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A HISTÓRIA OCULTA DO SIONISMO

A HISTÓRIA OCULTA DO SIONISMO

A verdadeira história da FORMAÇÃO


DO ESTADO DE ISRAEL

RALPH SCHOENMAN

São Paulo
2008
© 2008, Editora Sundermann
A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins acadêmicos
e/ou de divulgação eletrônica, desde que mencionada a fonte.

Supervisão editorial: João Ricardo Soares


Produção editorial: Francisco de Andrade
Tradução: Carla Garcia Carrion e Rosângela Botelho
Capa: Estúdio K G F F
Diagramação: Luciana Candido
Revisão: Wilson H. da Silva e Khalid Almair

Dados internacionais de catalogação (CIP) elaborados na fonte À memória de Khalid Ahmed Zaki
por Iraci Borges - CRB 8 2263
Companheiro morto e amigo amado
Schoenman, Ralph (1935- )
A História oculta do sionismo. A verdadeira história da formação do Estado de Israel.­
Traduzido por Carla Garcia Carrion e Rosângela Botelho. São Paulo, Sundermann, 2008.
248 p. *  *  *
ISBN 978-85-99156-26-1

1. Palestina – sionismo. 2. Palestina – sionismo. 3. Palestina – colonização.


I. Título. II Carrion, Carla Garcia, trad. III. Botelho, Rosângela, trad.
Para Hamdi Faraj e Mohammed Manasrah

CDD-322.13

Primeira edição em português (BR) a propósito do sexagésimo ano de fundação do Estado de Israel. Tra-
duzido a partir do original The Hidden History of Zionism publicado por Veritas Press de Santa Barbara,
CA, EUA, em 1988.

(Revolução até a vitória)


Editora Sundermann é marca fantasia da Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann.

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Sumário

9 Nota à edição brasileira


17 Agradecimentos
19 Introdução: O levante
43 Os quatro mitos
47 Os objetivos sionistas
65 Colonizando a Palestina
73 Conseqüências trágicas
89 A ocupação das terras
101 O sionismo e os judeus
121 O mito da segurança
129 Blitzkrieg e massacre
143 A segunda ocupação
153 O predomínio da tortura
181 As prisões
193 Estratégia para a conquista
223 Uma estratégia para a revolução
Nota à edição brasileira

Certamente não são muitos os livros cuja apresentação po-


demos resumi-la toda em uma única frase: as teses fun-
damentais defendidas pelo autor foram confirmadas pelos
acontecimentos. Agregue-se a isso o fato de que o trabalho
de Ralph Schoenman aborda um dos temas mais polêmicos
da história contemporânea, a formação do Estado de Israel,
e ter-se-á uma dimensão de quão excepcional é a obra que
a Editora Sundermann oferece ao leitor.
Conhecedor profundo do tema ou apenas inician-
te, o leitor não passará incólume pelas páginas de A história
oculta do Sionismo. O rigor da análise e um árduo trabalho de
pesquisa resultaram em uma obra que transcende o marco
temporal em que foi escrita e nos oferece algumas chaves
fundamentais para compreender a essência dos conflitos
no Oriente Médio e a chamada “questão palestina”.
Ao explicar os interesses mais profundos envolvi-
dos na formação do Estado de Israel, Schoenman demons-
tra que o problema da guerra e da paz no Oriente Médio vai
mais além das explicações superficiais. Não se trata de uma
“guerra entre religiões” ou de um “conflito de civilizações”
que permeia as páginas da grande imprensa e das publica-
ções encomendadas com verbas dos ministérios de relações
exteriores das grandes potências. Para Schoenman­, a rela-


Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

ção entre guerra e paz no Oriente Médio está diretamente base à igualdade entre todos e não pela identidade étnica
ligada à natureza do Estado de Israel. ou religiosa.
Para nos introduzir neste tema, o autor retira o Ao defender uma Palestina laica e democrática, o
manto que encobre os quatro mitos que moldaram a cons- autor tão somente reafirma o princípio fundamental que
ciência do mundo ocidental sobre o sionismo e a fundação esteve na base fundacional das organizações que lutavam
de Israel: “a Palestina era uma terra sem povo, para um contra a ocupação de Israel. O não reconhecimento do Es-
povo sem terra”; o caráter da democracia israelense; a ne- tado de Israel foi um ponto de princípio para a Organização
cessidade da segurança como o motor da política exterior para a Libertação da Palestina (OLP) – uma frente de or-
de Israel; e o quarto mito, talvez o mais influente, e que ganizações cujo integrante mais importante era o Fatah –,
falsamente reivindica o sionismo como o herdeiro moral que virou a grande referência da causa palestina e elevou a
das vítimas do Holocausto. Schoenman demonstra como ícone da resistência seu líder, Yasser Arafat, até sua morte
os sionistas se opuseram e minaram a resistência à barbárie em novembro de 2004.
nazista. No entanto, em novembro de 1988, o Conselho
Assim, os que desejam compreender os reais in- Nacional Palestino, principal instância da OLP, reunido na
teresses envolvidos na criação de Israel e como a ideologia Argélia, tomou uma decisão inédita: reconheceu o Estado
sionista se encontrou com os interesses das grandes potên- de Israel, proclamou um Estado palestino nos territórios
cias, e em particular dos Estados Unidos após a II Guer- ocupados (Cisjordânia e Gaza) e ademais renunciou à luta
ra Mundial, encontrarão na História oculta do sionismo uma armada para fazer frente à ocupação dos territórios palesti-
fonte valiosa de informações. E não seria exagero afirmar nos, tanto no território histórico quanto nos conquistados
que o trabalho de Schoenman constitui uma das obras de pela política expansionista de Israel.
referência sobre o tema. Em setembro de 1993 a OLP assinou os Acordos
de Oslo, em cuja declaração de princípios a OLP reconhece
*  *  * o Estado de Israel em troca da retirada imediata das tropas
israelenses de Gaza e Jericó e do estabelecimento de uma
O que o leitor encontrará nas páginas de A história oculta do Autoridade Nacional Palestina (ANP), rumo à criação de
sionismo não é somente uma denúncia implacável do mas- um Estado palestino.
sacre realizado pelo sionismo para expulsar a população Ralph Schoenman terminou de escrever A história
palestina de suas terras. oculta do sionismo em abril de 1988, já durante a Intifada,
Talvez a parte mais polêmica deste trabalho esteja
na fundamentação da única possibilidade da conquista da .  A denominação Territórios Ocupados se deve à expansão do Estado de
paz: a defesa de um único Estado, de uma Palestina laica Israel para além das fronteiras delimitadas pela ONU em 1948, quando
e democrática, onde os direitos civis se estabeleçam em da fundação deste Estado.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

que expôs ao mundo o massacre cotidiano de Israel con- nios para além das fronteiras da “Palestina histórica” ana-
tra a população palestina; os acontecimentos posteriores a lisada por Schoenman sofreu qualquer mudança por parte
1988, portanto, não são abordados nessa obra. do sionismo, como demonstra a recente invasão do Líbano
Celebrados os Acordos de Oslo, a diplomacia iniciada em julho de 2006.
norte-americana passou a propalar que a chamada “ques- Os palestinos são prisioneiros em suas próprias ci-
tão palestina” marchava rumo à sua solução. Transcorridos dades, em suas próprias casas, submetidos a privações de
dezesseis anos da assinatura do acordo, em que medida a todos os tipos, com um desemprego que alcança a casa dos
solução diplomática de dois Estados se impôs, negando a 70% da população ativa, sem mencionar as humilhações
tese fundamental desenvolvida por Schoenman? cotidianas.
Em janeiro de 2006, ocorreu um fato inusitado e E a chave para compreender o fracasso dos Acor-
inesperado para a maioria dos analistas: o Fatah perdeu a dos de Oslo e a crise atual pode ser identificada no diag-
maioria no parlamento da ANP para um partido de caráter nóstico de Schoenman: “Em Israel, da mesma forma que na
religioso, o Hamas, que se recusa a reconhecer o Estado África do Sul, a mínima justiça requer o desmantelamento
sionista mas, em contrapartida, comete o equívoco de de- do Estado de apartheid e sua substituição por uma Palesti-
fender um Estado islâmico para a região. na laica e democrática (...)”.
O descrédito das lideranças árabes tradicionais é O reconhecimento do Estado de Israel só legiti-
um fato indiscutível. E não há como compreendê-lo sem maria a conquista sangrenta da Palestina e seria um obs-
analisar as conseqüências dos Acordos de Oslo para a maio- táculo para uma paz verdadeira e justa na região. Os fatos
ria da população palestina. deram razão a Schoenman.
Após a assinatura dos “acordos de paz”, Israel ace-
lerou a colonização da Cisjordânia, impedindo a livre mo- *  *  *
vimentação da população palestina. Aprofundou a depen-
dência econômica, energética e de água dos palestinos em Traduzido para vários idiomas, A história oculta do sionismo
relação ao Estado sionista. ganha a luz em língua portuguesa em um momento im-
Os relatos de tortura, prisão indiscriminada, des- portante e dramático vivido pela população palestina e do
truição de moradias, isolamento de comunidades, cortes Oriente Médio. A estratégia dos Estados Unidos para a re-
de energia, água, alimentos e mesmo assassinatos coletivos gião, que vislumbra nada menos do que o controle absoluto
como os do campo de refugiados de Jenin em 2002, simi- das reservas de petróleo, tem no sionismo e no Estado de
lar ao realizado em Sabra e Chatila em 1982, que o autor Israel um aliado estratégico.
vivenciou in loco, demonstram que a política israelense não Mas o outro lado da moeda existe: a ocupação
sofreu nenhuma modificação. norte-americana do Iraque, as chantagens de invasão do
Nem mesmo o objetivo de expandir seus domí- Irã e a invasão do Líbano pelas forças armadas de Israel

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

redundaram ou estão redudando todas em derrotas polí- ocupados, estes exemplos vivos que honram a tradição dos
ticas e militares – apesar do massacre da população civil prisioneiros judeus que lideraram o Levante do Gueto de
libanesa. Varsóvia contra o nazismo e de todos os judeus que parti-
Não é somente a conjuntura vivida no Oriente ciparam, dirigiram e pensaram as revoluções pela liberta-
Médio que torna a obra de Schoenman importante. A pu- ção dos povos do jugo imperialista e da opressão capitalista
blicação de A história oculta do sionismo vem preencher um racista.
importante vazio historiográfico sobre a fundação do Esta-
do de Israel em língua portuguesa, num movimento que, São Paulo, janeiro de 2008.
esperamos, seja apenas o primeiro passo na direção de ou-
tras publicações que possam se contrapor às visões dos te-
lejornais e da grande imprensa sobre o conflito palestino.
Assim, não poderíamos deixar de homenagear
nesta edição brasileira todos os que resistem ao Estado de
Israel. Em primeiro lugar, os povos árabes em geral e o pa-
lestino em particular. É a resistência cotidiana de milhares
e milhares de heróis anônimos, crianças, mulheres e ho-
mens que impede o Estado de Israel de realizar a “solução
final” nos territórios da Palestina. Em segundo lugar, as
personalidades que não venderam seus princípios em troca
de uma receptividade maior na comunidade internacional.
Em 2003 a causa palestina perdeu um desses, um de seus
principais intelectuais e militantes: Edward Said, membro
do Conselho Nacional Palestino e que se opunha aos Acor-
dos de Oslo. Há também os que resistem dentro do Estado
de Israel, arriscando não apenas sua receptividade acadê-
mica mas também sua integridade física: é o caso do físico
Mordechai Vanunu, que em 1986 denunciou que Israel fa-
bricava a bomba atômica e que foi seqüestrado na Europa
pelo serviço secreto israelense, condenado por traição e
preso em condições degradantes por dezoito anos. Em ter-
ceiro lugar, essa edição presta sua sincera e fraternal home-
nagem aos soldados que se recusam a servir nos territórios

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Agradecimentos

Durante a chamada Idade das Trevas ou Idade Média, na


Europa, a ciência, a matemática e a filosofia gregas foram
preservadas pelos intelectuais árabes. De Avicena a Al-
Kindi, a ciência e a matemática árabes deram continuidade
ao legado da filosofia natural e moral dos gregos.
O movimento sionista subjugou a Palestina e as-
saltou sua cultura com impiedosa atrocidade, chocando in-
clusive aqueles que têm familiaridade com o cruel histórico
das conquistas coloniais. Essa história foi ocultada durante
os últimos cem anos. Só veio à tona ocasionalmente por
meio dos escritos de um número relativamente pequeno de
intrépidos intelectuais.
Temos um profundo débito para com esses es-
tudiosos – muçulmanos, cristãos, judeus e ateus –, cujo
trabalho de preservação e interpretação tornaram possível
esta tentativa de síntese.
Alan Benjamin dedicou centenas de horas para to-
dos os aspectos deste trabalho. “Co-pensador”, debatedor,
editor e amigo, ele ajudou a precisar a análise, contribuiu
na apresentação e tomou conta de múltiplos problemas téc-
nicos inerentes a esta produção. Este estudo não existiria
sem Benjamin.
Mya Shone, minha esposa e companheira, se não

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Ralph Shoenmann

fosse por sua própria relutância seria mencionada aqui


como co-autora deste livro. Seu papel em escrever e lapi-
dar o texto é igual ao desempenhado por mim. Cada uma
das frases foi testada por sua insistência na precisão das ex- Introdução. O levante
pressões e da lucidez, de tal forma que, se esse objetivo foi
atingido, isto se deve à energia que fluiu dela e à escrita
compartilhada em um trabalho de amor.
Para nossos preciosos amigos e camaradas palesti-
nos, eu gostaria de fazer um agradecimento parafraseando
Dylan Thomas: nós estamos sós e não estamos sós em um “Com cólera, com ódio e com autêntica ferocidade, sem
mundo desconhecido; nossa felicidade e sofrimento para retroceder diante do fogo da artilharia dirigida contra eles,
sempre compartilhados e para sempre pertencentes a nós milhares de adolescentes atiravam pedras contra os ocu-
próprios. pantes israelenses. Era algo mais que uma agitação popu-
lar... Era o princípio de uma revolta popular.” 
Essa foi a descrição de Hirsh Goodman, correspon-
dente do Jerusalem Post, para o levante da juventude palestina
da Cisjordânia e de Gaza em meados de dezembro de 1987.
Goodman escreveu essas observações às vésperas
da greve geral de 21 de dezembro, que envolveu todas as
comunidades palestinas sob dominação israelense. O di-
ário israelense Ha’aretz descreveu essa greve como “uma
advertência muito mais grave do que os sangrentos motins
das últimas duas semanas.” 
“Naquele dia”, escreveu John Kifner, do New York
Times, “o imenso exército de trabalhadores árabes, garçons,
verdureiros, lixeiros, pedreiros, enfim, todos aqueles que
executam os trabalhos não-especializados em Israel, fica-
ram em casa.” 

.  Dan Fisher, Los Angeles Times, Los Angeles, 20/12/1987.


.  Dan Fisher, Los Angeles Times, Los Angeles, 20/12/1987.
.  John Kifner, New York Times, Nova York, 22/12/1987.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

A resposta israelense ao levante foi brutal. O do Jerusalem Post, “não tinham recebido nenhum treina-
ministro da Defesa, Itzak Rabin, ordenou o uso de tan- mento terrorista, nem são membros de nenhuma organi-
ques blindados e metralhadoras contra uma população zação terrorista. Na verdade, eles somente pertencem a
desarmada. uma geração que cresceu sem conhecer outra coisa senão
O jornal San Francisco Examiner citou Rabin, fa- a ocupação.” 
zendo uma defesa aberta do assassinato: “podem disparar Foi perguntado à mãe de um palestino assassinado
contra os dirigentes desta desordem”, disse, justificando a com três balas na cabeça pelos soldados israelenses se ela
atuação do Exército, que utilizou franco-atiradores com ri- permitiria aos filhos que lhe restara participar das manifes-
fles calibre .22 para disparar indiscriminadamente contra tações. Ao que ela respondeu: “Enquanto eu estiver viva,
os jovens palestinos. ensinarei os jovens a lutar... Não me importa o que aconte-
Rabin ordenou a revista de casa por casa em bus- ça comigo, desde que consigamos nossa terra.” 
ca, em primeiro lugar, de jovens e, depois, de qualquer um O prefeito destituído de Gaza, Rashad Shawaa,
que pudesse ser castigado para servir como exemplo. Por expressou o mesmo sentimento:
volta do dia 27 de dezembro, mais de 2.500 palestinos já
haviam sido detidos, muitos deles crianças de 12 anos. No Os jovens perderam a esperança de que Israel algum dia lhes
fim de janeiro esse número subiu para 4 mil e crescia sem reconheça seus direitos. Consideram que os países árabes são
parar. Cogitou-se a deportação dos “militantes”. Os cár- incapazes de fazer alguma coisa. Têm a impressão de que a
ceres israelenses de alta segurança e os centros de detenção Organização de Libertação da Palestina (OLP) não conse-
estavam superlotados, e os processos em massa contra os guiu nada.
palestinos tinham sido iniciados.
A brutalidade que mais indignou os palestinos foi O comentário do correspondente do Los Angeles
que o Exército detivesse os feridos em suas camas nos hos- Times é mais significativo ainda: “Este novo sentido de uni-
pitais. Esse comportamento, habitual durante a invasão do dade foi uma das mudanças mais surpreendentes para os
Líbano em 1982, transformou o Hospital Shifa, de Gaza, observadores estrangeiros e para os palestinos que não vi-
em um centro de resistência. Grandes multidões se con- vem em Gaza (...) É um fenômeno que engloba as antigas
centraram para defender os feridos, temendo, com razão, divisões entre jovens e velhos e entre os que trabalham e os
que eles jamais fossem vistos novamente. que não trabalham em Israel.” 
“Os jovens de Gaza e da Cisjordânia, onde a rebe-
lião irrompeu”, escreveu Hirsh Goodman, correspondente .  Dan Fisher, Los Angeles Times, Los Angeles, 20/12/1987.
.  John Kifner, New York Times, Nova York, 21/12/1987.
.  San Francisco Examiner, São Francisco, 23/12/1987. .  Dan Fisher, Los Angeles Times, Los Angeles, 23/12/1987.
.  Depoimento dado ao autor em primeira mão no Campo Dheisheh. .  Dan Fisher, Los Angeles Times, Los Angeles, 20/12/1987.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Força, Poder, Surras em toda a Cisjordânia e Gaza. A narrativa de John Kifner


é impressionante:
Diante da intensificação do levante, o governo israelen-
se e o ministro da Defesa, Itzak Rabin, aplicaram “casti- Nablus, Cisjordânia ocupada por Israel, 22 de janeiro:
gos coletivos”, tática característica da ocupação nazista na Com ambas as mãos engessadas, Imad Omar Abu Rub ex-
França, na Dinamarca e na Iugoslávia. Impediam que ali- plicava em sua cama do Hospital Rafidiya o que aconteceu
mentos, água e remédios chegassem aos acampamentos de quando o exército israelense chegou ao povoado palestino de
refugiados palestinos de Gaza e da Cisjordânia. O pessoal Qabatiya.
da Agência de Ajuda aos Refugiados Palestinos do Oriente Entraram nas casas como animais, gritando – disse o estu-
Próximo da ONU (UNRWA, na sigla em inglês) denun- dante de 22 anos da Universidade de Bir-Zeit. Os soldados
ciou que dispararam ou deram surras nas crianças que iam nos arrancaram de casa dando-nos pontapés na cabeça e es-
buscar leite em pó nos armazéns da ONU. pancando-nos com as culatras de seus rifles.
Casbah, onde vive mais da metade dos 125 mil ha- Então, ele foi levado a um edifício em construção onde os
bitantes de Nablus, foi cercada com barricadas de concreto soldados puseram um balde vazio em sua cabeça.
e portões de ferro. Qabatiya e o campo de refugiados de Vários soldados derrubaram-no e agarraram seus braços – ele
Jenin, próximo ao local, foram colocados sob estado de disse – de forma que suas mãos ficaram sobre uma grande
sítio. No momento em que este relato estava sendo escri- pedra. Outros dois lhe bateram nas mãos com pedras menores
to, o cerco, que cortou o acesso aos alimentos, à água, ao até quebrar-lhes os ossos.
combustível e à eletricidade, já durava 55 dias. Estas lesões são produtos de uma nova política oficial do
Um analista do Jerusalem Post explicava assim a po- exército israelense: é a política de massacrar os palestinos
lítica de Rabin: com a esperança de pôr fim à onda de protestos nos terri-
tórios ocupados na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, que
A prioridade absoluta é o uso da força, a exibição de poder, começou no início de dezembro. No transcurso dos protestos,
as surras. [Estas práticas] são consideradas mais eficazes que as balas israelenses mataram pelo menos 38 palestinos.
as prisões... [porque] depois eles podem voltar a apedrejar Na cama ao lado da do sr. Abu Rub, Hassan Arif Kemal, um
soldados. Porém, se a tropa lhes fere as mãos, eles não serão estudante secundarista de Qabatiya, de 17 anos, contava
mais capazes de jogar pedras (...).10 uma história quase idêntica.11

No dia seguinte, os meios de comunicação infor- Os líderes do Partido Trabalhista e do Likud res-
maram sobre as surras selvagens promovidas por soldados ponderam em uníssono ao coro internacional de protesto

10.  New York Times, Nova York, 21/01/1988. 11.  John Kifner, New York Times, Nova York, 23/01/1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

contra essas medidas. O presidente Chaim Herzog decla- O Grande Levante – a Intifada – tornou-se o sím-
rou: “A alternativa a que estamos expostos hoje (...) é aca- bolo da nacionalidade palestina. E a brutal repressão, que
bar com essas revoltas ou permitir a criação de um novo no passado enchia o povo de desespero, agora alimenta sua
Teerã ou uma nova Beirute.”12 determinação e vontade, que engloba sua prontidão para
John Kifner dizia no New York Times: morrer.
A represália israelense tem sido uma verdadeira
O primeiro-ministro, Itzak Shamir, e o ministro da Defesa, barbárie. A repressão caiu de forma particularmente selva-
Itzak Rabin, continuam defendendo sua política, declaran- gem sobre os campos de refugiados e os velhos quarteirões
do ambos publicamente que o objetivo das surras era incutir habitados pela população empobrecida.
nos palestinos o medo do exército israelense. Por volta de abril de 1988, mais de 180 palestinos
já haviam morrido. O governo israelense admitia a prisão
Shamir declarou que os acontecimentos haviam de 2 mil pessoas, mas o número conhecido de prisões che-
“rompido a barreira do medo (...) Temos a tarefa de voltar gava a 4 mil. Contudo, o número real era muito maior.
a criar essa barreira e conseguir que os árabes destas zonas Fontes de Gaza e da Cisjordânia estabeleciam que
voltem a ter medo da morte...” o número de detenções no fim de semana de 17 de mar-
E concluía dizendo que o levante jamais teria acon- ço excedia 13 mil. Bassam Shaka’a, o prefeito deposto de
tecido “se as tropas tivessem usado as armas de fogo desde Nablus, afirmava que somente em Dhariyah – um acampa-
o primeiro momento.”13 mento construído às pressas e cercado por arame farpado
– encontravam-se mais de 10 mil detidos.
A resistência palestina cresce No campo de Balata, nos arredores de Nablus, e
em Casbah, mil pessoas foram presas num intervalo de 48
A rebelião do povo palestino na Faixa de Gaza e na Cisjor- horas. A descoberta de pessoas em covas – com tiros nas
dânia englobou cada vila, cada cidade e cada campo de refu- costas ou na nuca – foi relatada em vários vilarejos nas áre-
giados. Crianças de até 8 anos de idade e idosos que chegam as de Gaza e da Cisjordânia.
aos 70 ou 80 anos desafiam o exército israelense diariamen- Bassam Shaka’a descreveu da seguinte forma a
te. Vilas inteiras, carregando bandeiras palestinas feitas de violência das unidades armadas israelenses:
lençóis e retalhos, marcham de forma desafiadora, cantan-
do e gritando palavras de ordem enquanto jogam pedras em Em qualquer casa em que se entre, ouvimos relatos de famílias
soldados, que respondem atirando com metralhadoras. cujos membros foram feridos ou presos. Comboios de ônibus
cruzam as ruas de Nablus seguidos por carros da Mossad – a
12.  John Kifner, New York Times, Nova York, 27/01/1988. polícia secreta israelense. Unidades armadas vasculham casa
13.  John Kifner, New York Times, Nova York, 27/01/1988. por casa, arrancando jovens de suas camas às 3h da manhã.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Na medida em que os ônibus se enchem, os soldados espan- Duas crianças com 9 e 11 anos de idade, vestin-
cam os jovens raivosamente, atingindo-os em suas cabeças, do seus pijamas, foram levadas pelos soldados, que faziam
virilhas, queixos e costas. Gritos de agonia enchem o ar. zombarias, obrigando-as a engatinhar pelas ruas ao mesmo
Quando o exército faz suas rondas, seqüestrando os jovens tempo em que as espancavam e as forçavam a limpar os
de suas casas, o povo se reúne nas janelas e telhados gritan- escombros.
do em uníssono: “Falistin Arábia, Thawra Hatta al Nas’r, Simultaneamente, o exército israelense voltava-se
Allah Akhbar” [por uma Palestina árabe, Revolução até a contra os hospitais. Tanques blindados investiam contra as
vitória. Alá é grande].” 14 ambulâncias e formavam bloqueios para impedir que elas
chegassem até as casas daqueles que haviam sido atacados
Bassam Shaka’a também descreveu as tentativas pelo gás. Em numerosas ocasiões, os soldados invadiram
do exército israelense de espalhar o pânico e o terror em o Hospital Ittihad, em Nablus, aprisionando os feridos e
Nablus e nas vilas próximas: aqueles que desejavam doar sangue para seus familiares.
Até mesmo a sala de cirurgias foi invadida no momento em
Frotas de helicópteros sobrevoam Nablus durante a noite, que os médicos estavam operando seus pacientes.
despejando sobre a cidade uma densa nuvem de gás verde Médicos foram espancados e equipamentos des-
e tóxico. O odor invade todas as casas. Unidades armadas truídos. Familiares foram impedidos de entrar no hospital
lançam, aleatoriamente, cápsulas da substância para den- e os carros de médicos e enfermeiros foram destruídos por
tro das casas. Médicos do Hospital Ittihad relatam vários soldados.
casos de morte e de ferimentos pulmonares provocados por Enquanto isso, toda Nablus estava paralisada por
esse asfixiante produto químico – totalmente distinto do gás uma greve geral. Em todas as ruas, em todos os quarteirões
lacrimogênio –, até o momento não-identificado. da cidade, era impossível ver sequer uma única loja ou local
comercial em atividade. Enquanto o gás invadia a cidade,
Entre as vítimas estavam, por exemplo, a avó gritos e cantos preenchiam a noite.
da família Da’as e o pai – com cem anos de idade – de Cápsulas de gás recuperadas por Bassam Shaka’a,
Mohammad­ Irshaid, um conhecido advogado de Nablus. Yousef al-Masri (chefe do Hospital Ittihad) e pelo escri-
Os soldados entraram na casa às 2h da manhã, destruindo tor norte-americano Alfred Lilienthal traziam a seguinte
a mobília e detonando uma cápsula do nefasto gás verde, ao inscrição: “560 cs. Federal Lab. Saltsburg, PA. USA MK2
mesmo tempo em que impediam que a família abandonasse 1988”. Bioquímicos estão estudando a propriedades desse
a residência. gás à medida que as mortes aumentam.
John Kifner relatou em 4 de abril que “centenas
14.  Conversações telefônicas do autor com Bassam Shaka’a entre de refugiados foram tratados nas clínicas da ONU devi-
5/02/1988 e 13/03/1988. do à inalação de gás”. No dia 15 de abril, Kifner escreveu:

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“(...) o gás foi atirado dentro de casas, clínicas e escolas, uma praia, onde foram enterrados vivos na areia. Depois
onde os efeitos são particularmente graves.”15 que os soldados partiram, moradores locais conseguiram
Seu relato foi o primeiro, depois de quatro meses desenterrá-los.
de uso dessas armas químicas, a reconhecer o fato de que: Relatos na imprensa oficial dão uma pequena di-
mensão da escala da brutalidade israelense. O relato de um
Médicos da Agência de Ajuda aos Refugiados Palestinos do soldado no jornal israelense Hadashot, e citado na Newsweek,
Oriente Próximo da ONU (UNRWA, na sigla em inglês) é um exemplo disto:
verificam sintomas não-relacionados com o gás lacrimogêneo,
e a agência está buscando informações sobre os componentes Nós temos ordens para bater a todas as portas, entrar e re-
do gás (...) para produzir um antídoto (...) especialmente tirar todas as pessoas do sexo masculino. Os mais jovens são
para os grupos mais vulneráveis (...) mulheres grávidas, os enfileirados com seus rostos contra a parede, e os soldados os
muito jovens e os idosos. espancam com seus cassetetes. Isto não se dá devido à ini-
ciativa particular de ninguém. Essas são as ordens de nossos
Posteriormente, Kifner relatou: “Avisos nas cáp- comandantes.16
sulas dizem que o conteúdo pode ser letal”. De todas as
partes de Gaza e da Cisjordânia surgiram relatos de abortos Os relatos evidenciam que os protestos israelenses
involuntários, hemorragia vaginal e asfixia que ocorreram contra os excessos praticados por soldados, isoladamente,
depois da disparo do gás. são obviamente falsos. A Newsweek revelou:

Um ligeiro olhar sobre a selvageria Armados com cassetetes de madeira com cerca de 70 cm e
incentivados por seu primeiro-ministro para “reintroduzir o
Um dos incidentes mais nefastos ocorreu na cidade de medo entre os árabes”, os soldados israelenses têm espancado
Qalqiya­. Soldados entraram na casa de trabalhadores, joga- metodicamente os palestinos desde o início de janeiro, que-
ram gasolina sobre seus corpos e atearam fogo. Seis traba- brando deliberadamente seus ossos e espancando os prisionei-
lhadores foram cobertos pelas chamas. Quatro das vítimas ros até que eles fiquem inconscientes. As mortes incluem não
conseguiram sair do prédio e rolaram pelo chão, arrancan- somente homens jovens (...) mas também mulheres. A maio-
do suas roupas; duas delas ficaram seriamente queimadas e ria dos feridos foge dos hospitais, com medo de ser detida.
em estado crítico.
Em 20 de fevereiro, dois jovens foram presos O fato de os feridos evitarem os hospitais tem im-
em Khan Yunis, espancados ferozmente e levados para pedido a realização de um relato preciso sobre os selvagens

15.  John Kifner, New York Times, Nova York, 4 e 15/04/1988. 16.  “A soldier’s account”, Newsweek, 8/02/1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

espancamentos em vasta escala e as mortes produzidas por Legiões inteiras de jovens baleados deliberada-
eles, mas um indício dessa situação foi dado pelos informes mente nos testículos foram verificadas no Hospital Shifa,
de equipes médicas que inspecionaram os feridos nos hos- em Gaza, e no Hospital Makasaad, em Jerusalém Orien-
pitais no início de fevereiro de 1988. tal. Soldados jogaram água fervente sobre uma criança de 2
A doutora Jennifer Leaning, professora da Escola anos de idade, deixando-a catatônica.
de Medicina de Harvard e especialista em traumas, relatou
suas descobertas: “Subjugando os protestos”

Há um padrão sistemático de ferimentos nos membros que John Kifner, correspondente do jornal New York Times, cha-
demonstra o claro propósito de provocar fraturas (...) um mou as rondas sistemáticas de “parte de uma série de novas
padrão consistente de quebra dos ossos da costa das mãos e e duras medidas, incluindo sanções econômicas e punições
do meio do antebraço que (...) advém da prática de manter coletivas, que o exército de Israel e outras autoridades es-
as mãos ou os braços presos em um local e aplicar fortes pan- tão impondo na esperança de subjugar os protestos, que se
cadas no osso.17 transformaram em um crescente e organizado movimento
de massas palestino nos territórios ocupados da Faixa de
Dra. Leaning e a equipe Médicos em Defesa dos Gaza e da Cisjordânia”.18
Direitos Humanos viajaram pela Cisjordânia e Faixa de As novas ordens do exército permitem detenções
Gaza. Eles concluíram: “É um padrão controlado. Um pa- sem qualquer tipo de acusação específica ou julgamento,
drão sistemático aplicado sobre uma vasta área geográfica. mesmo em cortes militares. Além disso, de acordo com
É como se eles tivessem sido instruídos a isso.” a edição do dia 23 de março do New York Times, “os no-
O relatório da doutora Leaning sobre os no- vos procedimentos impedem a possibilidade de revisão das
vos pacientes internados no Hospital Shifa, em Gaza, é sentenças de prisões administrativas e permitem que os co-
categórico: mandos locais ordenem as detenções”.
Imediatamente após o decreto, pessoas foram
Parece que eles foram atacados com marretas. O que é im- perseguidas dia e noite em mais de uma dúzia de distri-
pressionante é o número de fraturas por paciente. Parece que tos de refugiados, vilarejos e cidades da Cisjordânia e de
esses pacientes foram jogados dentro de uma máquina de la- Gaza.
var roupas. Eles [os soldados] mantiveram os pacientes no O ministro da Defesa israelense Yitzhak Rabin
chão e espancaram-nos sem parar. anunciou que os civis israelenses têm a mesma autoridade
que os soldados para atirar, acrescentando que os soldados

17.  Jennifer Leaning, New York Times, Nova York, 14/02/1988. 18.  John Kifner, New York Times, Nova York, 21/02/1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

não precisam fazer qualquer tipo de aviso prévio antes de confirmado por Hamdi Faraj, um reconhecido jornalista
atirar em palestinos.19 palestino.
A revista Newsweek foi ainda mais explícita:
O surgimento de formas de auto-organização
O decreto significa que os soldados israelenses podem atirar
nos jovens palestinos para matar (...) Yitzhak Rabin [esta- O recente levante palestino desafiou o controle israelense
va] , efetivamente, delegando esse poder aos colonos.20 de forma mais intensa do que ocorreu nos últimos 20 anos.
Toda a infra-estrutura do domínio de Israel foi desbarata-
A decisão, de acordo com a Newsweek, iria “abrir as da. Espiões estão pedindo perdão, confessando suas ações e
comportas da frustração represada de cerca de 60 mil co- expondo o aparato de controle. Policiais estão renunciando
lonos [sic]”. Isso foi pouco antes de um novo ataque acon- aos seus cargos.
tecer. No dia 6 de abril, colonos envolvidos em um claro As Ligas dos Vilarejos, organizações de colabo-
ato de provocação atiraram a sangue frio em um palestino radores israelenses, entraram em colapso. O jornal Los
que estava trabalhando em seu pedaço de terra, nos ar- Angeles­ Times afirma que os desafios colocados pela “Dire-
redores do vilarejo de Beita. A atenção, no entanto, foi ção Nacional Unificada do Levante” levou à renúncia con-
focada na morte de Tirza Porat, uma colona de 15 anos que selhos dos municípios, das cidades e dos vilarejos.
se encontrava junto com o grupo. Os colonos afirmaram Antes do levante, 20 mil palestinos trabalhavam
que Tirza Porat foi apedrejada até a morte pelos palestinos, sob o controle do exército e da polícia israelenses, pres-
mas uma autópsia revelou que ela foi baleada na cabeça por tando serviço na Cisjordânia e em Gaza. Eles eram pro-
um seguidor de Rabbi Meir Kahane (fundador da Liga de fessores, escriturários e administradores. A maioria deles
Defesa Judia) que atuava como seu guarda informal. também renunciou.
Apesar do relatório da autópsia, o primeiro-mi- Também de forma crescente, formas de auto-
nistro Itzak Shamir usou a ocasião para fazer a promessa organização­ estão emergindo na Cisjordânia e em Gaza.
solene de que os palestinos “iriam ser esmagados como ga- Os israelenses fecharam as escolas; a resistência organiza
fanhotos (...) com as cabeças despedaçadas contra as rochas as aulas. Os israelenses ordenam a abertura das lojas; a
e as paredes”.21 resistência garante que elas permaneçam fechadas. Os is-
No vilarejo de Beita, cenário do incidente, 30 raelenses fecham as lojas, a resistência promove a abertura
casas foram explodidas. O número de casas destruídas foi delas.
Cisjordânia e Gaza estão presas em uma armadilha
19.  Los Angeles Times, Los Angeles, 23/03/1988. que a Newsweek chamou de “arranjo colonial”. O periódico
20.  Newsweek, 4/04/1988 cita o demógrafo israelense Meron Benvenisti, ex-prefeito­
21.  New York Times, 1/04/1988. de Jerusalém, que afirmou: “Os territórios ocupados trans-

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

formaram-se em uma fonte de mão-de-obra barata e em “Zonas liberadas”


mercado cativo para os produtos israelenses”.22
Benvenisti também revela que o superávit comer- Nenhum tipo de trégua pode ser esperada por Israel. As
cial de Israel com Gaza e Cisjordânia é de us$ 500 milhões vilas em Gaza e na Cisjordânia têm respondido de forma
ao ano. O governo ainda arrecada mais us$ 80 milhões por desafiante ao bárbaro massacre promovido por Israel, de-
ano com taxas cobradas sobre os insignificantes serviços clarando a si próprias como “zonas liberadas”, levantando
sociais que oferece. Os territórios importam us$ 780 mi- barricadas nas ruas e hasteando a bandeira palestina.
lhões por ano em produtos israelenses, vendidos por pre- A Newsweek informa: “Seus protestos são habil-
ços altíssimos. mente coordenados através de panfletos publicados pelo
Mas o levante mudou tudo, declara a Newsweek: nebuloso Comando Nacional Unificado do Levante. Seus
panfletos são a lei daquela terra.” 23
Os palestinos têm algumas armas econômicas próprias. Mi- Apesar da repressão brutal, a moral palestina nun-
lhares de trabalhadores árabes há muito tempo abandona- ca esteve tão alta. Esse espírito talvez seja o fator de maior
ram seus empregos em fazendas, fábricas e canteiros de obras preocupação para o Estado de Israel. O primeiro-ministro,
israelenses. Lojistas palestinos deixaram de comprar produtos Yitzhak Shamir, declarou à televisão israelense: “As pessoas
israelenses. Negociantes árabes e profissionais autônomos de- que estão jogando as pedras, os incitadores, os líderes, hoje
ram um golpe ainda mais direto na ocupação: eles têm se re- estão em uma situação de euforia, de grande entusiasmo.
cusado a pagar os impostos e as taxas comerciais israelenses. Eles pensam que são os vitoriosos.”
O editor para o Oriente Médio do Jerusalem Post,
Assim, como a Newsweek reconheceu, o impacto Yehudi Litani, relatou que “as forças de segurança [israe-
econômico se produz em duas direções. A indústria da lenses] estimam que o exército já deteve a maioria daqueles
construção industrial israelense, que retirava 42% de sua que, agora, estão liderando o levante” – e mesmo assim o
mão-de-obra dos territórios ocupados, “foi paralisada pelas levante continua, os panfletos continuam a surgir e uma si-
greves dos árabes”. Hotéis em Jerusalém também relatam tuação que se aproxima do pânico continua a vigorar entre
uma profunda queda nas reservas da primavera. os líderes israelenses.
O ministro da Economia israelense, Gad Yaacobi, No dia 30 de março, Dia da Terra – o dia em que
estimou que os primeiros três meses de “distúrbios” custa- os palestinos que moravam em Israel antes de 1967 protes-
ram, “no mínimo, us$ 300 milhões” à economia de Israel tam contra o confisco de suas terras –, foi convocada uma
– 10% da ajuda econômica que os Estados Unidos dão em greve geral de palestinos que residem dentro das fronteiras
um ano inteiro. existentes antes de 1967. Essa ação reanimou a greve geral

22.  Newsweek, 28/03/1988. 23.  Newsweek, 28/03/1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

em apoio ao levante, que foi levada a cabo pela primeira vez nistro do Comércio, anunciou que o levante “iria nos le-
em 21 de dezembro de 1987. var inevitavelmente para a guerra com os Estados árabes
A Direção Nacional Unificada do Levante nos e para a expulsão dos árabes da Cisjordânia, de Gaza e da
Territórios Ocupados convocou “enormes protestos con- Galiléia”.25
tra o exército e as colônias”, que coincidiram com a greve Mas os palestinos, que já estão enfrentando o 40º
geral. ano de ocupação desde a fundação do Estado de Israel, não
Pela primeira vez desde 1948, palestinos em todo foram intimidados. A “guerra revolucionária” do povo pa-
o Líbano – acompanhados por libaneses em Sidon, Beirute lestino está recrutando os corações e as mentes dos jovens
e outras cidades – também protagonizaram seus próprios em todos os países árabes e nas capitais ao redor de todo o
protestos e uma greve geral em solidariedade ao levante. mundo.
O levante não galvanizou apenas os árabes israe- Esse “espírito” foi totalmente captado em uma car-
lenses, mas também os palestinos da diáspora. A partici- ta escrita por membros da resistência clandestina palestina
pação dos palestinos do Líbano e de milhares de libaneses no território ocupado da Cisjordânia, endereçada a uma
locais foi sentida em todo o mundo árabe. manifestação realizada em 3 de março de 1988, em Paris,
Essa nova fase da revolução palestina não deixou organizada por um comitê de defesa dos direitos humanos
de ser percebida pelas autoridades israelenses. Numa ten- na Palestina. Em um trecho, a carta afirma:
tativa de conter a coordenação entre os palestinos dentro
da “Linha Verde” [as fronteiras anteriores a 1967] e os pa- Caros amigos,
lestinos residentes em Gaza e na Cisjordânia, os israelenses Nós estamos enviando esta carta a partir de nossa amada
“lacraram” completamente estas últimas duas áreas. Como terra – nossa honrada terra, uma terra de dignidade, de co-
declarou um graduado militar: ragem e rebeldia –, de nossa Palestina, de nossa Jerusalém,
a cidade sagrada.
Já que a Intifada [o Levante] está acontecendo tanto na Nós enviamos esta carta em nome de nosso povo; um povo
Cisjordânia quanto em Israel [grifo nosso], nós decidimos paciente que hoje está se levantando bem alto e conduzindo
separar os dois e evitar a desordem pública em larga escala.24 uma luta sem paralelos em toda a nossa história.
Nós queremos que vocês saibam que o povo palestino não foi
Já o ministro da Defesa Rabin disse: “Nós quere- derrotado. Eles estão vivos. Eles estão lutando. Eles estão
mos deixar bem claro que nós não iremos hesitar em usar dizendo que não irão aceitar humilhação e submissão.
quaisquer medidas que sejam necessárias”. A confiança de nosso povo é reforçada pela certeza de que a
Ariel Sharon, ex-ministro da Defesa e então mi- legitimidade desta luta é imensa. E nosso povo sabe que a

24.  Los Angeles Times, Los Angeles, 29/03/1988. 25.  New York Times, Nova York, 1/04/1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

vitória é certa, sejam quais forem os sacrifícios, seja qual for nismo e do imperialismo – para enfrentar a violência das me-
o preço que teremos de pagar. tralhadoras, dos cassetetes, dos seqüestros e dos assassinatos.
Hoje, nosso povo está sofrendo. Eles estão derramando seu Nossas armas vêm de nossa terra natal. Elas são as pedras
sangue para ganhar liberdade, dignidade e honra, o direito com as quais nosso povo construiu uma muralha para defen-
para determinar seu destino, o direito de viver em sua terra der seus combatentes e a revolução.
natal e de construir um Estado livre, democrático e soberano Caros amigos: vocês deveriam saber o que está acontecen-
em toda a Palestina. do em nossa terra natal. Duas semanas atrás, as forças de
Para todos os homens e mulheres livres, para todos os compa- ocupação enterraram oito jovens vivos, depois de terem sido
nheiros, nós dizemos o seguinte: brutalmente espancados e seus membros quebrados. Quatro
O povo palestino tem sido vítima, durante muitas décadas, deles foram salvos pela população; os outros quatro nunca
de um complô internacional – com nefastos ataques – com o foram achados.
objetivo de exilá-lo e persegui-lo nas terras em que eles têm Três dias atrás, as forças militares de Israel jogaram três jo-
vivido por séculos. vens palestinos, ainda vivos, de um helicóptero que voava em
Nós fomos expulsos de nossas terras – terras que, agora, es- alta altitude. Um deles tinha 13 anos de idade.
tão ocupadas por estrangeiros em consonância com os obje- É isso que eles estão fazendo atualmente com nosso povo.
tivos do colonialismo e do imperialismo. Essa colonização Caros amigos: nós queremos que vocês saibam que nós re-
foi imposta pelas leis da opressão promovidas pelas nações jeitamos todas as chamadas soluções e projetos de paz que
do Ocidente e pelos regimes totalitários do Leste. Estas leis algumas pessoas gostariam de nos impor por meio das confe-
opressivas também são as leis do sionismo internacional. rências internacionais. Nós queremos que vocês saibam que
Nós fomos submetidos ao terror, ao assassinato, à tortura. nós estamos totalmente comprometidos em dar continuidade
Hoje, até mesmo os nossos mais elementares e legítimos di- à nossa revolução até a total liberação de toda a Palesti-
reitos são negados. na, até o estabelecimento de um Estado livre e democrático
Eles tentaram nos transformar em um povo exilado, destina- de todos os palestinos, no qual todos os homens e mulheres
do a viver permanentemente em campos de refugiados. Eles livres, independentemente de onde eles sejam, serão bem-
tentaram nos destruir e nos eliminar. vindos­, contanto que eles aceitem viver conosco, como iguais,
Por meio das guerras de 1948 e 1967 eles impuseram a ocu- na nossa terra palestina.
pação de toda a Palestina. Mas eles esqueceram que, ao ocu- Nós não estamos mais de joelhos. Nós estamos firmes sobre
par toda a Palestina, eles também unificaram todo o povo nossos pés. Nós não iremos nos render. Nós acreditamos que
palestino na sua luta contra a opressão. é legítimo que exijamos ajuda e assistência de todos os povos
É isso que está acontecendo hoje, quando as crianças, os ve- do mundo que estão lutando para se verem livres de toda
lhos, as mulheres e os jovens se levantam como uma única opressão.
pessoa, sem armas, para enfrentar a máquina militar do sio- Nós solicitamos que vocês não somente falem em apoio à nos-

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

sa luta em seus discursos e protestos, mas também exijam que cação do que com a manutenção da fé em um Israel territo-
seus governos assumam uma clara postura de oposição aos rialmente inviolável.26
métodos repressivos e criminosos do sionismo. Nós solicitamos
o seu apoio moral e material para o povo palestino, que está Henoch Smith, um norte-americano especialista
lutando para obter sua vitória final. em pesquisas eleitorais, discutindo sobre o novo “desafio”
colocado pelos sefarditas, afirmou: “Este ano, pela primei-
O povo palestino levantou-se e seu grito por ra vez, eles irão contabilizar 51% dos votantes”.
emancipação está mobilizando todas as massas pauperiza- Como a carta dos companheiros clandestinos ates-
das dos países árabes do Oriente. Reduzidos a uma condi- ta, o povo palestino, auto-estimulado e com uma crescente
ção de penúria por regimes corruptos que venderam seus confiança no poder da luta de massas, está solicitando “a
países, os povos do Egito, da Jordânia e da Arábia Saudita ajuda e a assistência de todos os povos do mundo que estão
começaram a responder ao extraordinário exemplo dado lutando para se ver livres de toda opressão”.
pelo povo palestino. Essa mensagem está começando a atingir os ju-
Talvez ainda mais significativo seja um detalhado deus israelenses. Está para chegar o dia em que eles tam-
relato feito por Robert S. Greenberger, do The Wall Street bém irão desejar um futuro sem o Estado sionista que tem
Journal, descrevendo o profundo efeito da Intifada entre as combinado a subjugação dos palestinos com a exploração
próprias massas judaicas, particularmente os judeus origi- dos judeus pobres.
nários de países árabes, os sefarditas. Este livro tem por objetivo trazer à tona a história
Compondo, agora, cerca de 70% da população de oculta do sionismo, um movimento enraizado na ideologia
Israel, seus sentimentos estão mudando; em contraste com da opressão racista por parte dos judeus e colonizadores da
os radicais do Likud (o partido no poder, em Israel), como mesma estirpe. O livro foi escrito em antecipação ao dia
Reuvin Rivlin – que declara de forma execrável: “Eu acre- em que a dedicação e o fervor do povo palestino, persegui-
dito que Deus é judeu; eu acredito que o problema demo- do e oprimido por tanto tempo, falarão aos judeus, relem-
gráfico será resolvido” –, os judeus sefarditas estão dando brando-os de sua própria história dolorosa, de um progra-
uma resposta diferente à situação: ma para uma Palestina em que as vítimas do passado e do
presente irão criar juntas a Intifada do futuro e derrubar
Os protestos esfacelaram o mito perpetuado pelo fundador do um Estado baseado na opressão, na tortura, na expulsão,
Likud, Menachem Begin, e seu sucessor, o primeiro-ministro na expansão e na guerra sem fim.
Itzak Shamir (...) Os sefarditas estão exigindo serviços sociais
e querem construir uma ponte sobre o abismo criado entre ide- Ralph Schoenman, 19 de abril de 1988.
ologia e soluções práticas para o conflito árabe-israelense.
(...) Eles se preocupam mais com empregos, moradia e edu- 26.  The Wall Street Journal, 8/04/1988.

40 41
Capítulo 1. Os quatro mitos

Não é casual que quando alguém tente analisar a natureza


do sionismo – suas origens, história e dinâmica – esbarre
com gente que queira assustá-lo ou ameaçá-lo. Faz pouco
tempo, os organizadores de um comício sobre as reivindi-
cações do povo palestino fizeram menção a ele em entre-
vista a uma emissora de rádio em Los Angeles (a KPFK) e
veio por telefone uma avalanche de ameaças anônimas de
bombas.
Também não é fácil, nos Estados Unidos ou na
Europa Ocidental, difundir informações sobre a natureza
do sionismo ou analisar os fatos específicos que transfor-
maram o sionismo num movimento político. Até mesmo
o anúncio oficial de fóruns ou assembléias sobre o tema
nas universidades provoca invariavelmente uma campanha
destinada a impedir a discussão. Cartazes são arrancados
logo que são colados. Piquetes volantes de jovens sionis-
tas irrompem nas reuniões para acabar com elas. As me-
sas onde são expostos os documentos são destruídas e logo
aparecem artigos e panfletos denunciando os oradores
como anti-semitas, ou como renegados no caso de serem
de origem judaica.
Tal animosidade geral e calúnia contra os anti-
sionistas devem-se ao enorme contraste entre a ficção ofi-

43
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

cial sobre o sionismo e o Estado de Israel, de um lado, e O terceiro mito é o da “segurança” como força
a prática bárbara de sua ideologia colonial e seu aparato motriz da política exterior israelense. Os sionistas susten-
repressivo, de outro. As pessoas impressionam-se quando tam que seu Estado tem de ser a quarta potência militar
têm a oportunidade de ouvir ou ler algo sobre o século de do mundo porque Israel viu-se obrigado a se defender da
perseguição que vêm sofrendo os palestinos. Por isso, os ameaça iminente das massas árabes, primitivas, cheias de
defensores do sionismo incansavelmente evitam a análise ódio e que há pouco abandonaram as árvores.
coerente e desapaixonada da história do virulento chauvi- O quarto mito é que o sionismo é o “herdeiro mo-
nismo do movimento sionista e do Estado que encarna seus ral” das vítimas do Holocausto. É o mais difundido e o mais
valores. insidioso dos mitos sobre o sionismo. Os ideólogos desse
A ironia de tudo isso é que, quando estudamos movimento se dizem envoltos no sudário coletivo dos 6
o que os sionistas têm escrito e dito – sobretudo, quando milhões de judeus que foram vítimas do assassinato nazista.
falam para eles mesmos –, não fica nenhuma dúvida sobre A cruel e amarga ironia dessa falsa reivindicação reside em
o que fizeram ou sobre seu lugar no espectro político desde que o movimento sionista manteve desde o princípio uma
o último quarto do século 19 até hoje. ativa coalizão com o nazismo.
Quatro mitos fundamentais têm moldado a consci- A maior parte das pessoas estranha o fato de que
ência da maior parte de nossa sociedade sobre o sionismo. o movimento sionista, que sempre invoca o horror do Ho-
O primeiro é o de “uma terra sem povo para um locausto, tenha colaborado ativamente com o inimigo mais
povo sem terra”, mito assiduamente cultivado pelos primei- feroz que os judeus já tiveram. No entanto, a história re-
ros sionistas para criar a ficção de que a Palestina era um vela não somente uma comunidade de interesses, mas uma
lugar remoto e desolado que esperava que alguém a ocupas- profunda afinidade ideológica que tem sua raiz no extremo
se. A essa pretensão veio em seguida a negação da identida- chauvinismo que compartilham.
de, nacionalidade ou títulos legítimos de posse dessa terra
pelos palestinos, que viveram nela tempo imemorável.
O segundo é o mito da “democracia israelense”.
Inumeráveis notícias e referências ao Estado de Israel na
televisão ou na imprensa incluem como adendo que ela se-
ria a única “autêntica” democracia do Oriente Médio. Na
realidade, Israel é tão democrático como pode sê-lo o es-
tado de apartheid na África do Sul. As liberdades civis, os
procedimentos judiciais e os direitos humanos básicos são
negados por lei aos que não cumprem os requisitos raciais
e religiosos.

44 45
Capítulo 2. Os objetivos sionistas

O objetivo do sionismo nunca foi meramente colonizar a


Palestina – como foi o objetivo dos movimentos coloniais
e imperiais clássicos nos séculos 19 e 20. O colonialismo
europeu na África e na Ásia buscava essencialmente explo-
rar os povos nativos como mão-de-obra barata e extrair os
recursos naturais para conseguir lucros exorbitantes.
O que distingue o sionismo dos demais movimen-
tos coloniais é a relação entre os colonos e o povo a ser
conquistado. O movimento sionista tem como objetivo de-
clarado não somente explorar o povo palestino, mas tam-
bém dispersá-lo e expropriá-lo. A intenção era substituir a
população nativa por uma nova comunidade de colonos,
expulsar os camponeses, os artesãos e a população urbana
da Palestina e substituí-los por uma força de trabalho com-
pletamente nova composta por colonos.
Ao negar a existência do povo palestino, o sionis-
mo pretendia criar o clima político para expulsá-lo não so-
mente de sua terra, mas também da história. Quando se
reconhecia de algum modo a sua existência, os palestinos
eram reinventados como um resíduo semi-selvagem, nô-
made. Falsificaram os fatos históricos – procedimento que
começou no último quarto do século 19, mas se prolonga
até hoje com escritos pseudo-históricos do estilo de From

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Time Imemmorial, de Joan Peters. judeus”. Gordon organizou um boicote às empresas sionis-
O movimento sionista buscou diversos padrinhos tas que não contratavam exclusivamente judeus e organizou
imperiais para sua sangrenta empreitada. Entre eles, o Im- greves contra os colonos de Rotschild que permitiam que
pério Otomano, a Alemanha imperial, o Raj britânico, o camponeses árabes trabalhassem nas terras ou fossem arren-
colonialismo francês e a Rússia czarista. Os planos sionistas datários, mesmo que na condição de mão-de-obra barata.
para o povo palestino antecipavam a solução otomana para Desse modo, os “trabalhistas sionistas” utilizaram
os armênios, que foram exterminados no primeiro grande os métodos do movimento operário para impedir a contrata-
genocídio do século 20. ção de árabes; seu objetivo não era explorar, mas usurpar.

Os planos sionistas para o povo palestino A sociedade palestina

Desde o início, o movimento sionista buscou a “armenização” No final do século 19, havia na Palestina mais de mil povoa-
do povo palestino. Como os nativos americanos, os palesti- dos ou aldeias. Jerusalém, Haifa, Gaza, Yaffa, Nablus, Acre,
nos eram considerados como “um povo que sobra”. A lógica Jericó, Ramle, Hebron e Nazaré eram cidades em expan-
era eliminá-lo. A solução seria promover um genocídio. são. As colinas estavam cuidadosamente aradas. Canais de
Isso vale também para o movimento trabalhista irrigação sulcavam todo o território. Os jardins de frutas cí-
sionista, que deu um verniz “socialista” à empreitada colo- tricas, as oliveiras e os cereais da Palestina eram conhecidos
nial. Aaron David Gordon foi um dos principais teóricos do em todo o mundo. O comércio, o artesanato, a indústria
sionismo trabalhista, fundador do partido sionista Ha’Poel têxtil, a construção e a produção agrícola prosperavam.
Há Tzair (O Jovem Operário) e partidário do Poale Zion Os relatos dos viajantes dos séculos 18 e 19 esta-
(Trabalhadores de Sion). vam cheios de dados, assim como os informes acadêmicos
Em sua História do sionismo, Walter Laqueur reco- publicados quinzenalmente no século 19 pelo Fundo Britâ-
nhece que “A. D. Gordon e seus companheiros queriam nico para a Exploração da Palestina.
que cada árvore e cada arbusto fossem plantados por pio- Na realidade, foram precisamente a coesão social
neiros judeus” . e a estabilidade da sociedade palestina que levaram Lorde
Gordon cunhou o slogan “conquista do trabalho” Palmerston a propor em 1840, premonitoriamente, quan-
(“Kibbush avodah”). Ele convocou os capitalistas judeus e a do a Grã-Bretanha estabeleceu consulado em Jerusalém, a
diretoria da plantação dos Rotschild – que haviam conse- fundação de uma colônia judia européia para “preservar os
guido terra dos fazendeiros turcos absenteístas passando por interesses mais gerais do Império Britânico”.
cima do povo palestino – a “contratar os judeus e somente os
.  Joy Bonds et al., Our roots are still alive: the story of Palestinian people,
.  Walter Laqueur, History of Zionism, Londres, 1972. NY, Institute for Independent Social Journalism & Peoples, 1977, p. 13.

48 49
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

A sociedade palestina, ainda que padecendo da Cortejando o favor do Império


colaboração dos fazendeiros feudais (effendi) com o Impé-
rio Otomano, era produtiva e culturalmente diversificada, Em 1896, Theodor estabeleceu seu plano para induzir o
com um campesinato muito consciente de seu papel social. Império Otomano a entregar a Palestina ao movimento
Os camponeses e a população urbana palestina haviam es- sionista:
tabelecido uma distinção clara, e muito bem assimilada,
entre os judeus que viviam entre eles e os colonizadores Supondo que Sua Majestade o sultão nos entregasse a
que sobreviriam. Isso ocorria desde os anos 1820, quando Palestina­, poderíamos em troca ocupar-nos de regularizar as
20 mil judeus de Jerusalém integraram-se totalmente à so- finanças na Turquia. Formaríamos lá uma civilização frente
ciedade palestina e foram plenamente aceitos. à barbárie.
Quando, em 1886, os colonizadores em Petah
Tkvah tentaram expulsar os camponeses de suas terras, Em 1905, o Sétimo Congresso Sionista Mundial
eles se chocaram com uma resistência organizada, porém teve de reconhecer que o povo palestino estava organizado
os trabalhadores judeus dos povoados e comunidades vi- em um movimento político para tornar-se independente na-
zinhas não sofreram nenhuma conseqüência. Quando os cionalmente do Império Otomano, o que não somente ame-
armênios que fugiam do genocídio turco se estabeleceram açava a dominação turca senão também os planos sionistas.
na Palestina, foram bem recebidos. Esse genocídio foi abo- Nesse congresso, Max Nordau, destacado líder
minavelmente defendido por Vladimir Jabotinsky e outros sionista, resumiu as preocupações sionistas:
sionistas em seu afã de obter o apoio turco.
Na realidade, até a Declaração Balfour (1917), a O movimento que se apoderou de grande parte do povo ára-
resposta palestina aos colonizadores sionistas foi impru- be pode, com facilidade, dar à Palestina uma direção que
dentemente tolerante. Na Palestina não havia nenhum resulte nociva (...). O governo turco pode ver-se obrigado
ódio organizado contra os judeus, ninguém organizava a defender seu domínio na Palestina e na Síria mediante a
massacres como os do czar ou dos anti-semitas poloneses, força armada (...). Em tais circunstâncias, cabe convencer a
não surgiu nenhuma reação simétrica pelo lado palestino Turquia de que lhe será importante contar, na Palestina e na
contra os colonos armados que utilizavam a força sempre Síria, com um grupo forte e também organizado que (...) se
que podiam para expulsar os palestinos de suas terras. oponha a qualquer ataque à autoridade do sultão e defenda
Nem sequer as rebeliões espontâneas, que expressavam a sua autoridade com todas as suas forças.
raiva dos palestinos contra os constantes roubos de suas
terras, eram dirigidas diretamente contra os judeus como .  Theodore Herzl, The Jewish State, Londres, 1896.
tais. .  Apud Hyman Lumer, Zionism: its role in world politics, Nova York,
International Publishers, 1973.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Quando o kaiser dispôs-se a forjar uma aliança vernos imperiais otomano e alemão. Em 2 de novembro
com a Turquia como parte de seu enfrentamento com a de 1917 era publicada a Declaração Balfour. Entre outras
Grã-Bretanha e a França pelo controle do Oriente Médio, coisas, dizia:
o movimento sionista fez ofertas similares à Alemanha im-
perial. O kaiser manteve-se durante quase dez anos num O governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabeleci-
vaivém de negociações com a direção sionista para formu- mento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e
lar o plano de um Estado judeu sob os auspícios dos otoma- fará tudo o que estiver ao seu alcance para facilitar a reali-
nos. Esse plano tinha como tarefa principal a erradicação zação desse objetivo (...).
da resistência anticolonial palestina e a garantia dos inte-
resses da Alemanha imperial na região. Os sionistas defendiam sua reivindicação da Pales-
No entanto, em 1914 a Organização Sionista Mun- tina com todo o cinismo. Num momento, eles afirmavam
dial tinha avançado, e muito, em suas gestões paralelas para que a Palestina era uma terra deserta visitada ocasional-
recrutar o Império Britânico na tarefa de explodir o Impé- mente por nômades; no momento seguinte, propunham
rio Otomano com a ajuda sionista. Chaim Weizmann, que subjugar a mesma população palestina que pouco antes
chegaria a presidente da Organização Sionista Mundial, fez haviam tratado como invisível. O próprio A. D. Gordon
uma importante declaração pública: reiterou repetidamente a necessidade de impedir que os
palestinos, em cuja não-existência ele insistia, cultivassem
É bastante aceitável dizer que, se a Palestina cair na esfera a terra.
de influência britânica e a Grã-Bretanha estimular o esta- Isso se traduzia na completa expulsão dos não-ju-
belecimento dos judeus lá, como uma dependência britânica, deus da “pátria judaica”. Uma descrição similar circulava
em 20 ou 30 anos poderemos ter lá um milhão de judeus, nos pronunciamentos dos dirigentes britânicos e sionistas
ou talvez mais. Eles desenvolveriam o país, restituiriam a em seus planos para a população palestina. Na época da De-
civilização e formariam uma guarda muito mais efetiva para claração Balfour, os exércitos imperiais britânicos haviam
o Canal de Suez. ocupado a maior parte do Império Otomano no Oriente
Médio, recrutando os líderes árabes para combater os tur-
A Declaração Balfour cos sob a direção britânica em troca de garantias britânicas
de “autodeterminação”.
Weizmann conseguiu arrancar dos britânicos o que os di- Enquanto os sionistas, em sua propaganda, insis-
rigentes sionistas haviam pedido simultaneamente aos go-
.  John Norton Moore (ed.), The Arab-Israeli conflict, Princeton N.J.,
.  Chaim Weizmann, Trial and error: the autobiography of Chaim Weiz- The American Society of International Law & Princeton University
mann, Nova York, Harpers, 1949, p. 149. Press, 1977, p. 885.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

tiam no fato de que a Palestina era despovoada, em seus dos mais de 700 mil árabes que atualmente ocupam aquela
tratados com os padrinhos imperiais eles deixavam claro terra ancestral.
que a subjugação do território era uma necessidade pre-
mente e se ofereciam como instrumento para tal. A conexão sul-africana
Os britânicos respondiam de igual modo. A De-
claração Balfour também continha uma passagem destina- Esse conchavo secreto entre Balfour e a direção sionista
da a enganar os líderes feudais árabes, impressionados pela para trair as aspirações do povo palestino apresenta uma di-
traição do Império Britânico ao entregar aos sionistas a mensão ainda mais particular. O general Jan Smuts, grande
mesma terra que haviam prometido a eles: (...) devendo-se amigo de Weizmann e futuro primeiro-ministro da África
entender claramente que nada se fará que possa prejudicar do Sul – como delegado desse país no gabinete de guerra
os direitos civis e religiosos das comunidades não-judias britânico durante a Primeira Guerra Mundial – contribuiu
existentes na Palestina (...) . para influenciar o governo britânico a adotar a Declaração
Durante anos os britânicos utilizaram a direção Balfour e comprometer-se em construir uma colônia sio-
sionista para conseguir apoio dos bancos e grandes capita- nista sob a direção britânica.
listas judeus dos Estados Unidos e da Grã- Bretanha para A relação entre o movimento sionista e os colonos
sua guerra contra o Império Alemão. Com Weizmann, sul-africanos desenvolveu-se anteriormente, como também
preparavam-se para utilizar a colonização sionista da Pa- acontecera em relação a amizades entre o general Snuts e
lestina como instrumento para controlar politicamente a Chaim Weizmann. Na virada do século, uma considerável
população palestina. colônia judaica, sobretudo a procedente da Lituânia, já se
A “terra sem povo para um povo sem terra” era, havia estabelecido na África do Sul. O movimento sionis-
na realidade, um país em ebulição contra o jugo colonial. ta considerava esses judeus particularmente receptivos às
O próprio ex-primeiro-ministro e secretário das Relações idéias sionistas porque na África do Sul eles já tinham status
Exteriores, Arthur Balfour, foi brutalmente explícito em de colonos. Os dirigentes sionistas viajavam constantemen-
memorandos dirigidos aos funcionários, apesar de suas vãs te à África do Sul em busca de apoio político e financeiro.
declarações públicas sobre os “direitos civis e religiosos das N. Kirschner, ex-presidente da Federação Sio-
comunidades não-judias (sic) da Palestina”: nista Sul-Africana, evoca com grande vivacidade a íntima
interação entre os dirigentes sionistas e sul-africanos, a
Com razão ou sem ela, por bem ou por mal, o sionismo está identificação de sionistas como Weizmann e Herzl com a
arraigado nas necessidades presentes e esperanças futuras e concepção sul-africana de uma colonização baseada na dis-
é de uma importância muito mais profunda que os desejos
.  Apud Harry N. Howard, The King Commission: an American inquiry in
.  Moore, 1977, p. 885. the Middle East, Beirute, 1963.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

criminação racial e a importância do pacto virtual entre E continuava:


ambos os movimentos.
Ao identificar o sionismo com a ideologia dos co- Os mais pobres irão primeiro, para cultivar a terra. De acor-
lonos sul-africanos, Chaim Weizmann não fazia senão se- do com um plano preestabelecido, eles construirão estradas,
guir a admiração expressada anteriormente por Theodor pontes, ferrovias e postos de telégrafo; regularão os rios e
Herzl, o fundador do sionismo político, com relação ao construirão suas próprias casas; seu trabalho criará merca-
ideólogo da quintessência colonial, sir Cecil Rhodes. Herzl dos e os mercados atrairão novos colonos.12
pretendia inspirar seu próprio futuro político nas conquis-
tas de Rhodes: Por volta de 1934, um importante grupo de in-
vestidores e grandes capitalistas sul-africanos fundou a
Naturalmente, há grandes diferenças entre Cecil Rhodes e Investimentos Afro-Israelenses para adquirir terras na
minha humilde pessoa, com grande desvantagem pessoal de Palestina­. Depois de 54 anos, a empresa continua existin-
minha parte; porém, em termos objetivos, elas são de grande do, com os sul-africanos como sócios e com os ativos nas
vantagem para o movimento sionista.10 mãos do Banco Leumi, de Israel.13

Herzl era partidário de que os sionistas dispersas- A muralha de ferro


sem os palestinos utilizando os métodos pioneiros empre-
gados por Rhodes, e defendia a urgência da formação de A tensão entre a mentira de que a Palestina estava vazia e
um equivalente judeu das companhias coloniais, um amál- a exigência de subjugar impiedosamente os “inexistentes”
gama de exploração colonial e empresarial: habitantes era menos aguda quando os sionistas discutiam
a estratégia entre eles próprios. Nesse caso, a realidade do
A Companhia Judaica inspira-se em parte nos traços de uma que era necessário para colonizar a Palestina precedia a
grande companhia de compra. Poderia chamar-se Sociedade propaganda.
Comunitária Judaica, ainda que não possa exercer um poder Um dos ideólogos pioneiros do sionismo, Vladi-
soberano e não tenha senão tarefas puramente coloniais.11 mir Jabotinsky, é conhecido como fundador do “sionismo
revisionista”, uma corrente sionista com pouca paciência
.  N. Kirschner, “Zionism and the Union of South Africa: Fifty years em relação à fachada liberal e socialista utilizada pelos sio-
of friendship and understanding”, Jewish Affairs, África do Sul, maio de nistas “trabalhistas” (atualmente, o sionismo revisionista é
1960.
10.  Theodor Herzl, Diaries, v. II, p. 793.
11.  Theodor Herzl, The Jewish State: an atempt at a modern solution of the 12.  Ibid., p. 28.
Jewish question, p. 33. Apud Uri Davis, Israel: an apartheid State, Londres, 13.  “For love and money”, in Israel: a survey, Financial Mail, Johannes-
Zed Books, 1987, p. 4. burgo, África do Sul, 11 de maio de 1984, p. 41.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

representando por Menachem Begin e Itzhak Shamir). outro mestre voluntariamente. Assim ocorre com os árabes.
Em 1923, Jabotinsky escreveu A muralha de ferro, Conciliadores entre nós tentam nos convencer de que os ára-
um ensaio que pode ser considerado ponto de referência bes são uma espécie de tolos que serão enganados com formu-
para todo o movimento sionista. Ele estabeleceu aberta- lações que ocultem nossos objetivos básicos. Nego-me redon-
mente as premissas essenciais do sionismo que, em reali- damente a aceitar esta visão dos árabes palestinos.
dade, haviam sido elaboradas antes, ainda que com menos Eles têm exatamente a mesma psicologia que nós. Olham a
eloqüência, por Theodor Herzl, Chaim Weizmann e ou- Palestina com o mesmo amor instintivo e o mesmo autên-
tros. O raciocínio de Jabotinsky tem sido citado e reconhe- tico fervor com que qualquer asteca olhava seu México ou
cido por diversos – e posteriores – defensores do sionismo, qualquer sioux contemplava sua pradaria. Qualquer povo
desde os supostamente de “esquerda” até os chamados de lutará contra os colonizadores enquanto lhe reste um fio de
“direita”. Ele escreveu o seguinte: esperança de que eles possam evitar o perigo da conquista e
da colonização. Os palestinos lutarão dessa forma até que
Não cabe pensar em uma reconciliação voluntária entre nós não haja mais o menor lampejo de esperança.
e os árabes, nem agora nem num futuro previsível. Todas Não importam as palavras com que expliquemos nossa co-
as pessoas bem-intencionadas, salvo os cegos de nascimento, lonização. A colonização tem seu próprio significado, ple-
compreenderam há muito a completa impossibilidade de se no e imprescindível, compreendido por qualquer judeu e por
chegar a um acordo voluntário com os árabes da Palestina qualquer árabe. A colonização tem um só objetivo. Tal é a
para transformar a Palestina de país árabe em um país de natureza dessas coisas. E tentar mudar seu caráter é impossí-
maioria judia. Cada um de vocês tem uma idéia geral da vel. Foi necessário desenvolver a colonização contra a vonta-
história das colonizações. Tente achar ao menos um exemplo de dos árabes palestinos e a mesma situação se dá hoje.
de colonização de um país que aconteceu com o acordo da Inclusive, um acordo com os não-palestinos representa o mes-
população nativa. Tal coisa nunca ocorreu. mo tipo de fantasia. Para que os nacionalistas árabes de
Os nativos sempre lutaram obstinadamente contra os coloni- Bagdá, de Meca e de Damasco aceitassem pagar um preço
zadores – e não importa que eles tenham cultura ou não. Os tão alto, eles teriam de negar-se a manter o caráter árabe
companheiros de armas de [Hernán] Cortez e [Francisco] da Palestina.
Pizarro comportaram-se como bandidos. Os peles-vermelhas Não podemos dar nenhuma compensação pela Palestina, nem
lutaram com ardor inflexível contra os colonizadores de bom aos palestinos nem aos demais árabes. Portanto, é inconce-
e de mau coração. Os nativos lutaram porque qualquer tipo bível um acordo voluntário. Qualquer colonização, ainda
de colonização, em qualquer parte, em qualquer época, é que a mais restrita, deve-se desenvolver desafiando a vontade
inadmissível para qualquer povo nativo. da população nativa. Portanto, a colonização somente pode
Qualquer povo nativo considera seu país como seu lar na- continuar e desenvolver-se sob um escudo de força que inclua
cional, do qual devem ser donos absolutos. Nunca aceitarão uma muralha de ferro que jamais possa ser penetrada pela

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

população local. Esta é nossa política árabe. Formulá-la de que Jabotinsky, por sua vez, havia se inspirado em Benito
qualquer outro modo seria hipocrisia. Mussolini. A invocação mística da vontade de ferro a ser-
Mediante a Declaração Balfour ou mediante o Mandato, viço da conquista marcial e chauvinista uniu os ideólogos
é indispensável a força externa para estabelecer no país as sionistas, colonialistas e fascistas, e procurou sua legitimi-
condições de dominação e defesa pelas quais a população dade nas lendas das antigas conquistas.
local, independentemente de seus desejos, veja-se privada O filme Sansão e Dalila, de Cecil B. de Mille, foi
da possibilidade de impedir nossa colonização, em termos algo mais que um romance bíblico hollywoodiano sobre a
administrativos ou físicos. A força há de jogar seu papel, perfídia feminina e a virtude da força masculina. O filme
com energia e sem indulgência. A respeito disso, não há di- também carregava nos valores autoritários da novela em
ferenças substanciais entre nossos militaristas e nossos vege- que se inspirou – o livro Sansão, de Vladimir Jabotinsky,
tarianos. Uns preferem uma muralha de ferro formada por que pregava a necessidade da força bruta para que os israe-
baionetas judias; os outros uma muralha de ferro composta lenses conquistassem os filisteus. Nele pode-se ler:
por baionetas inglesas.
À censura estúpida de que esse ponto de vista não é ético, “Devo levar ao nosso povo alguma mensagem sua?” Sansão
respondo: “totalmente falso”. Essa é a nossa ética. Não há refletiu por um momento e, então, respondeu lentamente:
outra ética. Enquanto os árabes tiverem a menor esperança “A primeira palavra é ferro. Eles têm de conseguir ferro. Eles
de impedir-nos, eles não venderão essas esperanças por ne- têm de dar tudo o que têm por ferro – suas terras e seu trigo,
nhuma palavra doce nem por nenhum bocado apetitoso, por- o azeite, o vinho e as ovelhas, até suas mulheres e filhas.
que não nos enfrentaremos com gentalha e sim com um povo, Tudo por ferro! Não há nada no mundo que valha mais que
um povo vivo. E nenhum povo faz concessões tão grandes o ferro.” 15
sobre questões tão decisivas, a não ser quando não lhes resta
nenhuma esperança, até que tenhamos tampado qualquer Jabotinsky, o porta-voz de “uma muralha de ferro
brecha na muralha de ferro.14 que não possa ser penetrada pela população local” e de uma
“lei de ferro característica de qualquer movimento coloniza-
A metáfora do ferro dor... a força armada” encontrou eco nas décadas seguintes
nas maiores incursões sionistas contra os povos vitimados.
O tema e as imagens da coerção de ferro e de aço utilizados O atual ministro de Defesa, Itzhak Rabin, empreen-
por Vladimir Jabotinsky seriam aproveitados pelo nascen- deu a guerra de 1967 como chefe do Estado-Maior com “von-
te movimento nacional-socialista alemão, do mesmo modo tade de ferro”. Como primeiro-ministro, em 1975 e 1976,

14.  Vladimir Jabotinsky, “The iron wall – O Zheleznoi Stene”, Rassvet, 15.  Lenni Brenner, The iron wall: Zionist revisionism from Jabotinsky to
4 nov. 1923. Shamir, Londres, Zed Books, 1984, 79.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

ele declarou a política da Hayad Barzel – “mão de ferro” – na este alguém tem de trocar seu corpo, tem de converter-se em
Cisjordânia. Mais de 300 mil palestinos tiveram de passar um deles, no sangue. Não pode existir assimilação. Nunca
pelas prisões israelenses nas condições de tortura constante poderemos permitir coisas como o matrimônio misto porque
e institucionalizada, que foram expostas pelo Sunday Times, a preservação da integridade nacional só é possível mediante
de Londres, e denunciadas pela Anistia Internacional. a pureza racial e, para tal, temos de ter esse território onde
Seu sucessor como chefe do Estado-Maior, Raphael­ nosso povo constituirá os habitantes racialmente­ puros.
Eitan, impulsionou o “braço de ferro” – Zro’aa Barzel – na
Cisjordânia, e o assassinato foi incluído ao arsenal repressi- Esse tema foi mais profundamente desenvolvido
vo. No dia 17 de julho de 1982, o gabinete israelense reuniu- por Jabotinsky:
se para preparar o que o Sunday Times de Londres nomearia
como “essa operação militar cuidadosamente preparada para A fonte do sentimento nacional (...) reside no sangue das
limpar os acampamentos, chamada Moah Barzel ou ‘cérebro pessoas (...) em seu tipo racial e físico, e somente nisso (...)
de ferro’.” Os acampamentos eram Sabra e Chatila e a ope- A perspectiva espiritual de um homem é determinada previa-
ração, “familiar a Sharon e Begin, foi parte do plano mais mente pela sua estrutura física. Por isso, não acreditamos na
amplo de Sharon, analisado pelo governo israelense” 16. assimilação espiritual. É impossível, do ponto de vista físico,
Quando Itzhak Rabin, que tinha apoiado no Lí- que um judeu nascido de família de sangue puramente judeu
bano o revisionista Likud durante a guerra, converteu-se possa se adaptar à estrutura espiritual de um alemão ou
em ministro da Defesa de Shimon Peres no atual governo de um francês. Essa pessoa pode ser totalmente imbuída de
de “Unidade Nacional”, este lançou mão no Líbano e na fluídos alemães, porém o núcleo de sua estrutura espiritual
Cisjordânia da política de Egrouf Barzel, o “punho de ferro”. permanecerá sempre judeu.17
E foi exatamente esse “punho de ferro” que Rabin citou
novamente como base de sua política de repressão total e A adoção de doutrinas chauvinistas de pureza ra-
castigo coletivo durante o levante palestino de 1987-1988 cial e a lógica de sangue não se confinou a Jabotinsky ou
na Cisjordânia e em Gaza. aos revisionistas. O filósofo liberal Martin Buber situou
É interessante recordar também que Jabotinsky si- também seu sionismo no marco da doutrina racista euro-
tuou seu impulso colonial na doutrina da pureza de sangue. péia: “Os níveis mais profundos de nosso ser são deter-
Jabotinsky detalhou isso em sua Carta sobre a autonomia: minados pelo sangue; nossos pensamentos mais íntimos e
nossa vontade são coloridos por ele.” 18
É impossível que alguém seja assimilado por outro povo que Como isso seria implementado?
tenha um sangue diferente do seu. Para que seja assimilado,
17.  Jabotinsky apud Brenner, 1984, p. 29.
16.  Sunday Times, Londres, 26 set. 1982. 18.  Apud Brenner, 1984, p. 31.

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Capítulo 3. Colonizando a Palestina

Em 1917, havia na Palestina 56 mil judeus e 644 mil árabes


palestinos. Em 1922, havia 83.794 judeus e 663 mil árabes.
Em 1931, havia 174.616 judeus e 750 mil árabes.

Colaborando com o colonialismo britânico

Uma vez estabelecida uma aliança tácita com os britânicos,


os sionistas agora recebiam apoio sob a motivação de sua
conquista da terra. O poeta palestino e pensador marxis-
ta Ghassan Kanafani descreveu esse processo da seguinte
forma:

Apesar de grande parte do capital judeu ter sido alocada nas


áreas rurais, e apesar da presença de forças militares impe-
rialistas britânicas e da imensa pressão exercida pela má-
quina administrativa em favor dos sionistas, estes obtiveram
somente resultados mínimos quanto à colonização da terra.
No entanto, eles prejudicaram seriamente a situação da po-
pulação rural árabe. A propriedade da terra urbana e ru-
ral por parte de grupos judeus passou de 300 mil dunums

.  Sami Hadawi, Bitter Harvest, Delmar, N.Y., The Caravan Books,
1979, p. 43-44.

65
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

[67 mil acres] em 1929 a 1,25 milhão de dunums [280 O levante de 1936
mil acres] em 1930. A terra adquirida era insignificante do
ponto de vista de uma colonização de massas e da solução A perda das terras e a repressão desenvolveram a consciên-
do “problema judeu”. Porém, a expropriação de 1 milhão cia palestina sobre o destino que lhe estava sendo reserva-
de dunums – quase um terço da terra cultivável – condu- do e alimentaram um grande levante que durou de 1936 a
ziu a um grave empobrecimento dos camponeses árabes e dos 1939.
beduínos. A revolta tomou a forma da desobediência civil e
Por volta de 1931, 20 mil famílias camponesas haviam sido da insurreição armada. Os camponeses deixaram suas al-
expulsas pelos sionistas. Além disso, no mundo subdesenvol- deias para incorporar unidades de combate que estavam
vido, e em particular no mundo árabe, a vida agrícola não sendo formadas nas montanhas. Nacionalistas árabes da
é somente um modo de produção, mas também um modo de Síria­ e da Jordânia rapidamente se somaram à luta.
vida social, religioso e espiritual. Por isso, além de implicar A decisão de não pagar impostos foi tomada em
perda de terras, a colonização estava destruindo a sociedade 7 de maio de 1936 em uma conferência que contou com
rural árabe. a participação de 150 delegados representando todos os
setores da população, e uma greve geral tomou conta da
O imperialismo britânico promoveu a desestabili- Palestina.
zação econômica da economia nativa palestina. O governo A resposta britânica foi imediata e contundente.
do Mandato deu ao capital judeu um status privilegiado, Em 30 de julho de 1936 – uns cinco meses depois do início
atribuindo-lhe 90% das concessões na Palestina. Isso per- do levante – foi promulgada a lei marcial, desencadean-
mitiu que os sionistas conseguissem controlar a infra-es- do uma ampla repressão. Qualquer suspeito de organizar
trutura econômica da região (projetos de estradas, mine- ou simpatizar com a greve geral ou com outras formas de
rais do Mar Morto, eletricidade, portos etc.). resistência era detido. Casas foram explodidas em toda a
Por volta de 1935, os sionistas controlavam 872 Palestina. Um grande setor da cidade de Jaffa foi destruído
das 1.212 empresas industriais da Palestina. As importa- pelos britânicos em 18 de junho de 1936, deixando 6 mil
ções destinadas a indústrias sionistas estavam isentas de pessoas desabrigadas. Também foram destruídas casas nas
impostos. Foram promulgadas leis trabalhistas discrimina- comunidades vizinhas.
tórias contra a força de trabalho árabe, que provocaram Os britânicos mandaram para a Palestina grandes
um grande desemprego e subcondições de vida para os que contingentes de tropas para esmagar a rebelião (calcula-se
conseguiam trabalho. que cerca de 20 mil homens participaram da ação). Mas,
por volta do fim de 1937 e início de 1938, as forças bri-
.  Ghassan Kanafani, The 1936-1939 revolt in Palestine, Nova York Com- tânicas estavam perdendo o controle da rebelião popular
mittee for a Democratic Palestine. armada.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Os sionistas como força policial Em 1939, as forças sionistas, trabalhando com os


britânicos, elevaram-se para 14.411 pessoas, organizadas
Foi então que os britânicos começaram a se apoiar nos em dez grupos bem armados da Polícia da Colônia, cada
sionistas, que lhes ofereceram um recurso único, que o um deles sob o comando de um oficial britânico e um ofi-
Império Britânico jamais tinha tido em nenhuma de suas cial da Agência Judia como segundo oficial. Na primavera
colônias: uma força local que fazia causa comum com o co- de 1939, a força sionista incluía 63 unidades mecanizadas,
lonialismo britânico e que estava intensamente mobilizada cada uma delas composta por oito a dez homens.
contra a população nativa. Se anteriormente os sionistas se
encarregaram de muitos dos trabalhos de represália, agora O Relatório Peel
jogavam um papel mais amplo na escalada repressiva, a qual
incluiria detenções em massa, assassinatos e execuções. Em 1937, formou-se uma comissão real, dirigida por lorde­
Em 1938, 5 mil palestinos foram encarcerados e 2 mil deles Peel, para determinar as causas da rebelião de 1936. A Co-
sentenciados a longas penas de prisão; 148 foram executa- missão Peel concluiu que os dois fatores básicos foram o
dos na forca e mais de 5 mil casas foram demolidas. desejo palestino de independência nacional e o temor dos
As forças sionistas foram integradas ao serviço de palestinos do estabelecimento de uma colônia sionista em
inteligência britânico e tornaram-se a polícia que impunha sua terra. O Relatório Peel analisava uma outra série de
a draconiana dominação britânica. Formou-se uma “força fatores com uma sinceridade pouco comum. Eram eles:
quase-policial” para encobrir a presença sionista armada,
estimulada pelos britânicos. Recrutaram para ela 2.863 ho- 1) O crescimento do espírito nacionalista árabe fora
mens, enquanto 12 mil estavam organizados nas Haganah da Palestina;
e 3 mil na Organização Militar Nacional de Jabotinsky (Ir- 2) O aumento da imigração judia depois de 1933;
gun). No verão de 1937, a força quase-policial foi batizada 3) A facilidade com que os sionistas dominavam a opi-
de “Defesa da Colônias Judias” e, mais tarde, de “Polícia da nião pública na Grã-Bretanha, graças ao apoio tácito do
Colônia”. governo;
Ben Gurion disse que a “força quase-policial” era 4) A falta de confiança árabe nas boas intenções do go-
uma “estrutura” ideal para treinar as Haganah. Charles Orde verno britânico;
Wingate, o oficial britânico no comando, foi, em essência, 5) O medo palestino das contínuas aquisições judias
o fundador do exército israelense. Ele treinou em terroris- de terras dos fazendeiros feudais absenteístas que vendiam
mo e assassinato elementos tais como Moshe Dayan. suas terras, expulsando os camponeses palestinos que ti-
nham trabalhado nelas;
.  Kanafani, p. 96. 6) As evasivas do governo do Mandato sobre suas in-
.  Kanafani, p. 39. tenções a respeito da soberania palestina.

68 69
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

O movimento nacional era formado pela burgue- os camponeses e os operários até o fim de sua luta permitiu
sia urbana, os fazendeiros feudais, líderes religiosos e re- que o regime colonial e os sionistas esmagassem a rebelião
presentantes dos camponeses e operários. após três anos de luta heróica. Para isso, os britânicos con-
Suas exigências eram: taram com uma ajuda decisiva: a traição dos regimes ára-
bes tradicionais, dependentes de seus padrinhos coloniais.
1) O cessar imediato da imigração sionista; A luta nacionalista palestina é constante desde
2) O cessar e a proibição da transferência de terras de 1918 e vem sempre acompanhada por uma ou outra forma
propriedades dos árabes para os colonos sionistas; de resistência armada organizada. Também tem incluído
3) A formação de um governo democrático sobre o desobediência civil, greves gerais, não-pagamento dos im-
qual os palestinos teriam o poder de controle. postos, recusa de porte de carteiras de identidade, boicotes
e manifestações.
Análise da revolta

Ghassan Kanafani descreveu o levante da seguinte forma:

A causa real da revolta foi o fato de que o conflito agudo,


relativo à transformação da sociedade palestina de agríco-
la-feudal para judia (ocidental) industrial e burguesa, al-
cançara o seu clímax (...) O processo de estabelecimento de
raízes do colonialismo e sua transformação de mandato bri-
tânico em colonialismo sionista de ocupação (...) alcançou
seu apogeu na metade dos anos 1930 e, na realidade, a
direção do movimento nacionalista palestino viu-se obriga-
da a adotar algum tipo de luta armada, porque já não era
capaz de exercer sua direção no momento em que o conflito
alcançou proporções decisivas.

O fracasso do mufti, de outros líderes religiosos,


dos proprietários feudais e da burguesia nascente em apoiar

.  Kanafani, p. 31.


.  Kanafani, p. 31.

70 71
Capítulo 4. Conseqüências trágicas

Em 1947, havia 630 mil judeus e 1,3 milhão de árabes pa-


lestinos, de modo que, no momento em que as Nações
Unidas dividiram a Palestina, os judeus constituíam 31%
da população.
A decisão de dividir a Palestina, promovida pelas
principais potências imperialistas e pela União Soviética de
Stalin, deu 54% das terras férteis ao movimento sionista.
Mas, antes mesmo que se formasse o Estado de Israel, o
Irgun e as Haganah apoderaram-se de três quartos da terra
e virtualmente expulsaram todos os habitantes.
Em 1948, havia 475 vilarejos e povoados palesti-
nos. Destes, 385 foram arrasados por completo, reduzidos
a cinzas. Noventa continuaram de pé, desprovidos de suas
terras.

Tirando a máscara

Em 1940, Joseph Weitz, o chefe do Departamento de Co-


lonização da Agência Judaica, que era o responsável por
organizar os assentamentos na Palestina, escreveu:

.  Hadawi, 1979, p. 43-44.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Entre nós, temos de ter claro que não há espaço algum para Heilbrun, o presidente do comitê pró-reeleição
que os dois povos permaneçam juntos neste país. Nós não do general Shlomo Lahat, prefeito de Tel Aviv, proclama-
atingiremos nosso objetivo se os árabes permanecerem neste va: “Devemos matar todos os palestinos a não ser que se
pequeno país. Não há outra maneira a não ser transferir os resignem a viver aqui como escravos”.
árabes daqui para os países vizinhos. Todos eles. Nem um E estas são as palavras de Uri Lubrai, conselhei-
único vilarejo, nem uma única tribo deve restar. ro especial para assuntos árabes do primeiro-ministro Ben
Gurion, em 1960: “Vamos reduzir a população árabe a uma
Joseph Weitz também desenvolveu o significado comunidade de lenhadores e garçons” .
prático de “judaizar” a Palestina: Já Raphael Eitan, chefe do Estado-Maior das For-
ças Armadas israelenses, declarou: “Manifestemos aberta-
Há quem acredite que a população não-judia, mesmo que mente que os árabes não têm direito algum a ocupar sequer
em grande porcentagem, será mais efetivamente controlada um centímetro de Eretz Israel (...) A única coisa que eles
se mantida dentro de nossas fronteiras; e há aqueles que pen- entendem e entenderão é a força. Nós utilizaremos a força
sam o contrário, ou seja, que é mais fácil vigiar as atividades mais decisiva até que os palestinos venham até nós, engati-
do vizinho do que as do inquilino. [Eu] tendo a comparti- nhando, de joelhos.” 
lhar com este último ponto de vista e acrescento um argu- Eitan desenvolveu sua elaboração diante do Comi-
mento: (...) a necessidade de sustentar o caráter do Estado, tê de Assuntos Exteriores e Defesa do Knesset: “Quando
que mais adiante será judeu, (...) com uma minoria não-ju- tivermos ocupado as terras, os árabes não poderão fazer
dia limitada a 15%. Eu já tinha chegado a essa conclusão nada mais do que se revolver como baratas drogadas dentro
fundamental logo em 1940 [e] anotei-a em meu diário. de uma garrafa” .

O Relatório Koenig reafirmava essa política de Ben Gurion e o objetivo final


forma ainda mais crua: “Devemos usar o terror, o assassi-
nato, a intimação, o confisco de terras e o corte de todos As ambições territoriais do sionismo foram assinaladas cla-
os serviços sociais para liberar a Galiléia de sua população ramente por David Ben Gurion em um discurso em 13 de
árabe”.
.  Citado por Fouzi El-Asmar e Salih Baransi durante discussões com
o autor, out. 1983.
.  Joseph Weitz, “A solution to the refugee problem”, Davar, 29 set. .  Sabri Jirys, “The Arabs in Israel”, Monthly Review Press, Nova York,
1967, apud Uri Davis e Norton Mezvinsky(Ed.), Documents from Israel, 1976.
1967-1973, p. 21. .  Gad Becker, Yediot Ahronot, 13 abr. 1983; The New York Times, Nova
.  Apud Davis, 1987, p. 5. York, 14 abr. 1983.
.  Al Hamishmar, 7 set. 1976. .  Ibid.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

outubro de 1936, em uma reunião sionista: “Nós não pro- nos expandiremos para toda a Palestina. O Estado será so-
pomos que proclamemos agora nosso objetivo final, que mente uma etapa na realização do sionismo e sua tarefa é
é de grande alcance – principalmente em relação aos re- preparar o terreno para nossa expansão. O Estado terá de
visionistas que se opõem à partilha. Eu me nego a renun- preservar a ordem, não através da pregação, mas sim com as
ciar à grande visão, a visão final que é um componente metralhadoras.12
orgânico, espiritual e ideológico de minhas (...) aspirações
sionistas.”  Em maio de 1948, ele apresentou seus objetivos
No mesmo ano, Ben Gurion escreveu numa carta estratégicos ao Estado-Maior Geral:
a seu filho:
Deveríamos nos preparar para avançar em uma ofensiva.
Um Estado judeu parcial não é o final, senão somente o Nosso objetivo é esmagar o Líbano, a Transjordânia e a Sí-
princípio. Estou convencido de que nada pode nos impedir de ria. O ponto débil é o Líbano, porque o regime muçulma-
nos estabelecermos em outras partes do país e da região. no é artificial e fácil de ser minado. Teremos de implantar
um Estado cristão ali e então derrotaremos a Legião Ára-
E em 1937, declarou: “As fronteiras das aspirações be, eliminaremos a Transjordânia; a Síria cairá em nossas
sionistas são do interesse do povo judeu e nenhum fator mãos. Então nós bombardearemos e ocuparemos Port Said,
externo poderá limitá-las”.10 Alexandria­ e o Sinai.13
Em 1938, no Conselho Mundial de Poale Zion em
Tel Aviv, ele foi ainda mais explícito: “As fronteiras da as- Quando o general Yigal Allon perguntou a Ben
piração sionista incluem o sul do Líbano, o sul da Síria, a Gurion: “Que faremos com a população de Lidda e Ram-
atual Jordânia, toda a Cisjordânia e o Sinai”.11 le?” (cerca de 50 mil habitantes), Ben Gurion, segundo seu
Ben Gurion formulava muito claramente a estra- biógrafo, respondeu-lhe com um gesto enérgico das mãos:
tégia sionista: “Expulse-os”.14
Itzhak Rabin executou essa ordem. Em Lidda e
Quando nos convertermos em uma força com peso, como re- Ramle não ficou nenhum vestígio das moradias palestinas.
sultado da criação de um Estado, aboliremos a partilha e Atualmente, essa área está habitada exclusivamente por co-
lonos judeus.
.  David Ben Gurion, Memoirs, v. III, p. 467.
10.  David Ben Gurion, discurso pronunciado em 1937, in Memoirs. 12.  David Ben Gurion, discurso pronunciado em 1938.
11.  David Ben Gurion, “Report to the World Council of Poale Zion” 13.  Michael Bar Zohar, Ben Gurion: a biography, Nova York, Delacorte,
(antecessor do Partido Trabalhista), Tel Aviv, 1938, apud Israel Shahak, 1978.
Journal of Palestine Studies, primavera 1981. 14.  Ben Gurion, 1948, apud Bar Zohar, 1978.

76 77
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Em sua biografia de David Ben Gurion, Michael fuga em massa logo se converteu num estouro enlouquecido e
Bar Zohar descreveu a primeira visita deste a Nazaré: “Ben incontrolável. Dos 800 mil árabes que viviam no atual ter-
Gurion olhou em sua volta e disse assombrado: ‘Por que há ritório do Estado de Israel, somente 165 mil ficaram aqui.
tantos árabes? Por que não expulsaram todos eles?’” Dificilmente se poderá superestimar o significado político e
E, efetivamente, os palestinos foram expulsos. econômico desse processo.16
Entre o dia 29 de novembro de 1947, data da partilha da
Palestina­ pelas Nações Unidas, e 15 de maio de 1948, A implementação desse programa foi levada a
quando o Estado de Israel foi formalmente proclamado, o cabo em parte por Menachem Begin e em parte por seu
exército sionista e a milícia apoderaram-se de 75% da Pa- futuro sucessor como primeiro-ministro, Itzhak Shamir,
lestina, expulsando do país 780 mil palestinos. que atuavam como comandantes militares do Lohamei He-
rut Israel (Lehi), isto é, Lutadores pela Liberdade de Israel.
Começa a carnificina: Deir Yasin Os habitantes da região foram obrigados a desfilar pelas
ruas de Jerusalém com roupas ensopadas em sangue para o
Povoado após povoado foram arrasados no processo de ma- escárnio público, antes de desaparecerem.
tanças incessantes que objetivavam que a população fugisse
para salvar a pele. Relatos de testemunhas oculares
O comandante das Haganah, Zvi Ankori, descre-
veu o sucedido: “Vi genitálias arrancadas e ventres de mu- Os relatos das testemunhas presentes antecipavam a sorte
lher arrebentados (...) Foi simplesmente um assassinato.”15 do povo palestino.
Menachem Begin gabava-se do impacto que tive-
ram em toda a Palestina as operações do estilo nazista que Era meio-dia quando a batalha terminou e cessaram os dis-
ele dirigiu em Deir Yasin. Os comandos Lehi e IZL irrom- paros. O silêncio pairou, porém a aldeia não se havia rendi-
peram no vilarejo de Deir Yasin em 9 de abril de 1948, do. As tropas irregulares da IZL (Irgun) e Lehi (o bando de
assassinando 254 homens, mulheres e crianças. Stern) deixaram seus esconderijos e começaram uma opera-
ção-limpeza pelas casas. Eles disparavam com todas as ar-
Uma lenda de terror espalhou-se entre os árabes, que sen- mas de que dispunham, atiravam explosivos no interior das
tiam pânico somente de ouvir falar dos nossos soldados do casas. Eles disparavam contra qualquer um que achassem no
Irgun. Isso valeu tanto quanto meia dúzia de batalhões para seu interior, incluindo mulheres e crianças – na realidade,
as forças de Israel. Em todo o país (...) os árabes foram presas os comandos nada faziam para controlar as horríveis matan-
do pânico e começaram a fugir para salvar suas vidas. Essa ças. Eu mesmo e uma série de outros habitantes suplicamos

15.  Brenner, 1984, p. 52. 16.  Brenner, 1984, p. 143.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

aos comandantes para que eles ordenassem aos seus homens Esse relato me gelou o sangue. Voltei para a estrada de
que parassem de disparar, porém nossos esforços foram em Jerusalém­ e peguei uma ambulância e um caminhão que eu
vão. Nesse ínterim, haviam retirado das casas aproximada- tinha alertado através do Escudo Vermelho (...) Cheguei ao
mente 25 homens: eles foram colocados sobre um caminhão povoado com meu comboio e os disparos cessaram. O bando
e transportados pelos bairros [de Jerusalém] de Mahaneh (o Irgun) usava uniformes com capacetes. Todos eram jovens,
Yehudah e Zikhron Yosef, num “desfile de vitória”, ao estilo alguns, inclusive, adolescentes, homens e mulheres armados
do triunfo romano. Quando terminou o desfile, foram leva- até os dentes: revólveres, metralhadoras, granadas de mão e
dos a uma pedreira situada entre Giv’at Shaul e Deir Yasin também machados nas mãos, a maior parte ainda mancha-
e fuzilados a sangue frio. Então, os milicianos colocaram as dos de sangue. Uma jovem bonita com olhos criminosos me
mulheres e crianças que ficaram vivos num caminhão e os mostrou o seu sangue ainda pingando: exibiu-o como um
levaram até a Porta de Mandelbaum.17 troféu. Essa era a equipe de “limpeza” que, evidentemente,
estava realizando sua tarefa rigorosamente.
Quando a notícia da matança foi divulgada, o dire- Eu tentei entrar em uma casa. Uma dúzia de soldados me
tor da Cruz Vermelha Internacional na Palestina, Jacques rodeou apontando suas metralhadoras, e seu oficial orde-
de Reynier, tentou intervir. Eis o seu testemunho pessoal: nou-me que ficasse quieto. Se houvesse algum morto, eles me
trariam, disse. Tive, então, uma das maiores explosões de
(...) o comandante do destacamento Irgun não parecia querer raiva de toda a minha vida, e disse àqueles criminosos tudo
me receber. No final ele veio, jovem, distinto e perfeitamente o que eu pensava de sua conduta, ameaçando-os com tudo o
correto, porém em seus olhos havia um brilho especial, frio e que me ocorreu. Então os afastei e entrei na casa.
cruel. Segundo ele, o Irgun chegou 24 horas antes, ordenan- O primeiro cômodo estava escuro, com tudo em desordem,
do aos habitantes, por megafone, que evacuassem as casas e mas não havia ninguém. No segundo, entre móveis estra-
se rendessem; foram-lhes dados 15 minutos para obedecerem gados e todo tipo de escombros, encontrei alguns cadáveres,
à ordem. “Alguns desses desgraçados se apresentaram, foram frios. Aqui a “limpeza” havia sido feita com metralhadoras e
presos e logo soltos em direção às linhas árabes. O resto, depois com granadas de mão. E havia sido concluída com fa-
não tendo obedecido, teve a sorte que mereceu.” Porém, não cas, dava pra ver. O mesmo no cômodo seguinte, mas quando
devíamos exagerar as coisas, havia somente alguns mortos e ia sair ouvi algo que se assemelhava a um suspiro. Olhei ao
estes seriam enterrados logo que se concluísse a “limpeza” do redor, remexi todos os cadáveres e ao final dei com um pezi-
povoado. Se eu encontrasse alguns cadáveres, poderia entre- nho ainda quente. Era uma menina de dez anos, mutilada
gá-los, mas sem dúvida não havia feridos. por uma granada de mão, mas ainda viva (...) por toda
parte o panorama horrível era o mesmo (...) Aquela aldeia
17.  Meir Pa’il, Yediot Aharanot, 4 de abril de 1972, apud David Hirst, tinha cerca de 400 habitantes, apenas uns 50 escaparam e
The gun and the olive branch, Faber & Faber, 1977, p. 126-127. continuavam com vida. Os demais foram assassinados deli-

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

beradamente a sangue frio porque, como pude comprovar, (...) Mataram entre 80 e 100 homens, mulheres e crianças
aquele bando era admiravelmente disciplinado e somente árabes. Para matar as crianças, [os soldados] lhes arreben-
atuava cumprindo ordens. tavam as cabeças com paus. Não havia uma só casa sem
Depois de outra visita a Deir Yasin, voltei ao meu escritório, cadáveres. Os homens e mulheres das aldeias eram empurra-
onde recebi a visita de uns cavalheiros à paisana, bem-vesti- dos para dentro das casas, sem água nem comida. Então, os
dos, que ficaram mais de uma hora me aguardando. Eram o sabotadores as explodiam.
comandante do destacamento Irgun e seu ajudante. Queriam Um comandante ordenou a um soldado que levasse duas mu-
que eu assinasse um termo que haviam preparado. Era uma lheres a um edifício que estava prestes a ser explodido (...)
declaração de que me haviam recebido atenciosamente, de Outro soldado gabava-se de ter estuprado uma mulher árabe
que eu havia obtido todo tipo de facilidades para o cumpri- antes de matá-la a tiros. Outra mulher árabe com um filho
mento de minha missão e que os agradecia por toda a ajuda recém-nascido foi obrigada a limpar, durante alguns dias, o
prestada. Quando viram que eu hesitava e inclusive comecei lugar onde, depois, ela foi morta a tiros com seu filho. Co-
a discutir com eles, disseram que se eu tivesse algum apreço mandantes educados e elegantes considerados “bons moços”
por minha vida conviria assiná-lo imediatamente. A única (...) converteram-se em assassinos miseráveis e isto não pelo
coisa que me cabia fazer era convencê-los de que não tinha o estrondo de batalha, mas pelo método de expulsão e extermí-
menor apreço pela minha vida.18 nio. Quantos menos árabes ficassem, melhor.19

O massacre de Dueima Durante anos, o valor estratégico da matança de


Deir Yasin foi elogiado pelos dirigentes sionistas, como
Se a matança de Deir Yasin foi efetuada pelas organizações Eldad (Scheib), que era responsável pelo Lehi juntamente
revisionistas clandestinas “de direita” – IZL e Lehi –, ou- com Itzhak Shamir e Nathan Yalin-Mor (Feldman). Falan-
tras matanças similares e de proporções semelhantes foram do em um comício em julho de 1967, ele fez as seguintes
produzidas em todo o país. O massacre de Dueima, em observações, publicadas no inverno de 1968 pelo conheci-
1948, foi cometido pelo exército oficial trabalhista sionista do jornal de opinião De’ot:
israelense, as Forças de Defesa de Israel (Tzeva Haganah
o-Israel ou Zahal). Davar, o jornal hebreu oficial da Fede- Eu sempre digo que se a esperança mais profunda que sim-
ração Geral dos Trabalhadores de Histadrut, dirigida pe- boliza a redenção é a reconstrução do Templo [judeu] (...)
los sionistas-trabalhistas, publicou o seguinte relato de um então é óbvio que essas mesquitas [Al-Haram, Al-Sharif e
soldado que participou do massacre: Al-Aqsa] terão de desaparecer qualquer dia, de um jeito ou
de outro (...) Se não fosse por Deir Yasin, meio milhão de

18.  Reyner apud Hirst, 1977, p. 127-128. 19.  Davar, 9 jun. 1979.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

árabes viveriam no Estado de Israel (em 1948). O Estado Pulamos em direção às vozes. Assustados e tremendo, dois ára-
de Israel não existiria. Não podemos depreciar isso, temos bes estão encostados na parede do edifício. Eles tentam escapar.
de ser plenamente conscientes da responsabilidade que isso Abro fogo. Um grito agudíssimo rompe o ar. Um homem cai
significa. Todas as guerras são cruéis. Não há alternativa. no chão enquanto seu companheiro continua correndo. Agora
Ou este país será o Eretz Israel, com uma maioria absoluta temos de agir... não há tempo a perder. Nós abrimos passa-
judia e uma pequena minoria árabe, ou será Eretz Ishmael, gem, de casa em casa, enquanto os árabes correm confusos.
e a emigração judaica começará de novo, se não expulsarmos As metralhadoras dispararam e seu ruído mescla-se com um
os árabes de um jeito ou de outro (...) 20 terrível uivar. Chegamos à via principal do acampamento.
A massa de árabes em fuga aumenta. O outro grupo ataca
Assassinatos em Gaza pelo flanco oposto. O estrondo de nossas granadas de mão
ecoa ao longe. Nós recebemos ordem de retirada. O ataque
O programa de massacres não terminou com a formação foi concluído.21
do Estado. O diário de Meir Har Tzion descreve as ma-
tanças nos acampamentos de refugiados e aldeias de Gaza Kibya e a unidade Comando 101
durante o início dos anos 1950:
O primeiro-ministro Moshe Sharett (1954-55) narrou do
O amplo e seco leito do rio emitia os clarões da luz da lua. seguinte modo o massacre realizado na aldeia de Kibya em
Avançamos com cuidado pela encosta da montanha. Avista- 18 de outubro de 1953. Ariel Sharon dirigiu pessoalmente
mos várias casas (...) De longe pudemos ver três luzes e ouvir a ação em que homens, mulheres e crianças foram assassi-
um som de música árabe que vinha destas casas submersas na nados em suas casas.
escuridão. Dividimo-nos em três grupos, com quatro homens
em cada. Dois grupos dirigiram-se ao imenso acampamento [Na reunião do gabinete] eu condenei o caso de Kibya, que
de refugiados [Al Burj] , ao sul da nossa posição. O outro nos expôs perante todo o mundo como um bando sangren-
grupo dirigiu-se a uma casa isolada do plano da zona norte to capaz de cometer massacres... Adverti que essa mancha
de Wadi Gaza. Avançamos tropeçando pelos campos verdes, demorará anos para ser limpa e que a carregaremos sobre
atravessando canais de água enquanto a lua nos banhava nossos nomes.
com sua luz cintilante. Mas, de repente, o silêncio foi des- Foi decidido publicar um comunicado a respeito de Kibya e
pedaçado pelas balas, explosões e gritos dos que dormiam Ben Gurion ficou de escrevê-lo. É uma autêntica vergonha­.
pacificamente. Avançamos depressa e entramos em uma das
casas. “Man hada?” [“Quem está aí?”, em árabe] 21.  Meir Har Tzion. Diary, Tel Aviv, Levin-Epstein, 1969, apud Liv-
ia Rokach, Israel’s secret terrorism, Belmont Mass., Association of Arab
20.  Apud Davis e Mezvinsky, p. 186-187. American University Graduates Inc. Press, 1980, p. 68.

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Perguntei várias vezes e sempre me asseguraram solene- das 17h às 6h. (...) E que qualquer um que saísse de casa
mente que as pessoas não descobririam como aquilo tinha ou violasse o toque de recolher deveria ser morto a tiros. Ele
acontecido.22 acrescentou que não deveria haver prisões e se durante a noi-
te morressem algumas pessoas isso facilitaria a imposição do
Sharett anotou em seu diário detalhes de outros toque de recolher durante as noites seguintes.
massacres nas aldeias árabes palestinas em 1955: “A opinião O tenente Frankanthal perguntou: “Que faremos com os fe-
pública, o exército e a polícia chegaram à conclusão de que ridos?” E Melinki replicou: “Ignore-os”.
o sangue árabe pode ser derramado à vontade. Isso faz com Um chefe de seção perguntou então: “Que acontecerá com as
que o Estado apareça aos olhos do mundo como um Estado mulheres e as crianças?”, ao que Melinki respondeu: “Sem
selvagem.” 23 sentimentalismos”. E quando lhe perguntaram: “E as pesso-
as que regressarem do trabalho?” Melinki respondeu: “Pior
Kafr Qasim: continua a matança para elas”, segundo disse o comandante.

O massacre de Kafr Qasim seguiu o padrão sionista. Em Os que executaram o massacre de Kafr Qasim – a
outubro de 1956, o brigadeiro israelense Shadmi, coman- Unidade Comando 101, um comando de Ariel Sharon – fo-
dante de um batalhão da fronteira jordano-israelense, or- ram todos condecorados com medalhas e promoções nas
denou que se impusesse o toque de recolher nas aldeias “da Forças Armadas Israelenses.
minoria” [árabes] situadas sob seu comando. Esses povoados Os métodos genocidas necessários para impor
estavam situados dentro das fronteiras israelenses, portanto o Estado colonial de ocupação dentro das fronteiras pré-
seus habitantes eram cidadãos israelenses. Shadmi ordenou 1967 de Israel são considerados como o modelo para tra-
ao comandante de uma unidade de guardas da fronteira, tar os palestinos nos territórios ocupados pós-1967. Aa-
o major Melinki, que o toque de recolher fosse “extrema- ron Yariv, ex-chefe de espionagem militar e ministro da
mente rígido” e que “não bastaria deter os que o violassem... Informação, assinalou, em seminário público do Instituto
seria necessário atirar neles”. E acrescentou: “Mais vale um de Relações Internacionais Leonard Davis na Universidade
homem morto que as complicações de uma detenção”.24 de Jerusalém­, que “Existem opiniões que propõem que se
utilize uma situação de guerra para mandar para o exílio
Ele [Melinki] notificou aos oficiais reunidos que (...) sua cerca de 700 mil a 800 mil árabes. É uma opinião muito
tarefa era impor o toque de recolher aos povoados da minoria disseminada. Declarações a esse respeito já foram emitidas,
e também os aparatos instrumentais foram preparados.”25
22.  Rokach, 1980, p. 16.
23.  Rokach, 1980, p. 16.
24.  Apud Rokach, 1980, p. 66. 25.  Ha’aretz, 23 maio 1980.

86 87
Capítulo 5. A ocupação das terras

Convém fazer uma revisão do alcance dessa política assas-


sina e suas conseqüências. No território ocupado por Israel
depois da partilha, existiam cerca de 950 mil árabes pa-
lestinos. Eles habitavam cerca de 500 povoados e todas as
grandes cidades, entre elas Tiberias, Safed, Nazaré, Shafa
Amr, Acre, Haifa, Jaffa, Lydda, Ramle, Jerusalém, Majdal
(Ashquelon), Isdud (Ashdod) e Beersheba.
Depois de menos de seis meses, restavam somente
138 mil pessoas (as cifras oscilam entre 130 mil e 165 mil).
A grande maioria dos palestinos foi assassinada, expulsa
pela força ou fugiu aterrorizada diante dos bandos assassi-
nos das unidades do exército israelense.
Tendo eliminado a maior parte dos habitantes
palestinos da Palestina, o governo israelense passou a em-
preender a destruição sistemática de suas casas e posses.
Cerca de 400 povoados e cidades foram arrasados em 1948
e 1949. Em 1950, fizeram o mesmo com vários outros.
Moshe Dayan, ex-chefe do Estado-Maior, não

.  Uma análise detalhada desse processo pode ser encontrada em Ja-
net Abu Lughod, “The demographic transformation of Palestine” in
Ibrahim Abu Lughod (Ed.), The transformation of Palestine, Evanston Ill.,
Northwestern University Press, 1971, p. 139-164.

89
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

teve papas na língua ao resumir a natureza da colonização Destruição de povoados árabes-palestinos


sionista diante dos estudantes do Instituto de Tecnologia de Número de povoados
Israel (o Techniyon): Antes de 1948 Em 1988 Destruídos
Jerusalém 33 4 29
Viemos aqui, a um país que estava povoado de árabes, e esta- Belém 7 0 7
mos construindo um Estado hebreu, judeu. No lugar de po- Hebron 16 0 16
voados árabes, estabelecemos povoados judeus. Vocês sequer Jaffa 23 0 23
sabem os nomes desses povoados, e não os reprovo, porque Ramle 31 0 31
esses livros de geografia já não existem. Nem os livros nem os Lydda 28 0 28
povoados tampouco existem. Jenin 8 4 4
Nahalal foi construído no lugar de Mahalul, Gevat no lugar Tulkarm 33 12 21
de Jibta, Sarid no lugar de Hanifas e Kaft Yehoushu’a substi- Haifa 43 8 35
tuiu Tel Shamam. Não existe um só assentamento que não te- Acre 52 32 20
nha sido construído no lugar de um antigo povoado árabe. Nazaré 26 20 6
Safad 75 7 68
Israel Shanak, presidente da Liga Israelense de Di- Tiberias 26 3 23
reitos Humanos e Civis, elaborou o quadro da página seguin- Bisan 28 0 28
te, intitulado “Povoados árabes destruídos em Israel”. Gaza 46 0 46
Shakak enfatiza que essa lista documentada é in- Total 475 90 385
completa porque é impossível encontrar numerosas comu-
nidades árabes e “tribos”. Por exemplo, os dados oficiais ados, grandes extensões de terra foram apropriadas sob a
israelenses caracterizam 44 aldeias e povoados beduínos rubrica da Lei das Propriedades de Ausentes (1950).
como “tribos”, para reduzir, encolhendo o censo, o núme- Até 1947, os judeus possuíam 6% das terras pales-
ro de comunidades palestinas permanentes. tinas. No momento em que se constituiu formalmente o Es-
tado de Israel, 90% das terras haviam sido seqüestradas:
Propriedades dos “ausentes”
De toda a área do Estado de Israel, somente cerca 300 mil a
Com a expulsão dos palestinos e a destruição de seus povo- 400 mil dunums [67 mil a 89 mil acres] (...) são domínios
estatais que o governo israelense recebeu do regime de Man-
.  Moshe Dayan, Palestra em 19 mar. 1969. Ha’aretz, 4 abr. 1969. Apud dato [britânico] , ou seja, cerca de 2% das terras. O Fundo
Davis, 1987. Nacional Judeu (FNJ) e os proprietários judeus particulares
.  David e Mezvinsky, p. 47. possuíam ao redor de 2 milhões de dunums (10%). Quase

90 91
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

todo o resto (ou seja, 88% dos 20.225.000 dunums [4,5 propriedades confiscadas dos ausentes e perto de 250 mil
milhões de hectares] de dentro das linhas do armistício novos imigrantes estabeleceram-se nas áreas urbanas de
de 1949) pertenciam legalmente aos proprietários árabes, onde os palestinos foram expulsos. Cidades inteiras, como
muitos dos quais abandonaram o país. Jaffa, Acre, Lydda, Ramle, Bisan e Majdal (Ashquelon), fo-
ram esvaziadas.
O valor dessa propriedade roubada era superior a Esse saque incluía 385 povoados e vilarejos intei-
us$ 300 milhões, há mais de 30 anos (as estimativas da Liga ros e grandes setores de outras 94 cidades e comunidades,
Árabe são dez vezes superiores a esse montante). Na atual abarcando 25% de todas as construções de Israel. Dez mil
cotação do dólar, essa cifra teria de ser quadruplicada. empresas e lojas foram entregues aos colonos judeus.
De 1948 a 1953 – período de maior imigração –,
O Escritório de Refugiados das Nações Unidas estimou o va- a importância econômica, para Israel, das propriedades to-
lor das hortas, árvores, propriedades móveis e imóveis aban- madas dos árabes foi decisiva. A quantidade de terra cul-
donadas pelos árabes no território sob a jurisdição israelense tivada tomada dos palestinos que haviam sido expulsos de
em cerca de 118 ou 120 milhões de libras esterlinas, o que seu país pelos massacres era 2,5 vezes maior do que o total
equivaleria a uma média de 130 libras esterlinas (us$ 364) da área entregue aos sionistas no final do Mandato.
por refugiado. Praticamente todas as plantações de frutas cítricas
dos palestinos foram confiscadas; eram mais de 240 mil
A ocupação de propriedades palestinas era indis- dunums (53 mil acres). Por volta de 1951, estava em mãos
pensável para que o Estado de Israel fosse viável. Entre dos israelenses 1,25 milhão de caixas de frutas cítricas das
1948 e 1953 foram construídos 370 povoados e assenta- propriedades arrancadas dos árabes, o que constituía cerca
mentos judeus, 350 deles nas propriedades dos “ausentes”. de 10% de todas as divisas de exportação do país.
Em 1954, cerca de 35% dos judeus de Israel viviam em Em 1951, 95% das oliveiras de Israel provinham
de terra palestina ocupada. As azeitonas produzidas repre-
.  Jewish National Fund, Jewish villages in Israel, p. XXI, apud Walter sentavam a terceira exportação israelense, depois dos li-
Lehn e Uri Davis, The Jewish National Fund, Londres, Kegan Paul Inter- mões e dos diamantes.
national, 1988. Um terço da produção de pedra provinha das 52
.  A estimativa da ONU foi feita no final da década de 1950 (Baruch pedreiras palestinas expropriadas.
Kimmerling, Zionism and economy, apud Davis, p. 19). Em seu livro, Da-
vis e Kimmerling falam de “118 a 120 bilhões de libras esterlinas”. Este
autor foi incapaz de localizar o relatório original da ONU, mas através .  Dan Peretz, Israel and the Palestinian Arabs, p. 142; Davis, p. 20-21.
do exame de outras fontes, parece que Kimmerling (e conseqüentemen- Os diamantes sul-africanos, antes de serem distribuídos para o mer-
te Davis) fez um erro de digitação. As figuras deveriam aparecer em cado mundial, são cortados e lapidados em Israel – em uma parceria
milhões de libras esterlinas, não bilhões. reveladora.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

A mitologia sionista inclui a versão de que a dedi- Como o primeiro-ministro Levi Eshkol declarou
cação, o sacrifício e a perícia sionista transformaram uma ao Knesset (o parlamento israelense), ao propor que o Es-
terra deserta, descuidada pelos seus anteriores guardiões tado de Israel adotasse as políticas de terra do FNJ: “Os
árabes – nômades e primitivos –, em um jardim, fazen- princípios estabelecidos pelo Fundo Nacional Judeu (...)
do o deserto florescer. As hortas palestinas, a indústria, a serão estabelecidos como princípios a serem aplicados nas
madeira, as fábricas, as casas e as posses foram usurpadas e terras do Estado” .
saqueadas depois da sangrenta conquista: o navio do Esta- O Fundo Nacional Judeu é explícito nesse tema,
do é um barco pirata, a bandeira que lhe corresponde é a como fica claro no Relatório 6 do FNJ:
da caveira com os ossos cruzados.
Em consonância com o acordo estabelecido entre o governo
“Judaizando” a terra de Israel e o FNJ, o Knesset adotou em 1960 a “Lei Básica:
Terras de Israel”, que dá caráter legal à tradição ancestral
O Fundo Nacional Judeu conseguiu suas primeiras terras de propriedade perpétua da terra ao povo judeu – o prin-
em 1905. Seu intuito era a aquisição de terra “com o ob- cípio sobre o qual o FNJ foi fundado. A mesma lei estende
jetivo de estabelecer os judeus nessas terras” . Em maio esse princípio a todo o volume dos domínios do Estado de
de 1954, o Keren Kayemeth le-Israel (Fundo Perpétuo para Israel.10
Israel) incorporou-se a Israel e adquiriu todos os ativos do
Fundo Nacional Judeu. Qualquer relação com a terra regia-se pelas se-
Em novembro de 1961, o FNJ e o governo israelen- guintes condições especificadas em todos os contratos de
se firmaram um convênio baseado na legislação aprovada em arrendamento de propriedade:
julho de 1960. A partir daí, foi estabelecida a Administração
das Terras de Israel. Em 93% das terras de Israel vigorava O arrendatário terá de ser judeu e terá de aceitar realizar
legalmente uma mesma política, sob os auspícios do Estado todos os trabalhos relacionados com o cultivo da fazenda so-
e apoiada nas políticas do Keren Kayemeth le-Israel e do FNJ. mente com mão-de-obra judia.11

.  Walter Lehn, “The Jewish National Fund as an instrument of discrim- A conseqüência disso era que a terra não podia ser
ination” apud Zionism and Racism, Londres, International Organization for arrendada a um não-judeu, nem o arrendamento podia ser
the Elimination of All Forms of Racial Discrimination, 1977, p. 80.
.  O Relatório da Administração de Terras Israelenses (ILA) [Jerusa-
lém, 1962] estipula que o tem jurisdição sobre 92,6% do total da área .  Lehn e Davis, 1988, p. 114.
do Estado. O professor da Universidade Hebraica Uzzi Ornan identifica 10.  Lehn e Davis, 1988, p. 115.
as áreas “às quais os princípios do Fundo Nacional Judeu se aplica” como 11.  Regulamento JNF, Artigo 23. Apud Israel Shahak(Ed.), The non-
correspondentes a “95% da Israel pré-1967.” Ma’ariv, 30 jan. 1974. jew in the jewish State, Jerusalém, 1975.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

sub-arrendado, vendido, hipotecado, dado ou cedido a um vam a lei, as normas da Agência Judia e o convênio entre o
não-judeu. Os não-judeus não podiam ser empregados na Estado de Israel e o Fundo Nacional Judeu. A contratação
terra nem em nenhum trabalho relacionado com o cultivo. de trabalho não-judeu tem sido punida com multas e com
Se essas condições fossem violadas, os arrendatários seriam uma “doação a um fundo especial” 13.
multados e o contrato de arrendamento seria revogado sem Israel Shanak descreveu esse processo como “uma
indenização. mistura asquerosa de discriminação racial e corrupção
Tornou-se particularmente instrutivo que essas financeira”.
normas não fossem somente do FNJ, mas também assumi- Mas o que tudo isso revela é que o Estado de
das pelo Estado em suas leis. Elas aplicavam-se ao FNJ e a Israel emprega todas as expressões normais no sentido
todas as terras do Estado que eram, em sua absoluta maio- racista. O “povo” significa somente os judeus. Um “imi-
ria, de proprietários “ausentes”. grante” ou um “colono” somente pode ser um judeu. Um
“assentamento” significa um assentamento somente para
As necessidades de não-judeus não existem judeus. A terra nacional significa a terra judia, não a terra
israelense.
Em Israel, essas terras estatais são consideradas “terra na- Desse modo, a lei e os direitos, as garantias e o
cional”, o que não significa terra israelense, mas judia. A direito ao trabalho ou à propriedade correspondem somen-
contratação de trabalho não-judeu é tratada como ilegal, te aos judeus. A cidadania ou a nacionalidade “israelenses”
como infração da lei. Devido à escassez de trabalhadores correspondem estritamente aos judeus em todas as aplica-
agrícolas judeus, e pelo fato de os palestinos receberem ções específicas de seu significado ou jurisdição.
uma fração do salário pago aos trabalhadores judeus, al- Como a definição de judeu baseia-se inteiramen-
guns agricultores judeus (como o ex-ministro da Defesa, te no preceito religioso ortodoxo, “gerações de ascendên-
Ariel Sharon) contratavam árabes. Essa prática é ilegal! Em cia materna judia” é o pré-requisito para gozar do direito
1974, o ministro da Agricultura a denunciava como um da propriedade, do trabalho ou da proteção legal. Não há
“câncer”12. exemplo mais exímio de leis e procedimentos racistas.
Os assentamentos que sub-arrendavam algum pe- Utilizando esse mesmo critério, mais de 55% da
daço de terra para os árabes passaram a ser denunciados. terra e os 70% da água da Cisjordânia (território ocupa-
A extensão de tal prática, dados os lucros extraídos do tra- do em 1967) foram confiscados para os 6% da população
balho barato palestino, foi considerada uma “praga” pelo – cerca de 40 mil colonos entre os 800 mil palestinos.
Ministério da Agricultura. O Departamento de Assenta- Em Gaza (território ocupado em 1967) mais de 40% das
mentos da Agência Judia advertiu que tais práticas viola- terras foram entregues a 2.200 colonos. Meio milhão de

12.  Ha’aretz, 13 dez. 1974. 13.  Ma’riv, 3 jul. 1975.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

palestinos estão confinados em casebres e acampamentos Os kibutzim existem, sobretudo, em terras toma-
superpovoados. das dos palestinos. Os não-judeus não podem ser membros
Desse modo, as práticas nos territórios ocupados dos mesmos. Se “trabalhadores temporários” cristãos en-
pós-1967, denunciadas universalmente, não são nada mais volvem-se com mulheres judias, eles são obrigados a con-
do que a continuação do mesmo processo que se deu na verter-se ao judaísmo para poderem ser membros de um
constituição do Estado de Israel. A utilização da força, a kibutz. Shanak explica:
pilhagem de terras e a exclusão dos trabalhadores não-ju-
deus são centrais na teoria e na prática sionistas. Theodor Os cristãos candidatos a pertencer a um kibutz mediante
Herzl promulgou esse programa em 12 de junho de 1895: conversão têm de prometer que daqui em diante cuspirão
“Nós deveremos (...) desaparecer com essa população sem quando passarem diante de uma igreja ou uma cruz 16.
nenhum tostão do outro lado da fronteira (...) negando-
lhes qualquer emprego em nosso país”.14 Atualmente, ao redor de 93% da terra do chama-
do Estado de Israel é controlado pela Administração das
Os kibutzim racistas Terras de Israel, sob a orientação do Fundo Nacional Ju-
deu. Para que se possa ter direito a viver na terra, arrendá-
Ironicamente, a instituição israelense na qual se depositam la ou trabalhar nela, é preciso que a pessoa demonstre ter
maiores ilusões é o kibutz, um suposto exemplo de coope- pelo menos quatro gerações de ascendência materna judia.
ração socialista. Se nos Estados Unidos, para viver na terra, ar-
Como afirma Israel Shanak: rendá-la, alugá-la, pastoreá-la ou trabalhá-la, de qualquer
modo, fosse necessário demonstrar que você não tem pelo
A organização israelense que pratica em maior grau a exclu- menos quatro gerações de ascendência materna judia, al-
são racista é (...) o kibutz. Há muito tempo a maior parte guém duvidaria da natureza racista de tal legislação?
dos israelenses é consciente do caráter racista do kibutz, não
somente em relação os palestinos, mas também contra todos
os seres humanos que não sejam judeus.15

14.  Raphael Patai (Ed.), The complete diaries of Theodor Herzl, Nova York,
1960, p. 88.
15.  Israel Shahak, “A message to the human rights movement in Ameri­
ca – Israel today: the other apartheid” Against the Current, jan./fev.
1986. 16.  Shahak, 1986.

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Capítulo 6. O sionismo e os judeus

Se a colonização da Palestina caracterizou-se por uma série


de espólios, devemos nos deter um momento para exami-
nar a atitude do movimento sionista não somente para com
suas vítimas palestinas (sobre a qual voltaremos a falar),
mas também para com os próprios judeus.
O próprio Herzl escreveu o seguinte sobre os ju-
deus: “Consegui ter uma atitude mais livre em relação ao
anti-semitismo, que começo a compreender historicamen-
te e a perdoar. Antes de tudo, reconheci a inutilidade e
futilidade de tentar combater o anti-semitismo.”
A organização juvenil dos sionistas Hashomer Hat-
zair (jovem guarda) publicou o seguinte texto: “Um judeu
é uma caricatura de um ser humano normal, natural, tanto
física como espiritualmente. Como indivíduo em socieda-
de, ele se rebela contra as obrigações sociais e as joga ao
léu, não conhecendo ordem nem disciplina.” 
“O povo judeu”, escrevia Jabotinsky na mesma li-

.  Marvin Lowenthal, ed., The Diaries of Theodor Herzl, p. 6. Citado


em Lenni Brenner, Zionism in the Age of the Dictators, Westport Conn.,
Lawrence Hill,1983, p. 6.
.  De “Our Shomer ‘Weltanschauung’” in Hashomer Hatzair, dez. 1936.
Publicado originalmente em 1917, Brenner, Zionism, p. 22.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

nha, “é um povo muito mau; seus vizinhos o odeiam e com Como assinalamos, os sionistas dirigiram idênti-
razão (...) sua única salvação está numa imigração genera- cos apelos ao sultão da Turquia, ao kaiser alemão, ao impe-
lizada para a terra de Israel”. rialismo francês e ao Raj britânico.
Os fundadores do sionismo desesperavam-se em
combater o anti-semitismo e, paradoxalmente, considera- Sionismo e fascismo
vam os próprios anti-semitas como aliados, porque com-
partilhavam com eles o desejo de arrancar os judeus dos A história do sionismo, ocultada na sua maior parte, é
países em que viviam. Passo a passo, eles assimilaram aos sórdida.
valores do ódio aos judeus e o anti-semitismo, na medida Mussolini constituiu esquadrões do movimento
em que o movimento sionista passou a olhar os anti-semi- juvenil dos Sionistas Revisionistas Betar, com camisas ne-
tas como seus mais confiáveis patrocinadores e protetores. gras da mesma maneira que seus próprios bandos fascistas.
Theodor Herzl dirigiu-se a ninguém menos do que Quando Menachen Begin se converteu em chefe da Betar
o conde Von Plehve, o autor dos piores pogroms (massacres preferiu usar as camisas marrons dos bandos de Hitler, um
praticados contra determinadas comunidades) na Rússia uniforme que Begin e os membros da Betar trajavam em
– os pogroms de Kichinev – com a seguinte proposta: “Aju- todas as reuniões e concentrações – nas quais eles se sau-
de-me a conseguir o mais breve possível a terra [Palestina] davam entre si, abrindo e encerrando as reuniões, com a
e a revolta [contra a dominação czarista] acabará” . saudação fascista.
Von Plehve concordou com a proposta e passou a Simon Petilura era um fascista ucraniano que di-
financiar o movimento sionista. Mais tarde, ele se queixa- rigiu pessoalmente os pogroms que mataram 28 mil judeus
ria a Herzl: “Os judeus estão se incorporando aos partidos em 1897 em distintos massacres. Jabotinsky negociou uma
revolucionários. Nós simpatizávamos com seu movimento aliança com Petilura, propondo uma força policial judia
sionista enquanto trabalhavam pela emigração. Vocês não que acompanhasse as forças de Petilura na luta contra-re-
têm de justificar esse movimento para mim. Vocês estão volucionária contra o Exército Vermelho e a Revolução
pregando para um convertido.” Bolchevique – um processo que envolveu o assassinato
Herzl e Weizmann se ofereceram para ajudar a ga- de camponeses, operários e intelectuais que defendiam a
rantir os interesses czaristas na Palestina e livrar a Europa Revolução.
Oriental e a Rússia daqueles “nocivos e subversivos judeus
anarco-bolcheviques”. Colaborando com os nazistas

.  Brenner, The Iron Wall. A estratégia de recrutar europeus que odiavam virulenta-
.  Ibid., p. 14. mente os judeus e alinhar-se com os movimentos e regimes
.  Ibid. mais perversos, na medida em que eles servissem como

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

patronos financeiros e militares de uma colônia sionista na com o qual adquiriram grandes quantidades de produtos
Palestina, não deixou de lado os nazistas. nazistas.
A Federação Sionista da Alemanha enviou um me-
morando de apoio ao Partido Nazista, em 21 de junho de Abraçando as SS
1933. No mesmo, a Federação assinalava:
Conseqüentemente, os sionistas levaram para a Palestina
(...) um renascimento da vida nacional como a que está se o barão Von Mildenstein, do Serviço de Segurança das SS,
dando na vida alemã (...) também deve dar-se no grupo numa visita de seis meses em apoio ao sionismo. Essa visita
nacional judeu. Sobre as bases do novo Estado [nazista] que deu origem a um relatório em doze capítulos de Joseph
estabeleceu o princípio da raça, desejamos encaixar nossa Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, no Der Angriff
comunidade na estrutura de conjunto, de forma que também (“O assalto”), em 1934, elogiando o sionismo. Goebbels
para nós, na esfera a nós atribuída, possamos desenvolver ordenou que se cunhasse uma medalha com a suástica em
uma atividade frutífera pela Pátria... um lado e a estrela de David sionista no outro.
Em maio de 1935, Reinhardt Heydrich, chefe do
Longe de repudiar essa política, o Congresso da Serviço de Segurança das SS, escreveu um artigo no qual
Organização Mundial Sionista de 1933 rechaçou, por 240 dividia os judeus em “duas categorias”. Os judeus que ele
votos contra 43, uma resolução que conclamava a atuação apoiava eram os sionistas: “Contam com nossos melhores
contra Hitler. desejos e com nossa boa vontade oficial.” 
Durante esse mesmo congresso, Hitler anunciou Em 1937, a milícia sionista “socialista” trabalhis-
um acordo comercial com o banco Anglo-Palestino da Or- ta, a Haganah (fundada por Jabotinsky), enviou um agente
ganização Mundial Sionista, o que rompia o boicote judeu (Feivel Polkes) a Berlim para oferecer espionagem ao Ser-
ao regime nazista no momento em que a economia alemã viço de Segurança das SS, em troca da liberação das fortu-
estava extremamente vulnerável. Era o momento culmi- nas judias para serem usados na colonização sionista. Adolf
nante da depressão, quando as pessoas pagavam suas con- Eichmann foi convidado a ir à Palestina como hóspede das
tas com sacos cheios de marcos alemães desvalorizados. A Haganah.
Organização Mundial Sionista rompeu o boicote judeu e Feivel Polkes informou a Eichmann:
se converteu no principal distribuidor de produtos nazis-
tas em todo o Oriente Médio e no norte da Europa. Eles Os círculos nacionalistas judeus estavam muito deleitados
também estabeleceram na Palestina o Ha’avara, um ban- pela política radical alemã, visto que, com ela, a força da
co destinado a receber dinheiro da burguesia judia-alemã, população judia na Palestina cresceria de tal modo que,

.  Brenner, Zionism, p. 48. .  Ibid., p. 85.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

num futuro previsível, os judeus chegariam a ter superiori- transportando-se para Eretz Israel, optaria pela segunda
dade numérica sobre os árabes. alternativa.”  Essa obsessão por colonizar a Palestina e tor-
nar-se maioria em relação aos árabes levou o movimento
A lista de atos de colaboração sionista com os na- sionista a opor-se a qualquer resgate dos judeus ameaçados
zistas é muita extensa. Quem pode explicar essa incrível de extermínio, para que não houvesse obstáculos ao desvio
disposição dos dirigentes sionistas em trair os judeus da da mão-de-obra selecionada para a Palestina. Entre 1933 e
Europa? Toda a justificação que os apologistas oferece- 1935, a Organização Mundial Sionista recusou dois terços
ram para a criação do Estado de Israel resumia-se à in- dos pedidos de certificado de imigração feitos por judeus
tenção de ser este Estado o próprio refúgio para os judeus alemães.
perseguidos. Berel Katznelson, diretor do Davar, um periódico
Os sionistas, contrariamente, encaravam qual- do sionismo trabalhista, descrevia os “critérios cruéis do
quer esforço para resgatar os judeus europeus não como o sionismo”: judeus alemães demasiados velhos para procriar
cumprimento de seu objetivo político, mas sim como uma na Palestina, aqueles sem qualificação profissional para le-
ameaça para todo o seu movimento. Se os judeus da Europa vantar uma colônia sionista, os que não falavam hebraico e
fossem salvos, eles desejariam ir a qualquer outro lugar, e os que não eram sionistas. No lugar desses judeus ameaça-
a operação de resgate não teria nada a ver com o projeto dos de extermínio, a Organização Mundial Sionista levou
sionista de conquistar a Palestina. para a Palestina 6 mil jovens sionistas, bem treinados, dos
Estados Unidos, da Grã Bretanha e de outros países onde
Sacrificando os judeus da Europa não existiam ameaças. Pior ainda, a OMS não só foi inca-
paz de encontrar uma alternativa para os judeus que en-
O correlato dos atos de colaboração com os nazistas ao lon- frentavam o Holocausto, como também a direção sionista
go dos anos 1930 se deu quando houve tentativas de mudar se opôs belicosamente a todos os esforços para encontrar
as leis de imigração nos Estados Unidos e na Europa Oci- refúgio para os judeus que fugiam.
dental para oferecer refúgio de reparação aos judeus per- Em 1943, quando os judeus da Europa estavam
seguidos da Europa: foram os sionistas que organizaram sendo exterminados aos milhões, o Congresso dos Estados
ativamente a sabotagem a esses esforços. Unidos propôs formar uma comissão para “estudar” o pro-
Ben Gurion informou numa assembléia de sionis- blema. O rabino Stephan Wise, principal porta-voz ame-
tas trabalhistas da Grã-Bretanha em 1938: “Se eu soubes- ricano do sionismo, foi a Washington para testemunhar
se que era possível salvar a todas as crianças da Alemanha contra uma medida de resgate, porque isso iria desviar a
levando-as para a Grã-Bretanha e somente a metade delas atenção da colonização da Palestina.

.  Ibid., p. 99. .  Ibid., p. 149.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Esse é o mesmo rabino Wise que, em 1938, atu- bros do Parlamento davam novos passos sobre o tema,
ando como líder do Congresso Judeu Americano, escreveu um porta-voz dos sionistas anunciou que se oporia a essa
uma carta opondo-se a qualquer mudança nas leis de imi- moção porque ela não incluía os preparativos para a colo-
gração norte-americana que permitisse aos judeus buscar nização da Palestina. Foi uma posição mantida de forma
refúgio lá. Ele afirmava: coerente.
Chaim Weizmann, o dirigente sionista que prepa-
Deve ser de seu interesse saber que, há algumas semanas, os rou a Declaração Balfour e tornou-se o primeiro presiden-
representantes das principais organizações judias se reuni- te de Israel, explicitou claramente essa política sionista:
ram em conferência (...) E foi decidido que nenhuma organi-
zação judia, neste momento, irá patrocinar um decreto que As esperanças dos seis milhões de judeus da Europa estão
de algum modo mude as leis de imigração.10 centradas na emigração. Alguém me perguntou: “Você pode
levar seis milhões de judeus para a Palestina?” Eu respondi.
Lutando contra o asilo “Não.” (...) Dos abismos da tragédia eu quero salvar (...)
os jovens [para a Palestina] . Os velhos desaparecerão. Eles
Todo o establishment sionista manteve uma posição clara em agüentarão sua sorte ou não. Eles são pó, pó econômico e
resposta a uma moção de 227 membros do Parlamento Bri- moral num mundo cruel (...) Somente o ramo dos jovens
tânico que pedia ao governo que oferecesse asilo em terri- sobreviverá. Eles têm de aceitar isso.12
tórios britânicos aos judeus perseguidos. A nefasta medida
alternativa dizia o seguinte: Yitzhak Gruenbaum, presidente do comitê forma-
do pelos sionistas, em teoria para investigar a situação dos
O governo de Sua Majestade concedeu centenas de permis- judeus europeus, disse:
sões de imigração para a Mauritânia e outros locais, em
favor de famílias judias ameaçadas.11 Se nos vierem com dois planos – resgatar as massas de ju-
deus da Europa ou resgatar a terra – eu voto, sem vacilar,
Mas os dirigentes sionistas se opuseram inclusive pelo resgate da terra. Quanto mais se fala da matança de
a essa medida simbólica. Em uma reunião parlamentar nosso povo, mais se minimizam nossos esforços por reforçar e
em 27 de janeiro de 1943, quando mais de cem mem- promover a hebraização da terra. Se houvesse, hoje, alguma
possibilidade de comprar alimentos com o dinheiro de Karen
10.  Ibid.
11.  Rabino Solomon Schonfeld, Rabino Chefe da Grã-Bretanha duran- 12.  Chaim Weizmann, fazendo um relato ao Congresso Sionista de
te a Segunda Guerra Mundial. Faris Yahya, Zionist Relations with Nazi 1937 sobre seu testemunho à Comissão Peel, em julho de 1937, em
Germany, Beirute, Palestine Research Center, janeiro de 1978, p. 53. Londres. Citado em Yahya, p. 55.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Hayesod (Apelo Judeu Unido) para enviá-los através de Lis- tagem ativa pelos sionistas dos escassos esforços propostos
boa, nós o faríamos? Não. Repito: não. 13
ou preparados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.
Abaixo, podemos ler o cri-de-coeur15 do rabino
Traindo a resistência Weissmandel. Escrevendo aos sionistas em julho de 1944,
ele disse:
Em julho de 1944, o dirigente judeu eslovaco rabino Dov
Michael Weissmandel, em carta aos funcionários sionis- Por que vocês não fizeram nada até agora? Quem é o culpa-
tas encarregados dessas “organizações de resgate”, propôs do desta terrível negligência? Vocês não são culpados, irmãos
uma série de medidas para salvar os judeus condenados ao judeus: vocês que têm a maior sorte do mundo, a liberdade?
extermínio em Auschwitz. Ele ofereceu mapas exatos das Nós lhes enviamos, continuava o rabino Weissmandel,
ferrovias e insistiu no bombardeio dos ramais por onde os esta mensagem especial: informamos que, ontem, os ale-
judeus húngaros eram transportados para os crematórios. mães iniciaram a deportação dos judeus da Hungria (...) Os
Ele pediu que fossem bombardeados os fornos de deportados vão para Auschwitz para serem mortos com gás
Auschwitz­, lançassem munições de pára-quedas para os 80 cianureto. Essa é a ordem do dia de Auschwitz, desde ontem
mil presos, lançassem sabotadores, também de pára-que- até o final:
das, para explodir todos os meios de aniquilação e pôr fim, A cada dia serão asfixiados doze mil judeus – homens,
assim, à cremação de 13 mil judeus diariamente. mulheres e crianças, idosos, recém nascidos, saudáveis e
Caso os Aliados rejeitassem a petição tornada pú- doentes.
blica e organizada pelas “organizações de resgate”, Weis- E vocês, nossos irmãos da Palestina, de todos os países livres,
smandel propunha que os sionistas, que dispunham de e vocês, ministros de todos os reinos, como podem guardar
fundos e organizações, arrumassem aviões, recrutassem silêncio diante desse grande assassinato?
voluntários judeus e executassem a sabotagem.14 Silêncio enquanto assassinam milhares e milhares, que já
Weissmandel não foi o único a pedir isso. Nos chegam, agora, a seis milhões de judeus? E silêncio, agora,
fins dos anos 1930 e nos anos 1940, porta-vozes judeus da quando dezenas de milhares continuam sendo assassinados
Europa­ pediram por socorro, campanhas públicas, resis- ou estão aguardando pela morte? Seus corações destroçados
tência organizada, manifestações para obrigar os governos pedem socorro, enquanto choram pela sua crueldade.
Aliados a agirem – entrando sempre em choque não so- Brutais é o que vocês são, assassinos também, pelo sangue-
mente com o silêncio sionista, como também com a sabo- frio do silêncio com que olham, devido ao fato de estarem de
braços cruzados, sem fazer nada, apesar de que, neste mesmo
13.  Yitzhak Gruenbaum foi presidente do Comitê da Agência Judia de
Resgate. Extraído de um discurso feito em 1943. Ibid., p. 56. 15.  “Grito da alma”; desabafo desesperado. Em francês no original.
14.  Ibid., p. 53 N. do E.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

momento, vocês poderiam deter ou adiar o assassinato dos centenas de milhares de judeus” 17, ele foi processado pelo
judeus. governo israelense, cujos dirigentes haviam redigido os
Vocês, nossos irmãos, filhos de Israel, estão loucos? Não sa- termos do pacto de Kastner.
bem do inferno que nos rodeia? Para quem vocês guardam seu O Tribunal Israelense conclui que:
dinheiro? Assassinos! Loucos! Quem faz caridade aqui: vo-
cês que soltam uns poucos centavos de suas casas seguras, ou O elemento básico do acordo entre Kastner e os nazistas foi
nós, que entregamos nosso sangue no fundo do inferno?16 o sacrifício da maioria judia para salvar os mais preeminen-
tes. O acordo estabelecia a divisão da nação em dois campos
Nenhum dirigente sionista apoiou a petição, nem desiguais, de um lado um pequeno setor de notáveis, que os
os regimes capitalistas ocidentais bombardearam um só nazistas prometeram a Kastner salvar, e de outro a grande
campo de concentração. maioria dos judeus húngaros, aos que os nazistas destinaram
a morte.18
Pacto contra os judeus da Hungria
O tribunal declarou que a condição imperativa
A culminação da traição sionista foi o sacrifício dos judeus desse pacto era que nem Kastner nem os dirigentes sio-
da Hungria em uma série de acordos entre o movimento nistas interferissem na ação dos nazistas contra os judeus.
sionista e a Alemanha nazista, que foi conhecida pela pri- Esses dirigentes se comprometiam não somente em evitar
meira vez em 1953. O dr. Rudolph Kastner, do Comitê de a interferência como também, nas palavras do tribunal is-
Resgate de Budapeste da Agência Judia, firmou um pacto raelense, em não “obstaculizar o extermínio”.
secreto com Adolf Eichmann para “resolver a questão ju-
daica” na Hungria. Isso foi feito em 1944. O pacto selou o A colaboração entre o Comitê de Resgate da Agência Judia e
destino de 800 mil judeus. os exterminadores dos judeus foi consolidada em Budapeste
Mais tarde, se descobriu que Kastner assinou o e em Viena. O trabalho de Kastner foi parte integrante das
acordo com Eichmann seguindo as orientações dos diri- SS. Além de seus departamentos de Extermínio e de Saque,
gentes sionistas do exterior. O acordo implicava a salva- as SS nazistas abriram um Departamento de Resgate, diri-
ção de 600 judeus preeminentes, com a condição de que se gido por Kastner.19
guardasse silêncio sobre a sorte dos judeus húngaros.
Quando um sobrevivente, Malchiel Greenwald,
denunciou o pacto e acusou Kastner como colaborador 17.  Ibid., p. 58
nazista cujas “façanhas em Budapeste custaram a vida de 18.  Julgamento feito em 22 de junho de 1955. Protocolo do Caso Cri-
minal 124/53, no Tribunal do Distrito, Jerusalém. Ibid, p. 58.
16.  Ibid., p. 59-60. 19.  Ibid., p. 59

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Salvando nazistas, não os judeus natal do povo judeu, a Palestina, e mediante o estabeleci-
mento de um Estado Judeu em suas fronteiras históricas­ (...)
Não é uma surpresa a revelação de que Kastner interveio A OMN, que conhece bastante bem a boa vontade do gover-
para impedir que o general das SS, Kurt Becher, fosse jul- no do Reich alemão e suas autoridades para com a atividade
gado por crimes de guerra. Becher foi um dos principais sionista na Alemanha e em relação aos planos de emigração
negociadores do pacto de 1944 com os sionistas. Ele tam- sionistas, opina que:
bém foi o major da SS na Polônia, um membro dos Esqua- 1. Pode haver interesses comuns entre o estabelecimento de
drões da Morte “que trabalhava dia e noite matando ju- uma Nova Ordem na Europa, segundo a concepção alemã, e
deus.” “Becher se distinguiu como assassino de judeus na as autênticas aspirações nacionais do povo judeu, personifi-
Polônia e na Rússia.” 20 cadas pela OMN.
Heinrich Himmler o nomeou Comissário de to- 2. Seria possível a cooperação entre a nova Alemanha e uma
dos os campos de concentração nazistas. renovada nação do povo Hebraico Nacional, e
O que aconteceu com ele? Ele se tornou o presi- 3. O estabelecimento de um Estado judeu histórico, sobre bases
dente de muitas empresas e dirige a venda de trigo a Israel. nacionais e totalitárias, unido por uma aliança com o Reich
Sua empresa, a Cologne Handel Gesselschaft, fez extensi- Alemão, seria do interesse para um continuado e fortalecido
vos negócios com o governo israelense. futuro da posição de poder alemão no Oriente Próximo.
A partir dessas considerações, a OMN na Palestina, sob a
Um pacto militar com o nazismo condição de que as aspirações nacionais do movimento de
libertação israelense mencionadas acima sejam reconhecidas
Em 11 de janeiro de 1941, Avrahan Stern propôs um pac- pelo Reich Alemão, se oferece a participar ativamente na
to formal entre a Organização Militar Nacional (OMN), guerra no lado da Alemanha.21
da qual Itzhak Shamir (atual primeiro-ministro de Israel)
era um preeminente líder, e o Terceiro Reich Nazista. Essa A perfídia sionista
proposta foi conhecida como Documento de Ancara, por
ter sido descoberta, depois da guerra, nos arquivos da em- A perfídia sionista – a traição das vítimas do Holocausto –
baixada alemã na Turquia. Ele estabelece o seguinte:

A evacuação das massas judias da Europa é pré-condição para 21.  “Proposal of the National Military Organization – Irgun Zvai Leu-
mi – Concerning the Solution of the Jewish Question in Europe and
resolver a questão judaica; mas esta somente pode ser possível the Participation of the N.M.O. in the War on the side of Germany”.
e completa mediante o assentamento dessas massas na terra O texto original encontra-se em David Yisraeli, The Palestine in German
Politics, 1889-1945, Ramat Gan, Bar Ian University, Israel, 1974, pp 315-
20.  Ben Hecht, Perfidy, Nova York, 1961, pp. 58-59. Ibid., p. 60. 317, Brenner, Zionism, p. 267.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

foi a culminação de sua tentativa de identificar os interes- mento revolucionário e cujo sofrimento levou alguns de
ses dos judeus com os da ordem estabelecida. Atualmente, seus melhores pensadores a engrossar o caldo da negação
os sionistas vinculam seu Estado ao braço ameaçador do dos valores estabelecidos.
imperialismo norte-americano – desde os esquadrões da O segredo sujo da história sionista reside no fato
morte latino-americanos até as operações encobertas da de que o sionismo se sentia ameaçado pelos próprios ju-
CIA nos quatro continentes. deus. Defender o povo judeu da perseguição implicava or-
Essa sórdida história está enraizada na desmo- ganizar a resistência aos regimes que os ameaçavam. Mas
ralização dos fundadores do sionismo, que rechaçavam a esses regimes corporificavam a ordem imperialista que
possibilidade de superar o anti-semitismo através da luta continha a única força social que queria ou podia impor
popular e da revolução social. Moses Hess, Theodor Herzl uma colônia de ocupação ao povo palestino. Portanto, os
e Chaim Weizmann elegeram o lado errado das barricadas: sionistas necessitavam da perseguição aos judeus para con-
o do poder estatal, da dominação de classes e da explo- vencer os judeus a se converter em colonizadores de terras
ração. Eles propugnaram uma suposta disjuntiva entre a distantes, e necessitavam dos perseguidores para patroci-
emancipação da perseguição e a necessidade da mudança nar o empreendimento.
social. Eles compreendiam perfeitamente que o cultivo do Mas os judeus europeus nunca manifestaram inte-
anti-semitismo e a perseguição aos judeus eram obra de resse em colonizar a Palestina. O sionismo foi sempre um
uma mesma classe dominante, cujo favor eles solicitavam. movimento marginal entre os judeus, que aspiravam a vi-
Ao buscar o patrocínio dos próprios anti-semitas, ver nos países onde nasceram, livres de discriminação, ou
eles revelaram vários impulsos: a adoração do poder, ao a escapar da perseguição emigrando para as democracias
qual associavam a força; o desejo de pôr fim à “debilida- burguesas, que eles identificavam como mais tolerantes.
de” e à vulnerabilidade judaicas, para que deixassem de ser Por isso que o sionismo nunca pôde responder às
eternos marginais. necessidades ou às aspirações dos judeus. O momento da
Dessa sensibilidade à assimilação dos valores e verdade veio quando a perseguição deu lugar ao extermí-
idéias dos próprios raivosos para com os judeus havia pouca nio físico. Perante o teste final e definitivo de sua verda-
distância. Os judeus, escreveram os sionistas, eram real- deira relação com a sobrevivência judia, os sionistas não
mente um povo indisciplinado, subversivo, dissidente, me- somente falharam em dirigir a resistência ou defender os
recedor do escárnio que lhes era dirigido. Os sionistas ali- judeus, como também sabotaram ativamente os esforços
mentaram desavergonhadamente o ódio racista contra os judeus de boicotar a economia nazista. Mais ainda: bus-
judeus. Adorando o poder, apelaram ao desejo anti-semita­ caram o patrocínio dos próprios genocidas, não somente
de gente como Von Plehve e Himmler de livrar-se de um porque o Terceiro Reich parecia forte o bastante para impor
povo vitimado e há muito radicalizado devido à persegui- uma colônia judia, mas também porque as práticas nazistas
ção; de um povo que havia cerrado fileiras com o movi- coincidiam com os pressupostos sionistas.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Havia um terreno comum aos nazistas e sionistas, em base à concepção perversa de que o ódio aos judeus
expresso não somente na proposta de Organização Militar era útil. Seu objetivo não era resgatar, mas sim realizar o
Nacional, de Shamir, de formar um Estado na Palestina recrutamento forçado de uns poucos eleitos – enquanto o
sobre uma “base nacional totalitária”. Em sua última obra, restante seria abandonado à sua sorte agonizante.
A Frente de Guerra Judia, Vladimir Jabotinsky escreveu sobre O sionismo buscava corpos para colonizar a
seus planos para o povo palestino: Palestina­ e preferiu ter milhões de cadáveres judeus a rea-
lizar qualquer resgate que pudesse assentar aos judeus em
Como temos esta grande autoridade moral para encarar outra parte.
com calma o êxodo dos árabes, não temos de considerar a Se alguma vez existiu um povo com condições
possível partida de 900 mil com desânimo. Recentemen- de compreender o significado da perseguição, da dor de
te, Herr Hitler reforçou a popularidade da transferência de serem eternos refugiados, da humilhação e da difamação,
população.22 esse foi o povo judeu.
Em lugar de demonstrar compaixão, os sionistas
Essa notável afirmação de Jabotinsky em A Frente celebraram a perseguição de outros, mesmo quando eles,
de Guerra Judia, resume o pensamento sionista e sua ban- primeiro, traíram os judeus e, depois, os degradaram. Eles
carrota moral. A matança dos judeus deu ao sionismo uma escolheram para si um povo-vítima, a quem pudessem in-
“grande autoridade moral”. Para quê? “Para considerar fligir um projeto de conquista. Eles comprometeram os
com calma o êxodo dos árabes”. A lição da destruição dos judeus sobreviventes com um novo genocídio contra o
judeus pelos nazistas foi que agora era permitido aos sionis- povo palestino, encobrindo-se, com selvagem ironia, com
tas impor a mesma sorte a toda a população palestina. o manto coletivo do Holocausto.
Sete anos mais tarde, os sionistas competiram
com os nazistas, cuja proteção buscaram e, às vezes, con-
seguiram, encobrindo a ensangüentada Palestina de múl-
tiplos casos semelhantes à Lídice23, forçando ao exílio 800
mil pessoas.
Os sionistas se aproximaram dos nazistas com o
mesmo espírito com que abordaram Von Plehve: atuando

22.  Brenner, The Iron Wall, p. 107


23.  Lídice era um povoado tcheco totalmente destruído pelas SS. Lídi-
ce tornou-se um símbolo da brutalidade nazista e foi apontada como um
crime de guerra durante os Tribunais de Nuremberg.

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Capítulo 7. O mito da segurança

“Segurança” foi a palavra enganosa utilizada para encobrir


o extenso massacre das populações civis em toda a Palesti-
na e no Líbano, para confiscar as terras palestinas e árabes,
para expandir-se em territórios circundantes e levantar
novos assentamentos, para deportar e torturar sistematica-
mente os presos políticos.
A publicação do livro Diário Pessoal de Moshe Sharett
(Yoman ishi, Ma’ariv, Tel Aviv, 1979) demoliu o mito da
segurança como força-motriz da política israelense. Moshe
Sharett foi primeiro-ministro de Israel (1954-55), diretor
do Departamento Político da Agência Judia e ministro de
Assuntos Exteriores (1948-1956).
O diário de Sharett revela, com linguagem explí-
cita, que a direção política e militar de Israel nunca acredi-
tou em nenhum tipo de ameaça árabe a Israel. Eles conse-
guiram manobrar e forçar os Estados árabes a promoverem
enfrentamentos militares que a direção sionista estava se-
gura de ganhar, de forma que Israel pudesse desestabilizar
os regimes árabes e executar seus planos de ocupação de
mais territórios.
Sharett descreveu o motivo que inspirou a provo-
cação militar israelense:

121
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Liquidar todas (...) as reivindicações palestinas para a Pa- libanês, a fim de fragmentar o Líbano. Isso aconteceu de-
lestina, através da dispersão dos refugiados palestinos para zesseis anos antes que houvesse uma presença política or-
os cantos mais isolados do mundo. ganizada palestina naquela área, que aconteceu como con-
seqüência das expulsões da Jordânia em 1970, quando o
O diário de Sharett documenta um persisten- rei Hussein massacrou os palestinos no episódio que ficou
te programa dos dirigentes israelenses, tanto trabalhistas conhecido como “Setembro Negro”.
como do Likud: “desmembrar o mundo árabe, derrotar Sharett descreveu “a utilização do terror e da
o movimento nacional árabe e criar regimes títeres sob o agressão para provocar”, a fim de facilitar a conquista:
poder regional israelense.” 
Sharett cita reuniões de gabinete, documentos Tenho meditado sobre a longa cadeia de falsos incidentes
doutrinários e memorandos políticos que preparavam e hostilidades que inventamos e sobre os muitos enfrenta-
guerras “para modificar radicalmente o equilíbrio de po- mentos que provocamos, com tão elevado custo de sangue,
der na região, transformando Israel na grande potência do e com violações da lei por nossos homens – os quais pro-
Oriente Médio.” duziram graves desastres e determinaram todo o curso dos
Sharett revela que a guerra de outubro de 1956, acontecimentos.
longe de seguir uma “reação” de Israel à nacionalização do
Canal de Suez por Nasser, foi preparada pela direção israe­ Ele conta como em 11 de outubro de 1953 o pre-
lense, que tinha planos nesse sentido desde o outono de sidente israelense Ben Zvi “levantou, como de costume,
1953, um ano antes que Nasser chegasse ao poder. Sharett algumas perguntas inspiradas sobre (nossas) chances de
narra como o gabinete israelense chegou a um acordo sobre ocupar o Sinai e quão bom seria se os egípcios iniciassem
o tema de que as condições internacionais para essa guerra uma ofensiva para que nós pudéssemos empreender, na se-
iriam maturar em três anos. O objetivo explícito era “ab- qüência, a invasão do deserto.”
sorver o território de Gaza e o Sinai”. Em 26 de outubro de 1953, Sharett escreveu:
O calendário da conquista foi decidido no mais
alto nível militar e político. A ocupação de Gaza e da 1) O Exército considera a fronteira atual com a Jordânia
Cisjordânia­ foi preparada nos primeiros anos da década de absolutamente inaceitável. 2) O Exército está planejando a
1950. Em 1954, David Ben Gurion e Moshe Dayan elabo- guerra de forma a ocupar o resto do Eretz Israel.
raram um plano detalhado para instigar o conflito interno

.  Rokach, p. 5. .  Ibid., p. 6.


.  Ibid. .  Ibid., p. 14.
.  Ibid., p. 4. .  Ibid., p. 18.

122 123
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Em 31 de janeiro de 1954, Dayan traçou os planos O chefe do Estado-Maior apóia o plano de contratar um
de guerra, revelados por Sharett: oficial libanês que esteja de acordo em atuar como uma ma-
rionete para que o exército israelense possa aparecer como
Nós deveríamos penetrar militarmente na Síria e conseguir uma resposta ao seu apelo “para libertar o Líbano de seus
uma série de fatos consumados. A conclusão interessante de opressores muçulmanos”.
tudo isto relaciona-se à direção que o pensamento do Chefe
do Estado-Maior está tomando. Portanto, todo o cenário para a guerra de 1982,
no Líbano, estava montado com vinte oito anos de an-
Absorvendo o Líbano tecedência, antes que a Organização pela Libertação da
Palestina­ (OLP) existisse.
Em maio de 1954, Ben Gurion e Dayan formularam um Sharett, que se opôs aos planos originais, conta
plano de guerra para absorver o Líbano: como a invasão do Líbano foi adiada.

Segundo Dayan, a única coisa necessária é encontrar um Luz verde da CIA


oficial, ainda que seja um major. Deveríamos (...) comprá-lo
(...) e conseguir que ele se proclame o salvador da população A CIA deu a Israel a “luz verde” para atacar o Egito. As
maronita. energias do aparato de segurança israelense concentraram-se
Então, o exército israelense entrará no Líbano, ocupará o totalmente nos preparativos dessa guerra, que devia aconte-
território necessário e criará um regime cristão que irá se cer exatamente um ano mais tarde.10
aliar a Israel. O território ao sul do Litani será totalmente
anexado por Israel e tudo ficará em ordem. A verdadeira relação entre Israel e o movimento
Se aceitarmos o conselho do chefe do Estado Maior, deverí- nacionalista árabe foi situada por Sharett num claro con-
amos fazer isso amanhã, sem esperar nenhum sinal [sic] de texto a serviço da dominação global dos Estados Unidos, da
Bagdá. qual a expansão sionista seria um componente essencial:

Mas, doze dias mais tarde, Dayan avançou nos (...) Nós teremos mãos livres e as bênçãos de Deus se atuar-
preparativos para a planejada invasão, ocupação e desmem- mos com audácia (...) Atualmente (...), os Estados Unidos
bramento do Líbano: estão interessados em derrubar o regime de Nasser (...) mas,
no momento, eles não se atrevem a utilizar os métodos que

.  Ibid., p. 19. .  Ibid.


.  Ibid., p. 29. 10.  Ibid., p.30.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

empregaram para derrubar o governo esquerdista de Jacobo ginar o ressentimento, o ódio e a amargura.
Arbenz, na Guatemala, [1954] e o de Mossadegh, no Irã (...) E deveremos ter outros 100 mil deles na Faixa, e é fácil
[1953] (...) Eles preferem que Israel faça o trabalho. imaginar a que meios deveremos recorrer para submetê-los e
(...) Isser [o general] propõe séria e prementemente (...) que tipo de manchetes ocuparão a imprensa internacional.
que executemos, agora mesmo, nosso plano de ocupação da A primeira série [de artigos] dirá: Israel invade agressiva-
Faixa de Gaza (...). A situação mudou e há outras razões mente a Faixa de Gaza. A segunda: Israel provoca, de novo,
que determinam que é “hora de agir” Em primeiro lugar, a o êxodo aterrorizado das massas refugiadas árabes. Seu ódio
descoberta de petróleo perto da Faixa (...) sua defesa requer será reavivado pelas atrocidades que deveremos impor a eles
dominar Gaza – e isso, por si só, já vale a pena de enfrentar durante a ocupação.13
o aborrecido problema dos refugiados.11
Um ano mais tarde, as tropas de Dayan ocuparam
Moshe Sharett previa outra onda de matanças, a Faixa de Gaza, o Sinai, os estreitos de Tiran e se estende-
como de fato aconteceu. Em 17 de fevereiro de 1955, ele ram ao longo do Canal de Suez.
escreveu:
De Herzl a Dayan
(...) nós nos queixamos de nosso isolamento e dos perigos
que ameaçam a nossa segurança, nós iniciamos a agressão Os planos expostos por Moshe Sharett não começaram
e nos revelamos sedentos por sangue e decididos a executar com Ben Gurion ou Moshe Dayan. Em 1904, Theodor
massacres de massa.12 Herzl descrevia o território reivindicado pelo movimento
sionista como toda a terra compreendida “entre o Rio do
Ben Gurion e Dayan propuseram que Israel criasse Egito e o Eufrates”.14
um pretexto para se apoderar da Faixa de Gaza. A avalia- Esse território englobava todo o Líbano e a Jor-
ção de Sharett, em 27 de março de 1955, seria profética: dânia, dois terços da Síria, a metade do Iraque, uma faixa
da Turquia, a metade do Kuwait, um terço da Arábia Sau-
Suponhamos que a Faixa de Gaza tenha 200 mil árabes. dita, o Sinai e o Egito, incluídos Port Said, Alexandria e o
Suponhamos que a metade fuja, ou seja obrigada a fugir, Cairo.
para as colinas de Hebron. Obviamente, fugirão sem nada e Em seu testemunho diante do Comitê Especial In-
pouco depois de se estabelecerem em algum ambiente estável, vestigador das Nações Unidas, que preparava a Partilha da
eles, de novo, se tornarão revoltados e sem-teto. É fácil ima- Palestina (9 de julho de 1947), o rabino Fischmann, repre-

11.  Ibid., p. 55. 13.  Ibid., p. 50.


12.  Ibid., p. 45. 14.  Herzl, Diaries, Vol. II, 1904, p. 711.

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Ralph Shoenmann

sentante oficial da Agência Judia para Palestina, reiterava


as reivindicações de Herzl: “A Terra Prometida se estende
desde o Rio do Egito até o Eufrates. Incluindo partes da
Síria e do Líbano.” 15 Capítulo 8. Blitzkrieg e massacre

Os planos sionistas para o Líbano foram muito anteriores


à formação do Estado de Israel. Em 1918, a Grã-Bretanha
foi informada que os sionistas reivindicavam o Líbano, até
as margens e incluindo o leito do rio Litani. Os planos bri-
tânicos de 1920, que assinalavam o Litani como fronteira
norte do Estado judeu, foram alterados em resposta às ob-
jeções francesas.
Em 1936, os sionistas ofereceram apoio para a he-
gemonia maronita no Líbano. O patriarca maronita decla-
rou naquela oportunidade, diante da Comissão Peel, sua
postura favorável a um Estado sionista na Palestina. Em
1937, Ben Gurion falou dos planos sionistas para o Líbano
ao Partido Mundial dos Trabalhadores Sionistas, reunido
em Zurique:

São os aliados naturais da terra de Israel. A proximidade


com o Líbano irá favorecer nossos leais aliados assim que
o Estado judeu seja criado, e nos dará a possibilidade de
expandir-nos (...).

15.  Israel Shahak, The Zionist Plan for the Middle East, Belmont, Mass., .  Jonathan Randal, Going All the Way, New York, Viking, 1983,
A.A.U.G., 1982. p. 188.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Em 1948, Israel ocupou o território até o rio Lita- don, erguendo barracas num acampamento de refugiados
ni mas se retirou, pressionado, um ano mais tarde. Sharett que eles chamaram de Ain El Helweh, “Doce Primavera”.
nos relata o calendário pensado por Ben Gurion, em 1954, O acampamento estava organizado em zonas cor-
para induzir os maronitas a fragmentar o Líbano: respondentes às comunidades da Galiléia das quais provi-
nham os refugiados. Era uma Galiléia em miniatura, com
Agora essa é a Tarefa Central (...) Devemos dedicar tem- zonas que eram réplicas dos povoados existentes na pátria
po e energia para conseguir uma mudança fundamental no natal, numa cidade de barracas, na diáspora que era Ain El
Líbano. Não devemos poupar dólares (...) Nós não seremos Helweh.
perdoados se perdêssemos essa oportunidade histórica. Em 1952, permitiram transformar as barracas
em estruturas permanentes, que chegavam então a cerca
A invasão do Líbano, em 1982, deu-se após uma de 80 mil, compondo o maior acampamento palestino do
série de incursões e invasões em 1968, 1976, 1978 e 1981. Líbano.
O plano de desmembrar o Líbano foi agregado, então, aos Em 6 de junho de 1982, às 5h30min da manhã,
objetivos primários de dispersar os habitantes palestinos de começou um intenso bombardeio aéreo que marcava o iní-
lá, mediante o massacre seguido da expulsão. cio da invasão. Os israelenses consideraram Ain El Helweh
A invasão foi planejada conjuntamente com o go- como um tabuleiro, utilizando um padrão de bombardeio
verno dos Estados Unidos. A Falange Maronita fazia parte de saturação em quadrantes sucessivos. Primeiro subme-
do projeto: “Quando Amin Gemayel visitou Washington, tiam um quadrante ao bombardeio, transformando-o em
no outono anterior, funcionários norte-americanos per- terra arrasada, e depois, metódica e ininterruptamente,
guntaram quando seria a invasão.” bombardeavam o próximo. E o bombardeio de cada qua-
Mais tarde, quando Ariel Sharon visitou Washing- drante era recomeçado, assim que o anterior fosse demoli-
ton, “o secretário de Estado, Alexandre Haig, deu a luz do. O bombardeio prosseguiu dessa forma durante dez dias
verde para a invasão” . e dez noites. Utilizaram bombas de fragmentação, bom-
A invasão do Líbano foi lançada sob o codinome bas de impacto, bombas incendiárias e bombas de fósforo
“Paz na Galiléia”. Cruel ironia! Os habitantes originais da branco.
Galiléia viveram lá durante um milênio e foram expulsos Prosseguiu por dez dias o bombardeio por mar e
por um massacre em 1948. Eles instalaram-se perto de Si- ar. Depois os israelenses levaram tratores para derrubar
os escombros que ficaram de pé. Refúgios foram cober-
.  Carta ao primeiro-ministro Moshe Sharett, 27 de fevereiro de
tos, enterrando as pessoas vivas, enquanto seus familiares
1954. Rokach, p. 25. se agarravam histéricos aos tratores. Trabalhadores norue-
.  Randal, op.cit. gueses da área da saúde que sobreviveram relataram:
.  Ibid., p. 247

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

O cheiro de cadáver se espalhava por todas as partes. Tudo Bashir Gemayel se encorajou quando o blitzkrieg
foi devastado. israelense varreu o Líbano. “Os palestinos”, declarou Ge-
mayel, “são uma população excessiva. Nós não teremos
De 500 mil a 50 mil sossego até que cada libanês autêntico tenha matado pelo
menos um palestino.” 
A invasão do Líbano, no verão de 1982, tinha o objetivo de Um destacado médico do exército libanês dis-
dispersar, através dos massacres e do terror, toda a popu- se à sua unidade: “Em breve não restará um só palestino
lação palestina. no Líbano. Os palestinos são uma bactéria que deve ser
Antes da invasão do Líbano em 1982, Ariel Sharon exterminada.” 
e Bashir Gemayel declararam, em diferentes ocasiões, que
reduziriam os palestinos do Líbano de 500 mil a 50 mil. Os massacres de Sabra e Chatila
Com o desenrolar da invasão, esses planos vieram à tona
nas páginas da imprensa israelense e ocidental. Em 26 de Os massacres subseqüentes guardam uma repugnante se-
setembro de 1982, o jornal Ha’aretz relatava: melhança com o massacre de inocentes que ocorreram em
Deir Yasin, Dueima, Kibya e Kfar Qasim, na época do des-
O objetivo, a longo prazo, apontava para a expulsão de toda povoamento da Palestina, desde 1947 e ao longo da década
a população palestina do Líbano, a começar por Beirute. Pre- de 1950.
tendia-se criar o pânico para convencer [sic] todos palestinos Os relatos ocidentais e israelenses não deixavam
do Líbano de que não haveria mais segurança naquele país. dúvidas sobre o objetivo assassino da invasão de Israel: “Se-
gundo admitiu Sharon, os israelenses planejaram, há duas
No mesmo dia, o jornal londrino Sunday Times semanas, que as Forças Libanesas entrassem nos acampa-
reportava: mentos”, escreveu o Time Magazine. Mais adiante, no mes-
mo artigo, ficava claro que tudo fora preparado há muito
Esta operação militar cuidadosamente planejada de antemão tempo:
para “limpar” os acampamentos, se chamava Moah Barzel
– ou “Cérebro de Ferro”. O plano era familiar a Sharon e Altos oficiais israelenses planejaram, há muitos meses, re-
Beguin e fazia parte de um plano mais amplo de Sharon, crutar as Forças Armadas libanesas, formadas por uma com-
discutido pelo gabinete israelense em 17 de julho. binação de milícias cristãs, dirigidas por Bashir Gemayel,

.  Assistente social norueguesa Marianne Helle Möller, citado em .  Randal, op.cit.
Ralph Schoenmann e Mya Shone, “Towards a Final Solution in Leba- .  Citado em um panfleto distribuído em Sidon pelo Major Saqr, em
non”, New Society, 19 de agosto de 1982. fevereiro de 1983.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

para que entrassem nos acampamentos de refugiados palesti- O Jerusalem Post revelava que o major Saqr “está
nos, uma vez que os israelenses houvessem completado o cerco prestes a viajar aos Estados Unidos para expor seu credo e
a Beirute Ocidental. soluções” aos americanos. “Desde 1975, ele tem propagado
Em várias ocasiões Gemayel disse aos funcionários israelen- uma solução israelense (...) e Israel o tem apoiado de todas
ses que arrasaria os acampamentos e os transformaria em as maneiras materialmente possíveis.”10
quadras de tênis. Isso se encaixava com a postura israelense. As afirmações do major Saqr prenunciavam o que,
Sabe-se que as forças das milícias cristãs que entraram nos mais tarde, chocaria o mundo quando este tomou conhe-
acampamentos foram treinadas pelos israelenses. cimento do que ocorrera nos campos palestinos de Sabra e
Chatila:
A imprensa de Israel era igualmente explícita so-
bre os planos israelenses. No dia 15 de setembro, o jornal É com palestinos que temos de lidar. Há dez anos havia 84
Ha’aretz citava o chefe do Estado-Maior, general Raphael mil. Agora, eles são entre 600 e 700 mil. Dentro de seis
Eitan: “Todos os quatro acampamentos palestinos estão anos, eles serão dois milhões. Nós não podemos permitir que
cercados e hermeticamente fechados.” isso ocorra.
O New York Times corroborava a informação da
Times­ Magazine: Quando perguntado pelo Jerusalem Post “Qual é
sua solução?”, o major Saqr respondeu:
Sharon disse ao Knesset que o Estado-Maior e o comandante
dos falangistas haviam se reunido duas vezes com os principais Muito simples. Nós iremos empurrá-los até a fronteira de sua
generais israelenses, em 15 de setembro, e discutido a entrada “irmã” Síria (...) Qualquer um que olhe para trás, pare ou
nos acampamentos, que ocorreu na tarde do dia seguinte. volte será alvejado a tiros, no ato. Nós temos o direito mo-
ral, reforçado por planos de relações públicas e preparativos
A milícia assassina políticos bem organizados.
Vocês têm capacidade, perguntava o Jerusalem Post, para
Talvez o relato mais significativo tenha aparecido no Jerusa- executar essa ameaça? (Ele responde sem pestanejar.) Cla-
lem Post, dois meses antes do massacre de Sabra e Chatila, ro que somos capazes. E o faremos.
numa longa entrevista com o major Etienne Saqr (apelida-
do Abu-Arz), líder da forte milícia direitista “Guardiões O major Saqr desempenhou um papel fundamen-
dos Cedros”, composta por alguns milhares. tal no massacre dos palestinos do acampamento de refugia-
dos de Tal al-Zaatar em 1976.
.  Time Magazine, 4 de outubro de 1982.
.  New York Times, 1 de outubro de 1982. 10.  Jerusalem Post, 23 de julho de 1982.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Depois dos massacres de Sabra e Chatila, o major tos palestinos nós matamos é se, algum dia, construírem um
Saqr voltou a Jerusalém para participar de uma coletiva de metrô sob Beirute (...) Um ou dois bons massacres expul-
imprensa na qual assumiu a responsabilidade de executar o sarão os palestinos de Beirute e do Líbano de uma vez por
massacre junto com os israelenses: “Ninguém tem o direi- todas.12
to de nos criticar; nós cumprimos com nosso dever, com
nossa sagrada responsabilidade.”11 O comando do exército israelense também recru-
Ele retirou-se dessa coletiva da imprensa – duran- tou destacados oficiais libaneses. Um deles revelou:
te a qual reivindicou uma parte do “mérito” do assassinato
em massa – para participar de uma reunião com o primei- Na quinta-feira, o general Drori me levou ao aeroporto onde
ro-ministro Menachen Begin. os israelenses estavam agrupando a milícia. “Se os seus ho-
O major Saqr voltou a aparecer depois no quartel- mens não o fizerem, eu conheço outros que o farão”.13
geral do comando israelense do complexo de Suraya, em
Sidon, perto de Ain El Helweh. Sua milícia distribuiu em E ele se referiu a Saqr: “(...) Os Guardiões dos
toda Sidon panfletos que diziam: Cedros, incorporados por Gemayel às forças libanesas em
1980, tinham como profissão-de-fé que teriam de matar as
Os germes somente vivem na podridão. Impeçamos que a po- crianças palestinas, já que elas eventualmente iriam cres-
dridão se infiltre na sociedade. Prossigamos o trabalho de cer para se tornar terroristas.”14
destruição dos últimos bastiões dos palestinos e esmaguemos
toda a vida que reste a essa serpente venenosa. Cada um de vocês é um vingador

O major Saqr tinha trabalhado em estreita cola- A brutalidade da invasão e da ocupação do Líbano e o espan-
boração com o destacado chefe de espionagem da milícia toso horror dos massacres de Sabra e Chatila arrancaram
de Bashir Gemayel, Elie Hobeika. Hobeika era conhecido de novo a máscara do rosto cruel do sionismo. A cobertura
como o homem da CIA em Beirute. da imprensa escrita e da televisão sobre a guerra provocou
Jonathan Randal, do Washington Post, citou decla- um clamor de protestos em todo o mundo, obrigando Is-
rações de Hobeika em Beirute, atribuindo-as a “um dos as- rael a dissimular e nomear uma Comissão de Investigação.
sassinos”. Elas ecoavam as palavras de Saqr em Jerusalém: O governo israelense realizou sua própria investigação na
Comissão Kahan.
Fuzilem-nos em seus paredões rosas e azuis, degolem-nos à
meia-luz do entardecer. A única forma de se descobrir quan- 12.  Randal, p. 17.
13.  Ibid.
11.  Jerusalem Post, outubro de 1983. 14.  Ibid.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

A “investigação” chegou à conclusão, de forma iríamos divulgar, nunca, nada sobre nossa ação. Por volta
previsível, de que os israelenses tinham sido negligentes das 10 horas da noite subimos num caminhão militar norte-
por subestimar “a sede de sangue árabe”, mas não tinham americano que os israelenses nos deram. Nós estacionamos
nenhum papel direto no massacre de Sabra e Chatila. perto da torre do aeroporto. Lá, ao lado das posições israe-
Porém, o semanário alemão Der Spiegel publicou, lenses, já havia vários outros caminhões estacionados.
em 14 de fevereiro de 1983, uma entrevista com um mem- Participavam na expedição alguns israelenses com uniformes
bro da milícia assassina que não só contou seu próprio pa- da Falange. “Os amigos israelenses que os acompanham”, nos
pel na matança, como também descreveu a participação disseram nossos oficiais, “ facilitarão o trabalho”. Eles nos
direta dos israelenses. instruíram para que, dentro do possível, não recorrêssemos às
O artigo era intitulado “Cada um de vocês é um armas de fogo. “Tudo tem de ser feito sem barulho” (...) Nós
vingador” e a narração na primeira pessoa poderia ter sido vimos outros companheiros. Eles tinham de executar o tra-
extraída do Tribunal de Nuremberg: balho com baionetas e facas. Nos corredores havia cadáveres
ensangüentados. As mulheres e crianças meio adormecidas
Nós nos encontramos em Schahrur Wadi, o vale dos Rouxi- que gritavam pedindo por socorro punham em perigo todo o
nóis ao sudeste de Beirute. Era quarta-feira, 15 de setembro, nosso plano, alertando o acampamento inteiro.
(...) Nós éramos aproximadamente 300 homens do Leste de Então eu vi de novo os israelenses que participaram da nossa
Beirute, do Sul do Líbano e das montanhas de Akkar, no reunião secreta. Um nos fez sinal para que retrocedêssemos
norte (...) Eu pertencia à Milícia Tigre, do ex-presidente à zona da entrada do acampamento. Os israelenses abriram
Camile Chamoun. fogo com todas as suas metralhadoras. Os israelenses nos
Os oficiais da Falange nos encontraram e nos levaram ao ajudaram com os holofotes.
local da concentração. Eles disseram que necessitavam de nós Houve cenas chocantes que demonstraram do que os palesti-
para uma “operação especial” (...) Vocês são os agentes do nos são capazes. Alguns deles, mulheres inclusive, tinham se
bem, os oficiais disseram a nós, repetidamente. “Cada um de refugiado numa passagem estreita, atrás de alguns jumen-
vocês é um vingador” (...) tos. Lamentavelmente, tivemos de abater a tiros aqueles po-
Então apareceu cerca de uma dúzia de israelenses, com uni- bres animais para poder liquidar os palestinos que estavam
formes verdes sem distintivos de graduação. Eles traziam atrás deles. Os gritos de pânico dos animais me comoveram.
cartas de baralho e falavam bem o árabe, salvo que, como Foi espantoso.
todos os judeus, eles pronunciam o “h” forte como “ch”. Eles Um companheiro entrou em uma casa cheia de mulheres e
estavam falando sobre os acampamentos palestinos de Sabra crianças. Os palestinos gritaram e atiraram ao chão seus
e Chatila (...) Nós tínhamos claro o que nos cabia fazer e aquecedores a gás. Nós mandamos para o inferno aquela
estávamos ansiosos por isso. gentalha de coração duro.
Tivemos de fazer solenemente um juramento de que não Por volta das quatro da madrugada, meu esquadrão voltou

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

para o caminhão. Com a luz do amanhecer, voltamos ao atômica que devastou Hiroshima15. Escolas e hospitais fo-
acampamento. Passamos junto a cadáveres, tropeçamos nos ram alvos prediletos.
cadáveres, matamos a tiros e pauladas todas as testemunhas Praticamente todos os veículos de carga e equi-
presentes. Era fácil matar mais pessoas, uma vez que você já pamentos pesados das fábricas libanesas foram pilhados e
o tinha feito umas tantas vezes. levados para Israel. Saquearam até mesmo os tornos e as
Então chegaram os bulldozers do exército israelense. “En- pequenas máquinas e ferramentas dos centros profissiona-
terre tudo debaixo da terra. Não deixe viva nenhuma teste- lizantes da Agência de Ajuda aos Refugiados Palestinos do
munha.” Mas, apesar de nossos esforços, a área ainda estava Oriente Próximo da ONU (UNRWA).
cheia de gente. Eles corriam pra todos os lados e causavam A produção libanesa de frutas cítricas e de azei-
uma confusão medonha. A ordem de “enterrá-los” exigia tona ao sul de Beirute foi destruída. A economia libanesa,
muito. cujas exportações tinham competido com as de Israel, caiu
Tornou-se claro que o belo plano havia fracassado. Milhares moribunda. O Sul do Líbano se converteu num mercado
escaparam da gente. Havia palestinos demais, ainda vivos. israelense, enquanto as águas do alto do Litani foram des-
Agora, em todos os lugares, as pessoas falam de um massacre viadas pelos israelenses, assim como eles haviam feito antes
e lamentam a sorte dos palestinos. E quem liga para o enor- com as do Jordão.
me esforço feito por nós? Pensem vocês. Eu lutei em Chatila O autor deste livro viveu a experiência do bom-
durante 24 horas, sem comer nem beber. bardeio e do cerco de Beirute ocidental em 1982, viveu
com os palestinos nas ruínas de Ain El Helweh durante
O tributo mortal de Sabra e Chatila foi de mais a ocupação israelense e foi testemunha da devastação dos
de três mil vítimas. Muitas das sepulturas coletivas nunca acampamentos palestinos de Rashidya, El Bas, Burj al Ja-
foram abertas. mali, Mieh Mieh, Burj al Burajneh, Sabra e Chatila, assim
como da destruição das vilas e povoados de todo o Sul do
Destruindo o Líbano Líbano.
Os relatos sobre as ordens dadas por Israel no mas-
A matança e a dispersão do povo palestino era um compo- sacre de Sabra e Chatila foram verificados concretamente
nente da estratégia israelense. Outra era dizimar a econo- por este autor, que esteve presente nos acampamentos no
mia vital libanesa que, apesar dos esforços israelenses, tinha último dia do massacre. Ele e Mya Shone fotografaram os
ocupado o posto de capital financeira do Oriente Médio. tanques e os soldados israelenses em Sabra e Chatila e con-
O saldo dos primeiros meses da invasão israelen- versaram com os sobreviventes durante quatro dias.
se, em 1982, foi de 20 mil palestinos e libaneses mortos,
25 mil feridos e 400 mil desabrigados. Só as toneladas de
bombas descarregadas sobre Beirute superam os da bomba 15.  Em efeito de toneladas de TNT. N. do E.

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Capítulo 9. A segunda ocupação

Menachem Begin, Ariel Sharon e Shimon Peres expressa-


ram, em diversas ocasiões, a convicção de que “a lição do
Líbano” pacificaria, por exemplo, os palestinos da Cisjor-
dânia e da Faixa de Gaza.
Mas tal pacificação vinha acontecendo há vinte e
um anos, desde sua ocupação em 1967. Muitos dos habi-
tantes da Cisjordânia e de Gaza eram refugiados das depre-
dações israelitas anteriores, realizadas entre 1947 e 1967.
Nos territórios ocupados desde 1967, um pales-
tino não pode plantar sequer um tomate sem uma auto-
rização – impossível de ser obtida – do governo militar.
Um homem ou uma mulher não podem plantar uma be-
rinjela sem tal autorização. Você não pode caiar sua casa.
Não pode colocar um vidro na janela. Não pode perfurar
um poço. Você não pode usar uma camisa com as cores da
bandeira palestina. Você não pode ter, em sua casa, uma
fita com músicas nacionais palestinas.
Desde 1967, mais de 300 mil jovens palestinos
passaram pelas cadeias israelenses sob condições de tortura
institucional. A Anistia Internacional chegou à conclusão
de que não há outro país no mundo em que a utilização
oficial e sistemática da tortura esteja tão bem estabelecida
e documentada como no caso do Estado de Israel.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Depois de vinte e um anos da tomada israelense de cer detido durante dezoito dias com a simples aprovação de
Gaza, o Los Angeles Times descreveu suas conseqüências: um oficial de polícia.
Uma vez preso, um palestino pode ver-lhe negado
Apenas uns 2.200 colonos judeus vivem na Faixa de Gaza, (e quase sempre é o que acontece) o acesso a um advoga-
capturada do Egito, mas ocupam 30% dos 350 km2 da área. do. As normas formais estabelecem que o administrador
Mais de 650 mil palestinos, na sua maioria refugiados, es- da prisão é quem decide se deve ou não permitir que um
tão espremidos em aproximadamente metade dessa Faixa, o advogado vá ver seu cliente.
que a converte em uma das áreas mais densamente povoadas Em geral, os funcionários da prisão decidem que o
do mundo. O resto das terras de Gaza foi declarado, pelo fato de que um preso se encontre com seu advogado antes
exército, como área de fronteira restrita. de concluir o interrogatório “obstaculizaria o processo de
interrogatório”. Essa decisão pode ser estendida a todo o
Os direitos civis e a lei período que durar a detenção. Conseqüentemente, os ad-
vogados conseguem ter acesso a um preso somente depois
Prisão que este confessou ou depois que os serviços de segurança
concordaram em terminar o interrogatório.
Em todo o território ocupado militarmente por Israel, Os advogados israelitas defendem que o motivo
qualquer soldado ou policial tem o direito de prender um dessa forma de proceder está no fato de que o objetivo do
indivíduo se achar que tem “motivos para suspeitar” que a interrogatório é conseguir uma confissão. Para isso, as au-
pessoa em questão tenha cometido uma ofensa. A lei não toridades submetem, invariavelmente, o prisioneiro ao iso-
estabelece qual a natureza da infração que o soldado suspei- lamento, à tortura e a condições físicas insuportáveis.
ta ter sido cometida e planejada. O preso passa por um período de fome, de priva-
A natureza deliberadamente vaga desse estatuto ção do sono mediante métodos organizados, e prolonga-
tem como conseqüência negar aos palestinos dos territó- dos períodos em que deve permanecer de pé com as mãos
rios ocupados, desde 1967, qualquer forma de saber o por- amarradas e erguidas, com a cabeça coberta por um saco
quê de serem presos e detidos. imundo. Os presos são arrastados pelo chão, golpeados
Preso por suspeita, um palestino pode permane- com objetos, pisoteados, desnudados sumariamente e co-
locados sob duchas de água gelada. São comuns os abu-
sos verbais e a humilhação física, incluindo-se atos como
.  Dan Fischer, Los Angeles Times, 11 de novembro de 1987.
.  Lea Tsemel, “Prison Conditions in Israel - An Overview”, 16 de no-
cuspir ou urinar na boca de um prisioneiro e obrigá-lo a
vembro de 1982, p. 1. Incluído em Ralph e Mya Shone, Prisioners of Israel:
The Treatment of Palestinian Prisioners in the Three Jurisdictions, Princeton .  National Lawyers Guild, Treatment of Palestinians in Israeli-Occupied
N.J., Veritas Press, 1984. West Bank and Gaza, Nova York, 1978, p. 89.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

andar de quatro por uma cela cheia. palestino Mohammed Na’amneh, ao descrever dois casos
O interrogatório pode durar vários meses até que desse tipo, observou que mesmo quando os presos negam
o indivíduo confesse e com isso seja possível fazer-lhe uma haver confessado oralmente o tribunal aceita o testemunho
acusação. Se o preso(a) não se quebra com a tortura e se de um oficial da inteligência como comprobatório.
nega a confessar, pode ser preso(a) administrativamente, Todas as confissões são escritas em hebreu, uma
sem ser processado(a) nem julgado(a). língua que praticamente nenhum palestino dos territórios
ocupados desde 1967 sabe ler. Quando os presos se negam
Confissões a assinar, alegando que não sabem ler hebreu, eles geral-
mente são vítimas de abusos. No caso de Shehadeh Shalal-
A confissão sob coação é central para as autuações contra deh, de Ramallah, “o oficial saiu da sala e dois homens, em
os presos palestinos. Até 1981, um preso palestino somen- trajes civis, entraram. Eu lhes disse que queria saber o que
te podia ser julgado sobre a base de sua confissão pessoal eu estava assinando(...) eles, então, começaram a bater em
– motivo suficiente para que as autoridades da prisão pro- mim, e aí eu disse: ‘Está bem, está bem, eu vou assinar’.” 
duzissem uma para ser levada aos tribunais. Wasfi O. Mas- Em muitos casos, a declaração em hebreu, assi-
ri, que foi juiz decano sob a dominação jordaniana e que nada pelo preso, não tem nenhuma relação com o texto
defende muitos presos palestinos, declarou: “Em 90% dos em árabe que lhe haviam mostrado. Essas confissões, in-
casos que eu tenho, o preso(...) apanhou e foi torturado.”  variavelmente, começam assim: “Eu era membro de uma
Como muitos presos agüentavam a tortura e se organização terrorista”.
negavam a confessar, foi aprovada uma emenda ao estatuto Um membro da Organização pela Libertação da
militar para permitir que os tribunais usassem como prova Palestina (OLP) ou das organizações que a compõem ja-
central – e, na realidade, única – contra o acusado o fato mais utilizaria essas palavras. Apesar do fato de que tais
de seu nome ter sido mencionado na confissão de algum “confissões” estejam numa língua que não pode ser lida pe-
outro preso. los que as assinam, os tribunais estabeleceram que as con-
Da mesma forma que é considerado como “evidên- fissões são irreversíveis e constituem prova definitiva do
cia” válida o fato de que o nome do acusado apareça na con- delito em questão.
fissão de outro preso, a acusação da promotoria é tida como É difícil estabelecer os números exatos da por-
definitiva se houver uma confissão do próprio acusado. Se centagem de detidos, interrogados e finalmente julgados.
um preso negar que é culpado de um delito, oficiais dos Não existem estatísticas publicadas. Mas o acúmulo de in-
serviços de inteligência são levados aos tribunais para teste-
munhar que o preso fez uma confissão “oral”. O advogado .  Mohammed Na’amneh, entrevista com o autor, Jerusalém Oriental,
2 de fevereiro de 1983.
.  London Sunday Times, 19 de junho de 1977, p. 18. .  London Sunday Times, 19 de junho de 1977, p. 18.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

formações fornecidas por advogados e documentos da co- assalto armado, formas de ação militar e sabotagem. Na
munidade palestina evidencia que o número de palestinos realidade, em muitos desses casos trata-se de uma viola-
submetidos a interrogatórios e à tortura é enorme. ção das normas a respeito do “contato com o inimigo”, que
Os advogados israelitas não hesitam em afirmar atingem qualquer organização que seja considerada simpa-
que a maioria dos homens com mais de dezesseis anos foi, tizante das aspirações nacionais palestinas pelas forças isra-
em um momento ou outro de sua vida, interrogada e detida elenses de segurança.
durante períodos de duração variável. Em 1980, informa- Depois de dez anos de ocupação, mais de 60% dos
ções dadas pela imprensa israelita estimavam que o número presos no território de Israel anterior a 1967 e nos ter-
de palestinos presos em um ou outro momento, após 1967, ritórios ocupados depois dessa data eram palestinos con-
havia chegado a 200 mil. Recentemente, advogados eleva- siderados culpados por delitos políticos. Todos os delitos
ram essa cifra para 300 mil. políticos violam as Regulamentações da Defesa de Emer-
gência, de 1945, e as leis de Segurança do Estado, Relações
Julgamento Exteriores e Segredos Oficiais, de 1967, transformando-se
em “delitos contra a segurança”.
Os que chegam a julgamento são acusados na maioria das Os acusados de tais delitos políticos são julgados
vezes de delitos “políticos”, em que se incluem: 1) Quebra por tribunais militares. Isso é válido tanto para o que era
da ordem pública (categoria vaga que abarca qualquer ação, Israel antes de 67, como para os territórios ocupados pos-
inclusive uma submissão insuficiente aos funcionários isra- teriormente. Os palestinos raramente são julgados por tri-
elitas). 2) Manifestar-se. 3) Distribuir panfletos ou pichar bunais civis.
palavras-de-ordem. 4) Pertencer a organizações “ilegais”.
São especialmente perseguidos os grupos que pretendem Regulamentações da Defesa de Emergência
formar algum partido político palestino existente em Is-
rael antes de 1967, como El Ard (A terra), que não apóia Sob essas regulamentações, um comandante militar (nor-
explicitamente um Estado judeu, ou os representantes dos malmente o governador militar) pode, por vontade própria
organismos palestinos como o Comitê de Orientação Na- e sem supervisão judicial:
cional (Lijni Komite al Watani), na Cisjordânia. As orga-
nizações integrantes da OLP também estão incluídas entre • prender as pessoas indefinidamente;
aquelas consideradas ilegais. • proibir viagens dentro ou fora do território de Israel­ an-
Muitos jovens dos territórios ocupados que fazem terior a 1967 e dos territórios ocupados a partir de 1967;
greves, caminhadas, manifestações ou assembléias são acu- • expulsar um indivíduo permanentemente;
sados de “produzir ou lançar coquetéis Molotov”. Um nú- • confinar qualquer pessoa em seu domicílio, localida-
mero significativo de pessoas é julgado por posse de armas, de, povoado ou cidade;

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• proibir a qualquer um o uso de suas propriedades; população palestina durante o período do Mandado, foram
• ordenar a demolição das casas; revisados em 1945 e usados pelos britânicos para controlar
• impor a vigilância policial a qualquer indivíduo e or- os ataques armados aos soldados britânicos por parte do
denar-lhe que se apresente várias vezes por dia numa dele- Irgun e das Haganah e para restringir a aquisição de terras
gacia de polícia; pelos sionistas. Em 1946, as Regulamentações foram con-
• declarar qualquer área fechada como zona de seguran- denados pela União dos Advogados Hebreus, nos seguintes
ça, seja esta uma fazenda familiar, um povoado, um acam- termos:
pamento de refugiados ou terras tribais;
• censurar os meios de comunicação, exigindo que to- Os poderes atribuídos à autoridade pelos Decretos de Emer-
dos os artigos, folhetos e livros sejam previamente aprova- gência negam aos habitantes da Palestina os direitos huma-
dos, e proibir sua distribuição; nos básicos. Esses decretos minam os fundamentos da lei e
• invadir domicílios e confiscar bibliotecas inteiras; da Justiça; constituem uma séria ameaça para a liberdade
• proibir que dez ou mais pessoas se reúnam para discu- individual e estabelecem um regime de arbitrariedade sem
tir política; nenhuma supervisão judicial.
• proibir a filiação a uma organização.
Yaakov Shimpson Shapira, que mais tarde se
Os editais militares acrescentados às Regulamen- converteria em ministro de Justiça do Estado de Israel,
tações da Defesa de Emergência proliferaram ao ponto de e em uma de suas mais preeminentes autoridades legais,
afetar as minúcias da vida palestina. As Ordens Militares declarou:
para a Cisjordânia, por exemplo:
O regime construído na Palestina sobre a base das Regula-
• proíbem a plantação de tomates ou berinjelas sem au- mentações da Defesa de Emergência não têm paralelo em
torização por escrito; nenhuma outra nação civilizada. Nem sequer na Alemanha
• proíbem a plantação de qualquer árvore frutífera sem nazista havia leis assim; as ações nazistas como as de Maya-
autorização por escrito; dink e outras similares foram realizadas contra o código le-
• proíbem qualquer tipo de conserto em uma casa ou gal existente. Somente num país sob ocupação poderemos
estrutura sem autorização; encontrar um sistema parecido ao nosso (...) 
• proíbem a escavação de poços para conseguir água po-
tável ou para irrigação. .  Arie Bober (ed.), The Other Israel: The Radical Case Against Zionism,
New York, Anchor Books, 1972, p. 134.
As Regulamentações da Defesa de Emergência, .  Sabri Jirys, The Arabs in Israel, New York, Monthly Review Press,
adotadas primeiramente pelos britânicos para controlar a 1976, p. 12.

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Ralph Shoenmann

Apesar dessas afirmações de destacadas autori-


dades da jurisprudência israelita, as Regulamentações da
Defesa de Emergência foram incorporadas ao sistema legal
do Estado de Israel e permaneceram inalteradas desde sua Capítulo 10. O predomínio da tortura
fundação, em 1948.
A ironia é evidente. As mesmas regulamentações
caracterizadas pelo futuro ministro da Justiça israelita
como sem “pararelo em nenhuma outra nação civilizada”
e condenadas pelos advogados sionistas por negar os “di-
reitos humanos básicos” foram adotadas como leis do país. A utilização da tortura nas cadeias israelitas foi objeto de
Como Yaakov Shimpson Shapira destacou: “Somente num longas investigações. Em 1977 o jornal Sunday Times de
país sob ocupação poderemos encontrar um sistema pare- Londres realizou uma investigação durante cinco meses.
cido ao nosso (...)” O povo palestino vive num país ocupa- As provas encontradas corroboraram as evidências existen-
do, tanto em Israel de antes de 1967 como em Jerusalém tes. As torturas documentadas ocorreram durante “os dez
Oriental, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. anos de ocupação israelita”, desde 1967. O estudo do Sun-
day Times apresentava o caso de 44 palestinos que tinham
sido torturados. Documentava as práticas de torturas em
sete centros: as prisões das quatro principais cidades (Na-
blus, Ramallah, Hebron e Gaza); o centro de interrogató-
rios e detenção de Jerusalém, conhecido como Complexo
Russo ou Moscobiya, e centros militares especiais situados
em Gaza e Sarafand.
A investigação chegava a conclusões concretas: os
interrogadores israelitas maltratavam e torturavam siste-
maticamente os presos árabes. Prisioneiros eram encapu-
zados, vendados e pendurados pelos punhos durante longos
períodos. A maior parte deles recebeu golpes na genitália
ou foram abusados sexualmente de outras formas. Muitos
foram violentados. Outros receberam choques elétricos.
Prisioneiros foram postos em “armários” espe-

.  London Sunday Times, 19 de junho de 1977.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

cialmente construídos para essa finalidade, com 70 cm de A especialidade do Centro Militar de Sarafand é
comprimento e uma altura de 150 cm, cobertos por uma vendar os olhos dos presos durante longos períodos, atacá-
superfície de concreto pontiaguda. E os maus tratos, in- los com cachorros e pendurá-los pelos punhos. A especiali-
cluídas as “surras prolongadas”, são universais nas cadeias dade de Ramallah é o “ultraje anal”. A tortura com choque
e centros de detenção israelenses. A tortura é tão ampla e elétrico é utilizada de forma quase universal.
sistematicamente praticada, concluiu o Sunday Times, que Fazi Abdel Wahed Nijim foi detido em julho de
não pode ser resumida como sendo trabalho apenas de 1970. Ele foi torturado em Sarafand e cachorros foram
“policiais delinqüentes” que excedem as ordens recebidas. instigados contra ele. Detido novamente em 9 de julho
Ela está sancionada como política deliberada e nela estão de 1973, ele foi surrado na prisão de Gaza. Zudhir al-Dibi
implicados todos os serviços de segurança e inteligência foi detido em fevereiro de 1970 e interrogado em Nablus,
israelitas: onde foi espancado e lhe golpearam a planta dos pés. Seus
testículos foram espremidos e esguicharam água gelada so-
• o Shin Bet, equivalente ao FBI e ao Serviço Secreto bre seu corpo.
dos Estados Unidos, que é dirigido diretamente pelo gabi- Shehadeh Shalaldeh foi detido em agosto de 1969
nete do primeiro-ministro; e interrogado em Moscobyia. Uma carga de caneta foi en-
• a Inteligência Militar, que presta contas ao ministro fiada em seu pênis. Abed al-Shalloudi ficou preso por de-
de Defesa; zesseis meses sem julgamento. Algemado e com venda nos
• a Polícia de Fronteiras, que vigia os postos de controle. olhos, foi espancado em Moscobyia por Naim Shabo, um
Existe em todos os territórios ocupados desde 1967, assim judeu iraquiano, diretor do Departamento de Minorias.
como em todas as fronteiras; Jamil Abu-Ghabiyr foi detido em fevereiro de 1976
• o Latam, que faz parte do Departamento de Missões e retido em Moscobyia. Ele foi golpeado na cabeça, corpo
Especiais; e genitália e obrigado a deitar-se na água gelada. Issam Atif
• Um esquadrão paramilitar, ligado às unidades al Hamoury foi detido em outubro de 1976. Na prisão de
policiais. Hebron as autoridades providenciaram para que ele fosse
violentado por um preso de confiança.
Padrões de tortura nos territórios ocupados desde 1967 Em fevereiro de 1969, Rasmiya Odeh foi detida e
levada a Moscobyia. Seu pai Joseph e duas irmãs também
Cada centro de detenção tem interrogadores com “preferên- foram detidos para interrogatório. Mantiveram Joseph­
cias próprias”. Os interrogadores do Complexo Russo (Mos- Odeh numa sala enquanto espancavam Rismiah numa sala
cobiya) de Jerusalém “preferem as agressões nas genitálias,
além de provas de resistência como sustentar uma cadeira .  Ibid., p. 18.
com os braços estendidos e apoiando-se em uma só perna”. .  Ibid (e casos anteriores).

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

próxima. Quando ele foi levado até ela, Rasmiya estava jo- Os dados começam na Cisjordânia logo em 1968,
gada no chão com a roupa ensangüentada. Seu rosto estava um ano depois do início da ocupação. Embora o Comitê
azul e seus olhos roxos. Na presença do pai, eles a segura- Internacional da Cruz Vermelha tenha como norma não
ram e enfiaram um pedaço de pau em sua vagina. Um dos fazer declarações públicas, em 1968 apresentou um docu-
interrogadores mandou que Joseph Odeh tivesse relações mento a respeito da tortura. Seu “Relatório sobre a Prisão
sexuais com sua filha. Como ele se negou, eles começa- de Nablus” concluía:
ram a espancar os dois. Eles, então, abriram novamente
as pernas dela e meteram outro pedaço de madeira. Sua Certo número de detidos sofreu torturas durante o interro-
boca, rosto e vagina sangravam quando Joseph Odeh caiu gatório da polícia militar. De acordo com as provas disponí-
desmaiado. veis, a tortura adquiriu as seguintes formas:
Os padrões de tortura enumerados no Sunday 1. Pendurar o detido pelas mãos enquanto os demais mem-
Times são semelhantes aos encontrados nas centenas de bros são esticados, durante horas, até que ele perca a
testemunhos publicados pelas advogadas israelitas Felicia consciência;
Langer e Lea Tsemel, pelos advogados palestinos Walid 2. Queimaduras com tocos de cigarro;
Fahoum e Raja Shehadeh, pela Anistia Internacional e pela 3. Golpes nas genitálias com barras;
Associação Nacional de Advogados dos Estados Unidos e 4. Amarrar e vendar os olhos durante dias;
na série de relatos que este autor recolheu dos lábios de 5. Mordidas de cachorros;
antigos presos. 6. Choques elétricos nas têmporas, na boca, no peito e nos
testículos.
.  Ibid. Para o relato pessoal de Rasmiya Odeh, ver também Soraya
Antonius, “Prisioners for Palestine: a List of Women Political Prision- O caso de Ghassan Harb
ers”, Journal of Palestinian Studies.
.  Lea Tsemel, “Political Prisioners in Israel - An Overview”, Jerusa-
lem, 16 de novembro de 1982. Lea Tsemel e Walid Fahoum, “Nafha is Ghassan Harb, intelectual palestino de 37 anos, jornalista
a Political Prison”, 13 de maio de 1980, e uma série de relatos (maio de do importante diário árabe Al Fajr, foi detido em 1973. Sol-
1982 a fevereiro de 1983). Felicia Lnager, With My Own Eyes, London, dados israelitas e dois agentes à paisana o levaram de sua
Ithaca Press, 1975. Felicia Langer, These Are My Brothers, London, Ithaca casa para a cadeia de Ramallah, onde o prenderam durante
Press, 1979. Jamil Ala’ al-Din e Melli Lerman, Prisioners and Prisons in
Israe, London, Ithaca Press, 1978. De Walid Fahoum, dois livros sobre
a história de casos estão disponíveis em árabe. Raja Shehadeh, Occupier’s Schoenman and Mya Shone, Prisioners in Israel: The Treatment of Palestin-
Law: Israel and the West Bank, Washington D.C., Institute for Palestine ian Prisioners in Three Jurisdictions, Princeton N.J., Veritas Press, 1984
Studies, 1985. National Lawyers Guild 1977 Middle East Delegation, (preparado em uma versão abreviada para a Conferência Internacional
Treatment of Palestinians in Israeli-Occupied West Bank and Gaza, Nova York, das Nações Unidas sobre a Questão Palestina).
1978. Amnesty International “Report”, 21 de outubro de 1986. Ralph .  National Lawyers Guild, p. 103.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

50 dias. Durante esse tempo não o interrogaram nem fize- O relatório de horrores de Ghassan Harb foi cor-
ram nenhuma acusação contra ele. Foi-lhe negado qualquer roborado por quatro pessoas em separado. Mohammed
contato com a família ou com advogados. Abu-Ghabiyr, sapateiro de Jerusalém, descreveu o mesmo
Depois de 50 dias foi levado, com a cabeça cober- pátio de pedras afiadas e canil. Jamal Freitha, um trabalha-
ta por um saco, a um local desconhecido. Lá ele recebeu dor de Nablus, descreveu o “armário” como uma “geladei-
prolongadas surras: “me esbofeteavam por quinze, vinte ra” com as mesmas dimensões. Tinha o “chão de cimento
minutos”. com pequenas montinhos com pontas muito afiadas, como
Nu e com um saco na cabeça, ele foi enfiado à for- se fossem pregos”.
ça num espaço estreito. Ele começou a sufocar. Esfregando Kaldoun Abdul Haq, proprietário de uma empre-
a cabeça contra a “parede”, ele conseguiu tirar o saco da sa de construção de Nablus, também descreveu o pátio e o
cabeça e percebeu que estava enfiado num compartimento armário com o chão “coberto de pedras muito afiadas gru-
parecido com um armário, que tinha cerca de 60 cm por dadas no cimento”. Abdul Haq foi pendurado pelos braços
150 cm. por um gancho num muro do pátio.
Ele não podia se sentar nem ficar de pé. O chão Husni Haddad, proprietário de uma fábrica em
era de cimento e coberto por pedras pontiagudas, em in- Belém, foi obrigado a se arrastar e engatinhar pelo pátio,
tervalos irregulares. As pedras “eram agudas e afiadas” e sobre a superfície cortante, enquanto era chutado. Seu cai-
tinham 1,5 cm de altura. Ghassan Harb não podia se apoiar xote também tinha “um chão com pontas como polegares,
nelas sem sentir dor. Ele tinha de se apoiar numa perna e, mas afiados”.
no instante seguinte, na outra, repetindo esse movimento Ghassan Harb foi solto depois de dois anos e meio,
continuamente. Na primeira sessão, ele foi mantido no cai- sem ter sido acusado de nenhum delito, nem ter sido leva-
xote por quatro horas. do aos tribunais. Sua advogada, Felicia Langer, conseguiu
Então o obrigaram a engatinhar sobre pedras afia- levar o seu caso de maus tratos à Suprema Corte Israelita.
das enquanto quatro soldados o espancavam durante uma Na audiência não se fez nem se admitiu nenhuma declara-
hora. Depois de ser interrogado, Ghassan foi colocado de ção completa e nem sequer testemunhas foram convoca-
volta na cela e recomeçou o tratamento: espancado, des- das. O tribunal negou sumariamente qualquer acusação de
nudado, e forçado a rastejar para dentro de uma casinha de tortura.
cachorro de sessenta centímetros e, depois, para o “armá-
rio”. À noite, enfiado no armário, ouvia gemidos de presos: O caso de Nader Afouri
“Oh, meu estômago! Vocês estão me matando”.
Nader Afouri era um homem forte, cheio de vida, campeão
.  Estudo de Caso: Ghassan Harb, Ramallah. London Sunday Times, de levantamento de pesos da Jordânia. Quando o soltaram,
p.19. em 1980, depois de sua quinta prisão, ele não conseguia

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

mais ver, ouvir, falar, andar nem controlar suas funções e giraram as roldanas até que eu caísse inconsciente.
fisiológicas. Entre 1967 e 1980, Nader Afouri ficou deti- Fui obrigado a me levantar e me sentar numa cadeira. Amar-
do administrativamente durante dez anos e meio. Apesar raram as minhas mãos em correntes que estavam penduradas
do tratamento brutal que infligiram a Nader durante suas numa janela e devagar tiraram a cadeira. Meus músculos
cinco prisões, as autoridades israelitas não conseguiram ar- pareciam explodir, ao ter de agüentar todo meu peso nas
rancar nenhuma confissão nem apresentar nenhuma prova mãos. Era uma dor terrível.
para que ele fosse levado a julgamento. Eles eram cinco ou seis homens. Todos me batiam. Eles gol-
peavam minha cabeça com pancadas. Fui amarrado numa
A primeira prisão (1967-1971) cadeira. Um me batia e o outro dizia: ‘Pare’. Então tro-
cavam de papéis e, um após o outro, iam me batendo. Eu
Eu fui preso, pela primeira vez, em 1967, o primeiro ano estava o tempo todo amarrado a uma cadeira sem poder me
da ocupação. Fui seqüestrado na minha casa em Nablus, levantar.
vendaram meus olhos e me dependuraram de um helicóptero. Continuavam me torturando. Um interrogador chupava um
Isso foi visto por todos os vizinhos das aldeias de Beit Furik cigarro. Quando estava ardendo em brasa, ele colocava-o na
e Salm, próximas a Nablus. minha cara, no meu peito, na minha genitália, em todos os
Eles me levaram para Sarafand, a prisão mais rígida, uma lugares.
prisão militar. Eu fui o primeiro morador da Faixa de Gaza Um deles enfiou uma carga de caneta no meu pênis enquan-
ou da Cisjordânia a ser levado para lá. Quando eles pousa- to os outros olhavam. Enquanto isso, exigiam que eu con-
ram o helicóptero, empurraram-me para fora e pediram para fessasse. O meu pênis começou a sangrar e me levaram ao
que eu corresse. Eu escutei disparos e corri enquanto eles hospital-prisão de Ramle, mas, em seguida, me trouxeram
atiravam contra mim. de volta a Sarafand para continuar com o interrogatório.
Fui levado a um quarto amplo com luzes vermelhas, amare- Estive em Sarafand durante doze meses e meio, com interro-
las e verdes. Eu podia ouvir gritos e barulho de surras. Ouvia gatórios constantes. Ninguém consegue agüentar doze meses
um homem gritando: “Você vai ter de confessar”. Depois, eu e meio. Em quatro ocasiões informaram a meus amigos de
ouvi um homem que estava confessando. Logo, eu soube que outras prisões que eu havia morrido.
era apenas uma gravação para me intimidar. No primeiro mês em que eu estive em Sarafand, fiquei o
Então, levaram-me para interrogatório. Fui amarrado com tempo todo com os olhos vendados e com correntes nas mãos
correntes a umas portas verdes. Cada porta tinha uma rol- e nos pés. Ao fim de um mês tiraram as correntes das mãos
dana. Abriram as portas, esticando os meus braços e pernas e as vendas dos olhos. Mas continuei com as correntes nas
pernas durante doze meses e meio. Noite e dia. Ainda tenho
.  Estudo de Caso: Nader Afouri, Nablus. Schoenman e Shone, os sinais nos tornozelos.
pp. 22-26 Havia uma rotina: ele me surravam, me interrogavam e en-

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

tão me arremessavam na cela. Eu descansava um pouco, e Depois de vinte e dois dias nessa greve de fome me envia-
depois era levado de novo. ram às celas da prisão de Ramle. O dr. Silvan, diretor de
A cela tinha 1m por 1,30m, e 1,30m de altura. Eu tenho um lá, surgiu acompanhado por vários soldados. Eles golpearam
metro e setenta centímetros de altura. Eu dormia encolhido, minha cabeça. Eu estava entre a vida e a morte. Amarraram
com os joelhos contra o estômago. Não havia janelas, ne- minhas mãos e enfiaram, à força, um tubo pelo nariz. Foi
nhum móvel, apenas um penico. Eu tinha dois cobertores. As como um choque elétrico. Comecei a tremer. Fiquei histérico
pedras do chão eram cortantes e espetavam meus pés quando quando o alimento chegou à minha garganta e comecei a
eu caminhava. gritar sem parar. Eles, então, aplicaram uma injeção nas
Começaram a trazer outros presos. Deram-nos roupas mili- minhas costas e eu relaxei.
tares com números nas costas. Eu era o número um. Sempre Quando viram que com essa tortura não conseguiriam que
me chamavam pelo número, nunca pelo nome. Sempre me eu falasse, me levaram ao Hospital-Prisão de Ramle e, de-
xingavam, gritando “Maniuk (veado), vou te foder”. Quan- pois, de volta à de Nablus.
do estávamos acorrentados, fora das celas, traziam cães sel-
vagens, que nos atacavam, arrancavam pedaços de nossas Cada vez que conseguiam arrancar de outro preso
roupas e nos mordiam. uma declaração contra ele, chamavam Nader Afouri para
Depois de mim prenderam mais de trinta pessoas e todas interrogatório. Geralmente, ele nem sequer conhecia a
sofreram a mesma tortura. Mas todos se quebraram sob a pessoa que havia falado contra ele. Mas ele não confessou
tortura e escreveram confissões e estão em prisão perpétua. nem foi levado a julgamento.
Eu não confessei. A tortura destruiu meu pênis e eu só podia Nader Afouri era muito respeitado em Nablus e
urinar gota a gota. Quando acabaram com o interrogatório se converteu em líder dos presos. Quando Abu Ard, um
fiquei três meses e meio sem poder andar. Mas não confessei. informante, o acusou de dirigir os demais presos, Nader
Em doze meses e meio eu não disse uma só palavra. Afouri foi enviado à prisão de Tulkarm.
Ao chegar lá, o major Sofer o esbofeteou e o co-
Nader Afouri foi enviado à cadeia de Nablus, onde locou numa cela com outros trinta e cinco presos. Nader
começou uma greve de fome exigindo liberdade. Só bebia Afouri já tinha agüentado mais do que demais. Quando o
água com um pouco de sal. Ao fim de dez dias, promete- major Sofer se aproximou novamente para golpeá-lo, Na-
ram-lhe a liberdade. Dez dias mais tarde, como não fora der Afouri lhe deu um soco, através das barras da cela.
liberado, Nader recomeçou a greve de fome durante outra Posteriormente, quando o diretor da prisão o espancou,
semana. O vice-presidente administrativo da prisão de Na- Nader Afouri pegou um cinzeiro e atingiu a cabeça do di-
blus novamente prometeu que o soltaria. Aos vinte e cinco retor. Chamaram o exército. Nader Afouri descreve assim
dias, não havendo novidades, Nader Afouri anunciou uma as conseqüências:
nova greve de fome.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Vieram 15 soldados e me golpearam na cabeça com uma ca- Colocaram bolas de aço no meu saco escrotal e as apertavam
deira. Desfaleci. Eles colocaram minha camisa em minha contra os testículos. A dor tomava meus sentidos.
boca e me bateram mais. A mordaça, que fazia com que Um dos interrogadores, Abu Haroun, me disse que ia deixar
eu sufocasse, me deixava histérico. Aplicaram uma injeção minha cara como a de um bulldog. Ele era científico. En-
e desmaiei. Acordei sozinho no corredor. Não conseguia cheu-me de socos rápidos durante duas horas. Depois trouxe
enxergar. um espelho e disse: “olhe a sua cara”. Realmente, eu parecia
Toda a prisão de Tulkarm entrou em greve e os presos se reu- um bulldog.
niram com o diretor para interceder por mim. Ele prometeu Em Nablus me queimaram com cigarros e me esmagaram nova-
que se os prisioneiros parassem a greve ele me soltaria no mente os testículos com bolas metálicas – amassando ovos com
dia seguinte. No dia seguinte, o diretor me visitou, apertou aço. Eles usaram alicates para me arrancar quatro dentes.
minha mão e me disse: “Juro por minha vida que você é um Fiquei três anos preso administrativamente. Além disso,
homem”. Trouxeram meias e um blusão para mim e promete- nesse período, como forma de represália, minha casa foi
ram que eu teria uma visita privada da minha família. dinamitada.

Nader Afouri não foi libertado. Ao invés disso, foi Quinta prisão (novembro de 1978-1980)
enviado para a prisão de Bet Il, de onde sairia em 1971. Fo-
ram quatro anos de prisão sem processo nem julgamento, Fui preso novamente em novembro de 1978, e enviado di-
denominados prisão administrativa. retamente a Hebron. Eles me receberam com zombarias, di-
Passaram-se poucos meses e Nader Afouri foi pre- zendo: “Faremos com que você confesse pelo cu”. Eu lhes disse
so novamente. Sua segunda prisão durou de 1971 a 1972 e que falava com a boca e não com o cu.
a terceira de 1972 a 1973. Inicialmente, falavam comigo suavemente porque sabiam que
a tortura não adiantava. Depois, trouxeram os encarregados
Quarta prisão (novembro de 1973 a novembro de 1976) de interrogar-me. Uri, Abu Haroun, Joni, o psiquiatra, Abu
Nimer, o que não tem um dedo, Abu Ali Mija e o dr. Jims.
Hebron, Moscobiya, Ramallah e Nablus: Eu fiquei três me- Eles me amarraram a um poste e concentraram os golpes no
ses em uma cela de cada uma dessas quatro prisões, e os peito. Jogaram-me no chão; pulavam e aterrissavam sobre o
interrogatórios e a tortura continuavam. meu peito. Uri fez isso umas sete ou oito vezes. Foi uma tor-
Durante os interrogatórios de Hebron nevava. Eles me despi- tura selvagem e sem fim, que durou oito dias. Eles pressiona-
ram e me colocaram do lado de fora, no frio. Fui amarrado vam os tacões de suas botas contra minhas unhas, quebrando
a um poste enquanto jogavam água gelada em mim. Fui os meus dedos.
solto e me levaram para perto de fogo para, em seguida, me Como nevava, me jogaram água gelada. Eles me entregaram
levarem de novo lá fora e jogar água gelada. um papel e deram duas horas de prazo para confessar. Eu

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lhes disse que nada sabia. Fui amarrado a uma cadeira. To- to no Comitê de Orientação Nacional. Desde 1973, o dr.
dos eles começaram a me golpear com as mãos e os pés. Caí Shuaiby foi detido, brutalmente torturado e preso sete ve-
no chão. Estava com a cabeça no chão. Vi que Uri pulava; zes. Entre 1980 e 1986, ele foi proibido de sair dos limites
senti seu golpe de karatê na cabeça. Essa foi a última lem- de El Bireh e ficava confinado em seu domicílio a partir
brança que eu tive por dois anos. das 6 horas da tarde. Em 1986 foi preso de novo e depois
Contaram-me que fui arrastado até a cela. Os demais presos deportado da Cisjordânia.
tiveram de me alimentar, limpar e me virar. Eu tinha incon- Ele nunca foi acusado de ações armadas nem de
tinência e me cagava todo. Eu não conseguia mexer as mãos promover violência. Mas rechaçava as exigências israe-
nem andar. Eu não conseguia ouvir. Também não reconhe- lenses de colaborar. Ele escreveu artigos contra a ocupa-
cia ninguém. Só era capaz de mexer os lábios para engolir o ção e os assentamentos e em prol de um Estado palestino
que me pusessem na boca. Os outros tinham de movimentar independente.
minha cabeça e tirar meus membros de debaixo do corpo. Em 1973, quando tinha vinte anos e o detiveram
Chequei a pesar apenas 47 quilos. pela primeira vez, disseram: “Temos observado você. Na
Ao cabo de dois anos, acordei num hospital psiquiátrico. Eu universidade você foi o primeiro da classe. Podemos con-
tinha cinco fraturas nas costelas e não podia andar. vertê-lo em um homem muito rico e poderoso na Cisjor-
dânia. Você tem de colaborar conosco e incorporar-se na
Seus amigos conseguiram chamar a atenção da Ligas do Povo.” Diante de sua negativa, teve início uma
opinião pública em todo Israel e nos territórios ocupa- série de prisões e torturas selvagens. O dr. Shuaiby descre-
dos. Funcionários e jornalistas israelenses escreveram que veu os métodos de tortura física e psicológica a que esteve
Nader­ Afouri estava “fingindo” e que era um excelente submetido.
“ator”. Mas os presos que tinham cuidado dele, os jorna-
listas e simpatizantes que o visitaram quando ele foi final- Utilizavam grandes cacetetes. Eles colocaram minhas pernas
mente transferido da cadeia para um hospital, assim como entre os pés de uma cadeira para que eu não pudesse me
o pessoal do hospital que o tratou, foram testemunhos de mover. Então me bateram na planta dos pés. Eu tinha os pés
suas condições. Nader Afouri chegou a ser uma causa céle- inchados. Era uma dor insuportável. Ao fim de um minuto já
bre para o povo palestino, um símbolo de seu tormento e não sentia as pernas. Não podia sustentar-me de pé.
da dimensão heróica de sua resistência. Eles ficavam atrás de mim. Eu não podia saber quem estava
lá. De repente, o interrogador me dava fortes tapas nos ou-
O caso do dr. Azmi Shuaiby vidos. Isso provocava uma repentina e terrível pressão no meu

Azmi Shuaiby, dentista, era membro ativo do Conselho da .  Estudo de Caso: Dr. Azmi Shuaiby. El Bireh. Schoenman e Shone,
Cidade de El Bireh, na Cisjordânia, e representante elei- pp. 30-32.

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nariz, boca e ouvidos – um estampido muito alto que durava Isolamento


cinco minutos. Eu perdia o equilíbrio e a audição.
Eles utilizavam um guarda gigante para me bater constan- Não permitiam que ninguém falasse comigo, nem os solda-
temente. Ele dizia: “Você não é dentista? Se quebrarmos suas dos. A cela tinha 1,5 m por 1,8 m por 3 m. Num canto tinha
mãos, você não poderá ser mais dentista.” Então eles batiam um buraco nojento utilizado como latrina. Havia somente
nas minhas mãos até eu sentir que estavam quebradas. uma minúscula janela próxima ao chão. Eu nunca podia ver
Eles amarravam minhas mãos atrás das costas e me pendu- o céu. A luz, fraquíssima, ficava acesa dia e noite. Eu não
raram num gancho. Separaram minhas pernas e bateram nos tinha nada para ler. Eu não ouvia nenhuma voz. Deixavam
meus testículos com paus. Então apertavam os testículos. Eu a comida num canto e a porta era aberta somente um pou-
não posso descrever a agonia que sentia com isso. Você sente quinho. Eu tinha de me esticar para conseguir pegar cada
uma dor insuportável no estômago, em todos os nervos. Você pedaço.
deseja perder a consciência. A cama consistia numa chapa de plástico de menos de 1 cm
Eles me deixaram ao relento em pleno inverno, despido e de espessura. Estava sempre úmida. Uma vez por semana me
sem nenhuma proteção, com as mãos algemadas penduradas permitiam sair uns minutos para arejar a cama. Nenhum
num gancho. Estive pendurado desse modo das 11 da noite soldado podia falar comigo.
até o alvorecer. Então me devolveram para a cela. Haviam Para manter minha saúde mental colecionei pedaços de cas-
colocado água no chão da cela para que eu não pudesse cas de laranja e fazia figuras com elas. Fazia perguntas a
dormir. mim mesmo e as respondia. Eu também tirava fios da manta
Eles me diziam que eu tinha de colaborar com eles e quando e os trançava.
o fizesse não teria de dizer nem à Cruz Vermelha nem a
ninguém que trabalhava para eles. Eu respondia: “Muito O armário
bem, eu direi a eles que vocês disseram que eu não devo dizer
a ninguém que vocês querem que eu trabalhe para vocês”. Estive sepultado quatro dias e quatro noites, encolhido, po-
Neguei-me a colaborar. Apanhei sem parar. rém de pé, num armário de 50 cm². Estava muito escuro.
Eles colocaram um saco sujo na minha cabeça. Tinha as
Em 1980, os israelenses introduziram novas téc- mãos presas nas costas com umas algemas especiais. Se eu
nicas. O dr. Shuaiby chama esses métodos de “tortura psi- movesse minhas mãos em qualquer direção as algemas se
cológica” e, para ele, foi mais difícil suportá-las do que as apertavam automaticamente. Não podia mover-me no ar-
torturas físicas. “Seu cérebro é afetado”. mário. Tinha de dormir de pé. Eu dormia por um minuto,
O dr. Azmi Shuaiby viu-se submetido aos seguin- mas acordava de repente, abruptamente, convencido de que
tes tormentos: estava sufocando.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Os interrogadores Destruiremos sua clínica colocando-o na cadeia um mês sim


e outro não. Nosso computador irá determinar quando você
O interrogatório e a tortura estavam a cargo de uma equi- será escalado para ser encarcerado de novo.
pe. Todos eram oficias e capitães e se chamavam Gadi, Edi,
Sami, Jacob e Dany. A sala de interrogatórios era seu reino, Em 1986, o dr. Azmi Shuaiby foi deportado.
ninguém podia entrar.
Durante a invasão israelense no Líbano, em 1982, a equipe O caso de Mohammed Manasrah
de interrogadores foi enviada para lá e trouxeram uma equi-
pe nova para as prisões da Cisjordânia. A “nova” equipe era Mohammed Manasrah foi um ativista sindical, secretário
formada por ex-torturadores. Um deles havia sido interroga- do diretório estudantil da Universidade de Belém e, atu-
dor dez anos antes; agora era um homem de negócios. almente, é escritor e jornalista. Ele foi preso três vezes,
O capitão Dany voltou do Líbano durante meu encarcera- num total de quatro anos e meio, e depois o submeteram à
mento. Ele é um homem muito alto, bastante bonito, de liberdade vigiada por mais dois anos. Durante os interroga-
trinta e cinco anos. É muito rude, e gritava constantemente: tórios sofreu torturas implacáveis que lhe causaram disfun-
“Foda-se sua filha, foda-se sua mãe!”. Ele abria minha boca ções sexuais e perda de audição. Ele também sofreu outra
à força e cuspia dentro. Em 1973, ele tentou enfiar uma série de breves detenções, prisões domiciliares e confina-
garrafa no meu ânus. Quando ele voltou do Líbano e me mentos no povoado 10.
viu, ele disse: “Oh, Azmi está aqui!” e começou a contar-me
a história das crianças de Ansar. “Eu interroguei crianças O primeiro encarceramento
de 10, 11 e 12 anos”, e me contou sobre as surras que lhes
havia dado. Eu tinha dezenove anos em 1969, quando me prenderam
pela primeira vez. Fui levado com um grupo de pessoas e nos
Em 1982, o dr. Azmi Shuaiby esteve encarcerado colocaram em Moscobiya [o Complexo Russo de Jerusa-
três vezes. De 7 de dezembro de 1981 até 16 de janeiro lém] durante seis meses, interrogaram-me sobre manifesta-
de 1982, ele foi mantido isolado enquanto ocorria a greve ções, publicações e organizações.
geral na Cisjordânia e o fechamento da Universidade de Moscobiya era um lugar para barbaridades. Tiravam-nos a
Bir Zeit. De 1º de abril a 3 de maio, quando os israelenses roupa e nos tapavam os olhos. Éramos algemados e acor-
dissolveram os conselhos municipais da Cisjordânia, colo- rentados juntos em filas de dez. Eles nos despiam. Jogavam
caram Azmi no “armário” e o isolaram outra vez. Ele foi água sobre nós. Então, eles se alternavam para nos espancar,
mantido isolado durante a invasão israelense do Líbano.
10.  Estudo de Caso: Mohammed Manasrah, Bethlehem. Schoenman e
Há pouco me disseram: Shone, pp. 33-36.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

usando cassetetes para bater em nossas cabeças e órgãos ge- Dheisheh e confiscaram todos os meus livros. Eles me leva-
nitais. Eles se alternavam nesse processo de nos jogar água ram para a Delegacia de Polícia de Bassa, onde me surraram
e espancar nossos órgãos genitais. Nós ouvíamo-nos enche- durante dois dias. Não me perguntaram nada. Tinha um
rem os baldes e tentávamos nos preparar, porém, fizéssemos interrogador na minha frente e outro atrás. De repente, o
o que fizéssemos, nunca conseguíamos preparar-nos para os de trás me dava fortíssimos tapas em ambos os ouvidos. O
golpes. sangue jorrava de minha boca e ouvidos. Eu sofri danos ce-
Meu amigo Bashir al Jarya, um advogado, está na cadeia rebrais. Um preso, a quem tentavam aterrorizar, desmaiou
desde 1969. Eles bateram em sua cabeça, com pauladas, por quando foi levado para onde eu estava sendo torturado.
três dias. Sua cabeça ficou esverdeada, devido ao mofo, e foi Eles me prenderam por três anos. Estive em Hebron, Ra-
infectada por bactérias durante cinco anos. Ainda assim, ele mallah, de novo em Hebron, em Farguna, em Beersheva,
continua sendo mantido na cadeia de Tulkarm. novamente em Hebron e outra vez em Beersheva. Eles me
transferiam por “motivos de segurança” como castigo pelas
O segundo encarceramento greves de fome.

Em 1971, as autoridades me acusaram de pertencer, simul- A tortura no cárcere de Hebron


taneamente, à FPLP [Frente Popular de Libertação da Pa-
lestina] e ao Fatah [o grupo de Yasser Arafat na OLP] , Mohammed Manasrah foi levado a Hebron e o torturado
ainda que fosse impossível, para qualquer um, ser membro de várias formas diferentes:
de ambas as organizações.
Os serviços de segurança não tinham qualquer evidência, Eles me amarraram de cabeça para baixo e batiam nos pés
mas me “concederam” as opções de ser acusado de pertencer sem parar com um pedaço de madeira. Você não pode ima-
a uma organização ilegal e condenado ao cárcere ou, volun- ginar o quanto me bateram. Meus pés incharam, ficaram
tariamente, mudar-me para Amã (Jordânia). Eu lhes disse enormes e azuis. Eu sangrava por baixo da pele.
que preferia ser condenado à prisão perpétua a ser exilado. Eles tiraram minha roupa e me penduraram em correntes
Eu confessei ser membro do Conselho Estudantil Unido, o com as mãos em cima da cabeça e os pés apenas tocando o
conselho formado por todas as organizações estudantis, que chão. Bateram constantemente nos meus pés, concentrando-
foi declarado ilegal. Então, me encarceraram durante um se sempre neles. Às vezes, me deixavam cair e punham meus
ano na prisões de Ramallah e Nablus. pés numa bacia de água imunda e gelada. Isso aliviava a
dor. Então, eles me penduravam de novo. Eu tinha de dor-
O terceiro encarceramento mir acorrentado, com as mãos acima da cabeça. Isso durou
catorze dias.
Em 1975, eles revistaram minha casa no acampamento de Maisara Abul Hamdia estava comigo. Por cada golpe que

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

eu recebia, ele recebia dois. Maisara já estava pendurado çaram a me bater. Eles me arrastaram pelo chão até a sala
quando eu entrava no quarto de tortura. Depois Maisara me de torturas. Eles disseram que meus amigos e companheiros
encontrava pendurado quando o levaram ao quarto de tortu- haviam confessado. E eu disse: “Tragam-nos até mim”. Sabia
ra. [Depois, Maisara foi deportado para a Jordânia] . que eram mentiras. Trouxeram dois tipos de gente para que
Ao fim de catorze dias, eu desmaiava constantemente. Co- eu confessasse: gente amável e débil que não poderia supor-
locaram-me na cela 5. Tinha 1,60m por 60 cm por 1,68m. tar ver como estavam me torturando e “asafirs” (espiões) .
Sua altura era justa com a minha, mas seu comprimento me Depois, colocaram em prática outros métodos, alternando
obrigava a pôr os pés na parede quando estava deitado. entre as surras e a conversa mansa, na esperança de que eu
O único som que eu ouvia era o das chaves. Cada vez que quebrasse e “confessasse”. Eles me acusaram de ser membro da
eu ouvia aquele barulho, ficava aterrorizado. Não sei exa- FPLP, do Fatah e do Partido Comunista. Eles mudavam as
tamente quanto tempo passei ali. Foi algo entre cinco dias acusações, permanecendo apenas uma coisa constante: de-
e uma semana. pois de cada acusação eu era espancado selvagemente.
Quando me mudaram da cela 5 para a cela 4, apanhei du- Eles trouxeram dois majores que me fizeram sermões, duran-
rante toda a noite. Eles usaram grossos pedaços de madeira e te seis horas, sobre os crimes da União Soviética contra os
me espancaram a cabeça e os órgãos genitais. Eles puxavam judeus e sobre a opressão das minorias nacionais na China.
meu cabelo e batiam minha cabeça na parede. Eu tenho Eles me acusaram de ser comunista porque encontraram li-
um problema permanente em meus órgãos genitais e já fui vros sobre marxismo em minha casa. Eu lhes disse que aqui
examinado muitas vezes, por raios X, na cabeça e nos órgãos não poderia haver paz sem autodeterminação para o povo
genitais. palestino. Eles me pediram para que eu escrevesse isto e as-
Eles me levaram para a sala do conselho de guerra pela ma- sinasse e eu o fiz.
nhã e me fizeram aguardar durante todo o dia. Mas não Ao cabo de 46 dias de interrogatório e detenção me manda-
houve sessão. Em lugar disso veio Abu Ghazal, o famoso in- ram para um tribunal militar de Ramallah. Eu fui acusa-
terrogador. Ele me agarrou pelo cabelo, me levantou e me do de realizar ações contra as autoridades. Meu advogado,
arrastou pelo cômodo, jogando-me contra a parede. Meu Ghozi Kfir, pediu que exemplificassem. O tribunal respon-
cabelo foi arrancado. Ele ameaçou me mandar para a Sa- deu: “É um revolucionário e um dissimulado”.
rafand ou a “Akka” [a prisão secreta utilizada em 1974 e Antes da audiência, meu advogado e o promotor fizeram
1975] se em dois dias eu não confessasse. um trato. Eles me soltariam sem acusação se eu não dissesse
Eles me colocaram numa cela e dormi durante todo o tempo. nada diante do tribunal sobre como havia sido torturado.
Não sabia se era dia ou noite, se se haviam passado dois Porém, o juiz ignorou o acordo e me condenou a cinco anos.
ou dez dias. Ainda sinto calafrios ao recordar esse período. Eu cumpri três e fui posto em liberdade condicional nos ou-
Minhas pernas tremem. tros dois anos.
Ao fim de dois dias, dez soldados irromperam na cela e come-

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Prisões domiciliares e confinamento municipal lém. “Eu não podia ficar muito tempo em casa. Ia para lá
e pra cá. Os soldados me agarraram e me colocaram no
Depois de sair do cárcere, Mohamed Manasrah foi hostili- cárcere.”
zado pelo Shin Bet. Eles visitaram todos os empregadores Em 1º de dezembro de 1982, uma nova ordem mi-
para quem ele trabalhou e diziam para despedi-lo. Moham- litar permitiu que ele se movesse dentro dos limites mu-
med Manasrah perdeu quatro empregos antes de tornar-se nicipais, mas não que trabalhasse. Ele era obrigado a apre-
um assessor sindical profissionalizado. sentar-se ao Governo Militar todos os dias e permanecer
Em 7 de janeiro de 1982, ordenaram que lá até o meio dia.
Mohammed­ Manasrah voltasse de Belém para Wadi Fukin, Ao fim de um ano, acabaram-se as restrições. Não
a pequena aldeia onde nascera, situada dentro das frontei- passou nem um mês até que o Governo Militar decretasse
ras anteriores a 1967. Submeteram-no a prisão domiciliar outro confinamento municipal por seis meses.
em Wadi Fukin durante seis meses. Ele não tinha renda e
dependia da ajuda dos vizinhos. Novo encarceramento
As autoridades e a Liga do Povo [colaboradores]
ameaçaram Mohammed Manasrah, sua família e todos os Mohammed Manasrah entrou na Universidade de Belém,
que entravam em contato com ele. Sua casa foi revistada em 1983, para estudar Sociologia. Logo, ele foi eleito se-
inúmeras vezes; livros e papéis foram retirados da casa. cretário do diretório estudantil. Em novembro de 1983,
Proibiram sua família de viajar para a Cisjordânia. A per- ele e outros membros da organização estudantil foram en-
missão de trabalho de seu irmão foi confiscada. A Liga do carcerados, depois de patrocinar uma exposição cultural
Povo atacou sua cunhada, confundindo-a com a esposa de palestina.
Mohammed.
O governador militar ameaçou todas as famílias A tortura dos jovens palestinos
cujos filhos visitassem Mohammed. Investigaram os jo-
vens. Interrogaram três professores da escola elementar, Os jovens palestinos são torturados sistematicamente, se-
questionando-os sobre tais visitas: “Eles me submeteram a jam eles cidadãos israelenses ou residentes nos territórios
um cerco: econômico, social e psíquico.” ocupados. Hussam Safieh e Ziad Sbeh Ziad, da Galiléia,
Desafiando o confinamento, Mohammed Manas- foram detidos, acusados de içar a bandeira palestina no
rah voltou a Belém, onde ao menos sua mulher podia tra- primeiro aniversário do massacre de Sabra e Chatila. Seis
balhar. “Detiveram meu irmão e seus filhos para pressio- meses mais tarde, eles foram soltos, na medida em que não
nar minha volta para Wadi Fukin, mas eu permaneci em conseguiram reunir provas contra eles nem arrancar qual-
Belém.” quer confissão. Diante do tribunal, ambos os jovens falaram
Depois, mudaram a prisão domiciliar para Be- das torturas a que foram submetidos durante sua detenção.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Eles foram molhados com água fria e deixados, clusive, a redige para o preso. Porém, esse oficial, geral-
despidos, num cômodo frio. Foram espancados por todo o mente, não conduz o interrogatório nem realiza a tortura.
corpo, inclusive nas genitálias. Choques elétricos também Conseqüentemente, ele pode alegar que a confissão foi fei-
foram usados. Ziad teve suas mãos amarradas nas costas ta livremente.”14
e foi jogado, continuamente, de um interrogador a outro. Os interrogadores e guardas raramente podem
Eles bateram em seu rosto e pescoço. Ziad se negou a assi- ser identificados e levados diante dos tribunais porque
nar qualquer confissão.11 utilizam nomes assumidamente árabes como Abu Sami e
Mu’awyah Fah’d Qawasmi, filho do prefeito assas- Abu Jamil, ou apelidos como Jacky, Dany, Edi, Orli etc.
sinado de Hebron, Fah’a Qawasmi, e seu primo, Usameh E ainda que um preso consiga levar seu torturador perante
Fayez Qawasmi, encontravam-se entre os 17 mil jovens pa- o tribunal, tampouco ele consegue algum resultado. Lea
lestinos detidos pelos israelenses durante o recente levante Tsemel descreve como ela, depois de um esforço enorme
na Cisjordânia e em Gaza. e da superação de incontáveis obstáculos, conseguiu levar
Os interrogadores israelenses jogaram água neles, para o tribunal o interrogador que torturou o seu cliente.
colocaram clipes conectados com cabos elétricos e liga- “Ele se limitou a olhar para o acusado e dizer que nunca o
ram o circuito. Mu’awyah perdeu a consciência três vezes havia visto em toda sua vida. E o assunto foi encerrado.”15
durante meia hora de tortura mediante choque elétrico12. Wasfi O. Masri conseguiu que declarassem como
Os advogados que regularmente defendem os acusados dos inadmissíveis cinco confissões – e, por isso, ele é extre-
crimes “contra a segurança” declararam unanimemente mamente admirado entre os advogados de Israel e dos ter-
que os Tribunais Militares de Israel e dos territórios ocu- ritórios ocupados desde 1967. Porém, isto não garante a
pados desde 1967 “estavam em conluio e ocultavam cons- absolvição. Foram cinco de “um total de milhares”.
cientemente o uso de tortura pelos serviços de informação
de Israel.”13 Prisões domiciliares e confinamento numa cidade
Se os defensores questionam a validade de uma
confissão ou apresentam provas de tortura, é instalado um De acordo com o Decreto 109 das Regulamentações de
“pequeno julgamento” ou “Zuta” (em hebreu). A acusação Defesa de Emergência, um governador militar pode obri-
apresenta o oficial do exército ou da polícia que tomou a gar qualquer pessoa a morar no lugar por ele designado. Ele
confissão. Porém, como observa a advogada israelense, Lea pode confinar as pessoas em seus domicílios ou municípios.
Tsemel, “O oficial toma a declaração e com freqüência, in- Também pode restringir os deslocamentos e a associação a
grupos. Essas punições são expedidas com validade de seis
11.  Al-Fajr Jerusalem Palestinian Weekly, 14 de março de 1984.
12.  Al-Fajr Jerusalen Palestinian Weekly, 10 de janeiro de 1988. 14.  Ibid.
13.  London Sunday Times, p. 18. 15.  Ibid.

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Ralph Shoenmann

meses, mas podem ser renovadas várias vezes. Em alguns


casos, foram estabelecidas restrições “até novo aviso”.
Aqueles que são colocados sob prisão domiciliar ou
municipal ou restrição de deslocamentos não são processa- Capítulo 11. As prisões
dos formalmente nem levados a julgamento. O governador
militar que as ordena não tem a obrigação de especificar
a natureza do delito. Apesar de a pessoa que for objeto da
restrição ter o direito de levar seu caso ao Comitê Militar
de Apelações e à Suprema Corte israelense, é muito raro
que um tribunal questione qualquer decisão baseada em As prisões israelenses são essencialmente cadeias políticas.
motivos de “segurança”, como também é muito difícil para Nelas estão presos principalmente palestinos suspeitos,
as vítimas e seus advogados preparar um caso. O governa- acusados e às vezes – com base em confissões obtidas sob
dor militar não especifica os detalhes da acusação ou das coação – “condenados” por realizar, incitar ou planejar atos
evidências sobre as quais ela foi formulada. de resistência, pacíficos ou armados. Ainda que as estatísti-
O Decreto 109 tem sido usado contra os palesti- cas da população penal não estejam disponíveis, o número
nos em Israel e nos territórios ocupados desde 1967. Ele foi de presos que cumprem longas penas nas cadeias de segu-
usado contra intelectuais, jornalistas, professores, artistas, rança máxima está em torno, provavelmente, de 3 mil; há
advogados, sindicalistas, estudantes e políticos. Muitos de- 30 mulheres palestinas presas em Neve Tertza, sem incluir
les, mas nem todos, tinham se destacado por suas críticas entre elas as que foram trazidas do Líbano. Os advogados
à política israelense e pela defesa da autodeterminação do estimam que, antes do recente levante, 20 mil palestinos
povo palestino. Entre janeiro de 1980 e maio de 1982, a eram presos anualmente.
Anistia Internacional contabilizou 136 ordens de restrição Dentro das fronteiras pré-1967 existem dez ca-
que afetaram 77 pessoas 16 ; em setembro de 1983 foram de- deias: Kfar Yonah, Prisão Central de Ramla, Shattah,
cretadas 100 ordens de restrição, depois dos eventos con- Damun, Mahaneh Ma’siyahu, Beersheva, Tel Mond (para
vocados para lembrar o primeiro aniversário do massacre jovens), Nafha, Ashqelon e Neve Tertza.
de Sabra e Chatila 17; e essa política continua até os dias de Nos territórios ocupados pós-1967 existem nove
hoje. cadeias: Gaza, Nablus, Ramallah, Belém, Fara’a, Jericó,
Tulkarem, Hebron e Jerusalém.
Há centros regionais de detenção em Yagur (Jala-
16.  American-Arab Anti-Discrimination Committee, The Bitter Year: meh) e Atlit, próxima a Haifa, Abu Kabir (em Tel Aviv) e a
Arabs Under Israeli Occupation in 1982, Washington D.C., 1983, p. 211. Moscobiya (Complexo Russo), em Jerusalém. Além disso,
17.  Al-Fajr Jerusalen Palestinian Weekly. há quartéis da polícia em Haifa, Acre, Jerusalém e em Tel

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Aviv; há dezoito chefaturas de polícia em todo o Estado e têm uma rigorosa segregação entre os acusados de crimes
os 40 postos policiais nos territórios ocupados. Todos eles comuns e os condenados por delitos “contra a segurança”,
são usados para interrogar e torturar os presos. que são os presos políticos.
As instalações militares de todo o país também Como apenas uns poucos judeus são presos po-
servem como centros de interrogatório e tortura. Os líticos e somente uns poucos palestinos – sobretudo dos
presos concordam em que o mais selvagem deles é o de territórios ocupados – são presos comuns, essa separação,
Armon­ ha-Avadon, conhecido como “Palácio do Inferno” de fato, implica uma segregação entre presos judeus e pre-
ou “Palácio­ do Fim”. Ele está localizado em Mahaneh Tzer- sos palestinos. Não é permitida nenhuma comunicação ou
ffin, próximo a Sarafand. contato. Eles estão em prisões separadas ou em alas dife-
Por fim, para abrigar a grande quantidade de pre- rentes na mesma instituição.
sos palestinos trazidos do Líbano durante a invasão de 1982, Também diferenciam os presos palestinos dos ter-
assim como os jovens aprisionados no atual levante, foram ritórios ocupados desde 1967 dos presos “árabes israelen-
erguidos campos de detenção que não têm outro alojamen- ses”, que são palestinos e drusos residentes em Israel de
to a não ser barracas. Os centros de detenção de Meggido, antes de 1967 e que têm cidadania israelense. As condições
Ansar II (em Gaza) e Dhahriyah ficaram famosos por suas de encarceramento dos presos da Cisjordânia e de Gaza são
condições desumanas e pela tortura sistemática. muitas vezes piores que as dos reclusos “israelenses” de an-
tes de 1967.
Distinções no tratamento A alguns – ainda que não todos – dos presos is-
raelenses de antes de 1967 é permitida uma cama ou um
Não são grandes as diferenças entre as cadeias para palesti- colchão. Gozam de tal “privilégio” aproximadamente 70%
nos nos territórios ocupados desde 1967 e aquelas existen- dos israelenses de antes de 1967. Eles também podem rece-
tes em Israel de antes de 1967, ou seja, dentro da “Linha ber uma visita a cada duas semanas e enviar duas cartas por
Verde”. A prisão de Ashqelon, a de Nafha, a ala principal mês. Eles têm permissão para ter três cobertores no verão
da prisão de Beersheva e a ala especial da prisão de Ramla, e cinco no inverno.
ainda que situadas em Israel de antes de 1967, são grandes Os presos dos territórios ocupados desde 1967
centros de detenção para os palestinos dos territórios ocu- dormem no chão, seja no inverno ou no verão. Eles têm
pados após 1967, Cisjordânia e Gaza. Damun e Tel Mond permissão para ter um colchonete de borracha (com a
são usados para a juventude palestina. grossura de 0,5cm), uma visita e uma carta por mês.
A localização física das cadeias influi muito pouco Enquanto o espaço vital médio por preso nas ca-
nas condições. As autoridades carcerárias israelenses man- deias européias e norte–americanas é de 10,5m2, nas ca-
deias para palestinos da Cisjordânia e de Gaza o espaço é
.  Jamil Ala’ al-Din e Melli Lerman, p. 3. um décimo desse: 1,5m2 por preso.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

A burocracia carcerária baseia-se em uma lei pró- de “Kevar Yonah” (a tumba de Yonah). É o centro de de-
pria. Após entrar nesse território o cidadão perde todos os tenção que aterroriza todo aquele que atravessa suas por-
seus direitos. Ele ou ela ficam submetidos à autoridade to- tas. Os detidos a chamaram de “Meurat Petanim” ou “A
talmente arbitrária de pessoas selecionadas por sua dureza. guarida das cobras”. “A recepção dada aí aos reclusos que
O Decreto das Prisões (revisado em 1971) tem 114 esperam para serem julgados é apavorante.” As celas são
artigos. Não há uma única cláusula ou parágrafo definindo extremamente frias e úmidas. Os colchões são esquálidos,
os direitos dos presos. Esse Decreto tem uma série de nor- amarrotados e sebentos e as celas superpovoadas. A maio-
mas legalmente vinculadas ao ministro do Interior, mas é ria dos reclusos não tem onde deitar a não ser no chão.
o próprio ministro quem formula essas normas, mediante O cheiro de excrementos humanos, suor e sujeira nunca
decretos administrativos. Nenhuma provisão estabelece abandona as celas fechadas a sete chaves. Na ala “D” exis-
obrigações das autoridades, tampouco existe cláusula que tem três quartos onde se amontoam doze, dezoito e vinte
garanta aos presos um nível de vida digno. detidos.
Em Israel é permitido por lei internar vinte presos
numa cela com dimensões de apenas 5m de comprimento, Cadeia Central de Ramla
4m de largura e 3m de altura. Esse espaço inclui um ba-
nheiro aberto. Os presos podem ser confinados de forma Ramla é uma das cadeias mais rígidas de Israel. É um antigo
indefinida em tais celas durante 23 horas por dia. quartel de polícia que, no passado, foi usado como estábulo
para cavalos. É um local superpovoado e malcheiroso, que
O Relatório Kutler abriga 700 reclusos. Muitos presos não dispõem de uma
cama, um canto, ou uns poucos metros quadrados. Fre-
O jornalista israelense, Yair Kutler, publicou, em 1978, no qüentemente, 100 homens têm de dormir no chão.
jornal Ha’aretz, uma ampla investigação a respeito das con- Há 21 celas de isolamento (X’s). A luz solar jamais
dições físicas nas cadeias localizadas em Israel pré-1967. entra nelas, que são completamente lacradas. Pendurada
Yair Kutler chama a vida carcerária em Israel de “o inferno no teto existe uma lâmpada acesa dia e noite.
na Terra” e descreve cada cadeia em detalhes. Seu relató- Além das celas de isolamento, Ramla tem uma sé-
rio é surpreendente: rie de masmorras. Elas têm 2 m de comprimento, 80 cm
de largura e 2 m de altura. Elas são escuras, sujas e fedem
Kfar Yonah terrivelmente. Não há janelas nem lâmpadas. Uma peque-
na abertura na porta permite a entrada de um fraco reflexo
Os altos funcionários chamam a cadeia de “Kfar Yonah” da luz do corredor.
Antes de ser colocado na masmorra, o preso é des-
.  Estudo de Caso: The Kutler Report, ibid., pp. 34-45. pido e recebe um avental que parece um trapo. Uma vez

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

por dia, ele pode receber a permissão de ir ao banheiro; Sarafand


no restante do dia e da noite deve conter-se. O preso pode
urinar através de um cabo encaixado na porta. Ele não tem O “Palácio do Fim” está atrás de uma cerca visível para
direito a um passeio diário ou a um chuveiro. todos os turistas que passam pelo último trecho da estrada
Freqüentemente há surras. O método predileto é de Jerusalém a Tel Aviv; a apenas oito quilômetros do ae-
o do “cobertor”. Alguns guardas cobrem a cabeça do preso roporto Ben Gurion. Esse é o perímetro de Sarafand, que
e o golpeiam até que cai sem sentidos. tem 16 km² e os maiores armazém e depósito de armas do
Para evitar o confinamento solitário, um preso exército. É também o depósito do Fundo Nacional Judeu,
tem de ser capaz de levar uma vida de total submissão e que usa Sarafand para armazenar equipamento para a cons-
auto-degradação. trução de novos assentamentos nos territórios de Israel
pré-1967 e nos territórios ocupados a partir dessa data.
Damun A relação inexorável entre ocupação, assentamen-
tos, colonização e o sistema de tortura infligido aos pales-
A vida em Damun é “o inferno na Terra”. “As condições de tinos é gritante. Sarafand – o centro de tortura – tem um
vida são lamentáveis e causam repulsa a qualquer visitante significado histórico.
que chegue nesse lugar esquecido por Deus”. Os edifícios O local foi construído antes da Segunda Guerra
absorvem a umidade e o frio. Cinco cobertores não seriam Mundial e serviu como principal depósito regulamentar
suficientes para aquecer alguém. “Muitos estão doentes e a da Grã-Bretanha. Foi um dos mais notáveis acampamen-
maioria desesperada”. tos para detidos durante o levantamento palestino contra a
A ala dos jovens tem condições ainda piores. A dominação britânica e a colonização sionista da terra, em
superlotação é tão terrível que os jovens somente podem 1936. Os antigos edifícios do Mandato Britânico foram sim-
esticar seus membros durante duas horas a cada quinze dias plesmente ocupados pelas autoridades israelenses, sem al-
e esse intervalo freqüentemente se alonga. terar suas funções, utilizando-os para aprisionar uma nova
geração de palestinos. O centro, conhecido durante a era
Shattah britânica tanto pelos judeus como pelos palestinos como
um “campo de concentração”, manteve seu caráter e uso.
A superpopulação é terrível. O fedor é sentido a uma
grande distância... As celas são escuras, úmidas e geladas. Nafha – Uma cadeia política
O ambiente é sufocante. No verão, durante o período de
maior calor no vale de Beit Shean, a prisão é um inferno Os presos políticos palestinos não receberam o estatuto de
ardente. prisioneiros de guerra, porém foram construídos acampa-
mentos de prisioneiros para eles. Os moradores da região

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

chamam Nafha de “a cadeia política”. Ocupados, os presos são espancados. Em Ramla, isso é fei-
Está localizada no deserto a oito quilômetros de to nas masmorras ou “celas de isolamento”: guardas atacam
Mizpe Ramon e na metade do caminho entre Beersheva e o preso e lhes batem com os punhos, botas e cassetetes fei-
Eilat. Está localizada numa zona deserta com terríveis tem- tos com cabos de enxada, que são guardados num armário
pestades de areia. A areia penetra em tudo. As noites são próximo às masmorras.
extremamente frias e o calor durante o dia é insuportável. Na cadeia de Damun, o espancamento é feito de
Serpentes e escorpiões passeiam pelas celas. uma forma mais primitiva. É feito em público, no pátio.
Uma cela regular tem seis metros por três. Há dez Os guardas mais brutais são responsáveis pelo “Correio”.
colchões no chão e não há espaço para mais nada. Num Trata-se do veículo de transporte dos presos que realiza
canto há um vaso sanitário primitivo. Em cima disto, há três viagens semanais do centro de detenção de Abu Kabir
uma ducha. Enquanto um preso usa a privada, os demais à prisão de Shattah. O veículo pára em todas as prisões
têm de se banhar ou lavar os pratos. Num local como esse, do interior de Israel, exceto nas de Ashqelon e Beersheva.
dez presos passam vinte e três horas diárias. Durante meia Todas as viagens do “Correio” resultam em espancamentos
hora por dia, os prisioneiros podem andar por um pequeno selvagens. Ao menor pretexto, os guardas do Correio reti-
pátio de concreto, de 5 m por 15 m. ram a vítima do veículo na primeira escala e a golpeiam até
Muitos presos estão doentes, sofrendo dos efeitos de deixá-la irreconhecível.
repetidas torturas e brutais condições de vida carcerária.
Isolamento
Práticas diárias nas cadeias israelenses
Legalmente, o isolamento não é considerado uma punição.
Os presos políticos declaram, com freqüência, que as con- De fato, poucos podem sobreviver muitos meses em celas
dições nos centros de detenção das cadeias tanto do Estado de um metro por dois e meio, durante vinte e três horas
de Israel de antes de 1967 como no dos territórios ocupa- diárias. Mas nenhum preso que tenha feito alguma tenta-
dos a partir de 1967 foram pensadas cuidadosamente para tiva verbal de manter o respeito de si mesmo pode evitar
destruí-los física e psicologicamente. períodos nas celas de isolamento.

Espancamentos Trabalho
Em todas as prisões de Israel pré-1967 e dos Territórios O trabalho carcerário é trabalho forçado. Está organizado
como “meio para hostilizar a vida dos presos” . Aos pre-
.  Lea Tsemel e Walid Fahoum, “Reports on Nafha Prison”, maio de
1982 - fevereiro de 1983. Citado em Schoenman e Shone, pp. 47-54. .  Jamil Ala’ al-Din e Melli Lerman, p.26.

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sos políticos é atribuída, deliberadamente, a produção de frio. O único medicamento disponível é a vaselina, mas
botas para o exército israelense, redes de camuflagem etc. inclusive esta se consegue raramente.
Aos que se negam a fazer isso, são retirados “privilégios” Os presos que cumprem penas de mais de uns
como o dinheiro para a cantina, tempo fora da cela, livros poucos meses, saem das cadeias com debilitações perma-
e jornais, materiais para escrever. Alguns são punidos com nentes. As condições de iluminação são tão más que os pre-
o isolamento. sos sofrem uma deterioração da visão. Entre os presos, as
O salário médio por esse trabalho é de us$ 0,05 doenças renais e úlceras têm uma incidência cinco vezes
por hora. O trabalho tem como objetivo maximizar a tensão maior que entre a população em geral.
física e emocional. Também é uma forma de exploração.
Asafir
Alimento
A partir de 1977, presos têm informado que a tortura tam-
A nutrição nas prisões é deficiente e o orçamento é exí- bém é administrada por um pequeno grupo de colabora-
guo. As carnes, as verduras e as frutas remetidas aos re- dores em cada cadeia, alguns dos quais não são realmente
clusos são, com freqüência, confiscadas pelos funcionários. presos, senão informantes que se fazem passar como tais.
Ovos, leite e tomates frescos são considerados luxos para Sejam eles prisioneiros que colaboram ou informantes in-
os presos. filtrados entre eles, o procedimento foi institucionalizado.
Em cada cadeia e centro de detenção, existem salas espe-
Atenção médica ciais, reservadas para os colaboradores, conhecidos como
“asafirs” ou “pássaros cantores”. Entre os “asafirs”, é co-
Em 1975, um preso da cadeia de Damun cortou os punhos mum encontrar criminosos violentos, selecionados por sua
e as pernas. Os demais reclusos chamaram o guarda. Uma brutalidade. Outros são recrutados entre os que estão en-
delegação de guardas chegou ao local. O enfermeiro abriu clausurados como presos políticos, ainda que não tenham
a cela, pegou o preso e sem dizer sequer uma palavra co- um histórico político. A estes são concedidos privilégios de
meçou a golpear, repetidamente, seu rosto com um casse- acordo com os serviços prestados.
tete. O preso caiu ao chão, e o enfermeiro o chutou sem
parar. Não são casos isolados
Os presos estão encerrados em edifícios inade-
quados. No verão, sofrem com um calor abrasador. No Por mais famosas que sejam as pretensões democráticas e hu-
inverno, a umidade penetra até “seus ossos”. Na prisão de manitárias de Israel, as provas aqui mostradas, assim como
Ramla, durante o inverno, um terço da população reclusa as acumuladas em todos os estudos sobre a colonização e a
sofre de inchaço nas mãos e nos pés devido ao tremendo dominação sionista na Palestina desmascaram essa fachada.

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Ralph Shoenmann

Os casos individuais examinados aqui não são ca-


sos isolados nem produto de circunstâncias extraordinárias.
Os casos citados não diferem fundamentalmente de tantos
outros. Os torturadores não são exemplos de aberrações Capítulo 12. Estratégia para a
policiais que perdem as estribeiras. Eles são membros de     conquista
todas as seções da polícia israelense e das divisões de segu-
rança, que operam em cumprimento de sua missão.
A violência é a norma no trato com os palestinos,
sejam eles camponeses que estejam levando sua produção
ao mercado, jovens que atiram pedras, cidadãos palestinos Em 1982, enquanto culminavam os preparativos para a in-
de Israel de antes de 1967 ou palestinos residentes nos ter- vasão do Líbano e o massacre dos palestinos nos acampa-
ritórios ocupados em 1967 e posteriormente. A tortura é mentos nos arredores de Beirute, Sidon e Tiro, foi publica-
parte fundamental do sistema legal, a coerção é o cami- do um relevante documento no Kivunim (Direções), o jornal
nho para a confissão e a confissão é fundamental para a do Departamento de Informação da Organização Sionis-
condenação. ta Mundial. Seu autor, Oded Yinon, esteve vinculado ao
O tratamento dado aos presos não muda segun- Ministério do Exterior e reflete o pensamento dos estra-
do o partido que ocupe o poder. Se o primeiro-ministro tos mais elevados do establishment militar e da inteligência
Menachen Begin classificava os palestinos como “bestas de israelense.
duas pernas”, a brutalidade sistemática imposta aos presos O artigo, “Uma estratégia para Israel nos anos
palestinos não é menos severa sob os governos trabalhistas. 1980”, esboça um calendário para que Israel se converta
Como disse o antigo primeiro-ministro David Ben Gurion, numa potência imperial regional em base à dissolução dos
“O regime militar existe para defender o direito a estabele- Estados árabes. Ao analisar a vulnerabilidade dos regimes
cer assentamentos judeus em todas as partes.”  corruptos do Oriente Médio, Yinon, sem se dar conta, de-
nuncia o alcance da traição deles em relação às necessida-
des da população e sua incapacidade para defender-se ou
defender seus povos do jugo imperial.

Dividir para dominar

Yinon recupera a idéia do antigo ministro do Exterior


.  David Ben Guron, “Divray ha Knesset”, Parliamentary Record #36, trabalhista, Abba Eban, de que o Oriente Árabe é um
p. 217. Citado em Bober, p. 138. “mosaico”­ de divergências étnicas. Portanto, a forma de

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dominação apropriada para a região é o sistema Millet, do A “nova” estratégia, nos anos 1980, é a mesma do
Império Otomano, no qual o poder administrativo se ba- antigo ditado imperial “dividir para dominar”, cujo êxito
seava em funcionários locais que presidiam comunidades depende de garantir que governadores provinciais corrup-
étnicas diversas: “Este mundo com suas minorias étnicas, tos façam o jogo daqueles que aspiram impor uma ordem
suas frações e crises internas, assombrosamente autodes- imperial.
trutivo, como podemos ver no Líbano, na parte não-árabe
do Irã e, agora, na Síria, é incapaz de abordar com êxito Nesse mundo enorme e fraturado existem poucos ricos e uma
seus problemas fundamentais.”  grande massa de gente pobre. A maior parte dos árabes tem re-
Yinon pensa que a nação árabe é uma concha frágil ceita média anual de 300 dólares. O Líbano está despedaçado
na iminência de se despedaçar em mil fragmentos. Israel e sua economia está em frangalhos; não há um poder centrali-
tem de seguir levando a mesma política desenvolvida desde zado, senão somente cinco autoridades soberanas de fato.
o início do sionismo, procurando arregimentar agentes lo-
cais entre as frações e grupos comunitários que se levanta- Dissolvendo o Líbano
riam contra as demais comunidades sob as ordens de Israel.
Isso sempre será possível, argumenta Yinon, porque: O Líbano era o modelo, preparado para esse papel, pelos is-
raelenses, durante 30 anos, como mostram os diários de Sha-
O mundo árabe muçulmano está edificado como um castelo rett. Trata-se da compulsão expansionista estabelecida por
de cartas, montado por estrangeiros (França, e Grã-Breta- Herzl e Ben Gurion, assim como da extensão lógica dos diá-
nha nos anos 1920), sem que os desejos e aspirações dos rios de Sharett. A dissolução do Líbano foi proposta em 1919,
habitantes locais tenham sido considerados. Ele foi arbitra- planejada em 1936, iniciada em 1954 e realizada em 1982.
riamente dividido em dezenove Estados, todos feitos a par-
tir da combinação de minorias e grupos étnicos hostis entre A dissolução total do Líbano em cinco províncias serve de
si, de tal forma que, atualmente, todos os Estados árabes precedente para todo o mundo árabe, incluindo o Egito, a
muçulmanos enfrentam a destruição étnica social interna e, Síria, o Iraque e a Península Arábica, num processo que já
em alguns casos, guerras civis já em curso.”  [A maior par- está se desenvolvendo. A subseqüente dissolução da Síria e
te dos árabes, 118 de 170 milhões, na atualidade vive na do Iraque em áreas étnicas ou religiosas uniformes, como no
África, principalmente no Egito (45 milhões).] Líbano, é o objetivo a longo prazo fundamental de Israel na
frente oriental. A dissolução do poder militar desses Estados
é o principal alvo, a curto prazo.
.  Israel Shahak (trans. & ed.), The Zionist Plan For the Middle East, Bel-
mont Mass., A.A.U.G., 1982. .  Ibid.
.  Ibid., p. 5. .  Ibid., p. 9.

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Fragmentando a Síria No fundamental, a Síria não é diferente do Líbano, exceto


pelo fato de ser regida por um forte regime militar. Mas a
A Síria cairá alquebrada, de acordo com sua estrutura étnica guerra civil real que tem lugar atualmente entre a maioria
e religiosa, divindo-se em vários Estados, como acontece hoje sunita e a minoria governante xiita alauíta [composta por
no Líbano, de modo que haverá um Estado xiita alauíta na meros 12% da população] testemunha a gravidade dos en-
costa, um Estado sunita na área de Aleppo, outro Estado su- frentamentos internos.
nita em Damasco hostil ao seu vizinho do Norte e os drusos
que estabelecerão um Estado, talvez, inclusive, em nosso Golã O assalto ao Irã
[as Colinas de Golã foram ocupadas por Israel em 1967] ,
e sem dúvida no Hauran e no Norte da Jordânia. Esse estado O levante revolucionário contra o xá do Irã – um dos prin-
de coisas será a garantia da paz e da segurança na área a cipais subordinados ao imperialismo norte-americano, im-
longo prazo e esse objetivo, hoje, já está ao nosso alcance. posto mediante um golpe da CIA em 1953 – pareceu abrir
caminho à revolução em todo o Oriente Médio. Não so-
Cada Estado árabe é examinado com o objetivo de mente Israel e seu chefe (os Estados Unidos) recearam seu
determinar de que forma ele pode ser desmontado. Quan- atrativo para os muçulmanos xiitas de toda a região – que
do há grupos religiosos minoritários no exército, Yinon vê tendem a pertencer aos setores mais pobres e desfavoreci-
neles uma boa oportunidade. A Síria é destacada como um dos – como também o desafio à dominação norte-ameri-
exemplo neste aspecto. cana encontrou eco nas massas de todos os grupos étnicos,
de todas as nações.
O exército sírio atualmente é sobretudo sunita, com um cor- Essa foi a base do ataque lançado pelo Iraque con-
po de oficiais alauíta, e o exército iraquiano é xiita com co- tra o Cuzistão, a província do Sul do Irã na qual se situa
mandantes sunitas. Isso tem um grande valor a longo prazo a produção e o refinamento de petróleo. Como Yinon, os
e esse é a razão de não ser possível manter por muito tempo estrategistas israelenses e norte-americanos calcularam que
a lealdade do exército. dado que essa rica província petrolífera iraniana estava po-
voada pela minoria árabe, seria relativamente fácil desmem-
Yinon continua analisando como a “guerra civil” brá-la do Irã. Esperavam que o ataque iraquiano contasse
induzida no Líbano, a partir do financiamento dado ao ma- com a simpatia da minoria árabe de Cuzistão. O Irã é uma
jor Sa’ad Haddad no Sul, e às falanges de Gemayel na zona nação formada por diversos grupos étnicos: 15 milhões de
de Beirute, pode ser estendida para a Síria. persas (farsi), doze de turcos, seis de árabes, três de curdos,
baluchis, turcomenos e outras nacionalidades menores.
.  Ibid.
.  Ibid., p. 5. .  Ibid., p. 4.

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Quase a metade da população do Irã está formada pelo gru- ambos os lados, prolongando a guerra pelo maior tempo
po que fala persa e a outra metade por um grupo etnicamen- possível, ao passo que impedia a vitória iraniana.
te turco. A população da Turquia compreende uma maioria Yinon expôs a estratégia com grande clareza:
muçulmana sunita turca (cerca de 50%) e duas grandes mi- “Todo o tipo de enfrentamento inter-árabe nos ajudará a
norias, 12 milhões de xiitas alauítas e 6 milhões de curdos curto prazo e abreviará o caminho até o objetivo mais im-
sunitas. No Afeganistão há 5 milhões de xiitas, que cons- portante, que é o de explodir o Iraque em seitas, como na
tituem um terço da população. No Paquistão sunita há 15 Síria e no Líbano.” 
milhões de xiitas que ameaçam a existência desse Estado. Os Estados Unidos e a monarquia saudita (que
também apóia a Síria com um subsídio de 10 bilhões de
A hipótese era que também o Irã poderia fragmen- dólares) coordenaram um bloqueio de armas ao Irã e o
tar-se, a partir da separação, mediante invasão, das provín- fornecimento massivo de armamento ao Iraque. Os regi-
cias produtoras de petróleo. Khomeini continuou a política mes egípcio e jordaniano lideraram o apoio ao Iraque. No
do xá de oprimir as minorias nacionais, e a repressão da meio-tempo, a União Soviética e os Estados Unidos, cada
minoria árabe pelo governador de Khomeini, o almirante um por seu lado, armavam o Iraque, dado que a direção
Madani, estimulou a CIA e o Mossad israelense a empurrar burocrática soviética procurava utilizar sua influência nos
o regime iraquiano para a invasão. regimes árabes para ganhar posições que lhe permitissem
Como ocorre com outros regimes do Oriente fazer acordos de zonas de influência com os governantes
Árabe, retórica à parte, as oligarquias militares e as monar- dos Estados Unidos – às custas das massas árabes, que se-
quias no poder se vendem pelo melhor lance. Mas os pe- guiam vivendo na pobreza.
troleiros de Abadan e Ahvaz, as cidades refinadoras da pro-
víncia iraniana do Cuzistão, eram altamente politizados. Mirando o Iraque
Eles foram a coluna vertebral da Frente Nacional, quando
Mussadegh nacionalizou a Anglo Iranian Oil Corporation (Pe- Yinon explicita os motivos de Israel em armar Khomeini,
trolífera Anglo-iraniana), em 1952; o Partido Comunista enquanto os Estados Unidos armam o Iraque:
do Irã (Tudeh) tinha forte presença entre eles. A greve ge-
ral encabeçada pelos petroleiros foi decisiva na Revolução O Iraque, de um lado rico em petróleo e de outro interna-
Iraniana que, em 1979, derrubou o xá. mente dilacerado, é candidato garantido entre os alvos de
A invasão iraquiana saiu pela culatra. A minoria Israel­. Sua dissolução, para nós, é mais importante ainda
árabe a viu como um ataque à própria Revolução. A políti- que a da Síria. O Iraque é mais forte que a Síria. A curto
ca dos EUA e de Israel girou, a partir de então, em armar prazo, é o poder iraquiano que constitui uma maior ame-

.  Ibid., p. 5. .  Ibid., p. 9.

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aça para Israel. Uma guerra iraquiana-iraniana quebrará O plano para dissolver o Estado iraquiano não tem
o Iraque e o derrubará internamente antes inclusive de que nada de algébrico. Israel projetou certo número de peque-
possam organizar uma frente ampla de luta contra nós.10 nos Estados onde se deve localizar e que irá controlar.

Preparativos avançados estão em marcha dentro No Iraque, é possível uma divisão em províncias seguindo
do plano dos sionistas de fragmentar o Iraque em uma as demarcações étnico-religiosas, como na Síria durante a
guerra civil. “As sementes do conflito interno e da guerra época otomana. Deste modo, existiriam três (ou mais) Es-
civil já estão à vista hoje, sobretudo depois da subida ao tados em torno das três principais cidades: Basra, Bagdá e
poder de Khomeini, líder a quem os xiitas do Iraque consi- Mosul, e áreas xiitas no Sul se separariam do Norte sunita
deram como seu dirigente natural.” 11 e curdo.13
Ao analisar as debilidades da sociedade árabe sob
os atuais regimes, Yinon, sem se dar conta, enfatiza até que Israel tenta se aproveitar a fundo do impacto da po-
ponto a população é deixada fora da equação do poder e da breza e da conseqüente instabilidade dos regimes que têm de
tomada de decisões, a natureza não-representativa dos regi- controlar uma população espoliada. No que se refere a isso,
mes árabes, sua conseqüente vulnerabilidade e a futilidade o desejo dos sionistas em desestabilizar os regimes árabes
de suas tentativas de proteger-se da expansão sionista subme- e fragmentar seus países, embora não seja visto com maus
tendo-se ao poder e à influência dos Estados Unidos. Depois olhos pelos Estados Unidos, é tratado com cautela pelo Pen-
que tudo foi dito e feito, todos estão condenados a idêntica tágono, a respeito do calendário e da implementação. Há
sorte. O que está em questão não é o “se”, mas o “quando”: um perigo constante de que as guerras e as divisões internas
manipuladas pelo sionismo e pelo imperialismo norte-ame-
O Iraque, de novo, não é em essência diferente de seus vi- ricano para controlar a região possam provocar levantes po-
zinhos, ainda que sua maioria seja xiita e a minoria go- pulares, como no Irã – e, agora, na Cisjordânia e em Gaza.
vernante sunita. 65% da população não tem voz nem voto O espectro das mudanças revolucionárias assom-
na política, sobre a qual uma elite de 20% detém o poder. bra tanto os governantes israelenses quanto os norte-ame-
Ademais, há uma ampla minoria curda no Norte, e se não ricanos. É também uma perspectiva que enfatiza a impor-
fosse a dureza do regime, o exército e a renda do petróleo, o tância crítica de uma direção revolucionária que leve a luta
futuro do Estado do Iraque não seria diferente do do Líbano, até ao final. Assim, as tentativas da OLP de pedir ajuda aos
no passado, ou do da Síria.12 regimes opressores da região, em lugar de recorrer, direta-
mente, às sofridas populações desses regimes, a têm levado
10.  Ibid. de um beco sem saída a outro.
11.  Ibid., p. 4.
12.  Ibid. 13.  Ibid., p. 9.

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A falta de direção corresponde às oportunidade empréstimos e subvenções disfarçadas – a maior quantida-


perdidas. Ao descrever a opressão das minorias nacionais de depois da dada ao próprio Israel – o que enfatiza o papel
pelos respectivos Estados árabes, Yinon assinala: “Se adi- do governo de Mubarak. Ainda assim o nível de vida caiu
cionarmos a esse quadro a situação econômica veremos vertiginosamente.
que toda a região é como um castelo de cartas, incapaz de Ao legitimar o Estado colonial israelense, Sadat
agüentar seus graves problemas.” 14 não somente traiu o povo palestino como também deixou
Todos os países estudados revelam essencialmente o Oriente Árabe uma presa fácil para os desígnios traçados
a mesma série de condições. “Todos os Estados árabes ao por Oded Yinon.
leste de Israel estão dilacerados, quebrados e crivados por O que emerge claramente de sua análise estra-
conflitos internos, mais ainda que os do Magreb (Norte da tégica é que, para o movimento sionista, tudo se encaixa
África).” 15 num calendário; cada zona assinalada para a conquista ou
reconquista é considerada um objetivo ocasional, à espera
Enganando Mubarak somente da correlação de forças adequada e da camuflagem
dada pela guerra.
O cinismo com que os sionistas discutem a ficção de sua
preocupação pela “segurança” é particularmente transpa- O Egito, em seu atual quadro político interno, já é um ca-
rente na avaliação que Yinon faz sobre o Egito. A ascensão dáver, tanto mais se tomarmos em conta a crescente fissura
de Sadat, depois da tomada por Israel do Sinai, da Cisjor- entre os muçulmanos e os cristãos. Desmembrar territorial-
dânia, de Gaza e das Colinas de Golã, em 1967, ofereceu mente o Egito em regiões geográficas diferenciadas é o objeti-
aos Estados Unidos a oportunidade de impedir que o Esta- vo político de Israel nos anos 1980, em seu front oeste.16
do árabe mais populoso seguisse obstaculizando a expan-
são israelense e o controle norte-americano. Tirar o Egito A reintegração do Egito, por Sadat, ao status neo­
da oposição significou um golpe devastador, não somente colonial que existira sob Faruk foi recompensada com a
para o povo palestino, como também para toda a popula- recuperação do Sinai. Mas não por muito tempo, aos olhos
ção árabe. de Israel.
O retorno do Egito a um grau de dependência ao
imperialismo, desconhecido nos tempos de Faruk, foi mui- Israel se verá obrigado a atuar direta ou indiretamente para
to impopular entre os egípcios. Os Estados Unidos pro- recuperar o controle do Sinai como reserva econômica e ener-
porcionaram ao Egito quase 3 bilhões de dólares em ajuda, gética estratégica a longo prazo. O Egito não constitui um
problema militar estratégico devido aos seus conflitos inter-
14.  Ibid., p. 5.
15.  Ibid., p. 4. 16.  Ibid., p. 8.

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nos e poderia voltar à sua situação de depois da guerra de Foi no Egito que Gamal Abdel Nasser derrubou
1967 no espaço de vinte e quatro horas.17 o rei Faruk e galvanizou o mundo árabe com sua visão de
unidade árabe. Mas era uma unidade baseada não na luta
Logo depois, Yinon analisa o Egito com o mesmo revolucionária em toda a região, mas sim numa ilusória fe-
bisturi antes aplicado ao Líbano, à Síria e ao Iraque: deração de regimes oligárquicos.

O Egito está dividido e dilacerado em muitos focos de auto- Amanhã, os sauditas


ridade. Se o Egito se quebra, países como a Líbia, o Sudão e
outros ainda mais distantes deixarão de existir em sua forma Se o Egito de Nasser acabar-se “destroçado”, como na visão
atual e se juntarão à queda e à dissolução do Egito. A visão israelense, tal qual um segundo Líbano, a Arábia Saudi-
de um Estado Cristão Copta no Alto Egito, juntamente com ta será muito mais vulnerável, porque se considera que os
uma série de Estados débeis, de poder muito localizado e sem dias da monarquia estão contados.
governo centralizado, é a chave para o processo histórico que
o acordo de paz somente conteve, mas que parece inevitável Toda a Península Arábica é candidata natural à dissolução
a longo prazo.18 devido a pressões internas e externas, coisa inevitável em
particular na Arábia Saudita.
Portanto, o acordo de Camp David foi um a joga- Todos os principados do Golfo e da Arábia Saudita estão
da tática preparatória da dissolução do Egito e do Sudão: erguidos sobre um delicado castelo de areia no qual só há
o petróleo. No Kuwait, os kuwaitianos constituem somente
O Sudão, o Estado mais dilacerado do mundo árabe muçul- um quarto da população. Em Bahrein, os xiitas são maio-
mano atual, está baseado em quatro grupos hostis entre si: ria mas estão privados do poder. Nos Emirados Árabes Uni-
uma minoria árabe muçulmana sunita, que governa uma dos, os xiitas também são a maioria, mas os sunitas detêm
maioria de africanos não-árabes, pagãos e cristãos. No Egi- o poder.20
to, há uma maioria muçulmana sunita confrontada por uma
ampla minoria de cristãos que é dominante no Alto Egito Também não há dúvida de que aquilo que vale para
(uns sete milhões). Eles irão querer um Estado próprio, algo a Arábia vale para o Golfo:
assim como um “segundo” Líbano Cristão no Egito.19
O mesmo vale para Omã e Iêmen do Norte. Inclusive na
marxista [sic] Iêmen do Sul existe uma considerável minoria
17.  Ibid. xiita. Na Arábia Saudita, a metade da população é estran-
18.  Ibid.
19.  Ibid., p. 4. 20.  Ibid., pp. 4 e 9.

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geira, egípcia e iemenita, mas o poder é controlado por uma [Atualmente, os palestinos que vivem sob o controle ter-
minoria saudita.21 ritorial israelense – os da Faixa de Gaza, da Cisjordânia e
da colonização territorial anterior a 1967 – são cerca de
Despovoando a Palestina 2,5 milhões. Há hoje cerca de 5,4 milhões de palestinos.
Mais da metade do povo palestino está disperso numa
Yinon reserva sua análise mais implacável para os próprios diáspora mundial. Um número significativo se encontra
palestinos. Reconhece com ênfase que o povo palestino nos países do Oriente Árabe, onde também estão sub-
nunca abandonou seu desejo de ser soberano no próprio metidos a todo o tipo de perseguições e discriminações:
país. É toda a Palestina que o sionismo deve dominar. 37,8% na Síria, Jordânia e Líbano; e 17,5% nos demais
Estados árabes.]
Dentro de Israel a distinção entre as áreas de 1967 e os
territórios de 1948 nunca significou coisa alguma para os O que se apresenta hoje é como expulsar os pales-
árabes e atualmente já não significa nada para nós.22 tinos que estão sob o controle israelense, sobretudo porque
toda a estratégia regional de Israel depende disso: “Realizar
Não somente os palestinos devem ser expulsos da nossos objetivos no front leste depende, em primeiro lugar,
Cisjordânia e de Gaza, como também da Galiléia e de Israel da realização desse objetivo estratégico interno.” 24
pré-1967. Eles devem ser dispersos como em 1948.
Jordânia: a curto prazo
A dispersão da população é, portanto, um objetivo estraté-
gico interno e de primeira ordem; de outro modo não exis- O método para realizar isso requer uma delicada operação,
tiríamos em nenhum território. Judéia, Samaria e Galiléia que constitui uma primeira explicação de por quê os sio-
são nossa única garantia de existência nacional e se não nistas e os norte-americanos insistem para que a Jordânia
chegarmos a ser maioria nas áreas montanhosas não podere- represente os palestinos.
mos dominar o país e seremos como os integrantes das Cru-
zadas, que perderam este país que de qualquer forma não A Jordânia constitui um objetivo estratégico imediato, a cur-
era deles e no qual, para começar, eram forasteiros. Não há to, não a longo prazo, porque não é uma ameaça real a lon-
hoje objetivo mais elevado nem mais central do que reequi- go prazo após sua dissolução, após o fim da longa domina-
librar o país demográfica, estratégica e economicamente.23 ção do rei Hussein e a transferência do poder aos palestinos
a curto prazo [grifo nosso] .
21.  Ibid., p. 5. Não há possibilidade de que a Jordânia continue existindo,
22.  Ibid., p. 10.
23.  Ibid. 24.  Ibid., pp. 10-11.

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por muito tempo, com sua atual estrutura; e a política de sível viver neste país na atual situação sem separar ambas as
Israel, na guerra e na paz, deve estar dirigida para a liqui- nações, os árabes para a Jordânia e os judeus para as zonas
dação do atual regime da Jordânia e para a entrega do poder a oeste do rio.26
à maioria palestina.25
O programa de Oded Yinon segue o padrão impe-
Terra deserta com poucos recursos, muito de- rial tradicional de “dividir para dominar”. Por exemplo, o
pendente do dinheiro saudita e da proteção militar norte- Líbano transformou-se em alvo pela primeira vez em 1919.
americana e israelense, a monarquia hachemita jordaniana A guerra utilizada como camuflagem foi o pré-requisito
é escassamente soberana. Seu domínio sobre a maioria pa- para a consumação desses esquemas, a curto ou a longo
lestina que vive nos acampamentos é draconiano, mesmo prazos. O neocolonialismo continua sendo o método pre-
que os palestinos tenham algum controle sobre os serviços ferido da dominação imperial porque as ocupações expan-
dos campos. Os palestinos não têm direito à expressão po- dem e suprem as dificuldades de dominação do imperialis-
lítica e quando Israel os deporta da Cisjordânia e de Gaza, mo, como bem sabia Che Guevara.
a polícia jordaniana os obriga a apresentar-se todos os dias, Os sionistas, em particular, com sua população
além de hostilizá-los e submetê-los a abusos. relativamente pequena e a sua total dependência em re-
A eliminação do regime hachemita deverá ser lação ao imperialismo norte-americano, somente podem
acompanhada pelo que Jabotinsky, citando Hitler em executar seus planos de domínio israelense mediante me-
1940, chamou eufemisticamente de “transferência de canismos neocoloniais no Oriente Árabe e estes requerem
população”. apoio de seu mestre imperial.
Em relação a isso, o esquema de Oded Yinon é
A mudança de regime ao leste do rio levará também ao fim a aplicação ao presente e ao futuro imediato do projeto
do problema dos territórios densamente povoados de árabes sionista defendido por Herzl, Weizman, Jabotinsky, Ben
a oeste do Rio Jordão. Com guerra ou em condições de paz, Gurion e, hoje, por Peres e Shamir. Os que querem esta-
a emigração dos territórios e o congelamento demográfi- belecer distinções entre eles pretendem que os palestinos
co e econômico dos mesmos são a garantia para as futuras façam uma escolha entre a peste e a cólera, porque as dis-
mudanças em ambas as margens do rio, e teremos de tra- cussões entre os dirigentes sionistas se centram nos meios
balhar ativamente para acelerar esse processo num futuro e ritmos de execução de um plano de conquista.
imediato. Assim, por exemplo, quando Moshe Dayan tomou
Há de se rechaçar, também, o plano de autonomia, assim Gaza em 1956, Ben Gurion se irritou, dizendo-lhe: “Eu
como qualquer acordo ou divisão dos territórios... não é pos- não queria Gaza com gente, mas sim Gaza sem gente, Ga-

25.  Ibid., pp. 9-10. 26.  Ibid., p. 10.

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liléia sem gente.” O próprio Moshe Dayan disse à juventu- Os quatro “não”
de sionista, em assembléia nas Colinass de Golã em julho
de 1968: “Nossos pais chegaram às fronteiras reconhecidas As idéias de Yinon não têm nada de muito surpreendente.
no plano de partilha; a Guerra dos Seis Dias permitiu-nos Elas são defendidas por Sharon e o ministro de Defesa de
chegar a Suez, ao Jordão e às Colinas de Golã. Isso não Begin, Moshe Arens, e também pelo Partido Trabalhista.
é o final. Depois das atuais linhas de cessar-fogo, haverá Y’ben Poret, alto funcionário do Ministério de
outras. Elas se expandirão para além do Jordão... até o Lí- Defesa israelense, irritou-se em 1982 pelas humildes críti-
bano... e também até o centro da Síria.” 27 cas que estavam sendo feitas em relação à multiplicação de
Mas a dominação neocolonial depende, como assentamentos na Cisjordânia e em Gaza:
deixa claro Oded Yinon, da relação dialética entre o poder
militar e os agentes contratados. A fragmentação dos Esta- Já é hora de arrancar o véu da hipocrisia. Nem hoje nem no
dos árabes será desenvolvida sob a camuflagem da guerra passado há sionismo, nem há colonização, nem Estado judeu
– seja através de ataques rápidos e fulminantes (blitzkrieg), sem a remoção de todos os árabes, sem a confiscação.29
da utilização de uma força armada que trabalhe para Israel­
ou de operações secretas. Em última instância, o êxito A plataforma política do Partido Trabalhista, em
requer dirigentes locais que possam ser comprados ou 1984, foi publicada em anúncios de página inteira nos dois
enganados. principais jornais israelenses, Ma’ariv e Ha’aretz. As man-
Os sionistas, portanto, nos ofereceram reitera- chetes desses anúncios enfatizavam os “Quatro Não”:
damente não somente o seu próprio Mein Kampf  28, mas
também a prova de que a preservação e a extensão de sua • Não a um Estado Palestino;
dominação dependem dos maus dirigentes dos povos-víti- • Não às negociações com a OLP;
ma. O mecanismo de “dividir para dominar” do sionismo • Não ao retorno às fronteiras de 1967;
e seu patrono imperial não tem fim. Se as massas pales- • Não à remoção de qualquer assentamento.
tinas e árabes desejam resistir e se opor a esses planos de
conquista, elas terão de eliminar os regimes corruptos que O anúncio propunha um incremento do número
vendem as aspirações populares. Elas terão de forjar uma de assentamentos na Cisjordânia e em Gaza, dotando-lhes
direção revolucionária que fale abertamente sobre o papel de todos os meios financeiros e de proteção necessários.
desses governos, que denuncie os planos sionistas e mostre Em 1985, o presidente de Israel, Chaim Herzog,
a determinação de levar essa luta a toda a região. dirigente do Partido Trabalhista, fez eco aos sentimentos
de Sharon e Shamir, enfatizados por Oded Yinon.
27.  Sunday Times, Londres, 25 de junho de 1969.
28.  Minha Vida, autobiografia de Hitler. N. do T. 29.  Israel Mirror, Londres.

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Nós certamente não queremos fazer, de forma alguma, dos respondente diplomático do jornal israelense Davar – e Dan
palestinos nossos parceiros em uma terra que foi sagrada Raviv – correspondente da CBS News, em Londres – revela-
para nosso povo durante milênios. Ninguém pode comparti- ram que, apenas duas semanas após o fim da guerra de junho
lhar essa terra com os judeus.30 de 1967, foram convocadas reuniões secretas do gabinete is-
raelense para discutir o “re-assentamento dos árabes”. A in-
Inclusive no que toca ao acordo de Camp David, formação foi obtida a partir do diário particular mantido por
um Bantustão em partes da Cisjordânia e de Gaza seria so- Ya’acov Herzog, diretor-geral do escritório do primeiro-mi-
mente o prelúdio para a próxima “dispersão”. Forçar dois nistro. A transcrição oficial da reunião permanece secreta.
milhões e meio de palestinos a ir para a Jordânia seria outra De acordo com o artigo do Post, o primeiro-minis-
medida intermediária, pois o lebensraum israelense (a infa- tro Menachen Begin recomendou a demolição dos campos
me expressão de Hitler, que significa “espaço vital”) não de refugiados e a transferência dos palestinos para o Sinai.
seria limitado pelo rio Jordão. O ministro das Finanças, Pinhas Sapir, e o ministro das
Relações Exteriores, Abba Eban, ambos trabalhistas sio-
Em qualquer futura situação política ou constelação mili- nistas, discordaram. Eles clamavam pela transferência de
tar, tem de ficar claro que a solução do problema dos na- todos os refugiados para os “países árabes vizinhos, princi-
tivos árabes acontecerá somente quando eles reconhecerem palmente a Síria e o Iraque”.
a existência de Israel em fronteiras seguras no rio Jordão e A reunião ministerial de 1967 não chegou a uma
mais além deste, como nossa necessidade existencial nesta decisão.
época difícil, a época nuclear em que breve entraremos.31
[grifos nossos] Havia um sentimento a favor da proposta do vice-primeiro-
ministro, Yigal Allon, que defendia que os palestinos (...)
Transferência da população palestina deveriam ser transportados para o deserto do Sinai, afirma
o artigo do Post. Conseqüentemente, o gabinete do primei-
As idéias de Yinon também ecoaram em uma importan- ro-ministro, o Ministério da Defesa e o exército, conjun-
te história publicada na primeira página do jornal The Wa- tamente, montaram uma unidade secreta com a tarefa de
shington Post, em 7 de fevereiro de 1988, sob o título “Ex- “encorajar” a partida dos palestinos para o exterior.
pulsando os palestinos: não é uma idéia nova e, também,
ela não é só de Kahane”. O plano secreto foi revelado por Sharon, diante de
Dois jornalistas israelenses, Yossi Melman – cor- uma platéia, em novembro de 1987, quando ele desvelou a
existência de uma “organização” que, por anos, havia transfe-
30.  Yosi Berlin, Meichuro Shel Ichud, 1985, p. 14. rido palestinos para outros países, incluindo o Paraguai, go-
31.  Shahak, The Zionist Plan. verno com o qual Israel havia feito os arranjos necessários.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Essas “transferências” foram feitas pelo escritório nia] foi considerada para tal, como demonstra um plano
do governo militar israelense em Gaza. Quando um dos apresentado, em março de 1988, em um anúncio de página
transferidos, Talal Ibn-Dimassi, atacou o Consulado de Is- inteira que republicava uma coluna escrita por George Will
rael em Assunção, no Paraguai, matando o secretário do na qual a Jordânia era igualada à Palestina.32
Cônsul, as complicações vieram à tona: Os sionistas trabalhistas e revisionistas estavam
unidos na necessidade de transferir palestinos para qual-
O ataque no Paraguai põe um abrupto final ao plano secreto quer outro lugar. Vladimir Jabotinsky verbalizou os vários
de Israel, com o qual o governo esperava resolver o problema esforços feitos desde a Primeira Guerra Mundial em uma
dos palestinos, através da exportação dos mesmos, afirma o carta escrita em novembro de 1939:
artigo do Post.
Mais de um milhão de pessoas estavam na mira da Nós deveríamos instruir a comunidade judaica norte-ameri-
“transferência”. Somente mil foram efetivamente enviadas. cana para arrecadar meio milhão de dólares para que o Ira-
Melman e Raviv enfatizam que a re-alocação de pa- que e a Arábia Saudita possam absorver os árabes palestinos.
lestinos não é algo novo, “como as discussões ministeriais de Não há outra chance: os árabes devem abrir o espaço para
1967 demonstram”. Eles afirmam que um esquema similar a que os judeus ocupem o Eretz Israel. Se foi possível transferir
esse seria atrativo para um número crescente de israelenses “na os povos da península báltica, também será possível remover
medida em que eles presenciam o recente levante na Cisjordânia e os árabes palestinos
em Gaza”.
Por volta de 1947, os sionistas trabalhistas e revi-
Uma opção há muito considerada sionistas se juntaram para expulsar 800 mil palestinos. Em
1964, um jovem coronel israelense chamado Ariel Sharon
Autores reconhecem que a remoção de palestinos tem sido instruiu seu pessoal a determinar “quantos ônibus, peruas
um tema central nos planos sionistas desde o início do mo- e caminhões seriam necessários em caso de guerra para
vimento. Eles escreveram: transportar (...) os árabes para fora do norte de Israel.”
Em 1967, os comandantes militares israelenses
Desde os primeiros dias do sionismo, o re-assentamento tem começaram o processo.
sido uma opção para lidar com o problema colocado pela enor-
me população árabe localizada na terra histórica de Israel. Um general mandou escavadoras mecânicas para demolir
três povoados árabes próximos a Latrun, no caminho para
Melman e Raviv relatam uma série de esquemas Jerusalém, expulsando seus habitantes.
que foram planejados para efetivar a remoção do povo pa-
lestino. A margem leste do rio Jordão [o Estado da Jordâ- 32.  New York Times, 27 de março de 1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Tal ordem de expulsão foi expedida para a cidade China, destinados a ameaçar o Irã. A declaração israelense
de Qalqilya, na Cisjordânia, e então cancelada. foi levada extremamente a sério pelos sauditas, pelo presi-
Desde que a Intifada começou, em dezembro de dente Mubarak do Egito e pelo Governo Reagan, levando a
1987, Michael Dekel, do Likud, têm conclamado para que uma “atividade diplomática alvoroçada”.
“os árabes sejam transferidos” e Giddeon Patt, um ministro A edição de 23 de março de 1988 relata:
do Partido Liberal, declarou que os palestinos deveriam
ser colocados em caminhões e levados para a fronteira. O Governo Reagan expressou sua preocupação de que Israel
Melman e Raviv concluem com este prognóstico: não conduza qualquer tipo de ataque preventivo aos mís-
seis de fabricação chinesa adquiridos pela Arábia Saudita
A mensagem de Kahane – expulsão dos palestinos ou o (...) Israel não deu uma resposta definitiva para os apelos
risco de perder o controle das terras de Israel – continua do Governo para frear o ataque aos mísseis sauditas. Os
sendo uma idéia potente. E, na falta de uma solução política mísseis (...) foram discutidos durante a visita de Shamir a
para o problema palestino [sic] , Israel pode se ver empurra- Washington­, na semana passada.
do rumo a medidas desesperadas.
Dois dias após a declaração de Ben Aharon, Hosni­
Um aviso de Sharon Mubarak avisou Israel de que o Egito “reagiria de forma
‘firme e decisiva’ a qualquer ataque de Israel aos novos
É nesse contexto que a declaração de Ariel Sharon, em 24 mísseis de médio alcance adquiridos pelos sauditas, como
de março de 1988, deve ser entendida. Sharon afirmou se o ataque fosse realizado contra o próprio Egito.” 33
que se o levante palestino continuasse, Israel deveria fa- Essa declaração foi seguida de uma segunda, na
zer guerra contra os seus vizinhos árabes. A guerra, dis- qual Mubarak descrevia uma “crise que se aprofundava”.
se Sharon­, iria criar as “circunstâncias” para a remoção de
toda a população palestina de Israel, da Cisjordânia e da Mubarak disse aos repórteres que ele se preocupou enorme-
Faixa de Gaza. mente com os relatos de que Israel estava considerando um
Fica mais do que claro que essas não são observa- ataque aéreo preventivo para destruir os mísseis... “Isso é
ções despropositadas ou exclusivas de Sharon, por exem- grave, muito grave. Um ataque de Israel (...) iria detonar
plo, quando Yossi Ben Aharon, diretor-geral do escritório todo o processo de paz. Eu alerto contra qualquer ataque à
do primeiro-ministro, declarou em Los Angeles: “Israel Arábia Saudita, que é um país irmão e amigo”.34
adquiriu a reputação de não esperar até que um perigo em
potencial se torne um perigo real.”
Ben Aharon estava se referindo à aquisição, pela 33.  The Washington Post, 7 de fevereiro de 1988.
Arábia Saudita, de mísseis “bichos-da-seda”, oriundos da 34.  Ibid.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Essas respostas públicas do presidente Mubarak Poucos países na história foram tão dependentes de um outro
indicam que a possibilidade de uma aventura israelense, como o é Israel em relação aos Estados Unidos. As principais
com intenção de fornecer a camuflagem para a expulsão armas de Israel são dos Estados Unidos – em forma de pre-
dos palestinos e a fragmentação da Arábia Saudita, o pro- sentes ou de empréstimos a longo prazo e juros baixos, que
vedor dos regimes árabes, não é despropositada. poucos acreditam seriamente serem pagos algum dia.
O timing da história do artigo do The Washington A sobrevivência de Israel é subscrita e subsidiada por Wa-
Post de 7 de fevereiro de 1988 não é fortuito. As autorida- shington. Sem as armas norte-americanas, Israel perderia a
des israelenses não têm outra resposta ao levante do povo vantagem quantitativa e qualitativa que o presidente Reagan
palestino senão intensificar a repressão. prometeu manter. Sem o subsídio econômico, o crédito israe-
lense se desvaneceria e sua economia entraria em colapso.
Israel e o poder dos Estados Unidos Em outras palavras, Israel somente pode fazer o que Wa-
shington permite que ele faça. Israel não ousa realizar uma
Se o povo palestino enfrenta a possibilidade da destruição, só operação militar sem o consentimento tácito de Washing-
organizada por Israel, de sua existência, um fato tem de ser ton. Quando Israel empreende uma ofensiva militar, o mun-
destacado: o Estado sionista não é senão a extensão do po- do supõe, com razão, que ele conta com o consentimento
der dos Estados Unidos na região. Os planos israelenses de tácito de Washington.
extermínio, ocupações e extensões territoriais são feitos
em nome do principal poder imperialista do mundo. O Estado de Israel não é co-extensivo com os ju-
Sejam quais forem as divergências táticas que de deus como um povo. Historicamente, o sionismo foi uma
vez em quando surgem entre Israel e os Estados Unidos, ideologia minoritária entre os judeus. Um Estado não
nenhuma campanha sionista pode sustentar-se sem o res- é nada mais do que um aparato que impõe relações eco-
paldo de seu principal patrocinador. Entre 1949 e 1983, o nômicas e sociais específicas. É uma estrutura de poder
governo dos Estados Unidos entregou 92,2 bilhões de dó- e seu objetivo, mesmo que disfarçado, é obrigar e impor
lares em ajuda militar e econômica, empréstimos, doações obediência.
especiais e “bônus” fiscalmente dedutíveis.35 Se, por exemplo, o Estado de apartheid da África
Como Joseph C. Harsh afirmou na edição de 5 de do Sul tivesse seu território reduzido em três quintos e sua
agosto de 1982 do The Christian Science Monitor: população cortada em dois terços, ele não seria nem um
pouquinho menos injusto. Um Estado opressivo é inacei-
35.  Para uma análise completa do relacionamento financeiro entre
tável, seja ele responsável por um selo postal ou um conti-
os Estados Unidos e Israel ver Mohammed el Khawas e Samir Abed nente. O regime de Namphy, no Haiti, não é menos repug-
Rabbo, American Aid to Israel: Nature & Impact, Brattleboro Vt., Amana nante devido ao relativo tamanho reduzido de seu país ou
Books, 1984. da população que ele governa.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Nossa atitude em relação a um Estado que explora dar para travar a guerra contra uma tirania monstruosa,
e humilha seu povo não está condicionada à extensão de sem paralelos no sinistro e lamentável catálogo de crimes
sua soberania. Nós sabemos que isso é válido para o Para- humanos. Esta é nossa política.
guai de Stroessner ou para a Bulgária de Zhvikov. E não é Vocês perguntam: “Qual é nosso objetivo?” Eu respondo com
menos verdadeiro para o Estado sionista de Israel. uma só palavra: a vitória. A vitória a todo custo. A vitória
Ainda que o Estado de apartheid de Israel estivesse apesar de todo o terror. A vitória por mais longo e duro que
ancorado num barco diante de Haifa, seria ultrajante. O possa ser o caminho. Porque sem a vitória para nós não há
mesmo se aplica ao Estado sul-africano, ao Chile de Pino- sobrevivência, que fique claro isto, não haverá sobrevivência.
chet ou ao Estado norte-americano (dirigido por 2% da Estou seguro de que nossa causa não fracassará e me sinto
população que controla 90% da riqueza nacional): não lhes legitimado para exigir a ajuda de todos.
devemos nenhuma lealdade.
E uma semana mais tarde declarava:
Sangue, suor e lágrimas
Defenderemos nossa ilha custe o que custar. Nós lutaremos
Há cerca de 50 anos, um orador respondia não à ocupação em nossas praias. Lutaremos nos campos de aterrissagem.
de seu país ou à liquidação de três quartos de suas cidades e Lutaremos nos campos. Lutaremos nas ruas. Lutaremos nas
povoados. Ele não estava reagindo a um massacre, a encar- montanhas. Nós nunca nos renderemos. E, ainda no caso,
ceramentos maciços, a acampamentos de detenção e tortu- que nem por um momento quero acreditar, de que esta ilha
ra. Ele não clamava contra o roubo da terra e da proprie- fosse subjugada e massacrada, continuaríamos a lutar.
dade de todo um povo e sua transformação, da noite para
o dia, em refugiados pauperizados que vivem em tendas O que faz com que seja permitido para o chefe
em acampamentos, perseguidos e caçados onde quer este- do Raj imperial, Winston Churchill, expressar esses sen-
jam. Ele não estava denunciando uma experiência difícil, timentos – mas faz com que eles sejam ilícitos para o povo
de quarenta anos, pontuada por constantes bombardeios, palestino de hoje? Nada, a não ser o racismo endêmico que
invasões e novas dispersões. Ele estava apenas respondendo obscurece a consciência de nossa sociedade.
a umas poucas semanas de bombardeios esporádicos, como Winston Churchill era o porta-voz beligerante do
ele afirmava de forma memorável: imperialismo britânico, em particular no mundo palesti-
no e árabe. Se Churchill pôde ter a permissão para fazer
Não tenho nada mais para lhes oferecer a não ser sangue, demagogicamente um chamado a resistir à agressão e ao
suor e lágrimas. Vocês me perguntam: “Qual é nossa políti- ataque, ainda maior é a legitimidade do povo palestino para
ca?” E eu digo que é travar uma guerra, por terra, mar e ar. se defender – para lutar contra a ocupação, para combater
Com toda nossa força e com toda a força que Deus nos possa por sua sobrevivência e pela justiça social.

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Capítulo 13. Uma estratégia para a
    revolução

Na África do Sul existem mais de cinco milhões de colonos


de origem européia. A população africâner e a de ascen-
dência britânica já está há várias gerações morando na Áfri-
ca do Sul. Mas, mesmo assim, muito pouca gente, a não ser
os que são partidários da autodeterminação dos negros na
África do Sul, propõem que se estabeleçam dois Estados:
um Estado europeu branco com a segurança garantida por
um Estado africano desmilitarizado.
Na realidade, é precisamente a existência de um
tal arranjo na forma de bantustões na África do Sul que
tornou esse disfarce totalmente indefensável para a manu-
tenção da dominação racista.
De forma parecida, na Argélia colonial e na atual
Zâmbia (Rodésia do Norte) e no atual Zimbábue (Rodésia
do Sul), os inúmeros colonos europeus – muitos dos quais
descendentes de gerações de colonos – não receberam a
concessão de um status separado, muito menos um Estado
colonial nas terras arrancadas aos oprimidos.
Ao contrário, na África do Sul – assim como na
Argélia, em Zâmbia ou no Zimbábue – entende-se que a
autodeterminação de um povo colonizado não pode ser
equacionada com um Estado colonial. É um truque barato

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

sugerir que, tendo espoliado uma população pela força, os O fato de que os palestinos aceitem, reconheçam
colonizadores têm, depois, o mesmo direito sobre o terri- e com isso legitimem a conquista assassina de sua terra só
tório conquistado. permitiria que os sionistas sustentassem que os 40 anos de
Se isso é admitido universalmente em todos os intransigência dos oprimidos são os responsáveis pelo seu
lugares, porque ao chegarmos em Israel há uma exceção próprio sofrimento. Isto iria apenas sancionar a pretensão
indecente? de que Israel é, desde o começo, uma construção legítima.
Aqueles que querem impingir aos palestinos a Ao invés de servir como uma ponte em direção ao
exigência de que eles reconheçam um Estado israelen- estabelecimento de uma Palestina unitária, como alguns
se de apartheid, sabem muito bem que os direitos nacio- dos dirigentes da OLP afirmam atualmente, a formação de
nais de um povo colonizado não podem ser aplicados aos um “mini-Estado” na Cisjordânia – e o reconhecimento de
colonizadores. um Estado sionista, que é pré-condição para a formação
Em Israel, da mesma forma que na África do Sul, deste mini-Estado – significaria um gigante obstáculo ao
a mínima justiça exige o desmantelamento do Estado de processo.
apartheid e sua substituição por uma Palestina democrática O reconhecimento de Israel invalidaria, retros-
e laica, onde a cidadania e os direitos não estejam determi- pectivamente, o direito de resistência dos oprimidos e da-
nados por critérios étnicos. ria cobertura à exigência sionista de que somente os pales-
Na verdade, os supostos defensores dos direitos tinos que capitularam e, no passado, encorajaram Israel,
humanos palestinos que se apressam em aceitar o reconhe- aceitando sua legitimidade, têm o direito de negociar com
cimento do Estado de Israel, mesmo que de forma disfar- Israel. Quando você dança com o diabo, sua fala revela o
çada, sempre estarão agindo como advogados do Estado hálito demoníaco.
colonial estabelecido na Palestina. Sua defesa carrega uma O que aconteceria com os palestinos que vi-
cobertura de pseudo-esquerda de autodeterminação para vem dentro das fronteiras de 1967 e com os próprios
“ambos” os povos, mas esse uso enganoso do princípio da judeus?Acabaria o apartheid na África do Sul ou o Estado
autodeterminação equivale a um pedido camuflado de seria transformado, com o reconhecimento de seu direito a
anistia para Israel. existir? Iríamos defender os interesses do povo do Paraguai
Muitos dos chamados realistas argumentam que o ou do Chile aceitando as reivindicações de legitimidade de
reconhecimento, por parte dos palestinos, do “direito” do Stroessner ou Pinochet, ou sancionando os Estados que
Estado de apartheid de Israel de existir fará com que se apro- eles construíram?
xime mais rapidamente o dia em que os sionistas permitirão
a existência de um Estado palestino. Mas este raciocínio Conferência internacional de paz
não é muito convincente. Os sionistas não confiam na acei-
tação formal de seu Estado, mas sim nas Forças Armadas. Apesar de serem óbvias as respostas a essas perguntas, exis-

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

te, no entanto, um número crescente de pessoas que defen- conferência internacional sobre a paz no Oriente Médio,
dem, hoje, ativamente, uma conferência internacional de ele reconhecerá o direito de Israel existir. A Casa Branca
paz para o Oriente Médio, com o objetivo de estabelecer disse que isto constituía um sinal alentador (...).”
um “mini-Estado” palestino junto ao Estado de Israel.
No dia 10 de janeiro de 1988, por exemplo, o Al- Um Estado palestino “frouxo”
Fajr, semanário palestino de Jerusalém, publicou um anún-
cio assinado por destacados judeus e árabes que defendem George Ball, que foi subsecretário de Estado nos mandatos
“uma solução pacífica para o conflito israelo-palestino”, Kennedy e Johnson, explicitou como os Estados Unidos e
que “garantisse os direitos nacionais tanto israelenses quan- Israel deveriam lidar com uma conferência internacional de
to palestinos”. paz. O artigo de Ball, cujo título é “A paz de Israel depende
Em 18 de janeiro, em uma entrevista ao serviço de um Estado para os palestinos”, afirma o seguinte:
de imprensa da Reuters, Hanna Siniora, editora do Al Fajr,
especificava como os “direitos nacionais” israelenses e pa- A preocupação de Israel com sua segurança poderia ser satis-
lestinos poderiam ser garantidos nessa conferência de paz feita, em grande medida, através da redação de um tratado
internacional. Siniora defendeu “uma associação entre Is- formal, com salvaguardas limitadoras e compulsórias, que
rael, Jordânia e um Estado palestino, similar àquela dos impeçam que o novo Estado [palestino] tenha qualquer tipo
países do Benelux – com uma Cisjordânia desmilitarizada de Forças Armadas próprias e limitem o número e os tipos de
como em Luxemburgo”. armas que possam ser usadas por sua polícia.
“Os palestinos, incluindo Arafat, aceitariam a au- Como salvaguarda adicional, o acordo poderia incluir a ins-
tonomia como passo intermediário para a independência”, talação de postos de vigilância mais amplos, numerosos e
dizia Siniora. “A autonomia é um passo que poderia levar, efetivos do que os em funcionamento atualmente na Síria,
posteriormente, às negociações entre o Estado de Israel e a resultados de um acordo de paz de Israel com o Egito.
OLP, um processo que chegaria ao fim com o surgimento
de um Estado palestino.” Ball explica que estabelecer o que ele abertamente
Siniora reuniu-se com o secretário de Estado Ge- admite ser um “Estado palestino frouxo na Cisjordânia” é
orge Shultz, em Washington, em 28 de janeiro, para discu- uma questão de urgência. “Se os Estados Unidos não se
tir esta proposta. Esta reunião ocorreu somente dias depois empenharem seriamente em conciliar as partes”, adverte
de o presidente da OLP, Yasser Arafat, ter anunciado que Ball, “a guerra na Terra Santa se estenderá e se intensifica-
tinha interesse em chegar a um acordo com Israel e com os rá; cedo ou tarde os Estados árabes vizinhos – inclusive o
Estados Unidos. Um despacho da Associated Press, de 17 Egito – se verão arrastados por esse redemoinho.”
de janeiro, explicava a oferta de Arafat: “Arafat disse que
se esses países [Israel e os Estados Unidos] aceitarem uma .  Los Angeles Times, 17 de janeiro de 1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

O redemoinho que esse porta-voz imperialista Um exemplo revelador dos perigos para a revolu-
tanto teme é a emancipação das massas árabes da região do ção palestina colocados pela proposta de um “mini-Esta-
Estado colonial de ocupação israelense; dos xeques feudais do” pode ser dado pelos escritos de Jerome M. Segal, um
do Golfo e da Península Arábica; do regime do Egito, que pesquisador da Universidade de Maryland e fundador do
reduziu os operários e camponeses egípcios a um nível de Comitê Judeu pela Paz entre Israel e Palestina.
pobreza desconhecido inclusive no tempo de rei Faruk. Segal, que representa a ala “esquerda” do movi-
Uma conferência internacional destinada a legiti- mento sionista, escreveu o seguinte na edição de 16 de fe-
mar os interesses de segurança do apartheid israelense em vereiro de 1988 do jornal Los Angeles Times, em um artigo
troca de um “Bantustão” palestino não pode ser viável salvo intitulado “Um Estado palestino também serve aos interes-
que uma direção palestina dê ao plano uma tintura pro- ses israelenses”:
tetora. Uma solução assim não faria senão confiar à OLP
a tarefa nada invejável de policiar o povo palestino e de Ironicamente, dentre todas as alternativas, a existência de
converter a autodeterminação em outra triste réplica de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza é a solução
regimes que venderam seus próprios países e flagelam as que melhor serviria à segurança israelense (...).
massas árabes – da Jordânia à Síria e do Egito ao Golfo. Um Estado palestino seria a satisfação mais completa das
Há alguns anos, não muitos, nenhum nacionalista reivindicações do nacionalismo palestino (...) Isso teria o
palestino ousaria associar-se a uma tentativa tão descarada apoio da OLP e se constituiria na única base sobre a qual
de trair longos anos de luta pela autodeterminação e eman- a OLP formalmente abandonaria o direito de retornar às
cipação palestina, muito menos em transformar a causa terras e vilarejos perdidos em 1948. Como a corporificação
palestina num pleito por uma participação na manutenção reconhecida da causa palestina, só a OLP pode fazer uma
do status quo da região – com sua agonizante pobreza, im- solução de compromisso em nome dos palestinos (...).
placável exploração e subordinação ao controle dos Estados Um Estado palestino seria um mini-Estado desmilitarizado.
Unidos. Seria um Estado completamente cercado por Israel, por um
Aqueles que argumentam que é prático propor lado, e pelo rio Jordão, pelo outro. Nenhum tipo de supri-
uma solução composta por dois Estados porque esse pla- mento ou forças militares poderia chegar até ele sem passar
no seria aceito com mais facilidade, são culpados, decên- através de Israel e da Jordânia.
cia à parte, do que C. Wright Mills chamou de “realismo A política externa de tal mini-Estado seria dominada por
demente”. seus laços com a economia israelense e pelas condições con-
Nunca houve algum membro do movimento sio- cretas de sua segurança nacional. No caso de guerra, sua
nista – desde a chamada “direita” até a autodenominada própria existência estaria em risco (...) Israel nunca seria
“esquerda” – que aceitasse que os palestinos tenham algu- seriamente ameaçado, caso as hostilidades explodissem
ma forma de Estado compatível com a autodeterminação. (...) .

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Para Israel, um Estado palestino não é uma perspectiva formado, o movimento de resistência palestino formulou
muito atraente. É simplesmente melhor do que as demais sua reivindicação por autodeterminação, através do cha-
alternativas. mado à substituição do Estado israelense por uma Palestina
unitária e independente.
A defesa de Segal para aquilo que seria um “Estado A ala majoritária da Organização pela Libertação
palestino frouxo na Cisjordânia” é apenas uma zombaria da da Palestina, o Fatah, apresentou um programa em defesa
autodeterminação palestina. do estabelecimento de uma “Palestina democrática e laica”.
Na verdade, longe de estarem dispostos a deixar Esta palavra de ordem conclamava pelo desmantelamento
o controle da Cisjordânia e de Gaza, os sionistas – como do Estado sionista israelense e o estabelecimento de um
deixaram claro Ben Gurion, Dayan e Oded Yinon – estão novo Estado na Palestina, no qual judeus, cristãos e árabes
demasiado ocupados em tramar a conquista do Kuwait. viveriam como iguais, sem discriminação.
O dia em que os direitos africanos ou palestinos O que era notável nessa corajosa proposta era que:
forem assegurados através da legitimação do apartheid na (1) ela rejeitava categoricamente qualquer acomodação com
África do Sul ou de um Estado de Israel sob o controle nor- o Estado sionista ou seu reconhecimento; e (2) ela rejeitava
te-americano, será o mesmo dia em que Calígula será um a proposta de um “mini-Estado” palestino na Cisjordânia e
discípulo de Jesus; em que Hitler abraçará Marx e Bull Con- em Gaza.
ner cantará, com olhar celestial, “Juntos venceremos”. O presidente da OLP, Yasser Arafat descrevia essa
No entanto, os torturados, os agonizantes, os proposta da seguinte forma, em uma notável biografia es-
oprimidos não podem permitir-se às fantasias de seus “prá- crita pelo jornalista Alan Hart:
ticos” amigos reformistas; o preço de tais ilusões se paga
com sangue. O “Estado palestino frouxo” previsto por Nós estávamos dizendo “não” ao Estado sionista, mas “sim”
George­ Ball existiria para os privilegiados, sobre os lombos ao povo judeu da Palestina. A eles dissemos: “Vocês são bem-
dos pobres palestinos. Os dirigentes palestinos que acei- vindos a viver em nossa terra, mas com uma condição – vocês
tarem essa entidade artificial – calcada nos exemplos dos devem estar preparados para viver entre nós como iguais, não
emirados dependentes do Golfo e dos bantustões sul-afri- como dominadores”.
canos – se converterão nos Chiang Kai-Cheks, nos Tshom- Eu mesmo sempre disse que só há uma garantia para a sal-
bes, nos reis Hussein da dolorida Palestina. Os direitos do vação e a segurança do povo judeu na Palestina – e ela é a
povo palestino jamais avançarão desta forma. amizade dos árabes entre os quais eles vivem.

Por uma Palestina democrática e laica


.  Citado em Alan Hart, Arafat: Terrorist or Peacemaker, Sidgwig and
Em 1968, 20 anos depois que o Estado colonial de Israel foi Jackson, edição revisada, p. 275.

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Um documento apresentado pela organização de O papel da burocracia soviética


Arafat, o Fatah, ao Segundo Congresso Mundial sobre a
Palestina, em setembro de 1970, precisa ainda mais cla- A burocracia soviética reagiu severamente à tentativa do
ramente o perfil de uma Palestina democrática e laica. O Fatah de transformar a OLP em um movimento revolu-
documento do Fatah, de 1970, afirma: cionário com um programa e uma estratégia direcionados
para a mobilização das massas para ganhá-las para a trans-
O território da Palestina pré-1948 – como definido sob o formação revolucionária do regime colonizador.
mandato Britânico – é o território a ser liberado (...) De- Segundo Alan Hart, cuja biografia de Arafat foi
veria ser óbvio, a estas alturas, que a nova Palestina discu- “escrita em cooperação com Yasser Arafat e os principais
tida aqui não é a Cisjordânia ocupada ou a Faixa de Gaza, dirigentes da OLP”, os líderes soviéticos disseram a Arafat
nem ambas. Essas são as áreas ocupadas pelos israelenses em que estavam completamente comprometidos com a exis-
junho de 1967. A pátria dos palestinos, usurpada e coloni- tência do Estado de Israel e que não tinham a menor in-
zada em 1948, não é menos importante nem menos querida tenção de apoiar ou encorajar a militância ou a capacitação
que a parte ocupada em 1967. militar dos palestinos.
Além disso, a própria existência do Estado racista opressor de Dois dos principais dirigentes do Fatah, Khalid al-
Israel, baseada na expulsão e no exílio forçado de parte de seus Hassan e Khalil al-Wazir (Abu Jihad), foram a Moscou para
cidadãos, ainda que fosse numa pequena aldeia, é inaceitável explicar o programa do Fatah. Eles saíram de Moscou, nas
para a revolução. Qualquer arranjo que busque acomodar o palavras de Khalid al-Hassan, “com a clara impressão de
Estado colonial agressor é inaceitável e temporário (...). que os palestinos não iriam receber apoio soviético para
Todos os judeus, muçulmanos e cristãos que vivem na Pales- sua causa até que eles estivessem prontos para aceitar a
tina ou que foram exilados dela pela força terão direito à ci- existência de Israel nos limites estabelecidos pelas frontei-
dadania palestina (...) Isso significa que todos os judeus pa- ras existentes na véspera da Guerra dos Seis Dias [junho de
lestinos – atualmente israelenses – têm os mesmos direitos, 1967] .” 
na medida em que, obviamente, eles rechacem o chauvinismo
racista sionista e aceitem plenamente viver como palestinos Porque nós próprios estávamos começando a aprender sobre
em uma nova Palestina (...) A revolução está convencida de a realidade da política internacional, afirma Hani al-Has-
que a maioria dos atuais judeus israelenses mudará de ati-
tude e assumirá a nova Palestina, sobretudo uma vez que o
York, Merit Pamphlet, Pathfinder Press, 1971. A declaração completa
aparato oligárquico do Estado e as instituições econômicas e de Arafat também foi publicada na edição de 16 de outubro de 1970 do
militares sejam destruídas. jornal do The Militant.
.  Hart, p. 279.
.  Citado em Documents of the Palestinian Resistance Movement, Nova .  Ibid., p. 277.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

san, irmão de Khalid, nós percebemos que não poderíamos Arafat e a maioria de seus companheiros mais graduados na
esperar qualquer avanço em nossa causa sem o apoio de ao direção sabiam que eles precisavam de tempo para vender
menos uma das duas superpotências. Nós havíamos batido essa idéia à base do movimento de libertação. Se, em 1974,
na porta dos Estados Unidos e de seus aliados ocidentais e Arafat e seus companheiros tivessem admitido abertamente
não havíamos recebido resposta, então nós queríamos tentar a verdadeira extensão do acordo que eles estavam prontos a
com os soviéticos. Nós não tínhamos outra opção. fazer, eles teriam sido repudiados e rejeitados por uma
maioria tranqüila dos palestinos.”   [grifo nosso]
Recuo à posição do “mini-Estado”
Arafat havia embarcado em um curso no qual ele
Os dirigentes do Fatah rapidamente perderam toda con- não poderia mais contar a verdade ao seu próprio povo so-
fiança na possibilidade de manter o programa político que bre a linha política que ele e seus companheiros haviam
anteriormente haviam levantado – o que defendia uma Pa- adotado. As palavras são do próprio Arafat:
lestina democrática e laica pela qual eles haviam planejado
lutar através da mobilização das massas palestinas e judias. Nossa tragédia naquela época era que o mundo se recusava
Em fevereiro de 1974, um documento da OLP foi a entender que havia dois aspectos, dois lados, na questão
formulado com um recuo em relação a esse programa. O relativa àquilo que era possível ser feito. Primeiro, havia a
texto propunha “estabelecer uma autoridade nacional em questão do que era possível ser alcançado pelos palestinos,
quaisquer terras que possam ser arrancadas da ocupação em termos práticos – dado o fato que duas [grifo nosso]
sionista.”  superpotências estavam comprometidas com a existência de
Arafat e a maioria de seus companheiros do Fatah, Israel (...)
agora, estavam comprometidos em trabalhar por um “as- Mas também havia a questão relativa ao que a direção pa-
sentamento” negociado, o que exigia que o povo palestino lestina poderia fazer para persuadir o seu povo a aceitar.
aceitasse a perda, “para sempre”, de 70% de suas terras Quando um povo está reivindicando a devolução de 100%
originais em troca de um “mini-Estado” na Cisjordânia e de suas terras, não é fácil para a direção dizer “Não, você só
em Gaza. pode ter 30%”. 
Arafat reconheceu abertamente que a totalidade
da população palestina se opunha a essa política. Alan Hart A disparidade entre a postura pública e a prática
escreveu: privada tornou-se a pedra de toque da prática política da
OLP nesse período, resultando numa considerável confu-

.  Ibid., p. 278. .  Ibid., p. 379.


.  Ibid., p. 379. .  Ibid., p. 379.

234 235
Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

são e desmoralização entre os setores das massas. Arafat é Mas induzir a “esquerda” a concordar acabou mos-
franco sobre isso: trando ser algo como empurrar uma porta já aberta. E, à
época do Congresso Nacional Palestino de 1979, George­
Você me diz, e nisso está certo, que nossa posição pública Habash e a Frente Popular pela Liberação da Palestina
sobre o acordo que nós estávamos preparados a fazer era am- (FPLP) já tinham endossado o plano do ‘mini-Estado’. Na
bígua durante anos, enquanto nós estávamos educando nosso verdade, em 1979, todos os componentes da OLP já tinham
povo sobre a necessidade de tal acordo. Mas eu também devo adotado a defesa de um “mini-Estado” na Cisjordânia e em
dizer que nossa posição real sempre foi conhecida pelos go- Gaza. A partir de 1974 todas as alas da OLP demonstraram
vernantes do mundo, incluindo o governo de Israel. ser incapazes de formular uma estratégia independente e
Como? Desde 1974, até mesmo desde o fim de 1973, alguns revolucionária para a luta palestina.
do nosso povo foram autorizados a manter contatos secretos
com os israelenses e com gente importante do Ocidente. A Dirigir-se à classe operária judia
responsabilidade deles era dizer em segredo aquilo que,
naquela época, nós não poderíamos dizer em público.10 Como corretamente assinala o documento do Fatah de
[grifo nosso] 1970, o futuro da luta do povo palestino está vinculado a
uma estratégia política que se dirija aos judeus israelenses
Essa política clandestina foi conduzida por cinco e os chame a unirem-se aos palestinos numa luta por uma
anos, de 1974 a 1979, sem o conhecimento nem o endosso Palestina democrática e laica.
dos membros eleitos do Conselho Nacional Palestino. Ela Na verdade, dentro do Estado sionista, 68% da
requeria manobras diplomáticas e lobby. população colonizadora é composta por judeus orientais
Ela também exigia, citando Alan Hart, “deixar (sobretudo sefarditas). Eles vêm de países empobrecidos,
fora das manobras e enganar [na “esquerda” da OLP] aque- muitos deles com regimes retrógrados.
les que se opunham ao ‘mini-Estado’”. Hart explica: A grande massa de judeus orientais é pobre. Por-
tanto os meios utilizados para mantê-los submetidos eco-
Se ele tivesse sido colocado à prova com negociações concretas nômica e politicamente são os mesmo utilizados em qual-
com Israel, entre 1974 e 1979 (...) Arafat não poderia ter quer gueto, bairro ou área operária dos Estados Unidos ou
acordado a paz com base na fórmula do “mini-Estado” sem de qualquer outra parte.
provocar uma divisão na OLP. 11 Os judeus orientais têm os mesmos direitos sob a
lei israelense – em termos formais. Aqui está o problema:
em Israel, a partir da 9ª série existem taxas especiais que
10.  Ibid., p. 379. encarecem em muito o custo da educação no ensino mé-
11.  Ibid., p. 379. dio. Isso significa, na prática, que somente uma pequena

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

porcentagem de judeus orientais consegue chegar à educa- Quando os jovens judeus orientais são enviados
ção superior. Os judeus orientais compõem 10% dos estu- para lutar no Líbano, na Cisjordânia e em Gaza eles desco-
dantes universitários e 3% dos diplomados universitários. brem a política bélica de Israel. Eles voltam para a mesma
Isso resulta em exploração econômica. posição econômica e social miserável que tinham antes.
Sua representação política não reflete sua propor- Foi isso que fez com que, há alguns anos, houvesse o de-
ção na população. Os judeus orientais ocupam atualmen- senvolvimento de um movimento de Panteras Negras nos
te uma sexta parte das cadeiras do Knesset (o parlamento bairros pobres sefarditas e o início de radicalização entre
israelense). Elie Eliachar, destacado líder da comunidade os sefarditas. Há muita raiva bem abaixo da superfície e a
oriental e ex-membro do Knesset, explicava que inclusive qualquer momento a comunidade sefardita irá explodir. É
essa representação é nominal. Na realidade, os deputados inevitável.
orientais representam “partidos políticos completamente Quando o povo palestino começar a se mobilizar,
Ashkenazi, aos quais eles dedicam lealdade exclusiva, e não ele será obrigado a se referir às condições da classe operária
à comunidade oriental sefardita. Isso”, escreve Eliachar, judia. É uma obrigação de uma direção revolucionária pa-
“converte a democracia de Israel numa mera caricatura.” 12 lestina dirigir-se aos judeus com a proposta de uma Pales-
Mas não deve haver mal-entendidos em relação tina laica e democrática. No momento apropriado, os tra-
a isso. Os judeus orientais são freqüentemente sionistas. balhadores judeus irão responder à mobilização palestina.
Seria um equívoco falar deles sem deixar claro que os isra- O primeiro passo é pensar: “Se eles podem fazer isso, nós
elenses, como todas as potências imperialistas e coloniais, também podemos”. O segundo é procurar aliados. Esse é
empregaram a tática do “dividir para dominar” em sua re- caminho para a construção de um movimento anti-sionista
lação com eles. revolucionário.
Os judeus orientais têm um status sócio-econômi-
co muito precário em Israel. Eles estão em uma situação Crise de direção revolucionária
apenas um pouco melhor que os próprios palestinos. Um
judeu do Iraque, do Marrocos ou do Iêmen é um árabe de Apesar das tremendas oportunidades revolucionárias dos
origem religiosa judia. Seus costumes, maneiras, tradições últimos anos, a direção da OLP se mostrou incapaz de de-
e aparência são como a de seus irmãos e irmãs muçulmanos senvolver uma estratégia para a mobilização das massas pa-
e cristãos. Eles também sofrem discriminação. Os sionis- lestinas e judias contra o Estado sionista.
tas constantemente tentam instigar o ódio racista nos ju- Nem a direção “moderada” de Yasser Arafat nem
deus orientais contra os palestinos. a direção “progressista” das Frentes Populares e Democrá-
ticas, nem os “dissidentes” rebeldes do Fatah, formularam
12.  Naseer H. Aruri, “The Oriental Jews of Israel”, Zionism and Racism, uma estratégia para o povo palestino independente dos po-
p. 113. dres regimes capitalistas da região.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

Os dirigentes da OLP num momento buscam decisão de matar Abu Jihad foi aprovada em nível ministe-
conquistar a preferência do imperialismo e seus agentes, rial, quando o secretário de Estado George Shultz estava
os regimes do Leste Árabe que venderam seus países; em em Jerusalém, e foi efetuada depois que os Estados Unidos
outro, entregam-se a golpes aleatórios de força. Ambas as deram luz verde.
linhas pretendem, erroneamente, induzir o imperialismo a O editorial do Davar confirma que o assassinato
apoiar o estabelecimento de um “mini-Estado” palestino. deve ser “creditado aos ministros Shamir, Rabin e Peres”.13
Mas esses regimes – da Síria à Jordânia e desta ao O jornal relata que o primeiro-ministro Isaac Shamir “pu-
Egito – vêm a revolução palestina como um perigo claro e lou de alegria” ao receber a notícia e enviou telegramas
atual. Eles compreendem que a luta revolucionária da na- de congratulações para cada um dos criminosos. Shamir
ção palestina – mesmo que sob a direção nacionalista da executou seus próprios assassinatos no passado, particular-
OLP – é um lembrete para seus maltratados povos sobre o mente do mediador das Nações Unidas, Conde Folke Ber-
que há de ser feito e sobre quem é o obstáculo. nadotte, em 17 de setembro de 1948. Tal operação, com
Uma direção palestina revolucionária deveria lu- todas as suas implicações, jamais teria acontecido sem o
tar, como muitos fazem, pelo desmantelamento do Estado consentimento norte-americano. Ela revela a verdadeira
de Israel. natureza das propostas de “paz” de Shultz. Elas são apenas
O assassinato de Khalil al-Wazir (Abu Jihad), no uma cobertura para os preparativos para esmagar a rebe-
dia 17 de abril de 1988, foi uma clara mensagem para a lião e para uma nova guerra.
ala do Fatah na OLP e para os governos árabes. Agora, é O assassinato de Abu Jihad é particularmente ins-
virtualmente impossível para essa direção projetar, de for- trutivo no que se refere ao momento em que aconteceu. A
ma plausível, um “acordo” com Israel. Suas expectativas de Mossad teve a habilidade de matar figuras centrais como
negociações que resultariam em alguma forma limitada de Abu Jihad no passado. Seu assassinato equivale a uma de-
autodeterminação palestina demonstraram ser ilusórias. A claração de guerra. Ele coloca em destaque, mais uma vez,
intenção israelense era estimular uma resposta armada por a necessidade de uma nova estratégia por parte de uma di-
dentro do Levante; de fato, uma provocação montada pelo reção revolucionária palestina, uma estratégia que esteja
serviço de inteligência israelense em nome da Intifada não baseada num programa político dirigido às massas palesti-
pode ser evitada. Pois a pauta básica do sionismo é despo- nas e judias, pela substituição do Estado sionista.
voar a Palestina, e a camuflagem da guerra é necessária
para efetivar a expulsão maciça de palestinos. O caminho à frente
A imprensa israelense, de forma unânime, rela-
cionou a operação de assassinato às unidades de comando As massas palestinas estão em movimento. O extraordi-
da marinha israelense e à Mossad; um assalto que envolveu
30 pessoas. O jornal Davar relatou, em 18 de abril, que a 13.  New York Times, 8 de abril de 1988.

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Ralph Shoenmann A História oculta do sionismo

nário desejo de lutar por parte de toda população tem de- pode avançar se estabelecer uma nova estratégia baseada na
monstrado que não há possibilidade de retorno. A Intifada combinação da luta nacional palestina com a luta dos tra-
precisa enfocar questões específicas da opressão e desafiá- balhadores e camponeses de todo o Oriente Médio, para a
las, reivindicando terra, plantando as colheitas proibidas, libertação tanto do domínio capitalista quanto do imperia-
perfurando poços e paralisando os trabalhadores, como lista – por um Oriente Médio socialista.
formas de reivindicar a completa retirada de Israel. Não há atalho para a libertação, como a centenária
Uma direção revolucionária palestina necessitará experiência do povo palestino tem demonstrado. O cami-
desenvolver um programa para dentro da Linha Verde, que nho para a vitória somente será mais curto quando surgir
se dirija diretamente aos judeus do interior de Israel, como uma direção que realmente saiba para onde seguir, uma
também aos muçulmanos e cristãos. Em suma, o que é ne- direção que proponha um caminho numa linguagem que
cessário é um projeto para uma sociedade pós-sionismo, envolva as pessoas, as mobilize em defesa de seus próprios
que inspire o povo e faça com que as iniqüidades que afe- interesses e exponha os falsos dirigentes que, perigosamen-
tam suas vidas sejam associadas ao Estado sionista. te, se colocam no caminho.
Como o Estado sionista é, ao mesmo tempo, uma A resposta palestina para os esquemas sionistas e
espécie de domínio de classe capitalista e uma extensão do imperialistas pode ser encontrada nas crianças que jogam
poder imperial dos Estados Unidos, a luta contra o sionis- pedras em Jabaliya, o Campo da Praia, Balata e Dheisheh.
mo torna-se programaticamente uma luta por uma Palesti- Porque isso, como Jabotinsky foi obrigado a reconhecer, é
na socialista e, como o alvorecer sucede a longa noite, uma um povo, um povo vivo – não uma multidão amorfa, mas
luta por um Leste Árabe socialista – do Mediterrâneo ao um povo consciente, lutando com pedras e estilingues con-
Golfo. tra o quarto maior poder militar do mundo.
Uma OLP fiel à sua promessa de uma Palestina Nós devemos a eles, no mínimo, fidelidade à sua
laica e democrática deve incluir em sua direção os judeus luta revolucionária, que nunca poderá ser completa até que
anti-sionistas que lutaram contra o Estado colonial. Dessa se estenda do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico, do rio do
forma, as massas judias poderiam ver quem realmente fala Egito ao Eufrates – e, como seus opressores sionistas sem-
em seu nome e quem pode lhes oferecer uma saída para a pre proclamam, muito além.
guerra perpétua, a insegurança e a escassez.
Um chamado claro por uma Palestina laica e de-
mocrática é essencial para unificar as forças sociais das mas-
sas capazes de desmantelar o Estado sionista e substituí-lo
por uma sociedade humana dedicada ao fim da opressão
nacional e de classe.
O movimento revolucionário palestino somente

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Sobre o mesmo tema

O Oriente Médio na perspectiva marxista


Josef Weil (org.)
248 páginas
ISBN 978-85-99156-19-3
Formato 11,5cm x 15,4cm

O Oriente Médio não sai do noticiário. De um lado, mais uma guerra dos EUA
contra o Iraque e mais massacre de palestinos por israelenses. De outro, a
resistência dos árabes através da guerrilha e da Intifada. O que sai nos grandes
meios de comunicação é sempre a opinião dos mais poderosos: trata-se de
uma luta contra o terrorismo e o fanatismo religioso e a favor da democracia.
Porém, aos lutadores do movimento sindical, popular e à juventude essa posi-
ção só pode causar repugnância.
Neste livro, foram reunidos diversos artigos. Alguns desvendam os pla-
nos imperialistas por trás do nascimento do Estado de Israel. Outros, a origem
do Islã e a história dos povos árabes. Outro, ainda, o caráter político do islamis-
mo. Os autores tomam uma posição clara: o lado dos oprimidos. Mas, não se
trata só de ser simpático à causa palestina. O objetivo é ir além de posições
superficiais e ajudar a embasar o posicionamento de quem os ler.

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A impressão ficou a cargo da Gráfica Vida & Consciência de São Paulo,


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pela própria gráfica.

Esta primeira edição tem tiragem de 2.000 exemplares.

Impresso em março de 2008.

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