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be nrg de SULA Pee Le Lee O domingo de Bouvines 27 de julho de 1214 Duby, Georges Augusto, Rei da Franga seg052 Dp-904.70044 indices para catilogo sistertico: 1. Franga: Batalhas: HistGria 904.70944 © Editions Calimard, 1973 Tracuzide do original francés Le dimanche de Bowvines A paz relato de Guilherme, 0 Bretio, nao € o tinico testemu- miho. Outros hé, contemporaneos ou pouco posteriores € que, embora independentes dele, o completam e permi- tem corrigi-lo em alguns pontos. Mais breves, diferem da- quele por nao refletir © ponto de vista da corte da Franga e por situar a batalha sob outra ética. Para interpretar corre- tamente 0 caréter oficial do acontecimento, convém ques- tionar esses relatos, também eles muito diretos. Quatro tex- tos so importantes, trés dos quais foram escritos cz latim. O mais fiel é a Relatio Marchianensis de Pugna Bovinis, com- posto, como seu titulo indica, no mosteiro vizinho de Mar- chiennes, e sem diivida é a primeira ressonancia do caso; Waitz 0 editou nos Monumenta Germaniae Historica, a partit de um manuscrito da biblioteca de Douai. As linhas com as quais se conclui um primeiro prolongamento dado, de 1165 a 1214, a crénica de Flandres chamada Flandria Generosa também oferecem um relato quase imediato do aconteci- mento; aparentemente, de fato, 0 autor dessa continuagio foi levado a se dedicar obra pela propria repercussio de Bouvines. A batalha reavivara em toda parte o gosto de es- crever a hist6ria; foi sem diivida um monge, também um. cisterciense da abadia de Clairmarais, perto de Saint-Omer, partidério dos franceses. Sabe-se por Aubry des ‘Trois Fon- taines que um arquididcono de Ligge, igualmente inspirado 85 pela ressonancia da histéria capetingia, se pds a contar o que sabia de curioso sobre o seu tempo; esse cdnego talver seja o autor de uma vida de Santa Odilia, que morreu em 1219; a ultima parte dessa obra —a tinica conservada, por- que Gilles, da abadia de Orval, diocese de Tréves, a incor. Porou por volta de 1250 & sua historia dos bispos de Ligge —celebra o triunfo alcangado em Steppes, perto de Monte- naaken, em 1213, por S40 Lamberto, que deu a vitdria a seus protegidas de Liage contra o duque de Brabante, mas relata também, na continuago desse sucesso, o combate de Bouvines. O quarto testemunho, em lingua vulgar, é uma crénica dos anos 1185-1217 redigida depois de 1220 para Robert de Béthune por um de seus parentes, que talvez nao fosse clérigo. Esse escritor doméstico, quando se encontra- va no circulo de senhores menos importantes, jé tinha redi- sido uma Histoire des duos de Normandie e des rois d’Angleter- ze, onde falava muito de Jo3o sem Terra, a quem seu senhor havia servido; empreendeu depois essa outra obra, mais aberta, sobre os assuntos da Franca e na qual dedica uma grande parte a jornada de Bouvines. A convergéncia desses quatro relatos permite uma lei- tura melhor do de Guilherme, o Bretdo. Para no se come- terem erros, no entanto, essa leitura requer sobretudo que sejam previamente inseridas em seu espaco preciso as insti- tuig6es, as convengées, um sistema de imagens mentais e de preceitos que nessa parte do mundo, no comeso do sé- culo XIII, constitufam 0 contexto da aco militar. Contexto cujos fundamentos tinham sido estabelecidos mais de dois séculos antes. Quem quiser compreender bem o que se pas- sou no campo de Bouvines no dia 27 de julho de 1214 deve, entio, dirigir o olhar para esse remoto passado. Sempre, ao longo dos milénios que se perdem na noite pré-historica, a guerra — os escritos dos autores cultos a denominam, a época de Bouvines, com o termo germénico ¢ latinizado Werra — tinha sido uma boa coisa. Para os ho- mens em condigéo de fazé-la, era a ocupagéo normal. Ela renascia a cada ano com o bom tempo, e os deuses a aben- 86 goavam. Cumpria uma fungéo econémica primordial, tio importante quanto o trabalho produtivo: era necessario combater para proteger os recursos da comunidade, grande ou pequena, da tribo, do cla, do grupo familiar; combater era também incrementar esses recursos, tal como pela Fe] Iheita ou pela caga, indo apoderar-se em outras terras di tudo o que se pudesse apropriar: jéias, viveres, gado, rapa- zes e mocas. Assim a paz nao passava nunca de uma inter- rupcdo fortuita, imposta pelas circunstncias, pelo esgota- mento de forcas, pela rarefagao das presas, pelo mau tempo — um relaxamento temporério, um interkidio durante 0 qual as transferéncias de riqueza que suscitavam normal- mente a guerra tomavam outro curso, a forma da doagao e da contradoagio, do intercémbio matrimonial, do negécio. Ora, nas imediagGes do ano mil, no Ocidente cristiani- zado, eis que bruscamente a guerra foi considerada md. Mutacao perturbadora. No pensamento dos membros do alto clero instala-se outra concepgao da paz, tomando lugaly J] no centro de uma imagem global do cosmos, da sociedade humana e da salvagéo e de uma tentativa que, entio, os bispos e os abades dos maiores mosteiros empreendiam para renovar 0 mundo, para reconduzir as cctruturas do universo visivel a exemplaridade das intengées divinas. Aproximava-se 0 milénio da paixio de Cristo. Urgia con- cluir uma nova alianga com 0 céu. Todos os homens, e néo somente os monges, que desprezam a vida mundana, de- viam fazer peniténcia, purificar-se dos pecados carnais, evi- tar a violencia e o derramamento de sangue humano e, a0 mesmo tempo, renunciar ao dinheiro e aos desejos corpo rais. O espirito de agressio, e todas as atividades que el promoveria, se encontravam desde entéo condenados e re- Jacionados entre os pecados. O bom, o justo, o normal era a paz; a paz era a ordem das coisas; a paz era o proprio Deus. E dificil avaliar até que ponto essa proposta perturbou i. mestres da época: todo um sistema de valores tinha sido radical ¢ definitivamente invertdo, (E nfo é por acaso que essa mutagéo ocorreu no momento preciso em que as rela- 87 Ses cor comegavam a tomar na Europa um impul- 80 decisivo: a pilhagem sucede o comércio, fundado na paz dos mercados e das feiras, na difusdo das moedas de prata, timbradas com a cruz, da mesma cruz que marcava nos cruzamentos a entrada das dreas de salvaguarda que, ao lado das vestes dos cruzados, significavam que sua pessoa era especialmente protegida de qualquer perigo. Mas uma Contradigao se introduziu no seio da ideologia da Igreja Esta, com refreava ao mesmo tempo o gosto da pi- Ihagem e o de dar gratuitamente, 0 senso © desinteresse, virtudes essas estreitament sividade na moral dos guerreiros,-A Igreja inclinava-se Pouco a pouco a tolerar o luxo, a absorvé-lo. E esse 0 ponto de partida de um movimento que finalmente deveria levar 0s eclesiasticos a pactuar com os homens de negécios e a santificar 0 lucro.) Urgia, no entanto, render-se a evidéncia: Deus nio rei- na sozinho aqui embaixo, Sua ordem é alterada na Terra — como o é as vezes no céu pela passagem dos meteoros que vém perturbar o curso regular das estrelas. Uma visio dua- lista do universo domina nesse tempo todo 0 pensamento. Na criagio, na construgéo do homem, duas naturezas se mesclam, a espiritual ea corporal. O espirit Esta, timida, notumna, pérfida, alimenta os vici ‘meiro lugar o orgulho, que é a negagio da luz. Nele se ori- gina também o desejo de apropriar-se e de brutalizar. Ta 2 oposigéo entre a paz e a guerra: a primeira vem do espiri- to; a outra, da carne e do sangue. Aqueles que querem al- cangar o Reino devem, entao, trabalhar para restringir 0 pa- pel das armas, maldito tanto quanto 0 do sexo eo do dinheiro. Mas para isso impe-se combater pessoalmente, ¢ é aqui que surge uma outta contradigao, mais profunda, Deus ndo é somente 0 Cordeiro, Deve-se também represen- t4-lo como o senhor dos ex: —o que é autorizado por numerosas passagens das Escrituras —, como um rei terrf- vel que brande o gladio, e essa imagem se impée facilmen- fe na medida em que coincide com as da moral pré-crista, 88 de uma ética propria do estrato social, entéo dominante, de que procedem todos os dirigentes da Igreja: o grupo dos condutores da guerra. Assim, nessa época, a mentalidade militar penetra muito profundamente o sistema do cristia- nismo; mostra no Eterno 0 Senhor que langa 0 raio e coloca, nas paginas do Apocalipse, a espada entre os dentes de Cristo. De fato, contra as forgas diversas que resistem aos seus decretos, Deus trava um combate diério, conduz os ataques, sitia fortalezas, esmaga seus iniinigos vencidos. O bom cristo deve aderir ao seu batalhio, colocar-se sob sua bandeira; é solicitado a lutar com ele e, pelas armas, a aju- dar a defender os fracos, a vingar as injirias, a refrear a descrenga. Ti », defender, vingar, estender 0 dominio da verdadeira f6, tais s4o os trés aspectos de uma ago que é também a do bom Deus. Uma agio militar. Jé& que o mundo é imperfeito, a paz no se pode instaurar sem a guerra. ; Com esse objetivo a guerra volta a ser ter deixa de ser um pecado. Os padres da I afirmado. Isidoro de Sevilha, por exemplo: “Justa é a guer- a quando conduzida para recuperar seus bens e para re- chagar os agressores em virtude de um Deus esco- lugares-tenentes na Terra. S40 os reis, que a impregna de seu poder. Por certo, todo homem pode legitimamente — 0 comentério do decreto XXIII 0 afirma de forma clara — lutar pela sua propria defesa, vin- gar-se por conta prépria, e a Providéncia entéo respaldaré © seu direito. £ 0 rei “pacifico”, entretanto, quem deve manter em ordem o exercicio dessas vingangas particula- tes, propor sua arbitragem antes que os adversérios che- guem as vias de fato, presidir as assembléias de concilia- Sao, executar as sentengas de espada na mio e acorrer, se preciso, em socorro de vitimas demasiado fracas para se vingarem sozinhas. Sua missio principal é socorrer todos. 05 que sao oprimidos pelas forgas nas; as formulas de béng&o do cerimonial de coroagSo creditam essa tarefa & sua espada, ao seu estandarte, invocando o Deus dos exér- 89

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