Feyerabend, Hanson, Holton, etc., trata-se da questão da racionalidade, da
questão da cientificidade, ou da questão da não cientificidade, não se trata da questão da
complexidade; de tal forma que os bons discípulos franceses destes filósofos, pensando
que a complexidade não está nos tratados dos seus mestres, concluem daí que a
complexidade não existe. Do ponto de vista epistemológico há, contudo, uma exceção,
e considerável. Trata-se de Gaston Bachelard, que "considerou a complexidade um
problema fundamental, visto que, segundo ele, não há nada simples na natureza, só há
coisas simplificadas”. Mas, esta idéia fundamental não foi especialmente desenvolvida
por Bachelard e permaneceu isolada. Curiosamente, a complexidade só apareceu numa
linha marginal na cibernética pela a teoria dos sistemas. O primeiro grande texto sobre a
complexidade é da autoria de Warren Weaver, que anunciava que o século XIX, século
da complexidade desorganizada (pensava evidentemente no segundo princípio da
termodinâmica), devia dar lugar ao século XX, que seria o da complexidade organizada.
Pois bem, modestamente, adiemos isso para o século XXI. Portanto, como a
complexidade só foi tratada marginalmente, ou por autores marginais, como eu próprio,
ela suscita necessariamente mal-entendidos fundamentais.
O primeiro mal-entendido consiste em conceber a complexidade como receita,
como resposta, em vez de a considerar como desafio e como incitamento para pensar;
acredita-se, por isso, que a complexidade deve ser um substituto eficaz da simplificação,
mas que, como a simplificação, vai permitir programar e esclarecer. Ou, precisamente
ao contrário, concebe-se a complexidade como inimiga da ordem e da clareza e, nestas
condições, a complexidade surge como uma busca viciosa da obscuridade. Ora, repito, o
problema da complexidade é, antes de mais, o esforço para conceber um desafio
inevitável que o real lança ao nosso espírito.
O segundo mal-entendido consiste em confundir a complexidade e a conclusão.
Ora, o problema da complexidade não é o de estar completo, mas sim do incompleto do

1
Edgar Morin. Ciência com consciência. Publicações Europa, 1994. 137-151.
2

conhecimento. Num sentido, o pensamento complexo tenta ter em conta aquilo de que
se desembaraçam, excluindo-o, os mutiladores de pensamento, a que chamo
simplificadores e, portanto, luta não contra o incompleto, mas sim contra a mutilação.
Assim, por exemplo, se tentarmos pensar o fato de que somos seres simultaneamente
físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais, é evidente que a
complexidade reside no fato de se tentar conceber a articulação, a identidade e a
diferença entre todos estes aspectos, enquanto o pensamento simplificador ou separa
estes diferentes aspectos ou os unifica através de uma redução mutiladora. Portanto,
nesse sentido, é evidente que a ambição da complexidade é relatar articulações que são
destruídas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de
conhecimento. De fato, a aspiração à complexidade tende para o conhecimento
multidimensional. Não se trata de dar todas as informações sobre um fenômeno
estudado, mas de respeitar as suas diversas dimensões; assim, como acabo de dizer, não
devemos esquecer que o homem é um ser bio-sociocultural e que os fenômenos sociais
são, simultaneamente, econômicos, culturais, psicológicos, etc. Dito isto, o pensamento
complexo, não deixando de aspirar à multidimensionalidade, comporta no seu cerne um
princípio de incompleto e de incerteza.
De qualquer forma, a complexidade surge como dificuldade, como incerteza e
não como clareza e como resposta. O problema é saber se há alguma possibilidade
de responder ao desafio da incerteza e da dificuldade. Muitos acreditaram durante muito
tempo, e talvez ainda acreditem, que o defeito das ciências humanas e sociais é não
poderem desembaraçar-se da complexidade aparente dos fenômenos humanos, para se
elevarem à dignidade das ciências naturais que, essas, estabeleciam leis simples,
princípios simples e faziam reinar a ordem do determinismo na sua concepção. Ora,
vemos atualmente que existe uma crise da explicação simples nas ciências biológicas e
físicas: desde então, o que pareciam ser os resíduos não científicos das ciências
humanas, a incerteza, a desordem, a contradição, a pluralidade, a complicação, etc.,
fazem hoje parte de uma problemática geral do conhecimento científico.
Devo, pois, indicar previamente e de uma forma não complexa as diferentes
avenidas que conduzem ao «desafio da complexidade».
A primeira avenida, o primeiro caminho é o da irredutibilidade do acaso ou da
desordem. O acaso e a desordem brotaram no universo das ciências físicas inicialmente
com a irrupção do calor, que é agitação-colisão-dispersão dos átomos ou moléculas;
depois com a irrupção das indeterminações microfísicas, e, finalmente, na explosão
3

originária e na dispersão atual do cosmos. Como definir o acaso, que é um ingrediente


inevitável de tudo o que nos surge como desordem? O matemático ChaYtin definiu-o
como uma incompressibilidade algorítmica, isto é, como irredutibilidade e
indedutibilidade, a partir de um algoritmo, de uma sequência de números ou de
acontecimentos. Mas o mesmo Chaltin dizia que não pode de maneira nenhuma provar-
se uma tal incompressibilidade; dito de outra forma, não podemos provar se o que nos
parece acaso não é devido à nossa ignorância. Assim, por um lado, temos de constatar
que a desordem e o acaso estão presentes no universo e ativos na sua evolução; por
outro lado, não podemos resolver a incerteza que trazem as noções de desordem e de
acaso; o próprio acaso não é certo que seja acaso. A incerteza permanece, inclusive no
que diz respeito à natureza da incerteza que o acaso nos traz.
A segunda avenida da complexidade é a transgressão, nas ciências naturais, dos
limites daquilo a que poderia chamar-se a abstração universalista que eliminava a
singularidade, a localização e a temporalidade. Assim, a biologia atual já não concebe
de forma nenhuma a espécie como um quadro geral do qual o indivíduo é um caso
singular. Ela concebe a espécie viva como uma singularidade que produz
singularidades. A própria vida é uma organização singular entre os tipos existentes de
organização fisico-química. Mais ainda, as descobertas de Hubble sobre a dispersão das
galáxias e a descoberta da radiação isotrópica vinda de todos os horizontes do universo
trouxeram a ressurreição de um cosmos singular que teria uma história singular onde
surgiria a nossa própria história singular.
Da mesma forma, a localização transforma-se numa noção física determinante: a
idéia de localização encontra-se necessariamente reintroduzida na física einsteiniana
pelo fato de que as medidas só podem ser feitas num dado local e são, efetivamente,
relativas à própria situação em que são feitas. Nas ciências biológicas, o
desenvolvimento da disciplina ecológica demonstra que é no quadro localizado dos
ecossistemas que se desenvolvem e vivem os indivíduos singulares. Portanto, já não
podemos expulsar o singular e o local a favor do universal: devemos, pelo contrário,
uni-los. Nas ciências biológicas, desenvolvimento da disciplina ecológica demonstra
que é no quadro localizado dos ecossistemas que se desenvolvem e vivem os indivíduos
singulares. Portanto, já não podemos expulsar o singular e o local a favor do universal:
devemos, pelo contrário, uni-los.
A terceira avenida é a da complicação. O problema da complicação surgiu a
partir do momento em que se viu que os fenômenos biológicos e sociais apresentavam
4

um número incalculável de interações, de inter-retroações, um fabuloso enredo que não


podia ser informatizado nem mesmo pelo computador mais poderoso, donde o paradoxo
de Niels Bohr que diz: “As interações que mantêm em vida o organismo de um cão são
impossíveis estudar in vivo. Para as estudar corretamente, seria necessário matar o cão.”
A quarta avenida abriu-se quando começou a conceber-se uma misteriosa
relação complementar e, contudo, logicamente antagônica entre as noções de ordem, de
desordem e de organização. É mesmo esse o princípio «order from noise», formulado
por Heinz von Foerster em 1959, que se opunha ao princípio clássico «order from
order» (a ordem natural obedecendo às leis naturais) e ao princípio estatístico «order
from disorder» (em que uma ordem estatística, ao nível das populações, nasce de
fenômenos desordenados-aleatórios ao nível dos indivíduos). O princípio «order from
noise» significa que fenômenos ordenados (eu diria organizados) podem nascer de uma
agitação ou de uma turbulência desordenada. Assim, os trabalhos de Prigogine
mostraram que estruturas em turbilhão coerentes podiam nascer de perturbações que
deveriam aparentemente resolver-se em turbulências. E neste sentido que emerge
perante o nosso entendimento o problema de uma relação misteriosa entre a ordem, a
desordem e a organização.
A quinta avenida da complexidade é a da organização. Aqui surge uma
dificuldade lógica; a organização é o que constitui um sistema a partir de elementos
diferentes; ela constitui, portanto, uma unidade e, simultaneamente, uma multiplicidade.
A complexidade lógica da unitas multiplex exige-nos que não dissolvamos o múltiplo
no uno, nem o uno no múltiplo.
Além disso, o que é interessante é que um sistema é, ao mesmo tempo, mais e
menos que aquilo a que poderia chamar-se a soma das suas partes. Qualquer coisa
menos em que sentido? Pois bem, é que esta organização faz suportar opressões que
inibem potencialidades que estão em cada parte, o que sucede em toda a organização,
incluindo a social, em que as opressões jurídicas, políticas, militares e outras fazem que
muitas das nossas potencialidades sejam inibidas ou reprimidas. Mas, ao mesmo tempo,
o todo organizado é qualquer coisa mais que a soma das partes, porque ele faz surgir
qualidades que não existiriam nessa organização; estas qualidades são “emergentes”, o
que significa que são constatáveis empiricamente, sem serem dedutíveis logicamente;
estas qualidades emergentes retroatuam ao nível das partes e podem estimulá-Ias a
exprimirem as suas potencialidades. Assim, vemos bem como a existência de uma
cultura, de uma língua, de uma educação, propriedades que só podem existir ao nível do
5

todo social, regressam às partes para permitir o desenvolvimento do espírito e da


inteligência dos indivíduos.
A este primeiro nível de complexidade organizacional, é-nos necessário
acrescentar um nível de complexidade própria das organizações biológicas e sociais.
Estas organizações são complexas, porque são simultaneamente acêntricas (quer dizer,
que funcionam de forma anárquica por interações espontâneas), policêntricas (que têm
vários centros de controle ou organizações) e cêntricas (que dispõem, ao mesmo tempo,
de um centro de decisão). Assim, as sociedades históricas contemporâneas auto-organi-
zam-se simultaneamente a partir de um centro de comando-decisão (Estado, Governo),
de vários centros de organização (autoridades provinciais, municipais, empresas,
partidos políticos, etc.) e também das interações espontâneas entre grupos e indivíduos.
Há uma coisa ainda mais espantosa no domínio da complexidade. E o princípio a
que poderia chamar-se hologramático; o holograma é a imagem física cujas qualidades
de relevo, de cor e de presença dependem do fato de que cada um dos seus pontos
contém quase toda a informação do conjunto que ele representa. Pois bem, nós temos
este tipo de organização nos nossos organismos biológicos; cada uma das nossas
células, incluindo a mais modesta, como uma célula da nossa epiderme, contém a
informação genética do nosso ser global. (Evidentemente, só uma pequena parte desta
informação é expressa nesta célula, estando o resto inibido.) Neste sentido, pode dizer-
se que não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte.
O mesmo acontece, mas de uma forma completamente diferente, nas nossas
sociedades. Desde o nascimento, a família ensina-nos a linguagem, os primeiros rituais
e as primeiras necessidades sociais, a começar pela limpeza e pelos bons costumes; a
introdução da cultura continua através da escola, através da educação. E tem-se mesmo
este princípio eminentemente irônico, mas tão significativo, de que “a ignorância da lei
não aproveita a ninguém”, isto é, que o todo da legislação penal e repressiva deve estar,
em princípio, presente no espírito do indivíduo. Assim, de certa forma, o todo da
sociedade está presente na parte - o indivíduo - inclusive nas nossas sociedades que
sofrem de uma super especialização no trabalho. O que significa também que já não
pode considerar-se um sistema complexo segundo a alternativa do reducionismo (que
quer compreender o todo unicamente a partir das qualidades das partes) ou do
“holismo”, não menos simplificador, que negligencia as partes para compreender o
todo. Já Pascal o dizia: “Só posso compreender um todo se conhecer especificamente as
partes, mas só posso compreender as partes se conhecer o todo.”
6

Tal significa que se abandona um tipo de explicação linear a favor de um tipo de


explicação em movimento, circular, em que se vai das partes para o todo, do todo para
as partes, para tentar compreender um fenômeno. A elucidação, por exemplo, do todo
pode fazer-se a partir de um ponto específico que concentra em si, num dado momento,
o drama ou a tragédia do todo. Assim, por exemplo, o que fez Pierre Chaunu. Ao
estudar as estatísticas demográficas da Europa ocidental, viu subitamente nos anos da
década de 1950 uma queda brutal da demografia na cidade de Berlim. A maioria dos
demógrafos via nesse fenômeno um caso de exceção, devido ao estatuto excepcional de
Berlim. Chaunu pressentiu que Berlim era o ponto crítico específico que anunciava o
declínio demográfico geral. Assim, a inteligibilidade dos fenômenos globais ou gerais
tem necessidade de circuitos, de vai-vem e de andar para trás e para diante entre os
pontos singulares e os conjuntos.
Devemos ligar o princípio hologramático a outro princípio de complexidade, que
é o princípio de organização recursiva. A organização recursiva é a organização cujos
efeitos e produtos são necessários à sua própria provocação do efeito e à sua própria
produção. Trata-se rigorosamente do problema da autoprodução e da auto-organização.
Assim, uma sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos, mas estas
interações produzem um todo organizador, o qual retroage sobre os indivíduos para os
co-produzir na sua qualidade de indivíduos humanos, o que eles não seriam se não
dispusessem da educação, da linguagem e da cultura. Assim, o processo social é um elo
produtivo ininterrupto em que, de alguma forma, os produtos são necessários à
produção do que os gera. As noções de efeito e de causa já se tinham tornado complexas
com o aparecimento da noção de elo retroativo de Norbert Wiener (em que o efeito
retorna de forma causal a causa que o produz); as noções de produto e de produtor
tornam-se noções ainda mais complexas que se remetem uma para a outra. Tal é
verdade para o fenômeno biológico mais evidente: o ciclo da reprodução sexual produz
indivíduos, mas estes indivíduos são necessários à continuação deste ciclo de re-
produção. Por outras palavras, a reprodução produz indivíduos que produzem o ciclo de
reprodução. Donde, a complexidade não é apenas um fenômeno empírico (acaso,
eventualidade, desordens, complicações, sobreposições no seio dos fenómenos); a
complexidade é também um problema conceitual e lógico que embaralha as demarca-
ções e as fronteiras muito nítidas entre os conceitos como “produtor”e “produto”,
“causa” e “efeito”, “uno” e “múltiplo”.
7

E eis a sétima avenida em direção à complexidade, a avenida da crise dos


conceitos delimitados e claros (sendo delimitação e clareza complementares), quer
dizer, a crise da clareza e da separação na explicação. Aí, efetivamente, há ruptura com
a grande idéia cartesiana de que a clareza e a distinção das idéias são um sinal da sua
verdade, isto é, que não pode haver verdade que não possa ser expressa de forma clara e
nítida. Atualmente, vemos que surgem verdades em ambigüidades e numa aparente
confusão. Assim, Mauro Ceruti falou do fim do sonho de estabelecer uma demarcação
clara e distinta entre ciência e não-ciência. Mas trata-se apenas de um caso particular da
crise das demarcações absolutas; há também a crise da demarcação nítida entre o objeto,
sobretudo o ser vivo, e o seu meio ambiente. Era, contudo, esta idéia que a ciência
experimental tinha conseguido impor com sucesso, visto que podia tomar um objeto,
arrancá-Io ao seu meio ambiente, situá-lo num meio ambiente artificial que é o da
experiência, modificá-Io e controlar as suas modificações para o conhecer.
Tal funcionava efetivamente ao nível de um conhecimento de manipulação, mas
tornava-se cada vez menos pertinente ao nível de um conhecimento de compreensão:
tomou-se consciência disso, nomeadamente no que se refere ao estudo dos animais e
particularmente dos chimpanzés. Os chimpanzés estudados em laboratório eram
examinados como indivíduos isolados e eram sujeitos a testes que, na realidade, não
revelavam o seu comportamento, mas sim um comportamento de prisioneiro e de
manipulado. Todos estes estudos experimentais ocultavam completamente a realidade
que os etólogos descobriram, a começar com uma simples ex-datilógrafa, Jannette
Lawick-Godal, que, ao longo de anos de observação, descobriu relações extremamente
complexas entre chimpanzés, bem como as suas aptidões técnicas, cinegéticas e
intelectuais até então totalmente desconhecidas.
Não é suficiente não isolar do seu meio ambiente um sistema auto-organizado. É
necessário ligar muito intimamente auto-organização e eco-organização na noção-chave
de auto-eco-organização. Assim, a organização dos seres vivos traz no seu seio a ordem
cósmica da rotação da Terra em volta do Sol, marcada pela alternância do dia e da noite
e pela das estações! Nós alternamos vigília e sono e o aumento da duração do dia ou da
temperatura desencadeia, na Primavera, a vigília vegetal e a sexualidade animal.
Mais ainda, a compreensão da autonomia coloca-nos um problema de
complexidade. A autonomia não era concebível no mundo físico e biológico enquanto a
ciência só conhecia determinismos exteriores aos seres. O conceito de autonomia só
pode ser concebido a partir de uma teoria dos sistemas simultaneamente abertos e fecha-
8

dos; um sistema que trabalha tem necessidade de energia fresca para sobreviver e deve,
portanto, ir buscar essa energia ao seu meio ambiente. Daí que a autonomia se
fundamenta na dependência relativamente ao meio ambiente e o conceito de autonomia
transforma-se num conceito complementar do de dependência, embora lhe seja também
antagônico. Por outro lado, um sistema autônomo aberto deve ser, ao mesmo tempo,
fechado, a fim de preservar a sua individualidade e a sua originalidade. Mais uma vez,
temos aqui um problema conceitual de complexidade. No universo das coisas simples, é
necessário “que uma porta esteja aberta ou fechada”, mas, no universo complexo, é
necessário que, um sistema autônomo esteja simultaneamente aberto e fechado. E
necessário estar dependente para ser autônomo. A proposição não é, evidentemente,
reversível e a prisão não dá a liberdade!
A oitava avenida da complexidade é o retorno do observador à sua observação.
Nas ciências sociais, era de uma forma absolutamente ilusória que se julgava eliminar o
observador. O sociólogo não está apenas na sociedade; de acordo com a concepção
hologramática, a sociedade também está nele; ele está possuído pela cultura que possui.
Como poderia ele encontrar o ponto de vista solar, o ponto de vista divino donde
julgaria a sua própria sociedade e as outras sociedades? Foi esta a carência lamentável
da antropologia do início deste século, em que os antropólogos como Lévy-Bruhl
pensavam que aqueles a quem eles chamavam “primitivos” eram adultos infantis que só
tinham um pensamento místico e mágico. Mas então - a pergunta foi feita por
Wittgenstein, entre outros - como é que eles são capazes de fabricar - com que astúcia
técnica e com que inteligência? - flechas reais e como é que eles são capazes de as atirar
e de matar verdadeiramente o animal, enquanto praticam feitiços e ritos mágicos? O
erro de Lévy-Bruhl vinha do seu ocidentalocentrismo racionalizador de observador
inconsciente do seu próprio lugar no devir histórico e da sua particularidade sociológica;
ingenuamente, ele julgava-se no centro do univeso e no topo da razão!
Donde, esta regra de complexidade: o observador-conceptor deve integrar-se na
sua observação e na sua concepção. Deve tentar conceber o seu hic et nunc
sociocultural. Tudo isto não é apenas o regresso à modéstia intelectual, é também o
retorno à aspiração autêntica à verdade. O problema do observador não se limita às
ciências antropossociais; doravante, diz respeito às ciências físicas; de forma que o
observador perturba a observação microfísica (Heisenberg); qualquer observação que
englobe aquisição de informação paga-se em energia (Brillouin); finalmente, a própria
cosmologia reintroduz o homem pelo menos no princípio chamado “antrópico” - não de
9

entropia, mas de “anthropos” - segundo o qual a teoria da formação do universo deve ter
em conta a possibilidade da consciência humana e, bem entendido, da vida (Brandon
Carter).
A partir daqui, podemos formular o princípio da reintegração do conceptor na
concepção: a teoria, qualquer que ela seja e trate do que tratar, deve relatar o que
torna possível a produção dessa mesma teoria e, se ela não pode relatá-lo, deve saber
que o problema permanece em aberto. E mais: a complexidade está na própria origem
das teorias científicas, incluindo as teorias mais simplificadoras. Antes de mais, como
estabeleceram, de formas diversas, Popper, Holton, Kuhn, Lakatos, Feyerabend, há um
núcleo não científico em toda a teoria científica. Popper deu ênfase aos “pressupostos
metafísicos” e Holton salientou os themata ou temas obsessivos, que animam o espírito
dos grandes cientistas, a começar pelo determinismo universal, que é, simultaneamente,
postulado metafísico e tema obsessivo. Lakatos indicou que há naquilo a que ele chama
os programas de investigação um “núcleo duro” indemonstrável e Thomas Kuhn, em La
Structure des Révolutions Scientifiques, revela que as teorias científicas são organizadas
a partir de princípios que não têm qualquer relação com a experiência, que são os
paradigmas.
Por outras palavras, e trata-se de um paradoxo espantoso, a ciência desenvolve-
se, não só apesar do que há nela de não científico, mas também, graças ao que há nela
de não científico. A tudo isso acresce um problema-chave, que é o problema da con-
tradição. A lógica clássica tinha valor de verdade absoluta e geral e, desde que se
chegasse a uma contradição, o pensamento devia fazer marcha atrás; a contradição era o
sinal de alarme que indicava o erro. Ora, Bohr notou, a meu ver, um acontecimento de
importância epistemológica fundamental quando, não por fadiga mas por consciência
dos limites da lógica, suspendeu o grande jogo entre a concepção corpuscular e a
concepção ondulatória da partícula, declarando que era necessário aceitar a contradição
entre as duas noções tornadas complementares, visto que as experiências levavam
racionalmente a esta contradição.
Da mesma forma, quando se pensa na “grande explosão” cósmica, não se nota,
de maneira nenhuma, que é o passo empírico-racional que conduz à irracionalidade
absoluta. Com efeito, visto que se constatava uma dispersão das galáxias, era necessário
supor uma concentração originária e, visto que se descobria nos horizontes do universo
o testemunho fóssil de uma explosão, era necessário supor que esta explosão estava na
própria origem deste universo. Por outras palavras, é por razões lógicas que se chega a
10

este absurdo lógico em que o tempo nasce do não tempo, o espaço do não espaço e a
energia do nada. A partir daí, está iniciado o diálogo com a contradição. Somos levados
a estabelecer uma relação simultaneamente complementar e contraditória entre as
noções fundamentais que nos são necessárias para conceber o nosso universo.
Por outro lado, chegou-se a outro tipo de limitação da lógica. O teorema de
Gõdel e a lógica de Tarski mostravam em conjunto que nenhum sistema explicativo
pode explicar-se totalmente a si próprio (Tarski) e que nenhum sistema formalizado
complexo consegue encontrar em si a sua própria prova. De uma forma mais clara, abre-
se um grande problema para o pensamento complexo: será que pode substituir-se a
lógica bivalente, dita aristotélica, por lógicas polivalentes? E necessário infringir esta
lógica? Em que condições? Não se pode nem escapar a esta lógica nem fechar-se dentro
dela; é necessário infringi-Ia mas regressar a ela. Por outras palavras, a lógica clássica é
um utensílio retrospectivo, seqüencial e corretivo, que nos permite corrigir o nosso
pensamento seqüência por seqüência, mas, logo que se trata do seu próprio movimento,
do seu próprio dinamismo e da criatividade que existe em qualquer pensamento, pois
bem, efetivamente, a lógica pode, quando muito, servir de muleta, nunca de pernas.
A complexidade parece negativa ou regressiva, visto que é a reintrodução da
incerteza num conhecimento que tinha partido em triunfo à conquista da certeza
absoluta. E preciso pôr luto por este absoluto. Mas o aspecto positivo, o aspecto
progressivo que pode dar a resposta ao desafio da complexidade é o ponto de partida
para um pensamento multidimensional. Qual é o erro do pensamento formalizador
quantificador que dominou as ciências? Não é, de maneira nenhuma, o fato de ser um
pensamento formalizador e quantificador, não é, de maneira nenhuma, o fato de pôr
entre parênteses o que não é quantificável nem formalizável. É o fato de ter acabado por
acreditar que o que não era quantificável ou formalizável não existia, sonho delirante,
porque nada é mais louco que a coerência abstrata.
É necessário reencontrar o caminho de um pensamento multidi mensional que,
evidentemente, integre e desenvolva formalização e quantificação, mas que não se fecha
dentro delas. A realidade antropossocial é multidimensional; abrange sempre uma
dimensão individual, uma dimensão social e uma dimensão biológica. O econômico, o
psicológico, o demográfico, que correspondem a categorias disciplinares especializadas,
são outras tantas faces de uma mesma realidade; são aspectos que, evidentemente, é
necessário distinguire tratar como tais, mas não devem ser isolados e tornados não
11

comunicantes. É isto a chamada para o pensamento multidimensional. É necessário, por


fim e especialmente, encontrar o caminho de um pensamento dialógico.
O termo dialógico significa que duas lógicas, dois princípios estão unidos sem
que a dualidade se perca nesta unidade: donde a idéia de “unidualidade” que propus em
certos casos; desta forma, o homem é um ser unidualista, ao mesmo tempo totalmente
biológico e totalmente cultural. A própria ciência obedece à dialógica. Porquê? Porque
não deixou de caminhar com quatro patas diferentes. Caminha com a pata do empirismo
e com a pata da racionalidade, com a da imaginação e com a da verificação. Ora, há
sempre dualidade e conflito entre as visões empíricas que, em última análise, são
puramente pragmáticas e as visões racionalistas que, em última análise, se tornam
racionalizadoras e lançam para fora da realidade o que escapa à sua sistematização.
Assim, racionalidade e empirismo mantêm uma dialógica fecunda entre a vontade da
razão de agarrar todo o real e a resistência do real à razão. Ao mesmo tempo, existem
complementaridade e antagonismo entre a imaginação que faz as hipóteses e a
verificação que as selecciona. Por outras palavras, a ciência fundamenta-se na dialógica
entre imaginação e verificação, empirismo e racionalismo.
Ao princípio dialógico deve juntar-se o princípio hologramático, em que, de
certa forma, como num holograma, o todo está na parte que está no todo. Assim, de
alguma maneira, a totalidade da nossa informação genética está em cada uma das nossas
células e a sociedade enquanto “todo” está presente nos nossos espíritos via a cultura
que nos formou e informou. Assim de outra forma, pode dizer-se “o mundo está no
nosso espírito, o qual está no nosso mundo”. O nosso espírito-cérebro “produz” o
mundo que produziu o espírito-cérebro. Nós produzimos a sociedade que nos produz.
Desta forma, o princípio hologramático está ligado ao princípio recursivo de que já
falei.
O desafio da complexidade faz-nos renunciar para sempre ao mito da elucidação
total do universo, mas encoraja-nos a prosseguir a aventura do conhecimento que é
diálogo com o universo. O diálogo com o universo é a própria racionalidade. Acreditou-
se que a razão devia eliminar tudo o que é irracionalizável, isto é, a eventualidade, a
desordem, a contradição, a fim de fechar o real no interior de uma estrutura de idéias
coerentes, teoria ou ideologia. Ora, a realidade transborda por todos os lados das nossas
estruturas mentais: “Há mais coisas na Terra e no Céu que em toda a nossa filosofia”,
tinha, há muito tempo, comentado Shakespeare. A finalidade do nosso conhecimento é
abrir e não fechar o diálogo com este universo. Isto é: não só arrancar-lhe o que pode ser
12

claramente determinado, com rigor e exatidão, como sucedeu com as leis da natureza,
mas também entrar no jogo do claro-obscuro que é o da complexidade.
O imperativo da complexidade é também pensar organizadamente; é
compreender que a organização não se resume a alguns princípios de ordem, a algumas
leis; a organização necessita de um pensamento complexo extremamente elaborado. Um
pensamento de organização que não compreenda a relação auto-eco-organizadora, isto
é, a relação profunda e íntima com o meio ambiente, que não compreenda a relação
hologramática entre as partes e o todo, que não compreenda o princípio da
recursividade, tal pensamento está condenado à chateza, à trivialidade, quer dizer, ao
erro...
Estou convencido de que um dos aspectos da crise do nosso século é o estado de
barbárie das nossas idéias, o estado de pré-história do espírito humano que ainda é
dominado pelos conceitos, pelas teorias, pelas doutrinas que ele produziu, exatamente
como pensámos que os homens arcaicos eram dominados pelos seus mitos e pela sua
magia. Os nossos predecessores tinham mitologias mais concretas. Nós sofremos o
controle de poderes abstractos. Daí que o estabelecimento de diálogos entre os nossos
espíritos e as suas produções coisificadas em idéias e sistemas de idéias seja uma coisa
indispensável para defrontar os problemas dramáticos do fim deste milênio. A nossa
necessidade de civilização abrange a necessidade de uma civilização do espírito. Se
ainda podemos ousar ter esperança em alguns melhoramentos, em algumas alterações
nas relações dos humanos entre si (quero dizer não apenas entre impérios, não apenas
entre nações, mas entre pessoas, entre indivíduos e mesmo entre cada um e si próprio),
então este grande salto civilizatório e histórico abrange também, a meu ver, o salto em
direção ao pensamento da complexidade.
13

Potrebbero piacerti anche