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O rei vai nu

Roberto Fernández
Imposturas Intelectuais, de Alan Sokal e Jean Bricmont
Lisboa: Gradiva, 1999, 300 pp.
Rio de Janeiro: Record, 2006, 322 pp.

“Impostura”, de acordo com o dicionário, significa “embuste,


engano artificioso; afetação de grandeza; superioridade,
orgulho, confinante com a empáfia e a bazófia”. Os cientistas
Alan D. Sokal (Universidade de Nova Iorque) e Jean Bricmont
(Universidade Católica de Lovaina, Bélgica) sustentam que
intelectuais de renome, associados à corrente
convencionalmente conhecida como “pós-modernismo”, têm
incorrido sistematicamente em “abusos reiterados de conceitos
e termos provenientes das ciências físico-matemáticas”, a
ponto de constituírem verdadeiras imposturas intelectuais.
Podem ser identificados quatro tipos de abusos:

1. “Falar abundantemente de teorias das quais se tem, no


máximo, uma vaga idéia”;
2. “Importar noções das ciências exatas para as ciências
humanas sem dar a menor justificação empírica ou
conceitual”;
3. “Exibir uma erudição superficial ao jogar, sem escrúpulos,
termos especializados na cara do leitor, num contexto em que
eles não têm pertinência alguma”; e
4. “Manipular frases desprovidas de sentido e se deixar levar
por jogos de palavras”.

Neste polêmico livro, os autores fundamentam suas teses


mediante numerosas citações, organizadas por autor (Lacan,
Kristeva, Irigaray, Latour, Baudrillard, Deleuze e Guattari e
Virilio) e por tema (caos, teorema de Gödel, relatividade
restrita).
Sokal e Bricmont não se atêm a pequenos erros ou
imprecisões isoladas ou àquelas próprias de um uso metafórico
no discurso literário ou poético. Pelo contrário, nos autores
analisados, as teorias e conceitos científicos jogam um papel
não marginal, seja porque são usados nos fundamentos das
suas teorias (Lacan e Kristeva), seja porque são precisamente
o objeto de estudo (Irigaray, Latour, Deleuze e Guattari); em
todo caso, seu uso contribuiu para que fossem elogiados por
seu “rigor”, “extrema precisão”, “erudição surpreendente” e
juízos similares.

A lista de exemplos é longa e bem documentada. Atribui-se


ao psicanalista Jacques Lacan o abuso de tipo 2, quando
declara, sem fundamentação lógica ou empírica, que o toro
(estrutura topológica correspondente a um anel) é “exatamente
a estrutura do neurótico” e que outras estruturas topológicas
correspondem a outras patologias mentais. Seu uso dos
números imaginários é declaradamente feito como metáfora,
mas conduz a afirmações curiosas como: o “órgão eréctil (…) é
igualável à raiz de -1”. Os textos em que Lacan recorre à lógica
matemática, por outra parte, são considerados exemplos dos
abusos 2 e 3 ao mesmo tempo: “Lacan exibe diante de não
especialistas seus conhecimentos de lógica matemática; mas
(…) a ligação com a psicanálise não está sustentada por lógica
alguma”. Sokal e Bricmont absolvem Lacan dos abusos de tipo
1, ainda que em certos textos ele apresente uma definição
incorreta de conjuntos abertos, definições sem sentido da
noção de limite e de conjuntos compactos, e confunda números
irracionais com imaginários.

Os trabalhos sobre lingüística e semiótica de Julia Kristeva


ilustram também exemplos de abusos de tipo 2 e 3. Conceitos
matemáticos delicados são introduzidos sem que se explique
sua possível relação com a lingüística e revelando óbvia falta
de compreensão: o axioma da escolha, que justamente permite
provar a existência de conjuntos sem construi-los
explicitamente, é invocado como implicando uma “noção de
construtividade”; a hipótese do contínuo é mencionada, se bem
que o conjunto de todos os livros possíveis seja apenas
enumerável, e o muito popular teorema de Gödel é interpretado
exatamente ao contrário. A intelectual feminista Luce Irigaray,
por sua vez, num ensaio sobre o “subdesenvolvimento” da
mecânica dos fluidos (identificados com a feminilidade),
confunde a dificuldade matemática para obter soluções das
equações de Navier-Stokes com a “impotência da lógica” e
demonstra não compreender que são derivadas usando
aproximações que excluem sua aplicação a escalas
moleculares.

Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Paul Virilio


valem-se de abusos de tipo 1 e 4. Sokal e Bricmont selecionam
extensas citações, inclusive uma de quase três páginas, em
que se justapõem numerosos termos científicos (atrator
estranho, exponencial, fractal, caos, singularidade, energia
potencial, superfície topológica, função, partícula etc.), em
parágrafos intrincados e sem concatenação lógica de
argumentos, num jogo de analogias baseadas nos diferentes
sentidos vagamente atribuídos a esses termos na linguagem
comum.

Os escritos de Virilio são, talvez, os mais abertos à sátira.


Por exemplo, no que diz respeito ao papel das velocidades,
confunde velocidade com aceleração e quantidade de
movimento com a equação logística. Mas Deleuze e Guattari
providenciam ainda outro tipo de exemplo importante. Em suas
análises de filosofia da matemática, retomam confusões
devidas a Hegel (classificação errada de frações, noção de
função superada há 150 anos) e fazem uma descrição obscura
e complicada do cálculo infinitesimal, enquanto marcam a
necessidade de uma “exposição rigorosa” de seus princípios.
Aparentemente, ignoram que tal exposição existe desde o
início do século passado.

O capítulo dedicado a Bruno Latour é particularmente


revelador, pois ilustra os riscos de se tentar uma análise
profunda a partir de uma compreensão superficial. Com o
propósito de demonstrar que a teoria da relatividade restrita é
uma construção social, faz uma leitura semiótica do
livro Relativity, de Einstein, no qual se apresentam os
argumentos baseados em trens, observadores e sinais
luminosos, que todo estudante de física conhece bem. Latour
engana-se e centra sua análise em elementos puramente
pedagógicos da exposição de Einstein. Por exemplo, atribui
grande importância à existência de três sistemas de referência
a uma só vez (isso pode acontecer ocasionalmente numa
exposição didática, mas a teoria trata da relação entre dois
sistemas) e ao fato de os observadores serem humanos (eles
são humanos nos exemplos do livro de Einstein, mas na
maioria dos experimentos e fenômenos os “observadores” são
instrumentos, discos de computador e até partículas
elementares), e confere um papel privilegiado ao “narrador” (a
teoria não tem sistema privilegiado nem “narrador”, se bem que
a exposição pedagógica precise de um).

De fato, a teoria da relatividade conta com uma rica história


de mal-entendidos por parte de filósofos. Os que se originam
na interpretação errada de Bergson são especialmente
persistentes, como fazem notar Sokal e Bricmont num capítulo
muito claro e explícito. Henri Bergson, por razões puramente
filosóficas, recusou-se a aceitar as noções einsteinianas de
simultaneidade e tempo próprio e procurou estender o princípio
de relatividade às acelerações. Seus argumentos conduzem a
previsões que contradizem experiências atualmente
conhecidas. No entanto, os erros bergsonianos reaparecem na
obra de filósofos posteriores, como Jankélevich, Merleau-Ponty
e Deleuze.

A teoria do caos é outra vítima de maltrato em livros e


ensaios bastante difundidos. Sokal e Bricmont expõem e
clarificam os erros mais típicos: o caos, quer dizer, a
sensibilidade às condições iniciais, não marca qualquer “limite”
ou cul-de-sac da ciência; pelo contrário, tem aberto novas
possibilidades de pesquisa. O caos não significa o fim do
determinismo (aparece em equações perfeitamente
determinísticas), ainda que obrigue a adotar um sentido
probabilístico da previsibilidade comparável ao adotado em
mecânica estatística no último século. O caos não significa um
descrédito da mecânica newtoniana, mas sim o seu
renascimento. De fato, esta última, considerada o paradigma
do “pensamento linear”, leva a equações não-lineares, que
algumas vezes exibem caos, se bem que a mecânica quântica,
considerada mais próxima do “pensamento não-linear”
preconizado pelos pós-modernistas, seja exatamente linear.

O livro é escrito de forma direta, incisiva, sem


ambigüidades, pedantismo, paráfrases ou elipses. Sokal e
Bricmont não se interessam pelo vôo literário nem pelas
sutilezas acadêmicas; querem apresentar seus pontos de vista
sem dar lugar a dúvidas. Explicam pacientemente os aspectos
científicos (com ajuda de uma lista de referências que pode ser
de grande utilidade para os interessados em iniciar-se nesses
temas) e expõem com franqueza suas intenções: “defender os
cânones da racionalidade” e da honestidade intelectual. Sua
posição filosófica contraria o relativismo cognitivo e questiona
as teses de Popper, Quine, Kuhn e Feyerabend (que nutrem o
ceticismo epistemológico) e do “programa forte” em sociologia
da ciência. Essa franqueza algumas vezes chega ao limite da
agressão verbal e introduz no livro um tom quase
fundamentalista, que pode provocar discussões
desnecessariamente marcadas pela emoção.

Mas o legado mais importante deste livro é, precisamente, o


catálogo de exemplos de erros, de falta de compreensão e até
de preguiça intelectual de pensadores contemporâneos,
quando analisam o conhecimento científico recente e não tão
recente. É um mostruário sólido, convincente, irrecusável, que
tem existência independente das opiniões dos compiladores.
Está ali para que cada um ajuíze. Compreensivelmente, na
polêmica gerada pelo livro, ninguém põe em dúvida o fato de
que os erros apontados são realmente erros. As críticas
referem-se antes à relevância desses escritos na obra dos
autores considerados e às intenções finais de um livro como
este. Sokal e Bricmont esclarecem que não ajuízam o resto das
obras dos autores analisados, mas apenas as referências à
física e à matemática (todavia, gostariam que outros, mais
competentes, ajuizassem tendo em conta as imposturas
apontadas), nem discutem se as imposturas são premeditadas
ou de boa fé (o título do livro fala de “imposturas”, e não de
“impostores”). E, se bem Sokal e Bricmont confessem
intenções filosóficas e até políticas, elas não vêm ao caso.

Os exemplos no livro falam por si. Para alguém com uma


mínima formação científica, sugerem diversas questões para
debate. Será que o hiato entre as “duas culturas” de Snow foi
ampliado ou fossilizado? Será que todo um setor da
intelectualidade, cuja atividade se baseia no discurso, nas
argumentações teóricas, no confronto de pontos de vista, está
perdendo a capacidade de compreender o método científico
submetido ao controle inexorável dos experimentos? Será que
a analogia injustificada e as “provas” por combinação de frases
sugestivas são uma metodologia aceitável nas humanidades?
Será que os argumentos baseados na precedência, inerentes
às pesquisas nas humanidades, degeneraram-se num princípio
de autoridade que acha os erros de Hegel mais confiáveis que
150 anos de desenvolvimento matemático? (Não é isso uma
regressão aos tempos em que, quando as observações
discrepavam da doutrina de Aristóteles, se preferia esta
última?) Ou será que um verdadeiro menosprezo pela lógica e
pelos desenvolvimentos científicos tem sido instalado em
estratos visíveis da intelectualidade, perpetuado por círculos
nos meios de comunicação inclinados a modas ou não
qualificados e amparado na falta generalizada de formação
científica, na indiferença (próxima ao pedantismo dos próprios
cientistas) e numa tradição humanista de tolerância e não
comprometimento, que deixa nas mãos do tempo a depuração
do que vale?

É indubitável que o trabalho de Sokal e Bricmont abre a


oportunidade para um debate muito saudável e necessário, o
qual, se for desenvolvido com grandeza, pode inclusive
catalisar uma aproximação entre a ciência e as humanidades,
em sua busca comum da compreensão da natureza e do
espírito humano.

Roberto Fernández
Originalmente publicado na Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas, 11
de Abril de 1998

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