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O SUS necessário e o SUS possível: estratégias de gestão.

TEMAS LIVRES FREE THEMES


Uma reflexão a partir de uma experiência concreta

The needed Brazilian Health System and the possible


Brazilian Health System: management strategies.
An experience-based reflection

Luis Eugenio Portela Fernandes de Souza 1

Abstract The present text presents a reflection about Resumo O presente texto constitui uma reflexão
the author’s experience as head of a Health Depart- sobre a experiência do autor como gestor de uma
ment of a big city during two and a half years. It secretaria de saúde de um município de grande por-
presents a systematization of the strategic projects, te, durante dois anos e meio. Apresenta uma siste-
the political and technical activities and the mana- matização dos projetos estratégicos, das atividades
gerial routine, in which he was involved. It identifies políticas e técnicas e da rotina gerencial em que se
three levels (macro, meso and micro) and four di- envolveu enquanto gestor. Parte da identificação de
mensions of management (social-political, institu- três níveis (macro, meso e micro) e de quatro di-
tional, technical-sanitary and administrative in the mensões da gestão (sociopolítica, institucional, téc-
strict sense). In each dimension, on the three levels, it nico-sanitária e administrativa senso estrito). Em
discusses management strategies designed to contrib- cada dimensão, nos três níveis, são discutidas estra-
ute to the construction of a universal and equitable tégias de gestão, propostas para contribuir com a cons-
Brazilian Health System (SUS). Although it may be trução de um SUS efetivamente universal e eqüitati-
premature to evaluate the degree of implantation and vo. Ainda que seja prematuro avaliar o grau de im-
the effects of the proposed strategies, their analysis plantação e os efeitos das estratégias propostas, a sua
and discussion can be useful for being strongly based discussão pode ser útil na medida em que adota um
on empirical elements. The paper concludes that, even quadro de análise das práticas de gestão fortemente
though the consolidation of the SUS is a political baseado em elementos empíricos. Conclui-se que,
struggle that surpasses the management arena, man- embora a consolidação do SUS seja uma luta política
agers are important agents who need to know how to que extrapola o espaço da gestão, os gestores são agen-
develop strategies able to foster the principles of uni- tes importantes que precisam saber desenvolver es-
versality and equity. tratégias consistentes com os princípios da universa-
Key words Healthcare management, Healthcare lidade e da equidade.
manager, Brazilian Health System Palavras-chave Gestão em saúde, Gestor de saúde,
SUS
1
Instituto de Saúde
Coletiva, Universidade
Federal da Bahia.
Rua Basílio da Gama, s/n,
Campus do Canela.
40110-040 Salvador BA.
luiseugenio@ufba.br
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Souza LEPF

Introdução Para refletir sobre estratégias de gestão que


aproximem o SUS possível do SUS necessário,
A implantação do SUS requer uma sociedade em deve-se, portanto, em primeiro lugar, compreen-
que todos os cidadãos tenham assegurado um der a implantação do SUS como uma luta política.
padrão de vida digno. É difícil se pensar em um Em segundo lugar, é útil adotar um conceito
sistema de saúde universal e eqüitativo em um país, amplo de gestão, pois é abrangente o escopo do
como o Brasil, onde a muitos faltam condições de SUS e, por conseguinte, das atividades do gestor
sobrevivência. da saúde. Pode-se distinguir, seguindo Garcia1, uma
Todavia, se é difícil ter o SUS legal cabalmente macrogestão, referida às ações de formulação de
implantado nas atuais condições sociais do país, políticas; uma mesogestão, relacionada às ativida-
não é menos difícil reverter esse quadro sem uma des de condução de uma organização; e uma mi-
política de saúde baseada nos princípios de uni- crogestão, atinente à coordenação dos processos
versalidade e equidade. Na verdade, o SUS é uma de trabalho desenvolvidos em uma organização.
estratégia das mais importantes para a construção Por último, deve-se considerar os três níveis de
de um país socialmente justo. gestão nas diferentes dimensões da administração
Nesse sentido, o SUS necessário, para que te- da saúde. As dimensões correspondem a atividades-
nhamos uma sociedade mais justa, está definido fins que o gestor é obrigado a desenvolver para cum-
nos seus princípios legais. Por sua vez, o SUS possí- prir seu papel de dirigente. A partir de nossa experi-
vel hoje é aquele que se encontra no funcionamento ência prática, classificamos as dimensões em quatro
cotidiano dos serviços de saúde. Apesar dos signifi- grupos, relativos a quatro objetivos de gestão:
cativos avanços desde o início dos anos noventa, o 1) Sustentação social do projeto político do SUS;
SUS possível ainda está longe do SUS necessário. 2) Viabilização institucional do projeto político;
As estratégias para aproximá-los são eminen- 3) Fortalecimento da condução técnica da or-
temente políticas. Têm a ver com a luta pelo poder ganização de saúde;
entre, de um lado, os beneficiários do statu quo e, de 4) Garantia da coordenação administrativa da
outro, aqueles que podem melhorar suas condi- organização.
ções de vida com o funcionamento efetivo do SUS.
Na realidade brasileira, há uma maioria de pes-
soas pobres que depende do SUS para ter acesso A dimensão sociopolítica
aos serviços de saúde e, portanto, ao menos em
tese, se interessa pela efetivação completa do seu A dimensão sociopolítica contempla as ações vol-
ideário. tadas para obter o apoio da população às políticas
Há, em oposição à maioria, grupos que aufe- do SUS. Se, em tese, a maioria da população tende
rem benefícios com as dificuldades do SUS: mui- a apoiar a efetivação do SUS, na prática é preciso
tos dos que têm negócios no setor privado da saú- que as pessoas percebam os benefícios que o SUS
de, inclusive os que vendem insumos para serviços traz para que se mobilizem em sua defesa.
de saúde, e aqueles que se opõem a maiores inves- É certo que houve, nos últimos dezessete anos,
timentos públicos - em saúde ou em qualquer área uma expansão significativa de serviços. Contudo,
- que representem um risco de menor remunera- persistem dificuldades de acesso motivadas pela
ção do capital financeiro. baixa oferta, assim como há problemas de quali-
Pode-se ainda identificar um terceiro contin- dade técnica. Por isso, a estratégia fundamental para
gente de pessoas com níveis de renda alto ou mé- aproximar o SUS possível do SUS necessário, con-
dio que, tendo resolvido sem o SUS parte dos seus quistando o apoio da população, é expandir e
problemas de acesso aos serviços de saúde, não se melhorar a qualidade dos serviços de saúde.
mobilizam pela sua melhoria. Outra importante estratégia se refere à partici-
A luta política, como é de sua natureza, se de- pação popular. Sendo o SUS um projeto democra-
senrola nos mais diversos planos da vida social. tizante, o gestor não pode negligenciar as ações que
No caso da saúde, as diferentes propostas de or- visam ao fortalecimento da participação de usuári-
ganização da atenção são objetos de disputa nos os, trabalhadores da saúde e prestadores de servi-
planos ideológico, econômico e institucional. ços na definição e no acompanhamento das políti-
No plano institucional, a gestão de organiza- cas de saúde. A abertura de canais institucionais de
ções públicas de saúde é uma relevante arena de participação permite que os interessados no suces-
disputa entre os defensores e opositores do SUS. E so do SUS influenciem as decisões governamentais.
não poderia ser de outro modo: as instituições de Para viabilizar essas estratégias, ações nos três
saúde representam espaços de exercício de poder. níveis de gestão são necessárias.
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No nível macro, é preciso tomar, de forma ine- objetos permanentes de cobrança e prestação de
quívoca, a decisão de alocar recursos suficientes contas. O processo de implantação da mesa de
para a expansão e a qualificação dos serviços e negociação foi desencadeado no início da gestão e
para apoiar a participação. suscitou muito debate, tanto dentro da prefeitura
Na nossa experiência, optamos por expandir e (em particular, com a Secretaria Municipal da Ad-
qualificar os serviços em duas frentes: a atenção ministração), quanto com os sindicatos dos tra-
básica, através do Programa de Saúde da Família balhadores. Dois anos depois, a mesa foi formal-
(PSF), e a atenção às urgências, a partir da implan- mente implantada.
tação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgên- Todas essas medidas produziram resultados po-
cia (Samu). Asseguramos recursos da ordem de sitivos no que diz respeito ao fortalecimento da par-
R$ 60 milhões (cerca de 25% do orçamento anual ticipação popular: instalou-se um novo Conselho
da Secretaria Municipal da Saúde - SMS) para o Municipal de Saúde, muito mais ativo, organiza-
PSF, prevendo dobrar o número de equipes só no ram-se muitos conselhos locais, realizaram-se vári-
primeiro ano de gestão. Para o Samu, foram ga- as conferências, capacitaram-se os conselheiros.
rantidos cerca de 24 milhões (10% do orçamento). No que se refere à expansão e melhoria dos
No que concerne à participação, foram previstos serviços, a implantação do Samu foi um êxito. O
recursos suficientes para a implantação de Conse- serviço foi reconhecido pela população como a
lhos Locais em todas as Unidades de Saúde, para a maior realização do governo municipal. No caso
realização das Conferências de Saúde e para a ca- do PSF, no entanto, os avanços obtidos, no pri-
pacitação de conselheiros. meiro ano de gestão, foram progressivamente re-
No nível meso, é preciso comandar os diversos vertidos, a partir do ano seguinte, pela irregulari-
setores da instituição – áreas técnicas, setor admi- dade que se instalou nos repasses dos recursos fi-
nistrativo, setor financeiro, etc. – para executarem nanceiros da Secretaria Municipal da Fazenda para
as ações correspondentes à decisão de expandir e a SMS.
melhorar os serviços. No caso da participação
popular, a organização como um todo deve incor-
porá-la como uma diretriz permanente, o que pode A dimensão institucional
exigir a criação de instâncias internas específicas
para apoiar a participação. Pela nossa vivência, podemos dizer que o gestor é
Na prática, implantamos duas forças-tarefa, obrigado a dedicar bastante tempo e energia às
diretamente subordinadas ao Gabinete do Secre- relações da organização sanitária com outros ór-
tário, com a participação de técnicos da Coorde- gãos. O seu desafio é torná-las úteis ao projeto de
nação de Atenção e Promoção da Saúde, da Coor- consolidação do SUS universal.
denação Administrativa e da Coordenação de De- A estratégia de gestão mais importante, nessa
senvolvimento de Recursos Humanos, para con- dimensão, é, a partir da identificação dos interes-
duzir as atividades relativas à expansão do PSF e à ses comuns, distintos e conflitantes existentes en-
implantação do Samu. Criamos também uma As- tre as instituições, fortalecer as relações com os
sessoria Especial de Gestão Participativa, que se aliados e neutralizar os adversários.
incumbiu de coordenar o processo de apoio à par- No nível da macrogestão, essa estratégia exige
ticipação popular. uma análise apurada dos interesses de cada insti-
No nível micro, o gestor tem que desencadear e tuição. No nível meso, a organização deve adotar
acompanhar os processos de trabalho referentes às procedimentos que fortaleçam as alianças, cola-
ações de expansão e melhoria dos serviços: o plane- borando com as instituições que têm interesses
jamento e a programação, a elaboração de normas comuns. No nível micro, o gestor tem que fazer
e rotinas técnicas, a contratação de empresas de adaptações nos processos de trabalho, visando a
fornecedores de materiais, a alocação e capacitação atender às necessidades postas pelas relações inte-
dos trabalhadores e a dotação de recursos financei- rinstitucionais.
ros. O fortalecimento da participação, por sua vez, Alguns exemplos ajudam a compreender as
requer que os vários setores da instituição apren- nuances da estratégia de alianças institucionais ca-
dam a contemplá-la nos seus processos de traba- pazes de contribuir para aproximar o SUS real do
lho. Por exemplo, o setor de pessoal tem que funci- SUS necessário.
onar rotineiramente com a mesa permanente de No que concerne às instâncias do setor – Mi-
negociação com os trabalhadores da saúde. nistério e Secretarias da Saúde –, procuramos esta-
Na nossa rotina, as atividades relativas à ex- belecer relações cooperativas. Pela própria configu-
pansão e qualificação dos serviços de saúde eram ração do SUS, o alcance das metas de saúde depen-
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de da conjunção de esforços das três esferas de go- presentar uma oportunidade ou uma ameaça para
verno. Se o gestor adota uma abordagem baseada o gestor. Será uma ameaça, se o gestor menospre-
na boa técnica sanitária, a cooperação tem mais zar o papel da comunicação de massa. Para forta-
chances de sucesso. Ressalte-se que as opções polí- lecer o SUS, é preciso formular uma política de
tico-partidárias dos gestores influenciam o tipo de comunicação eficiente, que contemple os aspectos
relacionamento que se estabelece. A nossa afinida- comerciais e políticos, tanto quanto os aspectos
de política com a direção do Ministério da Saúde se propriamente jornalísticos. A nossa assessoria de
reverteu em forte apoio do nível federal à SMS. imprensa foi um dos setores da Secretaria que mais
Mesmo com o gestor estadual, de outra agremia- trabalhou. Conscientes da relevância da comuni-
ção partidária, foi possível estabelecer relações de cação, enfrentamos uma mídia, em geral, oposici-
colaboração, a partir da ênfase em questões técni- onista e viciada em esquemas clientelistas. Fomos
cas. alvos de muitas críticas, freqüentemente baseadas
As relações com o Legislativo variam muito. Se em distorções de fatos ou mesmo em puras inven-
os apoiadores são maioria, a situação é mais tran- ções, mas conseguimos muitas vezes comunicar
qüila. Mesmo uma oposição moderada pode aju- ao público a nossa posição.
dar o gestor, alertando-o, com suas críticas, para As relações intragovernamentais também exi-
os pontos fracos da organização. No nosso caso, gem atenção. Há sempre a necessidade de articula-
enfrentamos uma oposição violenta. Em um pri- ção com os mais variados órgãos da administra-
meiro momento, respaldados pelo prefeito, conse- ção pública. Os processos de elaboração e de exe-
guimos estabelecer um diálogo construtivo com os cução do orçamento governamental são os exem-
vereadores. Posteriormente, por uma série de fato- plos mais claros disso.
res, a violência oposicionista intensificou-se, che- Na nossa experiência, a colaboração com os
gando a prejudicar o desempenho da organização, demais órgãos de governo enfrentou algumas di-
ao impor uma agenda estranha aos objetivos da ficuldades. A maior delas decorreu da escassez de
gestão. Persistimos no diálogo, designando inclusi- recursos frente às demandas por serviços públi-
ve um assessor parlamentar. Os resultados foram cos. Em conseqüência, a definição das prioridades
mitigados, com vitórias e derrotas pontuais. foi sempre motivo de conflitos. Uma outra dificul-
As relações com o Poder Judiciário e o Ministé- dade resultou das diferenças nas rotinas de funcio-
rio Público (MP) têm destaque na agenda dos ges- namento dos vários órgãos, o que gerava obstá-
tores da saúde. Uma legislação generosa como a do culos operacionais à cooperação.
SUS oferece larga margem de atuação àqueles que Para favorecer a colaboração, tentamos pro-
zelam pela aplicação da lei. A rigor, enquanto o SUS blematizar junto ao prefeito e aos colegas a ques-
não for realmente universal, integral e eqüitativo, tão da necessária articulação. Adotamos rotinas
juízes e promotores poderão cobrar sempre mais organizacionais que envolviam o intercâmbio de
ações. Até onde não ferem o princípio da razoabili- informações com outros órgãos. E orientamos
dade, tais cobranças ajudam o gestor. Procuramos nossos subordinados a adotarem posturas cola-
construir relações de cooperação com as institui- borativas com os colegas das outras secretarias.
ções judiciais. Para isso, tentamos dar transparên- Com isso, foi possível manter relações colaborati-
cia às ações da organização, instruindo detalhada- vas com muitos setores da administração munici-
mente os processos administrativos. Buscamos pal ou, ao menos, gerir os conflitos sem desgastes
atender a todas as solicitações oriundas desses ór- desnecessários.
gãos. E solicitamos, muitas vezes, orientações ou o
acompanhamento de processos por parte de técni-
cos da Justiça ou membros do MP. O resultado foi A dimensão técnico-sanitária
bastante positivo: instaurou-se, de fato, uma rela-
ção de colaboração, com ganhos para todos. A dimensão técnico-sanitária relaciona-se ao ob-
O relacionamento com a mídia é bastante com- jetivo de conduzir a organização de acordo com os
plexo. Em primeiro lugar, os órgãos de comunica- preceitos técnicos da Saúde Coletiva. Na prática,
ção são empresas com interesses comerciais. Em refere-se às ações de identificação e priorização de
segundo, têm posições ideológicas ou partidárias problemas de saúde e de proposição e aplicação de
mais ou menos explícitas. Em terceiro, trabalham soluções. Trata-se da dimensão que confere espe-
com um objeto – a informação – que requer um cificidade à gestão da saúde.
tratamento específico para atrair a atenção do pú- O setor da saúde apresenta particularidades
blico e dos anunciantes. Por diversas razões, os que tornam complexa a tarefa de administrá-lo2.
temas da saúde interessam à mídia. Isso pode re- Em primeiro lugar, a saúde constitui um valor em
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si mesmo. Em segundo, lida com a diferença entre trumentos dessas atividades. Esses instrumentos
a ética médica, que orienta a relação singular mé- são valiosos como produtos, ou seja, como docu-
dico-paciente, e a ética administrativa, que rege as mentos que dão conhecimento público das ações
decisões administrativas que visam a coletivos de de saúde e servem de guias para a prática dos mem-
pessoas. Em terceiro lugar, os problemas de saúde bros da organização, mas são também importan-
são multidimensionais, envolvendo aspectos bio- tes como expressão de um processo que envolve
lógicos, sociais, econômicos, culturais, tecnológi- trabalhadores e usuários na proposição das ações
cos, etc. E em quarto, o risco da ocorrência de situ- de saúde.
ações de emergência está sempre presente. As organizações públicas de saúde têm peculi-
A estratégia de fortalecimento da racionalida- aridades que dificultam adoção de uma racionali-
de técnico-sanitária, para aproximar o SUS possí- dade técnica. Em primeiro lugar, sofrem influência
vel do SUS necessário, se desdobra em várias ações. do contexto político, às vezes contrário às concep-
No nível da macrogestão, o desafio é formular ções do SUS legal. Em segundo, a capacidade de
políticas e programas de saúde consistentes. A sele- decisão do dirigente é limitada por autoridades
ção de problemas e respostas é influenciada por externas. Por fim, são obrigadas a seguir normas
fatores de ordem política geral, mas caso se preten- definidas por outras instâncias ou organizações.
da favorecer a racionalidade técnico-sanitária, não Diante dessas peculiaridades, para incorporar
se pode negligenciar o papel das competências pró- as ações programadas à rotina organizacional,
prias dos sanitaristas, (adotamos a seguinte defini- valorizamos as atividades de planejamento e avali-
ção de sanitarista, a partir de conceitos elaborados ação e adotamos o plano e a programação como
por Mendes-Gonçalves3, sem limitá-la, todavia, aos guias das práticas da organização, utilizando-os
médicos: são aqueles trabalhadores, de formação como instrumentos de acompanhamento das ações
universitária, cujo trabalho propriamente dito con- de saúde, tanto através de seminários específicos,
siste em controlar o processo de trabalho em saúde quanto na rotina administrativa.
de todos os trabalhadores da saúde). No nível da microgestão, a dimensão técnico-
Políticas de saúde são respostas, produzidas sanitária se apóia nos processos de trabalho dos
socialmente e conduzidas pelo aparelho estatal, às sanitaristas. A nossa principal tarefa, como gestor,
necessidades de saúde de toda a população, ainda foi a de assegurar aos sanitaristas os meios neces-
que não sejam iguais para todos4. O conceito de sários à execução de seu trabalho, o que incluiu a
política de saúde, na sua acepção mais técnica, re- autorização para circular pelos diversos setores e
mete à idéia de modelo de atenção à saúde. Por acompanhar a atuação de todos os colaboradores
modelo de atenção, entende-se a forma de combi- da SMS.
nação das tecnologias (conhecimentos, técnicas, Dessa forma, várias políticas e programas fo-
equipamentos) disponíveis para atender às deman- ram elaborados e bem-sucedidos: o controle da
das ou necessidades de saúde5. Se, atualmente, é raiva e da tuberculose, a humanização e o acolhi-
predominante um modelo biologicista, curativista mento, o atendimento às urgências, a saúde da
e individualista, o SUS necessário só se materiali- população negra. Houve avanços também nas áre-
zará em um modelo de atenção integral, em que as de saúde mental e saúde bucal.
sejam oferecidas – considerando-se as necessida- O processo de habilitação do município na ges-
des de saúde – tanto as ações curativas e individu- tão plena do sistema de saúde foi conduzido com
ais quanto as ações promocionais e preventivas. habilidade e fortaleceu as atividades da regulação,
As díades problema-resposta priorizadas devem, com uma melhor organização do acesso aos servi-
nesse sentido, integrar as ações de promoção e as ços especializados e um maior controle sobre os
de assistência. prestadores de serviços.
Na nossa prática, o processo de formulação de Por outro lado, a política de expansão do PSF,
políticas foi duplamente interessante: de um lado, após certo êxito inicial, fracassou. Certamente, pe-
pela mobilização dos trabalhadores da saúde e das las razões já mencionadas das dificuldades finan-
representações comunitárias; de outro, pelo apor- ceiras e não por problemas da política em si.
te técnico fornecido pelos sanitaristas da SMS, com
o apoio de consultorias externas. Assim, consegui-
mos dar consistência às políticas. A dimensão administrativa
No nível da mesogestão, a dimensão técnico-
sanitária se realiza nas atividades de planejamento A dimensão administrativa senso estrito refere-se
e avaliação. Os planos plurianuais de saúde, as ao objetivo de garantir a coordenação da organi-
programações e os relatórios de gestão são os ins- zação. Concretamente, reúne as ações de mobili-
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zação e de uso eficiente dos recursos humanos, ações de saúde, para serem efetivas, precisam estar
financeiros e materiais. lastreadas em competências que são inerentes às
A gestão do trabalho em saúde engloba desde a atividades dos profissionais. Nesse sentido, favore-
formulação das políticas de pessoal até as rotinas cer a autonomia profissional é fundamental. No
de trabalho dos funcionários do “setor de recur- entanto, sem o devido acompanhamento, não há
sos humanos”, passando pela estrutura de pessoal como assegurar a coerência entre essas atividades e
da organização. os objetivos da política de saúde ou da organiza-
A força de trabalho em saúde representa um ção6. Para acompanhar o trabalho profissional,
nó crítico para a gestão do SUS. Não há uma polí- implantamos um sistema de avaliação, que consi-
tica de pessoal articulada com as políticas de saú- derava tanto o desempenho individual, quanto o
de. São insuficientes a quantidade e a qualificação coletivo (da Unidade de Saúde). Os critérios de ava-
de profissionais na rede pública. Em uma mesma liação remetiam à implantação da política de hu-
organização, coexistem diferentes jornadas, salári- manização e ao fortalecimento do programa de
os e vínculos de trabalho. Ademais, as condições controle da tuberculose. E o resultado da avaliação
de trabalho são, em geral, precárias. O resultado é condicionava o recebimento do incentivo salarial.
a desmotivação e o descompromisso de muitos Enfim, podemos dizer que iniciamos uma po-
trabalhadores para com o SUS. lítica de valorização dos trabalhadores da saúde.
Aqui, a estratégia central para aproximar o SUS Infelizmente, a implantação do plano de cargos e a
possível do SUS necessário é formular uma políti- realização do concurso foram barradas pelas difi-
ca de gestão do trabalho coerente com as políticas culdades financeiras da prefeitura, decorrentes, em
de saúde. parte, das opções políticas do chefe do governo.
No nível macro, é preciso articular todos os Quanto à gestão financeira, nesse momento, a
interessados na questão para discutir uma política principal estratégia é assegurar um fluxo regular
de pessoal, identificando o perfil da mão-de-obra de recursos para a saúde nos patamares mínimos
necessária, em quantidade e qualidade, para alcan- estabelecidos pela emenda constitucional nº 29.
çar os objetivos das políticas de saúde. No nível da macrogestão, a ação mais impor-
Deve-se ter em conta que os interesses envolvi- tante é lutar pela regulamentação em lei da EC-29.
dos são numerosos, às vezes contraditórios, e exi- O SUS precisa, no curtíssimo prazo, de um au-
gem um complexo processo de negociação. Con- mento de recursos financeiros. Como membro do
duzir o processo de elaboração da política de for- Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
ma transparente é a melhor tática, pois ajuda a es- Saúde (Conasems), envolvemo-nos diretamente
vaziar as pressões a favor de interesses ilegítimos. no processo de mobilização política junto ao Con-
Na nossa experiência, desencadeamos um pro- gresso Nacional pela aprovação do projeto de lei
cesso bastante participativo de discussão sobre a 01/2003, que regulamentava a EC-29.
política de pessoal, envolvendo os conselheiros de No nível meso, a organização de saúde deve ter
saúde, os sindicatos dos trabalhadores e as secre- autonomia para gerir os recursos. Trata-se, evi-
tarias sistêmicas da prefeitura municipal – Admi- dentemente, de uma disputa por poder, dentro da
nistração, Fazenda e Governo. estrutura do governo. A transferência automática
No nível da mesogestão, é mister ampliar e qua- de recursos para a saúde significa uma redução da
lificar o quadro de pessoal, assim como implantar margem de liberdade do gestor financeiro. Toda-
planos de cargos, carreiras e vencimentos. Além dis- via, não se pode desrespeitar a determinação polí-
so, todo esforço deve ser feito para oferecer condi- tica de priorizar a saúde, expressa na EC-29, mes-
ções adequadas de trabalho, com salários compa- mo que implique a limitação do poder de decisão
tíveis com a realidade do mercado e com um ambi- dos gestores financeiros – e dos chefes do Executi-
ente e instrumentos de trabalho apropriados. vo – quanto às prioridades de governo.
Convocamos mais de 500 profissionais con- Na prática, tivemos aqui a nossa maior difi-
cursados, de diversas categorias, e intensificamos culdade. A Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz)
as atividades de capacitação. Elaboramos ainda um nunca aceitou realizar repasses automáticos para
novo plano de cargos, carreiras e vencimentos. No o Fundo Municipal da Saúde e conseguiu fazer pre-
primeiro ano da gestão, convencemos o prefeito a valecer seu ponto de vista junto ao prefeito. Pior:
conceder um aumento de 50% nos salários de to- quando as dificuldades financeiras se acentuaram,
dos os colaboradores da SMS, sendo 35% a título com as despesas correntes superando as receitas, a
de incentivo ao desempenho. Sefaz não hesitou em atrasar os pagamentos das
No nível micro, o gestor deve ter mecanismos contas da Saúde.
de acompanhamento do trabalho profissional. As No nível da microgestão, o desafio é conseguir
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que a área financeiro-administrativa e a área técni- com a substituição de assessores, devessem ter sido
ca trabalhem de maneira coordenada. Alcançar um tomadas. O fato é que a eficiência da organização
nível ótimo de coordenação não é simples, pois as foi comprometida.
lógicas de trabalho das duas áreas são distintas. No nível micro, a gestão de materiais exige a
Como tática, vale aproximar os técnicos para que articulação dos processos de trabalho da área ad-
entendam os trabalhos uns dos outros. Uma pro- ministrativa com aqueles das áreas técnicas, haja
gramação feita de forma participativa e a existên- vista a dependência mútua entre ambas. Um pro-
cia de mecanismos coletivos de acompanhamento blema comum é a falta de práticas regulares de
das ações também ajudam. Efetivamente, a nossa planejamento e avaliação das atividades adminis-
diretriz nesse sentido foi cumprida e houve uma trativas típicas. Torná-las regulares é, portanto, uma
verdadeira aproximação entre as duas áreas. Tal- tarefa do gestor.
vez, paradoxalmente, as dificuldades financeiras A nossa área administrativa aproximou-se das
tenham contribuído para isso. áreas técnicas e adotou, concretamente, práticas
A gestão de recursos materiais, por sua vez, de planejamento e avaliação de suas atividades pró-
envolve as atividades relacionadas à aquisição, à prias. Com isso, conseguiu melhorar seu desem-
conservação e ao uso apropriado de imóveis, equi- penho. Entretanto, os conflitos acima referidos e o
pamentos, veículos e insumos. acúmulo progressivo de dificuldades financeiras
Aqui, a estratégia geral é valorizar o conceito de acabaram por impor ao setor uma rotina de en-
eficiência dentro da organização. frentamento de crises que, em certa medida, fez
No nível macro, é preciso formular uma políti- retroceder a melhoria alcançada.
ca de gestão de materiais. O grau de centralização
dos processos de aquisição e de manutenção e a
opção pela organização própria ou pela terceiriza- Comentários finais
ção dos serviços de apoio são decisões fundamen-
tais a serem tomadas com base em considerações A implantação do SUS universal, integral e eqüita-
financeiras e em estilos de gestão. tivo depende de mudanças sociais que extrapolam
No caso do nosso município, encontramos um o espaço de governabilidade dos gestores da saú-
alto grau de centralização, em mãos da Secretaria de. Isso não diminui, no entanto, a importância
da Administração, e uma elevada proporção de do papel desses agentes.
serviços terceirizados. Na busca de maior autono- De fato, a gestão das organizações de saúde faz
mia para a SMS, conseguimos descentralizar a ges- parte da luta política pelo SUS. Nesse sentido, as
tão de recursos típicos da saúde, como os medica- estratégias de gestão, adotadas por partidários do
mentos. Quanto à terceirização, houve uma políti- SUS, podem ser mais ou menos facilitadoras do
ca geral da prefeitura de reforçar a administração seu avanço.
direta, através da contratação de pessoal concur- A partir de uma experiência prática, vivenciada
sado (houve também a criação da guarda munici- por alguém com formação especializada em Saúde
pal, mas que não chegou a ser implantada). Fo- Coletiva, durante dois anos e meio, em uma Secre-
ram iniciativas que, no caso concreto, melhora- taria da Saúde de um município de grande porte,
ram a eficiência da gestão municipal. foram apresentadas estratégias de gestão que visa-
No nível da mesogestão, a principal tarefa do vam contribuir para a efetivação de um sistema de
gestor refere-se à definição dos fluxos dos proces- saúde universal.
sos administrativos entre os vários setores da ins- Como se viu, houve êxitos e fracassos, avanços
tituição. A importância de uma definição correta e recuos. Não se tratou, no entanto, de uma avali-
dos fluxos não é pequena: o grau de fluidez dos ação sistemática da nossa gestão. Tratou-se ape-
processos é determinante do nível de eficiência da nas de uma tentativa de ressaltar a importância e a
organização. complexidade da formulação de estratégias de ges-
Discutimos bastante a questão dos fluxos, até tão das organizações públicas de saúde, na luta
decidimo-nos por uma alternativa. Não consegui- pela efetivação do SUS.
mos, no entanto, obter o consenso suficiente para Esperamos que esta apresentação possa con-
que todos aderissem ao modelo escolhido. Ao con- tribuir para o debate sobre a gestão institucional
trário, estabeleceu-se uma disputa interna pelo da saúde, tão necessário quanto o debate nos pla-
controle dos processos administrativos. As tenta- nos ideológico ou econômico.
tivas de resolução do conflito, através da definição
precisa de atribuições para cada setor, não foram
bem sucedidas. Talvez medidas mais profundas,
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Souza LEPF

Referências

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Artigo apresentado em 24/09/2007


Aprovado em 03/12/2007

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