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ROSA, W. Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

Chapter · May 2016

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0 45

1 author:

Waldemir Rosa
Universidade Federal da Integração Latino-Americana
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Fabiane Ferreira da Silva
A linne de L ima Bonetti
O rganizadoras

G ênero, interseccionalidades
e feminismos
D esafios contemporâneos
para a educação

OI OS
EDITORA

2016
© D as organizadores – 2016
fabianeunipampa@gmail.com

E ditoração: O ikos
C apa: J uliana N ascimento
Revisão: C arlos A . D reher
A rte-final: J air de O liveira C arlos
I mpressão: Rotermund S. A .

C onselho E ditorial (E ditora O ikos):


A ntonio Sidekum (E d.N .H .)
A velino da R osa O liveira (U F P E L )
D anilo Streck (U nisinos)
E lcio C ecchetti (SE D / SC e G P E A D / F U R B)
E unice S. N odari (U F SC )
H aroldo R eimer (U E G )
I voni R . Reimer (P U C G oiás)
J oão Biehl (P rinceton U niversity)
L uís H . D reher (U F J F )
L uiz I nácio G aiger (U nisinos)
M arluza M . H arres (U nisinos)
M artin N . D reher (I H SL / M H V SL )
O neide Bobsin (F aculdades E ST )
R aúl Fornet-Betancourt (U ni-Bremen e U ni-A achen/ A lemanha)
Rosileny A . dos Santos Schwantes (U ninove)
Vitor I zecksohn (U F R J )

E ditora O ikos L tda.


R ua Paraná, 240 – B. Scharlau
C aixa Postal 1081
93121-970 São L eopoldo/ R S
Tel.: (51) 3568.2848 / 3568.7965
contato@oikoseditora.com.br
www.oikoseditora.com.br

G 326 G ênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a


E ducação / O rganizadoras F abiane Ferreira da Silva e A linne de L ima
Bonetti. – São L eopoldo: O ikos, 2016.
128 p.; 16 x 23 cm.
I SBN 978-85-7843-5...-..
1. Sociologia educacional. 2. I dentidade de gênero. 3. I dentidade social.
4. D iferença sexual – E ducação. 5. D iferença étnica – E ducação. 6. Feminis-
mo – E ducação. 7. P roposta pedagógica – E nsino superior. I . Silva, F abiane
Ferreida da. I I . Bonetti, A lline de L ima.
C D U 37.015.4
C atalogação na P ublicação: Bibliotecária E liete M ari D oncato Brasil – C R B 10/ 1184
Sumário

Prefácio – PRO D O C Ê N C I A / U N I PA M PA : “D esbravando fronteiras


para a consolidação das licenciaturas de uma universidade fronteiriça” .... 7
F rancéli Brizolla
E lena M aria Billig M ello

A presentação – Porque é preciso falar de gênero na escola, sim!


– e de sexualidade, de relações étnicas e raciais.................................... 11
A linne de L ima Bonetti
Fabiane F erreira da Silva

C apítulo 1 – Sejamos tod@s feministas: interseccionalidade,


direitos humanos e educação .............................................................. 17
Fernanda H ampe

C apítulo 2 – Políticas afro-reparatórias na educação brasileira: estado,


identidades políticas e o debate sobre a diferença racial na atualidade..... 33
W aldemir R osa

C apítulo 3 – E ntre armadilhas ideológicas e confusões propositais:


reflexões sobre a polêmica em torno da “ideologia de gênero” ............. 47
A linne de L ima Bonetti

C apítulo 4 – M últiplos ativismos: coletivos feministas


e os desafios contemporâneos ............................................................. 63
Í ris N ery do Carmo

C apítulo 5 – O sistema-mundo capitalista, racista e masculinista


como parte dos regimes de poder-saber da universidade: notas sobre
a formação de jornalistas em instituições públicas de ensino brasileiras .. 74
M arcia Veiga da Silva
Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

C APÍTU LO 2

Políticas afro-reparatórias
na educação brasileira:
estado, identidades políticas e o debate
sobre a diferença racial na atualidade
W aldemir R osa

O E stado brasileiro, ao incorporar a retórica da raça na constituição


de legislações e polícias afro-reparatórias, de âmbito nacional, acaba por
instituir um novo contexto para a constituição das identidades políticas dos
grupos negros e afro-brasileiros. E m tal contexto, como interpretar a luta
política sobre o processo e a forma de implementação de políticas públicas
de enfrentamento ao racismo e à discriminação na atualidade? E m que me-
dida as tensões entre a concepção mais restrita de ações afirmativas, vincu-
lada principalmente à noção de equidade, e as visões mais generalistas de
afro-reparações, identificadas como um princípio ético-político de transfor-
mação social, surgem na relação entre os movimentos reivindicatórios ne-
gro e afro-brasileiro e o E stado?
C omo salienta Peter W ade (2000), com relação a A mérica L atina e
C aribe, a luta por reconhecimento e pela garantia de direitos dos grupos
afrodescendentes faz-se perceber à longa data, confundindo-se com a pró-
pria história do colonialismo e do escravismo. Referir-se a tais lutas como
“novos movimentos sociais”, constitui um contrassenso, uma vez que, em
larga medida, estes e suas lutas fazem-se presentes ao longo da história da
colonização. C ompreende-se aqui que a novidade no contexto atual é a
forma como os estados nacionais se inserem na dinâmica das lutas identitá-
rias. Por meio de seu aparato burocrático e em consequência de sua vincu-
lação/ representação de interesses econômicos específicos, o E stado acaba
por redirecionar, e em alguns casos redefinir, estratégias, pautas e finalida-
des desses movimentos reivindicatórios, muitas vezes por exigências condi-
cionantes da alocação de recurso públicos.

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ROSA, W. • Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

N o que concerne à educação brasileira, as principais iniciativas de


políticas afro-reparatórias encontram-se no âmbito das afirmativas ou valo-
rativas e das ações redistributivas. A s políticas valorativas ou afirmativas
têm como objetivo promover uma valorização da contribuição dos povos
africanos como marcos civilizatórios para a construção dos estados nacio-
nais, enquanto as políticas redistributivas são aquelas que visam a redistri-
buição de bens e posições sociais com o intuito de promover uma mobilida-
de social vertical ascendente dos grupos discriminados. N o entanto, exis-
tem diferenças significativas entre aquelas voltadas à educação básica, que
são eminentemente afirmativas e valorativas, e as voltadas à educação supe-
rior, onde se destacaram as ações redistributivas. Porém, de uma forma ge-
ral, tanto as políticas valorativas quanto redistributivas encontram-se entre
as iniciativas que objetivam o enfrentamento à branquidade como um pa-
drão de dominação eurocentrado e de produção social da exclusão racial.
N o imaginário social global, a branquidade sempre se constitui a partir
de uma desvalorização dos povos colonizados e escravizados. E m contexto
brasileiro, a branquidade se define de duas formas. A primeira como os
traços da identidade racial do branco a partir da ideia do branqueamento
do país. A qui as teorias racistas da produção de uma nação branca a partir
da mestiçagem vilipendiam a herança africana e indígena e identificam a
brancura como a noção de superioridade (SE Y F E RT H , 1985). N a segunda
forma de definição, a branquidade é apresentada como um lugar estrutural
onde o sujeito branco se vê em uma posição de poder, não nomeada, viven-
ciada em uma colocação privilegiada na geografia social da raça que possi-
bilita atribuir a outros identidades racializadas ao mesmo tempo em que
nega a dimensão racializada de sua própria identidade (SOV I K , 2004).
A o assumir a ideário de branquidade como a principal matriz social,
o sistema de ensino acaba não apenas por vincular estereótipos raciais ne-
gativos ao grupos não brancos e reforçar a sua posição de subalternidade.
E le configura-se como uma estrutura produtora, ao mesmo tempo que re-
produtora, de padrões de relações sociais que naturalizam hierarquias so-
ciais e perpetuam estruturas de poder. O sistema de ensino, assim, não é
compreendido apenas como um reflexo de uma realidade social racialmen-
te excludente. E le também é um importante campo produtor do consenso
cultural que possibilita a perpetuação de tal realidade.
D ebate recente no Brasil acerca da constitucionalidade da adoção de
políticas de cotas raciais na universidade brasileira reverberou na apresen-
tação da A rguição de D escumprimento de Preceito F undamental – A D PF

34
Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

186, no ano de 2009, pelo Partido D emocratas – D E M , contra a implemen-


tação de cotas raciais para o ingresso nos cursos de graduação da U niversi-
dade de Brasília – U nB, implementada no segundo semestre de 2004. Se-
gundo a arguição do M inistério Público Federal, junto à Procuradoria G e-
ral da República sob número 6996, o arguente salienta que
a raça não é, no Brasil, fator que opere a exclusão no acesso ao ensino supe-
rior, mas sim a desigualdade econômica. Por isso, as políticas de ação afir-
mativa baseadas em critérios raciais não resolveriam o problema que se pro-
põem a enfrentar, criando divisões e conflitos antes inexistentes e instituin-
do uma arbitrária ofensa ao princípio da igualdade (M P F, Parágrafo 4º, A r-
guição de D escumprimento de P receito F undamental n. 186).

A argumentação apresentada pelo D E M no pedido compreende “pro-


blemas raciais” desvinculados de “problemas econômicos”, sobrepondo a
categoria classe como responsável pelas flagrantes desigualdades raciais de-
monstradas pelos dados oficiais do E stado brasileiro, produzidos pelo I ns-
tituto Brasileiro de G eografia e E statística – I BG E . E m outro trecho, o M PF
afirma que para o requerente
[...] o mito da democracia racial cultivado no país tem ressonância na cultu-
ra nacional, que incorporou importantes elementos de origem africana, e
que repudia as manifestações de racismo. A s políticas de ação afirmativa
baseadas em critério racial ameaçariam este mito e abalariam a identidade
nacional (M PF, Parágrafo 9º, A rguição de D escumprimento de Preceito F un-
damental n. 186).

Tal argumento é considerado central na petição. A qui apresenta-se a


tese de que a identidade nacional brasileira fundamenta-se, principalmente,
no paradigma da mestiçagem, nas noções de equilíbrio de antagonismos e
na noção de cordialidade, que em muitos contextos assumiram o contorno
de uma narrativa do Brasil como uma sociedade pós-racial. E sse argumen-
to torna-se possível, já que a identidade mestiça, como uma identidade na-
cional, confere aos grupos “não brancos” uma possibilidade de escapar do
peso das identidades racializadas vinculadas à experiência do racismo e da
discriminação. A identidade nacional sempre se constitui em oposição aos
particularismos étnicos, raciais, regionais e linguísticos que, por esse moti-
vo, representariam uma possibilidade de fuga do peso indelével da raça.
D os argumentos presentes na petição do D E M na A D PF, 186 corro-
boram a tese sobre o processo de formação das identidades nacionais como
um processo de supressão da diferença e de recusa dos particularismos. N o
caso do Brasil, a arguição deixa nítidos dois aspectos centrais da constru-
ção ideológica do mito da democracia racial. O primeiro refere-se à con-

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ROSA, W. • Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

cepção essencialista da cultura, em que o Brasil é definido historicamente e


culturalmente por uma experiência de mestiçagem biológica, compreendi-
da pela alegoria da amálgama sexual de europeus, indígenas e africanos. O
segundo aspecto é a argumentação da atemporalidade dessa realidade. O
mito se autojustifica e assegura não apenas um passado em comum como
um futuro promissor.
Para C hatterjee (2004), a nação como construção identitária e unida-
de mental só tem validade teórica se for pensada dentro de uma concepção
de tempo homogêneo e vazio, em que nada lhe é apresentado como resis-
tência. N esse sentido, a resistência à narrativa nacional só pode ser entendi-
da como um anacronismo histórico de elementos persistentes de uma reali-
dade já superada pela constituição da nação. Para C hatterjee, esse é um
tempo utópico, que distancia a nação dos seres humanos que existem em
um tempo marcado pelas heterogeneidades. “O espaço real da vida moder-
na consiste na heteropia [...]. O tempo aqui é heterogêneo, irregular e den-
so” (C H A T T E R J E E , 2004, p. 72). C hatterjee recusa a nação como uma
construção identitária unificada, ao mesmo tempo em que passa a ser defi-
nida como um princípio narrativo marcado pela polivocalidade.
H omi Bhabha (2007) propõe uma abordagem da nação enquanto uma
narrativa tentando compreender as duplicidades desta a partir do ponto de
vista de suas margens. A nacionalidade pode ser identificada como uma
forma de viver a localidade da cultura, e as estratégias complexas de identi-
ficação cultural e de interpelação discursiva são o objeto de sua reflexão. A
força narrativa e psicológica que a nacionalidade apresenta na produção
cultural e na projeção política é o efeito da ambivalência da nação como
estratégia narrativa, e o espaço do “povo-nação” emerge dessa estratégia.
A modernidade, as temporalidades ambivalentes do “espaço-nação” e a
linguagem da cultura da nação equilibram-se nas fissuras do presente que
se tornam figuras retóricas de um passado nacional.
E ssas outras temporalidades indicadas por Bhabha podem ser identi-
ficadas no contexto brasileiro como a formulação de identidade política
dos grupos minoritários, principalmente representada pela racialização dos
marcadores culturais e pela politização da diferença. N o que confere aos
grupos negros e afro-brasileiros, tais identidades políticas desafiam a narra-
tiva da incorporação permanente pela dissolução das diferenças raciais por
intermédio da mestiçagem que apresenta a figura do mestiço. E ste emerge
como um “redentor” para o problema racial nacional e a herança progres-
sista do Brasil para o mundo (SE Y F E RT H , 1985; R I BE I RO , 1997; 2006).

36
Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

A s elites locais, no contexto das nações latino-americanas, dedicam-


se de forma especial à manutenção de seus interesses dentro dos sistemas
de ensino, assim como à manutenção de sua posição de acomodação subal-
terna dentro do sistema mundial. N o que G onzales C asanova (1969) cha-
mou de colonialismo interno, essa elite local desempenha um papel central
na manutenção da geopolítica da dominação do sistema mundo, e o campo
da educação é identificado como um elemento essencial da construção da
hegemonia dessas elites locais. O sistema de ensino nunca é um campo em
que os interesses dos segmentos sociais deixam de ser pronunciados ou de-
fendidos fervorosamente em favor da unidade nacional.
Peter W ade (2000) salienta a forma como raça e etnicidade ocupam
um papel importante na constituição das nações latino-americanas. Segun-
do ele, a raça é uma formulação social a partir de algumas diferenças feno-
típicas escolhidas de forma aleatória, hierarquizadas e naturalizadas a fim
de construir uma narrativa sobre a inferioridade dos grupos não europeus
em relação aos colonizadores no campo cultural. D evido à aleatoriedade
das diferenças racializadas como marcadores da diferença, a raça, como
uma categoria discursiva, tal qual a nação, apresenta configurações diver-
sas. R ita L . Segato (1998) utiliza a concepção de alteridades históricas para
se referir a tais diferenças. Segundo ela as alteridades históricas são aquelas
que se formaram ao longo das histórias nacionais e cujas formas de inter-
relação são idiossincráticas a essa história. O s “outros” da nação são cons-
tituídos como resultantes de formas de subjetivação a partir de interações
através de fronteiras históricas interiores, fornecidas primeiramente pelo
colonialismo e posteriormente pela formação dos E stados nacionais.
Para E dward W. Said (2001), toda representação é fundamentada em
relações de poder. Por esse motivo, os grupos sociais investem materialmente
para sustentar as suas representações. Segundo Bhabha (2007), Said articu-
la os signos da cultura nacional como zonas de controle ou de renúncia, de
recordação e de esquecimento, de força ou de dependência, de exclusão ou
de participação. N esse sentido, as contranarrativas da nação, ou as outras
temporalidades que habitam a nação, rasuram as suas fronteiras totalizan-
tes, forçando um colapso de sua uniformidade, homogeneidade e horizon-
talidade que revela a ambivalência e o quanto vacilante é a nação.
A qui reside o potencial desestabilizador das políticas afro-reparató-
rias. A o inscrever a diversidade no discurso oficial do E stado-nação reco-
nhece-se a sua falência no que se refere à produção da uniformidade social
e cultural. A s ações e legislações implementadas no campo da educação

37
ROSA, W. • Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

brasileiro vem amplificando de forma significativa o alcance das vozes des-


tas outras temporalidades e apresentando de forma explicita as fraturas e as
tensões sociais que caracterizam o Brasil como nação. O que nos parece
que está em disputa no debate contemporâneo brasileiro acerca das políti-
cas afro-reparatórias no campo da educação são as forma de produção e de
controle dos signos da cultura nacional.
A s narrativas totalizantes da nação como um paraíso das relações
raciais preconizada em grande parte do pensamento social brasileiro
(F R E Y R E , 1983; 2010; H O L A N DA , 1982; 2010; R I BE I RO, 1997; 2006),
perde força no final dos anos de 1970 no contexto da desindustrialização
no centro-sul do Brasil, ocorrido a partir de meados da década de 1980, e
das políticas neoliberais, que se tornaram hegemônicas nos anos 1990. N o
intuito de reduzir o âmbito de atuação do E stado, as políticas neoliberais
transferiram a organizações da sociedade civil a operação de um número
significativo de ações junto a segmentos discriminados e de minorias nacio-
nais. N esse contexto, a alocação de recursos públicos realizada pelo E stado
assume um importância inédita na história brasileira, ao possibilitar que
vários grupos da sociedade civil organizada, que melhor se adequaram a
prerrogativas burocráticas, crescessem em importância e área de atuação
graças ao apoio financeiro do governo.
E m tal contexto, as primeiras propostas de políticas afro-reparatórias
no campo da educação são aceitas como possibilidade pelo E stado brasilei-
ro na segunda metade da década de 1990 e se concretizam a partir do ano
de 2003, com a chegada da coalização de centro-esquerda liderada pelo
Partido dos T rabalhadores – PT, que incorpora o discurso da igualdade e
da justiça social nas políticas de governo. A penas nove dias após o novo
governo assumir é sancionada a lei federal n. 10.639/ 2003 que altera a L ei
9.394/ 1996 – L ei de D iretrizes e Bases da E ducação – institui a obrigatorie-
dade no currículo oficial da rede de ensino da temática história e cultura
afro-brasileira. E is o texto da lei:
A rt. 1o – A L ei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts. 26-A , 79-A e 79-B:
A rt. 26-A . N os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre H istória e C ultura A fro-
Brasileira.
§ 1o – O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá
o estudo da H istória da Á frica e dos A fricanos, a luta dos negros no Brasil,
a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, res-
gatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à H istória do Brasil.

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Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

§ 2o – O s conteúdos referentes à H istória e C ultura A fro-Brasileira serão


ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
E ducação A rtística e de L iteratura e H istória Brasileiras.
§ 3o – (V E TA D O )
A rt. 79-A . (V E TA D O )
A rt. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “D ia
N acional da C onsciência N egra” (L ei 10.639/ 20030).

A necessidade de regulamentação da L ei levou o C onselho N acional


de E ducação – C N E a aprovar no dia 10 de março de 2004 o Parecer C N E
n. 003/ 2004 que apresenta as “D iretrizes C urriculares N acionais para a
E ducação das Relações É tnico-R aciais e para o E nsino de H istória e C ultu-
ra A fro-Brasileira e A fricana”. O Parecer 003/ 2004 não se detém apenas
ao ensino de história e cultura afro-brasileira como preconiza a lei, refor-
çando a dimensão da educação para as relações étnico-raciais. Sua redato-
ra, Petronilha Beatriz G onçalves e Silva, consegue congregar no documen-
to demandas históricas do movimento social negro e afro-brasileiro e anseios
que remontam ao período pós-abolição no que concerne à educação como
um elemento imprescindível à superação do racismo, da discriminação e
de promoção de igualdade social. I sso confere ao parecer, seguramente, a
posição de documento mais importante na história da busca pela igualdade
racial na educação brasileira. A educação para as relações étnico-raciais
pressupõe a necessidade de uma educação voltada ao reconhecimento do
“[...] direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem
visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e co-
letiva, seus pensamentos” (Parecer 003/ 2004, p. 2).
O s três núcleos articuladores do parecer são as ideias de reparação,
reconhecimento e de ações afirmativas. Segundo o parecer,
[...] a demanda por reparações visa a que o E stado e a sociedade tomem
medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros dos danos psico-
lógicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime es-
cravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branque-
amento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos
com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-aboli-
ção. Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas de comba-
te ao racismo e a toda sorte de discriminações (Parecer 003/ 2004, p. 3).

Por sua vez o reconhecimento


[...] implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos,
bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos
outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança
nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas

39
ROSA, W. • Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

negras. R equer também que se conheça a sua história e cultura apresenta-


das, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da demo-
cracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que,
se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por
falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades se-
culares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros
(Parecer 003/ 2004, p. 3).
A s ações afirmativas são apresentadas pelo Parecer como resultantes
da articulação das políticas de reparação e de reconhecimento, “isto é, con-
juntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e so-
ciais, orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corri-
gir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social
excludente e discriminatória” (Parecer 003/ 2004, p. 3).
A forma como as políticas de reparação e de reconhecimento articu-
lam-se em programas de ações afirmativas deixa nítida a forma como a
educação para as relações étnico-raciais implica uma dimensão de trans-
formação das bases em que se dão as relações sociais no Brasil e por con-
sequência na transformação da sociedade. O E stado é chamado a respon-
sabilidade na superação do racismo e da discriminação, cabendo a ele pro-
ver as condições necessárias à transformação, ficando a cargo dos e das
profissionais em educação e aos estabelecimentos de ensino a implementa-
ção da lei. N o entanto, o Parecer 003/ 2004 salienta que combater
[...] o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender
reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. A s
formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na
escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na
sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino desempenhem
a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço demo-
crático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a
uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante para eliminação das
discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcio-
nar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à
conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conheci-
mentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações
como espaços democráticos e igualitários (Parecer 003/ 2004, p. 6).
A educação básica assume um papel proeminente conforme as indi-
cações do Parecer 003/ 2004 no processo de constituição de uma sociedade
mais justa e democrática, empenhada em findar as desigualdades sociais e
raciais. N o entanto, é ressaltado que isso deve ocorrer em todos os níveis da
educação – primário, fundamental e superior – além de envolver a produ-
ção de conhecimento antirracista e no desenvolvimento de metodologias e
abordagens pedagógicas inovadoras que desloquem o eurocentrismo e o

40
Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

racismo como paradigmas da prática educacional. A concepção de ação


afirmativa, assim, é identificada como uma perspectiva mais ampla para
além da assumida no debate sobre a constitucionalidade das cotas raciais
para o ingresso no sistema de ensino superior.
O s argumentos apresentados pelo D E M na A D PF – 186, questio-
nando a constitucionalidade das cotas raciais e étnicas no sistema de ensi-
no, balizam-se em uma perspectiva que, em tese, teria sido superada pela
mestiçagem e pela constituição da nação. A arguição contida na A D PF –
186 indica uma desnecessidade de uma educação para as relações étnico e
raciais contidas no Parecer 003/ 2004 e parte do pressuposto de que a voca-
ção transformadora deste documento torna-se obsoleta, visto que, ao se
superar o debate sobre as iniquidades raciais, também se supera o problema
do racismo. O silenciamento dos particularismos produzido pela constitui-
ção da nação seria a garantia de que o racismo, como ideologia, e a discri-
minação, como instrumento de dominação social, foram superados.
A resolução n. 1, de 17 de junho de 2004, do C N E , que institui dire-
trizes curriculares para a educação das relações étnico-raciais e para o ensi-
no de história e cultura afro-brasileira e africana, e regulamenta a imple-
mentação do Parecer 003/ 2004, salienta em seu artigo 2º que as
[...] D iretrizes C urriculares N acionais para a E ducação das R elações É tni-
co-R aciais e para o E nsino de H istória e C ultura A fro-Brasileira e A fricanas
constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamen-
to, execução e avaliação da E ducação, e têm por meta, promover a educa-
ção de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e
pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à cons-
trução de nação democrática (R esolução nº 1/ 2004 C N E ).
N o entanto, no A rtigo 1º a Resolução 1/ 2004 salienta que
A presente Resolução institui D iretrizes C urriculares N acionais para a E du-
cação das Relações É tnico-R aciais e para o E nsino de H istória e C ultura A fro-
Brasileira e A fricana, a serem observadas pelas I nstituições de ensino, que
atuam nos níveis e modalidades da E ducação Brasileira e, em especial, por
I nstituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de
professores.
§ 1° – A s I nstituições de E nsino Superior incluirão, nos conteúdos de disci-
plinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a E ducação das
Relações É tnico-R aciais, bem como o tratamento de questões e temáticas
que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Pare-
cer C N E / C P 3/ 2004 (R esolução n. 1/ 2004 C N E ).
A nte a amplitude do Parecer 003/ 2004, a Resolução 1/ 2004 do C N E
enfatiza o caráter não obrigatório das indicações e reduz a noção ampla de
ações afirmativas ao tratamento de questões temáticas que dizem respeito

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ROSA, W. • Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

aos afrodescendentes na forma de conteúdos disciplinares e atividades cur-


riculares. A compreensão é que a resolução individualiza processos institu-
cionais, atribuindo pouco peso ao papel das secretarias de educação – esta-
duais, distritais e municipais. O protagonismo do enfrentamento ao racis-
mo e à discriminação na educação recai principalmente sobre as institui-
ções de ensino, as coordenações pedagógicas e principalmente nos profissio-
nais e nas profissionais de educação. O s conselhos estaduais e municipais
de educação, assim como o M inistério da E ducação – M E C e a Secretaria
de Políticas de Promoção da I gualdade R acial – SE PPI R assumem pouca
importância no texto da resolução.
A rt. 8º O s sistemas de ensino promoverão ampla divulgação do Parecer
C N E / C P 003/ 2004 e dessa Resolução, em atividades periódicas, com a par-
ticipação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação
e divulgação dos êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagens de H istória
e C ultura A fro-Brasileira e A fricana e da E ducação das Relações É tnico-
R aciais.
§ 1° O s resultados obtidos com as atividades mencionadas no caput deste
artigo serão comunicados de forma detalhada ao M inistério da E ducação, à
Secretaria E special de P romoção da I gualdade R acial, ao C onselho N acio-
nal de E ducação e aos respectivos C onselhos E staduais e M unicipais de
E ducação, para que encaminhem providências que forem requeridas (Reso-
lução n. 1/ 2004 C N E ).

N o contexto de implementação de políticas afro-reparatórias, a raça e


a etnia assumem uma objetividade jurídica, mediante a normatização por
parte do E stado dos critérios necessários para que um indivíduo seja contem-
plado pela ação. Fenômenos pertencentes até então ao campo das identida-
des e da especificidade cultural passam a possuir uma materialidade que as
políticas públicas convertem em signos de reconhecimento estatal das especi-
ficidades dos grupos humanos que formam a nação. N este sentido, o debate
sobre a forma como o E stado incorpora as demandas históricas por políticas
afro-reparatórias assume os contornos dramáticos na atualidade.
O s usos da categoria raça, tanto pelos grupos sociais sujeitos de direi-
tos de tais políticas, quanto pelas instituições responsáveis pela sua imple-
mentação, têm impacto em mecanismos profundos de produção de simbo-
lismo sobre suas trajetórias familiares e/ ou pessoais bem como a identifica-
ção dos principais pontos de entrave à efetivação da mobilidade social de
grupo discriminados. “R aça” aqui é compreendida como categoria discur-
siva articuladora de uma experiência de vida particularizada. D eve-se aqui
atentar para que essas categorias não sejam aprisionadas pelas “narrativas
universais” que parecem referir-se à experiência e a fatos históricos de como

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Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

elas existem, mas, no entanto, ocultam as múltiplas camadas de sensibili-


dades, tendências, pressupostos culturais e escolhas ideológicas ligadas à
história localizada (T RO U I L L O T , 2002). O bjetiva-se dar a máxima im-
portância à experiência e à memória social para que essas não sejam aprisi-
onadas por movimentos universalizantes, que em muitos casos podem difi-
cultar o acesso aos significados culturais construídos pelos grupos huma-
nos (SH AW , 2002).
N ão cabe aqui resgatar todo o debate sobre as noções de ações afir-
mativas em suas dimensões axiológicas e políticas nem reconduzir o foco
da reflexão ao longo debate sobre igualitarismo, individualismo e a merito-
cracia. J ulga-se aqui necessário, para os objetivos propostos, apenas definir
ações afirmativas como “ações públicas ou privadas, ou programas que pro-
veem ou buscam prover oportunidades ou outros benefícios para pessoas,
com base, entre outras coisas, em sua pertença a um ou mais grupos especí-
ficos” (J O N E S apud G U I M A R Ã E S, 2005, p. 169). A noção de ações afir-
mativas aqui encontra-se vinculada à noção de equidade, compreendida
dentro de um círculo restrito da concepção liberal de acesso e participação.
N ão se trata da reificação da crítica de que as ações afirmativas seriam um
mecanismo de controle burguês que insere cisões perigosas no interior do
proletariado e da perpetuação das relações de dependência no interior do
capitalismo, visto que não reivindica a ruptura revolucionária.
Trata-se da forma como a noção de afro-reparações articula-se como
um princípio ético-político e legal que vincula este acesso e esta participa-
ção a uma transformação na forma como se operam as diferenças raciais
no contexto de produção das iniquidades sociais. Segundo A gustín L ao-
M ontes deve-se compreender
[...] las afrorreparaciones como un postulado ético-político fundamental que
se refiere a la infinidad de medidas requeridas para buscar modos de corre-
gir los efectos negativos del racismo antinegro en la modernidad capitalista.
E n vista de esto, la justicia reparativa es una de las lineas ético-políticas que
han informado los movimientos negros desde el período esclavista en ade-
lante (L A O -M O N T E S, 2007, p. 139.)

Para ele, o importante é entender o papel do racismo e da discrimina-


ção na reprodução das iniquidades econômicas e políticas. A colonialidade
do poder, da forma como é cunhada por Q uijano, toma uma importância
central na definição de L ao-M ontes e salienta que se trata de “um padrão
de dominação” que reúne de forma complexa e desigual múltiplas formas
de dominação e de exploração.

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ROSA, W. • Políticas afro-reparatórias na educação brasileira

R ita Segato argumenta que raça é, sobretudo, um signo que remonta


a uma experiência histórica dos povos africanos e, como signo, permite um
enquadramento dos indivíduos descendentes desses povos africanos escra-
vizados em um campo de expectativas e possibilidades. E la afirma que
[numa] sociedade como a brasileira ser negro significa exibir os traços que
lembram e remetem à derrota histórica dos povos africanos perante os exérci-
tos coloniais e sua posterior escravização. D e modo que alguém pode ser ne-
gro e não fazer diretamente parte dessa história – isto é, não ser descendente
de ancestrais apreendidos e escravizados –, mas o significante negro que exibe
será sumariamente lido no contexto dessa história (SE G A T O , 2005. p. 4).
A preocupação indicada por Segato aponta para um aspecto importante
da relação que se estabelece com a “semântica racial”. Quando se fala da raça
como um signo, a referência é feita à forma com que a raça, como um conceito
operacional do cotidiano, gera condicionamento social a partir de seus signos
manifestos como a cor da pele, tipo de cabelo, formato do nariz e dos lábios.
A história nacional, como um construto narrativo da nação no singu-
lar, representa o esquema ideológico que conforma a raça e lhe confere
especificidade. Segato (1998) salienta, com relação à sociedade brasileira,
que ser negro não representa uma descontinuidade cultural do ser branco.
Brancos e negros partilham dos mesmos elementos culturais. N ão se pode
dizer, salvo casos específicos, como no caso de comunidades remanescen-
tes de quilombos, que exista uma “cultura negra” que diferencia esta popu-
lação da sociedade envolvente. O que existe é uma “etnicidade afro-brasi-
leira” compartilhada com toda a população e que em muitos casos fornece
elementos para a formação da identidade nacional. Por outro lado, ser ne-
gro como “identidade política” significa fazer parte do grupo que compar-
tilha as consequências de ser passível dessa leitura, de ser suporte para essa
atribuição, e sofrer o mesmo processo de “outrificação” no seio da nação.
A decisão do Supremo Tribunal Federal – ST F no ano de 2012, por
unanimidade, sobre a legalidade das cotas raciais no ensino superior encer-
ra o debate sobre a validade legal de tais medidas e reafirma a competência
das instituições, e em certa medida insta a sua responsabilidade, em estabe-
lecer mecanismos de tratamento diferencialista com o intuito de promover
a equidade social e a garantia da pluralidade no espaço acadêmico. E sta
decisão abriu espaço para a aprovação da L ei n. 12.711, de 29 de agosto de
2012, a chamada L ei de C otas, que estabelece os critérios para a criação e a
implementação da reserva de 50% das vagas do sistema público federal de
educação superior e técnica para egressos do sistema público de ensino. A
L ei de C otas, estabelece critérios de renda e pertencimento racial para o

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Gênero, interseccionalidades e feminismos: desafios contemporâneos para a educação

preenchimento de tal percentual de vaga, garantindo assim que o sistema


tenha reserva de vagas para negros (pretos e pardos) e indígenas em percen-
tual no mínimo igual ao índice indicado na U nidade da Federação – U F no
último censo demográfico do I nstituto Brasileiro de G eografia e E statística
– I BG E , órgão oficial do governo brasileiro.
N ão cabe aqui remontar ao debate sobre os impactos pretensamente
negativos de se estabelecer cotas raciais como uma subcategoria de cotas
socioeconômicas sob a alegação de que problemas raciais ocorrem inde-
pendentes da posição na escala de faixa de renda. Tal mecanismo de subca-
tegorização deve ser avaliado quanto à sua eficiência em promover a mobi-
lidade social dos segmentos mais subalternizados do ponto de vista racial e
socioeconômico. N o entanto, o que parece ser uma crítica relevante é a
forma como o L ei de C otas desvincula a existência de uma política afirma-
tiva de uma perspectiva ético-política de transformação do padrão de rela-
ções raciais no interior do sistema de ensino. A qui parece existir um distan-
ciamento da perspectiva das políticas afro-reparatórias, como se indicou
anteriormente, o que leva a uma compreensão das cotas raciais como uma
questão de equidade e de participação, vinculadas a um comprometimento
acrítico como o imperativo liberal da cidadania como possibilidade de con-
sumo e/ ou participação social.
A ssim, ao se compreender que a luta antirracista no Brasil se constitui
necessariamente como uma luta pela mudança dos padrões de relações sociais
assimétricas no interior da modernidade capitalista e as suas formas de domi-
nação, os temas das iniquidades socioeconômicas devem ser compreendidos
como sendo indissociáveis das desigualdades raciais. E m outros termos, que
sejamos capazes de ver a forma como a desigualdade socioeconômica é viven-
ciada como uma experiência racial e étnica e que a discriminação é compreen-
dida como um elemento limitador de oportunidades sociais, sejam elas econô-
micas, políticas, culturais, educacionais. A ssim, a força transformadora preco-
nizada no Parecer 003/ 2004, não se tornará opaca ante um imperativo quanti-
tativista ou pela da precedência da classe em detrimento da raça, ou vice-versa.

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