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Capítulo I – Desenho ou design de investigação

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Os objectivos deste capítulo são os seguintes:

 Expor diferentes atitudes dos antropólogos acerca do design de investigação em


Antropologia e razões dessa diversidade de atitudes;
 Descrever as actividades do design de investigação... (características);
 Fornecer aos estudantes instrumentos intelectuais que lhes permitam conhecer as
diferentes etapas do processo de pesquisa: da preparação à apresentação dos
resultados;
 Adquirir a prática de escolha e elaboração do design de um projecto de
investigação em Antropologia (passos);
 Situar-se no contexto dessas atitudes em relação ao design de investigação
justificando esta escolha;
 Definir design de investigação e enumerar e descrever as actividades que envolve;
 Desenvolver o design de um projecto de investigação;

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Sumário

1. Introdução – formalização do problema ou da questão a tratar


2. O que é o design de investigação
3. Elaboração do design de investigação
3.1. Definição de uma problemática geral ou de um objecto (sujeito) de estudo
3.2. Objectivos de investigação
3.2. Decidir o que investigar / identificação do problema
3.3. Contactos com o terreno durante a preparação do projecto de investigação. A
importância da colaboração dos sujeitos no terreno
3.4. Decidir o que investigar / identificação local do problema
3.5. Donde podem proceder então as questões da investigação?
4. Desenvolver o problema de investigação / Elaborar questões de investigação
4.1. Questões básicas
4.2. O que investigar?
4.3. Porquê investigar?
4.4. Onde investigar?
4.5. Com quem investigar?
4.6. Quem investigar?
4.7. Quando investigar?
4.8. Como investigar?
5. Visibilidade ou exequibilidade da investigação
6. Avaliação dos projectos de investigação
7. Bibliografia e leituras complementares

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1. Introdução – formalização do problema ou da questão a tratar

Parte-se por vezes da ideia de que a investigação em antropologia ou a “condução da


etnografia é uma actividade relativamente simples: aparentemente «qualquer pessoa a
pode fazer»” (Hammersley e Atkinson, 1994), não precisa pois de ser planificada, quase
não necessita de preparação ou de conhecimentos prévios. Alguns autores, nas suas obras,
dão tão pouca informação sobre a investigação quanto a que tiveram na preparação do
trabalho de campo. No ensino, limitam-se a dizer “vê e faz assim”. Esta ideia está
associada ao naturalismo, isto é, à ideia de que a etnografia consiste numa observação e
descrição espontânea (“aberta”, “natural”, não “artificial”) de modo que o “design de
investigação” aparece como algo supérfluo. As diversas tradições teóricas prestam
atenções diferentes em relação à preparação da investigação.

É surpreendente a escassez de detalhes acerca dos métodos que os antropólogos


usavam no terreno, à parte alguns princípios e histórias ilustrativas. Notava-se
uma forte crença, entre os antropólogos britânicos, que o trabalho de terreno não
podia ser ensinado aos novos recrutas, mas que apenas podia ser experimentado
no terreno. Os textos tradicionais americanos providenciavam um corpo de
elementos de suporte, enquanto que os ingleses apontavam para a experiência
subjectiva.
Urry, 1984: 61

Outros autores consideram que a investigação embora seja simples é demasiado pessoal.
Uma arte dificilmente transmissível (Evans-Pritchard, 1962, Peter Woods, 1987). Uma
prática que se constitui pelo inesperado e por respostas originais do investigador. O
escasso conhecimento prévio do problema e do terreno não permite que a investigação
seja totalmente desenhada, numa fase anterior ao trabalho de campo.

Penso que apenas alguém totalmente imerso no trabalho de terreno pode


realmente comunicar a essência da antropologia cultural aos estudantes ou aos
leitores em geral. E, já que disse que a investigação sobre cultura envolve o
antropólogo numa experiência pessoal única, assumi ser provavelmente
impossível realizar uma apresentação rigorosa, sistemática e formal em que os
métodos de um estudo cultural sejam semelhantes aos das ciências naturais e que
há demasiadas preocupações entre sociólogos, psicólogos e economistas. Penso
que esta atitude é confortável, porque estou convicto de que, se as preocupações

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teóricas num estudo cultural são uma tentativa para lembrar e compreender a
visão nativa da sua própria cultura e as relações culturais, objectivas e históricas,
então os métodos de trabalho de terreno têm que reflectir o propósito final de
fazer parte da experiência humana.
Williams, 1976: 64-65.

Uma outra hipótese formulada é a de que a investigação é sempre complexa mas sujeita
a uma tal imprevisibilidade que não é possível proceder-se a qualquer tipo de
planeamento. Trata-se sobretudo de uma abordagem exploratória usada para desenvolver
hipóteses e, de um modo mais geral, para detectar provas de definição, circunscrição,
descrição e interpretação de tópicos menos compreensíveis. Aproximam-se da ideia de
"teoria baseada no terreno" em que a descrição exploratória leva ao desenvolvimento de
teorias e medidas significativas.

LeVine (1973) e outros (Johnson 1990) entendem que a natureza do trabalho de


campo, requerendo um grande investimento de tempo e deslocação geográfica,
limitou frequentemente o atractivo de designs da investigação mais formais,
porque circunscreve o estudo a problemas específicos e a desenvolvê-los de um
modo específico. As realidades do trabalho de terreno frequentemente ditam
necessidades de mudar o foco do problema, ou levam a detectar que a hipótese
proposta não é apropriada à cultura em estudo, dada a necessidade de, de algum
modo, salvar a investigação.
Johnson, 2000: 137

Poder-se-á argumentar ainda que a investigação é complexa pelo que se torna


necessário um planeamento rigoroso que oriente toda a sua execução. Este
planeamento torna-se, também, indispensável por exigência das instituições financiadoras
da investigação – as que a apoiam e no âmbito das quais se realiza.

A nossa proposição é de que a investigação é complexa e contém sempre algum grau


de imprevisibilidade. Isto, porém, não impede de se realizar um plano minucioso,
capaz de se confrontar com o imprevisto, de nele encontrar soluções flexíveis sem
alterar profundamente o plano inicial. Este planeamento serve, simultaneamente, de
orientação ao investigador, de informação segura às instituições financiadoras da
investigação, ou no âmbito das quais se realiza. O processo de investigação assim
conduzido liberta o investigador do constrangimento do plano rigoroso e predeterminado

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e do procedimento errante ao sabor do percurso, apontando para um procedimento semi-
determinado e flexível sem desvios assinaláveis ao problema ou ideia geral da
investigação. O design de investigação deve ser reflexivo, realizar-se e actuar em todas as
etapas do desenvolvimento da investigação. Poderemos falar de design global da
investigação e de um re-design da investigação dos detalhes e das etapas. Parafraseando
Boutinet (1996) no que diz acerca do projecto, diríamos que através do design de
investigação (do projecto) procuramos criar algo de inédito, não um qualquer inédito,
mas um inédito que mantenha um parentesco secreto com a experiência já realizada do
indivíduo, com a sua história pessoal, não deixando, portanto, de conter uma parte
significativa da subjectividade do seu autor.

Devemos reconhecer que, muito menos que outras formas de investigação social,
o curso de uma etnografia não pode estar predeterminado. Isto porém não elimina
a necessidade de uma preparação prévia do trabalho de campo nem significa que
o comportamento do investigador em campo tenha de ser caótico, ajustando-se
meramente aos factos, tomando em cada momento a direcção que apresenta
menos resistência. O design de investigação deve ser um processo reflexivo,
operando em todas as etapas do desenvolvimento da investigação.
Hammersley e Atkinson, 1994: 42

Finalmente, propomos à consideração a utilidade do design ou planeamento da


investigação em situações em que as instituições financiadoras são de cariz autoritário ou
clientelar. Neste caso, o design de investigação não será um procedimento supérfluo,
visto que as escolhas não atendem à qualidade, viabilidade e pertinência do projecto, mas
aos favoritos e clientes dos sistemas de apoio à investigação? À consideração do leitor.

2. O que é o design de investigação

A palavra inglesa design pode significar, segundo o contexto: plano, projecto, intenção,
esquema, processo ou esquisso, modelo, composição visual (visualização da solução
encontrada), estilo. Em francês esta duplicidade de sentido é mantida por duas palavras:
dessein – desígnio, intento, propósito, fim, projecto que implica uma intenção e um
processo e dessin – desenho, delineamento que implica a concretização do projecto num

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esquisso, esquema, composição visual. A falta de uma palavra portuguesa com este duplo
sentido leva-nos a optar pela palavra design, mais frequentemente utilizada no domínio
das artes e da concepção de objectos que na investigação, embora, com frequência,
referida em manuais que abordam esta problemática.

O design de investigação incorpora pois este duplo sentido: de previsão (desígnio,


intento, propósito, projecto, plano) da investigação, de materialização deste projecto
numa escrita (esboço, esquisso, esquema), de um instrumento material da investigação.

Estes sentidos de desígnio e objectivo são também atribuídos à palavra projecto


intimamente ligada ao design e frequentemente entendido como uma mesma coisa
(Boutinet, 1996).

O design é simultaneamente entendido, no âmbito de diversas disciplinas, como uma


actividade de resolução de problemas, criativa, sistemática e coordenadora.

Uma actividade de resolução de problemas (actividade lógica). Supondo um problema


a resolver, trata-se de o definir e de lhe dar uma solução ou de, entre múltiplas soluções
possíveis, escolher a que se afigura como a melhor. Implica a identificação do problema,
o processo lógico de concepção global e aplicada a cada fase do processo de
investigação, revela uma qualificação, uma prática, uma técnica mais do que uma
intuição (embora a intuição seja necessária). Poderemos distinguir três etapas no processo
de resolução de problemas: uma analítica – de exploração ou alargamento do campo de
observação; uma etapa sintética – organização da informação; e uma etapa final de
procura da melhor solução. A resolução de problemas é uma actividade planificadora que
se propõe definir objectivos, atribuir-lhe uma ordem de coerência lógica e de
importância, estabelecer etapas na resolução de problemas. Esta actividade de dar forma a
uma ideia ou a um processo exige conhecimentos técnicos e metodológicos aprofundados
e uma atitude reflexiva em relação às experiências de trabalho de campo.

Uma actividade criativa. Paralelamente ao aspecto lógico (resolução de problemas) a


técnica do design de investigação implica criar, inovar, mas também ser sensível ao que
acontece de modo a poder combinar factores de indeterminação com os de rigor de uma
actividade lógica. Como actividade criativa, o design constitui um traço de união entre
arte e técnica, entre o procedimento científico e a intuição, entre um traço forte de

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individualidade e o enraizamento numa tradição e num saber. O princípio enunciado por
David Hume em relação à escrita poder-nos-á servir de orientação "se a novidade é
excessiva o texto não poderá ser percebido... se a facilidade é excessiva, o texto
resultará aborrecido, privado de interesse". O mesmo poderemos dizer em relação à
investigação.

Uma actividade sistémica (sistemática) – design é uma técnica, um saber fazer


específico. Possui um objectivo e uma ideologia. Desempenha um papel mediador entre a
realidade (os factos), os públicos da ciência (as universidades que a controlam), as
entidades financiadoras. Resulta de constrangimentos e limitações vários (económicos,
temporais, percurso do investigador, natureza da equipa de investigação) e do imprevisto.
Procura a coerência. Exprime uma necessidade mas também princípios e conceitos
intelectuais e a percepção do momento.

Uma actividade coordenadora – Propõe-se ter em conta todo um conjunto de


componentes e factores individuais e sociais, políticos, históricos e culturais,
epistemológicos, teóricos, metodológicos, estéticos, económicos, tecnológicos, logísticos
temporais que condicionam a investigação. O design de investigação propõe-se
considerar este conjunto de factores, tê-los em conta e coordená-los em todo o processo
de desenvolvimento da pesquisa desde a preparação do projecto de investigação, às
escolhas a realizar, à avaliação e à redacção e apresentação final dos resultados da
investigação.

Qualquer actividade sistemática a desenvolver por seres humanos necessita de um


plano de acção. Na investigação, o plano formal de acção é designado por design
de investigação. Está para o investigador como os mapas de estradas para quem
parte de férias, ou como as provas heliográficas para os arquitectos ou
construtores; indica ao investigador como proceder. Contudo, inclui muito mais
informação do que os mapas ou as provas heliográficas. Uma melhor analogia
poderá ser os horários e listas mandados aos clientes por uma boa agência de
viagens, os quais, respondendo ao conceito de viagem dos clientes e às suas
questões sobre o modo como deverão proceder. Estes poderão incluir não apenas
mapas, mas um conjunto de opções relativas ao que o cliente pretende fazer, como
sejam indicações sobre a duração da viagem, descrição dos destinos, alojamentos,
actividades planeadas, de quem poderão encontrar, previsão de refeições,
indicação do equipamento a levar, do tipo de indivíduos que farão a mesma
viagem e, o mais importante, quanto se estima custar se for planeada deste modo.
Sem esta informação, os viajantes poderiam permanecer em hotéis

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desconfortáveis, faltar-lhes as roupas ou equipamento mais apropriados, sentirem
a falta de repelente de insectos, terem que tirar fotografias no jardim zoológico
local em vez de o fazerem na floresta. Poderiam, ainda, esquecer o que
pretendiam ver, fazer ou aprender, ou mesmo faltar-lhes o dinheiro.
Lecompte e Schensul, 1999: 61-62

De acordo com Pelto and Pelto (1978: 291), "o design da investigação envolve a
combinação de questões essenciais da pesquisa com uma sequência de problemas
efectivos a resolver. Assim, o projecto de investigação é uma argumentação que se
concentra em componentes que devem estar presentes, para que os objectivos do estudo
possam ser alcançados." Esta argumentação ilustra pelo menos dois elementos
importantes do design da investigação.

Primeiro, o design da investigação envolve um plano ou estratégia prévios para todas


as fases da investigação (tais como recolha e análise de dados) incluindo, para alguns
investigadores, a elaboração de um produto final (como uma etnografia). Por definição,
um plano não pode contar com o antecipado, ou com realidades da pesquisa que sejam
ainda desconhecidas, sejam tragédias ou acontecimentos da natureza, que possam
interromper o trabalho de terreno. Uma boa compreensão das questões e do campo da
investigação permite traçar um plano que preveja certas contingências, embora não exista
uma bola de cristal para o design de investigação. De facto, os factores imprevistos levam
frequentemente a importantes descobertas e resultados inesperados. Dever-se-á dizer
ainda que, embora a sorte tenha um papel importante na investigação, não é possível
traçar um projecto que a preveja (Kirk and Miller, 1986).

Segundo, um projecto bem concebido traz linhas condutoras para ligar a teoria com os
métodos de recolha e análise de dados, conduzindo a resultados válidos ou "defensáveis".
Acrescento "defensável" a "válido", termo que habitualmente uso, para pôr os leitores ao
corrente de que abandono a visão tradicional do design da investigação, para incluir uma
variedade de estratégias propostas hoje pela antropologia. As abordagens interpretativa,
hermenêutica e pós-moderna fazem poucas referências a questões ligadas ao design da
investigação em etnografia, mas bons exemplos de escrita etnográfica podem
providenciar "testemunhos morais" para dar a conhecer problemas sociais, movimentação
de indivíduos (incluindo políticos) de modos diferentes dos métodos quantitativos

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(Seidman 191: 158). Contudo, o design de um projecto, sendo bem articulado, ajuda "a
promover a conduta efectiva do investigador"; quer se opte por uma perspectiva
positivista ou humanista (Ellen 1984: 158).

Do ponto de vista prático, um bom design da investigação é muito importante na


competição para bolsas de estudo ou contratos. Há uma grande variação naquilo que
as agências ou fundações esperam do design da investigação. Uma agência pode esperar
uma descrição detalhada do projecto proposto, dando atenção à lógica científica do
design da investigação (por exemplo, validação, fiabilidade, hipóteses, etc.), outros
podem pretender menos detalhes sobre os métodos de recolha e análise de dados. Todas
as agências esperam um projecto bem organizado – que vá ao encontro das expectativas
relativas ao design, de quem analisa na própria agência.

É necessário fazer uma distinção entre aquilo que, por vezes, se designa como lista de
componentes de investigação e design da investigação. A lista é importante. Envolve
detalhes relativos ao início e ao fim do trabalho de campo, a situações da viagem e a
permissões oficiais ou governamentais, a contactos a fazer no terreno e local aonde
permanecer, etc. O design, por outro lado, envolve os detalhes metodológicos e
analíticos que contribuem para a credibilidade, validade, acreditação ou
plausibilidade de qualquer estudo.

3. Elaboração do design de investigação

Como vimos anteriormente, a elaboração do design de investigação constitui um conjunto


de actividades conducentes à produção de um plano global de um projecto de
investigação, cobrindo todos os passos – desde a construção das questões iniciais e do
objecto de estudo, ao trabalho de campo, à análise, apresentação e comunicação dos
resultados da pesquisa.

A investigação, em antropologia, tende a abordar fenómenos muito complexos, um


número significativo de diferentes sujeitos e de informantes, uma variedade significativa
de fontes de informação, uma rede aberta de conhecimentos teóricos (teorias), uma
diversidade de métodos, técnicas e estratégias de investigação. Este conjunto de factores
podem criar agradáveis e felizes surpresas (sucessos...) mas também erros... (Boutinet,

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1996). Os projectos individuais de investigação variam na sua complexidade e adquirem
especificidade com a definição do que o investigador se propõe abordar e descobrir.
Portanto, a primeira coisa que o investigador tem a fazer, após definir a primeira ideia
(questão ou problema), é criar um design de investigação para o projecto.

Embora o processo de investigação em antropologia tenha uma forte componente de


imprevisto, seja construído com bastante flexibilidade e remeta frequentemente para a
intuição do investigador, não pode ser feito (deixado) ao acaso ou desenvolvido de modo
lúdico ao sabor das facilidades que possam surgir.

Todos os bons etnógrafos criam um design global no qual antecipam detalhes e


subdividem as actividades, indo tão longe quanto lhes permite a informação. Isto
inclui actividades que ocorrem ao longo do projecto, bem como aquelas que se
pensam acontecer no fim, seja o modo como serão analisados e disseminados os
dados e como a equipa de investigação se separará dos participantes e se
despedirá. Claro que isto não significa que o design tenha que ser gravado em
pedra, nem que a conduta dos etnógrafos tenha que seguir uma sequência linear –
bem pelo contrário. Os designs – e os investigadores – têm que ser
suficientemente flexíveis para enfrentar contingências.
Lecompte e Schensul, 1999: 98

3.1. Definição de uma problemática geral ou de um objecto (sujeito) de estudo

Uma investigação em antropologia deverá começar, sempre, por definir com clareza o
objecto de estudo, isto é, identificar numa frase ou num muito pequeno texto a
problemática geral da pesquisa, sublinhando as palavras-chave. Expor a problemática
geral, perspectiva teórica e prática num pequeno texto. Procurar as motivações e as
finalidades que movem o investigador a optar por esta problemática e a pertinência da sua
realização no âmbito da antropologia.

Por vezes, esta problemática, embora exposta sinteticamente em textos curtos, é


demasiado aberta e a sua realização apontaria para uma duração e para outras condições
de realização a que o investigador não poderia dar resposta. É, pois, conveniente proceder
a limitações dentro da problemática escolhida, decidir os contornos do que se vai fazer e
do que não se vai fazer.

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3.2. Objectivos de investigação

Definida em traços largos a problemática, torna-se necessário definir os objectivos da


pesquisa, isto é, passar para um nível de traço mais fino do projecto – dizendo de uma
forma clara, ponto por ponto, o que se pretende fazer. A definição clara dos objectivos
facilitará todo o processo de pesquisa, mas sobretudo tornar-se-á extremamente útil à
redacção das outras partes do projecto e mesmo da escrita final que, para alguns autores,
se inicia nesta fase e não após a realização do trabalho de campo.

Os objectivos de um projecto de investigação em antropologia devem prever a integração


do inesperado – novas oportunidades de exploração, mudanças de direcção, surpresas e
emergências, mantendo coerência com os fins, objectivos e problemática inicialmente
definidos. Se, como acontece frequentemente na investigação antropológica, são
acrescentados novos fins ou objectivos, ou os fins e objectivos iniciais são reformulados
no decurso do projecto, torna-se necessário refazer o desenho da investigação de forma a
manter a sua coerência e a integração de novos objectivos.

Os investigadores, nestas circunstâncias, poderão desenvolver um processo de reflexão


que lhes permita entender as razões das mudanças e as próprias mudanças. Isto retira o
projecto de um desenvolvimento realizado ao acaso e cria uma boa oportunidade para
reforçar a componente reflexiva, constituindo um boa ocasião de aprendizagem de
adaptação ao terreno.

3.3. Contactos com o terreno durante a preparação do projecto de investigação. A


importância da colaboração dos sujeitos no terreno

Nesta fase de elaboração do desenho de investigação a colaboração com as pessoas no


terreno1 torna-se crucial. Se esta ainda não foi iniciada, o investigador poderá procurá-la
imediatamente, estabelecendo os primeiros contactos exploratórios de terreno. A

1
Não esquecer que neste manual entendemos fundamentalmente “terreno” como os lugares onde o
investigador realiza a pesquisa e as populações a estudar. Ainda no decorrer deste capítulo, mas sobretudo
nos capítulos seguintes exploraremos outros sentidos que o “terreno” possa vir a adquirir.

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colaboração no terreno é crucial durante as primeiras fases do processo de design,
especialmente se o investigador em processo de iniciação, não pertence à cultura a
estudar e na situação de realização individual da pesquisa apoiada em financiamentos
próprios.

Os investigadores exteriores podem estar relativamente familiarizados com um


determinado tipo de projecto e com o trabalho que, internamente, este envolve. Não
saberão, no entanto, quem são os participantes, quais os informantes, as fontes
documentais e o acesso a determinado tipo de informação, elementos importantes à
elaboração do projecto.

Mesmo os investigadores que conhecem bem, ou razoavelmente, o terreno em que


trabalham precisam de fazer uma série de perguntas para se assegurarem de que os
problemas da investigação a explorar são relevantes para os sujeitos envolvidos, se as
estratégias de recolha de dados delineadas no design são possíveis, se os planos de
análise e disseminação (divulgação) são ambos convenientes.

Veremos ao longo deste capítulo referências a esta colaboração durante o processo de


concepção da investigação.

3.4. Decidir o que investigar / identificação local do problema

Para alguns antropólogos, o design da investigação segue as mesmas questões que guiam
o trabalho da maioria dos investigadores em ciências sociais ou bons repórteres de
investigação – “O quê?” “Onde?” ”Quem?” “Quando?” “Como?” e “Porquê?
(LeCompte).

Depois de definidos a problemática geral, as finalidades ou objectivos da investigação, o


design da investigação inicia-se com questões a que os investigadores e os seus parceiros
pretendem responder, centrando-se num determinado problema concreto (ou conjunto de
problemas), processo ou projecto; ou em tópicos que pretendem explorar. Malinowski
chamou-lhe «problemas preliminares»

Estar bem preparado teoricamente não equivale a carregar «ideias


preconcebidas». Se uma pessoa que embarca numa expedição está determinada a

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verificar certas hipóteses e é incapaz de mudar quantas vezes for necessário o seu
ponto de vista e desfazer-se dos a priori quando as evidências assim o aconselhem
não é necessário dizer que o seu trabalho não será de nenhum valor. Com efeito,
quantos mais problemas leve consigo para o campo mais propenso estará a
modelar a teoria, de acordo com os factos e a ver os factos em relação à teoria, e
melhor estará preparado para o trabalho. As ideias preconcebidas são perniciosas
em qualquer tipo de trabalho científico, porém aventurar problemas
preliminares é a principal qualidade de um cientista, e esses problemas
revelam-se pela primeira vez ao observador a partir dos seus estudos teóricos.
Malinowski, 1922:8-9

Evans-Pritchard não crê nas vantagens da não existência de uma problemática geral, “o
que anda à procura”, nem de realizar o trabalho de campo fora dos “seus interesses” e
“linhas de investigação”.

Para uma pessoa que saiba o que anda a procurar e como deve procurar, é quase
impossível que se equivoque a respeito dos factos, sobretudo se passa dois anos
no seio de uma sociedade pequena e culturalmente homogénea, sem fazer outra
coisa senão estudar a forma de vida dos nativos. Chega a conhecer tão bem o que
se dirá e o que se fará em qualquer situação — quer dizer, a vida social torna-se
tão familiar para ele — que deixa de ser necessária a continuação das suas
observações ou dos seus questionários. Além disso, independentemente do seu
carácter, o antropólogo especula dentro dos limites de um conjunto de
conhecimentos teóricos que determinam nas suas linhas gerais os seus interesses e
as suas linhas de investigação. Trabalha também dentro dos limites impostos pela
cultura do povo que investiga. Se são pastores nómadas, tem de estudar o
nomadismo pastoril. Se andam obcecados pela feitiçaria, tem de estudar a
feitiçaria. Não tem outra saída senão a de seguir os padrões culturais locais.
Evans-Pritchard, 1999: 80

Há, como vemos, divergências em relação à sequência de procedimentos aqui


apresentados. Deixamos esta questão à consideração dos estudantes. Consideramos, no
entanto, importante o alerta de Malinowski para que a teoria ou a problemática geral,
previamente definida, não modele os factos e a perspectiva de Evans-Pritchard. Também
Kilani alerta para o perigo de a teoria se tornar “uma espécie de contemplação
instrumental do real” (1990:73). Entendemos, porém, que a primeira ideia orientadora –
problemática geral – se poderá desenvolver com as problemáticas emergentes do trabalho

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de terreno. O processo aponta para o que mais abaixo referiremos ao apresentar a relação
entre a abordagem exploratória e explanatória.

3.5. Donde podem proceder então as questões da investigação?

Às vezes as questões de investigação podem ter como ponto de partida uma teoria.
Poderemos considerar estas abordagens de natureza explanatória, isto é, abordagens que
envolvem geralmente o teste (aferição/confirmação) de elementos de uma teoria, que
pode ter sido anteriormente proposta na literatura ou ser conhecida através de
investigações exploratórias. O design da investigação é determinado a priori e o seu
principal propósito é eliminar ameaças à validação, considerando para tal que as coisas
são o que aparentam ser ou a melhor aproximação da verdade (Cook and Campbell
1979). Neste empreendimento, a explanação pode envolver uma pesquisa geral de
causalidade ou prognóstico.

No entanto, a maioria das investigações etnográficas preocupa-se mais em desenvolver


teorias a partir dos dados de campo. Poderemos considerá-las abordagens exploratórias,
isto é, abordagens usados para desenvolver hipóteses e, de um modo mais geral, para
detectar provas de circunscrição, descrição e interpretação de tópicos menos
compreensíveis. Aproximam-se da ideia de "teoria baseada no terreno" de Glaser e Strass
(1967), em que a descrição exploratória leva ao desenvolvimento de teorias e medidas
significativas. A investigação exploratória pode ser o foco principal de um dado design ou
apenas um dos muitos componentes.

A investigação etnográfica pode ser simplesmente exploratória ou descritiva –


envolvendo um processo de investigação focado na produção de melhor teoria –
ou simplesmente explanatória, embora este não seja normalmente o caso. Mais
frequentemente, o modelo mais comum inclui informação na investigação
exploratória e a investigação explanatória como complemento.
(Jonhson, 2000: 144).

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Análise de dados Recolha de
dados

Interpretação Design do estudo

EXPLORATÓRI
O
Desenvolviment

o da teoria

Teoria
Inferências Objectivos do
Conhecimento teórico
Interpretação estudo
EXPLANATÓRIO
Conclusões
Análise Declarações
dos dados empíricas

Recolh Design
do
estudo
a de

dados
Objectivos do estudo

Relação entre as abordagens exploratória e explanatória no processo geral de


investigação etnográfica (Jonhson, 2000: 145).

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Outra alternativa para estimular a investigação pode ser um acontecimento (facto social)
ou encadeamento de acontecimentos que causam surpresa. Esta pode ser desencadeada
pelos meios de comunicação social – violência urbana, inserção da comunidade étnicas
após processos de realojamento, etc.. ou decorrer de experiências pessoais2 que podem
constituir motivos e oportunidades de investigação.

Os acontecimentos sociais em que o próprio autor participa ou é protagonista também


podem estimular a investigação, proporcionando uma oportunidade para explorar
acontecimentos pouco usuais ou comprovar a validade de uma teoria: situação dos
professores investigadores3, técnicos de reinserção social 4 que realizam o trabalho de
investigação no decorrer do seu trabalho ou com populações visadas pelos serviços em
causa, etc..

As questões de investigação podem ser construídas em grupo a partir de um


brainstorming com os colaboradores e participantes numa equipa de investigação, com
pessoas com interesses específicos ou cargos e responsabilidades envolvidos nas
problemáticas em questão. Questões sobre as migrações poderão ser abordados utilizando
este método com o grupo de investigação, associações de migrantes, grupos confessionais
interessados na problemática da imigração, dirigentes sindicais, autarquias,
empregadores, etc..

Para muitos investigadores, as questões nascem das tarefas com que se comprometem no
seu próprio local de trabalho. Outros formulam-nas a partir de solicitações para investigar
determinado tópico, advindos de agências ou organizações – filantrópicas, fundações,
ONGs, etc..

2
Ver o trabalho de Martine Mounier (1998) Au coeur d’un couple franco-algérien, uma etnografia feita
desde o primeiro olhar ao encontro e à vida comum entre uma francesa, a autora e um argelino.
3
Ver dissertação de Mestrado em Relações Interculturais de Nilza Guimarães (1999) O Cinema na Escola:
histórias e retratos da infância, Universidade Aberta.
4
Ver dissertação de Mestrado em Relações Interculturais de Paula Cristina Soares (2001) Práticas
CulturiasCciganas: da reprodução à reapropriação e Maria da Luz Silva (2001), Famílias Ciganas:
morfologias, processos de interacção e transformação cultural, Universidade Aberta.

37
Os investigadores concluem também que as instituições financeiras geram
frequentemente questões de investigação – banco dos pobres, endividamento das
famílias, etc..

As encomendas académicas ou pessoais também geram questões de investigação. É


importante reconhecer que, apesar dos mitos sobre a natureza objectiva da investigação
científica, os projectos de investigação são sempre, até certo ponto, afectados pela
formação pessoal, preferências, pontos de vista políticos, experiências e mesmo pelas
neuroses dos investigadores. Escolhe-se conduzir determinado tipo de investigação e
explorar certas questões porque são compatíveis com dados valores; com uma visão da
natureza da realidade; com o que constitui a verdade; com o modo como o conhecimento
é visto, verificado e disponibilizado. Interpretam-se os dados de acordo com as ideias e
conceitos que se consideram significativos, de acordo com a experiência profissional,
quer seja académico, de investigação, ou de profissão em determinado campo. A
investigação também é influenciada por questões relacionados com a moda.

Não há uma regra universal única que determine até que ponto se pode elaborar o
problema de investigação antes de iniciar o trabalho de campo. Explorar as componentes
e implicações de um problema preliminar geral com a ajuda da leitura da literatura
pertinente e disponível constitui um primeiro passo, necessário à elaboração de um
projecto de pesquisa. Neste sentido são relevantes as monografias, os artigos,
autobiografias, diários e novelas baseados em factos da vida quotidiana 5, notícias e outras
peças dos meios de comunicação social e hoje sobretudo a informação disponível na
Internet. De qualquer forma a informação disponível facilmente coloca o investigador
numa situação a partir da qual não se pode progredir mais sem começar a recolha directa
de informação; ainda que a reflexão e o uso das fontes documentais secundárias devem
continuar para além deste ponto, durante todo o trabalho de investigação, nomeadamente
durante o trabalho de campo.

5
Consulta de fontes documentais nomeadamente as disponíveis na INTERNET ver Capítulo VII – Fontes
documentais na investigação em Antropologia.

38
4. Desenvolver o problema de investigação / Elaborar questões de investigação

Depois de identificado um interesse inicial, a problemática geral inicial ou área onde


detectou um problema, começa o processo de transformação algo lato, geral ou vago,
numa séria de elementos concretos do design de investigação.

Torna-se então necessário:

Converter os problemas preliminares num corpo de questões a partir das quais se poderão
extrair respostas teóricas. Estas podem consistir numa descrição narrativa de uma
sequência de factos, num relato generalizado das perspectivas e práticas de um grupo
particular de actores ou em formulações teóricas mais abstractas. Os problemas iniciais
são nesta fase transformados ou completamente abandonados em favor de outros (ver
Dollard).

Formulação e reformulações dos pressupostos equívocos, dos problemas irresolúveis no


actual estado do conhecimento, de problemas de investigação de modo a torná-los mais
favoráveis à procura de soluções teóricas. Por vezes, encontrar ou formular a questão a
perguntar é mais difícil que dar-lhe resposta. Por isso, grande parte do esforço despendido
no desenvolvimento teórico diz respeito à formulação e reformulação de problemas de
investigação.

Os problemas variam entre si no seu grau de abstracção. Uns, tópicos, derivados de


preocupações práticas ou políticas dizem respeito a tipos de pessoas e situações
rapidamente identificáveis na linguagem do quotidiano; outros, têm um carácter mais
genérico (como se manifesta numa determinada situação o conceito de classe?) A
investigação etnográfica pode ser uma constante interacção entre tópicos, genéricos, entre
o substantivo e o formal.

A formulação das linhas de trabalho de investigação começa, frequentemente, com o


planeamento de problemas preliminares, originalmente de natureza substantiva ou tópica.
Durante o decorrer do trabalho de campo irão ser identificados com maior precisão um
número de temas e surgirão novas categorias de análise. Ao mesmo tempo, torna-se
necessário formular essas ideias em termos mais gerais que as manifestações locais, isto

39
é, em termos de conceitos ou princípios que permitam uma comparação sistemática entre
diversos projectos ou critérios de comparação e generalização tratados mais adiante.

Devemos ser cuidadosos em não simplificar demasiado a distinção entre níveis de análise
particulares e genéricos. O progresso não deve dar-se em sentido unidireccional, de um
lado ao outro. Na condução do projecto, não se deve esperar que um conhecimento a
partir de uma série de temas substantivos e cabe com categorias formais, ou vice-versa.
Normalmente o que se dá é uma trajectória bidireccional entre estes dois modelos
analíticos. A atenção a temas particulares e substantivos sugerirá afinidades com alguns
conceitos formais que, por sua vez, indicarão a importância que têm outros aspectos
substantivos, e assim sucessivamente.

4.1 Questões básicas

Poderemos formular uma sequência de perguntas que podem contribuir para o


desenvolvimento de um projecto de investigação. Esta série de perguntas constitui como
que um esquema básico que nos permite verificar se as principais questões que se põem
ao desenvolvimento do design de investigação estão a ser consideradas.

Questões Conteúdos de investigação

O que investigar? Pontos em debate e questões relacionadas com o problema;

Porquê investigar? Razões e quadro teórico para focar este problema;

Onde investigar? Lugar ou terreno onde o estudo pode ser conduzido;

Com quem investigar? Categorias de sujeitos com quem o problema poderá ser
melhor estudado;

Quem investigar? Sujeitos podem possibilitar acesso ao terreno, ou fontes de


informação necessárias para responder às questões
formuladas;

Quando investigar? Tempo a despender na condução do estudo;

Como investigar? Modo como a informação pode ser localizada e recolhida

40
4.2. O que investigar?

Como vimos anteriormente a problemática geral inicial da investigação e os “problemas


preliminares” surgidos no trabalho de campo coexistem numa forma de tensão entre as
interrogações locais e a sua contextualização global no âmbito da teoria antropológica.
Esta é uma especificidade da prática antropológica que conduz segundo LaPlantine
(2000) a uma ruptura metodológica pela prioridade dada à experiência pessoal de terreno,
à inversão temática – estudo do pequeno e do quotidiano 6, sem perder de vista a
“totalidade” – perspectiva holística e a análise comparativa. É neste contexto
simultaneamente exploratório, isto é partindo da situação concreta a estudar, e
explanatório das teorias antropológicas que se vai precisando o que se vai estudar.
Definido no início de forma sintética (curta) e clara e, sucessivamente, de forma cada vez
mais minuciosa entre o terreno, a teoria 7 e o método. Vimos, acima, várias técnicas que
permitem ao investigador construir questões cada vez mais finas: primeiro no âmbito
geral do projecto de investigação, depois no âmbito do inquérito de terreno – através dos
métodos e estratégias de pesquisa desenvolvidas ao longo do trabalho de campo. As
questões construídas e estruturadas durante a concepção ou design do projecto de
investigação e ao longo do trabalho de campo tenderão a tornar-se objectivos cada vez
mais específico da investigação e elementos importantes na construção final do texto 8.
Estas são, por vezes, denominadas unidades de análise, ou seja, elementos a ser estudados
e utilizados como base de comparação na análise de dados. Em ciências sociais, as
unidades de análise podem ser indivíduos ou grupo de indivíduos ou “muitas outras
coisas: cidades, famílias, corporações, estados, escolas distritais, clínicas de saúde,
períodos de tempo, parágrafos de textos ou documentos, interacções, livros ou novelas,
clausulas de transcrições (Margaret Lecompte, e Jean J. Schensul, 1999: 119).

Os investigadores necessitam de definir estas unidades de estudo em “termos


operacionais”, isto é, materializáveis nos procedimentos de investigação através da

6
Unidades de Análise.
7
Não pode o investigador esquecer que uma investigação se baseia sempre num determinado modo de ver
o mundo ou numa perspectiva adoptada pelo investigador – em paradigmas. Para aprofundar esta matéria
ver Margaret Lecompte, e Jean J. Schensul, 1999, Designing and Conducting Ethnographic Research.
8
Ver a este respeito Borel e Kilani, 1990.

41
descrição, localização, delimitação ou até da enumeração e definição de unidades de
amostra.

4.3. Porquê investigar?

Esta é uma pergunta que acompanha de forma recorrente o investigador durante todo o
percurso de investigação. Pergunta, por vezes, incómoda porque apela a razões íntimas ou
revela aquelas que nem sempre são as melhores acerca da decisão de realizar uma
determinada pesquisa.

Frequentemente as razões de uma investigação são apenas as de estarem previstas no


processo de formação dos antropólogos. Já Evans-Pritchard, nas conferências da BBC em
1950, alertava para a necessidade de todo o antropólogo social dever realizar, como parte da sua
formação, pelo menos um estudo intensivo sobre uma população. Descreve, ainda, o processo de
formação na Universidade de Oxford depois da formação durante um ano e do trabalho de
investigação teórico durante outro ano “depois, se o trabalho merece e tem sorte, obtém uma bolsa
para realizar uma investigação experimental... gasta pelo menos dois anos num primeiro estudo de
campo” (Evans-Pritchard, 1999: 78). A componente de trabalho de campo conducente à
realização de uma “monografia” está ainda presente nos processos de formação actual dos
antropólogos. As razões podem pois ser as de, de uma forma acomodada, cumprirem o processo
de formação. O estudo de campo pode inserir-se numa estratégia da Universidade, dos professores
orientadores, dos lugares de acolhimento (no terreno da investigação) ou numa estratégia
individual.

As razões da escolha poderiam assim ser exteriores ao investigador: razões da Universidade, dos
professores orientadores9 ou das entidades interessadas em acolher o estudante em situação de
formação, ou do próprio investigador. Frequentemente são razões negociadas entre os envolvidos
no projecto de pesquisa.

9
Vagner Gonçalves da Silva, 2000, em O antropólogo e a sua magia, pp. 26-36, procede a um
levantamento de testemunhos de antropólogos Brasileiros (Octávio Eduardo, Roberto da Matta e muitos
outros) que fizeram as suas opções de investigação em função das sugestões dos orientadores (Melville
Herskovits, Robert Murph). Será conveniente reflectir sobre as vantagens e as desvantagens desta prática
antes de uma tomada de decisão.

42
As razões individuais, como veremos no capítulo III, frequentemente inscritas nos prefácios das
obras são muito diversificadas. Por vezes, recriam a situação do antropólogo, herói romântico que
parte para lugares longínquos ou exóticos ou, pelo menos, diferentes do quotidiano para aí
empreender o trabalho de pesquisa, simultaneamente de aventura e até de fuga ao quotidiano.
Outras vezes, constituem estratégias coerentes de desenvolvimento de um percurso intelectual
inserindo-se em problemáticas bem definidas, mantidas durante bastante tempo, num terreno
cuidadosamente escolhido, num quadro de referência solidamente construído. Também é
frequente que a esta coerência de percurso se acrescentem estratégias de emprego ou de
progressão na carreira do investigador. Não esquecer que é neste contexto de escolha que o
investigador se credibiliza10 e é reconhecido.

Até agora, vimos apenas razões que se prendem ao lado do investigador, dos seus orientadores,
das instituições de formação. Há outras razões: a de prestar um contributo coerente ao
desenvolvimento do “estado da arte”, ou seja, ao conhecimento em antropologia – o que é que a
investigação traz de novo, que contributo relevante à teoria existente; as decorrentes do encontro
com pessoas, grupos sociais e culturas no processo de investigação. Umas e outras tão importantes
como as primeiras e dificilmente separáveis umas das outras – em antropologia, como veremos
mais tarde, são inseparáveis as questões epistemológicas, das questões éticas e políticas; os
interesses e estratégias individuais, institucionais e das pessoas e as populações com quem se
realiza o trabalho de investigação.

O trabalho de investigação dos antropólogos cria profundas alterações às populações estudadas


tornando-as mais visíveis. Estas situações pode reverter a favor das pessoas, populações, grupos,
comunidades ou sociedades estudadas, mas também contribuir para uma maior vulnerabilidade.
Muitos são os testemunhos e as interrogações que os produtos finais da investigação nos põem à
disposição. Não é pois possível ignorá-los. O porquê de uma investigação encontra-se, por vezes,
no terreno ou nas sociedades estudadas ou, mais precisamente, na relação estabelecida entre o
investigador e o terreno.

Torna-se necessário no design de investigação que o investigador tome consciência das razões da
sua investigação, do modo como estas progressivamente se vão definindo e articulando e das quais
resulta de uma forma mais clara a posicionalidade do investigador.
10
Ver cuidadosamente em Bruno Latour e Steve Woolgar (1986), A vida de laboratórios, as respostas que
encontrou à pergunta – o que motiva os pesquisadores? pp. 205-263.

43
4.4. Onde investigar?

Depois de decidirmos, mais detalhadamente, o que focará o estudo ou o projecto de


investigação e de nos esclarecermos sobre as razões (porquês) desta investigação, o
próximo passo é programar com quem (população a estudar) e onde (locais onde
decorrerá a pesquisa) o estudo pode ser desenvolvido. Frequentemente, o fenómeno,
“facto” ou a população a estudar não podem ser definidos sem que seja identificado, em
simultâneo, um lugar acessível. Estas duas questões envolvem decisões interrelacionadas.
A estas duas questões, reconhecidamente inseparáveis, chamaremos terreno, mais lugar
onde os antropólogos estudam do que lugar que os antropólogos estudam mas também de
divergência: lugar de estudo – “os antropólogos estudam nas aldeias” (Geertz);
“laboratório” – lugar de observação e experimentação controlada (Boas), “ritual de
passagem” – lugar de iniciação pessoal / profissional, de aprendizagem, de crescimento e
de prova, um ideal metodológico – lugar concreto de actividade profissional do
antropólogo (residência deslocalizada), um conjunto de práticas discursivas
nomeadamente decorrentes da residência e da actividade do antropólogo (Clifford).

No vocabulário do antropólogo, o terreno é duplamente emblemático. Designa ao


mesmo tempo um espaço geográfico (ou uma unidade social localizada) e o lugar
onde se desenrola a actividade do antropólogo. O «terreno» serve para designar
tanto o objecto de pesquisa (no sentido, por exemplo, em que dizemos que as
sociedades primitivas, as comunidades exóticas constituem o terreno do
antropólogo) como o lugar onde se efectua essa pesquisa (como quando dizemos
«encontrei tal ou tal pessoa, tal ou tal dificuldade no meu terreno», ou quando
proclamamos «o meu terreno, é os Dogons». Sobre o terreno, o antropólogo joga
a sua identidade. Uma identidade que refere a uma encenação discursiva da
legitimidade da sua prática em relação aos seus pares.
Kilani,1995: 41

A escolha do lugar constitui um factor que tem um papel significativo na formulação e no


desenvolvimento dos problemas de investigação em antropologia. Estes, raramente são
definidos de forma completa antes que comece o trabalho de campo. A recolha directa de
informação tem, frequentemente, um papel importante na concepção do projecto de
investigação. Podem surgir problemas que não tinham sido identificados e elaborados no
planeamento inicial e outros que não são pertinentes no lugar escolhido para realizar o

44
estudo. Nestes casos, o investigador encontra-se num dilema de escolher entre abandonar
as questões anteriormente escolhidas ou postergar a investigação até escolher outro lugar
em que as questões seleccionadas possam ser investigadas. Por vezes, a importância da
problemática a estudar e as razões do investigador podem levá-lo à escolha de outro
lugar.

Acontece, porém, que no começo da recolha de dados, os problemas preliminares


identificados já apontam para um tipo de lugar ou situação, em que a problemática inicial
da investigação pode ser desenvolvida. A problemática e o lugar em que será realizada a
investigação apresentam-se-nos assim em estreita interdependência. Isto, por vezes, exige
uma abordagem prévia de vários possíveis lugares para estudar in loco as condições da
sua viabilidade. Para isso, o investigador terá de proceder ao levantamento e análise
documental sobre o terreno a estudar, a entrevistas e conversas com pessoas (informantes
locais, responsáveis instituições locais, outros investigadores, etc.) que possam dar as
primeiras informações, a estadas de curta duração que permitam uma elaboração mais
pormenorizada do projecto e testar as concepções prévias com os primeiros contactos.

Não deve desvalorizar-se o papel das considerações pragmáticas no momento de escolha


do lugar para realizar o estudo – o contacto com as pessoas que facilitem o acesso, custos
de viagem, possibilidade de instalação, disponibilidade de informação documental.

É, também, importante não confundir a escolha de um local com a selecção do caso ou


situação a estudar. Num mesmo local poderá o investigador encontrar um diversificado
número de casos ou situações a estudar e dentro de um caso colocar-se-lhe múltiplas
questões – quando observar, com quem conversar, que informação registar e como fazê-
lo. Neste processo, o investigador terá não só de decidir o que é ou não relevante para a
investigação, mas também de excluir várias outras informações disponíveis que possam
apontar para outros projectos.

As questões ligadas à importância da localização da investigação são mais acentuadas na


antropologia clássica e na perspectiva naturalista da investigação, que considera os
lugares naturais como objectos de estudo. Os antecedentes desta tendência podem
remontar mais atrás, à escola de Chicago (Hammersley e Atkinson, 1994). Actualmente

45
alguns autores apontam para a investigação translocal11 e transnacional (Hannerz, 2000:
235-251) ou mesmo para culturas deslocalizadas.

4.5. Com quem investigar?

Esta pergunta sugere-nos a atenção de dois elementos importantes na concepção de um


projecto de investigação: as pessoas ou população a estudar e o seu contexto social.

Nenhum meio social é homogéneo e a representação das pessoas envolvidas num


determinado caso ou situação é diversificada. Também, não é possível, a menos que se
trate de unidades sociais muito pequenas, estudar a totalidade da população de forma
adequada e com a mesma profundidade. Não haveria nisto grande vantagem. As pessoas
e as populações vivem em contextos sociais (sociedades, comunidades, grupos)
específicos que influenciam e são influenciados por elas. Os contextos sociais são assim
tão importantes quanto as pessoas e as populações na concepção e planeamento da
pesquisa. É importante não confundir lugares com contextos. As estruturas
arquitectónicas são importantes mas, como palcos ou suportes do drama social, não
determinam de maneira directa o comportamento humano (Goffman) embora o
condicionem.

Os investigadores podem seleccionar os grupos a estudar ou com quem estudar baseando-


se em múltiplas razões e critérios. Ser-lhe-á útil identificar essas razões e estabelecer
esses critérios. Margaret Lecompte, e Jean Schensul apontam três critérios a ter em conta:
logísticos, de definição do grupo e conceptuais:

Os critérios logísticos relacionam-se com os recursos disponíveis para o estudo.


Por melhor que possa parecer, do ponto de vista conceptual, incluir certos
indivíduos, os custos da análise, o tempo e a distância necessária para os incluir,
tornam claro que deveriam ser excluídos...
Os critérios de definição determinam como o grupo será delimitado e quem será
incluído. As considerações sobre a inclusão envolvem saber quantos membros
podem ser estudados pelo investigador, tendo em conta as necessidades do estudo,
os recursos financeiros e de tempo. Por exemplo, os investigadores que estudam a
utilização de droga por adolescentes podem determinar os membros do grupo
segundo a idade, etnia, localidade ou outro critério. As limitações financeiras do

11
Ver capítulo III deste Manual - Preparar a investigação e o trabalho de campo.

46
estudo e a habilidade para localizar uma amostra determinam a decisão,
inclusivamente sobre a dimensão da amostra.
Os critérios conceptuais envolvem a saturação, referindo-se esta ao número,
ideal ou não, de indivíduos do grupo proposto para o estudo que têm
características que interessam ao investigador. Um estudo sobre desadaptação
funcional sobre Afro-Americanos idosos habitantes de uma pequena cidade pode
ser importante, mas encontrar participantes suficientes, com mais de 50 anos,
numa reduzida população, pode tornar o estudo impossível de prosseguir.

Lecompte e Schensul, 1999: 111

Vemos que a definição de critérios escolhida pelos autores aponta para razões ou escolhas
de natureza epistemológica e para determinado modelo ou paradigma de investigação. É,
no entanto, qualquer que seja o paradigma ou modelo teórico em que o investigador
inscreve as suas opções, preciso estar atento às perguntas que os autores referidos
colocam neste processo de decisão.

CONSIDERAÇÕES LOGÍSTICAS
O grupo solicitou-me que o estudasse?
ou
Tenho que encontrar um grupo para estudar?

SE TENHO QUE ENCONTRAR UM GRUPO PARA ESTUDAR


- Posso encontrar um grupo com as características que me interessam?
- Posso obter autorização para estudar esse grupo?
- Se obtiver autorização, os membros do grupo falarão comigo?
ou
- Os indivíduos que têm as características ou atributos em que estou interessado, não são membros do grupo?

UMA VEZ QUE TENHO UM GRUPO E PERMISSÃO PARA O ESTUDAR


- Tenho recursos para estudar este grupo?
- Posso estudar todos os membros do grupo? Necessito de fazê-lo?
Necessito se:
O grupo é muito heterogéneo e posso falhar no contacto com um membro importante; ou se as características são
desconhecidas, ou se o grupo é muito pequeno.

OU NO DESIGN TEREI QUE DECIDIR SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS:


- A que distância vive o grupo e quais as dificuldades de acesso?
- Qual a dimensão do grupo? Demasiado grande para o estudar na sua totalidade?
- Quais as dificuldades em identificar os membros?
- Tenho tempo suficiente e acompanhantes treinados para implementar o estudo?

CONSIDERAÇÕES DEFINIDORAS
SE OS INDIVÍDUOS POR QUEM ME INTERRESSO
NÃO SÃO MEMBROS DE UM GRUPO DESCONHECIDO

- Como posso delimitar o grupo ou defini-lo operativamente para o estudo?


e
- Posso definir um lugar, terreno ou organização onde possa encontrá-los?

47
ou
- Posso identificar um grupo ou indivíduo que me ajude a identificá-lo?
- Uma vez que os identifiquei, falarão comigo?

CONSIDERAÇÕESCONCEPTUAIS
- Pretendo estudar membros representativos do grupo? Se é assim, serão as características da população
suficientemente bem conhecidas para que possa identificar tais membros?
ou
- Tenciono comparar os indivíduos ou o grupo que pretendo estudar com outros indivíduos ou grupos?
Se é assim, pretendo estudar casos típicos, extremos, únicos, ideais, negativos, ou exemplares (ver LeCompte e Preissle,
1993)?
- Ou pretendo estudar uma amostra de um grupo alargado?
- Se estudar uma amostra, como devo construí-la?

Amostragem teórica, ou selecção de considerações conceptuais

As estratégias seguintes estão incluídas na selecção de unidades de amostra baseada em critérios:


- Selecção de caso extremo ou dicotómico
- Selecção de caso típico
- Selecção de caso único
- Selecção de caso baseado na reputação ou reconhecimento
- Bellwether ou selecção de caso ideal
- Selecção de caso comparável

Lecompte e Schensul, 1999: 112

4.6. Quem investigar?

Depois de definidas as populações e as categorias de sujeitos com quem o problema


poderá ser melhor estudado, torna-se necessário definir as pessoas que podem permitir o
acesso ao terreno, às fontes de informação necessárias para responder à questões
colocadas.

Na elaboração do projecto, o investigador poderá proceder a um levantamento dos


encontros previsíveis que, durante o trabalho de campo, permitirão o acesso à informação
e consequente à realização da investigação. No entanto, a sua escolha está condicionada à
“passagem ao terreno”. Poder-se-á prever que no estudo de um ritual se possa contar com
a participação das pessoas que organizam o ritual, com os que desempenham os
principais papéis rituais, cuidam o espaço ritual, constroem os objectos rituais e mesmo
com pessoas que a ele assistem ou que aguardam a sua entrada em manifestações
posteriores. Também poder-se-á prever estabelecer contactos com pessoas que,
anteriormente, desempenharam os papéis sociais e rituais acima referidos e guardam
deles recordações ou documentos ou ainda aqueles que aspiram a vir representar esses

48
papéis. Numa escola, num laboratório científico, num hospital, numa empresa poder-se-á
facilmente proceder à inventariação das pessoas que nos poderão servir de informantes ou
que simplesmente vão partilhar connosco a pertença, mesmo que por tempo limitado e
em posições diferenciadas.

É, no entanto, mais difícil prever quem são as pessoas com quem vamos contactar quando
a investigação ocorre em lugares mais alargados – um bairro periférico de uma cidade –
Alto da Cova da Moura (Horta, 2001), uma cidade – S. Paulo (Caldeira, 2000), ou lugares
distantes – São Tomé (Valverde, 2000).

Também os métodos que utilizarmos condicionam as escolhas dos informantes. Assim


numa “história de vida” o actor principal, sujeito principal da investigação ao revelar a
sua rede de interacções e as suas estratégias de vida remeter-nos-á para um conjunto de
pessoas dificilmente previsível durante o desenho e a planificação do trabalho de campo.

Também, por muito fechado que seja o terreno escolhido, não será possível identificar as
pessoas com quem nos vamos encontrar, onde vamos participar e observar. Os sujeitos
com quem vamos realizar a investigação são quase sempre resultado do imprevisto. Mais
previsíveis nas instituições formais – escolas, empresas, fábricas; menos nas cidades, nas
aldeias, nos bairros.

Pode o investigador trabalhar no desenho de investigação com “categorias de sujeitos”


com modelos quase abstractos: um imigrante de primeira geração; um jovem filho de
imigrantes nascido em Portugal a frequentar a escola ou a universidade; uma mulher
senegalesa que pratica a religião muçulmana e se dedica ao comércio. Ainda que a
construção de modelos ou categorias de sujeitos possa constituir um bom exercício, não
poderá, porém, sobrepor-se aos actores sociais concretos que iremos encontrar no terreno.

Também, aqui, as visitas ao terreno ou a frequência de lugares semelhantes àqueles em


que vamos realizar a pesquisa poderão contribuir para a construção de modelos e
categorias mais próximos das realidades com que nos vamos confrontar mais tarde, mas
sobretudo, para a definição de quem investigar, isto é, quem serão os informantes, quem e
como construirão com o investigador o acesso ao terreno e às fontes de informação.

49
4.7. Quando investigar?

É necessário que ao conceber um projecto de investigação se calendarizem as actividades


que irão decorrer. Doutra forma o projecto correrá o risco de ficar eternamente adiado.
Este o primeiro cuidado do investigador com o tempo – o seu tempo, o tempo que o
investigador controla dentro dos limites que as instituições que financiam ou enquadram
a pesquisa impõem.

O tempo é um vínculo importante do investigador com as instituições de investigação. A


sua gestão é, frequentemente difícil. Torna-se no desenvolvimento da pesquisa um bem
escasso que urge gerir desde o primeiro momento.

O tempo tem uma importância óbvia na vida social mas tem sido frequentemente
esquecido. As actividades de investigação desenvolvidas pelos antropólogos ao longo do
tempo variam de maneira significativa. O tempo varia de terreno para terreno, de cultura
para cultura. A organização do tempo não é uma característica periférica na vida das
sociedades como também não é num trabalho de pesquisa.

A calendarização das actividades de investigação é, nesta perspectiva, construída a partir


da vida social do investigador e esta poderá estar em conflito com o tempo do terreno.
Não se trata, por vezes, apenas de um desacerto temporal entre pessoas, ou entre o
investigador e os horários das instituições em que realiza a pesquisa. É, frequentemente
um conflito mais profundo, de natureza cultural “numa cultura como a nossa, monócrona
e dominada por horários, os grupos étnicos que concentram as suas energias nos grupos
primários e as relações primárias como a família e as relações humanas, consideram
como quase impossível adaptar-se a horários rígidos e a estreitos compartimentos do
tempo” (Hall, 1996:224). Condiciona a relação com as pessoas com quem o investigador
se vai encontrar no trabalho de campo.

É, pois, necessário que o antropólogo seja capaz de negociar localmente e a cada


momento a relação com o tempo das pessoas, sujeitos com quem investiga. Não poderá
investigar ou estar disponível 24 horas por dia. O tempo poderá ter um valor heurístico na
investigação, poderá permitir “compreender melhor uma cultura” mas também
compreender esta tensão entre culturas, a do investigador e das pessoas com que se
estuda.

50
Este conflito decorrente do tempo pode manifestar-se até nas relações entre um
investigador mais velho e os jovens, sujeitos da investigação. Uns mais habituados a um
regime diurno de levantar cedo e começar a trabalhar desde o nascer do dia, outros a um
regime de vida social nocturna (Ribeiro, 2000).

4.8. Como investigar?

Há hoje um crescente debate sobre o papel e as estratégias de investigação na


antropologia contemporânea. Uma discussão sobre elementos de base relacionados com a
epistemologia, objectividade, realidade, autoridade, entre outras.

Tradicionalmente, o design da investigação e a sua lógica têm estado associados com a


ciência, sublinhando a necessidade de objectividade e avaliação. A histórica tensão entre
perspectivas interpretativa e positivista em antropologia tem dado lugar a interrogações,
por parte de certos antropólogos, acerca da natureza da ciência e da sua lógica de design
de investigação. Poderemos afirmar que a antropologia pós-moderna dá menor
importância ao design de investigação. Não quer isto dizer que nas perspectivas
interpretativas não exista uma forma de projecto de investigação; mas o termo "design"
em si, está ligado a um certo formalismo que tem sido rejeitado pela antropologia.
Utiliza-se frequentemente o termo - estratégia de investigação - mais apropriado à
diversidade frequentemente encontrada na antropologia.

Em baixo apresentamos uma caracterização taxonómica dos diferentes tipos de


estratégias de investigação encontradas na antropologia. Estabelece-se nesta a distinção
entre estratégias relacionadas com estudos interpretativos e estratégias sistemáticas que
estão mais relacionados com os elementos da ciência entendida numa perspectiva
positivista. Esta é uma representação muito simplificada. Muitos dos exemplos de
investigação situam-se entre os dois extremos apresentados. A abordagem sistemática
apresenta duas estratégias específicas, já acima referenciadas, a exploratória e
explanatória. Uma linha fina liga estas duas estratégias o que aponta para a sua
complementaridade e inter-relação, mostrando que o design pode incluir ambas dentro de

51
um enquadramento geral do design da investigação. Estas duas perspectivas não são, de
modo algum, mutuamente exclusivas ao abordar o problema da investigação.

Na sua forma mais extrema, as estratégias sistemáticas tendem a envolver a necessidade


de procurar explicações do fenómeno, prosseguindo com fundamentações teóricas.
Procurando essas fundamentações, vem a necessidade de objectividade, de aferição e
controlo das possíveis fontes de erro, para levar a uma avaliação válida de uma dada
teoria. Do ponto de vista epistemológico os trabalhos sistemáticos são objectivistas.
Quem os elabora está acima de tudo interessado em aproximar-se de uma verdade
externa. Consequentemente, a avaliação de qualquer teoria envolve designs da
investigação mais centrados nos meios e métodos e pesquisa – o processo de pesquisa,
em vez da simples apresentação do modo como o estudo foi escrito ou defendido – pois a
validade do estudo depende da qualidade científica do design da investigação. Para
qualquer problema de investigação, o objectivo do design da investigação é anular ou
reduzir as possíveis ameaças à validação dos resultados. Isto leva a designs que envolvem
um nível mais elevado de detalhes metodológicos e analíticos. Nesta linha de pensamento
o investigador é um trabalhador de campo escritor (não um escritor trabalhador de campo
como frequentemente são considerados os antropólogos pós-modernos).

As estratégias interpretativas diferem das abordagens sistemáticas porque interrogam a


possibilidade de objectividade do investigador. Nas ciências sociais há uma grande
variedade de termos associáveis às teorias interpretativas “A fenomenologia, a
hermenêutica, a antropologia simbólica, a antropologia interpretativa, o interaccionismo
interpretativo, o desconstrucionismo, o posmodernismo e o construcionismo” que
questionam “a epistemologia e a metodologia das abordagens sistemáticas” (Johnson,
2000: 140).

5. Investigação em antropologia

Interpretativa Sistemática

52
Pós-moderma ↔ Interpretativa Exploratória (descritiva) ↔ Explanatória

Menor preocupação com detalhes do design e Maior preocupação com detalhes do design e
com os métodos com os métodos

Pesquisa Pesquisa
Compreensão, histórias morais, quadro Evitar hipóteses rivais, objectividade, possíveis
teórico local fontes de erro, aferição/verificação,
fundamentações teóricas

Propõe Propõe
Histórias ou narrativas credíveis Validação das hipóteses

Epistemologia: Epistemologia
Subjectivismo, descobertas investidas de Objectividade, dados próximos da verdade
valores

Preocupações Preocupações
Ameaças à credibilidade Ameaças à validade

Meios de redução das ameaças Meios de redução das ameaças


Literários, refelexividade Metodológicos

Apresentação dos resultados Apresentação dos resultados


Escrita: textos polifónicos, escrita criativa Relatórios de pesquisa
Exploração de outro media e outras
linguagens: cinema e audiovisual, hipertexto,
hipermédia,

Johnson, 2000:139

A antropologia interpretativa não rejeita a lógica da metodologia empírica e continua a


acreditar na autoridade etnográfica. No entanto abordagens mais recentes como o
posmodernismo e o construtivismo rejeitam o método científico e a lógica do design. Há
uma crença na intersubjectividade, na relação de investigação como encontro entre
culturas e entre saberes, a interpretação aproxima-se mais das estratégias exploratórias e

53
descritivas prestando uma particular atenção à reflexividade12 e a exploração de
estratégias de escrita13 decorrentes do processo de pesquisa.
Assim, se no modelo “clássico” de etnografia a observação participante surgiu
como condição para a realização de um trabalho genuinamente científico – uma
técnica de pesquisa –, recentemente questiona-se o quanto a experiência da
alteridade poderia ser melhor compreendida se esta técnica fosse pensada também
como um objecto do saber etnográfico e não apenas uma condição de construção
das etnografias. O mito do pesquisador de campo como um “fantasma” (destituído
de classe, sexo, cor, opiniões etc.), que não afecta e não é afectado pelo
quotidiano que compartilha com seus interlocutores, ou ainda como um herói da
simpatia e da paciência, cuja missão é “humanizar” o outro, esquecendo-se de que
ele também deve ser “humanizado” em suas fraquezas e omissões, parece agora
exigir novas versões em que o pesquisador encontre um papel mais equilibrado e
mais condizente com a situação real da investigação. Afinal de contas, “nativos de
carne e osso” exigem “antropólogos de carne e osso”, pois é nessa condição que
ambos se aproximam e fazem aproximar as culturas ou os valores dos quais são
representantes no diálogo etnográfico que estabelecem.
Pensar a etnografia como um ofício de “ourivesaria” antropológica, o domínio de
uma linguagem específica aberta a múltiplos reflexos num jogo de sombra e luz,
talvez seja um dos mais difíceis exercícios a desafiar seus praticantes. Vincent
Crapanzano (1986) já havia lembrado que os textos etnográficos, ao jogarem luz
sobre a cultura do outro, reflectem necessariamente a sombra de quem os escreve.
Isto posto, resta fazer com que reflictam também a sombra das inúmeras mãos que
não os escrevem mas participam, em vários níveis, na sua construção. Daí o
ímpeto pós-moderno de querer explorar de forma radical a experiência singular do
diálogo etnográfico e enfatizar no texto a presença destas diversas vozes,
principalmente neste momento em que os mundos manifestam-se
progressivamente interligados e as representações dos grupos sobre si mesmos e
sobre os outros aparecem numa espiral contínua de sobreposições, num jogo
multifacetado de imagens nos espelhos.
Silva, no Prelo

A realização de uma investigação baseia-se sempre num determinado modo de ver o


mundo (do ponto de vista), da perspectiva que o investigador tem no quadro de referência
da disciplina, do paradigma ou modelo adoptado. O termo paradigma designa um modo
de ver o mundo, de interpretar o que é visto, de decidir, entre aquilo que o investigador
vê, o que é real, válido e se revela importante para documentar. Os paradigmas mais
12
Ver Capítulo II deste Manual - Trabalho de campo em Antropologia.

13
Ver último capítulo deste Manual - A escrita em Antropologia

54
comuns, na investigação e avaliação em ciências sociais, são o positivista (o mais antigo),
a teoria crítica, o interpretativo, o fenomenológico, a teoria construtivista, a teoria
ecológica e a teoria de trabalho social em rede (Lecompte, 1999). É este o quadro mais
alargado em que o investigador inscreverá as suas opções. Não apenas no quadro
dicotómico antropologia clássica/antropologia pós moderna ou antropologia
interpretativa /antropologia sistemática. Remetemos os estudantes para o quadro síntese
dos paradigmas referidos por Margaret Lecompte e Jean Schensul. Situar-se num
paradigma depende de questões relacionadas com opções pessoais, com as problemáticas
a investigar, com as necessidades e constrangimentos da investigação, com as equipas.
Pode também o investigador situar-se numa síntese de diversos paradigmas.

Etnografia “clássica” Etnografia pós-moderna

Trabalho de campo como actividade de Trabalho de campo como espaço de troca de


observação do outro, de familiarização do experiências e de verificação da
antropólogo com a cultura observada e de intercomunicabilidade entre os modelos
colecta sistemática de dados culturais dos quais fazem parte o observador e o
observado

Compreensão antropológica como Compreensão antropológica como


representação da cultura observada. representação da fusão entre ponto de vista
nativo e os sistemas simbólicos do antropólogo
Ênfase na diferenciação entre o émico
(que incluem modelos científicos e culturais)
(asserções advindas do universo pesquisado) e o
ético (asserções explicativas antropológicas) Fusão dos modelos émicos (local, próximo e
diverso) e éticos (global, distante e universal)

Antropologia como tradução cultural do outro Antropologia como tradução simultânea de


culturas e formulação de epistemes alternativas

Escrita etnográfica: estilo realista e/ou Escrita etnográfica: estilo experimental, busca
naturalista de representação da cultura de uma “descrição participante” (uso de
observada. alegorias, pastiche, figuras de linguagem)
Discurso monológico e monofónico (Ênfase na Discurso dialógico e polifónico (heteroglossia,
separação: Nós/Eles, “Autor”/”Personagens”) presença de inúmeras vozes, dissolução da
autoria)
Dicotomia entre subjectivismo (experiência de
campo) e objectivismo (texto regido por Valorização da intersubjetividade
cánones científicos)
Antropologia como “arte” ou “ficção” (mistura
Distinção entre etnografia (científica) e outros de géneros científico e literário ou dissolução
géneros de narrativa etnográfica (memorialista) das fronteiras entre eles)

55
Silva, 2002
Comparação de Paradigmas (pagina B3)

56
6. Viabilidade ou exequibilidade da investigação

Uma das perguntas ou conjunto de perguntas a realizar pelo investigador durante o


desenho de investigação é sobre a viabilidade do projecto. As perguntas colocam-se desde
o início da redacção do plano. Tornam-se mais pertinentes e decisivas aquando da sua
finalização quando se prepara o trabalho de campo.

As primeiras perguntas têm a ver com viabilidade teórica do projecto de investigação.


Uma investigação não se faz no vazio. Outras foram realizadas sobre a mesma
problemática ou problemáticas afins ou envolveram o mesmo terreno – local e população
a estudar. Torna-se pois necessário procurar a literatura de base de modo a evitar
repetições mas também proceder ao levantamento do “estado da arte”, isto é a conhecer a
lógica do domínio de investigação escolhido, os conceitos e os processos de análise e
mesmo os “especialistas” ou autores anteriores que nos servirão de referência e com os
quais o investigador poderá ver a estabelecer contactos directos, através da sua obra ou
através de correspondência utilizando nomeadamente os meios electrónicos de
comunicação (site ou email do autor).

O segundo conjunto de perguntas tem a ver com a viabilidade metodológica. A escolha da


problemática, dos objectivos, dos métodos e do terreno condicionam-se mutuamente.
Fazer um bom design de investigação é uma tarefa interactiva. Poderemos começar por
qualquer das escolhas. Não poderemos esquecer que há métodos mais adequados à
problemática a estudar e que sempre se terá de cuidar a sua adaptação às situações
concretas de investigação. Torna-se necessário pois conciliar as referências teóricas com
o tipo de análise e com actividades desenvolvidas no trabalho de campo.

A viabilidade de um projecto é também económica. Não é possível iniciar um projecto de


investigação sem garantir os meios mínimos necessários ao desenvolvimento da pesquisa.
A suspensão de um projecto trará ao investigador além de frustração uma ruptura de
compromissos assumidos com as instituição no âmbito das quais se realiza a pesquisa,
com o orientador, tutor ou acompanhantes da pesquisa e com as pessoas junto das quais
vai realizar o trabalho de campo. A investigação far-se-á sempre com recursos escassos
que o investigador terá de saber gerir.

57
A viabilidade ou exequibilidade da investigação tem também a ver com as qualidades
pessoais do investigador e com as situações sociais em que está inserido. Referimo-nos à
disponibilidade do investigador, à sua motivação para abordar a problemática escolhida e
outras qualidades subjectivas que irão ser abordadas nos capítulos seguintes mas também
à possibilidade de realizar o trabalho de campo, por vezes durante período de tempo
longos, ou durante fins-de-semana, férias ou em períodos do dia menos cómodos (fim de
tarde, noite) – períodos em que as pessoas poderão estar mais disponíveis. Capacidade de
adaptação às exigências do terreno (locais e população estudadas) – condições de
habitação e alojamento, solidão, ausência dos pares e/ou de protectores (orientadores,
tutores), relações com as pessoas, disponibilidade para participar e agir em situações
imprevistas, disponibilidade para desenvolver aprendizagens locais – língua e culturas
locais.

Além das qualidades pessoais e da sua situação social o investigador terá também de
interrogar-se acerca da sua preparação teórica e metodológica que lhe permita realizar a
pesquisa e adaptar-se de forma flexível às exigência, nomeadamente de formação a que
terá dar respostas durante a própria realização do trabalho de campo e de todo o percurso
de investigação.

7. Avaliação dos projectos de investigação

Como anteriormente referimos o design de investigação é um instrumento de previsão e


de orientação de um percurso para o investigador. É também um instrumento de avaliação
e de tomada de decisão para as instituições académicas que aceitam ou rejeitam os
projectos e para as instituições que os financiam.

A sua forma final não é assim uma escrita para uso individual do investigador ou do
grupo de investigação mas uma escrita pública dirigida às instituições académicas e às
instituições financiadoras. Serve, pois, dois objectivos – de orientação e de avaliação de
um percurso de investigação.

Apresentamos alguns modelos de apresentação de projectos de investigação. O primeiro


resulta de uma adaptação da proposta realizada com os estudantes com quem trabalhei

58
durante os últimos anos na Universidade Aberta – Mestrado em Relações Interculturais.
Os outros são modelos da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia e da Fundação
Calouste Gulbenkian.

Os modelos da FCT e da Fundação Gulbenkian poderão ser consultados pelos estudantes


no sítio: http://www.fct.mct.pt e http://www.gulbenkian.org/home.asp?Lingua=1. Estes
modelos tendem hoje a ser elaborados através de um processo de introdução de dados
numa base de projectos permitindo assim homogeneizar e evitar o excesso de informação
e facilitar os estudos dos projectos e a avaliação.

Apresentamos em seguida outro modelo, acima referido.

Preparação de uma proposta de pesquisa


Apesar da sua forma poder variar, a maior parte dos projectos de investigação a
apresentar (monografias, dissertações, teses) regem-se pelos pontos abaixo
referido e são apresentados num texto curto de em 10 a 30 páginas. Exceder este
número de páginas não traz qualquer benefício na apreciação e avaliação do
projecto.
1. A capa deve apresentar o tema, o nome do autor, o endereço, o número do
telefone, o nome da Instituição, o nome do curso, o nome do orientador e
a data.
2. Uma página resumo, geralmente escrita no final, do projecto, vem a
seguir à capa. Esta capa tem dois propósitos:
a. Sumariar para o leitor a estrutura básica da proposta, e
b. Refrescar a sua memória, para os pontos mais importantes, em
discussões posteriores.
3. As páginas seguintes expõem a problemática central da pesquisa,
normalmente desenvolvidas num texto de 5 a 15 páginas pela seguinte
ordem:
a. Introdução, na qual o autor expõe, tão sucintamente quanto
possível, a natureza do problema tal como o proponente o vê,
porque é que o considera importante e a forma como espera
contribuir para a sua solução.
b. As perguntas da pesquisa (ou hipóteses) escritas sob forma de
pergunta que questiona o relacionamento entre dois ou mais
conceitos, variáveis, fenómenos, eventos, coisas. Esta secção
inclui a definição de termos. Um grande cuidado deve ser dado à
escrita, nesta proposição inicial, que vai determinar a confiança
dos esforços de pesquisa e mostrar que está na direcção certa.
c. As sub-hipóteses que, tal como a pergunta de pesquisa, podem ser
feitas sob a forma de hipóteses
d. Revisão da pesquisa e teoria relevante. Cada investigador deve
muito aos autores precedentes e aos seus contemporâneos, no
trabalho de campo ou em bibliotecas, laboratórios e estudos.

59
Embora seja útil e apropriado reconhecer as suas contribuições, há
uma tendência para o investigador se envolver em estudos que tem
apenas uma ténue relação com a pesquisa que está a ser realizada.
Como resultado, esta secção da apresentação do projecto de
pesquisa tem, por vezes, uma qualidade exagerada e desarticulada
de referências tornando-se facilmente um mero catálogo ou uma
lista com algumas anotações. Isto não chega. É aqui requerida uma
exposição integrada que permita alguma explicação das razões
porque as teorias ou os estudos citados são importantes para o
trabalho proposto.
4. Os procedimentos de pesquisa (de 5 a 15 páginas) podem incluir:
a. A descrição da forma teórica ou conceptual a ser empregue.
b. Metodologia
c. Fontes de evidência e autoridade.
d. Técnica analítica e esboço da pesquisa.
e. Calendarização para a realização do projecto.
A secção dos procedimentos de pesquisa é frequentemente a parte mais fraca da
apresentação de projectos. Muitos investigadores principiantes nunca produziram
uma monografia, nem em algo semelhante em rigor ou extensão de
conhecimentos. Poderão ter escrito inúmeros trabalhos escolares (muitos deles
escritos à pressa nas poucas horas que restam antes de expirar do prazo limite de
entrega). Uma dissertação ou monografia em nada se assemelha a estes.
Devidamente executada esta coloca o investigador num lugar de passagem na
fronteira do conhecimento, numa área de especialização e dentro desta área na
construção de uma autoridade (autor especializado).
Além disso, a exposição dos procedimentos bem estruturada pode ser um guia
inestimável para o próprio investigador, para o seu orientador e outros peritos,
para os decisores do financiamento dos projectos e para eventuais técnicos
(informáticos, de audiovisual, etc.) que poderão vir a participar no projecto e que
precisarão de saber com precisão o que está a ser empreendido.
O último ponto na realização do procedimento – a calendarização para realizar o
projecto – é uma tentativa de planear o tempo para cada etapa, desde o estudo
preliminar até à apresentação de cópias finais para os membros do júri.
5. Um índice de conteúdos (uma ou duas páginas) que tem três grandes
vantagens: (1) indica ao leitor a dimensão do tópico; (2) possibilita ao
autor a organização temporária do trabalho; (3) ajuda a simplificar o
processo de tomada de notas.
6. A bibliografia (uma a cinco páginas), que pode ser parcialmente anotada.
As suas vantagens principais são habilitar o orientador a formar uma
opinião da qualidade das fontes disponíveis e sugerir algumas referências
úteis que o estudante possa não ter considerado. Trabalhar numa
bibliografia preliminar é trabalho e tempo bem despendido dado que é a
base para uma melhor compreensão da que vai acompanhar a dissertação
final.
José S. Ribeiro, Antropologia Visual, MRI

60
8. Bibliografia e leituras complementares

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