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O mundo vazio: sobre a ausência da política no contexto contemporâneo*

Franklin Leopoldo e Silva

O Iluminismo nos ensinou que o futuro é o tempo forte da humanidade, aquele no


qual estão projetadas as expectativas decorrentes da constatação de que a
humanidade progride e que, quaisquer que sejam os obstáculos, e até mesmo os
retrocessos aparentes, o progresso terminará por triunfar e por caracterizar
essencialmente o percurso histórico do ser humano.
Essa perspectiva positiva que se abre com o futuro é subsidiada pela realidade do
presente, positivo e pleno, tanto pelas realizações que, preparadas no passado, no
presente tomaram a forma definitiva, quanto pelas promessas que contêm acerca
daquilo que o futuro realizará. É importante notar o "tom" do otimismo iluminista: o
progresso é promessa do futuro porque é realização já presente. Isso significa que a
visão do futuro não se constrói num contexto de instabilidade, de um puro fluxo
contínuo de mudanças, um movimento que em si mesmo privilegiaria o futuro. Pelo
contrário, o otimismo iluminista vê o futuro como conseqüência do presente, e a
esperança de um futuro melhor decorre do aprimoramento das capacidades
humanas, já totalmente visível no presente como processo real e cujo avanço
podemos medir. É, portanto, a estabilidade do presente que fundamenta a
expectativa do futuro. O presente é prova de que o futuro pode e deve ser uma
realização positiva. Essa maneira de compreender a relação entre o presente e o
futuro incide decisivamente no modo de entender e vivenciar as mudanças histórico-
sociais. Toda mudança torna-se compreensível e previsível à luz do presente. Mais do
que isso: há uma certeza de continuidade, e o postulado do progresso é o substrato
formal do aprimoramento da humanidade. Uma tal compreensão torna-se possível a
partir da crença de que a ciência, a técnica e a vida moral teriam atingido aquele
patamar de maioridade racional de que fala Kant na sua "Resposta à pergunta: O que
é o Esclarecimento?", o que teria fornecido algo como uma direção absolutamente
positiva à história.
Contemporaneamente, parece que perdemos o sentido consecutivo dessa
continuidade. Vivemos, mais do que nunca, um tempo de mudanças; mas estas são
compreendidas e vividas a partir da instabilidade do presente. O progresso já não é
representado como o substrato de uma passagem que aprofundaria a positividade do
presente, fazendo que o futuro fosse visado como o momento verdadeiramente
engendrado pelo que o antecedeu. Em vez da passagem entre dois momentos
igualmente positivos, com a passagem entre eles claramente mediada pelo progresso,
o que temos é a prevalência do movimento. Não sentimos tanto a positividade do
presente, mas o vivenciamos muito mais como movimento e mudança, como se sua
realidade lhe fosse emprestada pelo futuro para o qual ele tende em seu movimento.
Se eventualmente ainda acreditamos no progresso, já não visamos ao futuro como
aquilo que se seguiria ao progresso vivido no presente, mas como o resultado do
movimento a partir do qual representamos o presente.
Isso nos leva a dizer que a contemporaneidade acarretou uma certa perda de
densidade do presente. Ele deve ser de tal forma plástico para se amoldar a esse
movimento para o futuro que torna-se difícil dizer o que ele é, além desse movimento,
cujo sentido evidentemente só nos é dado pelo futuro em que deve se completar. Nem
sequer poderíamos qualificar esse presente de expectativa de futuro: isso significaria
ainda um lugar em que o futuro se manteria virtual, de modo a que pudéssemos visá-
lo suficientemente separado da vivência do presente. O que ocorre verdadeiramente é
que o futuro como que distendeu-se, esticando-se, para trás e tomando o lugar do
presente. Desse ponto de vista são extremamente esclarecedoras as análises de
Michel Freitag (1995, p. 10):

“[O futuro] absorveu o tempo que foi diluído nele; [o futuro] é a implosão do tempo
na imediata processualidade do presente, tal como é perfeitamente visível por toda
parte ao nosso redor e tal como nos é sem cessar proclamado na infinita redundância
das fórmulas e dos slogans que procuram nos mobilizar para ele.”

Já não se pode dizer, como seria o caso na perspectiva iluminista, que a modernidade
está voltada para o futuro, na medida em que descobriu que o homem percorre os
caminhos da Razão. Já não se trata, poderíamos dizer, de um messianismo laicizado,
isto é, de fazer do futuro o sentido da própria temporalidade. Pois o futuro deixou de
estar além do presente, à nossa frente, para estar no presente e em nós, como se fora
uma invasão do presente pelo futuro. De alguma maneira essa situação está
antecipada em Hegel, já que, para ele, sendo o futuro o tempo da reconciliação e da
síntese superior, da realização do espírito, o presente se vê inevitavelmente afetado
de uma característica provisória. No entanto, é mais do que isso, pois mesmo o
provisório significa uma certa realidade e tem uma certa função a cumprir, na marcha
necessária da história rumo à sua realização: perspectiva na qual o futuro aparece
como libertação, como síntese de liberdade e necessidade. O que ocorre
contemporaneamente é que a presença do futuro pesa sobre nós e quase nos oprime,
porque seu significado deixou de estar relacionado com a promessa e passou a
habitar nosso presente, usurpando esse presente e de alguma maneira fazendo que
ele recue para o passado.
Como se deu esse fenômeno? Podemos descrevê-lo, segundo Michel Freitag, como
uma espécie de perda de controle do processo civilizatório, na modernidade
entendido sobretudo como o progresso científico e tecnológico. A percepção que os
séculos XVIII e XIX tinham do progresso podia caracterizar-se ainda como um
controle reflexivo do curso desse progresso. Isso significa que, nessa época, o
conteúdo histórico do progresso, ciência e técnica, era concebido como algo que a
reflexão podia, ao fim e ao cabo, dominar. Compreenda-se: mesmo considerando o
caráter sempre inacabado e aberto do conhecimento, sua extensão indefinida, en-
tendia-se que algo como uma consciência reflexiva sempre acompanharia e
controlaria esse processo, já que tanto a ciência quanto a técnica são produções
humanas, de direito sujeitas aos fins humanos, os quais deveriam representar uma
espécie de controle teleológico do desenvolvimento do conhecimento e de suas
aplicações. O progresso tiraria seu sentido positivo dessa possibilidade de reflexão, e
seria esse procedimento que asseguraria uma marcha firme e constante para o futuro.
Em suma, ainda que de maneira formal e racionalizadora – hoje o sabemos -,
concebia-se que o homem deveria naturalmente possuir inteiro domínio sobre o seu
fazer.
Ora, é essa última observação que parece não se aplicar mais à contemporaneidade,
ou ao sentido contemporâneo do progresso. Parece que a máscara caiu. Sabemos que
o homem, em vez de possuir pleno domínio sobre o que faz, subordina-se ao que faz.
Se nos tornamos prisioneiros de um futuro "presentificado", é porque nos
apropriamos de nosso futuro de maneira "irreflexiva e irrefletida", deixando fazer o
nosso fazer, submetendo-nos a ele na medida em que seu poder se acumulava de
forma exterior a nós, técnica, tecnológica, tecnocraticamente (Freitag, 1995, p.12).
Subordinamo-nos ao acúmulo externo de meios e produtos tecnológicos, acúmulo
que é visto como progresso, mas que representa também um processo que nem
sempre esteve acompanhado pela reflexão. É isso que significa dizer que nos
apropriamos do futuro de maneira "irreflexiva e irrefletida". Tudo isso é nosso, é
produto de nossa atividade, mas ao mesmo tempo nos escapa. A partir dessa
separação entre conhecimento, ação e reflexão, não podemos mais manter a
esperança iluminista de que essas realizações se inscrevam efetivamente num projeto
de aprimoramento histórico dos indivíduos e da sociedade. E isso ocorre porque,
quando as próprias realizações do progresso escapam da reflexão – do domínio
reflexivo pelo qual deveríamos controlá-las -, não podemos mais considerá-las na
perspectiva kantiana da educação para o esclarecimento. O progresso deixa de ter o
sentido pedagógico que o Iluminismo lhe atribuía.
Essa subordinação do ser humano ao seu próprio fazer configura a base da
tecnocracia, que significa a autonomia da técnica e o controle técnico sobre todas as
dimensões da vida. É a perda da capacidade de refletir sobre a atividade técnica, de
conduzi-la de tal maneira que ela venha a atender aos fins requeridos pelo
aprimoramento do gênero humano.
Temos, então, as conseqüências paradoxais daquilo que Kant chamou de maioridade
racional. É a autonomia da Razão, portanto do ser humano, que permite a exploração
científica e técnica do real. Essa autonomia supõe que a racionalidade técnica não age
apenas espontaneamente, por acumulação e atualização contínua de suas
potencialidades, mas que a razão também reflete sobre essa atividade, por exemplo,
dimensionando meios e fins. Quando a reflexão desaparece, a autonomia transfere-se
do sujeito para a ação, tornada anônima e auto-suficiente, e para os produtos da ação,
que passam a derivar, nesse caso, da anomia. Ou seja, não é mais o homem que é
autônomo no exercício da atividade técnica, mas é a técnica que se torna autônoma, e
a partir daí a atividade se desenvolve de maneira irrefletida. A autonomia da técnica
produz a supremacia da técnica, que é a tecnocracia: a técnica se confunde com o
poder. A expressão consagrada "poder da técnica" significa bem isso: a técnica
tornada diretamente poder e não a técnica a serviço do poder. Enquanto a reflexão
estava presente, poder e técnica se diferenciavam na medida em que- o poder ainda
podia ser associado ao discernimento e à capacidade prático-racional de usar a,
técnica. Quando a reflexão está ausente, essa relação se inverte e a técnica passa a ser
a medida do uso e do poder. O poder não apenas se confunde com a técnica, mas (•
absorvido por ela, o que indica uma hierarquização dos elementos na qual a
prioridade é da técnica. "O futuro é a autonomização do funcionamento e da
operatividade dos meios em relação aos fins, os meios deixam de estar sujeitos aos
fins" (.désassujetissement é a palavra utilizada por Freitag, 1995, p. 14).
Vemos agora como essa autonomização dos meios e a conseqüente inversão produz o
fenômeno de "presentificação" do futuro. Como técnica significa sobretudo progresso
técnico, isto é, contínuo acúmulo de mais meios autonomizados em relação aos seus
fins; esse processo significa também uma aceleração do tempo, visando atingir o
futuro, como um aprimoramento desse processo, cada vez mais rapidamente. É
sintomático que na propaganda e nos comentários acerca do aperfeiçoamento de
produtos e serviços dependentes de tecnologia avançada se use com freqüência a
frase "O futuro chegou" ou algum equivalente, com o que se quer significar que uma
das virtudes do desenvolvimento técnico seria a de apressar a passagem do presente
para o futuro. "Já vivemos o futuro", quer dizer, já avançamos até ele, encurtamos a
duração e já podemos dispor de meios que, em princípio, ainda deveriam demorar
para serem postos à nossa disposição. Já estamos, no presente, adaptados ao futuro.
A mecânica do raciocínio que ocorre aqui não é difícil de discernir: como o progresso
é considerado apenas da perspectiva de aprimoramento e acúmulo instrumental,
podemos não apenas usufruir do progresso, mas também acelerar o tempo do
progresso. E devemos fazê-lo porque a maneira técnico-instrumental de viver o
tempo é acelerar seu ritmo, já que a duração é medida pelo acúmulo e melhoria do
aparato instrumental. Isso ocorre em todos os setores de atividade: economia,
comunicações, organização social, lazer, ensino etc. É o que Freitag chama de
"promoção sistemática do futuro".
É esse progresso instrumental que doravante aparece como o campo em que se
devem inscrever todos os projetos humanos. E, portanto, esses projetos só podem ser
delineados no horizonte dessa racionalidade técnica que é capaz de abreviar o tempo,
de trazer o futuro até o presente e de fazer do futuro o conteúdo e o sentido do
presente. Como o aprimoramento dos meios técnicos já não se distingue dos fins a
que estariam destinados, a conseqüência é que essa abreviação do tempo torna-se a
finalidade -com a grande diferença de que essa finalidade não é posta reflexivamente,
mas apenas em decorrência da hipertrofia da racionalidade técnica e do caráter
cumulativo do progresso tecnológico. Isso significa que tal acúmulo é exterior ao
processo propriamente humano de realização das finalidades. A esfera dos fins
esvaziou-se e foi ocupada pêlos meios, o que é simétrico ao esvaziamento do presente,
pois seria na dimensão do presente que deveria ocorrer a reflexão acerca do equilíbrio
entre os meios e os fins.
A consciência, quando formula projetos, visa ao futuro numa modalidade intencional
determinada que em termos fenomenológicos seria a consciência do futuro. O sentido
desse movimento, em princípio, deveria brotar da relação que a consciência mantém
com o presente: por exemplo, a maneira como a consciência assimila certas
determinações e, ao mesmo tempo, as nega, fazendo delas as necessárias mediações
para o exercício da liberdade, que consiste sobretudo em projetar-se no futuro. Mas
como o presente não tem densidade, são as exigências do futuro que condicionam
desde logo a consciência, como se o futuro estivesse dado e não projetado como
possibilidade de ação, o que torna impossível que os projetos humanos reflitam
efetivamente a liberdade da consciência. É como se o futuro controlasse as relações
da consciência com o presente.
Essas considerações nos permitem pensar vários fenômenos da nossa atualidade,
todos relacionados com a mesma direção histórica. Interessa-nos aqui abordar a
questão da modernização da universidade.1 Prepara-se, planeja-se a universidade
adaptada ao futuro. Nesse processo, não importa considerar o lastro da tradição,
aquilo que o passado configurou como perfil da universidade e a partir do qual ela
tenta enfrentar as tensões do presente. Só o que conta é a visão das necessidades a
que a universidade terá que responder no futuro. Sua sobrevivência passa então a
depender da forma como, considerando o futuro já presente, a universidade deve
reestruturar-se para inserir-se nesse tempo, considerado o seu tempo. Como se
considera que o presente antecipa o futuro e o futuro é a continuidade do presente, o
futuro só pode ser concebido como o aprimoramento da racionalidade técnica, pois,
sendo esta a possibilidade já parcialmente realizada, ela torna-se necessariamente a
única opção de futuro. É essa continuidade antecipadora que atua como critério para
avaliar as modificações por que deve passar a universidade. Como dessa avaliação
está ausente a dimensão reflexiva, o presente é assimilado como simples antecipação
do futuro e, em vez de debruçar-se criticamente sobre o que ele é e sobre o que ele
indica em termos de futuro, simplesmente se adota a perspectiva naturalista da
adaptação, sem nenhuma consideração mais ampla sobre o equilíbrio entre as perdas
e ganhos desse processo. Gerir o presente identifica-se então com estruturai a
adaptação ao futuro. Como o presente já é a supremacia da técnica, dos meios sobre
os fins, a gestão da universidade só pode ser tecnocrática, isto é, inserção espontânea
e acrítica no processo de tecnoburocratização, que passa a oferecer então os
parâmetros universais de gestão. Essa aceitação naturalista do curso histórico da
modernidade retira da universidade qualquer possibilidade de interferência crítica no
rumo dos acontecimentos, aí incluída a possibilidade de interferir nos seus próprios
rumos.
Vemos que, para a mentalidade tecnocrática, já não vale mais o adágio: o futuro é
incerto. Já não se pode dizer que a singularidade da dimensão temporal do futuro
esteja associada à incerteza ou à abertura de possibilidades. Já não se pode dizer,
como nos propunham as vertentes existencialistas da primeira metade do século XX,
que seria mesmo essa incerteza o aspecto mais relevante do perfil existencial dos
projetos humanos. Hoje vemos essa incerteza sufocada pela presentificação do futuro
e principalmente pela desconsideração do sujeito como agente histórico. É notável o
fato de que a dimensão existencial do sujeito como agente histórico, que envolvia a
incerteza dos projetos humanos, comprometidos com a finitude e com a insuficiência
congênita da condição humana, tenha sido substituída pelo cálculo, pretensamente
objetivo, do comportamento do único sujeito que realmente importa: o mercado. A
supremacia da técnica na esfera da atividade encontra seu correspondente na
supremacia do mercado na esfera das relações inter-humanas. Os sujeitos singulares
anulam-se diante dessa supremacia: tornam-se apenas elementos passivos que atuam
como peças componentes da conduta do único sujeito que é o mercado. Desaparece
assim a vinculação entre sujeito e ação histórica. O que existe é um grande organismo
natural que atua segundo leis próprias, e os sujeitos humanos são elos de transmissão
dessa ação subjetivo/objetiva do mercado. A assimilação das regras dessa ação é que
determinará o êxito na competição que o mercado impõe como parte de sua atuação.
Ignorar o mercado seria, portanto, tão aberrante e sem sentido quanto ignorar a
natureza. É essa naturalização do mercado como critério universal que inviabiliza
qualquer pretensão de crítica e de transformação. É isso também que apequena o
futuro individual: "terá futuro" apenas o indivíduo que diluir a sua subjetividade na
rede de exigências tecnocráticas de uma sociedade inteiramente governada pêlos
critérios mercadológicos. Isso significa que a ação histórica deve ceder lugar à
funcionalidade e à operatividade. Não é por outra razão que a universidade deve
deixar de ser uma instituição para tornar-se uma organização, gerida
tecnocraticamente.2
Nesse sentido, a universidade apenas acompanha a sociedade e seu modo de
reprodução, que deixou de ser político-institucional para tornar-se funcional e
organizacional, quer dizer, tecnoburocrático. O triunfo da tecnoburocracia é a
abolição da política. Mas essa abolição é ambígua e mais complicada do que à
primeira vista possa parecer. Pois a supremacia da técnica não aconteceu
simplesmente por via do próprio desenvolvimento da técnica e da prerrogativa que na
modernidade foi ganhando a tecnologia. Ela tem que ser considerada um fato
político. Portanto, o processo de despolitização característico da contemporaneidade
é, em si mesmo, de índole política. Essa circularidade perversa serve pelo menos para
desmistificar a idéia de que viveríamos o fim da dimensão do político como
conseqüência "natural" do processo histórico. Mistificação análoga àquela que
querem nos impingir acerca do "fim da história" como resultado histórico. O engodo
implicado na idéia de fim da política se torna claro quando percebemos o processo: a
dimensão do político diluiu-se no econômico, mais precisamente na tecnocracia
economicista para efetivar um projeto político de dominação em escala transnacional.
E aqui devemos nos reportar ao que já foi mencionado acerca da consciência reflexiva
que deveria acompanhar o processo civilizatório. É a ausência de reflexão que
ocasiona a hipertrofia do econômico e que redunda na tecnocracia como gestão
economicista do social. O desprezo pela mediação política talvez deva ser visto como
uma exacerbação do vezo totalitário do próprio liberalismo econômico, como lembra
Robert Kurz (1999, p-9):
“leis naturais não podem ser totalitárias e ameaçar a liberdade; é preciso aceitá-las
como ao tempo. Com esse truque grosseiro o liberalismo buscou desde o princípio
tornar o centro econômico da modernidade inacessível à reflexão crítica, silenciando,
ao mesmo tempo, o fato de que as ditaduras totalitárias do período entre guerras pos-
suíam ao menos uma coisa em comum com a democracia: as formas econômicas do
moderno sistema produtor de mercadorias.”

É oportuno lembrar que vivemos atualmente numa época de significativas


mudanças, sobretudo econômicas. A propósito delas, fala-se com freqüência em
mudanças da "realidade", o que demonstra a identificação da realidade histórica com
a dimensão do econômico, mas considerando o econômico não como a força motriz, e
sim como a totalidade. Tais mudanças são apresentadas como uma rearticulação das
forças naturais do mercado, às quais seria insensato se opor. É nessa naturalização
que se oculta a política de despolitização, isto é, a hegemonia da tecnoburocracia,
uma estratégia política que usa a máscara da objetividade técnica para esconder
aquilo que se sabe desde a polis grega: que a política é fruto de deliberação humana e
não de causas naturais. Talvez por isso a presentificação do futuro exerça o papel
preponderante que tentamos comentar. A obsessão de antecipar tecnicamente o futu-
ro na gestão tecnocrática do social, como se a sociedade fosse uma grande corporação
que se insere no futuro por via de uma planificação eficaz, manifesta o propósito de
desvalorizar o presente e suas tensões como o lugar em que os homens deveriam
deliberar sobre o futuro, atuando politicamente no sentido mais profundo e originá-
rio do termo, isto é, compartilhando a palavra, e fazendo da palavra política a
expressão da responsabilidade inerente à ação histórica. Não é por outra razão que a
tecnoburocracia, que ocupou o vazio da deliberação política, despreza a palavra,
trivializa e degrada a interação política que a palavra deveria proporcionar, no
propósito, desgraçadamente bem-sucedido, de afirmar o caráter supérfluo do sujeito
histórico como agente de transformação.
Para finalizar, talvez seja necessário observar que as ideias que desenvolvemos aqui
não envolveram diretamente a obra de Maurício Tragtenberg, o que seria
provavelmente de esperar tratando-se de uma homenagem à grandeza do intelectual
e à generosidade do militante. Mas arrisco-me a dizer que essas idéias não são
estranhas ao seu pensamento, já que o quadro que elas desenham foi certamente
objeto de sua preocupação. Talvez ele encerrasse essas observações com uma
daquelas suas perguntas mais incisivas do que qualquer afirmação, e que concerne a
todos nós: O que estão fazendo as ciências humanas diante dessa cena de
deterioração das exigências políticas da condição humana?

NOTAS:
l "Ensino, formação, domínio, competência, excelência: é aí, talvez sobretudo que a
civilização moderna voltada para o futuro se deixou converter numa rede pós-moderna de
organizações empenhadas na adaptação ao futuro e num empreendimento de promoção
sistemática do futuro" (Freitag, 1995, p.14).
2 Cf., a respeito do avanço da mentalidade organizacional (empresarial) na universidade e a
conseqüente corrosão do caráter institucional, o ensaio que dá título à coletânea de Michel
Freitag (1995).

Referências bibliográficas
FREITAG, M. La gestion téchnocratique du social. In:Le naufrage de l’université. Quebec:
Nuit Blanche Editeur, Paris: La Découverte, 1995.
KURZ, R. O totalitarismo econômico. Folha de S.Paulo, 22.8.1999. Caderno Mais!, p.9.
* Publicado em Maurício Tragtenberg: Uma vida para as Ciências Humanas, Edunesp.

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