No presente trabalho, apresento as cantigas (Orin) de Òrìsà dentro da visão do
culto aos Òrìsà como
aprendi nos meus mais de vinte anos de iniciado, mormente do ponto de vista dos Yorùbá, de cujas terras provêm o nosso culto, cujos ensinamentos, pelas dificuldades de centenas de anos sendo transmitidos e retransmitidos oralmente, foram se perdendo ou se deturpando (e o desconhecimento quase que geral da linguagem muito contribuiu para isso). Curioso que sempre fui desde criança, ao ouvir as rezas e cantigas (gbàdúrà àti orin Òrìsà), fazia perguntas para saber os significados destas. No entanto, quando não obtinha uma evasiva do tipo: “você ainda é muito novo para saber isso” ou, “todo mundo canta assim e isto não se traduz”, ou, ainda, “isto é segredo que só após “x” anos você saberá”, não obtinha respostas, coisas que nunca engoli, e que me provocavam grande insatisfação, causando-me mal-estar por ser considerado “curioso”. Ao ler o livro Os Nagôs e a Morte, de Juliana Elbein dos Santos, chamaram-me a atenção as explicações de como ler e pronunciar determinadas palavras e trechos que o livro continha em Yorùbá e, além disso, com as traduções, o que reacendeu em mim a vontade de aprender mais ainda da língua em que nós, supostamente, cantávamos e também rezávamos. Daí passei a procurar tudo o que pudesse obter sobre a língua Yorùbà, bem como da cultura e visão Yorùbá sobre os Òrisà e os Ancestrais. Então, com o decorrer do tempo, consegui aprender, não o bastante para satisfazer minha vontade de aprender e entender, mas o suficiente para entender e interpretar grande parte da linguagem e práticas rituais já aprendidas. Aprecio todas as nuanças do culto aos Òrisà. Além do principal, que é o awo (culto secreto) propriamente dito, também me fascinam o canto, as danças e os toques rituais, com isso, colecionei várias cantigas de Òrisà durante estes anos, muitas das quais já não ouço mais cantar nas casas de candomblé atualmente. Aprendendo, verifiquei que muitas cantigas nossas são cantadas com palavras erradas ou simplesmente expressões, onomatopaicas, isto é, apenas imitando sons, ou somente tem som, mas sem letra nem sentido, o que, muitas das vezes, não passa de “enrolar a língua”, apenas para dar um falso ar de conhecimento para impressionar as pessoas recém ou não iniciadas, como se estivessem sendo ditas coisas importantes (o que deveria sê-lo na verdade, mas que, certamente, a grande maioria não sabe o que quer dizer ou o que diz ao cantar) quando, na verdade, o vocabulário destas pessoas (entre as quais eu também já estive) resume-se a algumas palavras soltas, numa mistura de Yorùbá, Fón, e Kimbundu, formado uma grande miscelânea. Hoje, tenho o prazer de poder cantar sabendo o que canto e entender quando ouço as pessoas que falam o Yorùbá corretamente. Resolvi catalogar as cantigas obtidas para os diversos Òrisà, onde procurei adequar os sons já conhecidos com as palavras corretas em Yorùbá, fazendo sentido de acordo com as lendas e os mitos de cada Òrìsà. Apresento aqui algumas das mais conhecidas e cantadas nas Casas de Kétu, esperando que esta pequena coletânea de orin seja a semente que possa brotar e espalhar em outras pessoas este mesmo ideal: o de que a comunidade da maioria das casas de candomblé possa cantar na maior uniformidade possível, entendendo o que diz e o que ouve.