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Os objectivos deste capítulo são os seguintes:
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Sumário
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1. Introdução – formalização do problema ou da questão a tratar
Outros autores consideram que a investigação embora seja simples é demasiado pessoal.
Uma arte dificilmente transmissível (Evans-Pritchard, 1962, Peter Woods, 1987). Uma
prática que se constitui pelo inesperado e por respostas originais do investigador. O
escasso conhecimento prévio do problema e do terreno não permite que a investigação
seja totalmente desenhada, numa fase anterior ao trabalho de campo.
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teóricas num estudo cultural são uma tentativa para lembrar e compreender a
visão nativa da sua própria cultura e as relações culturais, objectivas e históricas,
então os métodos de trabalho de terreno têm que reflectir o propósito final de
fazer parte da experiência humana.
Williams, 1976: 64-65.
Uma outra hipótese formulada é a de que a investigação é sempre complexa mas sujeita
a uma tal imprevisibilidade que não é possível proceder-se a qualquer tipo de
planeamento. Trata-se sobretudo de uma abordagem exploratória usada para desenvolver
hipóteses e, de um modo mais geral, para detectar provas de definição, circunscrição,
descrição e interpretação de tópicos menos compreensíveis. Aproximam-se da ideia de
"teoria baseada no terreno" em que a descrição exploratória leva ao desenvolvimento de
teorias e medidas significativas.
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e do procedimento errante ao sabor do percurso, apontando para um procedimento semi-
determinado e flexível sem desvios assinaláveis ao problema ou ideia geral da
investigação. O design de investigação deve ser reflexivo, realizar-se e actuar em todas as
etapas do desenvolvimento da investigação. Poderemos falar de design global da
investigação e de um re-design da investigação dos detalhes e das etapas. Parafraseando
Boutinet (1996) no que diz acerca do projecto, diríamos que através do design de
investigação (do projecto) procuramos criar algo de inédito, não um qualquer inédito,
mas um inédito que mantenha um parentesco secreto com a experiência já realizada do
indivíduo, com a sua história pessoal, não deixando, portanto, de conter uma parte
significativa da subjectividade do seu autor.
Devemos reconhecer que, muito menos que outras formas de investigação social,
o curso de uma etnografia não pode estar predeterminado. Isto porém não elimina
a necessidade de uma preparação prévia do trabalho de campo nem significa que
o comportamento do investigador em campo tenha de ser caótico, ajustando-se
meramente aos factos, tomando em cada momento a direcção que apresenta
menos resistência. O design de investigação deve ser um processo reflexivo,
operando em todas as etapas do desenvolvimento da investigação.
Hammersley e Atkinson, 1994: 42
A palavra inglesa design pode significar, segundo o contexto: plano, projecto, intenção,
esquema, processo ou esquisso, modelo, composição visual (visualização da solução
encontrada), estilo. Em francês esta duplicidade de sentido é mantida por duas palavras:
dessein – desígnio, intento, propósito, fim, projecto que implica uma intenção e um
processo e dessin – desenho, delineamento que implica a concretização do projecto num
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esquisso, esquema, composição visual. A falta de uma palavra portuguesa com este duplo
sentido leva-nos a optar pela palavra design, mais frequentemente utilizada no domínio
das artes e da concepção de objectos que na investigação, embora, com frequência,
referida em manuais que abordam esta problemática.
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individualidade e o enraizamento numa tradição e num saber. O princípio enunciado por
David Hume em relação à escrita poder-nos-á servir de orientação "se a novidade é
excessiva o texto não poderá ser percebido... se a facilidade é excessiva, o texto
resultará aborrecido, privado de interesse". O mesmo poderemos dizer em relação à
investigação.
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desconfortáveis, faltar-lhes as roupas ou equipamento mais apropriados, sentirem
a falta de repelente de insectos, terem que tirar fotografias no jardim zoológico
local em vez de o fazerem na floresta. Poderiam, ainda, esquecer o que
pretendiam ver, fazer ou aprender, ou mesmo faltar-lhes o dinheiro.
Lecompte e Schensul, 1999: 61-62
De acordo com Pelto and Pelto (1978: 291), "o design da investigação envolve a
combinação de questões essenciais da pesquisa com uma sequência de problemas
efectivos a resolver. Assim, o projecto de investigação é uma argumentação que se
concentra em componentes que devem estar presentes, para que os objectivos do estudo
possam ser alcançados." Esta argumentação ilustra pelo menos dois elementos
importantes do design da investigação.
Segundo, um projecto bem concebido traz linhas condutoras para ligar a teoria com os
métodos de recolha e análise de dados, conduzindo a resultados válidos ou "defensáveis".
Acrescento "defensável" a "válido", termo que habitualmente uso, para pôr os leitores ao
corrente de que abandono a visão tradicional do design da investigação, para incluir uma
variedade de estratégias propostas hoje pela antropologia. As abordagens interpretativa,
hermenêutica e pós-moderna fazem poucas referências a questões ligadas ao design da
investigação em etnografia, mas bons exemplos de escrita etnográfica podem
providenciar "testemunhos morais" para dar a conhecer problemas sociais, movimentação
de indivíduos (incluindo políticos) de modos diferentes dos métodos quantitativos
29
(Seidman 191: 158). Contudo, o design de um projecto, sendo bem articulado, ajuda "a
promover a conduta efectiva do investigador"; quer se opte por uma perspectiva
positivista ou humanista (Ellen 1984: 158).
É necessário fazer uma distinção entre aquilo que, por vezes, se designa como lista de
componentes de investigação e design da investigação. A lista é importante. Envolve
detalhes relativos ao início e ao fim do trabalho de campo, a situações da viagem e a
permissões oficiais ou governamentais, a contactos a fazer no terreno e local aonde
permanecer, etc. O design, por outro lado, envolve os detalhes metodológicos e
analíticos que contribuem para a credibilidade, validade, acreditação ou
plausibilidade de qualquer estudo.
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1996). Os projectos individuais de investigação variam na sua complexidade e adquirem
especificidade com a definição do que o investigador se propõe abordar e descobrir.
Portanto, a primeira coisa que o investigador tem a fazer, após definir a primeira ideia
(questão ou problema), é criar um design de investigação para o projecto.
Uma investigação em antropologia deverá começar, sempre, por definir com clareza o
objecto de estudo, isto é, identificar numa frase ou num muito pequeno texto a
problemática geral da pesquisa, sublinhando as palavras-chave. Expor a problemática
geral, perspectiva teórica e prática num pequeno texto. Procurar as motivações e as
finalidades que movem o investigador a optar por esta problemática e a pertinência da sua
realização no âmbito da antropologia.
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3.2. Objectivos de investigação
1
Não esquecer que neste manual entendemos fundamentalmente “terreno” como os lugares onde o
investigador realiza a pesquisa e as populações a estudar. Ainda no decorrer deste capítulo, mas sobretudo
nos capítulos seguintes exploraremos outros sentidos que o “terreno” possa vir a adquirir.
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colaboração no terreno é crucial durante as primeiras fases do processo de design,
especialmente se o investigador em processo de iniciação, não pertence à cultura a
estudar e na situação de realização individual da pesquisa apoiada em financiamentos
próprios.
Para alguns antropólogos, o design da investigação segue as mesmas questões que guiam
o trabalho da maioria dos investigadores em ciências sociais ou bons repórteres de
investigação – “O quê?” “Onde?” ”Quem?” “Quando?” “Como?” e “Porquê?
(LeCompte).
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verificar certas hipóteses e é incapaz de mudar quantas vezes for necessário o seu
ponto de vista e desfazer-se dos a priori quando as evidências assim o aconselhem
não é necessário dizer que o seu trabalho não será de nenhum valor. Com efeito,
quantos mais problemas leve consigo para o campo mais propenso estará a
modelar a teoria, de acordo com os factos e a ver os factos em relação à teoria, e
melhor estará preparado para o trabalho. As ideias preconcebidas são perniciosas
em qualquer tipo de trabalho científico, porém aventurar problemas
preliminares é a principal qualidade de um cientista, e esses problemas
revelam-se pela primeira vez ao observador a partir dos seus estudos teóricos.
Malinowski, 1922:8-9
Evans-Pritchard não crê nas vantagens da não existência de uma problemática geral, “o
que anda à procura”, nem de realizar o trabalho de campo fora dos “seus interesses” e
“linhas de investigação”.
Para uma pessoa que saiba o que anda a procurar e como deve procurar, é quase
impossível que se equivoque a respeito dos factos, sobretudo se passa dois anos
no seio de uma sociedade pequena e culturalmente homogénea, sem fazer outra
coisa senão estudar a forma de vida dos nativos. Chega a conhecer tão bem o que
se dirá e o que se fará em qualquer situação — quer dizer, a vida social torna-se
tão familiar para ele — que deixa de ser necessária a continuação das suas
observações ou dos seus questionários. Além disso, independentemente do seu
carácter, o antropólogo especula dentro dos limites de um conjunto de
conhecimentos teóricos que determinam nas suas linhas gerais os seus interesses e
as suas linhas de investigação. Trabalha também dentro dos limites impostos pela
cultura do povo que investiga. Se são pastores nómadas, tem de estudar o
nomadismo pastoril. Se andam obcecados pela feitiçaria, tem de estudar a
feitiçaria. Não tem outra saída senão a de seguir os padrões culturais locais.
Evans-Pritchard, 1999: 80
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de terreno. O processo aponta para o que mais abaixo referiremos ao apresentar a relação
entre a abordagem exploratória e explanatória.
Às vezes as questões de investigação podem ter como ponto de partida uma teoria.
Poderemos considerar estas abordagens de natureza explanatória, isto é, abordagens que
envolvem geralmente o teste (aferição/confirmação) de elementos de uma teoria, que
pode ter sido anteriormente proposta na literatura ou ser conhecida através de
investigações exploratórias. O design da investigação é determinado a priori e o seu
principal propósito é eliminar ameaças à validação, considerando para tal que as coisas
são o que aparentam ser ou a melhor aproximação da verdade (Cook and Campbell
1979). Neste empreendimento, a explanação pode envolver uma pesquisa geral de
causalidade ou prognóstico.
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Análise de dados Recolha de
dados
EXPLORATÓRI
O
Desenvolviment
o da teoria
Teoria
Inferências Objectivos do
Conhecimento teórico
Interpretação estudo
EXPLANATÓRIO
Conclusões
Análise Declarações
dos dados empíricas
Recolh Design
do
estudo
a de
dados
Objectivos do estudo
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Outra alternativa para estimular a investigação pode ser um acontecimento (facto social)
ou encadeamento de acontecimentos que causam surpresa. Esta pode ser desencadeada
pelos meios de comunicação social – violência urbana, inserção da comunidade étnicas
após processos de realojamento, etc.. ou decorrer de experiências pessoais2 que podem
constituir motivos e oportunidades de investigação.
Para muitos investigadores, as questões nascem das tarefas com que se comprometem no
seu próprio local de trabalho. Outros formulam-nas a partir de solicitações para investigar
determinado tópico, advindos de agências ou organizações – filantrópicas, fundações,
ONGs, etc..
2
Ver o trabalho de Martine Mounier (1998) Au coeur d’un couple franco-algérien, uma etnografia feita
desde o primeiro olhar ao encontro e à vida comum entre uma francesa, a autora e um argelino.
3
Ver dissertação de Mestrado em Relações Interculturais de Nilza Guimarães (1999) O Cinema na Escola:
histórias e retratos da infância, Universidade Aberta.
4
Ver dissertação de Mestrado em Relações Interculturais de Paula Cristina Soares (2001) Práticas
CulturiasCciganas: da reprodução à reapropriação e Maria da Luz Silva (2001), Famílias Ciganas:
morfologias, processos de interacção e transformação cultural, Universidade Aberta.
37
Os investigadores concluem também que as instituições financeiras geram
frequentemente questões de investigação – banco dos pobres, endividamento das
famílias, etc..
Não há uma regra universal única que determine até que ponto se pode elaborar o
problema de investigação antes de iniciar o trabalho de campo. Explorar as componentes
e implicações de um problema preliminar geral com a ajuda da leitura da literatura
pertinente e disponível constitui um primeiro passo, necessário à elaboração de um
projecto de pesquisa. Neste sentido são relevantes as monografias, os artigos,
autobiografias, diários e novelas baseados em factos da vida quotidiana 5, notícias e outras
peças dos meios de comunicação social e hoje sobretudo a informação disponível na
Internet. De qualquer forma a informação disponível facilmente coloca o investigador
numa situação a partir da qual não se pode progredir mais sem começar a recolha directa
de informação; ainda que a reflexão e o uso das fontes documentais secundárias devem
continuar para além deste ponto, durante todo o trabalho de investigação, nomeadamente
durante o trabalho de campo.
5
Consulta de fontes documentais nomeadamente as disponíveis na INTERNET ver Capítulo VII – Fontes
documentais na investigação em Antropologia.
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4. Desenvolver o problema de investigação / Elaborar questões de investigação
Converter os problemas preliminares num corpo de questões a partir das quais se poderão
extrair respostas teóricas. Estas podem consistir numa descrição narrativa de uma
sequência de factos, num relato generalizado das perspectivas e práticas de um grupo
particular de actores ou em formulações teóricas mais abstractas. Os problemas iniciais
são nesta fase transformados ou completamente abandonados em favor de outros (ver
Dollard).
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é, em termos de conceitos ou princípios que permitam uma comparação sistemática entre
diversos projectos ou critérios de comparação e generalização tratados mais adiante.
Devemos ser cuidadosos em não simplificar demasiado a distinção entre níveis de análise
particulares e genéricos. O progresso não deve dar-se em sentido unidireccional, de um
lado ao outro. Na condução do projecto, não se deve esperar que um conhecimento a
partir de uma série de temas substantivos e cabe com categorias formais, ou vice-versa.
Normalmente o que se dá é uma trajectória bidireccional entre estes dois modelos
analíticos. A atenção a temas particulares e substantivos sugerirá afinidades com alguns
conceitos formais que, por sua vez, indicarão a importância que têm outros aspectos
substantivos, e assim sucessivamente.
Com quem investigar? Categorias de sujeitos com quem o problema poderá ser
melhor estudado;
40
4.2. O que investigar?
6
Unidades de Análise.
7
Não pode o investigador esquecer que uma investigação se baseia sempre num determinado modo de ver
o mundo ou numa perspectiva adoptada pelo investigador – em paradigmas. Para aprofundar esta matéria
ver Margaret Lecompte, e Jean J. Schensul, 1999, Designing and Conducting Ethnographic Research.
8
Ver a este respeito Borel e Kilani, 1990.
41
descrição, localização, delimitação ou até da enumeração e definição de unidades de
amostra.
Esta é uma pergunta que acompanha de forma recorrente o investigador durante todo o
percurso de investigação. Pergunta, por vezes, incómoda porque apela a razões íntimas ou
revela aquelas que nem sempre são as melhores acerca da decisão de realizar uma
determinada pesquisa.
As razões da escolha poderiam assim ser exteriores ao investigador: razões da Universidade, dos
professores orientadores9 ou das entidades interessadas em acolher o estudante em situação de
formação, ou do próprio investigador. Frequentemente são razões negociadas entre os envolvidos
no projecto de pesquisa.
9
Vagner Gonçalves da Silva, 2000, em O antropólogo e a sua magia, pp. 26-36, procede a um
levantamento de testemunhos de antropólogos Brasileiros (Octávio Eduardo, Roberto da Matta e muitos
outros) que fizeram as suas opções de investigação em função das sugestões dos orientadores (Melville
Herskovits, Robert Murph). Será conveniente reflectir sobre as vantagens e as desvantagens desta prática
antes de uma tomada de decisão.
42
As razões individuais, como veremos no capítulo III, frequentemente inscritas nos prefácios das
obras são muito diversificadas. Por vezes, recriam a situação do antropólogo, herói romântico que
parte para lugares longínquos ou exóticos ou, pelo menos, diferentes do quotidiano para aí
empreender o trabalho de pesquisa, simultaneamente de aventura e até de fuga ao quotidiano.
Outras vezes, constituem estratégias coerentes de desenvolvimento de um percurso intelectual
inserindo-se em problemáticas bem definidas, mantidas durante bastante tempo, num terreno
cuidadosamente escolhido, num quadro de referência solidamente construído. Também é
frequente que a esta coerência de percurso se acrescentem estratégias de emprego ou de
progressão na carreira do investigador. Não esquecer que é neste contexto de escolha que o
investigador se credibiliza10 e é reconhecido.
Até agora, vimos apenas razões que se prendem ao lado do investigador, dos seus orientadores,
das instituições de formação. Há outras razões: a de prestar um contributo coerente ao
desenvolvimento do “estado da arte”, ou seja, ao conhecimento em antropologia – o que é que a
investigação traz de novo, que contributo relevante à teoria existente; as decorrentes do encontro
com pessoas, grupos sociais e culturas no processo de investigação. Umas e outras tão importantes
como as primeiras e dificilmente separáveis umas das outras – em antropologia, como veremos
mais tarde, são inseparáveis as questões epistemológicas, das questões éticas e políticas; os
interesses e estratégias individuais, institucionais e das pessoas e as populações com quem se
realiza o trabalho de investigação.
Torna-se necessário no design de investigação que o investigador tome consciência das razões da
sua investigação, do modo como estas progressivamente se vão definindo e articulando e das quais
resulta de uma forma mais clara a posicionalidade do investigador.
10
Ver cuidadosamente em Bruno Latour e Steve Woolgar (1986), A vida de laboratórios, as respostas que
encontrou à pergunta – o que motiva os pesquisadores? pp. 205-263.
43
4.4. Onde investigar?
44
estudo. Nestes casos, o investigador encontra-se num dilema de escolher entre abandonar
as questões anteriormente escolhidas ou postergar a investigação até escolher outro lugar
em que as questões seleccionadas possam ser investigadas. Por vezes, a importância da
problemática a estudar e as razões do investigador podem levá-lo à escolha de outro
lugar.
45
alguns autores apontam para a investigação translocal11 e transnacional (Hannerz, 2000:
235-251) ou mesmo para culturas deslocalizadas.
11
Ver capítulo III deste Manual - Preparar a investigação e o trabalho de campo.
46
estudo e a habilidade para localizar uma amostra determinam a decisão,
inclusivamente sobre a dimensão da amostra.
Os critérios conceptuais envolvem a saturação, referindo-se esta ao número,
ideal ou não, de indivíduos do grupo proposto para o estudo que têm
características que interessam ao investigador. Um estudo sobre desadaptação
funcional sobre Afro-Americanos idosos habitantes de uma pequena cidade pode
ser importante, mas encontrar participantes suficientes, com mais de 50 anos,
numa reduzida população, pode tornar o estudo impossível de prosseguir.
Vemos que a definição de critérios escolhida pelos autores aponta para razões ou escolhas
de natureza epistemológica e para determinado modelo ou paradigma de investigação. É,
no entanto, qualquer que seja o paradigma ou modelo teórico em que o investigador
inscreve as suas opções, preciso estar atento às perguntas que os autores referidos
colocam neste processo de decisão.
CONSIDERAÇÕES LOGÍSTICAS
O grupo solicitou-me que o estudasse?
ou
Tenho que encontrar um grupo para estudar?
CONSIDERAÇÕES DEFINIDORAS
SE OS INDIVÍDUOS POR QUEM ME INTERRESSO
NÃO SÃO MEMBROS DE UM GRUPO DESCONHECIDO
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ou
- Posso identificar um grupo ou indivíduo que me ajude a identificá-lo?
- Uma vez que os identifiquei, falarão comigo?
CONSIDERAÇÕESCONCEPTUAIS
- Pretendo estudar membros representativos do grupo? Se é assim, serão as características da população
suficientemente bem conhecidas para que possa identificar tais membros?
ou
- Tenciono comparar os indivíduos ou o grupo que pretendo estudar com outros indivíduos ou grupos?
Se é assim, pretendo estudar casos típicos, extremos, únicos, ideais, negativos, ou exemplares (ver LeCompte e Preissle,
1993)?
- Ou pretendo estudar uma amostra de um grupo alargado?
- Se estudar uma amostra, como devo construí-la?
48
papéis. Numa escola, num laboratório científico, num hospital, numa empresa poder-se-á
facilmente proceder à inventariação das pessoas que nos poderão servir de informantes ou
que simplesmente vão partilhar connosco a pertença, mesmo que por tempo limitado e
em posições diferenciadas.
É, no entanto, mais difícil prever quem são as pessoas com quem vamos contactar quando
a investigação ocorre em lugares mais alargados – um bairro periférico de uma cidade –
Alto da Cova da Moura (Horta, 2001), uma cidade – S. Paulo (Caldeira, 2000), ou lugares
distantes – São Tomé (Valverde, 2000).
Também, por muito fechado que seja o terreno escolhido, não será possível identificar as
pessoas com quem nos vamos encontrar, onde vamos participar e observar. Os sujeitos
com quem vamos realizar a investigação são quase sempre resultado do imprevisto. Mais
previsíveis nas instituições formais – escolas, empresas, fábricas; menos nas cidades, nas
aldeias, nos bairros.
49
4.7. Quando investigar?
O tempo tem uma importância óbvia na vida social mas tem sido frequentemente
esquecido. As actividades de investigação desenvolvidas pelos antropólogos ao longo do
tempo variam de maneira significativa. O tempo varia de terreno para terreno, de cultura
para cultura. A organização do tempo não é uma característica periférica na vida das
sociedades como também não é num trabalho de pesquisa.
50
Este conflito decorrente do tempo pode manifestar-se até nas relações entre um
investigador mais velho e os jovens, sujeitos da investigação. Uns mais habituados a um
regime diurno de levantar cedo e começar a trabalhar desde o nascer do dia, outros a um
regime de vida social nocturna (Ribeiro, 2000).
51
um enquadramento geral do design da investigação. Estas duas perspectivas não são, de
modo algum, mutuamente exclusivas ao abordar o problema da investigação.
5. Investigação em antropologia
Interpretativa Sistemática
52
Pós-moderma ↔ Interpretativa Exploratória (descritiva) ↔ Explanatória
Menor preocupação com detalhes do design e Maior preocupação com detalhes do design e
com os métodos com os métodos
Pesquisa Pesquisa
Compreensão, histórias morais, quadro Evitar hipóteses rivais, objectividade, possíveis
teórico local fontes de erro, aferição/verificação,
fundamentações teóricas
Propõe Propõe
Histórias ou narrativas credíveis Validação das hipóteses
Epistemologia: Epistemologia
Subjectivismo, descobertas investidas de Objectividade, dados próximos da verdade
valores
Preocupações Preocupações
Ameaças à credibilidade Ameaças à validade
Johnson, 2000:139
53
descritivas prestando uma particular atenção à reflexividade12 e a exploração de
estratégias de escrita13 decorrentes do processo de pesquisa.
Assim, se no modelo “clássico” de etnografia a observação participante surgiu
como condição para a realização de um trabalho genuinamente científico – uma
técnica de pesquisa –, recentemente questiona-se o quanto a experiência da
alteridade poderia ser melhor compreendida se esta técnica fosse pensada também
como um objecto do saber etnográfico e não apenas uma condição de construção
das etnografias. O mito do pesquisador de campo como um “fantasma” (destituído
de classe, sexo, cor, opiniões etc.), que não afecta e não é afectado pelo
quotidiano que compartilha com seus interlocutores, ou ainda como um herói da
simpatia e da paciência, cuja missão é “humanizar” o outro, esquecendo-se de que
ele também deve ser “humanizado” em suas fraquezas e omissões, parece agora
exigir novas versões em que o pesquisador encontre um papel mais equilibrado e
mais condizente com a situação real da investigação. Afinal de contas, “nativos de
carne e osso” exigem “antropólogos de carne e osso”, pois é nessa condição que
ambos se aproximam e fazem aproximar as culturas ou os valores dos quais são
representantes no diálogo etnográfico que estabelecem.
Pensar a etnografia como um ofício de “ourivesaria” antropológica, o domínio de
uma linguagem específica aberta a múltiplos reflexos num jogo de sombra e luz,
talvez seja um dos mais difíceis exercícios a desafiar seus praticantes. Vincent
Crapanzano (1986) já havia lembrado que os textos etnográficos, ao jogarem luz
sobre a cultura do outro, reflectem necessariamente a sombra de quem os escreve.
Isto posto, resta fazer com que reflictam também a sombra das inúmeras mãos que
não os escrevem mas participam, em vários níveis, na sua construção. Daí o
ímpeto pós-moderno de querer explorar de forma radical a experiência singular do
diálogo etnográfico e enfatizar no texto a presença destas diversas vozes,
principalmente neste momento em que os mundos manifestam-se
progressivamente interligados e as representações dos grupos sobre si mesmos e
sobre os outros aparecem numa espiral contínua de sobreposições, num jogo
multifacetado de imagens nos espelhos.
Silva, no Prelo
13
Ver último capítulo deste Manual - A escrita em Antropologia
54
comuns, na investigação e avaliação em ciências sociais, são o positivista (o mais antigo),
a teoria crítica, o interpretativo, o fenomenológico, a teoria construtivista, a teoria
ecológica e a teoria de trabalho social em rede (Lecompte, 1999). É este o quadro mais
alargado em que o investigador inscreverá as suas opções. Não apenas no quadro
dicotómico antropologia clássica/antropologia pós moderna ou antropologia
interpretativa /antropologia sistemática. Remetemos os estudantes para o quadro síntese
dos paradigmas referidos por Margaret Lecompte e Jean Schensul. Situar-se num
paradigma depende de questões relacionadas com opções pessoais, com as problemáticas
a investigar, com as necessidades e constrangimentos da investigação, com as equipas.
Pode também o investigador situar-se numa síntese de diversos paradigmas.
Escrita etnográfica: estilo realista e/ou Escrita etnográfica: estilo experimental, busca
naturalista de representação da cultura de uma “descrição participante” (uso de
observada. alegorias, pastiche, figuras de linguagem)
Discurso monológico e monofónico (Ênfase na Discurso dialógico e polifónico (heteroglossia,
separação: Nós/Eles, “Autor”/”Personagens”) presença de inúmeras vozes, dissolução da
autoria)
Dicotomia entre subjectivismo (experiência de
campo) e objectivismo (texto regido por Valorização da intersubjetividade
cánones científicos)
Antropologia como “arte” ou “ficção” (mistura
Distinção entre etnografia (científica) e outros de géneros científico e literário ou dissolução
géneros de narrativa etnográfica (memorialista) das fronteiras entre eles)
55
Silva, 2002
Comparação de Paradigmas (pagina B3)
56
6. Viabilidade ou exequibilidade da investigação
57
A viabilidade ou exequibilidade da investigação tem também a ver com as qualidades
pessoais do investigador e com as situações sociais em que está inserido. Referimo-nos à
disponibilidade do investigador, à sua motivação para abordar a problemática escolhida e
outras qualidades subjectivas que irão ser abordadas nos capítulos seguintes mas também
à possibilidade de realizar o trabalho de campo, por vezes durante período de tempo
longos, ou durante fins-de-semana, férias ou em períodos do dia menos cómodos (fim de
tarde, noite) – períodos em que as pessoas poderão estar mais disponíveis. Capacidade de
adaptação às exigências do terreno (locais e população estudadas) – condições de
habitação e alojamento, solidão, ausência dos pares e/ou de protectores (orientadores,
tutores), relações com as pessoas, disponibilidade para participar e agir em situações
imprevistas, disponibilidade para desenvolver aprendizagens locais – língua e culturas
locais.
Além das qualidades pessoais e da sua situação social o investigador terá também de
interrogar-se acerca da sua preparação teórica e metodológica que lhe permita realizar a
pesquisa e adaptar-se de forma flexível às exigência, nomeadamente de formação a que
terá dar respostas durante a própria realização do trabalho de campo e de todo o percurso
de investigação.
A sua forma final não é assim uma escrita para uso individual do investigador ou do
grupo de investigação mas uma escrita pública dirigida às instituições académicas e às
instituições financiadoras. Serve, pois, dois objectivos – de orientação e de avaliação de
um percurso de investigação.
58
durante os últimos anos na Universidade Aberta – Mestrado em Relações Interculturais.
Os outros são modelos da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia e da Fundação
Calouste Gulbenkian.
59
Embora seja útil e apropriado reconhecer as suas contribuições, há
uma tendência para o investigador se envolver em estudos que tem
apenas uma ténue relação com a pesquisa que está a ser realizada.
Como resultado, esta secção da apresentação do projecto de
pesquisa tem, por vezes, uma qualidade exagerada e desarticulada
de referências tornando-se facilmente um mero catálogo ou uma
lista com algumas anotações. Isto não chega. É aqui requerida uma
exposição integrada que permita alguma explicação das razões
porque as teorias ou os estudos citados são importantes para o
trabalho proposto.
4. Os procedimentos de pesquisa (de 5 a 15 páginas) podem incluir:
a. A descrição da forma teórica ou conceptual a ser empregue.
b. Metodologia
c. Fontes de evidência e autoridade.
d. Técnica analítica e esboço da pesquisa.
e. Calendarização para a realização do projecto.
A secção dos procedimentos de pesquisa é frequentemente a parte mais fraca da
apresentação de projectos. Muitos investigadores principiantes nunca produziram
uma monografia, nem em algo semelhante em rigor ou extensão de
conhecimentos. Poderão ter escrito inúmeros trabalhos escolares (muitos deles
escritos à pressa nas poucas horas que restam antes de expirar do prazo limite de
entrega). Uma dissertação ou monografia em nada se assemelha a estes.
Devidamente executada esta coloca o investigador num lugar de passagem na
fronteira do conhecimento, numa área de especialização e dentro desta área na
construção de uma autoridade (autor especializado).
Além disso, a exposição dos procedimentos bem estruturada pode ser um guia
inestimável para o próprio investigador, para o seu orientador e outros peritos,
para os decisores do financiamento dos projectos e para eventuais técnicos
(informáticos, de audiovisual, etc.) que poderão vir a participar no projecto e que
precisarão de saber com precisão o que está a ser empreendido.
O último ponto na realização do procedimento – a calendarização para realizar o
projecto – é uma tentativa de planear o tempo para cada etapa, desde o estudo
preliminar até à apresentação de cópias finais para os membros do júri.
5. Um índice de conteúdos (uma ou duas páginas) que tem três grandes
vantagens: (1) indica ao leitor a dimensão do tópico; (2) possibilita ao
autor a organização temporária do trabalho; (3) ajuda a simplificar o
processo de tomada de notas.
6. A bibliografia (uma a cinco páginas), que pode ser parcialmente anotada.
As suas vantagens principais são habilitar o orientador a formar uma
opinião da qualidade das fontes disponíveis e sugerir algumas referências
úteis que o estudante possa não ter considerado. Trabalhar numa
bibliografia preliminar é trabalho e tempo bem despendido dado que é a
base para uma melhor compreensão da que vai acompanhar a dissertação
final.
José S. Ribeiro, Antropologia Visual, MRI
60
8. Bibliografia e leituras complementares
61
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