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A prisão preventiva
Vitor Faria
(Juiz Desembargador)

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artigo que este Boletim agora publica foi escrito do imprescindível e urgente contributo que a jurispru-
por mim há exactamente um ano, à luz de um dência terá de prestar para resolver o problema.
contexto datado por acontecimentos vários que O contexto sócio político e cultural que vivemos pri-
transportavam o tema Justiça para a ordem do dia. Mui- vilegia a especulação e hierarquização das várias crises, de
tas coisas mudaram no país desde então: os arguidos mais entre as quais a da justiça se alinha no centro polémico
polémicos do processo Casa Pia aguardam em liberdade dos holofotes da opinião pública. Qualquer facto novo do
o julgamento; entrou em vigor o novo sistema de tribu- processo Casa Pia, transformado em grande novela nacio-
tação do património; um furto de cassetes e a divulgação nal a que parece sujeitar-se a visão redutora sobre o
pública do seu conteúdo, provocou alarme e demissões; “mundo” nacional da aplicação da lei, ocupa, sem excep-
o barco da women on wave foi impedido de entrar em ção, as primeiras páginas dos jornais, a abertura de tele-
águas territoriais; o novo governo lançou o desafio para jornais, as capas das revistas, das sociais às mais sérias. E
um pacto de regime para a Justiça. Em síntese, passou faz esquecer os incumprimentos do pacto de estabilidade,
mais um ano sem que, em bom rigor, nada mudasse na as listas de espera dos hospitais, a indefinição do sistema
face visível da Justiça! Ao ser-me sugerida a eventualida- educativo, a recessão da económica nacional e comunitá-
de da adequação temporal do artigo, resolvi, por tudo ria, “crises” de entre as quais a da Justiça será, objectiva-
isso, pura e simplesmente, mantê-lo intacto. mente, a menos grave.
Os amplos debates televisivos com intervenção de re-
“Um mês (Setembro) decisivo para a justiça portu- putados jornalistas e juristas nacionais onde se abordam
guesa” foi o sentido da afirmação do nosso Bastonário em conceitos básicos da justiça penal e processual penal,
declarações proferidas no dia da abertura do Congresso constituindo, nalguns casos, contributo valioso para o es-
da Union International des Avocats. clarecimento público, correm o risco perverso de gerar na
Se a expressão se nos aparenta algo exagerada – pois opinião pública maioritária e menos esclarecida a banali-
o exercício da justiça num Estado de direito democrá- zação especulativa de leituras sobre conceitos de direito
tico não pode ser abalado ou estar sujeito às vicissitudes essenciais, antes reservados aos académicos, aos colabora-
dos acontecimentos produzidos num contexto temporal dores e agentes da justiça. Nesta refrega que, no âmbito
tão diminuto, circunscrito, para mais, ao âmbito de um do supra referido processo se revelou numa espécie de
único processo – é certo que nos rendemos à ideia, na braço de ferro entre o ministério público e o poder judi-
perspectiva do relançamento da imagem geral da Justiça cial, de um lado e a defesa dos arguidos do outro, ficará
perante a opinião pública, hoje condicionada, em gran- pelo menos a ideia – que muito se deve, honra lhes seja
de parte, pela leitura mediatizada e banal de conceitos feita!, a contributos recentes dos advogados do supra re-
fundamentais ligados aos direitos e à liberdade das pes- ferido processo no exercício dos direitos de defesa dos
soas enquanto sujeitos ou intervenientes em processo seus constituintes – de que, afinal, como também tem
penal. sido dito, “o sistema está vivo e a funcionar“. Embora se
Nessa perspectiva, até pelo amplo debate público acentue a ideia de que acusação e defesa não são o neces-
sobre conceitos básicos e fundamentais que informam o sário contraponto do mesmo sistema, mas realidades ad-
processo penal – prisão preventiva, segredo de justiça, de- versas de sistemas inconciliáveis.
clarações para memória futura, incidente de suspeição – e Este contexto de risco para a imagem da justiça na-
pelas consequências ainda desconhecidas e imprevisíveis cional ajusta-se à oportunidade de repensarmos e promo-
que o complexo processo Casa Pia transporta, corremos o vermos medidas estabilizadoras no sentido da reabilitação
risco de definir uma fronteira temporal do “antes” e do da imagem da justiça, que não pode estar condicionada
“depois” na aplicação prática de tais institutos, que pode- ao curso e ao destino de meia dúzia de processos hiper-
rão marcar a justiça penal no futuro e implicarão altera- mediatizados. E compete aos advogados hastear essa ban-
ções legislativas no sistema jurídico vigente, sem embargo deira sob o risco de ninguém mais o fazer.
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Justifica-se e impõe-se – à luz dos recentes aconteci- prazo dos três meses fixado na lei, a não ser que o argui-
mentos – a releitura, entre outros, dos conceitos funda- do em qualquer momento o requeira, ou por promoção
mentais e inter-funcionais da prisão preventiva e do se- do Ministério Público ou iniciativa do Juiz de Instrução,
gredo de justiça. neste caso apenas quando, nesse espaço temporal, aos
A questão da prisão preventiva, que abordaremos em autos forem carreados factos que imponham tal revisão
curta reflexão, não terá, em nosso entender, tanto a ver em benefício do arguido tendentes ao afastamento dos
com a alteração da formula legislativa actual, mas sobre- pressupostos que determinaram a medida, ou se tenham
tudo com a releitura da sua aplicação pelos tribunais às si- alterado circunstâncias que proporcionem o restabeleci-
tuações concretas que se reflecte no evidente excesso de mento da liberdade.
uso da medida em Portugal – o país da Europa com A antecipação discricionária do reexame dos pressu-
menor índice de criminalidade e maior percentagem de postos da prisão preventiva pelo Juiz de Instrução, como
presos preventivos – que bem justifica a imagem recente- ocorreu nalguns casos recentes, para reafirmar a manu-
mente utilizada por reputado criminalista e grande inspi- tenção da prisão preventiva na pendência de recurso que
rador da lei em vigor “que em Portugal se prende para in- a questiona, parece tratar-se de acto produzido na expec-
vestigar, lá fora se investiga para se prender“. tativa da preclusão do recurso por inutilidade superve-
As regras da subsidiariedade, da proporcionalidade e niente da eventual decisão de procedência.
da adequação, com suficiente expressão legislativa, que Esta intolerável obstrução aos direito de defesa dos ar-
sustentam a determinação da prisão preventiva como ul- guidos conduz a outras reflexões que recaem sobre a in-
tima ratio do leque de medidas de coacção disponíveis, trodução de implicações cominatórias expressas pelo in-
não sensibiliza em muitos casos, o aplicador da lei, sobre- cumprimento do prazo – só muito excepcionalmente ob-
tudo nos processos de maior impacto mediático onde a servado – de julgamento do recurso dos despachos que
demonstração exemplar da eficácia da justiça punitiva, determinam a aplicação das medidas de coacção (mor-
parece começar a funcionar antes do julgamento e o juízo mente a de prisão preventiva) que a lei fixa em “30 dias
de probabilidade parece aproximar-se, em muitos casos, de a contar do recebimento dos autos” (art.° 219.° do CPC).
um juízo de convicção e de pré-judicação. A inobservância desse prazo pelo tribunal de recurso im-
Isto, naturalmente, reflecte-se de forma perturbadora plicaria, em nosso entender, a libertação automática do
no próprio julgamento, fortalecendo à partida a função recorrente em prisão preventiva ou a desvinculação da
acusatória e remetendo a defesa dos arguidos ao papel in- obrigatoriedade de permanência na habitação. Na prática,
grato e difícil de desconstrução de imagens de pré-culpa- as decisões de tais recursos ultrapassam, em muitos casos,
bilidade que a prisão preventiva fez radicar na opinião pú- os três meses fixados para o reexame obrigatório, abrindo
blica, sem vislumbre da presunção legal da inocência dos caminho a polémicas geradoras de novos recursos com
arguidos. instabilidade para a decisão definitiva e prejuízo para o ar-
A criação de mecanismos legais que imponham ao guido.
aplicador da lei espartilho e maior moderação na aplica- Matéria amplamente versada, designadamente em re-
ção (e manutenção) da prisão preventiva – o que nos pa- latórios e recomendações dos organismos internacionais
rece actuação adequada e possível – não passará, na nossa (vg. ONU), têm a ver com a prorrogação sucessiva dos
perspectiva, sob pena de poderem deixar-se a descoberto prazos de prisão preventiva com limites que, no nosso sis-
outros interesses finais do processo penal (perturbação tema, podem ir até ao máximo de 4 anos. Esse sistema
séria da investigação, possibilidade de cometimento de novos complexo de ampliação de prazos, cuja redução substan-
crimes) pela alteração substancial das normas que definem cial se impõe, não só concede ao aplicador da lei o poder
a estrutura básica do instituto. discricionário de adequar o tempo da prisão preventiva ao
Haverá, contudo, situações que a lei pode – e em ritmo (normalmente lento!) do processo, com motiva-
nosso entender deve – prevenir e corrigir, cuja oportuni- ções, nem sempre pacíficas, como proporciona e justifica,
dade agora particularmente se justifica, seguindo, de resto com risco de manutenção da medida coactiva, o prolon-
a inspiração das correntes doutrinais dominantes na gamento intolerável da investigação, ou o esvaziamento
União Europeia, as reiteradas recomendações de organi- do conceito de urgência no julgamento dos processos
zações internacionais sobre a matéria que, em defesa do com arguidos detidos.
princípio da presunção de inocência do arguido, privile- Outra questão !
giam a não aplicação de medidas coactivas restritivas da As consequências para a imagem e futuro dos argui-
liberdade antes da existência do primeiro juízo de convic- dos detidos em prisão preventiva, absolvidos em julga-
ção (julgamento de 1ª instância). mento, sobretudo nos casos mais mediatizados, são tão
Uma das medidas – que a mero título exemplar se su- demolidoras como as daqueles que, vítimas de erro judi-
gere – passa pela determinação da impossibilidade do ree- ciário, vêm a ser declarados inocentes em recurso de revi-
xame dos pressupostos da prisão preventiva antes do são, por demonstração superveniente ao julgamento com
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sentença condenatória transitada. Contudo, a diferença O objectivo desta curta reflexão, e de muitas outras
de tratamento no âmbito do ressarcimento dos prejuízos que resultarão de debates e articulações necessárias, não
sofridos – em tudo idênticos nos dois casos – tem uma di- é o da consagração dos direitos dos arguidos pela sua
ferença abissal no tratamento legal, por serem diversos os reafirmação prioritária no âmbito do processo penal,
pressupostos, num e noutro caso, determinantes da res- onde, apesar de tudo, a sua inocência é de presumir até
ponsabilidade extracontratual do Estado. ao Juízo definitivo. Será, antes, em prol da criação de
Apesar da reformulação do texto do artigo 225.° do mecanismos legislativos que se reflictam na prática a
CPP pela revisão de 1998 (que retira ao preceito a caracte- consagração em processo penal do princípio da igualda-
rização dos prejuízos como anómalos e de particular gravi- de das armas da defesa e da acusação, que se não com-
dade), a exigência da demonstração de “erro grosseiro” (no padece com vertentes ocultas do processo, com deten-
sentido de escandaloso, crasso ou supino, o chamado «error ções ao arrepio da informação clara dos factos que as
intolerabilis» em que não teria caído uma pessoa dotada de motivaram e da identidade das partes envolvidas, com a
normal inteligência e circunspecção) do juiz que “falhou” frustração básica do exercício do contraditório em todo
no juízo de probabilidade que motivou a prisão preventi- os actos do processo, mesmo nas fases de inquérito ou
va, pela especificidade do conceito de direito referido e de instrução.
impossibilidade prática da sua demonstração a não ser em A mera releitura da prisão preventiva com correcções
casos limites de gritante e inultrapassável gravidade, in- pontuais de regulamentação no texto legal de nada vale-
viabiliza na prática – em regra! – o justo direito dos cida- rá se, cumulativamente, não forem criadas condições
dãos ao ressarcimento, sem limites, das consequências da- que permitam a sua ampla apreciação fática e jurídica
nosas da prisão preventiva injusta. em sede de recurso pelo arguido alvo da medida e se não
Impõe-se, nesse aspecto, uma reformulação do precei- forem abertas, usando a expressão de Vera Jardim, “ja-
to que responsabilize amplamente o Estado na compen- nelas sobre o inquérito”. A reformulação menos rígida e
sação dos cidadãos afectados, pela alteração da referida mais tolerante do segredo de justiça, é o alicerce do exer-
norma que conferindo o direito o esvazia na sua eficácia, cício dos demais direitos do arguido na pendência do in-
pela improvável, quando não impossível, exigência de quérito.
prova (O princípio da responsabilidade directa do Estado, Recorrer “no escuro” – prática corrente nos recursos
por actos da função jurisdicional por lesão grave do direito dos despachos que impõem ao arguido a prisão preven-
de liberdade, é um dos princípios estruturantes do Estado de tiva – não é regra que possa merecer acolhimento cons-
Direito Democrático, enquanto elemento do direito geral das titucional num Estado de Direito Democrático.
pessoas à reparação dos danos causados por outrem. Ac. STJ
9/12/99).

A ADVOCACIA É TAMBÉM A MEMÓRIA


DE ADVOGADOS ILUSTRES...
A Vida das Advocacia é também feita de inexoráveis desaparecimentos... Neste período desapareceram
do nosso convívio e vida profissional os Colegas Ricarte de Matos, Luis Carlos Silva, Amável Lameiras
(Coimbra), Jorge Gameiro (Pombal) que, cada um a seu modo, prestigiaram o Advogado e a Advocacia
marcando indelevelmente quem com eles privou e trabalhou.
Aqui se deixa um tributo à sua memória(*).

Ricarte de Matos Luis Carlos Silva Amável Lameiras Pedro Gameiro

(*) A eventual não referência ao falecimento de algum Colega deve-se a ausência de informação.

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