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Cristiane Dupret *
Ulisses Pessôa **
INTRODUÇÃO
Será que cada cidadão abarcado pelo sistema carcerário brasileiro tem
salvaguardada a sua dignidade como ser humano e tem plenas condições e oportunidades
para receber quaisquer familiares para toda e qualquer modalidade de visita? É plausível
a permissão de menores frequentando as cadeias brasileiras nas condições estruturais que
são oferecidas atualmente? Está claro que subsistem medidas públicas (para não se versar
em políticas públicas) que permitem, de forma clarificada, o acesso da criança e do
adolescente nos estabelecimentos prisionais? Eis a questão a ser pensada, meditada,
elucubrada e, por conseguinte, respondida com precisão.
Ademais, não se pode olvidar que se utilizou na presente pesquisa uma ampla
investigação de cunho bibliográfico na tentativa de se demonstrar os malefícios os quais
o sistema carcerário brasileiro pode gerar no desenvolvimento mental e psíquico da
criança e do adolescente.
1
LINS e SILVA, Evandro. O salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 220.
2
BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 99.
comum denominado de populismo criminológico3. Assim, não há como se fomentar uma
discussão sadia e que leve a tentativa de soluções, sob a ótica de um olhar prático, para
objetivar a tutela da dignidade humana do preso.
Sob a filosofia do inimigo no Direito penal e sob a ótica deste Estado autoritário,
tem-se abarrotado os presídios brasileiros. Queda-se claramente a concepção vislumbrada
anteriormente no que toca ao grande encarceramento. Presídios excessivamente lotados,
sem qualquer infraestrutura digna para a inserção de qualquer ser humano.
3
BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 100.
4
BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p.
103.
5
Zafaroni explica a nomenclatura cool prelecionando que tal expressão é utilizada “porque não é assumida
como uma convicção profunda, mas sim como uma moda, à qual é preciso aderir para não ser
estigmatizado como antiquado ou fora de lugar e para não perder espaço publicitário” (ZAFFARONI, E. R.
O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 69).
6
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro:
Revan, 2011.
Não faz muito tempo que o Estado brasileiro se comoveu com a situação dos
detentos e pela forma legislativa trouxe à baila a lei de execuções penais no ano de 19847
que no seu bojo aduziu uma série de prerrogativas, direitos e deveres ao preso. E no que
tange aos direitos e prerrogativas do preso, e tendo em vista a proposta deste trabalho,
tem-se por oportuno chamar a atenção que o legislador brasileiro, por intermédio da
referida lei, corroborou a importância de se conservar o estabelecimento prisional e que
o preso tivesse o mínimo de dignidade. Como requisitos básicos da unidade celular, a lei
prescreve que se tenha um ambiente de salubridade digno e adequado à existência humana
em uma área mínima de 6,00m (seis metros quadrados) e, ademais, que o condenado seja
alojado individualmente na célula que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório8.
Entrementes, com fulcro no último informe sobre a situação dos direitos humanos
no Brasil de 1997, viabilizado pela comissão interamericana de direitos humanos10, no
seu capítulo I, verificou-se que a realidade carcerária apresenta um quadro drástico e
lamentável, vez que se constatou uma superlotação do sistema prisional e seu maléfico
congestionamento; condições precárias na área da higiene e da saúde; precariedade no
tocante à alimentação, roupa e camas; fragilidade na assistência jurídica; falta de
intimidade com os familiares durante as visitas; impossibilidade de reabilitação no
7
A lei 7210, lei de execuções penais, fora promulgada em 11 de julho de 1984. Disponível em
<http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em : 22 Abr. 2015
8
Os requisitos básicos da unidade celular encontram-se consubstanciados no artigo 88 da leu 7210/84 e
estão suscitados da seguinte forma: art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá
dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a)
salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico
adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m² (seis metros quadrados). Disponível em
www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L7210.htm. Acesso em: 22 Abr. 2015
9
Art. 1º A república federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: III – a dignidade
da pessoa Humana. Disponível : www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
em: 22 Abr. 2015
10
COMÍSION INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Organización lós Estados Americanos, 1997.
Las cndiciones de detención y tratamento em el sistema penitenciário brasileño. Disponível em
HTTP://www.cidh.oas.org/countryrep/Brasesp97/capitulo_4htm. Acessado em: 21 mai. 2015.
interior das prisões, falta de oportunidades de trabalho e recreação nas prisões; a
separação de presos por categorias; sanções disciplinares desarrazoadas; falta de recursos
e etc.
Não se pode olvidar que as penitenciárias são formadas por homens e, não
obstante estarem adimplindo condenações impostas pela lei por terem cometido uma
conduta típica, ilícita e culpável e proporcionado algum mal à sociedade, estes homens
logram direitos que devem ser observados pelo Estado e por todos estes cidadãos que
formam o denominado Estado Constitucional de Direito12.
11
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/component/acymailing/archive/view/listid-4-boletim-do-magistrado/mailid-
5632-boletim-do-magistrado-09062014. Acessado em: 19 mai. 2015.
12
MELOSSI, Dario e PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica – As origens do sistema penitenciário (séculos
XVI – XIX). Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2ª ED, 2010.
13
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2011.
14
RODRIGUES, Anabela Miranda. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. Controlo da execução e alternativas.
Revista eletrônica de direito penal AIDP – GB. Ano 1vol 1 Nº1 junho 2013 .
algum tempo em terrae brasilis e não pode ser labutado de forma perfunctória, posto que
se torna o grande desafio do século XXI15.
Com efeito, não seria diferente dos cidadãos cativos, custodiados pelo sistema
carcerário atual, posto que estes cidadãos, assim como todos os demais adstritos à
sociedade, fazem jus a direitos que viabilizem uma vida digna, coerente, razoável e
compatível com os ditames da dignidade da pessoa humana e, não, abarcados por um
sistema desigual18.
Refletir sobre as inquietações que atingem a essência dos Direitos humanos sob
um olhar altruísta, de tal magnitude que um ser humano se coloque no lugar do outro, é,
justamente, traçar uma ruptura com o hoje totalitário que insiste em promover
peremptoriamente a descartabilidade dos seres humanos19.
Percebe-se, com os dados acima, que o sistema prisional brasileiro não observa a
dignidade da pessoa humana e que, desta forma, encontra-se um entrave no projeto de
ressocialização tão difundido pela retórica governamental e, muito menos, pode
15
FLORES, Joaquím Herrera. A (Re)invenção dos Direitos Humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
16
HUNT, Lynn. A inventing Human Rights / Lynn Hunt. W.W. Norton & Company Ltd. 2007.
17
SANTOS, Boaventura Sousa. Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Cortez,
2014.
18
FOUCAULT, Michel. Segurança, penalidade, prisão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
19
ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
20
RAWLS, John. Uma teoria da justiça – 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
proporcionar a ida tranquila de uma criança ou um adolescente que ainda se encontra num
período de formação de conceitos e valores.
De acordo com a lei n.º 12.962, de 8 de abril de 2014, que altera a lei n. 8.069, de
13 de julho de 1990, será resguardada a convivência da criança e do adolescente com o
pai ou a mãe privados de liberdade, que será realizado através de visitas periódicas
fomentadas pelo responsável ou em hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade
responsável, independentemente de autorização judicial21.
O que não pode suceder é o Estado vislumbrar mecanismos futurísticos sem uma
análise sólida e perspicaz no que toca ao bem-estar das crianças e dos adolescentes. A
elucidação do Estado deve abarcar todos os fatores de cunho jurídico, no sentido de
salvaguardar o todo e, não simplesmente, para algo específico, sem um viés macro, não
só jurídico, mas sociológico e filosófico.
21
A lei n.º 12.962, de 8 de abril de 2014 inclui o §4º do artigo 19 da lei n.º 8069, de 13 de julho de 1990.
Segue a convenção proferindo que os Estados comprometer-se-ão em garantir à
criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em
consideração os direitos e deveres dos pais, tutores ou quaisquer outros responsáveis
.perante a lei.
A lei n.º 12.692, de 8 de abril de 2014 até demonstra uma preocupação e cuidado
em trazer a criança para próximo do pai ou da mãe privado de liberdade no intuito de
resguardar o afeto e de salvaguardar o instituto familiar, mas a estrutura e os padrões
draconianos do sistema carcerário brasileiro inviabilizam tal empreendimento inovador.
Segundo a lei n.º 12.692, de 8 de abril de 2014, o menor terá acesso ao pai ou mãe
privado de liberdade, logo, este menor transitará pelos diversos presídios deste país. De
acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, as instituições que recebem os
menores devem estar organizadas e bem estruturadas para que o bem-estar destes menores
seja resguardado.
Conforme visto acima, a situação dos presídios espalhados pelo Brasil é caótica
sem uma correta e direcionada organização que atenda aos preceitos da lei de execução
penal e, muito menos, aos preceitos e ditames solidificados pela Constituição,
inobservando, desta feita, os Direitos e Garantias individuais e a condição normal de vida,
a dignidade de uma pessoa viver em uma situação de normalidade.
Parece que o Estado, no sentido mais amplo da palavra, não consegue administrar
os seus próprios problemas estruturais, quiçá respeitar o zelo e bem-estar do menor. Não
há como enviar o menor para determinados estabelecimentos sem um mínimo de
organização e cuidado para recebê-lo, sem o mínimo de preocupação com a sua formação
de ideias e conceitos e com o que ele pode se deparar quando chegar ao local.
22
BARROSO, Luís Roberto. O novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a constituição
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p.289.
23
BARROSO, Luís Roberto. O novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a constituição
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p.296.
que possui três elementos essenciais, quais sejam: valor intrínseco da pessoa humana;
autonomia da vontade; valor comunitário24.
Desta feita, reflete-se que o Estado deve tomar as devidas precauções e, outrossim,
preocupar-se em organizar toda uma estrutura plausível para o correto recebimento dos
menores nos estabelecimentos prisionais com o intuito, sempre, de observar o bem-estar
de cada um deles, caso contrário, estará atingindo negativamente a dignidade humana e
deixando, sensivelmente, de assegurar a proteção integral de cada menor.
24
BARROSO, Luís Roberto. O novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a constituição
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.
25
BARROSO, Luís Roberto. O novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a constituição
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.
visitas depois de uma análise minuciosa e pormenorizada do referido estabelecimento
prisional? Não seria mais interessante que o legislador perfizesse uma pesquisa prévia
para se constatar a correta realidade e viabilidade dos estabelecimentos prisionais antes
de construir e asseverar a possibilidade dos menores frequentarem os estabelecimentos
prisionais quando das visitas aos pais privados de liberdade?
26
ARENDT, H. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 13.
A doutrina da proteção integral foi adotada pelo Brasil com base,
principalmente, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, tendo como origem
a Declaração dos Direitos da Criança.
João Batista Costa Saraiva27 faz uma metáfora bastante interessante entre a figura
do Cavalo de Troia e o princípio do superior interesse do menor. Alerta para o cuidado
que se deve tomar não se permitindo que esse princípio, erroneamente interpretado, traga
dentro de si a antiga doutrina da situação irregular, apenas travestida da nova doutrina da
proteção integral. Um dos principais fatores da doutrina da proteção integral é permitir
que, como sujeito de direitos, a opinião da criança e do adolescente seja considerada.
O consentimento a partir dos 12 anos, por exemplo, que já era previsto para a adoção,
passa a ser previsto com a Lei 12.010/2009 para todas as modalidades de colocação em
família substituta.
27
SARAIVA, João Batista Costa. A quebra do paradigma da incapacidade e o Princípio do superior
interesse da criança – O “Cavalo de Tróia” do menorismo. Juizado da Infância e Juventude / [publicado
por] Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Corregedoria-Geral da Justiça. – n. 1 (nov.
2003)-. – Porto Alegre : Departamento de Artes Gráficas do TJRS, 2003
comprometimento interno que é percebido por meio das recentes alterações legislativas
ligadas à Infância e Juventude, sempre demonstrando um nítido caráter protetivo.
CONCLUSÃO
A cada dia, compreende-se que pensar a respeito de Direitos para a criança e para
o adolescente, queda-se um desafio para as autoridades governamentais e para o
legislador de qualquer Estado. Pensar no direito das crianças é pensar num futuro
promissor e cheio de esperanças, não somente, para o indivíduo nas suas singularidades
e particularidades, como, outrossim, na sociedade como um todo.
Por derradeiro, chama-se a atenção para que esta determinação legal não logre
êxito e não avance, posto que o seu caminhar adiante redundará numa reflexão funesta e
draconiana, reverberando, frontal e maleficamente, na formação da criança e do
adolescente, peças fundamentais para o desenvolvimento, crescimento e solidificação do
Brasil, da sociedade e da família.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HUNT, Lynn. A inventing Human Rights / Lynn Hunt. W.W. Norton & Company Ltd.
2007.
LINS e SILVA, E. O salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça – 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
SANTOS, Boaventura Sousa. Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos. 2ª ed.
São Paulo: Cortez, 2014.
SARAIVA, João Batista Costa. A quebra do paradigma da incapacidade e o Princípio
do superior interesse da criança – O “Cavalo de Tróia” do menorismo. Juizado da
Infância e Juventude / [publicado por] Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, Corregedoria-Geral da Justiça. – n. 1 (nov. 2003)-. – Porto Alegre : Departamento de
Artes Gráficas do TJRS, 2003