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16/04/2015 19&20 ­ A catalogação das pinturas de Eliseu Viscont, por Mirian N.

 Seraphim

A catalogação das pinturas de Eliseu Visconti *
Mirian N. Seraphim **
SERAPHIM,  Mirian  N..  A  catalogação  das  pinturas  de  Eliseu  Visconti.  19&20,  Rio  de
Janeiro,  v.  I,  n.  2,  ago.  2006.  Disponível  em:
<http://www.dezenovevinte.net/artistas/visconti_cat_pinturas.htm>.

*     *     *

Eliseu d’Angelo Visconti (1866­1944) foi um pintor múltiplo, um incansável
pesquisador,  em  busca  de  uma  expressão  plástica  que  correspondesse  à  sua
sensibilidade, de técnicas e temas que revelassem, da forma mais intensa, sua
alma de artista. Hoje, é aclamado como precursor do modernismo brasileiro e
sempre  lembrado  como  um  dos  agentes  das  transformações  ocorridas  na
pintura brasileira na passagem do século XIX para o XX.

Foi  um  vitorioso  desde  os  tempos  de  estudante,  ganhador  de  diversos
concursos e medalhas; viveu sem dificuldades do seu trabalho como pintor, e
pôde saborear em vida o reconhecimento da crítica, o quê, para muitos, vem
apenas  com  o  passar  para  a  história.  Em  1941,  Carlos  Rubens  dedica  duas
páginas  da  sua  Pequena  História  das  Artes  Plásticas  no  Brasil  a  Visconti,
porém,  em  dois  parágrafos  resume  a  reputação  do  pintor,  nesta  altura  já
solidificada:

...  um  temperamento  excepcional  de  artista  e  uma  inteligência


lúcida  e  impetuosa.  Uma  sensibilidade  requintada,  uma  visão
muito  segura,  uma  individualidade  equilibrada  que  a  arte
iluminaria crescentemente.
Trabalhando  pertinazmente,  libertando­se  de  quaisquer
influências  de  artistas  e  escolas,  Visconti  apresenta  uma  pintura
forte  e  brilhante  dentro  de  uma  técnica  admirável.  Paisagista,
retratista,  pintor  de  gênero,  de  nu  e  decorador,  Visconti  é  um
mestre.[1]

Nasceu  na  Itália  em  1866  e  veio  para  o  Brasil  na  infância,  trazido  pelos
irmãos. Numa carta escrita um ano antes de falecer, Tobias d’Angelo Visconti,
filho  do  artista,  pede  que  fiquem  claros,  em  minha  dissertação  de  mestrado,
alguns  dados  sobre  o  seu  pai.  Entre  eles,  que  Eliseu  Visconti  se  tornou
“cidadão brasileiro em 1890, pela grande naturalização decretada pelo governo
da República. No seu passaporte, constava como “cidadão brasileiro”. Falava
português  sem  qualquer  sotaque,  mesmo  de  italiano,  tal  como  um  brasileiro
nato”.[2]  O  próprio  pintor  revelou  a  um  amigo  seu  sentir  e  pensar,  em  uma
declaração muito mais contundente que qualquer documento:

A questão de nascimento é um incidente na vida. Poderá ser um
incidente a permanência de 70 anos numa terra onde um homem

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plasmou a sua alma, estimado e consagrado por todos, não!!! [3]

De fato, Visconti foi, em toda a sua vida, amado e admirado por toda a crítica
brasileira, além da estrangeira em diversas oportunidades, tendo seus trabalhos
publicados  em  revistas  especializadas  e  expostos  em  eventos  pela  Europa  e
Américas.  Talvez  o  mais  notório  desses  eventos  tenha  sido  a  Exposição
Universal de 1900, em Paris, na qual recebeu Visconti uma medalha de prata
pelas pinturas Gioventù (1898) [Figura 1] e Oréadas (1899) [Figura 2]. Não
tão  conhecido,  porém,  um  êxito  ainda  maior  foi  o  que  Visconti  obteve  na
Exposição Universal de Saint Louis, EUA, em 1904, quando conquistou uma
medalha de bronze por trabalhos em aquarela e uma medalha de ouro pela tela
Recompensa de São Sebastião (1898) [Figura 3].

Uma vida familiar harmoniosa, vivida em plenitude de realização profissional,
não deixaria lugar para dicotomias. Fazendo­se um levantamento da imagem
que  o  mestre  deixou  de  si,  através  de  inúmeros  depoimentos  de  críticos  e
estudiosos  de  sua  arte,  não  se  encontra  uma  única  nota  discordante  sobre  as
elevadas  qualidades  da  pessoa  de  Eliseu  Visconti,  e  raríssimas  em  relação  à
sua obra. Como explicar tamanha unanimidade? Realmente, ele foi um pintor
excepcional que deixou em sua produção a marca da dedicação e do prazer de
viver.  Além  das  qualidades  ressaltadas  por  Carlos  Rubens,  sem  dúvida  o
ambiente  favorável  desfrutado  no  seio  de  uma  família  afetuosa  contribuiu,  e
muito, para o sucesso de Visconti, como homem e como artista. Sua esposa, a
francesa Louise Palombe, foi sua companheira e inspiração até o final da vida,
assim  como  os  três  filhos  que  ela  lhe  deu.  E  Visconti  reconhecia  o  papel
fundamental que eles tiveram em sua existência, como é possível constatar em
sua  afirmação  categórica:  “A  família,  primeiro;  a  arte,  depois.  Uma  não  é
incompatível  com  a  outra,  como  muitos  pensam.  Ao  contrário,  as  duas  se
completam.”[4]

Em  épocas  sucessivas,  marcadas  pelas  raras  exposições  individuais  que


realizou  em  vida,  Visconti  foi  considerado  um  mestre  do  nu,  do  retrato  e  da
paisagem.  A  primeira  dessas  exposições  foi  realizada  em  maio  de  1901,  no
Rio de Janeiro, quando da sua volta de Paris, para mostrar toda a sua produção
do período em que lá esteve como bolsista do Governo (1893­1900), prêmio
conquistado  no  primeiro  concurso  organizado  pela  nascente  República  do
Brasil. Frederico Barata, amigo e biógrafo do artista, fala em seu livro sobre
essa exposição:

Ao  retornar  ao  Brasil,  [...]  levou  Eliseu  Visconti  a  efeito,  na


Escola  de  Belas  Artes,  uma  grande  exposição  individual  em  que
figuraram  60  trabalhos  a  óleo,  pastéis  e  desenhos,  e  mais  28  de
arte  decorativa  “aplicada  às  indústrias  artísticas”,  como  os
denominou no catálogo. [...] E era também essa grande exposição
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a  primeira  de  conjunto  que  fazia  no  Rio,  desde  que  obtivera  o
prêmio  de  viagem,  e  após  oito  anos  de  ininterrupto  estudo  na
Europa.[5]

A  mostra  foi  bastante  festejada  pela  imprensa  por  sua  qualidade,  e  também,
por  se  constituir  numa  inovação,  devido  à  variedade  dos  trabalhos
apresentados.  Pela  criação  dos  projetos  de  arte  decorativa  para  cerâmica,
tapeçaria, vitral, luminária, etc, ­ trabalhos que figuraram numa seção especial
na  Exposição  Universal  de  Paris,  em  1900  ­  Visconti  é  hoje  aclamado  um
pioneiro do design  no  Brasil.  Mas  as  pinturas  que  mais  se  destacaram  nessa
exposição,  ao  menos  para  o  crítico  de  arte  mais  conceituado  em  sua  época,
Gonzaga Duque, foram os nus adolescentes:

...  esses  motivos,  de  dificílima  reprodução,  constituem  a


acentuada  característica  do  seu  individualismo  que  se  destaca,
em  conjunto,  pela  pureza  d’uma  arte  desviada  das  perturbações
eróticas da contemporaneidade, arte serena e humana...[6]

Uma  nota  sobre  a  exposição,  editada  pelo  Jornal  do  Comercio,  ressalta  o
talento de Visconti em representar a textura da pele humana:

[...]  todos  esses  admirados  estudos  de  nu,  que  revelam  a  sua
habilidade em pintar modulações macias e sutilezas de colorido,
que  proporciona  a  representação  da  carnação  humana,  de  tão
difícil execução.[7]

Embora se restrinjam ao início da carreira do artista, os nus de Visconti nunca
foram  esquecidos.  Angyone  Costa,  em  1926,  já  o  considerava  um  mestre,
comentando, seus “nus de carnação viva e fascinadora, que o fazem o maior,
no  gênero,  no  Brasil”.[8]  E  outros  autores,  já  na  década  de  1980,  ainda
ressaltam  essa  habilidade  desenvolvida  nos  primeiros  anos  de  trabalho  do
pintor. [9]

A  segunda  exposição  individual  de  Visconti  no  Rio  teve  sua  inauguração
anunciada  para  10  de  janeiro  de  1910,[10]  e  foi  considerada,  pelo  Jornal  do
Commercio, uma pequena exposição...

[...] pelo número limitado de quadros, mas muito grande e muito
importante  pelo  valor  individual  desses  quadros.  São  na  sua
maioria  retratos,  e  retratos  que  já  foram  vistos  quase  todos,  e
todos muito apreciados. Alguns novos, bons como tudo que sai do
fino pincel deste artista, mas que não põem na sombra trabalhos
que,  quando  originariamente  expostos,  fizeram  profunda
impressão  no  mundo  artístico  e  diplomaram  o  seu  autor  mestre
consumado neste especial ramo de arte, quiçá o mais difícil.[11]

O texto cita vários retratos, tais como os da escultora Nicolina de Assis (1905)
[Figura  4],  do  músico  Alberto  Nepomuceno  (1895)  [Figura  5],  de  Affonso
d’Angelo  Visconti,  irmão  do  pintor;  com  comentários  sobre  alguns,  e  um

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especial  destaque  para  o  Retrato  de  Gonzaga  Duque  [Figura  6],  inédito,  na
ocasião.  Esse  retrato  foi  pintado  por  Visconti  em  1908,  e  entregue  ao  amigo
em  novembro,  sem  estar  envernizado,  com  a  promessa  de  que  receberia  o
acabamento definitivo, na volta da viagem a Europa, que o pintor faria naquele
momento.  Havia  ainda  na  carta  que  anunciava  o  envio  do  quadro,  uma
recomendação  para  que  Gonzaga  Duque  não  o  expusesse  sem  primeiro
consultar o artista.[12] Esse retrato, em várias publicações aparece com a data
equivocada de 1912, ano da 19ª Exposição Geral de Belas Artes (EGBA), do
Rio  de  Janeiro,  da  qual  a  obra  participou,  e  que  foi  a  primeira  ocasião
amplamente divulgada em que a pintura veio a público.

Visconti  volta  de  Paris,  no  início  de  março  de  1909,[13]  casado  com  Louise
Palombe, fato que se reflete grandemente em sua carreira, e marca uma virada
em  sua  preferência  temática.  A  partir  de  então,  os  seus  nus  rareiam
visivelmente, se restringindo quase que exclusivamente às obras de decoração.
Nota­se, a partir desse momento, uma maior dedicação de Visconti ao gênero
do retrato, figurando neles, por diversas vezes, sua esposa, filhos e amigos, e
raramente,  pessoas  não  ligadas  a  ele  afetivamente.  Além  disso,  foi  um  dos
pintores brasileiros que mais se auto­retratou, durante toda a sua carreira.

Cada retrato é um profundo estudo psicológico de seu modelo, o
mesmo  sendo  observado  em  seus  auto­retratos,  tratados  como
análises pictóricas de seu eu múltiplo e versátil.[14]

A  outra  exposição  individual  realizada  por  Visconti,  esta  amplamente


noticiada, aconteceu em agosto de 1920, quando do seu regresso definitivo de
Paris, depois de quatros anos por lá. Um artigo de jornal nomeou, uma a uma,
as  36  obras  expostas,  e  se,  na  exposição  individual  anterior,  Visconti  foi
“diplomado” como mestre do retrato, agora recebe mais um título:

A  maioria  dos  trabalhos,  porém,  é  de  paisagens,  paisagens


magníficas, irrepreensíveis.
Como paisagista, este pintor é decididamente um mestre.
A  sua  natureza  tem  movimento,  tem  alma,  tem  uma  suprema
beleza. Visconti sabe imprimir uma vitoriosa e inédita expressão
do colorido forte da sua paisagem.[16]

Um  outro  jornal  traz  destaque  para  as  obras  adquiridas  já  no  dia  da
inauguração, em número de oito, e para a surpresa que constituiu a quantidade
de paisagens que faziam parte da mostra:

Foi  isso,  para  muitos,  uma  novidade,  habituados  que  estavam  a


admirar o figurista e rarissimamente o cultor da paisagem. Pode­
se  mesmo  dizer  que  esta  domina  na  exposição  Visconti,  mas
todas as paisagens são povoadas por figuras traçadas com aquela
segurança de mestre.[16]

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Já no dia da inauguração, foi adquirido um quadro hoje conhecido como Moça
no trigal [Figura 7] ­ que, porém, nessa mostra individual foi exposto com o
título  Pão  e  Flores,  como  se  pode  constatar  em  uma  reprodução  publicada
pela Revista da Semana.[17]

No  último  período  passado  na  França,  Visconti  inspirou  suas  paisagens,
especialmente  dos  arredores,  de  Saint  Hubert,  onde  a  família  de  sua  esposa,
Louise, tinha uma propriedade. Em muitas delas, a figura humana é integrada
harmoniosamente  à  natureza,  geralmente  tendo  sua  esposa  e  os  três  filhos
como  modelos.  A  partir  de  1920,  Visconti  não  mais  se  ausenta  do  Brasil,
alternando  sua  morada  entre  Copacabana  e  Teresópolis,  lugares  dos  quais
registrou diversos aspectos. Suas paisagens têm sempre um ar doméstico, pois
quase invariavelmente se circunscrevem aos lugares onde habitou, seus jardins
e quintais ensolarados, ou às vistas de seu atelier.

[...] sob a luz tropical ainda indomada na nossa pintura, Visconti
é  um  conquistador  de  atmosfera.  E  aquela  ciência  da  luz  e  do
colorido  que  aprendeu  em  França  vai  servir­lhe  agora  para
dominar  o  vapor  atmosférico.  Será  esta  a  sua  grande
contribuição.[18]
Pintor  até  a  raiz  dos  cabelos,  ele  compreende  que  o  destino  de
sua  arte  está  na  vitória  sobre  aqueles  elementos.  Os  matos
cariocas,  a  serra  de  Teresópolis,  travam  com  ele  um  diálogo
misterioso.[19]

Visconti  continuou  trabalhando  constantemente  até  os  últimos  dias  da  sua
vida, quando contava, então, 78 anos de idade. No entanto, a maior parte dessa
produção  permanece  desconhecida  do  grande  público  e  até  mesmo  dos
pesquisadores.

Um veículo fundamental de divulgação, por sua acessibilidade e dinamismo, a
internet, recebeu só muito recentemente (outubro de 2005) um site específico
sobre  o  mestre:  www.eliseuvisconti.com.br.  Em  constante  troca  com  esses
pesquisadores,  o  excelente  trabalho  disponibiliza  uma  enorme  quantidade  de
informações,  fotos,  imagens  das  obras  mais  significativas  do  artista  e  textos
críticos,  constituindo­se  numa  fonte  rica  e  segura  para  o  conhecimento  e  o
deleite  de  qualquer  apreciador.  Muitas  das  pinturas  citadas  aqui  podem  ser
encontradas nesse site em imagens de boa qualidade.

Grande  parte  de  sua  produção  se  encontra  hoje  espalhada,  algumas  obras
esquecidas nas reservas técnicas dos museus, ou isoladas em galerias, coleções
oficiais  e  particulares,  por  todo  o  território  nacional  e  vários  países
estrangeiros. Isso sem falar das falsificações presentes no mercado de artes e
que  podem  ser  encontradas  facilmente  também  pela  internet.  Sendo  assim,  a
catalogação  de  sua  vasta  produção  se  mostra  um  trabalho  urgente  e  de

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importância fundamental. Um recorte deste trabalho, o das pinturas a óleo e de
cavalete, se constitui no meu atual projeto de doutorado.

Numa primeira etapa, o levantamento feito a partir das obras reproduzidas ou
citadas em livros, revistas e jornais, exige um trabalho criterioso e exaustivo,
pois  uma  mesma  pintura  aparece  com  nomes  diversos  e  muitas  informações
são vagas ou controvertidas.

Um  dos  casos  mais  intrigantes  envolvendo  uma  obra  de  Visconti  era,  sem
dúvida,  o  da  pintura  intitulada  Sonho  Místico.  No  Catálogo  da  Exposição
Retrospectiva  de  Elyseu  d’Angelo  Visconti,  editado  em  novembro  de  1949,
Lygia Martins Costa, citando obras destacadas na carreira do pintor, escreve:
“[...] o governo do Chile adquire para o Museu de Santiago, em 1912, ‘Sonho
Místico’”.[20]  Vários  outros  autores,  escrevendo  sobre  Visconti,  repetem  a
mesma  notícia.  Entre  eles:  Flávio  Mota  e  Roberto  Pontual,  em  1969,  e  José
Roberto Teixeira Leite em 1988.

Poucos  detalhes  a  mais,  sobre  a  aquisição  desta  pintura,  podem  ser


encontrados  nas  notas  biográficas  de  Visconti,  publicadas  no  jornal  Noite
Ilustrada,  em  1936:  “Na  inauguração  do  Pavilhão  de  Bellas  Artes  do  Chile,
seu  quadro  ‘Sonho  Místico’  foi  comprado  por  soma  considerável  por  um
‘amador’”.[21]  Além  da  falta  de  maiores  informações,  o  mistério  aumentava
pelo registro das reproduções de duas pinturas diferentes com o título Sonho
Místico. Única certeza sobre essa obra era que fora pintada por Visconti, em
Paris, durante sua estada lá, como pensionista.

Em Le nu au Salon, de Armand Silvestre,[22] referente ao Champ de Mars, de
1897,  aparecem  a  reprodução  de  uma  pintura  de  Visconti  com  o  título  Rêve
Mystique e duas poesias nela inspiradas. Outra reprodução da mesma pintura
[Figura  8]  é  publicada  em  1944,  na  biografia  de  Visconti,  escrita  por
Frederico  Barata.  Porém,  na  legenda  lê­se:  “‘Fatigada’  ­  (nu  em  tamanho
natural) ­ Óleo ­ Paris, 1898. (De coleção particular, na França).” [23]

Na  mesma  publicação  de  Barata  aparece,  ainda,  a  reprodução  de  uma  outra
pintura de Visconti, com a seguinte legenda: “‘Sonho Místico’ ­ Óleo ­ Paris,
1896  ­  Exposto  no  Salon  des  Artistes  Français,  em  1897.  ­  (Do  Museu  de
Valparaíso, Chile).”[24] A informação do museu coincide com uma inscrição
manuscrita, que pode ser vista na base da reprodução, e que deve ter sido feita
sobre a foto da pintura [Figura 9].

Essas duas telas podem ser identificadas, ainda, com descrições de pinturas de
Visconti, encontradas num artigo de jornal que comentava a 5ª EGBA, no Rio

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de Janeiro, em setembro de 1898:

[...]  Esperança  ­  é  feito  com  um  modo  de  pintar  brilhante,


vigoroso, que lembra as telas de Rubens.
Representa  uma  adolescente  sadia  e  forte,  com  as  formas  ainda
levemente  pronunciadas,  pescoço,  ombros  e  braços  magros  e
mãos  de  criança.  Tem  na  mão  esquerda  um  ramo  de  lírios.  Já
não  é  uma  criança,  não  é,  porém,  ainda  mulher.  É  o  embrião,  a
promessa,  a  esperança  de  um  espécime  adorável  da  mais
sublime manifestação da natureza.
A  figura  está  em  um  canto  de  sala  pouco  iluminado;  o  delicado
perfil  mal  se  percebe;  no  ombro  direito  e  nos  joelhos  a  luz  bate
mais forte, deixando ver a carnação moça e sadia, a pele fina de
uma morena quente com tons dourados.
É  uma  tela  de  primeira  ordem.  Junto  está  outro  estudo  de  um
gênero  inteiramente  diverso.  É  o  nº  247,  Fatigada.  Um  modelo,
mulher  de  formas  delicadas  e  graciosas,  cansada  de  posar,
deitou­se  de  costas  no  divã  e  aí,  com  os  joelhos  dobrados  e  os
braços cruzados sobre a cabeça, deixa­se estar sossegada, com o
corpo entorpecido pelo far niente.
A  pintura  n’esta  tela  é  bem  simples,  muito  moderna  e  de
escrupulosa  verdade.  A  luz,  caindo  quase  perpendicularmente,
sobre  a  figura,  dá  efeitos  lindíssimos  sobre  a  pele  clara,
brilhando no peito e espalhando­se levemente sobre todo o corpo,
que se sente cansado, perfeitamente em repouso.[25]

Pode­se  perceber,  que  a  descrição  detalhada  de  Esperança  coincide


perfeitamente  com  a  reprodução  de  Sonho  Místico  publicada  por  Barata.  E
aquela que inspirou o poeta Armand Silvestre, como Sonho Místico, no artigo
é identificada como Fatigada.

O  mistério  só  foi  solucionado  com  uma  visita  ao  Museo  Nacional  de  Bellas
Artes de Santiago, em 31 de agosto de 2004: A pintura de seu acervo [Figura
10] é aquela também chamada Esperança, na EGBA de 1898; um óleo sobre
tela  de  101  x  81  cm,  assinado  e  datado  [Figura  10b].  O  Catálogo  Oficial
Ilustrado da Exposición Internacional de Bellas Artes revelou que, na verdade,
a mostra e consequente  venda  ocorreram  em  setembro  de  1910.  Nas  páginas
do  catálogo  referente  à  participação  do  Brasil,  aparecem  os  nomes  de  vários
outros  artistas;  porém,  somente  Visconti,  além  de  pinturas  ­  Sonho  místico,
Maternidade [Figura 11] e Retrato de Nicolina Vaz de Assis ­ expôs também
projetos  do  que  foi  chamado  Arte  Decorativa,  num  total  de  14  trabalhos,
provavelmente, muitos daqueles que foram apresentados em 1901.

Pode­se imaginar que foi feita uma troca de legendas, no Salão de Paris, em
1897, ou no catálogo de Silvestre, e Visconti adotou outro título para mostrar a
pintura  na  EGBA  do  Rio,  no  ano  seguinte,  procurando  evitar  maiores
confusões.  Porém,  em  maio  de  1901,  na  sua  Exposição  Individual,  Visconti
resolveu restituir o título original à pintura. E essa troca foi notada pelo autor
de “Notas sobre Arte”, numa crítica sobre a exposição:

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16/04/2015 19&20 ­ A catalogação das pinturas de Eliseu Viscont, por Mirian N. Seraphim

Dos  trabalhos  expostos  pelo  Sr.  Visconti,  muitos  já  são  nossos
conhecidos  e  fizeram  parte  de  muitas  exposições  gerais;  [...]  o
Sonho místico, que conhecíamos com outro nome, impregnado de
encantadora expressão poética … [26]

Novamente  expondo  a  tela  em  1910,  em  Santiago,  Visconti  reafirmou  sua
intenção  original,  fixando  o  título  Sonho  místico,  quando  da  venda  para  o
governo do Chile. Nesta época, Valparaíso ainda não tinha o seu museu, então,
porque Visconti fez aquele registro na foto da pintura, que gerou a legenda em
Barata?  As  pinturas  que  vinham  do  estrangeiro,  para  a  Exposição
Internacional  que  inaugurava  o  museu  de  Santiago,  chegavam  pelo  porto  de
Valparaíso, pois a capital do Chile não é uma cidade costeira. Provavelmente,
Visconti,  vivendo  na  capital  brasileira  à  beira  mar,  ao  despachar  suas  obras
para o porto de Valparaíso, registrou em sua memória o nome desta cidade, e
anos mais tarde o associou ao museu que fora inaugurado naquela ocasião.

Muitas outras telas de Visconti, com certeza, se encontram ainda envoltas em
mistério  ou  isolamento.  Precisam  receber  a  visibilidade  que  as  coloque  no
lugar  de  destaque  que  elas  merecem,  e  as  incluam  no  repertório  da  obra
viscontiana na memória de cada um. Somente conhecendo mais e melhor esse
conjunto  poderemos  avaliar  corretamente  a  importância  do  grande  mestre  da
nossa  pintura,  que  ultimamente  vem  sendo  redescoberto.  Quando  pela
primeira  ­  e  única  ­  vez  uma  grande  quantidade  de  obras  de  Visconti  (269,
sendo 226 pinturas a óleo) foi reunida na Exposição Retrospectiva de 1949, no
MNBA, a crítica insistiu na agradável surpresa que o efeito de conjunto dessa
exposição proporcionou:

Visconti não fez exposições individuais nos últimos anos de vida,
de  modo  que  as  gerações  novas  conheciam  apenas  fragmentaria
e  superficialmente  a  sua  obra.  É  certo  que  mandava  com
regularidade  trabalhos  ao  salão  Nacional  ...  Mas  a  presença  de
dois ou três quadros seus, nos Salões anuais não dava obviamente
margem  a  que  o  observador  comum  tivesse  uma  idéia  justa  da
importância  da  obra  do  pintor  e  da  variedade  de  seus  recursos
artísticos. [27]
Em  primeiro  lugar  seria  antes  de  assinalar  a  sensação  de
surpresa de tanta gente, mesmo no nosso próprio meio artístico,
diante  da  admirável  mostra,  que  por  um  mês  enriqueceu,  de
maneira jamais alcançada por outra do mesmo gênero, os salões
do nosso Museu, num dos seus mais justos e notados triunfos. [28]
A retrospectiva de Visconti foi uma revelação, o atestado seguro
que o nosso mais importante artista já falecido resistiu ao tempo.
Uma  vida  de  trabalho,  uma  arte  honesta,  um  colorido
surpreendente  e  magnífico,  um  eterno  rejuvenescimento  dão  ao
mestre  Visconti  um  passaporte  para  a  imortalidade.  Telas  como
Crisálida [Figura 12] e  as  paisagens  de  Teresópolis  ainda  hoje,
passada a mostra, continuam a encantar nossos olhos e a excitar
nossa imaginação.[29]

Passados mais de cinquenta anos, aquela visão de conjunto se perdeu. Quantos
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16/04/2015 19&20 ­ A catalogação das pinturas de Eliseu Viscont, por Mirian N. Seraphim

ainda  hoje  poderiam  se  lembrar  daquela  sensação  descrita  pela  crítica
contemporânea?  Somente  um  catálogo  que  reunisse  em  grande  número  a
produção  de  Visconti  possibilitaria  o  estudo  aprofundado  e  o  conhecimento
estético desse mestre à geração de hoje e às futuras.

#  #  #  #  #

Aos  caros  leitores  deixo  um  apelo:  Quem  souber  dar  notícia  sobre  alguma
pintura  a  óleo  de  Visconti,  que  esteja  afastada  dos  olhos  do  público,  por
gentileza,  entre  em  contato  comigo  pelo  endereço  eletrônico:
mirianseraphim@gmail.com

* Doutoranda em História da Arte pela Unicamp; professora no CEFET MT.

** Texto publicado nos Anais das Segundas Jornadas de Historia del Arte: Arte y crisis en
Iberoamérica. Santiago do Chile: RIL, 2004, p. 103­111; e atualizado em abril de 2006.

[1]  RUBENS,  Carlos.  Pequena  História  das  Artes  Plásticas  no  Brasil.  São  Paulo­Rio  de
Janeiro­Recife­Porto Alegre: Nacional (Brasiliana ­ Biblioteca Pedagógica Brasileira, v. 198),
1941, p. 161.

[2]  Tobias  d’Angelo  Visconti,  em  carta  endereçada  à  autora,  escrita  no  Rio  de  Janeiro  e
postada em 12 mar 2002.

[3]  Eliseu  Visconti,  carta  ao  amigo  Braga,  31  mar  1942,  publicada  no  Catálogo  Eliseu
Visconti e a Arte Decorativa, Rio de Janeiro: PUC/FUNARTE, 1983, p. 9.

[4] Eliseu Visconti apud, GOMES, Tapajós. Os nomes gloriosos da Pintura Brasileira: Elyseu
Visconti. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 dez 1935, p. 2.

[5] BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo, Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944,
p. 157, 158.

[6]  DUQUE,  Gonzaga.  Elyseu  Visconti.  In:  Contemporâneos,  Rio  de  Janeiro:  Tipografia
Benedicto de Souza, 1929, p. 25 e 26. Texto escrito sobre a Exposição de 1901.

[7] Exposição E. Visconti. Jornal do Commercio (Notas sobre Arte), Rio de Janeiro, 16 maio
1901.

[8] COSTA,  Angyone.  Na  intimidade  dos  nossos  artistas.  O Jornal, Rio  de  Janeiro,  11  jul.
1926, p. 15.

[9] LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário Crítico da Pintura no Brasil, Rio de Janeiro:
Artlivre, 1988, p. 220; e CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no séc.
XIX, Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p. 224.

[10] Notas de Arte. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 16 dez 1909, p. 7.

[11]  Gazeta  Artistica  (Atravez  das  artes),  ano  1,  nº  9,  abr.  1910,  p.  16.  Não  foi  possível
localizar o texto original, mesmo pesquisando­se nas edições dos quatro meses anteriores a
essa data, no jornal citado. No microfilme da Biblioteca Nacional, do Jornal do Commercio,
existe uma lacuna, na qual se nota a ausência da edição de 19 de janeiro de 1910.

[12] Carta de Visconti a Duque, de 23 nov 1908, arquivada na pasta de correspondências do
receptor, no Arquivo­Museu de Literatura Brasileira da Casa de Rui Barbosa, RJ.

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16/04/2015 19&20 ­ A catalogação das pinturas de Eliseu Viscont, por Mirian N. Seraphim

[13] Carta de Duque a Visconti, de 05 mar 1909, arquivada na pasta de correspondências do
emitente, no Arquivo­Museu de Literatura Brasileira da CRB.

[14]  LAEMMERT,  Regina  Liberalli.  Apresentação.  In:  Exposição  Comemorativa  do


Centenário de Nascimento de Eliseu Visconti. Rio de Janeiro: MNBA, 1967.

[15] Exposição Visconti, na Galeria Jorge. Gazeta de Notícias (Vida artística), Rio de Janeiro,
06 ago. 1920.

[16] Exposição Elyseu Visconti na ”Galeria Jorge”. Os quadros adquiridos. O Jornal (Bellas­
Artes), Rio de Janeiro, 06 ago. 1920. 

[17] Exposição Visconti. Revista da Semana, Ano XXI, nº 28. Rio de Janeiro, 14 ago 1920.

[18] PEDROSA, Mário. Exposição Retrospectiva de Visconti.  II  Bienal  do  Museu  de  Arte


Moderna de São Paulo. São Paulo: Dep. de Imprensa Nacional/Studio Gráfico Brasil, 1954.

[19]  PEDROSA,  Mário.  Visconti  diante  das  modernas  gerações.  Correio  da  Manhã
(Suplemento de Literatura e Artes), Rio de Janeiro, 1º jan. 1950, p. 6.

[20]  COSTA  Lygia  Martins.  Biografia.  Catálogo  da  Exposição  Retrospectiva  de  Elyseu
Visconti, Rio de Janeiro: MNBA/MES, nov. 1949, p. 16.

[21] Visconti, Mestre Pintor. A Noite Ilustrada, Rio de Janeiro, 6 out 1936, p. 8.

[22] SILVESTRE, Armand. Le Nu au Salon: Champ de Mars, v. 24. Paris: E. Bernard, 1897.

[23] BARATA. Op. cit., p. 10.

[24] BARATA. Op. cit., p. 26.

[25] SILVANO. Exposição Geral de Bellas­Artes. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 23 set
1898, p. 2.

[26] Exposição  E.  Visconti.  Jornal  do  Commercio  (Notas  sobre  Arte),  Rio  de  Janeiro,  16
maio 1901.

[27] ANTONIO BENTO. A Retrospectiva Visconti. Diário Carioca, Rio de Janeiro,  20  nov


1949.

[28] LIMA, Herman. A retrospectiva de Elyseu Visconti. Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
1º jan 1950.

[29] AQUINO, Flávio de. O ano de 49. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1º jan 1950.

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