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Jason A. Butler
Sumário
Agradecimentos
1 Introdução
2 Prática imaginal
3 Psicodinâmica arquetípica
4 Palavra e imagem
5 Sensibilidade estética
Índice
Agradecimentos
Capítulo 1
Introdução
Uma das metas principais da psicologia arquetípica tem sido “desfazer a
mochila” da psicologia – fazendo uso intenso de uma postura
metodológica da via negativa, ou descrição pela negação, e
desconstrução. Essa posição resultou em ampla coleção de críticas que,
embora fossem controversas ou mesmo heréticas, causaram um impacto
significativo no campo da psicologia. Contudo, é importante notar que
essa abordagem desconstrutiva é uma fantasia entre muitas. Um
movimento que busque ver o que está por trás dessa metodologia invoca
um encontro imediato com a influência desmembradora de Dioniso, um
deus intimamente associado com a revitalização pela desordem. É a
presença dionisíaca que facilita a re-visão (re-visioning) e
despedaçamento da teoria e prática estagnadas, violentamente fixadas e
dogmáticas. Através do trabalho da psicologia arquetípica, Dioniso foi
apresentado como um parceiro dialético para a abominável
unilateralidade da psicologia como ciência natural apolínea. Por mais
necessária que essa desconstrução tenha sido, o próprio James Hillman
(2005) observou que toda imagem arquetípica tem seu próprio excesso e
intensidade. Sem um elemento explicitamente construtivo, as implicações
clínicas da psicologia arquetípica permanecerão subaproveitadas.
Apesar dos muitos movimentos feitos por Hillman para diferenciar esse
pensamento da velha guarda, ou “junguianos de segunda geração”
(Goldenberg, 1975), ele se apegou à noção de fidelidade à tradição. Ele
descreve sua posição claramente em uma carta de 1965:
Arquétipo a arquetípico
(p. 45)
Símbolo a imagem
Do inconsciente à imaginação
(p. 32)
(p. 42)
(p. 153)
(1979a, p. 80)
(p. 31)
(p. 329)
Alma e espírito
(p. 67)
(p. 155)
Capítulo 2
Prática imaginal
(p. 124)
Imagem e afeto
Um sonho:
(p. 177)
(p. 14)
(p. 183)
A tensão relacional que se forma entre o ego e a imagem não precisa ser
necessariamente verbal. Como observado por Mary Watkins (1984),
“cada imagem revela seu próprio caráter – o modo particular como
forma e expressa a natureza do imaginal – sendo ela mesma. Ela conta o
que está fazendo ao fazê-lo, ao se expressar pela ação” (p. 99). A
imagem se define pela sua apresentação e movimentos. Esse ponto
importante lembra o praticante da paciência e observação necessárias
para o trabalho imaginal e impede que o indivíduo interrogue a imagem.
Relacionar-se com a imagem exige um despertar do senso de percepção
diante da particularidade única dos fenômenos a mão. Contudo, como
Hillman (1979b) observou, os sentidos, uma vez adaptados ao imaginal,
perdem os limites estabelecidos pelo literal e ganham a qualidade mais
fluida da metáfora, “de modo que possamos “ler uma imagem” como diz
Lopez-Pedraza, e “ouvir a psique falando” como diz Robert Sardello”
(p. 131).
Relativizando o herói
A psicologia arquetípica frequentemente mirou sua afiada espada da
crítica na garganta do herói, tentando liberar a psicologia imaginal da
determinação e limitação rotineiras desse estilo de consciência. Talvez,
integrada nessa posição, haja um pouco do próprio herói. Semelhante
cura semelhante – o herói deve em última instância usar sua força
heróica para conter em si mesmo o impulso para a ação.
(p. 68)
Berry (1982) ofereceu uma diretriz importante a ser seguida e que pode
limitar o reducionismo e monocentrismo da consciência heroica. Essa
diretriz, chamada de “regra de Layard”, afirma: “Nada no sonho está
errado, exceto talvez o ego onírico” (p. 83). Hillman (1979a) expressou
uma ideia similar ao descrever um dos princípios primários do trabalho
arquetípico com os sonhos: conservação. Segundo ele, “A conservação
significa agarrar-se ao que é até mesmo assumir que o que é está certo”
(p. 117).
Ego imaginal
Instinto e imagem
A natureza da imagem
Além disso, a noção de imagem não está limitada ao que pode ser
percebido visualmente. Uma imagem pode ser uma expressão idiomática,
um aroma, um sabor, um toque; mesmo “a própria linguagem é... uma
imagem” (Jung, 1939/1959, p. 160). Casey (1974) argumentou que a
imagem é um modo de abordar os fenômenos. Berry (1984) ofereceu o
seguinte esclarecimento:
(p. 156)
Interpretação arquetípica
(p. 153)
Como uma imagem, cada sonho chega com seu próprio contexto, que é
anterior até mesmo à analogia mais aparente do contexto da vida
desperta. Como Berry (1982) observou, o próprio sonho tem textura,
texto e tecedura. À medida que o corpo da imagem, sua sensualidade e
lugar, tornam-se mais diferenciados através da atenção cuidadosa, o
sonho vai começar a se localizar com estando situado dentro de um
domínio psíquico particular. Por exemplo, o sonho mencionado acima
apresenta uma variedade de circunstâncias que, quando tomadas juntas,
formam um ambiente dentro do qual o sonho pode começar a ser
compreendido nos seus próprios termos. “Casa da mãe” e “carro do pai”
configuram o “eu” do sonho como “eu-filho”, “um filho de”, gerado por
aquilo que está presente no sonho. Conectar o sonho ao contexto do
mundo diurno prenderia as imagens à família literal do sonhador,
colocando uma lente de desenvolvimentista sobre o sonho, remodelando
a imagem de apresentação dentro da fantasia de tempo linear e
desenvolvimento causal. Contudo, Berry (1982) argumentou: “Com a
imaginação qualquer questão de referente objetivo é irrelevante... Como
lemos em Jung, imagens nos nossos sonhos não são reflexos de objetos
externos, mas sim “imagens internas”” (p. 57).
Ouso dizer isso alto e claro? As pessoas com quem interajo nos
sonhos não são representações (simulacra) de seus
correspondentes vivos nem de partes de mim. Elas são imagens de
sombra que ocupam papéis arquetípicos; são personas, máscaras,
e por trás delas há um númen.
(pp. 60-61)
Terapia imaginal
(p. 4)
Não é necessário ter muita experiência clínica para aprender que a tarefa
aparentemente simples de sentar-se com um indivíduo em uma sala de
consulta por 50 minutos pode rapidamente parecer assustadora à medida
que o terapeuta tenta navegar entre o turbilhão caótico do conteúdo
psíquico. Essa experiência levou à necessidade essencial de algum tipo
de filtro organizador. Na passagem acima, Hillman faz referência aos
filtros primários de Freud e Jung – fantasias por meio das quais
fenômenos psíquicos podem ser percebidos, organizados e narrados. A
fantasia, seja ela desenvolvimentista ou compensatória, é uma metáfora,
e, como todas as metáforas, é e não é. A fantasia da reversão, embora
certamente não esteja além da crítica, abre os fenômenos à
multiplicidade presente no mito; evitando assim, espera-se, a redução
para um sistema mecanizado de interpretação. Além disso, a reversão,
como uma posição hermenêutica para o terapeuta e paciente, encoraja as
duas partes a se manterem próximos da particularidade do fenômeno.
Segundo Hillman (1979a), “só esquadrinhando o evento à mão podemos
descobrir quais das muitas constelações arquetípicas são semelhantes a
ele” (p. 4).
Um dos sujeitos que pintam a cara de azul (o Blue Man Group) estava
mostrando a mim e à minha namorada como aplicar maquiagem
branca no rosto, para que ele pudesse ser pintado com tinta colorida.
Comecei a aplicar a maquiagem branca. Fiquei surpreso com a
rapidez com que ela cobriu os traços do meu rosto.
Quando o sujeito de rosto azul (blue in the face, também “sem fôlego,
exausto, até ficar roxo”) nos mostra como aplicar maquiagem (to make
up, mas também “fazer as pazes”), e não make down (preparar a cama
para alguém que vai passar a noite), meu rosto fica branco. Quando faço
as pazes, cubro meu rosto (por vergonha). Ele mostra como
branquear/apagar meu rosto, maquiando meus traços – me ensinando a
perder face. Será que ele está exausto de me dizer como fazer as pazes
com minha namorada?
Quando o “eu” é mostrado, ele está junto com “minha namorada” que
também é “mostrando à minha namorada”, um pareamento necessário. Só
quando o “eu” está com “mostrando minha namorada”, é que o “Man
with the Blues” (Homem triste), de rosto azul, é mostrado. O sonho
demarca precisamente a constelação do complexo.
Outro sonho:
Hillman (1978) também notou o valor de não fazer nada com uma
imagem, simplesmente deixando-a ficar por perto. Ele se refere a isso
como “manter imagens” e indica que é particularmente útil quando uma
imagem parece dura, densa, impenetrável. À medida que a imagem se
aproxima, é possível manter um olhar periférico sobre ela e notar
quaisquer mudanças, qualquer sinal de vida que possa emergir com o
passar do tempo. Muitas vezes o material que chega espontaneamente na
hora de manter imagens ajuda a iluminar a matéria da imagem.
Sentidos da imagem
Hillman (1979b) observou que o processo de trabalhar com sonhos
invoca um deslocamento da percepção sensorial típica: os sentidos se
tornam metáforas (ou metamorfoseados). O indivíduo vê uma imagem,
mas não através da retina do olho; em vez disso a imagem é vista através
da imaginação, o que significa que não só percebemos sua forma como
também “vemos” as implicações intrínsecas à sua forma. Nós ouvimos a
narrativa do sonho, mas também “ouvimos” as metáforas consteladas
pelas imagens apresentadas. Como se a imagem puxasse o sonhador para
a imaginação, os sentidos, tão frequentemente o órgão do literalismo,
tornam-se a via regia, aprofundando a imagem nos seus múltiplos
significados. Como observou Hillman, a palavra “sentido” refere-se
tanto a “concreto, físico, diretamente tangível, como também significado,
significância, direção, invisivelmente mental” (p. 136). Os sentidos dão
sentido à imagem, sensibilizando o sonhador ao sonho e facilitando a
sensibilidade para a particularidade de cada imagem.
Como tal, o sonho é adentrado pela via da estética. Aqui, Hillman está
seguindo de perto Jung, “notando que a elaboração estética cuidadosa de
um evento psíquico está no seu significado” (Hillman, 1979b, p. 135).
Essa elaboração cuidadosa significa ficar com a imagem como tal,
completa, realizada, permitindo que a imaginação expresse o significado
implícito na própria imagem. O movimento de manifesto para latente não
envolve mais um afastamento da imagem derivativa rumo a um
pensamento-sonho único não-representado. Em vez disso, o movimento
no significado latente do sonho é evocado cuidadosa e repetidamente
“virando” a imagem na própria mente, ouvindo o que dizem suas
metáforas. Experimentalmente, a imagem começa a ganhar espaço na
mente do sonhador. O indivíduo entra na imagem e vive por meio dela.
Quando mais os eventos se desdobram, a imagem é acoplada
analogicamente com a vida desperta, relacionamentos, psicodinâmica.
Segundo Hillman: “podemos amplificar uma imagem a partir dela
mesma, simplesmente abordando-a com mais sensibilidade, sintonizando
nela, focalizando-a” (p. 139). Isso não quer dizer que o conhecimento
obtido com uma referência amplificadora não seja mais útil. O
conhecimento do símbolo, de referências culturais e conceitos
psicológicos são úteis na maneira como o indivíduo ouve a imagem. À
medida que a imagem começa a ganhar vida, ela evoca uma atração
gravitacional onde o tema mitológico, associações pessoais, outros
sonhos e fantasias, e temas terapêuticos similares encontram um padrão
de órbita, aumentando a diferenciação da cosmologia psíquica
individual.
Diferenciação qualitativa
A elaboração de eventos em imagens, seja na vida onírica ou desperta,
depende em grande parte do modo particular como os substantivos, as
pessoas concretas, lugares e pessoas, são qualificados por
modificadores (Hillman, 1978). Ao trabalhar a partir de uma perspectiva
arquetípica, cuidar desses qualificadores torna-se uma parte essencial do
processo. O praticante vincula os modificadores aos substantivos e os
relaciona como se fossem necessários uns para os outros.
Advertência
Capítulo 3
Psicodinâmica arquetípica
(p. 8)
A contribuição de Klein e Bion para a noção de transferência
(p. 227)
Van den Berg (1972) escreveu sobre a distinção o entre o mundo abstrato
e não-emocional da observação científica e as percepções pré-reflexivas
comuns a experiência vivida de cada ser humano. Ele argumentou que
objetos, ao contrário do pressuposto da ciência natural de base
cartesiana, não existem à parte da experiência subjetiva; sujeito e objeto
são co-criados e formados pelo contexto onde se encontram. Van den
Berg escreveu: “nunca vemos objetos sem alguma outra coisa. Vemos
coisas dentro do seu contexto e em conexão conosco mesmo: uma
unidade que pode ser quebrada apenas para o detrimento das partes” (p.
37).
Levando esse argumento adiante, Van den Berg (1961) ofereceu uma
crítica importante da teoria de projeção e das condições que tornam essa
teoria necessária. Van den Berg rastreou a emergência histórica do self
interior, usando um dos ensaios mais influentes de Martinho Lutero,
escrito em 1520, e a Mona Lisa de Da Vinci como momentos distintos no
desenvolvimento de uma identidade interior como sendo separada e
distinta do mundo externo. Esses artefatos culturais marcaram o momento
quando o elemento humano foi confinado dentro dos limites da pele.
Sujeito e objeto foram divididos e a noção de projeção eventualmente
tornou-se necessária como uma ligação entre o objeto e os elementos da
identidade interior do indivíduo. Van den Berg (1961) escreveu: “O
mundo não é contaminado por nada humano; ele pode parecer
contaminado, mas a teoria da projeção mostra a verdadeira natureza das
contaminações: são sentimentos extraviados” (p. 217).
Psicopatologia e mitologia
Como foi observado na introdução desse estudo, cada deus tem um estilo
de cura e doença particular que lhe é inerente. A psicologia arquetípica
assumiu o projeto de re-visar a patologia vendo através das várias
doenças que preenchem o consultório e os hospitais psiquiátricos. As
afirmações de Jung (1939/1954) de que “cada processo psíquico é uma
imagem e um “imaginar” (p. 544), e cada imagem é formada por um
complexo constituído arquetipicamente (Jung, 1934/1960), levou os
teóricos arquetípicos a concluir que toda expressão patológica tem no
seu núcleo uma figura mítica.
(pp. 4-5)
O fundamento da psique é mais claramente representado na história, e
mais precisamente na mitologia – a história imaginal da humanidade. O
método de amplificação de Jung foi construído a partir dessa premissa,
assim como um dos métodos terapêuticos centrais da psicoterapia
arquetípica: a reversão. Exemplificando esse ponto, Hillman (2005)
escreveu:
(pp. 179-180)
Depois de caçar cervos com suas redes o dia inteiro, Narciso foi atraído
a um lago refletor, descrito por Ovídio da seguinte maneira:
Vedado do padrão de caça/fuga tão familiar a narciso, sua sede cai nas
mãos de Pothos, irmão de Eros, que reflete de volta para Narciso um
“anseio por aquilo que não pode ser obtido” (Hillman, 2005, p. 182).
Pothos exerce um papel central no movimento do puer das alturas
estratosféricas do autoenvolvimento até o relacionamento. Estimulando
uma cascata incessante de fantasia, a prima materia da realidade
psíquica, Pothos arrasta o espírito até o envolvimento psicológico e
fornece a energia necessária “para que possamos continuar amando” (p.
184).
Essa iniciação não nos torna inteiros; em vez disso, ela nos torna
conscientes de estarmos sempre em uma sizígia com outra figura,
sempre em uma dança, sempre refletindo um outro invisível. Quer
o outro seja senex para o puer, fêmea pra o macho, mãe para a
criança, morte para a vida em qualquer forma, o outro é constelado
de um momento para o outro – está sempre além do alcance... O
outro é uma imagem inalcançável, referindo-se não a himeros
[desejo físico] e anteros [amor correspondido], mas sim a Pothos.
Ou antes, o outro é uma imagem que é alcançável apenas pela
imaginação.
(p. 190)
Deméter e Perséfone
Como Downing (2006) observou, há muitos vínculos essenciais entre a
lenda de Narciso e a história de Deméter e Perséfone. Downing
observou a maneira como as duas histórias lidam com o problema de
isolamento do mundo, quando a proteção que antes serviu bem o
indivíduo torna-se uma parede que precisa, às vezes de modo violento,
ser derrubada, levando a uma iniciação em relação à alma e ao mundo.
Enquanto Narciso foi cercado em um estado de autoisolamento,
Perséfone foi cercada nos braços da mãe, presa por um laço que foi
quebrado por Hades, indicando mais uma vez a relação entre o
autoconhecimento e a morte. Para conhecer a si mesma como a Rainha
do mundo inferior, Perséfone teve que morrer para sua mãe e perder o
mundo que ela conhecia.
(p. 197)
Berry então comenta que o sintoma expressa sua causa final (Jung), mas
que o faz através de um meio-termo (Freud) de um modo que tenta
impedir que a meta seja algum dia alcançada (Adler).
(p. 199)
Rapto psíquico
Édipo
(p. 312)
Exemplo de caso
Preâmbulo
Seu relacionamento com sua mãe era amplamente colorido por tons do
tema do herói/filho-grande mãe. O enredamento que descreveu era um
tema proeminente em toda a sua vida. Ele frequentemente lutava contra a
fusão tentando “matar o dragão” [7] através da raiva, rejeição explícita
de sua mãe e uma atitude misógina para com as mulheres. Além disso, a
guerra que travava contra o pai alimentava sua atitude punitiva e
desconfiada. Como o Rei Laio, pai do Rei Édipo, o Sr. C morria de
medo de perder o reino para a nova criança, então praticava
regularmente matar o espaço potencial com sua crítica extrema e estilo
cético de consciência.
Tratamento
(p. 65)
O vínculo entre correr e ser perseguido deu origem a uma olhada mais
próxima na maneira como sua corrida tornava necessária uma
perseguição, como ele se distanciava, fazendo com que os outros
corressem atrás dele. Observei o jogo entre as palavras perseguido
(chased) e casto (chaste). Isso abriu uma discussão da conexão entre o
desejo por perfeição e a falta de fertilidade que ele sente nos
relacionamentos.
Essa experiência foi central para construir sua fé psicológica que, como
Hillman (1975a) observou,
(p. 50)
Vários meses depois de ter o sonho, o Sr. C teve uma fantasia em que
estava correndo pelo campo aberto do seu sonho. Subitamente ele parou,
voltou-se para o homem com o facão, e assistiu pensativo enquanto esse
homem cortava seus braços. Ele descreveu como olhou para baixo e viu
sua carne caída no capo e refletiu como seus braços, que ele usou como
armas, entrariam em decomposição, tornando-se fertilizante fonte de
vida para esse campo aberto. Ele comparou essa imagem de fertilidade à
abertura das possibilidades psicológicas. O campo tornou-se um campo
de imaginação, de onde uma multidão de potenciais emergiria. O Sr. C
viveu com essa qualidade desmembrada em uma variedade de maneiras,
sendo que a mais proeminente foi sua capacidade crescente de desmontar
suas paranoias de senex e suas fantasias de ataque a si mesmo.
Capítulo 4
Palavra e imagem
Hillman (1975) argumentou que as palavras são portadoras da alma:
“elas são presenças pessoais que possuem mitologias inteiras: gêneros,
genealogias (etimologias sobre origens e criações), histórias e modas; e
seus próprios efeitos de proteção, blasfêmia, criação e aniquilação” (p.
9). Em uma poderosa rejeição do nominalismo comum à filosofia
moderna do Ocidente, Hillman tornou a linguagem psicológica ao
afirmar “palavras são pessoas” (p. 9), e sua presença influencia
intensamente a natureza da psique. Essa posição traz uma renovação
necessária para a noção de uma cura pela fala, encorajando o clínico a
tratar cuidadosamente das palavras usadas na sessão – vivificando a
imagem presente no mundo.
A linguagem do particular
Como notei anteriormente neste texto, uma das metas primárias de uma
psicoterapia arquetípica é a diferenciação cuidadosa da psique na sua
variedade de expressões. É dada uma importância significativa ao
pressuposto de que a expressão mais fundamental da psique é a imagem.
Como tal, as palavras suadas na terapia pretendem trazer à frente essas
imagens. A linguagem é usada para esclarecer as qualidades particulares
da imagem apresentada. Esse movimento requer que os participantes
primeiro deixem de lado sua subjetividade habitual e permitam que a
imagem fale sobre suas qualidades. Lockhart notou que “uma das
influências sutis do ego é generalizar o que ele vê no outro” (como
citado em Coppin, p. 91). Essa tendência a generalizar pode rapidamente
perverter toda uma nova expressão da psique em algo que já é conhecido
ao paciente, terapeuta, ou ambos. O ego responde com ansiedade diante
daquilo que não é familiar, sem confiar na significativa importância
terapêutica do que é desconhecido.
(p. 160)
(p. 115)
(p. 34)
Entrando no diálogo
Linguística arquetípica
O estudo de Kugler (1982) chamado The Alchemy of Discourse (A
alquimia do discurso) foi essencial para elucidar ainda mais o
fundamento mitopoético a partir do qual a linguagem foi formada. Sua
exposição começa colocando Jung na vanguarda da descoberta da
dimensão inconsciente que está inserida na linguagem. Os primeiros
experimentos de Jung com a associação de palavras levaram-no a
concluir que à medida que a atenção de um indivíduo diminui, isto é, à
medida que ele torna-se mais inconsciente, as associações baseiam-se
cada vez mais na estrutura fonética em vez da estrutura sintática. Além
disso, associações fonéticas, que se baseiam no som, se aglomeram,
formando um complexo significativo, uma imagem sonora, refletindo uma
camada da psique onde logos e imagem estão inatamente conectados.
Kugler usou o exemplo do “complexo floral” (flower complex), que
consiste nas palavras flor, deflorar e defloração; cravo (carnation),
carnal e carnificina; violeta, violar e violento. Enquanto essas palavras
não trazem um relacionamento sintático significativo ou etimológico, “as
puras relações entre os sons” (p. 52) de fato portam um significado de
imagem arquetípico.
(p. 117)
A linguagem da metáfora
A psicologia arquetípica fez uso significativo da linguagem emprestada
de algumas disciplinas particulares que se especializaram em
diferenciação qualitativa concreta, como a arte da memória, mitologia, e
alquimia (Hillman, 1975). Em um breve ensaio transcrito de uma
palestra em Zurique, Hillman (1980b) descreveu a própria linguagem
alquímica como um modo de terapia. Hillman começa essa exposição
com uma discussão sobre a conexão entre a linguagem e a neurose,
declarando que “a unilateralidade que caracteriza toda a neurose em
geral é também encontrada especificamente como uma unilateralidade na
linguagem” (p. 119). Por implicação, isso significa que a fenomenologia
da neurose deve ser encontrada no “estilo de discurso em que a neurose
está abrigada” (p. 119). A terapia da psique torna-se terapia das
palavras; o terapeuta arquetípico dirige o tratamento para retificar a
perda da sensibilidade metafórica em relação à linguagem – uma
reconexão entre palavras e sua raiz imaginal.
Prima materia
A matéria prima também foi descrita como uma massa confusa, uma
massa não-diferenciada, ambivalência inconsciente, os momentos nos
quais a pessoa está se movendo em várias direções ao mesmo tempo,
sem saber para onde se voltar, cheia de dúvida, desespero e um senso de
necessidade. A ansiedade da incerteza inspira um desejo de mover-se
rumo à coagulação, forçando prematuramente essa nova experiência no
padrão de algo conhecido e familiar.
Hillman (1980a) descreveu a necessidade de diferenciar a brancura do
início da brancura prateada do albedo. O material virginal é
caracterizado por uma “inocência não trabalhada” (Hillman, 1980a, p.
24), sem pecado, sem mancha, pureza, que carece do calor e
flexibilidade que surge ao trabalhar o material. O branco virginal é pré-
negro, um estado de inconsciência, uma participação mística, indo com o
fluxo, a “ausência de más vibrações” (no bad vibes) da gíria
californiana. Esse branco virginal, como Perséfone no campo de flores,
precisa da morte e putrefação da nigredo, a atração de Hades para o
submundo da alma.
Nigredo
Albedo
No seu ensaio de duas partes, Silver and the White Earth (Prata e a
Terra Branca), Hillman (1980a, 1981b) desenvolveu uma alquimia da
função reflexiva, referida como albedo, o prateamento da psique, ou
consciência de anima. Esse é um modo onde “ver, escutar, cuidar se
deslocam dos apegos grosseiros da nigredo”, onde a matéria e os
processos mentais são divididos e o material é denso e difícil, “para
uma nova transparência e ressonância. As coisas brilham e falam. Elas
são imagens, corpos de sutiliza. Elas se dirigem à alma mostrando as
suas almas” (Hillman, 1981b, p. 25).
(p. 29)
Bion rotulou os dados sensoriais e proprioceptivos brutos dos elementos
beta da mente (elementos b). Como o paciente gravemente traumatizado
mencionado acima é incapaz de digerir a imagem intolerável (Lopez-
Pedraza, 1977) do trauma psíquico, a sua mente é geralmente
sobrepujada e precisa de um terapeuta pensante e sensível para digerir o
material. Esses elementos b são projetados no terapeuta, que serve como
receptáculo para o material psicológico não digerido. Através de um
devaneio semelhante a um sonho, o terapeuta recebe, processa, e se afina
empaticamente com o material. Bion chamava isso de função alfa. Essa
contenção transmuta o material em um elemento alfa (elementos á) – uma
experiência digerível que pode ser devolvida ao paciente. O paciente
recebe o elemento á mais tolerável, que permite oportunidade de pensar
e sentir a experiência. Bion (1962) oferece o seguinte exemplo:
(p. 310)
(p. 39)
Com esse deslocamento para o azul, a psique se encontra nos blues onde
o devaneio e a imaginação substituem a fixação do ego com um senso
florescente de alma.
Prata
(p. 24)
Veios de prata também podem ser minados através das imagens fugidias
da fantasia. Aqui vemos o relacionamento entre o mercúrio e a prata. O
mercúrio (quicksilver) na prata (silver) permite que esses momentos
passem sem pausa ou reflexão, mascarando a densa poesia do devaneio e
dos sonhos acordados. O mercúrio acelera a prata, mercurializando seu
reflexo, conectando a mineração da prata para mudança rápida e
imprevisível assim como o furto. Momentos reflexivos devem ser
roubados do movimento de fluxo rápido da imagem, a participação
mística da psique virginal. Por sua vez, Benedictus Figulus, um
alquimista do século dezesseis, notou que “Mercúrio pode ser animado
apenas pelo fermento branco da prata” (como citado por Hillman, 1980a,
p. 27). “O Deus e guia da obra inteira” (p. 27) torna-se animado, isto é,
vivo, apenas através do “fermento mental, a animação de pensamento e
reflexão, a intervenção ativa da imaginação” (p. 27).
(p. 255)
Com palavras como frágil, macia, calor, derreter, cera, ceder, indefinito,
reagir e receber, temos a impressão de que uma mente bem trabalhada
está longe do herói empedernido idealizado com tanta frequência nas
telas da nação [N.T.: Os EUA]. A psique da rubedo é paradoxalmente
sempre fiel à forma e sempre receptiva a novas formas, já que responde
ao que é apresentado.
Sensibilidade estética
Os dois ensaios de Hillman, The Anima Mundi: The Return to the Soul
of the World (1982) e The Thought of the Heart (1984) (“A Anima
Mundi: O Retorno da Alma do Mundo” e “O Pensamento do Coração”)
marcaram uma mudança significativa no campo da psicologia
arquetípica. Ele descreveu esse movimento como um deslocamento na
“ideia de profundidade da psicologia da pessoa interior para uma
psicologia das coisas, uma psicologia profunda da extroversão”
(Hillman e Ventura, 1992, p. 53). Enquanto sua ênfase anterior era
claramente a favor de psicologizar e da “reflexão que ocorre em termos
outros do que aqueles apresentados” (Hillman, 1975, p. 135), o trabalho
mais recente de Hillman pediu uma psicologia estética, enfatizando
“aparências como tais, criadas como são, nas formas em que foram
dadas, dados sensoriais, fatos puros, Venus Nudata” (Hillman, 1992, p.
43).[8]
Com sua exposição sobre a beleza, Hillman continuou com seu amor
pela imagem, mas trouxe esse amor de uma noção intrapsíquica de anima
para uma noção transpsíquica de anima mundi – uma ideia derivada das
tradições filosóficas platônicas e neoplatônicas. Hillman (1992)
escreveu: ““Receber” (taking in) significa interiorizar o objeto em si
mesmo, na sua imagem, de modo que a sua imaginação seja ativada (em
vez da nossa)” (p. 48), um tipo de devaneio que tenta ver o mundo
através dos olhos de outra criatura. O pintor Franz Marc expressou um
argumento similar: “é uma convenção empobrecida colocar animais nas
paisagens como vistos pelos homens; em vez disso devíamos contemplar
a alma do animal para adivinhar seu modo de visão” (como citado em
Bleakley, 1995, p. 391).
Capítulo 6
Por todo esse estudo, tentei reunir os ingredientes primários para uma
psicoterapia arquetípica – um método de construção em resposta à
desconstrução de Hillman, uma fantasia hefestiana de coletar pedaços de
método, trançando-os com sonhos, imagens de fantasia, e vinhetas
clínicas em uma tentativa de construir uma representação do estilo
particular assumido pela psicoterapia arquetípica.
Anulação
[5] Filêmon era uma figura imaginal que aparecia frequentemente nos
experimentos de imaginação ativa de Jung. O relacionamento entre Jung
e Filêmon é representado de maneira mais direta no recentemente
publicado Livro Vermelho (Jung e Shamdasani, 2009).