Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Abstract The present text presents a reflection about Resumo O presente texto constitui uma reflexão
the author’s experience as head of a Health Depart- sobre a experiência do autor como gestor de uma
ment of a big city during two and a half years. It secretaria de saúde de um município de grande por-
presents a systematization of the strategic projects, te, durante dois anos e meio. Apresenta uma siste-
the political and technical activities and the mana- matização dos projetos estratégicos, das atividades
gerial routine, in which he was involved. It identifies políticas e técnicas e da rotina gerencial em que se
three levels (macro, meso and micro) and four di- envolveu enquanto gestor. Parte da identificação de
mensions of management (social-political, institu- três níveis (macro, meso e micro) e de quatro di-
tional, technical-sanitary and administrative in the mensões da gestão (sociopolítica, institucional, téc-
strict sense). In each dimension, on the three levels, it nico-sanitária e administrativa senso estrito). Em
discusses management strategies designed to contrib- cada dimensão, nos três níveis, são discutidas estra-
ute to the construction of a universal and equitable tégias de gestão, propostas para contribuir com a cons-
Brazilian Health System (SUS). Although it may be trução de um SUS efetivamente universal e eqüitati-
premature to evaluate the degree of implantation and vo. Ainda que seja prematuro avaliar o grau de im-
the effects of the proposed strategies, their analysis plantação e os efeitos das estratégias propostas, a sua
and discussion can be useful for being strongly based discussão pode ser útil na medida em que adota um
on empirical elements. The paper concludes that, even quadro de análise das práticas de gestão fortemente
though the consolidation of the SUS is a political baseado em elementos empíricos. Conclui-se que,
struggle that surpasses the management arena, man- embora a consolidação do SUS seja uma luta política
agers are important agents who need to know how to que extrapola o espaço da gestão, os gestores são agen-
develop strategies able to foster the principles of uni- tes importantes que precisam saber desenvolver es-
versality and equity. tratégias consistentes com os princípios da universa-
Key words Healthcare management, Healthcare lidade e da equidade.
manager, Brazilian Health System Palavras-chave Gestão em saúde, Gestor de saúde,
SUS
1
Instituto de Saúde
Coletiva, Universidade
Federal da Bahia.
Rua Basílio da Gama, s/n,
Campus do Canela.
40110-040 Salvador BA.
luiseugenio@ufba.br
912
Souza LEPF
de da conjunção de esforços das três esferas de go- presentar uma oportunidade ou uma ameaça para
verno. Se o gestor adota uma abordagem baseada o gestor. Será uma ameaça, se o gestor menospre-
na boa técnica sanitária, a cooperação tem mais zar o papel da comunicação de massa. Para forta-
chances de sucesso. Ressalte-se que as opções polí- lecer o SUS, é preciso formular uma política de
tico-partidárias dos gestores influenciam o tipo de comunicação eficiente, que contemple os aspectos
relacionamento que se estabelece. A nossa afinida- comerciais e políticos, tanto quanto os aspectos
de política com a direção do Ministério da Saúde se propriamente jornalísticos. A nossa assessoria de
reverteu em forte apoio do nível federal à SMS. imprensa foi um dos setores da Secretaria que mais
Mesmo com o gestor estadual, de outra agremia- trabalhou. Conscientes da relevância da comuni-
ção partidária, foi possível estabelecer relações de cação, enfrentamos uma mídia, em geral, oposici-
colaboração, a partir da ênfase em questões técni- onista e viciada em esquemas clientelistas. Fomos
cas. alvos de muitas críticas, freqüentemente baseadas
As relações com o Legislativo variam muito. Se em distorções de fatos ou mesmo em puras inven-
os apoiadores são maioria, a situação é mais tran- ções, mas conseguimos muitas vezes comunicar
qüila. Mesmo uma oposição moderada pode aju- ao público a nossa posição.
dar o gestor, alertando-o, com suas críticas, para As relações intragovernamentais também exi-
os pontos fracos da organização. No nosso caso, gem atenção. Há sempre a necessidade de articula-
enfrentamos uma oposição violenta. Em um pri- ção com os mais variados órgãos da administra-
meiro momento, respaldados pelo prefeito, conse- ção pública. Os processos de elaboração e de exe-
guimos estabelecer um diálogo construtivo com os cução do orçamento governamental são os exem-
vereadores. Posteriormente, por uma série de fato- plos mais claros disso.
res, a violência oposicionista intensificou-se, che- Na nossa experiência, a colaboração com os
gando a prejudicar o desempenho da organização, demais órgãos de governo enfrentou algumas di-
ao impor uma agenda estranha aos objetivos da ficuldades. A maior delas decorreu da escassez de
gestão. Persistimos no diálogo, designando inclusi- recursos frente às demandas por serviços públi-
ve um assessor parlamentar. Os resultados foram cos. Em conseqüência, a definição das prioridades
mitigados, com vitórias e derrotas pontuais. foi sempre motivo de conflitos. Uma outra dificul-
As relações com o Poder Judiciário e o Ministé- dade resultou das diferenças nas rotinas de funcio-
rio Público (MP) têm destaque na agenda dos ges- namento dos vários órgãos, o que gerava obstá-
tores da saúde. Uma legislação generosa como a do culos operacionais à cooperação.
SUS oferece larga margem de atuação àqueles que Para favorecer a colaboração, tentamos pro-
zelam pela aplicação da lei. A rigor, enquanto o SUS blematizar junto ao prefeito e aos colegas a ques-
não for realmente universal, integral e eqüitativo, tão da necessária articulação. Adotamos rotinas
juízes e promotores poderão cobrar sempre mais organizacionais que envolviam o intercâmbio de
ações. Até onde não ferem o princípio da razoabili- informações com outros órgãos. E orientamos
dade, tais cobranças ajudam o gestor. Procuramos nossos subordinados a adotarem posturas cola-
construir relações de cooperação com as institui- borativas com os colegas das outras secretarias.
ções judiciais. Para isso, tentamos dar transparên- Com isso, foi possível manter relações colaborati-
cia às ações da organização, instruindo detalhada- vas com muitos setores da administração munici-
mente os processos administrativos. Buscamos pal ou, ao menos, gerir os conflitos sem desgastes
atender a todas as solicitações oriundas desses ór- desnecessários.
gãos. E solicitamos, muitas vezes, orientações ou o
acompanhamento de processos por parte de técni-
cos da Justiça ou membros do MP. O resultado foi A dimensão técnico-sanitária
bastante positivo: instaurou-se, de fato, uma rela-
ção de colaboração, com ganhos para todos. A dimensão técnico-sanitária relaciona-se ao ob-
O relacionamento com a mídia é bastante com- jetivo de conduzir a organização de acordo com os
plexo. Em primeiro lugar, os órgãos de comunica- preceitos técnicos da Saúde Coletiva. Na prática,
ção são empresas com interesses comerciais. Em refere-se às ações de identificação e priorização de
segundo, têm posições ideológicas ou partidárias problemas de saúde e de proposição e aplicação de
mais ou menos explícitas. Em terceiro, trabalham soluções. Trata-se da dimensão que confere espe-
com um objeto – a informação – que requer um cificidade à gestão da saúde.
tratamento específico para atrair a atenção do pú- O setor da saúde apresenta particularidades
blico e dos anunciantes. Por diversas razões, os que tornam complexa a tarefa de administrá-lo2.
temas da saúde interessam à mídia. Isso pode re- Em primeiro lugar, a saúde constitui um valor em
915
zação e de uso eficiente dos recursos humanos, ações de saúde, para serem efetivas, precisam estar
financeiros e materiais. lastreadas em competências que são inerentes às
A gestão do trabalho em saúde engloba desde a atividades dos profissionais. Nesse sentido, favore-
formulação das políticas de pessoal até as rotinas cer a autonomia profissional é fundamental. No
de trabalho dos funcionários do “setor de recur- entanto, sem o devido acompanhamento, não há
sos humanos”, passando pela estrutura de pessoal como assegurar a coerência entre essas atividades e
da organização. os objetivos da política de saúde ou da organiza-
A força de trabalho em saúde representa um ção6. Para acompanhar o trabalho profissional,
nó crítico para a gestão do SUS. Não há uma polí- implantamos um sistema de avaliação, que consi-
tica de pessoal articulada com as políticas de saú- derava tanto o desempenho individual, quanto o
de. São insuficientes a quantidade e a qualificação coletivo (da Unidade de Saúde). Os critérios de ava-
de profissionais na rede pública. Em uma mesma liação remetiam à implantação da política de hu-
organização, coexistem diferentes jornadas, salári- manização e ao fortalecimento do programa de
os e vínculos de trabalho. Ademais, as condições controle da tuberculose. E o resultado da avaliação
de trabalho são, em geral, precárias. O resultado é condicionava o recebimento do incentivo salarial.
a desmotivação e o descompromisso de muitos Enfim, podemos dizer que iniciamos uma po-
trabalhadores para com o SUS. lítica de valorização dos trabalhadores da saúde.
Aqui, a estratégia central para aproximar o SUS Infelizmente, a implantação do plano de cargos e a
possível do SUS necessário é formular uma políti- realização do concurso foram barradas pelas difi-
ca de gestão do trabalho coerente com as políticas culdades financeiras da prefeitura, decorrentes, em
de saúde. parte, das opções políticas do chefe do governo.
No nível macro, é preciso articular todos os Quanto à gestão financeira, nesse momento, a
interessados na questão para discutir uma política principal estratégia é assegurar um fluxo regular
de pessoal, identificando o perfil da mão-de-obra de recursos para a saúde nos patamares mínimos
necessária, em quantidade e qualidade, para alcan- estabelecidos pela emenda constitucional nº 29.
çar os objetivos das políticas de saúde. No nível da macrogestão, a ação mais impor-
Deve-se ter em conta que os interesses envolvi- tante é lutar pela regulamentação em lei da EC-29.
dos são numerosos, às vezes contraditórios, e exi- O SUS precisa, no curtíssimo prazo, de um au-
gem um complexo processo de negociação. Con- mento de recursos financeiros. Como membro do
duzir o processo de elaboração da política de for- Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
ma transparente é a melhor tática, pois ajuda a es- Saúde (Conasems), envolvemo-nos diretamente
vaziar as pressões a favor de interesses ilegítimos. no processo de mobilização política junto ao Con-
Na nossa experiência, desencadeamos um pro- gresso Nacional pela aprovação do projeto de lei
cesso bastante participativo de discussão sobre a 01/2003, que regulamentava a EC-29.
política de pessoal, envolvendo os conselheiros de No nível meso, a organização de saúde deve ter
saúde, os sindicatos dos trabalhadores e as secre- autonomia para gerir os recursos. Trata-se, evi-
tarias sistêmicas da prefeitura municipal – Admi- dentemente, de uma disputa por poder, dentro da
nistração, Fazenda e Governo. estrutura do governo. A transferência automática
No nível da mesogestão, é mister ampliar e qua- de recursos para a saúde significa uma redução da
lificar o quadro de pessoal, assim como implantar margem de liberdade do gestor financeiro. Toda-
planos de cargos, carreiras e vencimentos. Além dis- via, não se pode desrespeitar a determinação polí-
so, todo esforço deve ser feito para oferecer condi- tica de priorizar a saúde, expressa na EC-29, mes-
ções adequadas de trabalho, com salários compa- mo que implique a limitação do poder de decisão
tíveis com a realidade do mercado e com um ambi- dos gestores financeiros – e dos chefes do Executi-
ente e instrumentos de trabalho apropriados. vo – quanto às prioridades de governo.
Convocamos mais de 500 profissionais con- Na prática, tivemos aqui a nossa maior difi-
cursados, de diversas categorias, e intensificamos culdade. A Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz)
as atividades de capacitação. Elaboramos ainda um nunca aceitou realizar repasses automáticos para
novo plano de cargos, carreiras e vencimentos. No o Fundo Municipal da Saúde e conseguiu fazer pre-
primeiro ano da gestão, convencemos o prefeito a valecer seu ponto de vista junto ao prefeito. Pior:
conceder um aumento de 50% nos salários de to- quando as dificuldades financeiras se acentuaram,
dos os colaboradores da SMS, sendo 35% a título com as despesas correntes superando as receitas, a
de incentivo ao desempenho. Sefaz não hesitou em atrasar os pagamentos das
No nível micro, o gestor deve ter mecanismos contas da Saúde.
de acompanhamento do trabalho profissional. As No nível da microgestão, o desafio é conseguir
917
Referências