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REVISTA LITERÁRIA TALARES

V.4, N 4 Novembro 2017


NUPEX: Núcleo de Pesquisa
Ensino e Extensão /ESMAC
ISSN: 2358-7741 - Ananindeua/ESMAC

REVISTA LITERÁRIA TALARES V.4, N 4 Novembro 2017


NUPEX: Núcleo de Pesquisa Ensino e Extensão /ESMAC
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ISSN: 2358-7741 - Ananindeua/ESMAC

Conselho Editorial da REVISTA TALARES


Iranilse Pinheiro (Diretora Geral-ESMAC) Drº Luis Heleno Montoril del Castilo (UFPA)
Drª Sandra Christina F. dos Santos (UEPA) Drª Liliane Goudinho (SEDUC)
Msc.Veridiana Valente Pinheiro (ESMAC) Msc. Jorge Luis Ferreira Pantoja (ESMAC)
Msc. Mário Pinheiro (ESMAC) Drº. Marcos Jacob Costa Cohen (SEC-DF)
Msc. Gil Vieira Costa (UNIFESSPA)

Diretora acadêmica e
Coordenador do Instituto Superior de Ensino - ISE
SANDRA CHRISTINA F. DOS SANTOS

DIVISÃO DE PESQUISA E EXTENSÃO– ISE/NUPEX


Coordenadora de Pesquisa ISE – NUPEX
Editor responsável
SANDRA CHRISTINA F. DOS SANTOS

Coordenadora de Extensão ISE – NUPEX


MARCIA JORGE

Projeto Gráfico da Revista


SANDRA CHRISTINA F. DOS SANTOS
VERIDIANA VALENTE PINHEIRO

Capa
Estação central de Berlim - 2017
Foto: Ilton Ribeiro

Revisão
CÂNDIDA ASSUMPÇÃO CASTRO

Bibliotecária
MARIANA ARAÚJO

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca Central/ESMAC, Ananindeua/PA

REVISTA LITERÁRIA TALARES/ESMAC – V. 4, n.4


(Novembro/2017) - Ananindeua/PA.

Semestral.
Organizadores: Sandra Christina F. dos Santos, Veridiana Valente Pinheiro,

Publicado em edição; v. 4, n. 4: Ensino Superior.


ISSN: 2358-7741
Periódicos brasileiros. I. Escola Superior Madre Celeste. 2.
Ananindeua/Pa.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Sandra Christina F. dos Santos
....................................................................................................................................... 04

ARTIGOS
LEITURA DE FOI ASSIM, DE RUY BARATA
Paulo Maués
CORRÊA.......................................................................................................................05
DE BRASIL E PARAGUAI OU DE BRASILIANOS E PARAGUAYOS: TODOS
TEMOS UM POUCO – ENSAIO COM BASE NO LIVRO MÁS PARAGUAYO
QUE LA MANDIOCA DE ANIBAL ROMERO SANABRIA
Cândida CASTRO.........................................................................................................13
CENAS DA RUA: I CULTURAL DO PARÁ - 1968
Ilton Ribeiro dos SANTOS
....................................................................................................................................... 20
INICIAÇÃO CIENTIFICA
O HEDONISMO PRESENTE NA OBRA “O RETRATO DE DORIAN GRAY”
Jorge Augusto Pinheiro da COSTA
Orientador: Prof. Harley Farias DOLZANE
....................................................................................................................................... 32
ARTE & LITERATURA
RESSONÂNCIAS, imaginário
Sanchris SANTOS ........................................................................................................ 42
BERLIN HAUPTBAHNHOF: nomes para caminho
Ilton Ribeiro dos SANTOS ........................................................................................... 48
Série Fotografia - BERLIN HAUPTBAHNHOF, 2017
Ilton Ribeiro dos SANTOS ........................................................................................... 50
Caixas-Gavetas...contam em silêncio a tua presença!
Sanchris SANTOS ........................................................................................................ 56
Texto para livro de arte
Harley DOLZANE ........................................................................................................ 62
Pássaro Migratório
Harley DOLZANE ........................................................................................................ 63

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APRESENTAÇÃO

Apresentamos o quarto número da Revista Literária Talares, uma publicação


impressa, mas que procuramos também dispô-la num formato eletrônico da Escola
Superior Madre Celeste de Ananindeua, Pará, Amazônia. O objetivo é de divulgar artigos,
ensaios, literatura contemporânea e dossiês de arte de professores e pesquisadores de
universidades brasileiras e estrangeiras.

Com a finalidade de publicar a produção científica e artística a Revista Literária Talares é


anual, com pesquisas na área de arte, literatura e cultura. Os textos apresentados promovem
o diálogo interdisciplinar entre os cursos de Artes Visuais, Letras, Design e História,
apresentando conexões entre os diversos campos do saber.

A Revista Literária Talares é um passo importante para a efetivação da pesquisa no Escola


Superior Madre Celeste de Ananindeua, Pará, Amazônia. Esperamos que os textos
publicados contribuam para a formação intelectual e a reflexão crítica dos nossos alunos,
professores e demais leitores.

Os conceitos e afirmações contidos nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores,
assim como a(s) imagem(ns) inserida(s) nos artigos.

Ananindeua, Novembro/2017
Profa. Dra. Sandra Christina F. dos Santos

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ARTIGOS
LEITURA DE FOI ASSIM, DE RUY BARATA

Paulo Maués Corrêa1

RESUMO: A presente exposição é uma tentativa de tornar mais acessível a leitores


em geral procedimentos concernentes à análise do texto poético. Isso é feito, no
entanto, a partir, não de um poema, propriamente, mas sim da letra de uma canção
popular, Foi Assim, de Ruy Barata, o que aponta mais uma possibilidade
pedagógica de intervenção analítica.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Ruy Barata; música; poesia.

O presente estudo é mais uma tentativa minha de trazer à baila a leitura de


textos versificados para a apreciação dos leitores, em especial estudantes e
professores. Um primeiro experimento foi efetuado em Leitura de três poemas
infanto-juvenis (CORRÊA, 2017), em que abordo poemas de Manuel Bandeira [O
anel de vidro], Henriqueta Lisboa [Canoa] e Cecília Meireles [Colar de Carolina],
numa abordagem similar ao que é feito a seguir – fica a indicação de leitura.

A associação entre música e poesia é tão significativa que muitos músicos e


compositores são considerados verdadeiros poetas, como acontece com Chico
Buarque de Holanda, bem como há casos de poetas que envereda[ra]m pela música,
com contribuições significativas, seja no plano da melodia, seja, especialmente, no
tocante às letras de canções, como ocorreu com Vinícius de Moraes, parceiro em
tantos sucessos da Música Popular Brasileira, como Garota de Ipanema, cuja
música pertence ao Maestro Tom Jobim.

As confluências entre as duas artes são frequentes, tanto que uma abordagem
comparativa é possível. Um exemplo desse viés foi desenvolvido por Luciano Dias
Cavalcante, em Música Popular Brasileira e Poesia: a valorização do “pequeno”

1
Professor da rede estadual de ensino no Pará. Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do
Pará, onde cursa o Doutorado na mesma área. Autor de livros sobre Literatura e Cultura Amazônica e
infanto-juvenis. Bolsista da CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa “Makunaíma: literatura, arte, cultura,
história e sociedade na Amazônia, Brasil e América Latina”, do CNPq.

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em Chico Buarque e Manuel Bandeira (2007), deixando bem patente a íntima


conexão entre música e poesia.

No Pará, o nome mais significativo, no sentido expressar essa conexão, é o


de Ruy Barata, poeta nascido no município de Santarém, em 25 de junho de 1920, e
falecido em São Paulo, em 23 de abril de 1990. Alfredo Oliveira é autor de uma
importante contribuição aos estudiosos da obra desse poeta, um misto de biografia,
antologia e memórias, com um título mais do que autoexplicativo: Ruy Guilherme
Paranatinga Barata. Nessa obra, Oliveira faz a apresentação do poeta:

Poeta. Boêmio. Soldado raso. Advogado. Deputado. Cartorário.


Revolucionário. Presidiário. Futebolista. Jornalista. Sambista.
Letrista. Professor. Escritor. Pesquisador. Tradutor. Ator. Tenor.
Corregedor. Consultor. Que diabo o Paranatinga não foi? (1990,
p.15).

Para o aprofundamento em relação a essas várias facetas de Ruy Barata,


sugiro a leitura do referido estudo de Oliveira.

Além da publicação de livros de poemas, como O Anjo dos Abismos (1943) e


Linha Imaginária (1951), Barata ficou conhecido nacionalmente por conta de sua
parceria com um de seus filhos, o músico Paulo André Barata, tendo assinado
sucessos interpretados por Fafá de Belém, dentre os quais o mais famoso é, sem
sombra de dúvidas, o bolero Foi Assim, objeto de análise no presente tópico deste
livro.

Em livro de Liana Wenner acerca da relação de Vinícius de Moraes com a


Argentina e o Uruguai, há uma fala do Poeta em que ele justifica sua produção de
letras de canções: “Escrevo canções para chegar a um público maior do que a elite
que lê livros” (2012, p.44). Esse intento foi alcançado por Ruy Barata, e a canção
aqui analisada é o seu maior sucesso, tendo sido trilha sonora de telenovela e
recebido videoclipe exposto em programa jornalístico no horário nobre de domingo.

Uma parada para fazer outra sugestão de leitura: a primorosa e merecida


edição que a Secult – Secretaria de Cultura do Estado do Pará, fez, aos cuidados de
outro filho do poeta, Tito Barata: Linha Imaginária e outras linhas (2014). Nesse
livro, além de vasto documentário fotográfico, consta apreciação crítica de Benedito
Nunes, em O Anjo e a Linha.

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Segue o texto a ser analisado, dividido em cinco estrofes, distribuídas em três


quartetos e dois quintetos:

Foi assim,
como um resto de sol no mar,
como a brisa da preamar,2
nós chegamos ao fim.

Foi assim,
quando a flor ao luar se deu,
quando o mundo era quase meu,
tu te foste de mim.

“Volta, meu bem”, murmurei.


“Volta, meu bem”, repeti.
“Não há canção nos teus olhos,
nem amanhã nesse adeus!”

Horas, dias, meses se passando


e, nesse passar, uma ilusão guardei:
ver-te novamente na varanda,
a voz sumida e quase em pranto,
a murmurar “meu bem, voltei”.

Hoje essa ilusão se fez em nada


e a te beijar outra mulher eu vi,
vi no seu olhar envenenado
o mesmo olhar do meu passado
e soube então que te perdi.
(apud OLIVEIRA, 1990, p.165)

Para os que conhecem a melodia, é impossível ler o texto sem pelo menos
solfejá-la. Em relação ao contraste entre a atividade de letrista e a de poeta, Ruy
Barata considera:

2
Na versão publicada por Alfredo Oliveira, esse terceiro verso é assim: “Como os lenços da preamar”. No
entanto, para a análise, fiz um pequeno ajuste, pois optei pelo texto da versão musicada.
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— A letra me põe numa grade. A poesia me dá liberdade completa.


A letra tem que estabelecer comunicação com o público. A poesia
não tem obrigações. A poesia transcende a palavra. A letra se
mantém no plano temporal. Às vezes, uma letra é poética, mas não
obrigatoriamente. A verdadeira obrigação da letra é casar com a
melodia e seguir com ela indissoluvelmente junta (apud
OLIVEIRA, 1990, p.41).

Em Foi Assim, Ruy Barata conseguiu tudo aquilo que preconiza na fala
citada: trata-se de uma letra poética [por isso me refiro ao texto como poema] e casa
perfeitamente com o ritmo da canção: que outro ritmo, além do bolero, teria a
sofreguidão e ao mesmo tempo a beleza para expressar a história da mulher trocada
por outra?

A despeito de seu conteúdo lírico, o poema é demarcado por uma postura


narrativa, e isso se justifica pela predominância de verbos no passado, a começar
pelo primeiro verso, que dá título ao poema: “Foi assim”.

Quanto ao assunto da obra, trata-se do término de um relacionamento


amoroso. A voz do texto é feminina. Portanto, é essa voz que apresenta seu ponto
de vista em relação ao rompimento amoroso.

Na primeira estrofe, há uma ambientação crepuscular [“como um resto de sol


no mar,”], seguida de certa ambiguidade, pois, em “preamar” [relativo à maré
cheia], também se tem outra possibilidade de leitura: pré-amar, o que vem antes do
amar, preliminares, o que projetaria o término de um momento de amor [“Nós
chegamos ao fim”], não do relacionamento propriamente, expectativa que é
contrariada a partir da segunda estrofe, na qual é pontuada a entrega do eu ao outro:
“Quando a flor [elemento feminino] ao luar [elemento masculino] se deu,”. Essa
ideia é reforçada no verso que vem logo em seguida: “Quando o mundo era quase
meu,”.

A afirmativa de que o romance se acaba está no último verso dessa segunda


estrofe: “tu te foste de mim”. Diferentemente do que ocorre na primeira estrofe, em
que o casal é referido por “nós”, na segunda esse pronome é decomposto em dois:
“tu” e “mim”. E a distância entre eles é destacada mesmo em termos espaciais na
página: eles são, respectivamente, o primeiro e o último termos do verso em
questão.
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A terceira estrofe corresponde às súplicas do eu para que o outro volte –


“‘Volta, meu bem’, murmurei” –, intensificadas pela repetição. Esse quarteto
termina com a ausência de esperança de um retorno:

“Não há canção nos teus olhos,


nem amanhã nesse adeus!”

No primeiro quinteto, é exposta uma gradação que se refere à passagem do


tempo, dinâmica acentuada pelo gerúndio do verbo “passar” [“Horas, dias, meses se
passando”], o qual é retomado no verso seguinte [“nesse passar”], numa espécie de
ênfase ao fato de que o tempo não para. Porém, o eu lírico ainda guarda a “ilusão”
de ter seu amor de volta, tendo este uma postura de arrependimento pelo
rompimento do relacionamento amoroso:

ver-te novamente na varanda,


a voz sumida e quase em pranto,
a murmurar “meu bem, voltei”.

Nessa passagem, o discurso atribuído pelo eu lírico ao seu amado se


assemelha ao discurso do próprio eu, em passagem anterior, tal como se pode ver na
seguinte esquematização:

 eu lírico – “Volta, meu bem”; e


 o amado – “meu bem, voltei”.

A organização dos termos nas frases é sintomática de determinados valores –


na primeira, há maior destaque à ação de “voltar” do que ao ser amado, ao passo
que, na segunda, a mulher [“meu bem”] é mais valorizada, em detrimento da ação
efetivada. Essa alternância reforça o desejo do eu feminino de ser valorizado pelo
amado que retornaria arrependido de ter rompido o relacionamento e partido. A
aliteração do /v/ intensifica o aspecto choroso: “Ver-te noVamente na Varanda, / a
Voz” – é como se fosse impressa nessa repetição a lamúria do discurso do eu.
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A quinta e última estrofe demarca de imediato o momento presente [“Hoje”]


e a certeza da perda do ser amado, e o segundo verso deixa isso patente: “e a te
beijar outra mulher eu vi,”. Essa passagem, a princípio, parece confusa, fato
decorrente do hipérbato [disposição sintática não convencional, invertida] na frase.
A ordem correta seria: “e eu vi outra mulher a te beijar”. A disposição adotada no
poema deixa evidente o estado autodepreciativo em que se encontra o eu feminino,
como se pode ver no esquema a seguir:

 e a te (1) – destaque para o ser amado, que vem em primeiro lugar;


 beijar (2) – destaque para a ação que envolve o homem e “outra
mulher”;
 outra mulher (3) – destaque à rival para quem o eu lírico perde o
homem;
 eu (4) – destaque para o eu feminino, que se encontra desvalorizado
em relação aos demais elementos envolvidos no verso;
 vi (5) – destaque, finalmente, para a ação efetuada pelo eu feminino;
tal ação, colocada por último, seria como custar a acreditar ou a
aceitar o que os olhos estavam vendo.

No terceiro verso dessa quinta estrofe, o eu se vê na outra, enfatizando a


paixão como algo negativo, destacado no “olhar envenenado”, tal como fora o dessa
própria mulher abandonada [“o mesmo olhar do meu passado”]. Esse olhar é foco
na fala do próprio Ruy Barata a respeito do sucesso em que se transformou a canção
Foi Assim, na voz de Fafá:

— Essa música, nascida na Generalíssimo [uma rua de Belém],


estabeleceu tanta comunicação com o público que, apesar de não
estar programada para ser sucesso, de repente, começou a ser
difundida extraordinariamente pelas emissoras do sul do país.
Acabou lotando teatro em Copacabana e São Paulo, virou trilha de
novela e filme, foi gravada na França por Paul Mauriat, no Japão, e
em outros países. Foi show de Ney Matogrosso e até executada em
marcha-rancho em disco de carnaval. Sucesso que senti, realmente,
ao ver uma lavadeira, num subúrbio de Belém, cantarolando o

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drama da mulher que viu no olhar da outra o seu próprio olhar


envenenado (apud OLIVEIRA, 1990, p.47).

O espelhamento entre o eu [olhar no passado] e a outra [olhar no presente]


expressa no eu a certeza definitiva do término da história de amor: “e soube então
que te perdi.” – é a ação de ver que provoca tudo, o que é reforçado ainda mais pela
rima “vi” / “perdi”.

Esse término já estava sugerido numa perspectiva paradigmática, justapondo-


se a primeira e a segunda estrofes, pois o equivalente ao “fim” da primeira é o
“mim” da segunda. Portanto, trata-se do fim para o eu feminino.

No poema todo, há a predominância de um sentido, o olhar, expresso pelo


verbo “ver”, tantas vezes repetido ao longo do texto:

ver-te novamente na varanda,


e a te beijar outra mulher eu vi,
vi no seu olhar envenenado

Também há uma sugestão da supremacia desse sentido no último verso


citado [“seu olhar”] e no seguinte também: “Não há canção nos teus olhos,”.

Bem em compasso com preceitos modernistas, Ruy Barata toma como


assunto de seu poema/canção uma situação cotidiana, banal até, mas o faz com
elegância e experimentalismo de linguagem, mobilizando os signos para causar um
efeito estético singular.

Creio que a tomada de uma canção para aplicação de preceitos da análise


literária seja uma alternativa para aproximar mais do público leitor e, sobretudo, de
estudantes essa prática analítico-interpretativa que cada vez menos vem sendo
praticada na formação escolar. No presente caso, foi assim que fiz, mas outros
leitores também podem se voltar para esse mesmo tipo de prática, lançando mão de
outras canções cuja qualidade estética permita inferências relevantes em relação a
elas.

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REFERÊNCIAS

BARATA, Ruy Guilherme. A Linha Imaginária e outras linhas. Belém: Secult,


2014.
CAVALCANTE, Luciano Dias. Música Popular Brasileira e Poesia: a valorização
do “pequeno” em Chico Buarque e Manuel Bandeira. Belém: Paka-Tatu, 2007.
CORRÊA, Paulo Maués. Leitura de três poemas infanto-juvenis. Belém: Paka-Tatu,
2017.
OLIVERIA, Alfredo. Ruy Guilherme Paranatinga Barata. 2.ed. Belém: Cultural
Cejup, 1990.
WENNER, Liana. Vinícius portenho. Trad. Diogo de Hollanda. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra, 2012.

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DE BRASIL E PARAGUAI OU DE BRASILIANOS E PARAGUAYOS:


TODOS TEMOS UM POUCO – ENSAIO COM BASE NO LIVRO MÁS
PARAGUAYO QUE LA MANDIOCA DE ANIBAL ROMERO SANABRIA
CASTRO,C.A3

Resumo:

O ensaio trata do livro Más paraguayo que la mandioca, de Anibal Romero Sanabria
(2007). Pretende-se demonstrar como a obra lida com os paradigmas culturais que
estão presentes nos dois países e que teve grande projeção à época de sua
publicação. Examinar os diferentes aspectos psicolingüísticos, sociolingüísticos e
polêmicos do paraguaio.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Ánibal Romero Sanabria. Psicologia Social.


Bilinguismo. Intertexto

Resumen:

El ensayo trata del libro Más paraguayo que la mandioca, de Anibal Romero
Sanabria (2007). Se pretende demostrar cómo la obra se ocupa de los paradigmas
culturales que están presentes en los dos países y que tuvo gran proyección en la
época de su publicación. Examinar los diferentes aspectos psicolingüísticos,
sociolingüísticos y polémicos del paraguayo.

PALABRAS CLAVE: Literatura. Ánibal Romero Sanabria. Psicología Social.


Bilingüismo. Intertexto

1. Do Brasil e do Paraguai, todos nós temos um pouco

Ele nos deu a entender no final do ensaio de Sanabria (2007) que há muito do
Brasil no Paraguai e vice-versa culturalmente falando. Existem muitos traços que
nos tornam diferentes, nossa origem como um povo proveniente da colonização faz
com que os dois países tenham muitas particularidades em comum, como as
seguintes tradições, os costumes de seus colonizadores.

3
Cândida Assumpção Castro, professora mestranda pela U.A.A-PY , e orientadora de TCC do Curso de
Graduação e Pós-graduação em Letras da Escola Superior Madre, Coordenadora do NUPEX –Núcleo de
Pesquisa e Extensão da Esmac .E-mail: profesoracandida.a.castro@gmail.com
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Mas ao mesmo tempo nos torna diferentes. Uma única palavra ou teoria não
poderia abranger todos os processos e experiências históricas que sinalizam a
formação do povo brasileiro. Marcados pelas contradições do conflito e da
convivência, constituímos uma nação com traços singulares que ainda estão vivos
no cotidiano dos vários tipos de "brasileiros que reconhecemos em nosso território
de dimensões continentais".
Identificamos, entre outros, aspectos que, devido à sua gastronomia, dança,
jogos e tradições, tornam a cultura paraguaia uma mistura rica das raízes indígenas
da América do Sul e o contributo das diferentes culturas dos colonizadores e
conquistadores, onde devemos também enfatizar algo muito importante como foi o
contributo das missões jesuítas para a religiosidade popular.
Examinaremos os diferentes aspectos psicolinguísticos, sociolinguísticos e
polêmicos do paraguaio, bem como descrito por Sanabria (2007) em sua redação.
Em primeiro lugar, vamos comentar sobre a formação desses dois povos latino-
americanos, sua maneira de pensar e atuar na sociedade. Em segundo lugar, como
os paraguaios se olham, aqui fingimos de forma muito simples tentar explicar como
esse olhar, corrupção; A falta de nacionalismo - o patriotismo; admirar o que vem
de fora. E, finalmente, para comentar a questão do bilinguismo: o bilinguismo
paraguaio é uma macanada (macaneada) para brasileiros?
Um exemplo da diversidade dos tipos brasileiros pode ser visto na canção de
Nilson Chaves "Amazônia" (1990) que descreve o homem do norte do Brasil:
“Sim eu tenho a cara do saci,o sabor do tucumã
Tenho as asas do curió,e namoro cunhatã
Tenho o cheiro do patchouli e o gosto do taperebá
Eu sou açaí e cobra grande
O curupira sim saiu de mim, saiu de mim, saiu de mim...
Sei cantar o "tár" do carimbó, do siriá e do lundú
O caboclo lá de Cametá e o índio do Xingu
Tenho a força do muiraquitã
Sou pipira das manhãs
Sou o boto, igarapé
Sou rio Negro e Tocantins
Samaúma da floresta, peixe-boi e jabuti
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Mururé filho da selva


A boiúna está em mim
Sou curumim, sou Guajará ou Valdemar, o Marajó, cunhã...
A pororoca sim nasceu em mim,nasceu em mim, nasceu em
mim...
Se eu tenho a cara do Pará, o calor do tarubá
Um uirapuru que sonha
Sou muito mais...
Eu sou, Amazônia!”

Esse é um dos pontos que nos faz distintos dos paraguaios, Sanabria (2007)
reconstrói a origem do povo paraguaio comparando-o com a yuca – mandioca, pois
a descrição fixa a atenção al aspecto externo da mandioca com a pele morena-
acastanhada, e o interior branco e simples por dentro; assim é o paraguaio, como a
mandioca que vem de uma terra fecunda e rica. A constituição do povo surgiu de
maneira natural e astuta, pelos motivos da colonização. Ironicamente o autor o
põem em relevo com a seguinte passagem do nascimento do “braguetazo”.

[…] “El Paraguay se convertía en Paraíso de Mahoma. Estos


“compromisos matrimoniales, tímido reflejo de acuerdos y
conveniencias de la vetusta monarquía europea, se colarán al
Paraguayo, naciendo así una de las instituciones más
simpáticas y llamativas de nuestra folclórica vida social.
Derivado de nuestro sistema de “trepada” social, surge el
“braguetazo” (SANABRIA,p.68)

Reconhecemos que esta visão frente ao outro vai mais além da localização
geográfica, das fronteiras territoriais. O autor revela em seu texto e nos mostra com
muito humor e ironia os questionamentos do homem paraguaio que necessita
reconhecer-se como povo e valorizar a sua cultura.

[…] “En primer lugar nosotros mismo llamamos a los indios


“indígenas” y ellos mismos nos ven como “diferentes” y nos

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llaman “los paraguayos”. Pero que existe toda una nación


intermedia entre “el indígena” y el “paraguayo” que, por su
cultura, historia, nivel académico y de entendimiento, piensan
en forma absolutamente diferente.” (SANABRIA, p. 130)

Ainda Sanabria (2007) : […] en el Paraguay conviven dos naciones en un


mismo país. (p.130), assim é no Brasil. Como costumamos falar “há muitos Brasis
dentro do Brasil”, é dizer, existem muitas variedades dentro de nosso próprio país.
Estamos de acordo neste ponto: os dois países passam pelos mesmos
enfrentamentos, motivados, talvez, pelos efeitos da globalização – no qual se
valoriza o que vem de fora, ou seja, passando a ideia equivocada de que “o que vem
de fora é melhor” (senso comum).
No fragmento abaixo Sanabria (2012) apresenta-nos sua visão crítica que
tem do paraguaio como: “El paraguayo es tímido. Tiene miedo al ridículo” (p.62).

Yo me veo como tú me ves…

“Como espesas cebollas, así vamos, revestidos de capas,


ocultando (sin querer o queriendo) nuestro fondo. Distinta es
la sonrisa que sacamos cada vez del bolsillo. Y cambiante la
biografía, de la que seleccionas piezas distintas para usos
distintos, cuidándote muy bien, al agitar la taza, de no ir a
revolver el sedimento. Pero hay momentos en que quedamos
expuestos, desprovistos de nuestras envolturas. Tú me ves, yo
te veo. El otro lee en tus entrañas un sentido oscuro. Y tú
adivinas en su gesto lo sucio. Y él lo sabe. Un pacto se ha
sellado, partido por la herida. Cada uno es juez y reo. A un
mismo tiempo víctimas y verdugos implacables”. (Piedad
Bonnett, s/d )

Nesta citação que escolhemos nos permite fazer uma leitura intertextual com
“Mas paraguayo que la mandioca” estabelecendo a visão que o indivíduo tem de si
mesmo.

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Segundo Sanabria (1972), o povo paraguaio tem a capacidade de se olhar e


rir de si mesmo, de suas alegrias, de sua sorte e dos feitos que levam a crer na
ingenuidade do paraguaio.
A ingenuidade do povo paraguaio não pode ser confundida com torpeza ou
falta de conhecimento, isto seria um pensamento mesquinho y preconceituoso. Tão
pouco não se pode confundir a mesma ingenuidade do brasileiro.
Somos m povo hospitaleiro que também saber receber, e, mostra cordialidade
e simpatia como recebemos aos estrangeiros nos exalta, segundo as estatísticas
como um povo alegre e festivo.
Porém, não somente de festas vivem os “brasilguayos”. Há que se destacar
entre as várias preocupações dos dois países a relação com políticos corruptos,
enfermidades nas sociedades latino-americanas, bem marcada por Sanabria (2007)
no caso do Paraguay.
[…] “El dengue de la corrupción se multiplica cuando otros
Aedes Aegypty pican a los ya infectados, sacándoles la sangre
y trasladando a otros la peste de la corruptela y así per sécula
seculorum” (p.150).

Sanabria (2007) magistralmente constrói o cenário político do Paraguai


ensinando aos leitores que, a luta contra a contra a corrupção nunca foi levada a
sério, assim como outras enfermidades de saúde que passaram na história, a
corrupção chega e fica como ferida que consegue curar-se.
E como pensam em cumprir as promessas?
Como se diz em um dito popular em guarani “Político honrado ha yvyra
mata derecho õirõ, hi´aguíma fin del mundo” (Se existe político honrado e árvore
direita, é porque se aproxima o fim do mundo). O povo camponês organizado é
capaz de mudar o cenário, más nem o Brasil nem o Paraguai essa gente obtém tal
façanha.

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O Brasil e o Paraguai compartilham amizades e também os mesmos males:


corrupção, analfabetismo funcional, problemas com a educação ... as mesmas
histórias de governantes déspotas, a ditadura, os sofrimentos.
A falta de patriotismo não é somente privilégio dos paraguaios, assim é no
Brasil ainda nos falta muito o sentimento de nacionalismo, todos juntos em uma
mesma corrente, num mesmo pensamento. Somente com as partidas de futebol dos
selecionados dos dois países, por exemplo, se percebe a união e o sentimento de um
bloco sólido – uma Nação.
Admirar o que vem de fora, em particular, as telenovelas e programas
enlatados preparados para uma massa, intelectualmente que está sentada em frente à
televisão somente com o controle remoto nas mãos. Assim Sanabria (2007), nos
mostra em seu texto comparando os mandatários que “agante chepopúre chekuaáne
mávape che” (pelo clique de minhas mãos você saberá quem eu sou).
Na psicologia social sabe-se que o indivíduo é produto de três fatores
combinados: os costumes, as heranças e a educação. Sabemos que o fator genético
ou da herança seus órgãos vitais e as funções cognitivas são transmitidas de geração
em geração.
Mudar esta paisagem não é algo tão simples. Pensamos que mudar, ou
melhor, aclimatar o indivíduo na sua sociedade, mostra a responsabilidade de
transformação e informação. Melhorar a si mesmo diante dos programas lixo, é
fechar as possibilidades de desenvolvimento que somente será transformado
mediante a uma educação e políticas públicas y o contato com a arte.
E por fim comentar a questão do bilinguismo: é o bilinguismo paraguaio uma
macanda para os brasileiros?
Estamos convencidos que o que nos ata também nos afasta: a língua
espanhola.
O paraguaio é de pouco falar e com um tom muito baixo, o que dificulta a
compreensão do brasileiro. A grande maioria da população paraguaia não indígena
tem assumido a língua guarani como língua de comunicação cotidiana.

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O guarani paraguaio é uma língua indígena, diferente, entretanto, das


variedades faladas pelas etnias guaranis. É uma língua franca para a maioria delas, e
permiti-lhes intercomunicar-se entre si e com os mestiços ou paraguayos.
Diante do bilinguismo se enfrenta o brasileiro. As dificuldades próprias
linguísticas que promovem um portunhol “portunhol” mal falado e as vezes um
“castellano brasileño”. Não duvidamos que não esteja tão distante o dia em que
surgirá uma interlíngua atando os dois povos.
No caso da língua do Mercosul, o doce idioma português pela diplomacia, é
tratado por Sanabria (2007) de uma maneira irônica e em nosso ponto de vista um
pouco desdenhoso, quando dizemos “obrigado” não estamos obrigados em retribuir
seja lá o que for.
É interessante perceber a análise do autor diante de uma cultura e língua tão
próxima à da paraguaia, mesmo que os temas tratados no livro sejam delicados,
nada, impede ao leitor ter suas opiniões e julgar sua própria cultura a partir da visão
do outro.
Oxalá algum dia realmente tenhamos um pouco de cada um em nós mesmos,
sem as divisas territoriais ou culturais.

REFERÊNCIAS

Bonnett, Piedad. Blog. Tú me ves yo te veo. Disponible en:


ttp://jralonso.es/2011/05/13/tu-me-ves-yo-te-veo/
Chaves, Nilson. Amozonia – letra y música. Disponible en:
http://letras.terra.com.br/nilson-chaves/308707/
Rodrigues, Aroldo, 1933-Aroldo Rodrigues, Eveline Maria Leal Assmar,Bernardo
Jablonski. Psicologia Social I - 27. ed. revista e ampliada. Petropolis, RJ : Vozes,
2009
Sanabria, Aníbal Romero.Mas paraguayo que la mandioca. 7ma. Edición. Editorial
El lector. Paraguay , 2007
SCARPA, Ester Mirian. Aquisição da Linguagem. In: MUSSALIM, Fernanda;
BENTES, Anna Christina. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras, v. 2.
São Paulo: Cortez, 2001. p. 203 – 231.

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CENAS DA RUA: I CULTURAL DO PARÁ - 19684


Ilton Ribeiro dos Santos

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar um dos eventos culturais relacionados às


transformações ocorridas no panorama artístico da cidade de Belém do Pará na década de
60, intitulado I Cultural do Pará. Importante evento artístico que teve participação de
Haroldo de Campos, Hélio Oiticica, José Celso Martinez, Mário Schenberg, além de
outros, comungando palestras, exposições e encenações para o público em geral. Mas,
voltado sobretudo, para os artistas e poetas local (Belém). Destarte, a abordagem colabora
para compreensão dos processos artísticos e as contradições ocorridas no pensamento
criativo, na cidade e na região onde se localiza a metrópole amazônica. Como base teórica
esta pesquisa utiliza a esteira teórica de BERMAN (1986), BENJAMIN (1991, 1995), em
que se entende que a ideia de modernidade é um evento que promove no ambiente a
presença de ameaças, eminência de uma grande aventura na qual se deflagra um novo
fenômeno de mudança e transformação.

Palavras –chave: I Cultural, anos 1960, Belém, arte.

Abstract: The objective of this article is to analyze one of the cultural events related to the
transformations that occurred in the artistic panorama of the city of Belém do Pará in the
60 's, titled I Cultural do Pará. An important artistic event that was attended by Haroldo de
Campos, Hélio Oiticica, José Celso Martinez, Mário Schenberg, and others, giving
lectures, exhibitions and performances to the general public. But, mainly, for the local
artists and poets (Belém). Thus, the approach helps to understand the artistic processes and
the contradictions that occur in creative thinking, in the city and in the region where the
Amazonian metropolis is located. As a theoretical basis this research uses the theoretical
framework of BERMAN (1986), BENJAMIN (1991, 1995), in which it is understood that
the idea of modernity is an event that promotes in the environment the presence of threats,
eminence of a great adventure in which a new phenomenon of change and transformation
is triggered.

key words: I Cultural, 1960s, Belém, art.

A I Cultural do Pará foi um evento organizado em 1968 pela Escola de


Arquitetura da Universidade Federal do Pará, tendo auxílio não apenas da Reitoria,
mas também da Prefeitura Municipal de Belém e do Governo do Estado do Pará.

4“Primeira Cultural Belém 68” este era o título do evento apresentado no jornal A Província do
Pará da época, trazendo exposição de artistas da IX Bienal de São Paulo (1967) e conferências de
Mario Schenberg, Haroldo de Campos, Hélio Oiticica, José Celso Martinez e Maurício Nogueira
Lima. Fonte: A Província do Pará, domingo 11 e segunda-feira 12 de agosto de 1968, 1º caderno,
p. 7.
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Para a cidade de Belém, que abrira diálogos com outros centros de cultura do país, a
I Cultural teve grande importância para os artistas e para as instituições locais.
Para acertar os detalhes do evento, quase um mês antes, chegou uma equipe
de artistas e intelectuais que tinha como metas primeiramente estudar a
possibilidade de se fundar, no Pará, um Instituto de Arte e Comunicação e, em
segundo lugar, promover em Belém exposições de trabalhos da Bienal de São Paulo
e, a partir de ciclos de conferências, conjuntamente com a organização de exposição
de artistas locais, atribuir prêmios aos melhores trabalhos.
A primeira equipe que chegou a Belém, tendo em vista esses objetivos, era
composta por Leila Porto de Andrade, Claudio Tozzi e Mário Schenberg. Essas
pessoas foram recebidas por George Derenji e por Osvaldo Vieira, que, na
oportunidade, propuseram o alargamento da ideia para outros setores da arte, como
o teatro, o cinema e a música. Para tanto, entraram em contato com a Associação
Paraense de Críticos Cinematográficos, o Cine-Clube, a Escola de Teatro e os
demais grupos artísticos locais.
Numa entrevista para um jornal A Província do Pará, Mário Schemberg
afirmava:
Estamos vivendo uma época de profundas e rápidas
transformações. Hoje em 5 anos o mundo se transforma muito
mais do que o fazia antes em 50. Numa época assim a
experiência adquirida perde muito do valor que teria em
outras épocas, e pode até se transformar em peso morto. É
fácil explicar: a evolução se baseia na substituição do velho
pelo novo. A experiência é útil para dar ao novo o substituto
no qual vingará. Numa época em que as transformações são
rápidas, o novo se baseia em valores quase imediatos. Não há
porque, pois, persistir em velhos conceitos (SCHEMBERG,
1968, p. 08)

A I Cultural do Pará trazia atmosfera de mudança. Naquele momento, três


palavras se tornaram ordem do dia: velocidade, transformação e novidade, as quais
contribuiriam para a experiência do tempo e do espaço, experiência vital, que
Berman entende como possibilidades e perigos de vida compartilhados por homens
e mulheres numa cidade e chama de “modernidade” (BERMAN, 1986).
O pensador americano Marshall Berman começa seu livro empurrando seu
leitor para um turbilhão de paradoxos, desintegrações, mudanças, ambiguidades,
lutas e contradições. Todavia, seu texto funciona como uma espécie de vacina em
doses cavalares, injetada no corpo de quem se aventurar analisar o contexto de
transformação por que passava a região.

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Ela, I Cultural da Amazônia, era um pedaço da Bienal e muito


representativo para nós que estávamos vivendo um momento
de indagação e tal. É preciso dizer que aquilo era a eclosão,
também, de um momento culturalmente rico ao nível
internacional. Era o momento da contra cultura, era o
momento de uma espécie de desafio ao establishment mental
ao nível da cultura, numa amplitude que a gente pode hoje
fazer uma leitura a distância. ... 5

Quando Berman percebe que um ambiente apresenta ameaças de uma grande


aventura, ele entende que um novo fenômeno de mudança e transformação já está
acontecendo e muitos teóricos intitularam esse novo momento de modernidade
(BERMAN, 1986).

Encontrar um ambiente que prometa aventura, poder, alegria,


crescimento, autotransformação e transformação das coisas
em redor – mas ao mesmo tempo ameaça a destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência
ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e
ideologia (BERMAN, 1986, p. 15).

Mário Schenberg havia participado como jurado da IX Bienal de São Paulo


(1967/1968), e por lá já havia comentários da criação das bienais nacionais
funcionando em anos ímpares (AMARAL, 1983). Os organizadores do evento
notaram a necessidade de deslocamento do certame para outras regiões do país.
Essa percepção ia ao encontro da corrida de atualização pela qual passava Belém
desde a década de 40, quando começou a trazer para seus salões de arte a
preocupação com a arte moderna.
Se o reconhecimento do modernismo paulista nas artes plásticas foi tardio na
região norte do país, as vicissitudes dos anos 60 trazem para Belém uma atmosfera
propícia para que os artistas e os críticos da região corram atrás da atualização, de
modo que a I Cultural do Pará soava como uma revolução estética comparável à
Semana de 22, paulista.

5Excerto da entrevista realizada por Edison Farias com Osmar Pinheiro como parte da pesquisa que
gerou a tese de doutoramento do entrevistador: "Calor, Chuva Tela e Canivete - A pintura no tempo
do modernismo em Belém", sob a orientação da Profa. Dra. Neide Marcondes de Faria e apresentada à
ECA/USP em 2003.
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“Então eles se reuniram numa semana, uns dez dias na


Assembléia Paraense, que era ali na Praça da República, para
debates, conferências, seminários etc. E na Praça da República
foram montados standes com as exposições de obras desses
artistas que tinham vindo da bienal. Aquilo ali então passou a
ser uma espécie de bienal itinerante. (...) Quer dizer, quando
aquela coisa chega lá, ela tem efeito imediato. Em nós, alunos
da faculdade de arquitetura, o que aquilo suscitou... eu
considero que aquela foi nossa ‘semana de 22’” (PINHEIRO
apud FARIAS, 2003)

A abertura da I Cultural de Belém aconteceu às 20 horas do domingo do dia


11 de agosto de 1968, com a fita cortada pelo Chefe de gabinete do Governador,
Osvaldo Melo, que, na oportunidade, ressaltou a importância do acontecimento para
a cultura paraense, uma vez que, além de exibir obras premiadas na Bienal de São
Paulo, revelava novos artistas plásticos da região6.
O Governador do Estado do Pará não pôde comparecer à abertura da I
Cultural, pois estava atendendo o Presidente da República, Costa e Silva, que na
ocasião fazia visita a Belém. Apesar da visita na cidade do Governo Militar, o clima
não parecia tão tenso, os jornais apresentavam pequenas notas de protestos de
estudantes e de intelectuais pelo Brasil, mas isso quase não chamava a atenção do
público paraense.
É bem verdade que certos assuntos polêmicos sobre os confrontos dos
militares com a cultura brasileira não recebiam muito destaque na imprensa local,
de modo que muitas notícias a respeito do clima de repressão não eram divulgadas.
Desse modo, o público não entendia muito bem o que estava acontecendo no meio
cultural (AMARAL, 1983).
Todavia, mesmo diante de pouca tensão política, o poeta Haroldo de
Campos, ao ser entrevistado pelo jornal A Província do Pará, afirmou ser contrário
ao sistema de censura no Brasil, já que ela prejudicava a produção artística.
Concluiu que, numa obra de arte realizada, tudo deve ser necessário, nada pode ser
cortado, sob a pena de prejudicar criminosamente a criação artística.7
O clima de censura em Belém parecia que não era muito intenso, mas,
mesmo assim, havia um olhar atento sobre o que era produzido na cidade em
relação às várias áreas culturais. Derenji, em entrevista, cita um episódio com uma
artista, participante da I Cultural, que estendera sua permanência na cidade.

6
Cf. A Província do Pará, terça-feira, 13 de agosto, 1º caderno, p. 09.
7
Cf. A Província do Pará, terça-feira, 16 de agosto de 1968, 2º caderno, p. 07. Arte pode integrar sul e norte.
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Uma das artistas plásticas era uma moça que depois ela
permaneceu aqui. Leila...(Porto). Depois ela casou com um
engenheiro daqui... Eu ia te contar um fato interessante. Essa
Leila era filha de um banqueiro. Depois da...desse evento ela
ficou hospedada aqui no hotel Vanja. E tinha um cantor, não
estou lembrando o nome, estava passando por Belém, e que
era amigo dela. Eu vou te contar o fato mas eu não estava no
quarto com eles lá. Ela estava conversando com outras
pessoas, daqui a pouco bate na porta uma patrulha da polícia
da aeronáutica. Aí, o comandante da patrulha olha assim pra
dentro, vê o cantor lá dentro...Me dá um abraço (risos). Agora
você imagina naquela época. Num quarto de hotel...várias
pessoas conversando. Eles sabiam que essas pessoas eram
todas de esquerda. Bate uma patrulha na porta, imagina o
pavor que deve ser (DERENJI, 2011, p. 2).

Durante a I Cultural, outro artista que prestou entrevista para os jornais locais
foi Hélio Oiticica, que, na oportunidade, fez comentários sobre o panorama cultural
que se traçava no Brasil em diversas áreas culturais como na música, na literatura e
nas artes plásticas. Ao se referir a I Cultural, comentou que era um evento
importante para o estado, pois, para tanto, comenta ele:

Foram trazidos artistas jovens de vanguarda, que estão


procurando caminhos novos em sua arte, o problema da
relação entre vanguarda e contexto social, relações entre
música popular, artes plásticas e literatura que se está fazendo
hoje etc. Que a I Cultural seja o início de um contacto mais
duradouro, inclusive com a participação de intelectuais do
Pará8.

As palavras jovens e vanguarda traduziam a proposta de novidade para arte


paraense, até mesmo para a região. Oiticica reconhece que a relação entre as
diversas áreas, música, artes e literatura iria abrir novas possibilidade de criação
artística.
No quadro abaixo, há a relação dos participantes do evento artístico, dos
convidados e dos artistas paraenses que participaram da mostra regional:

8Cf. A Província do Pará, terça-feira, 16 de agosto de 1968, 2º caderno, p. 07. Arte pode integrar
sul e norte.

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Realizaram-se duas exposições simultâneas. A primeira foi constituída por


obras de artistas convidados, dos quais alguns haviam participado da IX Bienal de
São Paulo (1967/1968). A segunda, por sua vez, foi aberta aos artistas locais, que
deveriam apresentar seus trabalhos até o dia 15 do mês corrente (agosto).
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Figura 1 Foto do público visitando as obras de artistas que haviam participado IX


Bienal de São Paulo (em foco obras de Claudio Tozzi) mostradas na I Cultural em
Belém, na Praça da Republica. Fonte: A Província do Pará. Sábado, 17 de agosto
de 1968, 1º página.

Figura 2- Hélio Oiticica (centro) e Haroldo de Campos (à direita) em Belém.


Fonte: A Província do Pará, 2º caderno, p. 07, terça-feira, 16 de agosto de 1968.

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Outra importante participação na I Cultural foi a de Haroldo de Campos, um


dos convidados para o evento, representante do pensamento concretista. Ele foi um
dos três poetas mais importante da revista Noigandres, de 1952, cujos assuntos
eram multidisciplinares, isto é, na revista se publicava sobre pintura, poesia,
publicidade, artes gráficas, paisagismo e música. Havia um anseio muito grande da
integração das artes nessa década, estimulado pela arquitetura contemporânea, e o
desejo de uma arte social para um novo tempo (AMARAL, 2006).
Hélio Oiticica, por sua vez, trouxe comentários sobre a sua arte ambiental,
sobre os núcleos (labirinto de cor) e sobre os penetráveis (cabines com portas
movediças e bólides, objetos que exigiam a participação direta do espectador), em
especial sobre o Parangolé (capa que a pessoa veste e se desdobra no corpo) e sobre
o projeto ambiental Tropicália, instalação composta por dois penetráveis, o qual
tinha jardim com plantas, araras, areias, pedrinhas etc9.
O concretismo e o neoconcretismo efetivaram, segundo o artista, a
transformação no modo de ver e sentir por meio da proposição de novas estruturas
artísticas que possibilitavam uma posição crítica realmente universal,
profundamente revolucionária, para o campo das artes, do conhecimento e do
comportamento (OITICICA, 1968). Para Schenberg, o Concretismo também
marcava a aproximação de duas linguagens artísticas, a poesia e as artes plásticas:

Um dos aspectos mais interessantes do construtivismo


brasileiro foi o desenvolvimento de novas figuras de poesia
associadas à criação plástica. Em São Paulo, Augusto de
Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos haviam
iniciado pesquisas sobre novas formas de expressão poética.
Publicaram a revista Noigandres, ainda antes do aparecimento
do movimento concretista de São Paulo. Depois houve
aproximação entre os poetas e artistas visuais (...). Um dos
aspectos mais interessantes da poesia concreta foi a
aproximação efetuada com a poesia japonesa, destacando
basicamente a importância do conceito de ideograma. Assim o
movimento de arte concreta brasileira levou ao ressurgimento
pelos ideogramas entre os jovens poetas japoneses
(SCHENBERG, 1977, p. 3).

9
Conforme a matéria “A arte pode integrar sul e norte”, referente a I Cultural publicada no jornal A
Província do Pará, terça-feira, 16 de agosto, 2º caderno, p. 07.

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Outra presença marcante do evento foi a do teatrólogo José Celso Martinez,


que trouxe para Belém, além de conferências, o espetáculo “O Rei da Vela”, de
Oswald de Andrade (1890-1954), um marco histórico que influenciaria toda uma
geração. Escrito na década de 1930, a crítica considerou a peça oswaldiana como
um texto impossível de se levar à cena, uma vez que a considerava verborrágica-
anárquica e carregada de transgressão. Contudo, torna-se oportuno como voz do
movimento de rebeldia juvenil latente nos anos 60. O teatrólogo necessitou abarcar
um profundo mergulho em textos contemporâneos da arte de vanguarda para a
montagem da peça (CORRÊA, 1967).

O Rei da Vela propõe uma escritura cênica paródica e


violenta, grotescamente estilizada, que se serve da farsa, da
revista musical, da ópera, dos filmes da Atlântida, abusando
de referências a uma sexualidade explícita, concretizando um
teatro antropofágico. Zé Celso assume um discurso agressivo,
elevando sua montagem à categoria de manifesto destinado a
comunicar, "através do teatro, a chacriníssima realidade
nacional". A realização ganha uma posição de liderança no
movimento tropicalista, já efervescente nas artes visuais, no
cinema e na música popular. Zé Celso é um dos ícones da
tropicália, juntamente com Helio Oiticica, Glauber Rocha e
Caetano Veloso. A repercussão é impactante e polêmica,
chocando muitos críticos e espectadores, mas impondo-se pela
ousadia e originalidade. Essa reação repete-se nas
apresentações em festivais internacionais de Florença, na
Itália, e Nancy, na França. O crítico francês Bernard Dort
flagra, todavia, a verdade da realização: "Estamos aqui diante
não de uma tranquila tentativa de fundar um teatro folclórico e
nacional [...], mas de um apelo raivoso e desesperado por um
outro teatro: um teatro de insurreição"10.

O espetáculo “O Rei da Vela” foi apresentado no Teatro da Paz, sob a


direção de José Celso Martinez. O teatro também foi a categoria artística que
atendia à multidisciplinaridade, um dos objetivos da I Cultural, pois era importante
que as linguagens artísticas experimentassem, em suas confrontações, o surgimento
de novas ideias.

10 Acessado em 12 de janeiro de 2011, às 18h. Disponível no site:


http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidad
es_biografia&cd_verbete=776

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Mario Schenberg compreendia a arte como manifestação ideológica e social,


aspectos que foram, segundo ele, muitos fracos tanto no concretismo quanto no
neoconcretismo, em toda a década de 1950. O crítico chegou, certa feita, a comentar
sobre a consciência política em que os artistas brasileiros viviam naquele tempo
(anos 50 e 60) de movimentação cultural no país:

O sentido social e ideológico dos artistas brasileiros da década


de 1950 foi mais baixo que na de 1940. Houve um
esquecimento quase total da nossa situação de país latino
americano, e, portanto, do Terceiro Mundo, no que tangia à
criação artística e cultural. Apesar do declínio rápido das
tendências construtivistas na década de 1960 e de surgimento
de uma consciência política e social na arte brasileira, ainda
não há uma visão clara no sentido do seu desenvolvimento
futuro (SCHENBERG, 1977, p. 2).

Figura 3 Foto de uma reunião da primeira equipe de intelectuais em Belém,


reunidos na Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Pará em 1968. Da
direita para esquerda: Leila Porto, Jorge Derenji, Paulo Chaves, Mário Schenberg,
La Roque Soares (provavelmente), Alcyr Meira (provavelmente) e Claudio Tozzi.
Fonte: A Província do Pará, 04 de julho de 1968, 2º caderno, p. 09.

As reuniões com a equipe organizadora já manifestava um clima


multidisciplinar que aos poucos foi se instalando em Belém. A vinda desse grupo de
artistas e críticos a Belém marca o final de uma década de revoluções no
pensamento artístico na cidade.
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Numa entrevista para a imprensa local, Schenberg relatava que grande parte
dos artistas convidados era jovem e entendia que era uma oportunidade para se
ouvir a nova geração. Dizia o crítico: “Um dos aspectos mais claros da crise
brasileira, é que a nossa sociedade se fixa em velhos conceitos, tendo inclusive
desconfianças dos elementos novos (...) Mas a juventude irá tomando o leme, e
ninguém poderá impedir que isso aconteça” (SCHENBERG, 1968). Desse modo,
Belém recebeu por meio da I Cultural uma caravana de artistas jovens brasileiros,
ávidos para contribuir na renovação e na transformação do pensamento artístico na
Região Norte. Inserir os novos artistas paraenses e suas poéticas num diálogo
cultural em movimentação renovadora para conduzi-los à modernidade. Não sendo
possível destacar somente um evento que deflagre um novo tempo nas artes
plásticas paraenses, mas, certamente, a I Cultural do Pará fez parte de um conjunto
de eventos que se totalizaram em força dinamizadora dos novos conceitos estéticos.
Não havia somente uma ruptura com o passado, era necessário também rever
atentamente o material simbólico localizado no Pará, sem perder a noção da
universalidade. Esse era o grande desafio lançado à velha e à nova geração de
artistas que vivenciavam aqueles anos de transformações: ser original num mundo
globalizado.

Referência

AMARAL, Aracy. Artes plásticas na semana de 22. São Paulo: Editora Perspectiva.
1979.
______________ (org.), Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer. São
Paulo: Nobel, 1983.
______________, Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980 –
2005) - vol. 1: Modernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar. São Paulo:
Ed. 34, 2006.
BENJAMIN, Walter. Rua de mão única, obras escolhidas II. Trad. Rubens Rodrigues
Torres Filho e Carlos Martins Barbosa. 5ª edição. São Paulo. Editora brasiliense.
1995.
_______________. Walter Benjamin: Sociologia. Organizador e Tradutor Flávio R.
Kothe. Coordenador Florestan Fernandes. 2ª edição. São Paulo. Editora Ática. 1991.
BERMAN. Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. A aventura da
modernidade. Trad. Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo.
Companhia das Letras. 1986.

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CORRÊA, José Celso M. O Rei da Vela, manifesto do Oficina. In: O Rei da Vela. São
Paulo, 1967. Programa do espetáculo.
SCHENBERG, Mário. Um velho professor sobre a universidade em crise. In: Jornal
A Província do Pará, 06 de julho de 1968, p. 08.
SCHENBERG, Mário. Concretismo e Neoconcretismo. 1977. CENTRO MARIO
SCHENBERG de Documentação da Pesquisa em Artes - ECA/USP.
http://www.eca.usp.br/nucleos/cms/index.php? Consultado em 11 de novembro de
2010, às 19:50 h.
A Província do Pará, sexta-feira, 12 de julho de 1968, 1º caderno, p. 6. I Cultural do
Pará será em agosto na Praça da República.
A Província do Pará, domingo e segunda-feira, 28 e 29 de julho de 1968. Confirmação
da vinda de José Celso Martinês.
A Província do Pará, domingo 11 e segunda-feira 12 de agosto de 1968, 1º caderno, p.
7.
A Província do Pará, terça-feira, 13 de agosto de 1968. I Cultural abriu ontem com
muitos visitantes. 1º caderno, p. 09.
A Província do Pará, terça-feira, 16 de agosto de 1968, Arte pode integrar sul e norte
(trechos de entrevista de Haroldo de Campos e Hélio Oiticica). 2º caderno, p. 07.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA

O HEDONISMO PRESENTE NA OBRA “O RETRATO DE DORIAN GRAY”

Jorge Augusto Pinheiro da COSTA


Orientador: Prof. Harley Farias DOLZANE
Jorgeaugusto382@gmail.com

RESUMO: O presente artigo interpretará o romance O Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar
Wild (1854-1900), com base na tensão estabelecida entre uma concepção de liberdade e moralismo
da sociedade inglesa no período vitoriano, que consiste no reinado da rainha Vitoria I (entre 1837 e
1901). No trabalho será analisado a representação que o romance desenvolve em torno da crítica ao
hedonismo, visto que tal tema foi abordados como critica a sociedade daquele período, e como tais
críticas afetavam a moralidade naquele período no qual era proibido qualquer relação com a falta
da moralidade, o que evidenciava a total hipocrisia da sociedade que se constituía naquela época
conservadorista. Logo, o objetivo do trabalho é mostrar as críticas que foram feitas no romance de
Wilde às pessoas de seu período. Tema que mostra o que uma pessoa pode fazer unicamente para
justificar e satisfazer seus desejos hedonistas motivados pela vontade de querer ou adquirir algo,
como os prazeres que avida pode proporcionar por meio da algo, fato esse que o protagonista
Dorian Gray, experimentou justamente por ter uma beleza considerada única em uma sociedade
que admirava todo tipo de beleza, e para conquistar tal objetivo, Dorian Negocia a sua própria
alma, para permanecer jovem para sempre, mostrando assim a decadência da alma do protagonista,
retratada em sua pintura, na qual era refletida tudo que se acontecia com Gray.
PALAVRAS-CHAVE: Moralismo. Período vitoriano. Dorian Gray, Hedonismo.

ABSTRACT: The present article will interpret the novel The Portrait of Dorian Gray (1890), of
Oscar Wild (1854-1900), based on the established tension between a conception of freedom and
moralism of the English society in the Victorian period, that consists in the reign of the Queen
Vitoria I (between 1837 and 1901). In the paper we will analyze the representation that the novel
develops around the criticism of hedonism, since such a theme was approached as it criticized the
society of that period, and how such criticisms affected morality in that period in which any
relation with the lack of morality was forbidden , which showed the total hypocrisy of the society
that was constituted in that time conservative. Therefore, the purpose of the paper is to show the
criticisms that were made in the novel of Wilde to the people of his period. A theme that shows
what a person can do only to justify and satisfy his hedonistic desires motivated by the will to want
or acquire something, such as the pleasures that he can provide through something, a fact that the
protagonist Dorian Gray, tried precisely to have a beauty considered unique in a society that
admired all kinds of beauty, and to achieve this goal, Dorian Negotiates his own soul, to remain
young forever, thus showing the decadence of the soul of the protagonist, portrayed in his painting,
in which he was reflected everything that happened to Gray.

KEY WORDS: Moralism. Victorian period. Dorian Gray, Hedonism.

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1. Introdução
Oscar Fingall O'Flahertie Wills Wilde, um dos escritores que mais se
destacaram da língua inglesa do século XIX, teve uma produção em larga escala, na
qual se destacam os contos, a exemplo de “O Crime de Lord Arthur Saville” (1891);
e com a peça “O Leque de Lady Windermere” (1893); ensaios como A alma do
homem sob o socialismo (1891), além do romance O Retrato de Dorian Gray
(1890).
Nascido em Dublin, na Irlanda foi filho de Sir William Wilde que era médico
e de Jane Francesca Elgee, que era escritora e defensora da independência irlandesa.
Em virtude da “boa influência familiar” aquele cresceu rodeado de várias pessoas
nomeadas intelectuais, cujas influencias os ajudou nos estudos de suas obras, e no
aprimoramento de idioma. Foi criado desde cedo no protestantismo, assim como
várias outras famílias, pelo fato de estar no período em questão denominado de
Vitoriano. O contexto histórico da época em questão remete ao período da
Inglaterra em que a rainha vitória I (1819-1901) governou, entre 1837 a 1901.
Wilde, tal como foi dito no parágrafo anterior era de família protestante, logo,
foi criado nos dogmas do protestantismo, doutrina no qual o poder de Deus está
acima de todas as coisas e apenas ele pode determinar o começo, meio e fim da vida
de uma pessoa. Logo seria natural a pessoa nascer e ao longo da vida envelhecer.
Contudo envelhecer nunca foi algo agradável para um indivíduo, principalmente os
mais vaidosos, neste sentido as pessoas tentam burlar a sequência natural da vida
para aparentar serem mais jovens, como se tivessem estagnado no tempo.
Essa época foi marcada pelo grande desenvolvimento econômico e industrial
do país britânico, além das conquistas coloniais, classificadas como um marco
histórico para a nação. Onde a Inglaterra se tornaria o país mais rico e mais
poderoso do mundo, até então, tendo como característica principais desse grande
período a restauração do prestigio da coroa inglesa; o forte desenvolvimento
industrial – político - social baseado na implantação de rígidos valores morais,

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como a repressão aos críticos das ideias do momento, na qual aqueles que não
seguiam esse valor por exemplo eram duramente perseguidos, e isso inclui os
escritores, homossexuais, políticos, opositores e artistas.
Apesar de toda a censura imposta aos artistas durante o período Vitoriano, este
também foi marcado pelo grande desenvolvimento artístico - cultural, em que as
artes eram buscadas e apreciadas de forma árdua, arte esta que inspirou Wilde, em
1882 o escritor foi convidado a ir aos Estados Unidos para falar sobre sua proposta
de movimento estético, onde Wilde deu em linhas gerais que o Belo era a única
solução para enfrentar tudo aquilo considerado ruim na sociedade. Com isso esse
movimento visava transformar o tradicionalismo imposto na época vitoriana.
Em 1891, Wilde lança a sua obra prima, o romance “O Retrato de Dorian
Gray”, texto que relata a decadência da moral humana e da hipocrisia da sociedade
que se auto titulava moralista, seguidora das regras de um “estatuto” que
marginalizava várias atitudes, ou “prazeres”, tal como é discutido no romance.
Wilde aborda temas polêmicos de nodo agredir a “boa” conduta da sociedade
vigente no período, levando-o ao apogeu literário. Isso trouxe vários problemas
pessoais, visto que apareceram rumores sobre a sua sexualidade, sexualidade
presente de forma sutil em sua obra mas suficiente para leva-lo à prisão e ser
julgado.
A sua fama começou a diminuir e todas as suas produções artísticas suas obras
e livros foram retirados de circulação restando-lhe leiloar os seus pertences para
poder cobrir as despesas do processo judicial. Ao sair da prisão, ele viajou para
França, e adotou o nome artístico de Sebastian Melmouth, e passou dias de sua vida
sem nenhum rumo e entregue aos vícios da bebida.
2. O romance “o retrato de Dorian Gray” - Enredo
No romance p espaço principal é Londres. Basil Hallward é um pintor que vê
em Dorian Gray, um jovem de 18 anos que pertence à alta burguesia inglesa e dono
de uma beleza física muito atraente, a inspiração necessária para “colocar para fora”
toda a sua busca pelo perfeito com a finalidade de pintar um quadro de uma forma

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tão exata/viva na qual todos ficassem supressos com a veracidade da pintura, tendo
esse objetivo concluído, o quadro ficou tão perfeito que ficou parecendo mesmo que
Basil conseguiu captar a própria alma de Dorian.

O senhor dispõe só de alguns anos para viver deveras,


perfeitamente, plenamente. Quando a mocidade passar, a sua
beleza ir-se-á com ela; então o senhor descobrirá que já não o
aguardam triunfos, ou que só lhe restam as vitórias medíocres
que a recordação do passado tornará mais amargas que
destroçadas (WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São
Paulo: LANDMARK, 2012, p. 31)

Ao ouvir estas palavras, Dorian Gray observa a obra pronta e constata


tristemente, que aquele retrato manterá aquela beleza juvenil.
Se manterá jovem. Nunca será mais velho do que esse dia de
Junho … Se fosse o contrário! Se fosse eu que me mantivesse
jovem e o retrato ficasse velho! Por isso, — por isso — Eu
daria tudo! Sim, não há nada no mundo todo que eu não daria
por isso (WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São
Paulo: LANDMARK, 2012, p. 31.)

Partindo desse momento o pacto foi feito. Dorian vende a sua própria alma.
Visando toda essa beleza encantadora de Gray, Lord Henry se sente desafiado pela
beleza e aparente inocência do jovem Dorian, aproxima-se de deste e passa a
instigá-lo e a estudá-lo em suas reações e atitudes, fazendo com que o jovem tome
consciência de sua beleza e do valor de sua juventude, iniciando-o assim num
mundo de vícios e desregramento. É nesse contexto que Dorian percebe a alteração
em seu quadro e espantado percebe que o desejo feito em um momento de fúria
realizou-se.
Dorian não envelhecera, e tudo que acontecesse com ele era perpetuado no
quadro, e não em seu belo corpo. Em virtude disso, inicia -se a gradual destruição
da figura no quadro, a figura a qual representava a própria alma de Dorian Gray,
este vive decadentemente, entregando-se aos prazeres sensuais, bons e ruins. O
retrato representa o registro de transgressões e envelhecimento, enquanto sua

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própria aparência permanece jovem e bela. E nesse momento que Dorian passou a
viver tudo que lhe era ou não permitido.
Porém, anos depois Dorian acaba se arrependendo da vida que levou e
principalmente tem problemas com a sua própria consciência, como por exemplo o
assassinato de seu amigo pintor Basil. Então logo a pós sucessivos problemas
Dorian pega a faca usada para matar anos atrás o autor da obra, Basil, e rasga o
retrato.
2.1 “[...] um novo hedonismo: eis o que quer o nosso século. Um novo
hedonista de que que o senhor poderia ser o símbolo visível” – Hedonismo em
questão.
A palavra hedonismo tem como significado a doutrina que concorda na
determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida
moral é derivado da palavra grega hedonê, que significa prazer e vontade,
o hedonismo é uma filosofia que coloca o prazer como bem supremo da vida
humana, acima de qualquer coisa. Considerado o pai do hedonismo, Aristipo de
Cirene (435 - 366 a.C.) fundou a Escola Cirenaica onde eram rejeitados os estudos
da física e da matemática por serem consideradas desnecessárias para que as
pessoas pudessem encontrar o bem e a felicidade. Os cirenaicos criam ainda a visão
do homem cosmopolita, no qual foge da organização social da polis da época, onde
havia quem ordenava e quem obedecia. O homem dessa forma não está preso a uma
cidade para obedecer as suas leis, este é cidadão do mundo e segue as suas próprias
leis, podendo assim viver livremente a busca dos seus prazeres, sem se preocupar
com as consequências.
No romance o hedonismo é recorrente e colocado em caráter explicito, na qual
Hanry é o responsável por introduzir esse conceito ao jovem Gray. tal percepção
hedonista, inserida no romance para criticar, (assim como todas as questões
expostas) os homens da época. Wilde coloca em destaque a figura do homem que
pratica esses atos. Como já foi discutido o período Vitoriano é marcado pela

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imposição de um comportamento moral, porém, a maioria dos homens da época se


colocaram acima dessa “ordem” de moralidade.
Tal como é exposto no romance e em até mesmo nas adaptações que vieram
ocorrer anos, ou séculos depois, como por exemplo os filmes de 1945 e o mais
recente de 2009 percebe-se que a maioria dos homens frequentavam o que se
chamava “clubes”, uma espécie de casa onde os homens se encontravam para beber,
falar de política e também para buscar o prazer, visto que muitas dessas casas ou
todas as casas eram pontos de prostituição. A passagem acima da obra elucidada
critica os homens que pregam o falso moralismo, os bons modos o matrimonio e a
família, quando na verdade não era isso que a maioria (ou todos) faziam.
Lorde Henry é considerado o personagem que apresenta os prazeres da vida, o
que está tem de melhor, e vai em busca daquilo que lhe faz bem, não importando as
consequências que poderiam vir após qualquer ato, simplesmente porque não se
pode julgar um ato de prazer.
Acredito que o mundo ganharia tal impulso de alegria que
esqueceríamos todas as tristezas do medievalismo e
voltaríamos ao ideal helênico, a algo mais fino, mais rico do
que o ideal helênico, talvez. Mas o homem mais corajoso
entre nós teme a si mesmo. A mutilação do selvagem tem sua
trágica sobrevivência na autorrecusa que desfigura nossas
vidas. Somos punidos pelas nossas recusas. Cada impulso que
lutamos para estrangular remói em nossas mentes e nos
envenena. O corpo peca uma vez e se contenta com seu
pecado, pois a ação é um modo de purificação. Nada
permanece então além da lembrança do prazer ou da luxúria
de um remorso. O único modo de se livrar da tentação é ceder
a ela. Resista e sua alma cada vez mais adoece com o anseio
pelas coisas que ela mesma se proibiu com o desejo pelo o
que suas leis monstruosas tornaram monstruosas e ilegais. Já
se disse que os grandes eventos do mundo ocorrem no
cérebro. É no cérebro, e apenas lá, que os grandes pecados do
mundo também ocorrem. Você, senhor Gray, você mesmo,
com sua juventude de rosas vermelhas e sua adolescência de
rosas brancas, você teve paixões que lhe deram medo,
pensamentos que lhe encheram de terror, delírios e sonhos
cuja mera memória poderiam tingir seu rosto de vergonha...”

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(WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo:


LANDMARK, 2012, p.27)

A vida deveria ser livre para o homem fazer o que ele tem vontade, visto que
os “homens representam o triunfo do espírito sobre a moral. [...]” (WILDE, Oscar.
O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p.55), com isso Henry
deixa exposto o seu gosto, “adoro prazeres simples – disse lorde henry, - eles são o
último refúgio do complexo” (WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São
Paulo: LANDMARK, 2012, p36), depois de implementar esses pensamentos ao
cotidiano de Gray que tem a vontade de ir atrás do seu próprio prazer, no qual
eventualmente Dorian nota a destruição de seu quadro, visto que a sua alma já
estava se apodrecendo pelas atitudes imorais e pela vida sem limites de um jovem.
Sabe-se que a concepção hedonista é voltada ao homem, visto que as mulheres
não tinham papel ativo na sociedade da época, o machismo é o comportamento,
expresso por opiniões e atitudes, de um indivíduo que recusa a igualdade de direitos
e deveres entre os gêneros, que favorece o sexo masculino em detrimento do
feminino.
A ideologia do machismo está presente desde as raízes culturais da sociedade,
há séculos, tanto no sistema econômico e político mundial, como nas religiões, na
mídia e no núcleo família, onde a figura masculina representa a liderança. Neste
sentido a mulher encontra-se em um estado de submissão ao homem, perdendo o
seu direito de livre expressão ou sendo forçada pela sociedade machista a servir e
assistir as vontades do marido ou do pai, caracterizando um tradicional regime
patriarcal.
No romance de Wilde, Lorde Henry além de ser hedonista é classificado
também como machista:
Meu caro garoto, nenhuma mulher é talentosa: as mulheres
são um sexo decorativo. Elas nunca têm nada a dizer, mas o
dizem encantadoramente. Elas representam o triunfo da
matéria sobre a mente, assim como os homens representam a
vitória da mente sobre a moral. Há apenas dois tipos de
mulher, a comum e a colorida. As mulheres comuns são bem
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úteis. Se você quiser ganhar reputação por respeitabilidade,


você apenas tem de levá-las para jantar. As outras mulheres
são muito encantadoras. Elas cometem um engano, porém.
Elas se pintam para parecerem mais jovens. Nossas avós se
pintavam para tentar falar brilhantemente. Rouge e espírito
costumavam andar juntos. Tudo isso se foi, agora. Enquanto
uma mulher puder aparentar ser dez anos mais jovem que sua
própria filha, ela está perfeitamente satisfeita. Quanto à
conversa, há apenas cinco mulheres em Londres com quem
vale a pena conversar e duas delas não podem ser admitidas à
sociedade decente. (WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian
Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p.40)

Por existir essa superioridade masculina na época os homens não respeitavam suas
mulheres, e acabavam por trai-las em bordeis, tudo escondido e acobertado pela
sociedade, não a sociedade vitoriada, mas, a sociedade machista que dominava o
período histórico.

3. considerações finais.

O presente artigo teve como objetivo a interpretação da obra de Oscar Wilde,


tendo como objetivo abordar as críticas que o romance aborda, como hedonismo da
época do reinado da rainha Vitoria, tendo como principal objetivo a crítica da
sociedade como todo, o autor, em sua obra, deixa clara a hipocrisia das pessoas
como um todo, e principalmente enfatizar que a moral estava sendo burlada, quando
necessária, principalmente quando se fala de hedonismo, a busca do prazer se
tornou o grande ponto da crítica de Oscar.
A crítica do hedonismo possui o peso maior em tal obra, visto que os outros
temas abordados no romance ficam em segundo plano, percebe-se que a busca pelo
prazer está ligada tanto na busca da beleza (narcisismo) quanto na super valorização
do ego (egocentrismo), e uma vez que se tem tudo isso, o ser humano é capaz de
prosseguir pelos prazeres ocultos, na qual a moral diz que não pode, evidenciando
assim vários crimes, tendo como exemplo a homossexualidade, ou como no filme
“O retrato de Dorian Gray”(2009) a pratica da pedofilia e até a da zoofilia, onde os

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limites para se obter prazer eram tão frágeis quanto a simples rosa que Henry
queimou em sinal do pacto de Dorian. 11
Tais críticas abordadas por Oscar Wilde no século XIX, acabam sendo
discutidas em pleno século XXI, onde temos a presença de tais temas criticados na
obra, na atualidade a busca pelo prazer na maioria das vezes é em torno do
narcisismo, buscando a cada dia uma estética considerada por muitos como padrão
da sociedade, impulsionando a busca pelo Belo, e justificando o motivo de Wilde
criticar a sociedade de seu período, visto que tanto aquela sociedade quanto a atual,
vive a hipocrisia de se achar no centro de todo, o sedutor mercado da beleza atrai
mais pessoas com a promessa de soluções para todo e qualquer problema que esteja
fora dos parâmetros. Além da própria satisfação, elas procuram admiração daqueles
que estão a sua volta, e quando essa admiração acaba, provoca uma nova procura
pela reparação de suas características físicas. O processo torna-se um ciclo vicioso e
uma luta incessante por padrões pré-estabelecidos.
Este artigo tem como base a obra O Retrato de Dorian Gray12, evidenciando a
críticas de uma sociedade autoritária onde o homem é colocado em patamar de
superioridade, e acima da moral, indo de frente inclusive com a moralidade que era
dever do homem dar o exemplo perante as mulheres, exemplo esse que era
disfarçado em uma vida de prazeres escondidos.
Em suma, a obra de Wilde apresentada neste trabalho evidencia também os
riscos que qualquer pessoa pode se submeter para a busca da perfeição, tendo como
referência o Retrato de Dorian Gray (o retrato literariamente) como a projeção da
alma de Gray, além das condições físicas justificadas pela vida de vícios marcadas
em seu quadro, onde tal degradação é a consequência de atos não pensados, fazendo
assim o ser humano pensar nos limites que deve seguir para continuar vivo.

11
No filme de 2009, Lord Henry é o responsável por realizar o pacto/venda de Dorian, porém sem ele mesmo
saber que ele mesmo tinha feito tal, venda, onde o mesmo pergunta a Dorian se ele “trocaria sua alma para se
manter jovem” e coloca uma rosa sob uma vela, quando Gray diz “Sim” a rosa se incendeia, dando a
entender que o pacto foi realizado naquele momento e a ala de Dorian teria sido aprisionada no Quadro de
Basil
12
Publicado originalmente em 1890
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4. Referencias
MARCONATTO, Arildo Luiz. Aristipo (435 - 366 a.C.). só filosofia, 2008-2017,
São Paulo [s.p]. disponível em
<http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=25>
WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p.40
WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p. 31
WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p.55
WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p.36
WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: LANDMARK, 2012, p.40
SOUZA, Osmar Martins; PEREIRA MELO, José Joaquim, O HEDONISMO DE
EPICURO E O HEDONISMO DA ESCOLA CIRENAICA. 2013 [s.p]. disponível
em
<http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2013/trabalhos/co_04/127.pdf
>

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SUPLEMENTO DE ARTE

RESSONÂNCIAS, imaginário

SANCHRIS SANTOS
Coordenação do GP Igarahart
e da Exposição Ressonâncias

Este projeto apresentado por um grupo de artistas plásticos e professores de


arte que integram o Grupo de Pesquisa Igarahart, desde o ano de 2004, tendo como
objetivo desenvolver pesquisas teóricas-práticas. Essa exposição o tema
RESSONÂNCIAS, imaginário amazônico em seus espaços/tempos de transmutação
e hibridismo partindo da compreensão de que todos os objetos que nos circundam,
desde uma simples e pequeno objeto até um enorme edifício, extensiva estrada,
vibram. Essas vibrações são muitas vezes tão pequenas que nos passam
desapercebidas, mas elas sempre estão lá... Na exposição, seus membros trarão
aqueles objetos que lhes afetam e dão estímulos para que seus corpos com a mesma
frequência possam se presentificar no espaço, revelando o que lhes engessa e
transversaliza, que incide sobre o cotidiano.
Pelos estudos que o Grupo de Pesquisa vem desenvolvendo, cabe trazer
Bachelard, nessa exposição quando faz uma cuidadosa exploração do tempo, de sua
duração e da percepção que temos dele, examinando para isso as ideias de Bergson
e Roupnel e as teorias de Einstein. Para o autor, o tempo não tem outra realidade
senão a do instante. Contrariamente à percepção comum, a experiência do tempo

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não é aquela de uma duração contínua e objetiva que transcorreria


independentemente de nós.
O tempo não passa de uma seqüência descontínua de instantes sempre novos,
sem relação uns com os outros - ele é fundamentalmente descontínuo. O passado, o
futuro e a duração são apenas ilusões, construções formais sem realidade objetiva.
Os hábitos e o progresso, longe de se dissolver na descontinuidade dos instantes,
dão-lhes uma nova dimensão. O progresso é parte integrante do hábito: a cada novo
instante o gesto, renovando-se, se aperfeiçoa. E é nesse espírito bachelariano que
caracterizo as obras dessa exposição: um instante reflexivo que deve ser refletido
pelo espectador.
Instalação-objeto; Instalação-vídeo; Instalação-fotografia; instalação-
desenho; instalação-objeto-performance fazem parte das pesquisas poéticas dos
membros do Grupo de pesquisa Igarahart. As obras propostos objetivam provocar
uma reflexão sobre o sentido da poética, tendo como eixo de discussão a
transmutação da aparência, dentro e fora de suas produções, bem como, da
compreensão que fazem da vida amazônica na contemporaneidade. Transmutação e
Hibridismo permeiam o tema da Ressonância pelas metamorfoses que os espaços
(interior e exterior) estão sofrendo. No entanto, também é possível pontuar nessa
provocação reflexiva o que são transitivos e intransitivos, naquilo que circulam, se
agregam às pessoas e às coisas.
Acreditamos na concepção de espaço e tempo como constituintes de nossa
realidade consciente e é por meio dessa consciência que exploramos o mundo
interior/exterior ressaltando que nele o ser humano se faz e se refaz, num processo
tão infinito quanto o cosmo.
Para Jung (1991), antes da existência da consciência não havia tempo, havia
apenas a eternidade. Não havia espaço, somente a infinidade, a divindade; apenas o
mundo tinha existência. O homem vive além dos opostos, além do bem e do mal. A
evolução em direção à consciência o arrancou de seu estado natural e o diferenciou

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das outras espécies. Logo, o indivíduo está consciente quando qualquer objeto se
relaciona com o seu ego através dos sentidos (o corpo penetra e é penetrado).
O grupo é composto por 10 membros que apresentam experiências artísticas
com diferentes linguagens, buscando uma unidade na diversidade sob a intervenção
do curador convidado Neder Charone. A exposição será composta de 10 obras
contemplando o sentido do tema (e dos estudos teóricos). Durante a exposição a
relação do espectador com as obras se dará pela apreciação, interação e uma Roda
de Conversa proposta entre os produtores/criadores e o público (com data definida
com a coordenação da galeria).
As obras propostas neste projeto poetizam a concepção de realidade pela
fenomenologia da imaginação e da percepção. Do ponto de vista formal/estético, as
obras fogem do óbvio daqueles que esperam uma ordem que os remetam de
imediato a imagens da realidade.
Giddens (1994) ao analisar as consequências da modernidade, no final do
século XX, apresenta um conceito importante para nossa análise. Para ele, os
avanços tecnológicos da sociedade moderna têm permitido um distanciamento
progressivo dos indivíduos de suas referências de tempo e espaço, chamado de
“desencaixe”.
Acreditamos que as metáforas sobre a realidade amazônica nascem dos
fluxos imaginários que cada um membro do grupo faz de sua vivência com esse
lugar não se permitindo ser coisificados. Segundo Marcondes Filho (1996) e Augé
(1994), neste contexto surge a concepção de lugar e “não-lugar”. O lugar associado
à uma materialidade definida por relações simbólicas, míticas, identitárias e
históricas, cultural/social. O não-lugar, por sua vez, é marcado por uma relação com
o espaço de passagem, de não fixação e da ausência de identidade. É sob a ótica do
lugar e do não-lugar que tomamos o tema RESSONÂNCIAS, e sub-tema, o
imaginário amazônico em seus espaços/tempos de transmutação e hibridismo.

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1 – Imagens da exposição Ressonância-imaginário, 2004

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2 – Imagens II da exposição Ressonância-imaginário, 2004

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3 - Imagens III da exposição Ressonância-imaginário, 2004

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BERLIN HAUPTBAHNHOF: nomes para caminho

Ilton Ribeiro dos Santos

A estação de trem pede o nome

Clama um nome – ESTAÇÃO CENTRAL

Mas, central de que? Estação de que?

Porque trem e coisa serão sempre questões abertas

Noites vazias e sem nomes para partida

A estação central será sempre onde estamos agora

O caminho é uma palavra que

nutre saída, ultra saída, outra saída.

A saída é sempre espaço aberto na linguagem

Re-anunciamos palavras novas

de experiência que fazemos

em pensar exaustivamente sobre saída.

experienciar é alguma coisa fora, para fora.

Partida de uma pedra, pedra partida – aberta.

As grades de ferro e das lâminas de vidro

(WÖRTER, STEIN, EISEN, GLAS)

Duas coisas co-movem uma travessia

Ponto de escuta e o ponto de interrogação

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Na valise dicionários de milhões de línguas

Uma atenção paranoica de tentar ver as visões

Um caminho no caminho

Uma abertura na abertura

Fazer brechas no vidro e deixar entrar

o vento que renova nossa sensação da noite.

A estação de trem não é o ponto de chegada

Tampouco é ponto de saída

É apenas caminho das passagens.

Estação Central não é nome de lugar

Um risco sobre o mapa

Uma linha clamando grafias de nomes

Caminhadas de novelos – novos elos

Verbos em deslocamento lentos.

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Série Fotografia - BERLIN HAUPTBAHNHOF, 2017

1 - BERLIN HAUPTBAHNHOF I, fotografia de Ilton Ribeiro dos Santos

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2 - BERLIN HAUPTBAHNHOF II, fotografia de Ilton Ribeiro dos Santos

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3 - BERLIN HAUPTBAHNHOF III, fotografia de Ilton Ribeiro dos Santos

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4 - BERLIN HAUPTBAHNHOF IV, fotografia de Ilton Ribeiro dos Santos

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5 - BERLIN HAUPTBAHNHOF V, fotografia de Ilton Ribeiro dos Santos

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6 - BERLIN HAUPTBAHNHOF V, fotografia de Ilton Ribeiro dos Santos

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Caixas-Gavetas...contam em silêncio a tua presença!


ARTISTA PLÁSTICA: Sanchris Santos
MATERIAIS: Caixas, lenços com desenhos, colagens e costuras.

Ferreira Gullar enfatiza que a “Arte existe, porque a vida não basta”...
frase que veio me perseguindo na relação com estas produções propostas para
a exposição. Na obra Caixas-Gavetas...contam em silêncio a tua presença!
retorno às memórias de minha família e como nessa arqueologia e, de certa
forma, cartografia, há a necessidade de reter na imagem da mãe desdobrada
em palavras, frases, impressões e desenhos, fatos, sentimentos/emoções,
contidos no silêncio. Há também uma arquitetura em que do rosto da mãe
emerge o meu e de membros da família, continuidade da escrita genética
espiritual. Nessa escrita um silêncio sendo conquistado e que expressa o
estado de minha alma.

Porém, pelas imagens, textos, há gritos que ora expressam a


necessidade de estar só, o distanciamento de tudo aquilo que se apresenta
como ruído, pessoas e situações; por outro, a necessidade de estar com outros,
apreciar o mundo, de sentir o mundo. E é pela poética do fazer artístico, da
arte, que me torno grávida daqueles que fizeram parte de minha história e ou
me permitem ser tocada pelos que ainda virão! Nesse percurso posso me trair,
não entender, me achar, me perder...mas quero viver com esses achados...!

Caixas-Gavetas...me remetem também a Clarice Lispector quando


diz “Sei mais silêncio que palavras” para não estar perdido em mim mesma.
Um silêncio carregado de vivências, às voltas com a “Escuta de si”.

Com o tema das gavetas, Bachelard em “Poética do Espaço” retoma o


contato com os devaneios da intimidade. A casa, seus aposentos e móveis são
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metáforas do corpo, como órgãos da vida construídos por relações criativas


imaginárias. Sem esses "objetos ou objetos-sujeitos" valorizados, construídos
em tramas da nossa vida íntima não teríamos como referendar a intimidade.

Caixas-Gavetas, tecidos escritos, costurados, colados e desenhados


são formas, técnicas, em exercício poético; aprendizagens para a arte de viver,
a technê tou biou, sem uma askêsis, não teria sentido, para ser compreendida
como um treino de si por si mesmo. Neste sentido, a Arte cumpre o papel de
possibilitar a subjetivação do discurso, criando por meio de frestas, outras
formas de liberdade que a vida por si só não dá conta.

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texto para livro de arte – Harley Dolzane

nossa vaidad.e.orgulho é o limite. pensamos a fronteira sempre


pre.posicionados parados dentro.fora de um eu abstrato e ficamos
dócei.satisfeitos com o que sempre nos do.eu. nesse front. nossa trincheira a
beira do absurdo. nesse fim de nós afinal. a morte nossa de cada dia. nunca se
levou tão a sério assim. fosse isso o que nos assegurasse. a final fronteira
pensada em seu radical. peras. do grego fim.limite.fronteira. enfim palavra na
palavra porta manifestando aquilo que a perfaz. uma porta é um limite em
permeável. não intransponível. difere ferindo paredes. essas feras de que nos
orgulhamos tanto. peras nas portas é a fraqueza de nossa fortaleza. aquilo que
fechando.abrindo conduz. faz passagem para a morte.vida. de nossa
precariedade pensemos em sua raiz sem vaidade o seu limite nosso. não como
negação de bordas. mas como aceite dos desafios que todo o limite propõe.
transbordar. deixar que a própria palavra pontue as pautas em seu entorno.
pelo menos a partir destes dois pontos que ela configura: 1. não apenas o
ponto em que algo deixa de ser o que é. 2. mas também o ponto desde onde as
coisas passam a poder ser aquilo que. ainda. não são. todas as coisas sendo
outras não no ilimitado abstrato.eu.sujeito que tanto ainda se festeja em nosso
tempo todo. mas. quando o que somos for do tempo. no limite das
possibilidades presentes que concretizam o sem limite. aprofundar as dores
desse parto. fundar neste abismo todo limite projetado no.para o abert.abismo.
repartir e participar dos co.nascimentos. ou seja. conhecer. reabrir portas aos
velhos.novos portos. no limite sermos sempre outros. a assumir riscos
in.possíveis.

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pássaro migratório Harley Dolzane


para Clei Souza

sobra
sobre a poesia

o urro
que é
o erro
que é
o sussurro
que ela suscita:

aqui era um dia


uma árvore aqui
agora seu eco
arrastando tudo – em volta –
sua queda aqui
hera tomando tudo – de volta –
para si: a saudade
após a amputação.

a puta
ação

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