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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

TIBÉRIO LIMA OLIVEIRA

“MEU CORPO, UM CAMPO DE BATALHA”: a inserção precária das Travestis


no mundo do trabalho em tempos de crise capital

NATAL/RN

2016
TIBÉRIO LIMA OLIVEIRA

“MEU CORPO, UM CAMPO DE BATALHA”: a inserção precária das Travestis


no mundo do trabalho em tempos de crise capital

Dissertação apresentada à Universidade


Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como
parte das exigências do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (PPGSS), com
pré-requisito para defesa de mestrado, sob
orientação da Profa. Dra. Andréa Lima da Silva.

Linha de pesquisa: Ética, Gênero, Cultura e


Diversidade.

NATAL – RN

2016
DEDICATÓRIA:

Dedico essa dissertação de mestrado,


destacadamente a todas às Travestis que
contribuíram com seus relatos de vida para o
processo de reflexão dessa pesquisa. Sobretudo,
para essas que ousam lutar cotidianamente por um
mundo onde sejamos verdadeiramente livres.
AGRADECIMENTOS:

“La gente que me gusta”


“La sensibilidad, el coraje, la solidaridad, la bondad, el respeto, la tranquilidad, los
valores, la alegría, la humildad, la fe, la felicidad, el tacto, la confianza, la esperanza,
el agradecimiento, la sabiduría, los sueños, el arrepentimiento y el amor para los
demás y propio son cosas fundamentales para llamarse GENTE.
Con gente como ésa, me comprometo para lo que sea por el resto de mi vida, ya
que por tenerlos junto a mí, me doy por bien retribuido.
(Mario Benedetti)

À minha mãe Iansã, pela proteção. Orixá do fogo, guerreira e poderosa. Seu
abrigo me fortalece diariamente dos vendavais cotidianos da vida, Eparrei Oiá.

Aos meus pais e ao meu irmão, e familiares sempre. Pelo carinho, incentivo
por estarem sempre comigo nas horas difíceis, mas sempre apostando
positivamente nos caminhos que busquei seguir, agradeço sobretudo a minha mãe
Maria de Fátima por tudo.

À minha orientadora Profª Dra. Andréa Lima da Silva, pelas interlocuções


durante as orientações no mestrado. Agradeço pelas contribuições, considerações,
debates, pela convivência pautada na horizontalidade, pelo respeito, paciência,
compreensão e pela ética. Além do mais pelo carinho e pela estrada construída,
pela amizade sincera que foi alicerçada com muita afetividade.

Agradeço às professoras que participaram minha banca de qualificação e


defesa Profª Dra. Silvana Mara (UFRN) e Profª Mirla Cisne (UERN), pelas preciosas
contribuições e considerações da pesquisa realizada.

Aos professore(as), bolsistas técnicos e técnicos administrativos que


trabalham na graduação e na pós-graduação, do curso de Serviço Social da UFRN.
Aos colegas do mestrado da turma 2014.1.

Aos amigos(as) que contribuíram com indicações de leituras, debates, trocas


de saberes, especialmente: Kleber Navas, Bruna Irineu, Guilherme Ferreira,
Guilherme Almeida, Milena Barroso, Val Peixoto todo(as) que de alguma forma
contribuíram com a construção dessa pesquisa.

Aos amigos(as) da residência de pós-graduação das Gardênias e da Mipibú,


pelos diálogos, convivência João Batista, Alex, Patrícia, Daniel, Felipe, Marcio.
Aos amigos(as) do coração: Floriza Soares, Bruna Massud, Raíza Nara,
Valéria Oliveira, Bárbara Figueiredo, Rosana, Kamylla Queiroz, Samia Kimura,
Luciana Oliveira, Rachel, Renatinha, Micaela, Analice, Jonathan, Nísia pelos
momentos de alegria e afetos.

Às professoras Dra. Telma Gurgel e Dra. Mirla Cisne que aceitaram minha
pela participação na condição de aluno especial no Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social e Direitos Sociais – PPGSSDS, na disciplina “Estudos Feministas e
Relações Patriarcais de Gênero”.

Agradeço as contribuições do Movimento Levante Popular da Juventude


durante momento que participeicomo militante desse movimento, sem dúvidas o
Setor de Diversidade Sexual e de Gênero trouxeram grandes reflexões acerca da
temática sobre as travestis no mercado de trabalho.

Agradeço as contribuições da Atransparencia, especialmente no nome da


companheira de luta Rebecka de França, pelos diálogos com as interlocutoras que
participaram desse trabalho.

Gostaria de agradecer aos discentes e professores que fazem o


GEPED/QTMOSS pelos profícuos debates.

Ao GPM&E, especialmente a professora Dra. Ilana Paiva pelo carinho,


solidariedade e incentivadora dessa pesquisa contribuindo com esse estudo através
da bolsa de apoio técnico (o inicio sempre é difícil), a você deixo meu carinho.

Agradeço à professora Dra. Ivanete Boschetti pela orientação na UnB em


Brasília, por meio do PROCAD no semestre 2016.1. Assim, como a acolhida pela
Professora Dra. Marlene Teixeira nas atividades no GENPOSS e, também, pelo
afeto e solidariedade nos dias vividos na Colina UnB. Além disso, agradeço a todas
as pessoas que fizeram dos meus quatro meses no DF dias melhores, pelo carinho,
solidariedade e afetividade compartilhadas: Cristininha, Elaene (Lalá), Raquel Viana,
Mitchelle, Val, Michelle, aos meninxs do movimento estudantil que tive maior
contato.

À CAPES, pela bolsa de mestrado durante o desenvolvimento da pesquisa,


que me possibilitou dedicação integral ao estudado realizado.
“Meu corpo é um campo de batalha”

Meu corpo é um campo de batalha.


meu peito, minha arma;
minha carne, uma couraça;
meu sangue, combustível.

Meu corpo é um campo de batalha.


fiz do coração minha morada;
de minha pele, uma muralha.
nas mãos, revolução.

Fiz de mim metaforia.


para que as palavras dissessem menos
e os olhos gritassem mais.
Meu corpo é um campo de batalha.
minha respiração, transgressão.
de minha existência fiz moinho,
pulsei sem permissão.

De mim mesmo fiz destino.


para todos, rejeição.
do querer fiz passarinho,
os que não me querem passarão.

Meu corpo é um campo de batalha.


minha carne, insistência.
de minha pele fiz cicatriz.
de minha alma, resistência.
(Marcelo Caetano)

- “Ela é tão livre que um dia será presa.


- Presa por quê?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente?
- É. Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão?
- Porque a liberdade ofende”.
(Clarice Lispector)
RESUMO:

O presente estudo teve por objetivo analisar o cotidiano de trabalho das travestis e a
sua inserção no mercado de trabalho em Natal, Rio Grande do Norte. É sabido que
as violações dos direitos das travestis são históricas e cotidianas, sendo estas,
desde cedo, hostilizadas muitas vezes pela própria família e expulsas de casa, da
escola e do trabalho, além de sofrerem discriminação e preconceito por grande parte
da sociedade. Nesse sentindo, mediante as transformações do mundo do trabalho
que se complexificam a partir da crise estrutural do capital iniciada nos anos 1970,
tem-se diversos limites e desafios organizativos para a classe trabalhadora, inclusive
o combate à opressão e exploração daqueles que sofrem os rebatimentos das
expressões da questão social de modo mais intenso, a saber: crianças e
adolescentes, mulheres, negros, imigrantes, populações em situação de rua e a
população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros
LGBT. Dessa forma, como objetivos específicos, a pesquisa teve por norte mapear
e analisar os campos de trabalho formal/informal onde as travestis estão inseridas
na cidade do Natal; construir um perfil socioeconômico das trabalhadoras travestis
na referida localidade; identificar e analisar as principais violações de direitos
vivenciadas pelas travestis no trabalho; e analisar a agenda política do movimento
Trans* sobre a inserção no mercado de trabalho no Brasil e em relação ao
enfrentamento da violação de direitos no trabalho. O método utilizado foi a análise
do materialismo histórico dialético, com base na técnica de abordagem
quanti/qualitativa, bem como a análise bibliográfica e documental. Fez-se entrevistas
semiestruturadas com oito travestis trabalhadoras (amostra não probabilística
intencional pela dificuldade do acesso) inseridas no trabalho formal/informal, além de
uma entrevista com a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA), contabilizando nove sujeitas entrevistadas. Como resultados dos relatos
obtidos, tem-se que as travestis vivenciam cotidianamente diversas precarizações
para se inserirem no mercado de trabalho, sofrem violações de direitos, assédios
moral e sexual, além da transfobia institucionalizada. Além disso, analisou-se às
políticas públicas de renda e trabalho para travestis no Brasil. E ainda, observou-se
o orçamento público destinado para a efetivação dessas políticas, seus limites e
suas contrações. Destarte o Estado, de fato, é o campo mediador dos direitos da
população Trans* no Brasil, sendo ainda, ínfimas as políticas públicas destinadas
para esse segmento. É nessa arena de conflitos sociais que a referida população
resiste na defesa por direitos. Concluiu-se que diante de tantos desafios que as
travestis sofrem no mundo do trabalho, somente por via da organização coletiva que
articule a luta anti-patriarcal, anti-capitalista, anti-racista e anti-cissexistas que essas
trabalhadoras podem transformar essa realidade de múltiplas desigualdades sociais.
Palavras-chave: Relações Patriarcais de Gênero; Identidade de Gênero; Travestis;
Mundo do Trabalho.

ABSTRACT:

This study aimed to analyze the daily work of transvestites and their integration in the
labor market in Natal, Rio Grande do Norte. It is known that the transvestites rights
violations are historical and everyday, these being early, often harassed by the family
and driven from home, school and work and suffer discrimination and prejudice by
much of society. In that sense, by the transformation of the working world that
complicate from the structural crisis of the capital started in the 1970s, it has many
limits and organizational challenges to the working class, including the fight against
oppression and exploitation of those who suffer the aftermaths expressions of social
issues more intensely, namely children and adolescents, women, blacks, immigrants,
people on the streets and the population of Lesbian, Gay, Bisexual, Transsexual and
Transgender LGBT. Thus, the specific objectives, the research was north map and
analyze the formal labor camps / informal where transvestites are inserted in Natal;
build a socioeconomic profile of transvestites working in that locality; identify and
analyze the main rights violations experienced by transvestites at work; and analyze
the movement of the Trans agenda on entering the labor market in Brazil and in
relation to combating the violation of rights at work. The method used was the
analysis of dialectical historical materialism, based on quantitative / qualitative
approach technique, as well as bibliographic and documentary analysis. There was
semi-structured interviews with eight working transvestites (non-probabilistic sample
intentional by the difficulty of access) inserted in the formal / informal work, as well as
an interview with the president of the National Association of Transvestites and
Transsexuals (ANTRA), accounting for nine subject interviewed. As a result of the
obtained reports, it has to be transvestites experience daily several precarizations to
be inserted in the labor market, suffer rights violations, moral and sexual harassment,
as well as institutionalized transphobia. In addition, we analyzed the public policies of
income and jobs for transvestites in Brazil. And yet, there was the public budget for
the realization of these policies, its limits and its contractions. Thus the state, in fact,
is the mediator of the field of trans people rights in Brazil, still, tiny public policies for
this segment. It is in this arena of social conflicts that this population resists the
defense of rights. It was concluded that in the face of so many challenges that
transvestites suffer in the working world, only through collective organization that
coordinates the anti-patriarchal struggle, anti-capitalist, anti-racist and anti-cissexists
that these workers can transform this reality multiple social inequalities.

Keywords: Gender Patriarchal Relations; Gender Identity; transvestites; World of


Work.
LISTA DE ILUSTRAÇÔES:

FIGURA 1: O que é cisgênero? .............................................................................. 78

FIGURA 2:Berdache Whe-Wa, Novo México-EUA, foto de 1879. ........................ 80

FIGURA3: Transfobia institucional contra professora Luiza ............................. 137

FIGURA 4: Os Estados mais perigosos para LGBTs no Brasil. ........................ 142

FIGURA 5: Campanha Nome Social SUS. ........................................................... 152

FIGURA 6: Onde estavam as Travestis Durante a Ditadura Militar? ................. 156

FIGURA 7: Abertura da Primeira Conferência Nacional LBGT, 2008. ............... 176

FIGURA 8: Dilma Rousseff e o Movimento LGBT - uma relação difícil. ........... 183
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS:

TABELAS

TABELA 1:Trabalhos do Banco de Dados da CAPES cujos temas são Gênero e


Serviço Social, até 2012 .......................................................................................... 46

TABELA 2: Políticas Públicas LGBT’s no Brasil ................................................ 192

TABELA 3: Execução do Orçamento do Programa "Políticas para as Mulheres:


Enfretamento à violência e Autonomia": 2013 – 2014........................................ 196

TABELA 4: Orçamento ministerial do ano de 2015 ............................................ 197

TABELA 5: Projeto de Lei Orçamentária de 2012-2016 ...................................... 199

GRÁFICOS

GRÁFICO 1: Acesso à previdência social. .......................................................... 121


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS:

ABGLT Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,


Travestis, Transexuais e Trangêneros
ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social
AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome
ANTRA Associação Nacional de Travestis, Transexuais e
Trangêneros
APA American Psychiatric Association
ASTRAL Associação de Travestis e Liberados do Rio de Janeiro
ATRAC Associação de Travestis do Ceará
ATRANSPARÊNCIA Associação de Travestis e Transexuais Potiguares na
Ação pela Coerência no Rio Grande do Norte
ATRAS Associação de Travestis de Salvador
ATREVIDA Associação das Travestis Reencontrando a Vida
BBB Boi, Bíblia e Bala
BM Banco Mundial
BSH Brasil Sem Homofobia
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CEDS/RJ Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual do
município do Rio de Janeiro
CJP Comissão de Justiça e Paz
CNS Conselho Nacional de Saúde
CNV Comissão Nacional da Verdade
CNCD/LGBT Conselho Nacional de Combate à Discriminação e
Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRDH Centro de Referência em Direitos Humanos
CODEM Coordenadoria de Direitos Humanos em Defesa das
Minorias
CUT Central Única dos Trabalhadores
DEM Democratas
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECOS Comunicação em Sexualidade
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
Entlaids Encontro Nacional de Travestis e Transexuais que Atuam
na Luta contra a Aids
EUA Estados Unidos da América
FMI Fundo Monetário Internacional
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
GEPTED Grupo de Estudo e Pesquisa Trabalho, Ética e Direitos
GGB Grupo Gay da Bahia
GT Grupo de Trabalho
HIV Human Immunodeficiency Virus
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros
LGBTfobia Lesbofobia, Gayfobia, Bifobia, Transfobia
LPJ – RN Levante Popular da Juventude – Rio Grande do Norte
MAB Movimentos de Atingidos por Barragens
MEC Ministério da Educação
TEM Ministério do Trabalho e Emprego
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONG's Organizações Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
PASTT Prévention Action Santé Travail pour les Transgenres
PDH Política de Promoção em Direitos Humanos
PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PLC Projeto de Lei
PNDH I Plano Nacional de Direitos Humanos
PNDH II Plano Nacional de Direitos Humanos
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego
PT Partido dos Trabalhadores
PNLGBT Plano Nacional de Direitos Humanos LGBT
PSC-SP Partido Social Cristão
PMDB Partido do Movimento Democrático no Brasil
RENATA Rede Nacional de Travestis
RENTRAL Rede Nacional de Travestis e Liberados
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio as Micros e Pequenas
Empresas
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAT Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
SDH/PR Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República
SESCOOP Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
SEPPIR Secretaria da Igualdade Racial
SJCDH Secretária da Justiça e da Cidadania e Direitos Humanos
do Estado da Bahia
SUS Sistema Único de Saúde
UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
no Brasil
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TGEU Transgender Europe
TRANS* Travestis, Transexuais e Transgêneros
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
EU União Europeia

UFs Unidade da Federação

UNE União Nacional dos Estudantes


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 18

1.1 Travestilidades e as transformações no mundo trabalho na sociabilidade


capitalista .................................................................................................................. 26
1.2 O caminho teórico-metodológico da pesquisa.................................................... 31
1.3 Demarcando o território, particularizando as fronteiras: as travestilidades na
cidade do Natal, Rio Grande do Norte ...................................................................... 40

2. AS RELAÇÕES PATRIARCAIS DE GÊNERO, TRAVESTILIDADES E


INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO........................................................... 45

2.1 As categorias analíticas de compreensão para o estudo das Travestilidades no


mundo do trabalho .................................................................................................... 48
2.2 As “Relações Patriarcais de Gênero” e as Relações Sociais de Sexo:
apontamentos para análises das travestilidades ....................................................... 51
2.3 As dimensões do Gênero, da Performatividade e a Abjeção: as análises da
Teoria Queer pós-identitárias .................................................................................... 66
2.4 “Não se nasce Travesti, torna-se Travesti”: a construção da identidade de
gênero e as concepções sócio-históricas das Travestilidades .................................. 76
2.5 A construção da Identidade de Gênero Travesti: as dimensões do corpo, gênero
e da sexualidade ....................................................................................................... 83
2.6 Individuo social: práxis, sociabilidade e relação entre a objetividade e a
subjetividade ............................................................................................................. 89

3. A INSERÇÃO DAS TRAVESTIS NO MERCADO DE TRABALHO EM TEMPOS


DE CRISE DO CAPITAL .............................................................................................................. 97

3.1 As Transformações no Mundo do Trabalho e suas precarizações: os


rebatimentos para as travestis .................................................................................................. 100
3.2 A inserção das travestis nos “trabalhos desvalorizados” formais e informais:
quem são essas trabalhadoras e quais são seus trabalhos? .......................................... 107
3.3 Da negação do acesso ao ensino escolar ao desemprego: as modalidades do
Trabalho Precário das Travestis em Natal/RN ..................................................................... 125
3.4 As violações dos diretos nos espaços de trabalho: a transfobia como uma
realidade institucionalizada ........................................................................................................ 137
3.5 As faces da opressão Transfóbica: as negações dos direitos e o ocultamento da
Identidade de Gênero Trans* no Mercado de Trabalho .................................................... 149

4. “TÁ PENSANDO QUE TRAVESTI É BAGUNÇA?”: A ORGANIZAÇÃO


POLÍTICA DAS TRAVESTIS E A LUTA POR POLÍTICAS PÚBLICAS DE
TRABALHO E RENDA PARA POPULAÇÃO TRANS*. ............................................ 154

4.1 “Travesti é a Própria Bandeira”:surgimento do Movimento Trans* no Brasil


.......................................................................................................................................... 156
4.2Estado, Políticas Públicas de trabalho e renda para a população Trans* no Brasil
.......................................................................................................................................... 167
4.3O governo Lula e as políticas públicas de trabalho e renda para as Travestis e
Transexuais (2003 à 2010) ............................................................................................ 175
4.4“Brasil um País de Todos?”: o Governo Dilma Rousseff e as Políticas Públicas de
trabalho e renda para as Travestis e Transexuais (2010 à 2014) ............................. 183
4.5Orçamento Público e Financiamento de Políticas Públicas de combate a
opressão e exploração: limites e contradições ............................................................ 193
4.6As Travestilidades no mundo do trabalho: as violações de direitos e os desafios
para Emancipação Humana........................................................................................... 199

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ......................................................................................... 211


REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 224
APÊNDICE: ..................................................................................................................... 240
18

1. INTRODUÇÃO

“Os donos do mundo não conseguem fazer girar a roda da


economia sem, ao mesmo tempo, explorar a maioria e
esmagar com violência as minorias mais oprimidas e
marginalizadas da face da Terra. A "mão invisível do mercado"
se torna bastante visível em cada travesti que é expulsa de
sua escola e arrastada à prostituição desde a mais tenra idade
porque não tem lugar no mercado de trabalho. A mão que nos
esmaga precisa ser esmagada”.

(Uma Travesti Marxista)1.

As violações históricas e cotidianas dos direitos das travestis no mundo do


trabalho, os altos índices de prostituição, o recrudescimento da violência transfóbica,
o avanço do conservadorismo e do fundamentalismo religioso, a ausência do Estado
no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas para a inserção desse
segmento na educação, saúde e trabalho sem sofrerem discriminações ou
preconceitos, a “abjeção” e o controle sobre seus corpos, trazem diversas
inquietações que culminam com a respectiva dissertação em tela, que teve como
objetivo analisar e apreender as condições de vida das travestis e a inserção
precária destas no mercado de trabalho, observando a questão do desemprego e da
formalidade e informalidade na cidade do Natal, Rio Grande do Norte.
Desde cedo, as travestis são, em grande parte, hostilizadas pela própria
família, expulsas de casa, da escola, do trabalho e sofrem discriminação pela
sociedade – vidas cuja existência são atravessadas por muitas formas de opressão,
exploração e dominação. Tais mecanismos de desumanização trazem diversas
consequências para essas sujeitas2, onde lhes são negadas o direito ao próprio
corpo. Historicamente, as travestis foram estigmatizadas na sociedade, sendo
atribuídas diferentes marcas preconceituosas à identidade que constroem.

1 Disponível em: <http://travestimarxista.blogspot.com.br/>. Acesso em: 16 de março de 2015.


2 Utilizou-se no presente estudo a palavra “Sujeitas” quando refere-se às travestis. Neste sentido,
Saffioti (2004, p. 48), destaca que “a língua é um fenômeno social, e, portanto sujeito a
permanentemente a mudanças, é interessante criar novas palavras, que expurguem o sexismo”. A
palavra “sujeito” reforça a dimensão do masculino. Assim, fez-se uso do termo “Sujeitas” não como
sujeição, mas como uma forma de contribuir com a valoração e afirmação do gênero feminino na sua
forma política, cultural e gramatical de afirmação das travestis.
19

No que diz respeito às expressões de desigualdades acima expostas, é


preciso apontar que as “relações patriarcais de gênero” estruturam na sociedade
diversos dispositivos de controle, que rebatem na sociabilidade em decorrência de
tudo que foge do padrão considerado tido como “normal”, sendo as travestis
consideradas como “minorias3”, arquitetando apenas a existência binária homem-
mulher, com base na cisgeneridade4 como identidade de gêneros “coerentes”. Neste
ínterim, somente as relações heterossexuais são legitimadas e estão articuladas e
imbricadas a outros modelos de controle, opressão e exploração, como, por
exemplo, a sociedade cissexista5 – patriarcal – racista e burguesa.
De fato, as travestis, ao desestabilizarem as normas binárias construídas
socialmente, tem suas identidades patologizadas pelas ciências médicas e sociais; e
ainda, criminalizadas pela sociedade, tratadas, muitas vezes, como marginais,
delinquentes; são ridicularizadas, assassinadas, violentadas das mais cruéis formas
e rebaixadas na escala daquilo que é considerado humano (PELÚCIO, 2007) – essa
desumanização latente fere diversos direitos da população travesti no Brasil e, em
especial, aquela existente em Natal, Rio Grande do Norte, sobretudo, nos direitos
referentes ao trabalho, como evidencia Connell (2014, p. 18): “[...] as preocupações
a respeito de identidades marginalizadas são uma forma muito limitada de

3 “O uso de conceitos como “minorias” para caracterizar genericamente grupos vulneráveis que foram
alvos de repressão e de opressão, tais como: as mulheres, os negros e os homossexuais, atribuindo-
lhes papéis marginais na conquista da democracia, é reproduzir uma leitura da época da ditadura.
Pelos critérios mais aceitos no Brasil, as mulheres são uma maioria e os negros também. Não se
sabe quantos indivíduos existem no contingente de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Transgêneros (LGBT) no Brasil, mas são dezenas de milhões. Os três grupos
supramencionados têm características em comum: são marginalizados, oprimidos e estigmatizados, a
partir de marcadores sociais, mas cada realidade merece um tratamento particular para dar conta das
especificidades da opressão, discriminação e violências que vivem, cada um à sua maneira, em uma
sociedade que ainda é extremamente machista, racista e homofóbica” (CNV, 2014).
4 “Na realidade, a cisgeneridade nunca foi uma possibilidade para ninguém, ela é uma imposição,

assim como a heterossexualidade é compulsória. A cobrança pela suposta coerência entre anatomia
e gênero esmaga todos os corpos [...] Quando falo de acesso à cisgeneridade, o faço porque os
sujeitos que são cisgêneros, ou seja, que se identificam com o gênero ao qual foram designados no
nascimento, são múltiplos, e a cisgeneridade, como paradigma normativo de gênero, possui sua
dimensão utópica, estabelecendo o que é ótimo para um homem e para uma mulher” (VIERA, 2015).
Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2015/09/13/toda-cisgeneridade-e-a-
mesma-subalternidade-nas-experiencias-normativas/>. Acesso em: 15 de julho de 2016.
5 Sistema opressor pautado na cisgeneridade como modelo de identidade de gênero tida como

normal apenas homem e mulher cisgênero. Opta-se nesse estudo pelo termo cis/trans como uma
forma de respeitar as bandeiras de luta do movimento de travestis e transexuais, compreendendo as
particularidades desse segmento organizado politicamente, haja visto que essa discussão surge do
movimento do real, ou seja, das necessidades de estratégias políticas para conquistas de direito
como exemplo a despatologização das identidades trans.
20

compreender a injustiça de gênero. Precisamos de uma compreensão social muito


mais vigorosa a esse respeito”.
Diante do exposto, a presente pesquisa aponta para diversas precarizações
que tal população sofre sobre os rebatimentos de um modelo econômico opressor e
explorador que promove a informalidade e o desemprego exacerbado – os principais
elementos da precariedade do mundo do trabalho –, além da desproteção social via
negação da seguridade social, da precarização subjetiva 6, dos assédios moral e
sexual etc. Todos estes são fundamentos que rebatem, sem dúvida, nas condições
de vida e trabalho das travestis, principalmente na sua condição de subalternidade,
dada inserção marginalizada na sociedade e no mercado de trabalho.
Nesse sentindo, os caminhos de aproximações com a temática de pesquisa
em questão foram muitos, desde a formação acadêmica como a militância, que
contribuíram para a construção do presente estudo. A participação no Grupo de
Estudo e Pesquisa Trabalho, Ética e Direitos (GEPTED - UFRN) constituiu-se como
lugar importante para a proximidade junto à temática dos estudos sobre a
diversidade sexual, gênero, a sexualidade e as travestilidades7, o que influenciou na
escolha do local onde se deu o estágio curricular em Serviço Social: na
Coordenadoria de Direitos Humanos em Defesa das Minorias (CODEM), onde foi
possível acompanhar algumas das situações vivenciadas pelas travestis daquela
Unidade da Federação (UF), principalmente em relação dos altos índices de
violência cometida contra esse contingente populacional.
Além da CODEM, outro espaço importante para a delimitação do estudo em
questão foi a inserção no Centro de Referência em Direitos Humanos da

6A precarização subjetiva é um conceito que vem sendo construído para explicar as modalidades de
exploração e opressão da classe trabalhadora no que se refere a sua subjetividade, isso se
expressas nas condições de trabalho. Pesquisas apresentam que “são flagrantes as alusões ao
temor do desemprego e, assim, estar empregado, ainda que em uma função que exija esforços
sobre-humanos, é apontado como preferível a emprego nenhum. Ou seja, eles estão inseridos em
uma lógica em que a única alternativa ao trabalho penoso é o desemprego. Por isso, a necessidade
de resistir ao extremo” (BERNADO, NOGUERA & BULL, 2011, p. 87).
7Durante o estudo trabalhou-se com a categoria “Travestilidades”, pois, de acordo com Pelúcio (2009,

p. 27), “a travestilidade aponta para a multiplicidade dessas vivências ligadas à construção e a


desconstrução dos corpos”. Ainda conforme aquela autora, as “travestis ligadas ao movimento social
pelos direitos das “minorias sexuais” têm adotado o termo “travestilidade” para falar de sua condição,
em uma tentativa de ressignificar o sentido das palavras “travestismo” e “travesti”. É um processo que
se pluraliza. Daí o “s”, que precisa ser acrescentado à noção ainda incipiente de “travestilidade”,
enquanto reflexão e tentativa teórica de se ir mais além do que o senso comum tem se permitido
(PELÚCIO, 2009, p. 43).
21

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CRDH/UFRN), em 2013, por


intermédio do estágio não obrigatório – local que trouxe importantes contribuições
com a aproximação no campo dos direitos humanos referentes a população de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) na
realidade potiguar, além do entendimento do combate à violência contra a mulher e
campanhas de ação contra a intolerância religiosa praticada à populações de
matrizes africanas. Tais temáticas eram trabalhadas no Núcleo Pagú/CRDH8 –
demandas que chegavam a esse grupo9 de profissionais composto por um
advogado, um assistente social, um estagiário da Psicologia e um estagiário do
Serviço Social.
A partir daí impulsionou-se a construção de diversas inquietações,
(des)construções e entendimento dos elementos que constitui a realidade complexa
e heterogênea a ser pesquisada sobre o cotidiano das travestis em Natal, além das
múltiplas negações de direitos para essa população.
Neste sentido, em face das reflexões durante o estágio curricular e não
curricular, fomentou-se um aporte reflexivo que culminou com o desenvolvimento do
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado Travestis e o direito à cidade:
sujeitos transgressores em uma sociabilidade perversa10 – pesquisa que apontou
importantes dados sobre as condições de vida das travestis, sendo possível
identificar que a maior negação sobre o direito à cidade para a população Trans* em
Natal tratava-se do acesso ao mercado de trabalho formal, pois, nas entrevistas
realizadas com as travestis que viviam da prostituição, relatou-se a negação a estas
dos espaços de trabalho (lojas, restaurantes, escritórios etc.) e até mesmo do

8 Composição do CRDH/UFRN: O Centro de Referência em Direitos Humanos tinha sua atuação


articulada junto às políticas públicas e os movimentos sociais na busca pela construção de uma rede
de promoção e proteção aos direitos humanos, no estado do Rio Grande do Norte. Assim, o CRDH
era subdividido em núcleos para atender às demandas com maior qualidade, esses núcleos atuavam
em articulação, dessa forma o centro se subdividia em: Núcleo Pagú que depois foi nomeado de
Nísia Floresta – atendia demandas de Violência contra mulher, Intolerância Religiosa, Violência
contra população LGBT e Idosos, o outro é o Núcleo Gentileza – atuava com demandas da Saúde
Mental, População em Situação de Rua e por fim o Núcleo Mariguella – que atendia as demandas de
criminalização e extermínio da Juventude e casos de criminalização dos movimentos sociais.
9 No Núcelo Pagú, tinha-se algumas demandas relacionadas a violações de direitos da população de

travestis no município do Natal/RN, a exemplo de um caso de uma professora travesti que estava
sofrendo assédio moral, por parte da diretora da escola em que trabalhava, por se recusar a usar
“roupas masculinas” exigidas pela diretoria.
10Trabalho de Conclusão de Curso que teve como objetivo analisar o direito à cidade para as

travestis: uma análise da violação dos direitos em Natal/RN contra as travestilidades. Orientado pela
Profª Drª Andréa Lima da Silva, o TCC foi apresentado em: 22 de julho de 2013.
22

acesso à educação por conta dos constantes preconceitos relacionados às suas


identidades.
Diante dessas inserções nesses espaços, construíram-se reflexões como
pesquisador, estagiário e militante no movimento social Levante Popular da
Juventude (LPJ/RN), mediante a participação e da construção do setor de
diversidade sexual. E ainda, ampliaram-se as discussões em torno das
travestilidades, principalmente sobre as negações de direitos das travestis e
transexuais na periferia, sobretudo, em relação ao nome social, à educação e saúde,
culminando com organização da I Parada LGBT em Felipe Camarão – bairro da
periferia natalense – que tinha por objetivo denunciar o recrudescimento da
LGBTfobia11 ali existente, bem como a cobrança pela efetivação dos direitos da
população Trans* em relação ao nome social direito já garantido na Política Nacional
de Saúde.
Ali se identificou que a população Trans*12 (Travestis, Transexuais e
Transgêneros) passava por diversas violações de direitos, acirradas pelas
contradições do modelo de sociedade, que se sustenta por intermédio de relações
que tem como base o capitalismo – modelo econômico pautado na exploração, na
propriedade privada, na lucratividade e no patriarcado, que hierarquiza e materializa
as opressões e exploração do contingente feminino, promove o racismo e a
heterossexualidade como ideologia13 – aspectos consubstancializados que
potencializam as desigualdades que atinge as travestis.
As demandas advindas tanto do estágio no CRDH/UFRN, como na militância
política no LPJ/RN, provocaram inquietações, tais como: por que a população
travesti sofre tantas violações de direitos? Quais são as bases materiais das
desigualdades sociais que as travestis sofrem? Por que essa população não tem

11 Violência física, sexual, moral, psicológica e simbólica praticada contra Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgêneros.
12 “O termo trans* pode ser a abreviação de várias palavras que expressam diferentes identidades,

como transexual ou transgênero, ou até mesmo travesti. Por isso, para evitar classificações que
correm o risco de serem excludentes, o asterisco é adicionado ao final da palavra transformando o
termo trans em um termo guarda-chuva” Disponível em: <http://transfeminismo.com/trans-umbrella-
term/>. Acesso em: 28 de dezembro de 2014).
13Trabalha-se nessa dissertação com o conceito de “Heterossexualidade como Ideologia” como uma

dimensão das relações de opressão, exploração e dominação que são consubstancializadas por
outras relações em face do capitalismo, patriarcado e do racismo. O conceito “Heterossexualidade
como ideologia” foi formulado e sendo utilizado pelas autoras francófonas mais precisamente por
Monique Wittig que caracteriza a heterossexualidade como um sistema político-ideológico
(FALQUET, 2014).
23

inserção no mercado de trabalho formal? Quais os motivos de tanto preconceito e


discriminação? Quais são as consequências das violações de direitos para essa
população?
Consequentemente, tais reflexões necessitavam de mediações e análises,
que apresentavam limites de serem pensadas naqueles momentos, desde os
espaços de militância e formação acadêmica. Assim, inicialmente propôs-se como
projeto de pesquisa para o curso de Mestrado “a questão da inserção das travestis
no mundo do trabalho”, uma vez que a referida temática necessitava de
aprofundamento sobre a população que “desordena” a ordem binária dos
sexos/gêneros construída pela sociedade cissexista14, haja vista que essa
identidade, também, é construída pela realidade, pois:

Ao objetivarem-se no mundo do trabalho, esses homens e mulheres


se auto determinam como seres inscritos no plano da
singularidade/particularidade e universalidade, por intermédio de
suas relações objetivas e subjetivas com outros indivíduos sociais e
com a natureza. Ao objetivarem-se como seres livres capazes de
fazer escolhas, criam e recriam valores, determinada moral
dominante e uma moralidade que se objetivam no interior dessas
relações sociais (SILVA, 2011, p. 51).

As relações sociais têm como bases materiais centradas nas desigualdades


de classe, raça/etnia, sexo/gênero, uma vez que estão inscritas no modelo de
sociedade capitalista que perpassam o cotidiano de vida das travestis – violações de
direitos, preconceito e discriminação em muitos âmbitos, notadamente, no mercado
de trabalho, sendo, muitas vezes, rechaçadas, exploradas e oprimidas. Neste
ínterim, Cisne (2014, p. 30) afirma que:

No interior do campo dos “transgressores” da heterossexualidade,


existem desigualdades e preconceitos mais acentuados para alguns,

14
Pensando nos conceitos de identidade gênero na contemporaneidade, se estabelece o debate
sobre dois modos de concepção das identidades, discorridos pela perspectiva transfeminista, a saber:
a cisgneridade e a transgeneridade. O/a cisgênero é considerado aquele e/ou aquela que está de
acordo e que não tem conflitos com o gênero que lhe foi atribuído, ou seja, é o menino que, ao
nascer, se identifica como homem, e a menina que se identifica como mulher ao longo da sua
construção. Por conseguinte, a identidade de gênero refere-se como se reconhece dentro dos
padrões de “relações patriarcais de gênero” construídos e estabelecidos pela sociedade que reproduz
uma ideologia estabelecida por atribuições binárias que foram demarcadas para homens e mulheres.
Assim, quando a sociedade não reconhece as identidades travestis e transexuais como identidades
para além do binarismo, tal visão se configura como um pensamento cissexista.
24

como por exemplo, para os trans. Isso impacta diretamente na


desigualdade no mundo do trabalho, posto que esses sujeitos, assim
como as mulheres, estão expostos aos trabalhos mais precarizados.

Observando o avanço do capitalismo e considerando que a sociedade


burguesa integra na modernidade uma das mais complexas sociedades – produto
de relações sociais, partiu-se da análise que em decorrência da mundialização
desse sistema, a sociedade se imbricou com outros determinantes sociais para a
sua materialização, por intermédio do patriarcado; ou seja, o capitalismo se
apropriou da diversidade de raça/etnia, gênero e classe para a sua formação,
fazendo uso, até os dias atuais, dessas diferenças para a geração de desigualdades
– intrínsecas a esse modelo de desenvolvimento econômico.
A análise sobre a realidade desse contingente populacional na sociedade de
classe – as travestis constroem sua identidade no gênero feminino, ou seja, gênero
esse que tem toda uma carga histórica perpassada de desigualdades sociais,
sobretudo na América Latina – necessita de mecanismos para pensar em
estratégias de romper com as dimensões da exploração e opressão que sofrem na
sociedade capitalista, a fim de “perceber o sujeito da classe trabalhadora em sua
totalidade, o que exige desvelar suas particularidades e singularidades” (CISNE,
2014, p. 30).
Entender as distinções que a população Trans* sofre nesse modelo de
sociedade, para pensar a transformação e sua consequente superação, são ações
que fazem parte da luta de classe, que extrapola o sentido unilateral da visão
“extraeconômica” (WOOD, 2006). De fato, não se deve desestimar as lutas anti-
patriarcais, anti-racistas, anti-sexistas, compreendendo que estas são
enfrentamentos que tem suas especificidades e que geram tensionamento face ao
capitalismo, no qual se tem como grande desafio a unidade política dessas pautas
em torno da transformação social.
Além das referidas preocupações, outro aspecto importante que levou à
pesquisa sobre a inserção das travestis no mundo do trabalho, delimitando a cidade
do Natal como locus da pesquisa, consiste do Estado do Rio Grande do Norte ser
uma das Unidades da Federação (UFs) com maiores índices de transfobia15. Neste
sentido, Connell (2014, p. 15) atenta que este “é também um assunto difícil de ser

15Transfobia é o nome dado ao preconceito e a discriminação contra a população TRANS* –


Travestis, transexuais e Transgêneros.
25

abordado, porque o reconhecimento destes indivíduos é frequentemente negado


pelo Estado, assim como pelos seus serviços de segurança e saúde”. De tal modo,
ao reconhecer os limites do estudo em questão, almeja-se a ampliação da temática
em uma perspectiva de transformação – que contribua para emancipação humana.
A pesquisa aqui empreendida, também, tem sua importância no que se refere
às Travestilidades e o mundo do trabalho, por se tratar do fomento de análises
críticas para a formação profissional dos(as) assistentes sociais, e sobre a realidade
dessa população, na perspectiva de fornecer elementos na luta e para defesa dos
direitos e na construção de uma sociedade sem preconceito e/ou qualquer forma de
opressão e exploração, pois se tem aí princípios e valores que servem de direção na
busca de estratégias para o enfrentamento da hegemonia conservadora, e a defesa
intransigente dos direitos da classe trabalhadora.
Além disso, é possível ainda afirmar que apesar da incorporação da temática
da diversidade humana e, em particular, da diversidade sexual e das “relações
patriarcais de gênero” ao Serviço Social, as questões relacionadas à população
travesti permanecem incipientes, demandando novos estudos e pesquisas, com
apropriação teórico-metodológica crítica, que possam contribuir com a afirmação e
concretização dos valores e princípios defendidos pela profissão, com base no
reconhecimento da liberdade como valor ético central (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993).
Os valores e princípios defendidos pelo assistente social se contradizem ao
projeto societário capitalista, até mesmo na luta contra o preconceito e a
discriminação. No entanto, é preciso estar atento às mudanças sociais,
compreendendo tais fenômenos para além da sua imediaticidade, ou seja, deve-se
partir para além dos processos alienantes que muitas vezes são posicionados como
barreiras no cotidiano laboral do profissional do Serviço Social. Assim, a formação
contínua deve ser um dever desses profissionais, a fim de compreender as
particularidades que englobam os cotidianos de trabalho, para romper com a
alienação que se materializa em face do preconceito, inclusive da transfobia.
Coloca-se como desafio:

[...] O discurso dominante é o da naturalização e moralização da


criminalidade; as práticas de encaminhamento são seletivas,
baseadas, muitas vezes, em critérios que envolvem avaliações
morais, de classe e condição social. O assistente social precisa estar
capacitado para enfrentar esse discurso, de forma a não reproduzi-lo
reeditando o conservadorismo profissional, a não atender às novas
26

requisições do estado policial, para não incorporá-las exercendo a


coerção (BARROCO,2011, p. 213).

De tal modo, Barroco (2009) aponta que nesse modelo de sociabilidade, as


relações sociais em torno do trabalho são realizadas de forma individualista
efragmentada, portanto, é preciso questionar: a alienação tem centralidade sobre a
compreensão de quem são as travestis no mercado de trabalho? Quais são suas
demandas? Porque estas não se inserem no mercado de trabalho formal?
A alienação, em suma, é decorrente de um ethos burguês que se constituiu
no modo de produção capitalista em simbiose com outros sistemas de opressão
(patriarcado, racismo etc.), que são determinados e articulados com outros sistemas
opressores, tecendo-se, muitas vezes, juízos de valores alienantes e conservadores
sobre as identidades Trans*. Assim, tem-se a necessidade da formação contínua,
sendo preciso observar atentamente as agendas de lutas da classe trabalhadora e
as suas particularidades.
Na estrutura da organização da presente pesquisa fez-se uma apresentação
dividida em três tópicos, a saber: 1) as transformações do mundo do trabalho e
como as travestilidades se inserem nesse debate, demarcando a década de 1970
como momento crucial sobre a crise do capitalismo e sua consequência para a
classe trabalhadora; 2) a apresentação do caminho teórico-metodológico utilizado
para o desenvolvimento das linhas que se seguem; e, 3) uma análise acerca da
escolha da cidade do Natal como locus da pesquisa.

1.1 Travestilidades e as transformações no mundo trabalho na sociabilidade


capitalista

O trabalho faz parte da essência do ser social, e é ele quem funda e distingue
os seres humanos dos animais mediante processo de consciência. Neste sentido,
conforme Netto e Braz (2010, p. 34), “foi através do trabalho que grupos de
primatas, surgiram os primeiros grupos humanos – numa espécie de salto que fez
emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser
social”. A partir do pensamento marxista, é possível afirmar que “o trabalho é um
processo entre o homem e a natureza, um processo em que homem, por sua própria
27

ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza” (MARX, 1983 apud
NETTO, BRAZ, 2010, p. 31).
Por via do trabalho, as sociedades foram se construindo e mantendo-se por
intermédio das relações sociais. Assim, as transformações via mediação dos seres
humanos (homens e mulheres) com os elementos da natureza permitiu a estes
suprirem suas necessidades físicas, biológicas, psíquicas, sociais e culturais.
Segundo Lukács (1978, p. 6), o trabalho é realizado a partir do pensamento
teleológico. Logo, o ser social produz os seus produtos em interação constante com
a natureza, ou seja, “a teleologia é um modo de pôr – posição sempre realizada por
uma consciência – que, embora as guiando em determinada direção, pode
movimentar apenas séries causais”.
É no nível da teleologia, que os indivíduos sociais realizam o trabalho – a
necessidade que foi representada na sua subjetividade (prefigurada) e no plano da
objetivação; quando esses sujeitos transformam aqueles elementos (materiais) da
natureza naquilo que foi idealizado, finalizando na sua efetivação (NETTO, BRAZ,
2010).
A história permitiu ao ser social aperfeiçoar as habilidades e suas mediações
com a natureza – processo este que se complexificou quando da geração de
diversas e novas necessidades para os seres humanos. O trabalho, ao longo dos
tempos, constituiu-se como principal elemento das relações sociais, e sempre
esteve presente desde as sociedades primatas até a atual – a capitalista, que se
consolida na passagem do século XVIII ao XIX (NETTO; BRAZ, 2010).
O trabalho no modo de produção capitalista é o principal mecanismo de
obtenção da riqueza produzida coletivamente, mas que é apropriada individualmente
pelo burguês – aquele que detém os meios de produção. Neste sentindo, a
lucratividade produzida pela força dos(as) operários(as), trabalhadores(as) e/ou
camponeses(as) faz parte do modo de produção capitalista que se reproduz
mediante o trabalho alienado. Destarte, no referido modo de produção, o trabalho
não é mais visto como um caminho para a liberdade e transformação dos seres
humanos enquanto ser social, uma vez que:

Quanto maior for a alienação produzida pela estrutura econômica


maior é a alienação da vida cotidiana e sua reprodução para o
restante da vida social, o que faz com que a sociedade burguesa
28

tenha maior nível de alienação e de todas as sociedades


precedentes (BARROCO, 2010, p. 180).

Consequentemente, na sociedade com alto nível de alienação, são colocados


diversos limites organizativos para a classe trabalhadora, principalmente em
contexto de crise estrutural do capital, gerando diversas transformações no mundo
do trabalho, tais como: a precarização, o desemprego estrutural, a exploração e a
opressão daqueles contingentes subalternizados (negros, imigrantes, deficientes,
mulheres, LGBTs – em especial, as travestis, conforme as condições de subversão
da identidade de gênero via divisão sexual/gênero do trabalho).
Diante do exposto, têm-se que as expressões da visão de mundo com base
na heterossexualidade como ideologia, que segmenta, inclusive, os espaços do
mercado de trabalho permeados pelo preconceito e pela discriminação e alienação –
quando o outro (aqui nessa pesquisa refere-se a diversidade) não pode ser visto
como membro daquele espaço.
Destarte, na sociedade capitalista, o trabalho exerce-se de forma alienada,
processa-se com a apropriação individual da riqueza produzida coletivamente para a
constituição do lucro sob a forma da superexploração, com forte reprodução da
questão social16 e suas múltiplas expressões, tais como: as violações de direito da
população travesti, a negação do acesso ao mercado de trabalho e o
recrudescimento da violência, cujo os diretos são negados via agudização da
barbárie contra esse segmento.
As precarizações e negações que as travestis sofrem tratam-se de
expressões da questão social, ou seja, “a questão social apresenta diferentes
aspectos econômicos, políticos e culturais” (IANNI, 1992, p. 94), recrudescendo,
especialmente, em tempos de crise do capital.

16A questão social entende-se como parte das contradições entre capital x trabalho. Está assentada
em uma base que tem como modo de produção capitalista, na qual toda riqueza que foi produzida
coletivamente é apropriada pelo o burguês, assim essas contradições geram diversas expressões da
desigualdade na sociedade. Nesse sentido, deve-se ressaltar que a particularidade da realidade na
América Latina, Brasil, que conforme (IAMAMOTO, 2011, 128) diz que “as desigualdades que
presidem o processo de desenvolvimento do País têm sido uma de suas particularidades históricas.
O “moderno” se constrói por meio do “arcaico”, recriando elementos de nossa herança histórica
colonial e patrimonialista, ao atualizar marcas persistentes e, ao mesmo tempo, transformá-las, no
contexto de mundialização do capital sob a hegemonia financeira. As marcas históricas persistentes,
ao serem atualizadas, repõem-se, modificadas, ante as inéditas condições históricas presentes, ao
mesmo tempo em que imprimem uma dinâmica própria aos processos contemporâneos”.
29

No sentido de compreender a realidade que perpassa a vida das sujeitas


(localizadas em Natal) da presente pesquisa, têm-se como delimitação histórica as
transformações no sistema produtivo, pós-colapso dos 1970 e, consequentemente,
com os rebatimentos destrutivos para a classe trabalhadora, sobretudo, para os
segmentos mais marginalizados da sociedade.
Neste sentido, as transformações societárias engendraram no mundo do
trabalho questões cada vez mais complexas, quais sejam: o processo de
reestruturação produtiva que coloca a classe trabalhadora em condições de redução
do emprego formal, baixos salários, o aumento em nível mundial do desemprego, as
terceirizações, os vínculos trabalhistas frágeis e os precarizados e fortes
rebatimentos e desmobilização na organização sindical dos(as) trabalhadores(as).
Segundo Antunes (2011, p. 47), “o mais brutal resultado dessas
transformações é a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego
estrutural, que atinge o mundo em escala global”. Não obstante, as referidas formas
de trabalho precarizado e o desemprego são dimensões que afetam as travestis na
sociedade brasileira, em especial, aquelas residentes na região do Natal.
Os elementos que compõem a reestruturação produtiva fazem parte de um
processo estratégico no âmbito da mundialização do capital para a manutenção das
taxas de lucratividade e da hegemonia capitalista. Assim, “frente a este processo, a
partir dos anos 1980, o capital procura enfrentar suas próprias contradições,
implementando iniciativas que permitem a recomposição das taxas de lucro, ao
tempo em que desenvolve iniciativas que as legitimem socialmente” (MOTA, 2012, p.
31).
Com o Neoliberalismo ocorreram significativas mudanças no âmbito da esfera
estatal, com redução das políticas sociais, da privatização da máquina pública, com
base em um Estado cada vez cada vez mais submetido aos interesses econômicos
e políticos dominantes no cenário internacional e nacional. Dessa forma, o Estado,
sem dúvida, tem uma função na sociedade capitalista: a integração e defesa dos
interesses da burguesia, ou seja, tem-se como um espaço de disputas de classes
(MANDEL, 1982).
Contudo, conforme Iamamoto (2000, p. 49), tal processo de mudança não
atinge somente a economia e a política, mas todas as dimensões da vida social,
com destaque para a reprodução de valores conservadores nas relações sociais:
“[...] esse cenário, de nítido teor conservador, atinge as formas culturais, a
30

subjetividade, a sociabilidade, as identidades coletivas, erodindo projetos e utopias.


Estimula um clima de incertezas e desesperanças”.
O estímulo ao conservadorismo se materializa nas diversas violações de
direitos. Na presente pesquisa, foi possível analisar que as políticas públicas para a
população Trans* no Brasil ainda são ínfimas devido à base fundamentalista e
reacionária, que é hegemônica nos setores políticos da governabilidade brasileira
fundados na defesa intransigente da família patriarcal – da propriedade privada e da
manutenção dos status quo.
De tal maneira, como analisa Iamamoto (2000), tais questões sobre o
conservadorismo e o fundamentalismo incidem de forma conservadora na
sociabilidade, e são nessas relações que estão inseridas as sujeitas dessa pesquisa:
as travestis, em sua maioria, na prostituição, com base nas desigualdades sociais
que lhes são colocadas, gerando, consequentemente, “a sua subordinação às leis
mercantis estimula atitudes e condutas centradas no indivíduo isolado, em cada um
‘é livre’ para assumir os riscos, as opções e responsabilidades por seus atos em
uma sociedade de desiguais” (IAMAMOTO, 2000, p. 49), principalmente, nas mais
diversas situações, pelo não acesso a uma formação de qualidade, observando-se o
preconceito que vivenciam nas escolas, nos centros educacionais e na universidade.
Conforme uma reportagem da revista Carta Capital, “Daniela Andrade,
militante e ativista Trans*, relata como é difícil entrar no mercado formal de trabalho
onde 90% das travestis e transexuais brasileiras estão na prostituição 17” (LAPA,
2013). Sobre tal temática, têm-se ainda as pesquisas realizadas por Benedetti
(2005), Pelúcio (2007), Macdowell (2010) e Don Kulick (2007), que apresentam, do
mesmo modo, estudos sobre a prostituição de travestis em diversas capitais do País.
Neste ponto de vista, vale aqui questionar: onde estão as travestis para além da
prostituição? Quais são os espaços que estas ocupam no mundo do trabalho?
Mesmo sendo uma força de trabalho para o capital, porque as travestis não se
inserem nos mercados de trabalho formais? Porque a maioria das travestis são
desempregadas? E quando são contratadas e/ou concursadas, quais são as
violações de direitos que perpassam aos seus cotidianos de trabalho?

17Reportagem da Revista Carta Capital “O preconceito contra Transexuais no Mercado de Trabalho”,


Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/o-preconceito-contra-
transexuais-no-mercado-de-trabalho-2970.html#content. Acesso dia 11 de setembro de 2014.
31

Assim, em face do contexto das transformações societárias, com o


acirramento das expressões da questão social, do desemprego, do avanço do
conservadorismo e fundamentalismo religioso e da intensificação das desigualdades
sociais, torna-se necessário identificar quais as particularidades dessas expressões
sobre a inserção das travestis no mundo do trabalho na cidade do Natal.
Diante do exposto, a relevância social e acadêmica da presente pesquisa
consiste em investigar e contribuir com maior visibilidade social tanto na sociedade
como na academia, promovendo os estudos sobre as travestilidades e as condições
concretas vivenciadas pelas travestis no âmbito do trabalho. Os resultados apontam
para algumas respostas para as reflexões supracitadas. No entanto, são resultados
que tem seu tempo histórico, dado que a realidade é dinâmica e está em movimento
constante.
Portanto, essa dissertação tem por objetivo geral analisar as condições de
vida das travestis e a sua inserção precária no mercado de trabalho, observando a
realidade do desemprego e da formalidade e informalidade na cidade do Natal/RN.
No percurso investigativo construíram-se objetivos específicos, tais como:
mapeou-se e analisou-se os campos de trabalho formal/informal que as travestis
podem se inserir na cidade do Natal; construiu-se o perfil socioeconômico das
travestis trabalhadoras e/ou desempregadas; apreendeu-se as principais formas de
violação de direitos e as precarizações vivenciadas pelas travestis no trabalho para
pensar a superação das violações de direito no âmbito do trabalho; e, analisou-se a
agenda política do movimento Trans* sobre a inserção no mercado de trabalho no
Brasil e em relação ao enfrentamento da violação de direitos no trabalho.

1.2 O caminho teórico-metodológico da pesquisa

Hei-de inventar
um verso que vos faça justiça!
(Mia Couto)

Na presente pesquisa tem-se por valores e perspectiva a análise da realidade


para além da sua imediaticidade, do pragmatismo da vida cotidiana, expressando o
compromisso com a transformação social para a superação dos padrões
hegemônicos do sistema capitalista, patriarcal, racista, que se fundam na
32

heterossexualidade como ideologia, demonstrando o compromisso com os princípios


éticos aqui elucidados, com “versos que façam justiça”, e que se guiem para além do
atual modus operandi.
A partir das pesquisas já realizadas sobre a população de travestis no Brasil,
faz-se importante corroborar as análises da realidade social que perpassam a vida
das travestis no mercado de trabalho. Assim, o presente estudo se deu em prol da
análise das violações de direitos sobre esse segmento no mundo do trabalho,
buscando contribuir para o horizonte da emancipação humana dessas sujeitas.
Para o entendimento do objeto de estudo foi preciso apreender o movimento
do real mediante uma análise que possibilitasse desvendar suas múltiplas
determinações, não de forma linear, mas com base na realidade como um processo
dialético, histórico e contraditório.
Por intermédio das análises marxistas, identificou-se que Marx (2003), em sua
análise do objeto de estudo – a sociedade burguesa –, a realidade não é estática,
mas apresenta uma dinamicidade, e o movimento do real transforma-se conforme as
conjunturas sociais, econômicas, políticas, culturais e ideológicas, de forma
complexa.
Como apresenta Minayo (2002), uma pesquisa é como uma cartografia de
escolhas para abordagem da realidade. Neste sentido, o método de análise da
presente pesquisa centra-se na teoria crítica marxista, por compreender que esta
possibilita a apreensão da realidade pela perspectiva da totalidade, considerando
ainda a historicidade dos processos sociais, a relação dialética entre a objetividade e
a subjetividade e as contradições sociais. De tal modo:

Nessa perspectiva, que é crítica, histórica e ontológica, o sujeito que


quer conhecer não apenas descreve, mapeia ou retrata. Esse é um
trabalho pré-teórico importante. Mas o central nessa linha de análise
é que o sujeito procura reproduzir idealmente o movimento do objeto,
extrai do objeto as suas características e determinações,
reconstruindo-o no nível do pensamento como um conjunto rico de
determinações que vão além das suas sugestões
imediatas(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 38).

A escolha pelo Método Materialista Histórico e Dialético se deu pelo fato de


considerar este como um método que trabalha com a crítica ontológica, a
perspectiva da totalidade rompe com o ponto de vista da neutralidade axiológica, a-
histórica, idealista. A dialética trabalha com a apreensão e análise do objeto
33

mediante a perspectiva dos valores e concepções acerca do real – valores que não
requerem somente a explicação e descrição da realidade, mas a busca, sobretudo,
da superação do atual modelo de sociedade; que nega a neutralidade, na defesa de
uma sociedade com um modo de se estruturar e produzir valores que busquem a
emancipação humana.
Do ponto de vista da forma de abordagem ao problema aqui exposto,
privilegiou-se a técnica de investigação quanti-qualitativa, considerando a natureza
do objeto, o que não significa instaurar um fosso entre as pesquisas qualitativa e
quantitativa, tendo em vista que além das estratégias próprias da investigação, fez-
se uso de dados e informações de outras pesquisas que contribuíram na apreensão
do objeto de estudo.
As técnicas que foram utilizadas como forma de apreender as múltiplas
determinações do objeto foram as que se seguem: análise bibliográfica, análise
documental, diário de campo e entrevistas semiestruturadas. O estudo consistiu de
uma análise bibliográfica, a fim de elaborar e aprofundar os conceitos e as
categorias do objeto.
Para a inserção empírica e como forma estratégica de aproximação sucessiva
do objeto de estudo, fez-se uso de diversas abordagens, entre as quais, a
necessidade da participação em fóruns da comunidade travesti, participação em
congressos, seminários locais e nacionais que forneceram informações das sujeitas
da pesquisa, onde se mapeou os espaços de trabalho formal e informal destas na
cidade do Natal, além de identificar um grande contingente populacional na condição
de desempregadas.
Conforme a pesquisa realizada por Oliveira (2013), em Natal existiam duas
associações de travestis, a saber: 1) a Associação de Travestis e Transexuais
Potiguares na Ação pela Coerência no Rio Grande do Norte (ATRANSPARÊNCIA);
e, 2) a Associação das Travestis Reencontrando a Vida (ATREVIDA), que possuía
150 travestis cadastradas nas associações. Por meio das referidas associações
foram possíveis os primeiros contatos com algumas das interlocutoras do presente
estudo.
Do universo supramencionado, fez-se uso da entrevista com nove travestis
(contando com a entrevistada que era representante nacional da ANTRA) – uma
amostra não probabilística intencional. Tal delimitação se deu pela dificuldade de
acesso a essa população, inseridas nas diversas zonas administrativas do Natal.
34

Assim, considerou-se esse número significativo, que permitiu identificar e analisar


qualitativamente a inserção das travestis nos campos de trabalhos formais e
informais na cidade do Natal. Nas entrevistas foram incluídas também as travestis
desempregadas que já trabalharam com carteira assinada no mercado de trabalho
formal, o que permitiu a identificação dos desafios enfrentados por estas na
condição de desempregadas.
Em face das aproximações sucessivas com o objeto de estudo, para
composição da pesquisa, fez-se uma participação na “Semana de Capacitação para
o Fortalecimento da Política Estadual de Promoção da Equidade em Saúde do Rio
Grande do Norte”, em especial, da mesa “Saúde LGBT – Prevenção e cuidado:
discussão sobre o uso inadequado de silicone em jovens travestis e transexuais e o
processo Transexualizador do SUS – Laboratório TT”. Mediante os relatos das
travestis no debate foi possível identificar alguns campos de trabalhos formais onde
estas atuam na cidade do Natal.
Foram realizados vários contatos, a fim de identificar as travestis que estavam
dispostas a participar do presente estudo. Por intermédio da rede social virtual
Facebook, construiu-se uma rede de conhecimento de travestis que eram
concursadas em Natal, e outras que estavam desempregadas. Enviou-se para cada
uma o convite perguntando se as mesmas gostariam de contribuir com a pesquisa.
Deste modo, foi possível a aproximação junto às interlocutoras que participaram do
estudo.
Tomando como ponto de partida o estudo de Yazbek (2006), foi possível
pensar os seguintes aportes para a composição da presente pesquisa: como
descobrir essas múltiplas dimensões que envolvem as travestis? Qual local
podemos encontrá-las? Sabendo que a complexidade da temática pesquisada exige
um rigor teórico-metodológico sólido para a apreensão da imensidão do assunto, a
perspectiva de análise qualitativa que se seguiu tem a seguinte direção:

A abordagem qualitativa busca aqui, através da recuperação de


trajetórias individuais, o resgate de alguns sentidos e significados de
uma realidade social e coletiva que aqui se revela pelo conhecimento
de algumas situações-limite em termos da desumanização do
homem (YAZBEK, 2006, p. 89).

Diante do exposto, como forma de coleta de dados e informações, foram


realizadas entrevistas semiestruturadas com travestis na cidade do Natal. Fez-se
35

uso de um roteiro previamente elaborado que combinou perguntas abertas e


fechadas, possibilitando o aprofundamento sobre a construção da identidade
travesti, o perfil socioeconômico sobre as condições de vida, a busca por trabalho e
as violações de direito no âmbito do trabalho.
As entrevistas foram gravadas mediante autorização das entrevistadas,
comprovada por intermédio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
conforme a Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata
dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos. Assim, como ação de
manutenção da integridade e o sigilo na pesquisa, fez-se uso de nomes fictícios,
como forma de homenagear as travestis que foram pioneiras na militância e na
visibilidade da população Trans*, conforme se segue:

 Camille Cabral18 – Nasceu em Natal, vive no bairro Lagoa Seca, tem 33


anos, é cabelereira trabalhadora informal, cor morena, possui o segundo grau
completo e é militante da ATRANSPARÊNCIA. Conforme relato, sua
visibilidade da identidade de gênero teve início na adolescência, mas
somente veio afirmar-se como travesti depois dos 25 anos de idade. A partir
daí, começou a trabalhar como cabeleireira informal, sem contribuir com a
Previdência Social e não possuindo, desde sua afirmação da identidade de
gênero travesti, carteira de trabalho regulamentada e outros direitos
trabalhistas. Ganha aproximadamente um salário mínimo.

 Janaína Dutra19– Residente do bairro Lagoa Seca, em Natal, é militante do


movimento a ATRANSPARÊNCIA. Tem 23 anos, se considera negra, é
trabalhadora formal como atendente em uma lanchonete do bairro, mas não
contribui com a Previdência Social e não possui carteira de trabalho assinada
até o momento da entrevista. Sua afirmação da identidade de gênero se deu
na adolescência, enfrentou pouco preconceito por participar de líder de sala

18 Camille Cabral – Foi a primeira transexual brasileira eleita como deputada na França, formou-se em
medicina, depois migrou para França onde participou como uma das fundadoras do PASTT -
Prévention Action Santé Travail pour les Transgenres (Prevenção, Ação, Saúde e Trabalho para os
Transgêneros).
19 Janaina Dutra – Foi grande militante do Movimento Trans no Brasil, cearense, formada em direito

uma das primeiras Travestis que teve a carteira profissional da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) reconhecendo seu nome social e sua identidade de gênero. Janaína faleceu no dia 8 de
fevereiro de 2004, vítima de câncer pulmonar aos 43 anos de idade.
36

em sua escola e sempre esteve atenta aos enfrentamentos e resistências.


Possui curso profissionalizante de auxiliar em serviços gerais e tem como
sonho fazer o curso de Pedagogia. Ganha menos de um salário mínimo.

 Marsha Johson20 – Residente do bairro das Rocas – local onde vive até hoje.
Tem 58 anos e possui duas graduações universitárias (nos cursos de
Contabilidade e Letras). Atualmente é professora da Rede Estadual de Ensino
no Rio Grande do Norte. Trabalhou por alguns anos como contadora em
diversas empresas na região metropolitana do Natal. Sempre se destacou por
conta dos estudos, embora presenciando, em alguns momentos, situações de
preconceito dado a sua identidade de gênero, seja na universidade, na rua ou
nos locais de trabalho por onde passou. Como pertencimento de classe
afirma-se como trabalhadora do setor educacional. Contribui com a
Previdência Social, faltando pouco tempo para se aposentar, pois já tem 28
anos de contribuição (isso se não for implementada a reforma da previdência
do governo Temer PMDB). Seu salário é o piso de professores da rede
estadual de ensino da qual faz parte.

 Jovanna Cardoso21 – Outra história de vida é a desta técnica em


enfermagem da Rede Estadual de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte,
que trabalha em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica na cidade
do Natal, considera-se parda e tinha 25 anos de idade. Natural da cidade de
Patos, Paraíba, na época da entrevista vivia no bairro do Alecrim. Contribui
com a Previdência Social, sendo concursada pelo Estado. Após a entrevista,
foi possível conhecer o seu local de trabalho, suas companheiras de trabalho
e como é a vivencia no espaço onde trabalha. Ganha aproximadamente dois
salários mínimos.

20 Marsha Johnson – Era uma Mulher Trans e negra, militante do movimento LGBT nos Estados
Unidos, considerada heroína de Stonewall acontecimento histórico que trouxe grandes conquistas
organizativas para esse segmento mundialmente, Marsha tem pouca visibilidade mundial, mas foi
uma das principais líderes da revolta de Stonewall na cidade de Nova York.
21 Jovanna Cardoso – Militante dos Direitos Humanos e LGBTs, foi a fundadora no Rio de Janeiro da

primeira Associação de Travestis da América Latina, coordenadora municipal dos direitos humanos
da cidade de Picos no estado do Piauí.
37

 Brenda Lee22 – A mais jovem das entrevistadas tem 20 anos de idade, é


natural da cidade de Fortaleza, Ceará, e hoje vive em Natal com seu
companheiro no bairro do Alecrim. Está desempregada, considera-se de
classe média, de cor parda. Em seus relatos, manifestou já ter feito diversos
“bicos” no setor informal. Já foi dançarina de funk como forma de ganhar uma
renda que desse para suprir suas necessidades pessoais. E ainda, trabalhou
em lojas e de auxiliar em salão de beleza. Não contribui com Previdência
Social e não recebe auxílio socioassistencial. Até o momento estava sem
nenhuma renda.

 Claúdia Wonder23 – Tem 43 anos de idade, mora no bairro Cidade Alta,


considera-se de cor branca, é cabelereira e tem seu próprio salão,
considerando-se como uma trabalhadora autônoma. Antes do salão,
empregou-se em outros locais, a saber: oficinas de carro, vendedora de
roupas e lojas de móveis. Hoje contribui com a Previdência Social. Já militou
em movimentos sociais na cidade do Natal, mas atualmente não participa de
nenhuma organização política. Não informou quanto ganha. Claúdia faz
shows como cantora.

 Kátia Tapety24 – Tem 22 anos de idade e considera-se de cor negra. No


momento da entrevista, estava desempregada. A única experiência de
trabalho foi na cidade de São Paulo, onde trabalhou por seis meses como
recepcionista em um Hotel. Hoje habita no bairro das Rocas, Zona Oeste do
Natal. Tem o terceiro grau completo. É a segunda mais jovem das travestis
entrevistadas pela pesquisa. Identificando-se de classe pobre trabalhadora,
mencionou a dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal em Natal,

22 Brenda Lee – Considerada como “Anjo da guarda das Travestis”, foi militante do movimento LGBT,
acolhia em sua casa pessoas discriminadas pela sociedade sobretudo pelo preconceito e estigma
relacionado à AIDS, “a Casa Brenda Lee” foi fundada no ano de 1988, tinha como proposito o
acolhimento de pessoas com HIV. Brenda foi brutalmente assassinada em 28 de maio de 1996.
23 Claúdia Wonder – Militante do Movimento LGBT de São Paulo, foi uma das coordenadoras do
Centro de Referência da Diversidade em São Paulo, foi, também, coordenadora do Grupo de Estudos
da identidade de Gênero "Flor do Asfalto", trabalhou como colunista e repórter da revista G
Magazine e do site G online até 2008, Faleceu em 2010.
24 Kátia Tapety – Foi a primeira travesti eleita a vereadora no Brasil, foi a candidata mais votada na

cidade de Colônia no Estado do Piauí.


38

dado o preconceito construído sobre a identidade Trans*. Não recebe


nenhum benefício socioassistencial.

 Marlene de Waya25 – Residente do bairro do Alecrim, tem 31 anos de idade e


considera-se de cor branca. No momento da entrevista, estava
desempregada. Possui o Ensino Médio completo, um curso superior
incompleto, e hoje faz licenciatura no Instituto Federal do Rio Grande do
Norte (IFRN). É militante do movimento Trans* em Natal. Em seu relato,
manifestou já ter laborado como secretária e em lojas. Relatou ainda sua
aprovação para o cadastro de reserva de iniciação à docência/PIBID – valor
da bolsa de R$ 400,00 (quatrocentos reais).

Os depoimentos coletados apresentam uma diversificação de fragmentos de


histórias de vida, trabalho, luta e resistência para suprir suas necessidades. As
entrevistas foram realizadas mediante autorização das mesmas e gravadas. É
preciso salientar a dificuldade na coleta de informações sobre as entrevistadas Kátia
Tapety e Marlene de Waya, devido aos problemas eventuais contraproducentes na
construção das histórias de vida das informantes, a saber: o local onde se deram as
entrevistas não era adequado devido ao barulho e ao movimento de pessoas – o
que interferiu na produção profícua dos dados, entre outros. No entanto, os
elementos relatados por estas duas participantes da pesquisa foram significativos
para as análises dos objetivos do presente estudo.
O processo de aproximação com o campo pesquisado e com as sujeitas teve
início bem antes da inserção no curso de Mestrado em Serviço Social da UFRN.
Muitas vezes, quando trafegava-se na Avenida Roberto Freire, em Natal, e ao
constatar diversas travestis tarde da noite prostituindo-se, naquele momento tem-se
a origem de diversas reflexões, principalmente pelos altos índices de trabalhadoras
do sexo naquela região. Além disso, era questionador saber o porquê da não
identificação de outros locais (secretarias, hospitais, lojas, shoppings centers,
escritórios, instituições públicas e privadas) como aqueles onde as sujeitas não se

25 Marlene de Waya – Formada em Psicologia pela Universidad Popular Madres da Plaza de Mayo, é
uma grande militante do movimento Trans na Argentina, é Coordenadora Geral Futuro
Transgenerico y Co-fundadora da Rede Trans de Latinoamérica y el Caribe “Silvia Rivera”. Ex-
diretora de “El Teje” primeiro periódico Travesti da América latina, também, foi uma das fundadoras
da Cooperativa têxtil Nadie Echazú.
39

faziam presentes. Assim, foi possível perceber a invisibilidade dessa população nos
mercados de trabalhos formais.
Elegeu-se as travestis como interlocutoras de análise do presente estudo pelo
fato da “invisibilidade” latente e/ou da precária inserção destas no mercado de
trabalho, o que pode causar mais diversas preocupações no sentido de se construir
uma sociedade para além do atual modelo centrado na desigualdade social, fundada
na divisão sexual do trabalho, dado os processos de preconceito e discriminação
que negam o direito das sujeitas terem acesso às necessidades elementares, como,
por exemplo, o trabalho.
No que se refere ao enfrentamento das violações de direitos no trabalho, e
sobre as políticas públicas de inserção das travestis no mercado de trabalho, fez-se
uma entrevista com a representante nacional da Articulação Nacional das Travestis
(ANTRA), a presidente Cris Steffany, onde foi possível analisar a agenda política do
movimento Trans* no Brasil, em relação ao enfrentamento das violações de direitos
no mercado de trabalho. Assim, contabilizaram-se nove sujeitas que participaram da
amostra, ou seja, oito travestis (trabalhadoras e desempregadas) e uma
representante nacional da ANTRA.
Realizou-se ainda uma análise documental de caráter qualitativo dos
seguintes documentos: relatório sobre a violência LGBTfóbica contra o contingente
LGBT, mais especificamente da população travesti, lançado pela Secretária de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR); dados estatísticos da
transfobia pela Organização Não Governamental (ONG) europeia Transgender
Europe (TGEU), do Grupo Gay da Bahia (GGB)26, de 2014. Tal análise teve como
objetivo aprofundar os dados concernentes à realidade violenta que atinge as
travestis, para além do espaço de trabalho.
Como forma de identificar as estratégias de inserção das travestis no
mercado de trabalho, analisou-se a agenda política do movimento Trans* no Brasil
em torno das políticas de renda e trabalho. Assim, fez-se uma análise documental
das políticas públicas de renda e trabalho para as travestis, de alguns marcos legais,
como, por exemplo, os documentos dos anais da I e II Conferências Nacionais de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, o Programa Brasil Sem
Homofobia (BSH) – Programa de Combate a Violência e à Discriminação Contra

26 Esses documentos estão disponíveis para acesso livre nos sites dos respectivos órgãos. Sites:
[http://www.sdh.gov.br/]; [http://tgeu.org/] e [https://homofobiamata.wordpress.com/]
40

GLBT (2004), e o Plano Nacional de Direitos Humanos LGBT, de 2009.


Especificamente foram analisados nesses documentos e planos os eixos sobre as
políticas públicas de renda e trabalho destinado à população travesti.
Para a apreensão de aspectos sobre a inserção das travestis no mercado de
trabalho formal e informal, fez-se uso da técnica da pesquisa de campo, conforme
assevera Gil (2002, p. 53):

O estudo de campo focaliza uma comunidade, que não é


necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de
trabalho, de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade
humana. Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da
observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas
com informantes para captar suas explicações e interpretações do
que ocorre no grupo. Esses procedimentos são geralmente
conjugados com muitos outros, tais como as análises de
documentos, filmagens e fotografias.

No trabalho de campo fez-se uso da técnica da observação participante – “um


processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador, no caso, fica em
relação direta com seus interlocutores no espaço social da pesquisa, na medida do
possível, participando da vida social deles” (MINAYO, 2002, p. 70). A técnica foi
utilizada como trabalho de observação, acarretando no diário de campo, onde foi
possível expressar as informações pertinentes ao objeto estudado.
No tópico a seguir, fez-se uma análise sobre a territorialidade da cidade do
Natal/RN, apreendendo alguns determinantes sociais que seguem nesse estudo.

1.3 Demarcando o território, particularizando as fronteiras: as


travestilidades na cidade do Natal, Rio Grande do Norte

As desigualdades sociais que perpassam o cotidiano das travestis geram


múltiplas violações de direitos. Para situar as negações de direitos que tais sujeitas
vivenciam no âmbito do trabalho, fez-se uma análise da territorialidade da cidade do
Natal – locus da pesquisa, a fim de entender as particularidades das relações sociais
estabelecidas nessas fronteiras.
41

O campo de estudo foi a cidade do Natal27, situada na região Nordeste, no


Estado do Rio Grande do Norte, onde a questão da transfobia tem se intensificado
em decorrência das particularidades quanto a sua formação social, cultural e
econômica.
Neste sentido, alguns elementos da formação social da “região” Nordeste e as
particularidades da cidade do Natal são importantes para entender os determinantes
sociais e culturais que incidem na vida das entrevistadas. Em suma, têm-se como
tese que a colonização, a concentração de terra, o patriarcado/machismo, a cultura
opressora e o racismo são alguns elementos importantes norteadores das
dimensões que totalizam as relações de trabalho das travestis nordestinas,
potiguares, natalenses, e sua subalternização na divisão sexual do trabalho, no
capitalismo periférico.
Assim, Natal é conhecida como a “terra do sol” e está inserida na região
Nordeste; é a capital do Estado do Rio Grande do Norte; é famosa pela exuberância
de suas praias; é conhecida como a esquina do Brasil e possui muitas riquezas de
valor cultural que fazem parte da referida capital.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(2014), a cidade do Natal possui aproximadamente 862.044 habitantes para um
território de 167,273 km².As belezas da capital convivem com a concentração de
pobreza e desigualdade social, conforme os dados do mesmo Instituto (2003); a
incidência da pobreza ali existente era de 40,86%. Para a compreensão das
desigualdades sociais que perpassam a capital potiguar, é preciso tratar da
formação social brasileira, sobretudo, dessa região. Assim, é possível apontar como
principais elementos dessa formação: a concentração de terra, o mandonismo local
e a família patriarcal e oligárquica.
Oliveira (1981), aponta que essas regiões tiveram diversas mutações ao
longo da história econômica e social nacional do país. Para aquele autor, a literatura
apresenta diversas dimensões na regionalidade e nacionalidade das dimensões dos
“Nordestes” (OLIVEIRA, 1981, p. 32). As análises em torno da compreensão da
formação social do Brasil, especificamente, do Nordeste brasileiro, são os elementos

27 Conforme mapa da violência do Relatório da Violência Homofóbica no Brasil realizada pelo Grupo
Gay da Bahia (GGB), durante o ano de 2013 e 2014, o Estado do Rio Grande do Norte estava em 3º
lugar no Nordeste entre os estados mais perigosos para os LGBT’s. Disponível em:
<http://homofobiamata.files.wordpress.com/2012/05/o-mapa-gays-570.jpg;>. Acesso em: 18 de
outubro de 2014.
42

que consubstancializam e dão sustentação para entender como se dá a formação do


poderio patriarcal e coronelista no Estado do Rio Grande do Norte, que se expressa
em um cotidiano machista, misógino e sexista.
Além disso, o colonialismo acentuado na referida região trouxe diversas
desigualdades de gênero, ou seja, “a colonização em si foi um ato de gênero,
realizada por forças de trabalho imperiais, esmagadoramente varoas, provenientes
de ocupações masculinizadas que empregaram forças militares e comércio de longa
distância” (CONNELL, 2014, p. 26).
De fato, é possível compreender que a colonização das Américas e,
sobretudo, na região Nordeste do Brasil, trazem marcas históricas presentes ainda
no cotidiano. Neste sentido, jamais se pode negar a estrutura brutal com que os
homens brancos europeus chegaram na Terra de Santa Cruz. Assim, tem-se que “o
estupro de mulheres das sociedades colonizadas era uma etapa normal da
conquista. A brutalidade foi levada às sociedades coloniais, fossem colônias de
povoamento ou de exploração” (CONNELL, 2014, p. 26), ou seja, naturalizou-se a
violência contra o contingente feminino nesta região, onde mulheres indígenas e
negras vindas para a colonização via escravidão, foram estupradas, violentadas,
apropriadas de seus corpos para a manutenção da expansão da colonização nas
terras brasileiras.
Diante do exposto, o controle sobre os corpos ainda se faz presente na região
Nordeste, o patriarcado que se materializa de diversas formas, como, por exemplo,
na violência transfóbica, apresenta-se de forma mais intensificada no lócus da
pesquisa. Compreende-se que a formação social e econômica de tal região
apresenta uma particularidade em relação às travestilidades e suas vivências na
cidade do Natal, perpassadas pelos determinantes que englobam expressões da
desigualdade social e da pobreza, em especial, da formação das classes sociais, em
sua diversidade, complexidade e heterogeneidade.
Assim, as bases econômicas e sociais da formação da família patriarcal, o
coronelismo, o machismo e a cultura do mandonismo, são elementos característicos
da gênese dos principais mecanismos de opressão e exploração na região aludida –
estes ainda articulados com o capitalismo mundializado. De tal modo, acredita-se
que esses atributos apontados consubstancializam e dão maior qualificação na
rigidez das identidades, dos papéis sexuais sobre os valores considerados
masculinos e femininos; a cultura local, por intermédio do machismo exacerbado,
43

apresenta particularidades na precarização dessas sujeitas. Logo, é de se


considerar elementar o estudo aqui predisposto na região do Natal e seus
desdobramentos.
Portanto, a escolha para o estudo desse fenômeno em tal localidade trata-se
por considerar que a concentração da riqueza local se dá por diversos meios,
sobretudo, quando se trata da formação social, econômica, política e cultural,
pautada em relações de desigualdades que rebatem nas travestis. Estes
mecanismos, como se sabe, se articulam com as desigualdades de gênero, raça,
sexualidade, classe e localidade – este último trata da perspectiva da nacionalidade
posicionada de modo desigual (PISCITELLI, 2008), em especial, na inserção
subalternizada e marginalizada no mercado de trabalho.
Com base na perspectiva apresentada, a presente Dissertação foi organizada
em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado de Relações Patriarcais de
Gênero: travestilidadese inserção no mercado de trabalho, tem-se uma revisão das
principais categorias e conceitos evidenciados na pesquisa. Aqui se dá o debate
sobre alguns aspectos que estruturam o fenômeno estudado. Quando da análise, de
modo crítico, da categoria gênero, fez-se um percurso histórico desta, apontando os
fundamentais desdobramentos e perspectivas teóricas, tais como: a perspectiva
crítica das “relações sociais de sexo” adotado pelas feministas materialistas
francófonas como corrente teórica crítica ao gênero; e, a perspectiva do pós-
estruturalismo conhecida como teoria Queer.
De tal modo, adotou-se a perspectiva das “Relações Patriarcais de Gênero”
como crítica da categoria gênero utilizada de forma a-histórica e a-política, que
desistoriciza os processos sociais, culturais, políticos e econômicos. Tomou-se como
categoria central no presente estudo as “Relações Patriarcais de Gênero” como
categoria de analisar a sociedade,e, como, essa estrutura as relações sociais,
principalmente como base de sustentação das identidades pautadas no binarismo.
Assim, é nessa perspectiva que as identidades de gênero que foge do padrão
cisgênero sofrem os diversos rebatimentos, inclusive, a negação da inserção das
travestis no mercado de trabalho. Destarte, o capítulo I ainda trata de alguns
aspectos sobre a construção das identidades de gênero, além das questões que
envolvem a sexualidade, o corpo e a diversidade.
O segundo capítulo, intitulado A Inserção das Travestis no Mercado de
Trabalho em Tempos de Crise do Capital, tratou das metamorfoses no mundo do
44

trabalho, as transformações societárias advindas da crise estrutural do capital e


como a divisão sexual do trabalho traz consequências para as travestilidades, sobre
o controle do corpo dessa população. Além disso, fez-se uma apresentação do perfil
das interlocutoras da pesquisa, as condições de vida e trabalho destas, com base
nas coletas de dados, sobre a inserção das travestis no mercado de trabalho na
cidade do Natal, o que permeou os detalhes da pesquisa de campo, os avanços e as
principais dificuldades que essa população enfrenta cotidianamente em busca de
emprego.
Nesse sentido, foi possível arrematar como resultados da coleta dos dados os
seguintes aspectos: os processos de violações de direitos, o desemprego como
característica primordial para essa população, as negações de inserção no mercado
de trabalho formal, a informalidade como forma preponderante na vida dessas
trabalhadoras, a desproteção social, a precarização objetiva e subjetiva, a transfobia
institucional e os assédios sexuais e morais contra as travestis no mundo do
trabalho.
Por fim no terceiro capitulo, intitulado “Tá pensando que Travesti é bagunça”:
a organização política das travestis e a luta por políticas públicas de trabalho e renda
para a população Trans*, tem-se a importância do movimento Trans* na realidade
brasileira, o processo de organização e a luta política e organizativa por políticas
públicas de trabalho para as travestis, o enfrentamento das violações de direitos e a
análise sobre o orçamento público destinado a promoção de políticas públicas de
enfrentamento as discriminações contra população Trans*. Assim, fez-se, também,
uma análise das principais conquistas do movimento, observando a forma ideológica
dos direitos humanos na sociedade capitalista.
45

2. AS RELAÇÕES PATRIARCAIS DE GÊNERO, TRAVESTILIDADES E


INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO.

"Os estudos de gênero carecem de uma perspectiva contemporânea


das questões de transexualidades e travestilidades. Desenvolver
esse conteúdo pode ser muito benéfico para que a gente possa
pensar a situação política dessa população de outra forma. E na
atuação profissional de fato, porque a gente sabe que transexuais
são parte significativa da população de rua. A atuação profissional de
assistentes sociais bem preparados para lidar com a questão é
fundamental. Isso faz um diferencial gigante"

(Amanda Palha – Ativista Trans*)28.

No Brasil, os estudos referentes às travestilidades remontam aos anos 1990.


Neste sentido, os principais escritos advém das Ciências Sociais e da Antropologia,
com destaque para Benedetti (2005), Don Kulick (2007) e Silva (2007), que
lançaram as primeiras análises sobre as identidades travestis na realidade brasileira.
Já em relação às identidades transexuais, tem-se o estudo pioneiro de Bento (2006).
As principais categorias analisadas historicamente sobre tais identidades
foram “travestis”, “transexuais” e “transgêneros”. Outros conceitos também foram
construídos em torno dessas identidades, como, por exemplo, os estudos
relacionados a “travestismo”, “transexualidade”, “transdiversidade”, sendo hoje como
expressão mais utilizada até mesmo como posicionamento político sobre as análises
relacionadas às travestis e aos transexuais (os conceitos de “travestilidades” ou
“transdiversidade”), a fim de contemplar a diversidade de questões sobre as
identidades dessas sujeitas.
O trabalho realizado por Amaral et al. (2014) esquematiza um percurso a
respeito da produção sobre as identidades Trans*: Travestis, Transexuais,
“Travestismo”, Travestilidades, do período 2001-2010. Aquele estudo se deu
mediante as análises de monografias, dissertações, teses e artigos e, como
resultado foi possível observar a predominância nos estudos das identidades
travestis e transexuais no que se refere aos discursos ali existentes, bem como as
questões referentes à prostituição, vigilância e estigmatização relacionada ao
Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome (HIV/AIDS).
2828Disponível em: “Travesti que foi 1º lugar em Serviço Social na UFPE: 'Ainda não é vitória; é só o
começo'”. <http://www.brasilpost.com.br/2016/01/19/amanda-palha-vestibular-u_n_9009446.html>.
Acesso em: 25 de julho de 2016.
46

No que se refere à profissão do Serviço Social, esta recentemente tem


aprofundado a temática das identidades Trans* – travestis e transexuais, permeando
em estudos com maior visibilidade a partir dos anos 2000. As pesquisas sobre as
travestilidades no Serviço Social estão inseridas no campo segundo os Grupos
Temáticos da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS), no Grupo de Trabalho (GT) Serviço Social, Relações de
Exploração/Opressão de Gênero, Raça/Etnia, Geração, Sexualidades.
Na pesquisa realizada por Ferreira (2014), pode-se identificar na tabela a
seguir as produções referentes a temática sobre as discussões de gênero no
Serviço Social nos Programas de Pós-graduação (mestrado e doutorados) da
referida área. De acordo com o autor “para esta busca foram analisadas 496
dissertações e teses que apareceram no Sistema de Busca da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) quando da utilização das
palavras “Gênero” e “Serviço Social” juntas” (FERREIRA, 2014, p. 48):

TABELA 1:Trabalhos do Banco de Dados da CAPES cujos temas são Gênero e


Serviço Social, até 2012

PROGRAMA DE
PÓS- TEMA QUANTIDADE
GRADUAÇÃO
-Violência contra a mulher 11
-Trabalho e formação profissional em relação às 11
Serviço Social mulheres
-Mulheres negras 5
-Gênero e Serviço Social 5
-Saúde da mulher 4
-Relações de gênero 5
-Diversidade sexual e identidade de gênero 3
-Políticas públicas na perspectiva de gênero 2
-Masculinidades e Serviço Social 2
-Gravidez na adolescência e sexualidade da mulher 2
-Empoderamento das mulheres 1
-Abuso sexual contra mulheres e adolescentes 1
-Mulheres e cidadania 1
-Mulheres e o direito à cidade 1
-Mulheres e abuso de álcool e outras drogas 1
-Mulheres lésbicas 1
-Mulheres lésbicas e negras 1
-Privação de liberdade de adolescentes (meninas) 1
-Mulheres que vivem com HIV/aids 1
-Mulheres e família 1
-Gênero e trabalho 1
-Gênero, sexualidade e pessoas com deficiência 1
-Trabalho e formação profissional em relação aos 1
47

homens
-Homens agressores e violência doméstica contra a 1
mulher
Fonte: Dados sistematizados a partir do sistema de pesquisa CAPES, em novembro de 2012 (FERREIRA, 2014)

Neste sentido, identificou-se a escassez de pesquisas com outras temáticas


que perpassam a vida desse contingente populacional e, entre outras, foi possível
perceber a necessidade de aprofundar sobre a inserção da população travesti no
mercado de trabalho. Logo, como forma de ampliar essas discussões, partiu-se aqui
para a análise da inserção das travestis no mercado na cidade do Natal, Rio Grande
do Norte.
Destarte, no presente capítulo tem-se a análise de algumas categorias e
conceitos que são imprescindíveis para a apreensão do objeto da análise. Entre as
categorias analisadas, faz-se importante apontar a “relações patriarcais de gênero”,
como posicionamento político e pela perspectiva adotada: a marxista, ou seja,
apenas o uso do conceito de “gênero” em sua forma isolada apresenta diversos
limites para explicar a realidade, e principalmente porque se percebe que a categoria
em questão é estruturante para apreender essa realidade complexa que envolve as
travestis no mundo do trabalho.
De tal modo, fez-se uso da perspectiva do patriarcado e gênero como uma
unidade dialética, consubstancializada com outras relações de classe, “raça” e
sexualidade, uma vez que tais elementos são importantes para o entendimento da
precarização e das violações que as travestis sofrem no sistema produtivo.
Assim, como forma de entender as bases que materializam as relações de
opressão e exploração das travestis na divisão sexual do trabalho, fez-se uma
análise crítica e histórica de como o conceito de gênero tem sido utilizado e quais
são suas principais direções. E ainda, apresentaram-se alternativas críticas a esse
conceito que alguns movimentos feministas têm adotado, como é o caso das
feministas materialistas francófonas29 – com utilização da categoria “relações sociais

29 A terminologia “Feminismo Materialista Francófono” (falante do francês) surgiu nos anos 1970. “As
reflexões feministas materialistas francófonas têm se estruturado ao redor da revista Questions
Féministes desde o final dos anos 1970, especialmente com o trabalho de Christine Delphy, Colette
Guillaumin, Nicole-Claude Mathieu, Monique Wittig, Monique Plaza e outras mais. O que demarca a
proposta teórica desse grupo é, sobretudo, seu antinaturalismo e o conceito de rapports sociaux de
sexe, para dizer rapidamente as coisas. Colette Guillaumin, em um artigo de 1978, foi quem articulou
esse pensamento eminentemente coletivo de forma mais completa, com o conceito de sexagem, ou
48

de sexo”, classe e “raça”, em vez da categoria gênero, e porque não se adotou aqui
tal conceito.
Por fim, concluímos com uma análise sócio-histórica do que vem sendo
construído sobre a identidade de gênero, com base em um percurso histórico sobre
o conceito político das identidades travestis e transexuais, como tais identidades
possuem distinções que perpassam as subjetividades, a cultura, a política no
entendimento social dessas duas terminologias para, assim, entender as mediações
que são necessárias na presente pesquisa sobre a inserção das travestis no
mercado de trabalho.

2.1 As categorias analíticas de compreensão para o estudo das


Travestilidades no mundo do trabalho

Entende-se que as travestis estabelecem uma construção da identidade no


que foi social e culturalmente atribuído ao feminino, dos padrões que a sociedade
destinou as mulheres cisgêneras. Neste sentido, é possível afirmar que a referida
população se insere nos ditos “trabalho femininos”, ou seja, na divisão sexual do
trabalho destinada à esfera do doméstico, do cuidado, do “trabalho desvalorizado”
(FALQUET, 2008).
Mas algumas constatações necessitam serem informadas, a fim de pensar o
lugar dessas sujeitas na esfera da divisão sexual do trabalho. Grande parte da
população Trans* advém das camadas de baixa renda da sociedade, conforme
aponta Pelúcio (2009). Logo, é possível mencionar a opressão que as travestis
vivenciam cotidianamente, principalmente os preconceitos que foram construídos
pelo senso comum sobre as identidades Trans*, quais sejam: “o viadinho”, “a puta”,
“a infectada”, “mulher de traficante”, “cafetina”, “ladras” etc. Esses e tantos outros
conceitos pejorativos são reproduzidos em uma sociedade cada vez mais
homofóbica, transfóbica e sexista.
Não se pode desconectar o objeto de pesquisa das transformações
societárias aqui apontadas, principalmente para não cair apenas na dimensão

seja, as relações sociais de apropriação individual e coletiva das mulheres como classe de sexo,
pelos homens como classe de sexo” (CISNE; GURGEL, 2014).
49

analítica que explica as expressões da questão social somente em face da


perspectiva da subjetividade em detrimento da objetividade. Assim, pensar as
travestilidades na atual sociedade requer pensar nas barreiras que as sujeitas em
questão enfrentam no mundo do trabalho, as particularidades das opressões,
explorações e violências morais e psicológicas, que são frutos estabelecidos pelo
acirramento das contradições capital versus trabalho.
É possível, então, entender que essas pessoas pertencem, em sua maioria, a
uma classe determinada socialmente. De tal modo, a precarização no mundo do
trabalho para as travestis pode ser expressa da seguinte forma:

Apenas 5% das travestis de Uberlândia estão no mercado formal


de trabalho, de acordo com dados da Associação das Travestis e
Transexuais do Triângulo Mineiro (Triângulo Trans). Das travestis
que trabalham informalmente na cidade, 95% estão na
prostituição30. Para a presidente da Triângulo Trans, Pâmela Volp,
o preconceito e a falta de oportunidades são os principais fatores
para que a maioria permaneça na prostituição31. (NOGUEIRA,
2013).

Embora esse dado seja de certo munícipio, mas essa é uma tendência
nacional. Tem-se, portanto, uma realidade complexa que envolve a população em
estudo, do qual não se pode desconectar a discussão das dimensões de “raça”,
etnia, classe e sexo. A população travesti é intensamente marginalizada na
sociedade brasileira, conforme as construções de saberes e poderes estabelecidos
sobre esse contingente populacional.
Faz-se importante ainda pensar o lugar dessas sujeitas na sociedade. É uma
população inserida na América Latina, que tem todas as características do
colonialismo branco e burguês – que se construiu com base em um ideário de
sociedade a ser seguido, baseada na família patriarcal. Assim, aquela população
que foge do referido padrão colonialista posto no Brasil, ou seja, são marginalizadas
e discriminadas por quase toda sociedade, expostas a todo tipo de violências e
tendo seus direitos violados cotidianamente.
A afirmação da identidade de gênero travesti em uma sociedade que tem
como valores a heterossexualidade se apresenta como um sistema político e
30Grifo nosso.
31Reportagem “Apenas 5% das travestis estão no mercado formal; demais estão na prostituição”.
Disponível em: <http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/apenas-5-das-travestis-
estao-no-mercado-formal-demais-estao-na-prostituicao/>. Acesso em: 22 de agosto de 2014.
50

ideológico nas relações sociais, apresenta desafios para aquelas que rompem com o
estabelecido. Tem-se, portanto, a afirmação da identidade travesti que promove
desestabilidade desse sistema ideológico construído em bases estreitadas na não
aceitação das identidades que fogem à regra binária dos gêneros. Assim, tal
segmento passa a sofrer diversas formas de opressão e exploração no mundo do
trabalho.
A fim de compreender as múltiplas determinações sobre as opressões e
exploração dessas sujeitas, é preciso aprofundar algumas categorias analíticas que
são estruturantes das identidades de gêneros, tais como: as relações entre gênero e
patriarcado, classe, “raça”/etnia. Neste sentido, Saffioti (2004) aponta os(as)
vários(as) autores(as) feministas e não feministas que estudaram a categoria
“gênero”. Têm-se muitas análises e reflexões, porém, pouco consenso nestas
formulações.
O conceito de “gênero” tem suas disputas ideológicas no âmbito da pós-
modernidade, do pós-estruturalismo e do marxismo. A categoria “gênero” tanto
passa por críticas pelas pós-estruturalistas, na qual algumas defendem o
aprofundamento da referida categoria e outras a desconstrução de “gênero”, bem
como por críticas das autoras francófonas32, que defendem a utilização do conceito
de relações sociais de sexo.
De acordo com Saffioti (2004), o conceito de “gênero” no Brasil tem suas
raízes nas formulações de Joan Scott, com forte difusão do conceito nos anos 1990.
Ainda, segundo a referida autora, o “gênero” é um conceito aberto, repleto de
interpretações e significados, pois trata-se de uma categoria histórica fruto do
esforço de diversas pessoas engajadas nos estudos que lhes são próprios. Nesse
sentido,

Enquanto categoria histórica, o gênero pode ser concebido em várias


instâncias: como aparelho simiótico (LAURETIS, 1987); como
símbolos culturais evocadores de representações, conceitos
normativos como grade de interpretação de significados,
organizações e instituições sociais, identidade subjetiva (SCOTT,
1998); como divisões e atribuições assimétricas de características e
potencialidades (FLAX, 1987); como, numa certa instância, uma

32 São autoras feministas materialistas que fazem parte do feminismo Francófono, ou seja,
pertencentes ao movimento feminista que tem início na França nos anos 1970 “com destaque para a
sua perspectiva teórico-política da análise da consubstancialidade e da coextensividade das relações
sociais de sexo (incluindo sexualidade), “raça”/etnia e classe” (CISNE & GURGEL, 2014).
51

gramática sexual, regulando não apenas relações homem-mulher,


mas também relações homem-homem e relações mulher-mulher.
(SAFFIOTI, 2004, p. 45)

A análise da categoria “gênero” se deu por intermédio de alguns marcos


teóricos que foram construídos historicamente e que dão base à presente pesquisa.
Assim, a categoria “gênero” será problematizada a partir da categoria “relações
sociais de sexo” – essa que vem sendo utilizada na perspectiva das autoras
Feministas Francófonas e que apresentam críticas às “relações sociais de gênero”
ou “gênero” utilizada isoladamente. Também vale pensar na mediação das
categorias “divisão sexual do trabalho”, “sexo/gênero”, “patriarcado” e
“heterossexualidade como ideologia” na centralidade do estudo sobre as
travestilidades, adotando-se a categoria “relações patriarcais de gênero”.
Como forma de apresentar as principais análises na contemporaneidade
referente aos estudos sobre a sexualidade, o corpo e a identidade de gênero, é
preciso apresentar uma crítica ao sistema sexo/gênero formulado por Butler (2000)
na perspectiva pós-estruturalista, e fortemente difundida no Brasil por Louro (2001),
bem como as contribuições e os limites desses estudos na perspectiva de análise da
Teoria Queer sobre a categoria “gênero”.

2.2 As “Relações Patriarcais de Gênero” e as Relações Sociais de Sexo:


apontamentos para análises das travestilidades

No presente item analisam as contribuições dos estudos de Saffioti (2004)


sobre as questões de gênero e patriarcado. Neste sentido, tem-se a apresentação
dos limites sobre “gênero” (utilizada de maneira isolada, desistoricizada), bem como
o debate em torno da categoria “relações sociais de sexo” e a adoção do conceito de
análise “relações patriarcais de gênero” como estruturante das identidades de
gêneros.
De acordo com Saffioti (2004, p. 45):

Esse conceito não se resume a uma categoria de análise, como


muitas estudiosas pensam, não obstante apresentar muita utilidade
52

enquanto tal. Gênero também diz respeito a uma categoria histórica


cuja investigação tem demandado muito investimento intelectual

Para Saffioti (2004), a categoria “gênero” é algo mais ideológico, porém, este
é mais amplo do que patriarcado. Logo, se faz necessária a utilização simultânea do
conceito de gênero e patriarcado como uma unidade dialética, historicizando e
demarcando os limites existentes.
Neste sentido, “não se trata de abolir o uso do conceito de gênero, mas de
eliminar sua utilização exclusiva. Gênero é um conceito por demais palatável,
porque é excessivamente geral, a-histórico, a-político e pretensamente neutro”
(SAFFIOTI, 2004, p. 138). Ou seja, a crítica da autora sobre essa categoria faz
pensar que essa categoria isolada, não apresenta e não possibilita pensar nas
desigualdades entre os indivíduos homens, mulheres os sujeitos da diversidade, e
muito menos explicar a realidade social sobre as travestilidades, por não demarcar
as bases estruturantes da opressão e exploração que estão ancoradas na formação
patriarcal.
Assim, Saffioti (2004) apresenta uma crítica à noção de gênero e faz uma
análise dessa categoria a partir da história. Além disso, considera que por muito
tempo “Gênero” foi utilizado como um conceito para projetos sociais das agências
multilaterais, tais como: a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial
(BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), com a estratégia de não mencionar o
espectro existente desde a última década do século XX ao século XXI: o feminismo.
Sobre tal questão, é possível observar que:

[...] as políticas de desenvolvimento, junto com o ajuste estrutural e a


supressão crescente de estados locais do campo da política social,
podem impulsionar estados e organizações intergovernamentais
(IGOs) a fazer com que algumas organizações não governamentais
(NGOs) feministas se transformem “em experts em gênero antes
mais do que grupos dos cidadãos que advogam em nome dos
direitos das mulheres. (ALVARES, apud TEXEIRA, 2010, p. 69).

Diante do exposto, tem-se a apresentação de estratégias utilizadas pelo


grande capital pelas as agências multilaterais cofinanciadoras de projetos com a
dimensão de “Gênero”, ou seja, são formas de dissipar o movimento feminista com
sua agenda política, para, assim, tais segmentos se voltarem para os editais de
financiamentos de políticas para as mulheres. Neste sentido, vale esclarecer que a
53

presente pesquisa não adentrou em tal aspecto, pois não se constitui como eixo
central aqui apontado, mas apenas tem-se a citação deste como forma material para
compreender como a categoria “gênero” também apresenta aspectos ideológicos
que podem ser utilizados a favor das políticas neoliberais.
Igualmente, a categoria “patriarcado”, nos últimos tempos, passou por alguns
rebatimentos ideológicos. Na perspectiva de Saffioti (2004), muitas vezes, o
patriarcado foi substituído por outros conceitos para não mencioná-lo, quais sejam:
“falocracia”, “androcentrismo” e “falo-logo-centrismo”, nos moldes do que denomina
Bourdie (1999). De fato, aquela autora considera que tais conceitos são ideológicos
e que desistoricizam as raízes da opressão e exploração que as mulheres vivenciam
– é possível incluir aqui as travestis, as lésbicas, os gays e os/as bissexuais: um
segmento que constrói e dá visibilidade à orientação sexual e identidade de gênero
distinta da heterossexual e da cisgeneridade33.
Mas, o patriarcado tem toda uma origem histórica, social e sua importância
para apreender o sistema de opressão e exploração dos homens sobre as mulheres,
pautado em concepções para uma sociedade construída na valorização da
heterossexualidade como ideologia, e reprodução de classe dominante. A partir da
análise de Hartmann sobre a concepção de Patriarcado desenvolvida por Saffioti
(2004), é possível definir o:

[...] patriarcado como um pacto masculino para garantir a opressão


de mulheres. As relações hierárquicas entre os homens, assim como
a solidariedade entre eles existentes, capacitam a categoria
constituída por homens a estabelecer e a manter sobre as mulheres.
(SAFFIOTI, 2004, p. 104).

Assim, a ordem patriarcal se materializa no sistema capitalista construído nas


ideologias que encarceraram as mulheres, destinando-as à esfera doméstica,
colocando-as na esfera da reprodução, em face da prestação de serviços
domésticos e sexuais. Entretanto, o patriarcado não atinge apenas as mulheres,
mas abrange os sujeitos da diversidade, que muitas vezes questionam o modelo
posto pelo sistema patriarcal e a heterossexualidade como arquétipo ideal das
relações sociais – aqui, a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Transgêneros (LGBT).

33 Tais distinções tem seu aprofundamento nos tópicos a seguir.


54

É preciso compreender o patriarcado como uma categoria histórica e política.


Assim, o “patriarcado vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arke
(origem comando). Essa raiz de duplo sentido se encontra em arcaico e monarquia”
(DELPHY, 2009, p. 16), ou seja, o patriarcado foi, por alguns períodos, considerado
o “poder do pai”. Sobre tal questão, Saffioti (2004) aponta para uma “interpretação
patriarcal do patriarcado”, e defende que não é apenas o poder do pai, mas o poder,
a opressão e a exploração que o homem exerce sobre as mulheres.
A conceituação do patriarcado como autoridade e/ou poder do pai passou por
mudanças a partir da década 1970, com o advento da “segunda onda 34” feminista,
no ocidente europeu.

O patriarcado é rapidamente adotado pelo conjunto dos movimentos


feministas militantes nos anos 70 como o termo que designa o
conjunto do sistema a ser combatido. Em relação a seus quase
sinônimos “dominação masculina” e “opressão das mulheres”, ele
apresenta duas características: por um lado, designa, no espírito
daquelas que o utilizam, um sistema e não relação individuais ou um
estado de espírito; por outro lado, em sua argumentação, as
feministas opuseram “patriarcado” a capitalismo – o primeiro é
diferente do segundo, um não se reduz ao outro. Isso se reveste de
uma grande importância política num momento de reemergência do
feminismo (DELPHY, 2009, p. 175).

34 As ondas dos movimentos feministas fazem parte da história e do surgimento das lutas das
mulheres em prol das suas pautas de luta por emancipação. Neste sentido, é preciso considerar a
primeira onda feminista, que teve início no século XIX. Sua principal pauta era a luta pelo sufrágio
feminino, ou seja, o direito do voto feminino. Nísia Floresta, foi uma das principais mulheres de
grande influência na primeira onda feminista no Brasil. Nísia, foi uma grande escritora e lutadora dos
direitos desse segmento; publicou a obra O direito das mulheres e justiças dos homens. A segunda
onda do movimento feminista surge em um período que foi marcado mundialmente por diversas lutas
no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. No Brasil tinha-se um contexto de ditadura militar, que
ceifou a vida de diversas militantes que combateram o regime autocrático. A segunda onda feminista
também é uma continuação da primeira onda, porém, com particularidades. É um momento em que
surgem diversos estudos sobre as questões que perpassam as vidas das mulheres e categorias
importantes, como, por exemplo, “relações sociais de sexo” pelos movimentos feministas francófonos,
a categoria “gênero”, em diversas perspectivas teóricas. Tal momento representou a luta das
mulheres pelos direitos reprodutivos e a igualdade entre os gêneros. Um dos grandes marcos
teóricos da segunda onda foi a obra Segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Já a terceira onda
feminista é mais polêmica, abrangendo outros sujeitos na luta contra as estruturas de dominação,
exploração e opressão, como, por exemplo, o movimento Trans*. Considerado como parte da terceira
onda, o Transfeminismo faz parte da luta que engloba outras mulheres e suas particularidades.
Quando se trata da questão da diversidade no feminismo, uma das principais teóricas desse
movimento foi Judith Butler, com a obra Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade
(1990). Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/feminismo-
academico-9622.html>. Acesso em: 22 de março de 2015.
55

De fato, o patriarcado e o capitalismo são dois sistemas que se


complementam e agem de forma articulada para a reprodução do atual status quo.
Neste sentido, os anos 1970 foram extremamente expressivos para o movimento
feminista. A conjuntura internacional de reestruturação econômica e política deram
novos significados para o movimento. É nesse momento que diversas reformulações
das teorias passam por questionamentos. Em sua análise, Delphy (2009) considera
que tais reformulações deram novos sentidos para o conceito de patriarcado em
momentos enovelado ao capitalismo e ao racismo, agindo cada qual com suas
particularidades.
O patriarcado mostra-se como uma categoria histórica que tem sua expressão
na opressão e exploração dos homens sobre as mulheres e os sujeitos da
diversidade. Tal opressão foi construída mediante as bases materiais sociais,
culturais, econômicas, ideológicas e políticas. Portanto, o patriarcado assenta-se no
modelo econômico capitalista de forma mais intensa.
Historicamente, o patriarcado construiu modelos e atribuições para homens e
mulheres; características atribuídas na “virilidade”, destinada aos homens, e
feminidade, destinada às mulheres. A virilidade centra-se no fato da sociedade ter
designado tais características ao sexo masculino, como, por exemplo, o fato de ter
um “pênis” estabelece normas hierárquicas, onde o homem é o dono do poder – o
que pode ser explicado na naturalização do sexo.

De acuerdo a los genitales com los cuales nascimos35, el sistema


patriarcal há decidido que tenemos que actuar de determinada
maneira. Nuestros nombres tienen que ser masculinos, nuestra
personalidad fuerte y poco sensible, debemos ser padres proctetores
y usufruir de los privilégios de ser opresores36. (BERKINS, 2003, p.
165).

Berkins (2003) apresenta sinteticamente a forma de atuação do patriarcado,


ou seja, como a virilidade deve se expressar na sociedade. A autora, que é travesti,
aponta para o fato de que subverter com essas atribuições estabelecidas pelo
patriarcado é perder os privilégios de usufruir desse sistema opressor.

35Grifo nosso.
36 Tradução: “De acordo com os genitais os quais nascemos, o sistema patriarcal decidiu que
devemos agir de uma determinada maneira. Nossos nomes têm que ser masculino, a nossa
personalidade forte e insensível, deve ser protetores pais e usufruir a privilégios de ser opressores”.
56

Tenemos diferencias con las mujeres, como ellas tienen entre si. Las
nuestras giran em torno a haber sido criadas com toda uma carga
patriarcal, para ser “opresores”, para gozar de la dominación y esto
há hecho más difícil nuestra própria elección de gênero. Somos
traidoras del patriarcado y muchas veces pagamos esto com nuestra
vida37. (BERKINS, 2003, 165).

O patriarcado transcorre a construção social e cultural das identidades de


gêneros das travestis; possui uma gama de aspectos opressores que interfere na
vida cotidiana dessas sujeitas, que “subvertem” e/ou “desestabilizam” as categorias
de gêneros binários da heterossexualidade como ideologia, estabelecida pela
sociedade em conformidade com o sistema cisgênero. A referida categoria se
expressa como uma ordem política e histórica que perpassa a vida das travestis,
inclusive na opressão e exploração dessa população.
Neste ínterim, Delphy (2009) aponta que determinadas formulações acerca do
patriarcado e gênero são criticadas por algumas autoras francesas feministas, pois
consideram tais terminologias insatisfatórias e genéricas, elegendo o conceito de
“relações sociais de sexo” por considerarem essa categoria uma alternativa aos
limites que os conceitos de “gênero” e “patriarcado” possuem.
Definido como feminismo materialista, as análises acerca das relações sociais
de sexo, “raça” e classe tem sua ascensão na segunda onda feminista por
intermédio das análises das Feministas Francófonas. Tem-se como centralidade
nessa perspectiva política a luta contra as relações sociais pautadas nas relações
capitalistas-racistas-heterossexistas-patriarcais.
Conforme as apreciações de Cisne (2013), as relações sociais de sexo
decorrem do francês Rapports Sociaux de Sexe, que [rapports] na língua francesa
designam-se as relações mais amplas e estruturais. Já a palavra relations aponta
para as relações interpessoais cotidianas. Neste sentido, as feministas francesas
francófonas adotam Rapports Sociaux de Sexe, para tratar das relações estruturais
entre os sexos, como pensamento estratégico de mudança desses modus de
sociedade.

37 Tradução: “Temos diferenças com as mulheres, como elas tem entre si. As nossas giram em torno
de ser criados com uma carga inteira patriarcal para ser "opressor" para desfrutar de dominação e
isso tornou mais difícil para nossa própria escolha de gênero. Nós somos traidores do patriarcado e,
muitas vezes pagamos isso e com nossas vidas. Resumidamente, as travestis sofrem dois tipos de
opressão”.
57

Como assinala Devreux (2011), gênero e relações sociais de sexo são


frequentemente utilizados como sinônimos em torno da dominação dos homens
sobre as mulheres. Aquela autora concorda que os dois conceitos não são opostos,
mas que apresentam leitos teóricos diferentes. Assim, ela elege a utilização do
conceito de relações sociais de sexo que, no sentido marxista, representa um
enriquecimento nas análises.
Como razão para a utilização do conceito de relação social de sexo em vez
do conceito de gênero, Devreux (2011, p. 8) assim assevera:

O primeiro nomeia explicitamente o sexo, enquanto que o segundo


evita mencioná-lo e o eufemiza. Ora, a referência ao sexo biológico
parece-me essencial, pois a classificação social dos indivíduos,
desde o nascimento é operada sobre critérios ou, mais precisamente,
sob a representação social segundo a qual esse critério é de uma
importância primordial para classificar os indivíduos.

Diante do exposto, entende-se que desde o nascimento, o sexo é demarcado


e hierarquizado em uma ordem que apresenta critérios classificatórios para homens
e mulheres. Perante as relações sociais centradas no sexo, tal hierarquização
destina o homem à esfera produtiva, e a mulher, à esfera reprodutiva, por auxílio
divisão sexual do trabalho construída historicamente:

Assim, a divisão entre esfera produtiva e reprodutiva fortaleceu a


hierarquia e a desigualdade entre homens e mulheres. A esfera
produtiva é a da valorização, da produção da riqueza e, portanto, é
tida como um espaço privilegiadamente masculino. A esfera da
reprodução social – aqui entendida como as atividades necessárias
para garantir a manutenção e reprodução da força de trabalho –, é
considerada um espaço feminino. (CISNE, 2014, p. 88).

Sem dúvida, não é possível pensar as relações de exploração e opressão


sem as análises históricas das referidas categorias, que são permeadas por
construção de sistemas que se materializam na sociedade em mecanismos de
difusão dessas ideias.
As reproduções dessas ideologias se dão nas mais variadas vertentes. Sobre
tal questão, Cisne (2014, p. 83) destaca que “a família patriarcal realiza o papel
ideológico na difusão do conservadorismo ao ensinar as crianças desde a infância
que devem aceitar as estruturas e premissas básicas da sociedade de classe”,ou
seja, premissas essas que são reproduzidas nas mais diversas configurações, tais
58

como: o menino – a virilidade, o protetor do lar; as meninas – o cuidado, a dedicação


ao trabalho doméstico e a valorização da moral conservadora de ser mãe, protetora
do lar. As atitudes em questão são expressas de modo conservador na sociedade e,
principalmente, naturalizadas. Assim, a família, a escola e os sistemas político e
jurídico são os guardiões das normas de gênero na sociedade de classes.
Tais ideologias se materializam na sociedade em face das assimetrias entre
os sexos, colocando o gênero feminino na esfera do trabalho reprodutivo – um
trabalho precarizado e apropriado pelo capital para sua sustentação.

[...] o trabalho reprodutivo considerado feminino, permanece


imperativo aos estudos e às análises feministas. Os produtos
garantidos pelo trabalho reprodutivo não têm sua consumação
esgotada no interior da família, uma vez que eles serão destinados
também ao mercado. Mais do que isso, otrabalho reprodutivo não
remunerado garante a principal mercadoria do modo de produção
capitalista: a força de trabalho, já que é somente por meio dela que
se produz riqueza. (CISNE 2014, p. 85).

As mulheres são apropriadas pelo sistema capitalista patriarcal. Seu corpo,


sua força de trabalho e sua sexualidade são oprimidas e exploradas, desvalorizadas.
Assim, a “apropriação do trabalho reprodutivo é parte integrante do modo de
produção capitalista” (CISNE, 2014, p. 85). É neste sentido que, para as
materialistas francesas, as mulheres fazem parte de uma classe social de sexo,
apropriadas da sua força de trabalho para a reprodução do trabalho doméstico,
como aponta Guillaumin (2005).
Um critério utilizado por Devreux (2011) quando das relações sociais de sexo
trata da questão de que o termo “gênero”, em francês, possui diversos significados,
de conceituação vaga, se caracterizando como uma polissemia. Conforme aquela
autora, “em Francês, a palavra “gênero” possibilita que evitemos pronunciar a
palavra “sexo” (sex, em inglês), à sexualidade.
A sexualidade e o campo das relações sexuais fazem parte do problema das
relações sociais de sexo, mas não constituem a totalidade do problema” (DEVREUX,
2011, p. 8) Assim, o conceito de “gênero” é apresentado pelas autoras francófonas
como um conceito que tem seus limites.

Os estudos de gênero se comparados aos estudos feministas,


adquirem, por vezes, um caráter mais – "neutro”, menos ofensivo, ou
seja, mais polido ao gosto das instituições multilaterais e
59

governamentais, além de aparentemente mais ― “acadêmico” ou ―


científico. (CISNE, 2013, p. 115).

Conforme o exposto, das autoras que seguem essa perspectiva teórica de


análise que apresenta contribuições para se pensar as sujeitas da presente
pesquisa, faz-se importante observar o estudo de Nicole-Claude Mathieu (2005)38.
Em sua obra, Mathieu (2005) destaca que a noção de sexo está no nível da
organização mental das ideias (representações, mitos, utopias etc. – o sexo é
concebido) e na concepção da prática (relações sociais entre os sexos: o sexo
atuando). De tal modo, tem-se ali uma distinção do sexo biológico para o sexo
social. Em geral, há também uma oposição ao sexo por considerar este como algo
biológico, enquanto que o gênero se escreve mais na definição social – perspectiva
criticada por Mathieu desde o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, também
criticada por Butler nos anos 1990, observando a questão da naturalização do sexo.
O pensamento de Mathieu (2005) também aponta para um forte interesse da
antropologia simbólica pelo gênero, proveniente do impulso feminista dos anos
1970.
Sem dúvida, aquela autora foi uma das primeiras antropólogas a fazer uma
análise sobre diversas formas de pensar o sexo e o gênero como variações
sociológicas (CURIEL; FALQUET, 2005).
Assim, faz-se jus observar os três modos de compreensão da concepção
entre a diversidade entre sexo, gênero e sexualidade apresentados por Mathieu
(2005, p. 134), quais sejam:

• Modo I: Identidad « sexual », basada en una consciencia


individualista del sexo. Correspondencia homológica entre sexo y
género: el género traduce el sexo;

• Modo II: Identidad « sexuada », basada en una consciencia de


grupo. Correspondencia analógica entre sexo y género : el género
simboliza el sexo (y viceversa);

• Modo III: Identidad « de sexo », basada en una consciencia de


clase. Correspondencia socio-lógica entre sexo y género: el género
construye el sexo39.

38Mathieu apresenta em suas ideias na obra: “Identidade sexual/ sexuada/ de sexo? Três modos de
conceituação da relação entre sexo e gênero”. Este texto foi escrito no ano de 1982 para o
Congresso Mundial de Sociologia na Cidade do México, com o objetivo de analisar a conceituação do
sexo na prática das ciências sociais e nas teorias dos movimentos de mulheres.
60

No Modo I, Mathieu (2005) atenta que a identidade “sexual” tem por base uma
consciência individual do sexo, ou seja, uma correspondência igual entre sexo e
gênero: o gênero traduz o sexo – o indivíduo vive essa consciência por meio de uma
experiência psicossocial de forma naturalizada. O sexo “macho” destina-se ao
homem, e o sexo “fêmea” destina-se à mulher. Tem-se aí um modelo de sociedade
à heterossexualidade, concebida no ocidente como uma expressão dada pela
natureza.
Neste sentido, Mathieu (2005) trabalha com a perspectiva de que tais
relações não se dão de forma harmônica, ou seja, as sociedades também detém
sujeitos que fogem dos padrões de identidade estabelecidos, e estes são
classificados por aquela autora como as “travestis” e os/as “transexuais”,
denominando-os como “transgressores/as”40.
Algumas vezes é necessária a adaptação do sexo ao gênero, como é o caso
das transexuais das sociedades modernas, que, em sua maioria, rejeitam a ideia de
serem homossexuais. Assim, é possível perceber que mesmo “transgredindo” a
ordem binária dos sexos/gêneros, tem-se uma adequação da ordem heterossexual
(MATHIEU, 2005).
Neste sentido, no Modo I, a referência encontra-se no sexo, na
heterossexualidade como modelo de sociedade, e faz parte de uma consciência
individual, primazia do sistema hetero-sexual com predominância da dimensão
biológica; ou seja, todos aqueles que fogem às regras binárias da sociedade são
considerados anomalias, patologias – perspectiva que pode ser analisada nos
estudos de Michel Focault (2011), em sua obra História da Sexualidade: a vontade
de saber.
No Modo II, Mathieu (2005) destaca que a identidade “sexuada” tem por base
uma consciência de grupo. Tem-se aí uma correspondência analógica entre o sexo

39 TRADUÇÃO: “Modo I: Identidade ‘sexual’ baseada em uma consciência individualista do sexo.


Correspondência homológica entre sexo e gênero: o gênero traduz o sexo.
Modo II: Identidade ‘sexuada’ baseada em uma consciência de grupo. Correspondência analógica
entre sexo e gênero: o gênero simboliza o sexo (e inversamente).
Modo III: Identidade ‘de sexo’ baseada em uma consciência de classe. Correspondência socio-lógica
entre sexo e gênero: o gênero constrói o sexo” (MATHIEU, 2005, p. 134).
40 Mathieu (2005) faz uso da palavra “transgressão” não somente em seu sentido estreito e

comportamental de contravenção a uma norma, a uma lei, mas também em seu sentido pleno,
etimológico: transgredir, de Trans.
61

e o gênero: o gênero simboliza o sexo (e vice-versa). Nesta perspectiva, aquela


autora aponta que o gênero representa culturalmente o sexo. O indivíduo não se
encontra localizado apenas na individualidade em relação ao seu sexo biológico,
mas a identidade individual está fortemente ligada a uma forma de consciência de
grupo.

No nível individual, por exemplo nas sociedades ocidentais


modernas, encontramos o caso das travestis, que adotam de forma
mais ou menos permanente, o gênero que desejam, o do outro sexo,
sem modificar sua identidade sexual (sem colocar em dúvida seu
sexo anatômico). Contrariamente a maioria das transexuais, os
homens travestidos de mulheres são muitas vezes homossexuais, e
sua identidade sexuada se define em relação a comunidade
homossexual masculina – apesar do desprezo, ou mesmo a rejeição,
que podem sofrer por parte dessa comunidade e do status inferior
que lhes ortogam: como é o caso dos autores travestis (female
impersonators) norte-americanos estudados por Esther Newton
(1979). (MATHIEU, 2005, p. 146).

Assim, Mathieu (2005) apresenta que a identidade é também construída


fazendo uso de outras identidades. Neste sentido, aquela autora cita o caso das
travestis que se percebem no outro sexo/gênero como parte dessa identidade. No
Modo II, a forma de se pensar as travestis é, por vezes, essencialista, ou seja, que
apresenta os “homens que se vestem de mulheres”. Apesar da existência de casos
de gays que gostam de se classificarem dessa forma, parte-se das análises que
consideram as travestis como sujeitos que, nascidos homens, mas com a
inconformidade ao sexo/gênero, passam a se construírem no gênero oposto como
forma de estabelecerem como sujeitos que possuem identidade, mas diferente das
normas estabelecidas pelas regras binárias de relações patriarcais de gênero.

Ser transgénero es tener una actitud muy íntima y profunda de vivir


un gênero distinto al que la sociedad asignó a su sexo. No se trata de
la ropa, el maquillaje o lãs cirugías [...] se trata de maneras de sentir,
de pensar, de relacionarnos y de ver lãs cosas41. (BERKINS, 2003,
p. 135).

41 TRADUÇÃO: Ser transgênero é ter uma atitude muito íntima e profunda de viver um gênero
diferente em que a sociedade atribuiu ao seu sexo. Não é sobre a roupa, maquiagem ou cirurgia...
Trata-se de maneiras de sentir, pensar e ver as coisas e como se relacionam. (BERKINS, 2003, p.
135).
62

Ainda sobre o Modo II de Mathieu (2005), a referência principal do gêneroestá


na coletividade. Neste sentido, é possível citar o caso de travestis e transexuais que
passam a modificarem os corpos para se sentirem aceitas pelo grupo que estão
vivendo.
Já o Modo III apresentado por aquela autora, este se refere à identidade “de
sexo”, com base em uma consciência de classe; ou seja, tem-se uma
correspondência sociológica entre sexo e gênero: o gênero constrói o sexo.

No modo III de conceituação da relação entre sexo e gênero, a


bipartição do gênero é concebida como arena da realidade biológica
do sexo (fato que se torna cada vez mais complexa de delimitar),
mas não, como veremos, a eficiência de sua definição ideológica.
(MATHIEU, 2005, p. 157).

Mathieu (2005) estabelece algumas análises que fazem pensar como as


relações sociais de sexo são estabelecidas entre homens e mulheres. Assim, têm-se
algumas indagações para pensar essas relações, a saber: 1) Em que medida as
sociedades fazem uso da ideologia da definição biológica do sexo para construir a
hierarquia do gênero, que tem por base a opressão de um sexo por outro? e, 2) Em
que medida as sociedades manipulam a realidade biológica do sexo com a
finalidade de obtenção desta diferenciação social?
Por fim, a análise daquela autora encerra não na negação do “gênero”, mas
fazendo algumas considerações que são importantes para pensar os sujeitos da
desigualdade social na sociedade(MATHIEU, 2005), como, por exemplo, as
mulheres. Neste sentido, é possível também inserir as travestis, que se constroem,
em grande parte, nessa identidade.

Ahora se escucha hablar de « relaciones sociales de producción de


género » (gender relations of production), pero a pesar del traspaso
de género eincluso de sexo, estas relaciones de producción
consisten en la explotación de las mujeres. Sin duda existen géneros
« hombre-mujer », pero en la basey en el peldaño más bajo de la
escala de los géneros, lo que efectivamente hay son hembras: sexo
social « mujer42 ». (MATHIEU, 2005, p. 168)

42 TRADUÇÃO: Agora ouço falar de "relações sociais de produção de gênero” (relações de gênero
de produção), mas, apesar da transferência de gênero e até mesmo sexo, essas relações de
produção envolvem a exploração de mulheres. Sem dúvida, existem gêneros "homem-mulher”, mas
na base e na menor escala da etapa de gêneros, de forma que há, na verdade, fêmeas: sexo social
"mulher". (MATHIEU, 2005, p. 168).
63

Outra contribuição daquela autora sobre essa temática é sobre os desvios da


noção de gênero. Segundo Mathieu (2009), atualmente tem-se uma forte produção
sobre a categoria “gênero”; uma diversidade de pesquisadores(ras) que se
debruçam nesses estudos. Para ela, têm-se alguns problemas definidos. Por
exemplo: “o termo “gênero” isolado tende a ocultar que o sexo” (a definição
ideológica e prática que lhe é dada) funciona efetivamente como parâmetro na
variabilidade das relações sociais concretas e das elaborações simbólicas”
(MATHIEU, 2009, p. 227). Assim, ocorre a defesa da categoria “gênero/sexo” como
uma unidade dialética.
Realizadas as devidas análises, o presente estudo teve por adoção a
categoria “relações patriarcais de gênero”, pois identifica-se, ainda limites nas
“relações sociais de sexo” em relação aos estudos das identidades Trans* no campo
dos estudos acerca das identidades de gênero. De fato, não se pode negar a
importância da perspectiva das "relações sociais de sexo, sobretudo, para o projeto
do feminismo materialista, que tem sua importância na luta e defesa dos princípios
da autonomia e liberdade das mulheres. É preciso também ampliar esses estudos
no materialismo histórico dialético, com debates sobre os outros sujeitos da
diversidade, como, por exemplo, as travestis e transexuais ampliando a concepção
de identidade.
Diante disso, ainda é importante mencionar que nessa compreensão de
análise, a categoria “sexo” tende a limitar os sujeitos no binarismo homem e mulher,
revela-se isso quando distingue as pessoas apenas em duas classes de sexo.
Nessa pesquisa as análises são relacionadas a diversidade humana composta por
pessoas que desafiam a ordem estruturada no binarismo cissexista para além do
feminino e do masculino posto socialmente, trata-se contingente populacional que
historicamente foram apagadas da sociedade as travestis, ou seja, “antes de serem
atacados por europeus, grupos que viviam na América do Norte não adotavam dois,
mas entre três e cinco gêneros bem definidos” (FÁBIO, 2016)43.
Nesse sentido, a realidade da América Latina era de uma grande diversidade
humana, antes da invasão dos europeus nesse continente, tinha-se diversas etnias

43“Os gêneros tradicionais dos indígenas norte-américanos vão além do feminino e do masculino” por
André Cabette Fábio. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/24/Os-
g%C3%AAneros-tradicionais-dos-ind%C3%ADgenas-norte-americanos-v%C3%A3o-al%C3%A9m-
do-masculino-e-feminino#.V3A0U8Sxb7E.twitter>. Acesso em: 21 de julho de 2016.
64

com múltiplas identidades de gênero, para além do binarismo ocidental posto pelos
brancos. No entanto, as referidas identidades foram combatidas e reprimidas pelos
invasores, de tal forma a categoria “gênero” apesar dos seus limites históricos e
políticos ela apresenta uma maior ampliação na concepção de representatividades e
concepções acerca da diversidade postas pelo o que convencionou-se chamar por
masculino e feminino, ou gênero neutro.
Assim, para além dos valores vitoriosos, ocidentais e colonialistas, que tinham
como concepção de mundo pautada no conservadorismo e no fundamentalismo de
entendimento branco europeia que as relações sociais deviam ter como norte as
relações entre homens e mulheres, e o que predominava-se na América Latina
antes da chegada dos europeus era uma forma de socialização pautada no respeito
em algumas etnias pela diversidade de gêneros, e essa diversidade de gênero entre
os povos indígenas se adequavam da seguinte forma:

ROUPAS NEUTRAS: Em muitos dos grupos, pais não buscavam


interferir na identidade das crianças, que usavam roupas neutras -
não identificadas com o gênero masculino ou feminino - até que
formassem sua identidade.

SORTE: Era comum que pessoas que escapavam da ideia binária de


gênero fossem reverenciadas. Suas famílias eram consideradas
sortudas.

OCUPAÇÕE: Essas pessoas tinham posições de respeito.


Indivíduos do sexo masculino que se identificavam com o gênero
feminino podiam exercer os papéis de xamãs, visionárias, portadores
da cultura oral, artesãs, artistas e enfermeiras durante guerras.
Pessoas nascidas com o sexo feminino, mas identificadas com o
gênero masculino podiam exercer o papel de caçadores e guerreiros.

RESPEITO: Entre membros do povo Dakota, era altamente ofensivo


pedir que uma pessoa agisse de acordo com o gênero com o qual
não se identificava (FÁBIO, 2016).

Diante do exposto, identifica-se que na contemporaneidade essas formas de


concepções dos indivíduos foram reprimidas, e que ainda hoje, convive-se com atos
de repressão contra aquele(as) que fogem do que foi estabelecido social, cultural
para homens e mulheres. Não pretende-se negar as desigualdades postas para o
contingente feminino, especialmente para as mulheres cis, no entanto tratar apenas
as relações de opressão e exploração para esse segmento, reduz as múltiplas
formas de repressão existentes na sociedade, inclusive no apagamento da
65

diversidade e de concepção das travestilidades na América Latina no ponto de vista


da análise social para além do colonialismo ocidental.
Além disso, outro elemento posto ao debate nessa pesquisa é que os estudos
das relações sociais de sexo ainda são recentes no Brasil. Portanto, faz-se
importante aprofundar ainda mais essa categoria que no francês tem um sentido de
explicação e na realidade latino-americana expressam-se particularidades que essa
categoria não apresenta elementos suficientes para explicação sobre a diversidade
posta entre o contingente populacional como as travestis, Berdaches44, as navajos
em uma concepção mais ampla sobre as travestilidades, ou seja, como verifica-se
nesse estudo tem-se na sociedade brasileira uma diversidade de concepções acerca
dessas identidades, diferentes pensamentos e concepções do que é ser travesti
para além do binarismo sexual.
Assim, a categoria gênero abrange outras dimensões, como, por exemplo, a
identidade de gênero das travestilidades e suas múltiplas expressões. Como
mencionado nas relações supracitadas pela diversidade étnica existente na América
Latina que foram fortemente apagadas pela repressão colonizadora, ainda tem-se
essa diversificação das identidades, e suas diferentes formas de ser e de si perceber
enquanto pessoa Trans*, muitas das vezes dadas as opressões geradas pelo
patriarcado em torno das concepções de gênero também expressam dimensões
ideológicas da normatividade e do pensamento hétero.
Dessa forma, conforme o raciocínio de Delphy (2009), “patriarcado”, “gênero”,
“sistema de gênero”, “relações sociais de gênero” ou “relações sociais de sexo”
possuem divergências e leitos teóricos distintos. Porém, como apresenta a autora,
“no conjunto do léxico feminista, tanto militante como científico, eles se completam e
opõem a termos como “sexismo” ou “machismo”, que denotam mais o nível das
atitudes e/ou das relações interindividuais” (DELPHY, 2009, p. 178).

44 “Na América do Norte, os homens que adotavam papéis femininos e as mulheres masculinizadas,
que caçavam e lutavam com os homens eram chamados de Berdaches. Estes Berdaches tinham
fama de poderosos curandeiros e feiticeiros e, muitas vezes, ocupavam uma posição de destaque na
aldeia como sacerdotes ou como pajés. Os primeiros índios que os europeus observaram praticar o
travestismo foram os Illinois, os Sioux, os índios da Luisiânia, da Florida e do Iucatã, no México. Entre
os Mbayá havia uma classe de homens que imitavam as mulheres, em todos seus hábitos e
atividades, vestindo-se como elas, fiando, tecendo, fazendo louças e etc. Estes efeminados, cujas
vidas saíam das regras cotidianas, eram encarados como Manitu, ou sagrados” (FILHO, 2000, p.
221).
66

Nesse sentido, o presente estudo não faz uso da categoria “gênero” em sua
dimensão a-crítica, a-histórica, despolitizada. Sabe-se dos seus limites de análise,
da sua polissemia. No entanto, é preciso considerar que os termos “gênero” e
“patriarcado” são duas categorias primordiais para a compreensão do objeto de
estudo aqui apontado e sua multiplicidade, conforme afirma Saffioti (2004, p. 135):

O gênero inscreve-se no plano da história, embora, não possa jamais


ser visto de forma definitivamente separada do sexo, na medida em
que também está inscrito na natureza. Ambos fazem parte dessa
totalidade aberta que engloba natureza e ser social.

Diante do exposto, como forma de apreender as desigualdades perpassadas


na vida cotidiana das travestis, o presente estudo atenta para a dimensão da
unidade dialética entre as relações patriarcais de gênero, que são
consubstancializadas por outras relações importantes, como, por exemplo, as
dimensões da classe, raça/etnia e orientação sexual, para assim compreender o
fenômeno que a população Trans* sofre sobre as degradantes relações no mundo
do trabalho.
No próximo tópico discute-se a categoria gênero na perspectiva da Teoria
Queer em Judith Butler, apresenta-se também as contribuições e os limites dessa
teoria para os estudos sobre às travestilidades.

2.3 As dimensões do Gênero, da Performatividade e a Abjeção: as análises


da Teoria Queer pós-identitárias

A seguir, tem-se as principais ideias de Judith Butler45 e alguns elementos


que compõe o debate da Teoria Queer no que se refere aos estudos sobre as
travestilidades: gênero, performatividade e a política pós-identitárias.

45“Butler não é uma freudiana ou uma foucaultiana, tampouco uma marxista, uma feminista ou uma
pós-estruturalista; em vez disso, podemos dizer que ela tem afinidades com as teorias e com seus
projetos políticos, não se identificando com nenhuma delas em particular, mas utilizando uma série de
paradigmas teóricos sempre que pareça conveniente, sob as mais variadas, e por vezes inesperadas
combinações”. (SALIH, 2012, p. 16).
67

Em sua obra Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade,


Butler (2000) trata da defesa teórica de “desconstrução de gênero” e apresenta uma
análise do sistema sexo/gênero, principalmente com uma crítica à perspectiva
feminista, que durante muitos anos, defendeu que o sexo estava para o biológico e o
gênero para a construção social.
Judith Butler (2000) considera que a categoria “sexo” é extremamente
normativa. Aquela autora vai de encontro às análises de Michael Foucault, que
considerava o sexo um “ideal regulatório”. Assim, para ela, “o ‘sexo’ apresenta tal
ideal regulatório cuja materialização é imposta: esta materialização ocorre (ou deixa
de ocorrer) por intermédio de certas práticas altamente reguladas. Em outras
palavras, o sexo é um constructo ideal” (BUTLER, 2000, p. 152).
Segundo Butler (2000), o sexo se materializa por intermédio do tempo, mas
tal materialização não é totalmente completa, pois tem sua expressão na sociedade
sob o viés da performatividade de gênero, apresentada como:

[...] a prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os


efeitos que ele nomeia. O que eu espero, se tornará claro no que
vem a seguir é que as normas regulatórias do “sexo” trabalham de
uma forma performativa para constituir a materialidade dos corpos e,
mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para
materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do
imperativo heterossexual. (BUTLER, 2000, p. 152).

O corpo é a base material para a performatividade do gênero, e nele o “sexo”


é o pilar da normatização do domínio da inteligibilidade, a forma como se observa e
se reconhece o corpo mediante os padrões criados pela sociedade. O sexo sempre
foi gênero; não existem diferenciações; e, novamente para Butler (2000), o ser
humano não é o gênero, pois se constrói, se faz e se realiza por intermédio do
corpo. Assim, “o gênero não é apenas um processo, mas um tipo particular de
processo, “um conjunto de atos repetidos no interior de um quadro regulatório
altamente rígido como diz Butler” (SALIH, 2012, p. 89).
Nesse sentido, o “gênero ‘inteligível’ são aqueles que, em certo sentido,
instituem e mantêm relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero e
prática sexual [...] eles próprios concebíveis em relação às normas existentes de
continuidade e coerência” (BUTLER, 2003, p. 38).
68

Quando se trata da inteligibilidade de gênero para explicar o pensamento de


Butler (2003), tem-se uma coerência e continuidade entre sexo, gênero e prática
sexual, ou seja, nasceu com o sexo denominado para “macho”, logo o ser humano
tem uma identificação com o gênero masculino, e sua prática sexual será com uma
mulher, que nasceu com o sexo “fêmea”, de gênero feminino, que terá uma prática
sexual condizente com o sexo oposto (o masculino). Tem-se, portanto, o
pensamento da inteligibilidade de gênero, a partir de um pensamento que exclui
outras possibilidades.
Então, a formação dessa materialização do gênero no corpo não se dá de
modo simétrico, mas se materializa de forma desigual. Assim, conforme Butler
(2000, p. 39), “a heteressexualização do desejo requer e institui a produção de
oposições discriminadas e assimétricas entre ‘feminino’ e ‘masculino’, em que estes
são compreendidos como atributos expressivos de ‘macho’ e de ‘fêmea’”.
Tomando por base as ideias daquela autora, as identidades de gêneros que
não condizem com as inteligibilidades são consideradas como corpos “abjetos”, ou
seja, aquele(as) que fogem à regra do padrão do binarismo; aquele(as) que não têm
uma coerência entre sexo-gênero-sexualidade:

Essa matriz excludente pela qual os sujeitos são formados exige,


pois a produção simultânea de um domínio de seres abjetos, aqueles
que ainda não são “sujeitos”, mas que formam o exterior constitutivo
relativamente ao domínio do sujeito. O abjeto designa aqui
precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inabitáveis” da vida
social46, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles
que não gozam do status de sujeito seja circunscrito. (BUTLER,
2000, p. 153).

De acordo com a análise sobre o conceito de “abjeção”, este se destina a


todo gênero não inteligível, quando aquelas atribuições que foram construídas
culturalmente para atribuir ao gênero demarcações binárias são desordenadas.
Neste sentido, sua aplicação se dá nas travestis e transexuais, pois, nas palavras de
Louro (2003, p. 1), são “corpos que escapam” à ordem binária; e ainda, “ao longo
dos séculos, os sujeitos vêm sendo examinados, classificados, ordenados,
nomeados e definidos por seus corpos, ou melhor, pelas marcas que são atribuídas
a seus corpos”. Os abjetos “não gozam de sujeitos” e são marcados, estigmatizados,

46 Grifo nosso.
69

discriminados pela sociedade que tem por base a heterossexualidade como padrão
de relação afetiva-sexual.
Com base em uma perspectiva culturalista, as autoras referenciadas
apresentam algumas reflexões que são importantes para se pensar o sistema de
normatização que a sociedade construiu social e culturalmente. De tal modo, o
corpo, a partir de dadas sociedades, ganhou diversos significados, normas e
descrições. Assim, “o corpo, “fala” e o faz através de uma série de códigos, de
adornos, de cheiros, de comportamentos e de gestos que só podem ser “lidos”, ou
seja, significados no contexto de uma dada cultura” (LOURO, 2003, p. 2).
Na visão da Butler (2000) e Louro (2003), o corpo é culturalmente construído,
e tal construção se deu por diversos significados e sentidos. Olha-se para um corpo
com pênis e barba, e logo este é associado a um homem/macho. Olha-se para um
corpo com vagina e seios, e este é associado a uma mulher/fêmea, em uma
perspectiva sexista que naturalizou o sexo. Neste sentido,

Os significados dos corpos deslizam e escapam, eles são múltiplos e


mutantes. Até mesmo o gênero e a sexualidade — aparentemente
deduzidos de uma “base” natural — são atributos que se inscrevem e
se expressam nos corpos através das artimanhas e dos artifícios da
cultura. Gênero e sexualidade não são definições seguras e estáveis,
mas históricas e cambiantes. (LOURO, 2002, p. 2).

O projeto de heterossexualidade compulsória, na forma de binarismo vigente


na sociedade, classifica o corpo associando-se apenas ao gênero masculino e
feminino, que são normatizados conforme a inteligibilidade dos gêneros. Assim se
tem a construção das visões dicotômicas para homens e mulheres na sociedade,
estando fora dessa dicotomia as identidades Trans*. Igualmente, “deve-se
reconhecer que a maioria das sociedades possui algum tipo de distinção
masculino/feminino e que essa distinção geralmente é relacionada ao corpo”
(LOURO, 2003, p. 2); no entanto, esse projeto possui suas falhas; logo, os corpos,
nesse processo de extrema adequação, “deslizam” a essa ordem vigente, tais como:
as androginias, as drag queens, as travestis, os(as) transexuais e transgêneros,

Os significados dos corpos deslizam e escapam não apenas porque


são alterados, mas porque são objetos de disputas. Distintas
instâncias culturais falam dos corpos, afirmam o que eles são,
explicam-nos, dizem como são, como devem ser. Decidem sobre a
70

sexualidade, sobre a vida, o prazer, o nascimento e a morte


(LOURO, 2002, p. 2).

Por intermédio dessas análises de desordem da ordem binária dos gêneros


que é desenvolvida, nos anos 1990, a Teoria Queer, conforme se segue:

Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico,


raro, extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma
pejorativa com que são designados homens e mulheres
homossexuais. Um insulto que tem, para usar o argumento de Judith
Butler, a força de uma invocação sempre repetida, um insulto que
ecoa e reitera os gritos de muitos grupos homófobos, ao longo do
tempo, e que, por isso, adquire força, conferindo um lugar
discriminado e abjeto àqueles a quem é dirigido (LOURO, 2001, p.
546).

O termo “Queer” foi utilizado por uma parte do movimento homossexual que
ressignificou essa terminologia e passou a utilizá-la como estratégia para questionar
as normas imputadas pela heterossexualidade. Conforme Louro (2001), não há um
consenso em torno dos teóricos que fazem uso desta teoria. Trata-se de um grupo
heterogêneo, com muitas divergências.

Os teóricos e teóricas queer fazem um uso próprio e transgressivo


das proposições das quais se utilizam, geralmente para desarranjar e
subverter noções e expectativas. É o caso de Judith Butler, uma das
mais destacadas teóricas queer. Ao mesmo tempo em que reafirma o
caráter discursivo da sexualidade, ela produz novas concepções a
respeito de sexo, sexualidade, gênero. Butler afirma que as
sociedades constroem normas que regulam e materializam o sexo
dos sujeitos e que essas “normas regulatórias” precisam ser
constantemente repetidas e reiteradas para que tal materialização se
concretize. (LOURO, 2001, p. 548).

Não é possível negar as contribuições de Judith Butler (2000) sobre a crítica


essencialista que parte das estudiosas feministas desenvolveu sobre o sistema
sexo/gênero, porém, também é preciso concordar que não se pode restringir-se
apenas à subjetividade no campo dos estudos, haja vista que o ser social é uma
unidade una e indivisível, um conjunto de relações sócio-históricas; é construído a
partir de toda uma base materialista. Assim, conforme Marx e Engels (1845), “a
essência humana não é uma abstração, inerente a cada indivíduo. Na realidade ela
é um conjunto das relações sociais” que centram na concepção do ser humano o
71

sistema patriarcal, a heterossexualidade como ideologia, o racismo e a sociedade


capitalista.
Portanto, o limite dessa perspectiva encontra-se na centralidade da
subjetividade, sem uma articulação com outros componentes, que são importantes
para compreender a dimensão da opressão e exploração, principalmente para
superá-los, como é o caso do racismo, do capitalismo e do patriarcado.
Por auxílio das análises de Cameron e Scanlon (2010), é possível observar
alguns pontos convergentes entre a perspectiva política do feminismo e a
perspectiva Queer. O primeiro ponto de convergência entre as duas perspectivas é a
compreensão de que o gênero e a sexualidade são construídos socialmente. O
segundo trata de reconhecer que nas duas perspectivas, as atribuições binárias de
gênero são opressoras. O terceiro reconhece e tem o comprometimento nas duas
perspectivas em desafiar e superar as práticas ditas “heternormativas”.
Diante do exposto, faz-se importante apresentar alguns pontos divergentes
nas análises entre as duas políticas: a feminista materialista e a política da Teoria
Queer. Assim, tem-se que na perspectiva de análise da Teoria Queer, não é o
patriarcado que oprime as mulheres, mas as normas de gênero, os discursos que
foram construídos culturalmente.
Desse ponto de vista, é possível perceber desacordos teóricos e políticos,
uma vez que se considera que a opressão e exploração que as mulheres, as
travestis e os sujeitos da diversidade humana vivenciam tem uma formação histórica
e social construídas pelo patriarcado. Já na perspectiva das normas gênero, se
expressam na abstração e no idealismo, desconsiderando as bases materialistas
que esses segmentos sofrem cotidianamente.
Partindo dessa análise e reafirmando a perspectiva materialista, considera-se
que o gênero não se constrói apenas no campo do discurso e da performatividade,
mas por meio de relações patriarcais de gênero, onde as mulheres, as travestis,
sofrem constantemente opressões, inclusive, no campo da exploração – o que se
materializa na divisão sexual do trabalho, na subalternização do gênero e das
expressões do feminino, também, nos espaços da vivência familiar, escolar, nas leis,
na maternidade, na violência sexual e moral contra mulheres, travestis e
transexuais.
72

O queer é, por sua própria definição, tudo o que está em desacordo


com o normal, o legítimo, o dominante. O queer, então, demarca
“não uma positividade, mas um posicionado vis-à-vis ao normativo”.
Segue-se a isso que a política queer não tem objetivos políticos
particulares, à parte de desafiar os discursos normativos dominantes
e, se eles mudam, a política queer deve então ter que mudar sua
posição em oposição ao que quer que seja atualmente normativo.
Não está claro para mim, então, quais são seus objetivos políticos
específicos. (CAMERON, SCANLON, 2010, p. 14).

A análise das autoras mencionadas se mostra de fundamental importância


para compreender os limites que a política Queer representa, principalmente,
quando se compreende que o objetivo de transformação das relações patriarcais de
gênero não é apenas o “desmontar” das normas da heterossexualidade, mas, as
bases materiais que se constituem por intermédio do patriarcado, do modo de
produção e reprodução capitalista, do racismo e da heterossexualidade como
ideologia – sistemas que consubstancializam as opressões e explorações que
mulheres, travestis, transexuais, lésbicas, gays, bissexuais, negros e negras sofrem
cotidianamente.
Sobre tal questão reportada, é preciso concordar com a perspectiva de
Cameron e Scanlon (2010, p. 15): “[...] a tarefa intelectual e teórica do feminismo é
compreender o gênero como um sistema de criar e manter a desigualdade. A tarefa
política do feminismo é erradicar o gênero”, no sentido que compreende-se que as
demarcações postas são reprodutoras de desigualdades.
Ainda em relação à Teoria Queer, outro aspecto abordado por essa
perspectiva de análise teórica e política trata da defesa, por parte de alguns teóricos
e teóricas, de uma política pós-identitária. Os(as) queer’s defendem a ideia de que a
afirmação de políticas identitárias é a reprodução da norma vigente das relações
binárias. Assim,

O alvo dessa política e dessa teoria não seriam propriamente as


vidas ou os destinos de homens e mulheres homossexuais, mas sim
a crítica à oposição heterossexual/homossexual, compreendida como
a categoria central que organiza as práticas sociais, o conhecimento
e as relações entre os sujeitos. (LOURO, 2001, p. 549).

Em uma sociedade que tem como valores a normatização das relações entre
homens e mulheres e a heterossexualidade como modelo social a ser seguido, a
organização de sujeitos políticos que se opõem a esses valores e que lutam por uma
73

sociedade para além da oposição heterossexualidade/homossexualidade tem suas


estratégias, mas também limites. Neste sentido, se a finalidade não for a superação
desse sistema pautado na sociedade de classe, sempre existirão as desigualdades
de gênero e, consequentemente, a divisão sexual do trabalho.
Esses sujeitos políticos devem ter como estratégias de lutas as
particularidades dos sujeitos subalternizados da sociedade como processo político
coletivo para a transformação da atual realidade e, principalmente, da superação do
modelo de relações sociais pautados na heterossexualidade muito além de uma
norma, mas remontando Witting (1980), como um sistema político, ideológico e
social.
Em tempos de barbárie e extrema desigualdade social, a luta requer uma
emancipação política nas estratégias por conquistas de direito, políticas sociais,
além da afirmação da identidade política dos sujeitos coletivos. Tal ação faz parte de
um processo político organizativo de lutas sócio-históricas vinculadas às relações da
vida cotidiana, e são estratégias para a emancipação humana.
O fato que Louro (2001), aponta que a questão da homossexualidade deixou
de ser uma questão uniforme e universal e passou a ter um caráter de “raça”/etnia,
classe, nacionalidade, deve-se à ação política de militante nos anos 1970 – período
que o movimento homossexual ganhou maior visibilidade social e política, onde em
meio a muitos artistas, membros de universidades e jornalistas, pouco a pouco
construiu-se “a ideia de uma comunidade homossexual” (LOURO, 2001, p. 543).
De fato, o movimento homossexual foi ganhando notoriedade na sociedade
brasileira, e foi enfrentando cada vez mais o conservadorismo.

O discurso político e teórico que produz a representação ‘positiva’ da


homossexualidade também exerce, é claro, um efeito regulador e
disciplinador. Ao afirmar uma dada posição-de-sujeito, supõe,
necessariamente, o estabelecimento de seus contornos, seus limites,
suas possibilidades e restrições. (LOURO, 2001, p. 544).

A afirmação desses sujeitos na luta contra as opressões e exploração tiveram


seus limites, mais que a afirmação da identidade política, principalmente de setores
que lutavam pelo respeito à diversidade afetivo-sexual de segmentos que foram
estigmatizados, discriminados, que sofreram e sofrem cotidianamente diversas
violações de direitos, que é e continua sendo a luta daqueles que morreram lutando
por visibilidade social e política na sociedade. Assim, é preciso reconhecer a luta
74

para a construção de um movimento social cheio de contradições e também de


importantes conquistas. Todavia, faz-se importante questionar sobre qual sociedade
está se tratando e quais os desafios e limites da militância na ordem vigente do
capital.
De tal modo, quando Fernanda Bevenuty, enquanto representante da
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), afirmou no Seminário
Nacional Serviço Social e Diversidade Trans que ocorreu na cidade de São Paulo,
nos dias 11 e 12 de julho, que “Travesti é uma identidade política”, é porque se tem
aí toda uma carga histórica, política e organizativa dessas identidades, que vem se
organizando na luta contra as formas de opressão e exploração enfrentadas
cotidianamente, sobretudo, no mundo do trabalho, com suas particularidades na
precarização da atividade laboral e do(as) próprio(as) trabalhadore(as).
Louro (2001), em sua reflexão, indaga como romper com os binarismos e
pensar a sexualidade, os gêneros e os corpos de uma forma plural, múltipla e
cambiantes. Como resposta, aquela autora aponta que “a teoria Queer permite
pensar a ambiguidade, a multiplicidade e a fluidez das identidades sexuais e de
gênero mas, além disso, também sugere novas formas de pensar a cultura, o
conhecimento, o poder e a educação” (LOURO, 2001, p. 550).
A ação para romper com os binarismos e pensar a sexualidade, os gêneros,
os corpos de uma forma plural, múltipla e cambiante, requer pensar nas finalidades
que devem ser atingidas; ou seja, é preciso partir de uma análise ontológica da
realidade, apresentando sua historicidade e suas contradições, apostando, assim,
na construção de um projeto societário de ação humana coletiva.

Nessa perspectiva, a elaboração de uma nova hegemonia significa


algo qualitativamente diferente do que a mera inversão na
dominação e não pode significar uma imposição à sociedade de uma
nova forma de interesse particular. O que implica reconhecer que, na
orientação das lutas, é necessário fazer avançar conquistas
históricas de homens e mulheres. (SANTOS, 2005, p. 305).

A luta do movimento LGBT, de militantes de esquerdas, organizado(as) nas


setoriais (diversidade sexual, feministas, “raça/etnia”), devem ter como estratégia um
norte para além da lógica binária, pois é por meio desta que se materializam muitas
formas de hierarquização, dominação, classificação e desigualdades sociais, mas
que, na sociedade de classe, principalmente nessa forma de sociabilidade que é
75

construída por relações que fazem parte da lógica da produção e reprodução do


capital, a classe, a raça e a sexualidade, muitas vezes, são utilizados para oprimir e
explorar aqueles contingentes historicamente marginalizado(as).
A desigualdade social que atinge as travestis no Brasil, as violências que
sofrem em casa pelos familiares e nas ruas por outros sujeitos desconhecidos, as
situações de risco quando estão na prostituição, quando são assassinadas pela
polícia, pelo Estado ou por outrem, quando são expulsas das escolas porque não se
tem o devido respeito por parte de alunos, professores e funcionários, quando são
desrespeitadas nas filas de hospitais e posto de saúde, aponta apara a inexistência
de uma política de trabalho e renda para esse segmento, ou uma política efetiva de
combate à transfobia e ao transfemícidio. Neste sentido, se fazem necessários a
afirmação e o reconhecimento da identidade política das travestis, que é parte de um
processo que ainda se encontra na lógica da emancipação política.

A comunidade T, uma das populações mais vulneráveis do planeta,


vem se emponderando e tomando consciência de que é no embate
político que se conquista a garantia de respeito aos seus direitos
civis, ocupando os espaços públicos das ruas e conquistando na
raça sua cidadania. A presença de travestis e transexuais num dos
centros decisórios de poder como a Câmara Municipal de São
Paulo, cobrando daqueles que deveriam representar os anseios de
toda a população, e não somente dos que já tem espaço e direitos
assegurados pela cultura cisheteronormativa, marca a mudança de
paradigmas que a nossa sociedade tem que encarar para construir
um futuro mais democrático e inclusivo (SÁ, 2015)47.

O segmento aqui analisado possui demandas e materialidades específicas a


serem conquistadas, mas que tem como fim a emancipação humana, que requer
uma vida plena de sentidos e direitos. No próximo tópico, como forma de apreender
os aspectos da identidade de gênero fez-se uma análise sobre a identidade Travesti
e Transexual nas “relações patriarcais de gênero”, para assim compreender como a
dimensão do corpo, da sexualidade e da identidade são subjugadas pelas formas
opressoras da sociedade, que se pauta por intermédio da formação héteros-
patriarcal, burguesa, para assim adentrar no debate de como essas identidades são

47 Por Léo Moreira Sá para o site: “Os jornalistas Livres” – reportagem: “Travestis e Transexuais
ocupam a câmara municipal de São Paulo”. Disponível em: <https://medium.com/jornalistas-
livres/travestis-e-transexuais-ocupam-a-ca%CC%82mara-municipal-de-sa%CC%83o-paulo-
2c3ea162863d>. Acesso em: 24 de junho de 2015.
76

execradas do mercado de trabalho formal e suas particularidades da precarização


no mundo do trabalho.

2.4 “Não se nasce Travesti, torna-se Travesti”: a construção da identidade


de gênero e as concepções sócio-históricas das Travestilidades

Preciso ser um outro,


Para ser eu mesmo,
[...] No mundo que combato morro,
No mundo que luto nasço.
(Mia Couto)

O celebre verso de Mia Couto, proporciona a reflexão sobre as identidades no


atual modelo de sociedade, a identidade como sujeito singular e a identidade como
humano-genérico. Nas linhas que se seguem, têm-se algumas reflexões acerca das
identidades Trans*. Aqui é preciso esclarecer que não se apresentará uma definição
do que é ser travesti e/ou transexual, pois se considera que, muitas vezes, tercem-
se verdades sobre essa população, que constantemente são reducionistas,
essencialistas48 e/ou biologizantes; e ainda, porque a identidade travesti e transexual
foi (e vem sendo), em sua maioria, utilizada para reiterar o discurso da patologização
e da norma que impõe uma coerência entre sexo-gênero-sexualidade.
Consequentemente, como apresenta Ferreira (2014, p. 46):

É preciso, ao contrário, assumir sempre uma parcela de risco e de


dúvida ao construir uma caracterização a respeito dessas
identidades de gênero, o que não significa que não haja diferenças
entre elas, mesmo porque é pela diferença que essas pessoas
operam e são performatizadas, produzindo e reproduzindo o gênero
de maneira histórica e coletiva.

Destarte, têm-se algumas reflexões sócio-históricas e teóricas construídas


sobre esses indivíduos, como estratégia de pensar o lugar da travesti, do(a)
transexual, nessa sociedade, sobretudo, articulando com o objetivo da presente
pesquisa e situando os elementos da inserção dessa população no mercado de

48 Trata-se do discurso que defende uma suposta natureza feminina ou masculina.


77

trabalho. E ainda, apresentam-se alguns relatos das interlocutoras do estudo


discorrendo sobre o processo de construção da identidade de gênero travesti.
Sobre as construções sócio-históricas acerca das identidades Trans*, é
preciso destacar que a identidade de gênero é distinta da dimensão da orientação
sexual, possuindo diferentes expressões.
A orientação sexual aponta para como os indivíduos se relacionam afetivo-
sexualmente. Trata-se dos desejos que os seres humanos construíram socialmente
em relação ao outro, e a orientação sexual é parte da diversidade humana, uma vez
que, por via dela, se reconhece a multiplicidade de desejos, afetividades e
sentimentos construídos subjetivamente e objetivamente na sociedade. De tal modo,
não existe apenas a heterossexualidade como orientação sexual, mas uma
diversidade: a bissexualidade, a homossexualidade, a pansexualidade e a
assexualidade49.
Neste sentido, os estudos da identidade de gênero são complexos e
envolvem múltiplas análises e perspectivas. Para Lima (2011, p. 166), “o conceito de
identidade nos parece como um dos mais difíceis de explicar e entender. Talvez
porque em um primeiro momento ele nos pareça óbvio, pois todos nós, ao longo da
vida, vamos construindo nossa identidade”. Assim, a complexidade sobre as
identidades travestis e transexuais necessita de um esforço analítico que
desvendem as complexidades em torno da construção dessas sujeitas.
Pensando na identidade de gênero na contemporaneidade, tem-se o debate
sobre dois modos de concepção das identidades discorridos pela perspectiva
transfeminista, a saber: a cisgneridade e a transgeneridade. O cisgênero é
considerado(a) aquele(a) que está de acordo e que não tem conflitos com o gênero
que lhe foi atribuído, ou seja, é o menino que, ao nascer, se identifica como homem,
e a menina que se identifica como mulher ao longo da sua construção. Para tanto, a
Figura 1, a seguir, ilustra um caso de cisgeneridade:

49 A bissexualidade refere-se aos indivíduos que se relacionam afetivo-sexual ou se sentem atraídos


pelos demais gêneros. Os homossexuais são aqueles que se sentem atraídos pelo mesmo gênero.
Os assexuados são aqueles que, em alguns casos, não se relacionam afetivo-sexual com nenhum
gênero ou apenas mantém uma relação afetiva sem desejos sexuais. A pansexualidade se refere aos
indivíduos que se caracterizam por terem sentimentos, afetos e desejos por pessoas que não se
identificam nas regras binárias de gênero.
78

FIGURA 1: O que é cisgênero?

Fonte: 1 Fonte1: http://transfeminismo.com/o-que-e-cisgenero.

Pensar a identidade dessa forma requer fazer algumas mediações,


principalmente quando se trata de romper com algumas visões mecanicistas que
coloca a identidade como natural, estática e imutável.
Lima (2009) entende a identidade como algo entrelaçado por elementos
psicossubjetivos e sócio-objetivos na formação do ser social. E a identidade se
complexifica quando está relacionada à construção da identidade de gênero. Assim:

O indivíduo nasce e já encontra um processo de identificação


construído no imaginário de seus pais pelo nome e na estrutura
simbólica social e cultural em que nasce. Ele se apropriará desses
elementos com revolta e/ou conformação, os interiorizará e/ou
rejeitará. Inicialmente, este meio social é o grupo familiar e seus
amigos mais íntimos. Com o crescimento do indivíduo, este meio se
alarga com a escola, a televisão, a internet, os livros etc. (LIMA,
2011, p. 167).

Por conseguinte, a identidade de gênero se refere como o ser humano se


reconhece dentro dos padrões de “relações patriarcais de gênero” construídos e
estabelecidos pela sociedade que reproduz uma ideologia estabelecida por
atribuições binárias50 que foram demarcadas para homens e mulheres.

50As atribuições binárias são as demarcações que foram construídas social e culturalmente para
homens e mulheres.
79

Até meados dos anos de 1950, “travestis, transexuais e homossexuais” eram


conceitos que não tinham uma distinção, e somente a partir dali surgiram algumas
publicações do “fenômeno transexual” e a multiplicidade das identidades de gêneros
(BENTO, 2006).
Segundo as análises de Bento (2006), o(a) transexual é aquele que nasceu
com um corpo masculino ou feminino, porém, na sua subjetividade, o corpo não o
representa, passando este, então, a viver sob conflitos. Assim, sua identidade de
gênero é diferente daquilo que está posto biologicamente, vivendo uma eterna
contradição corpo/subjetividade, rompendo com a coerência sexo-gênero-
sexualidade construída pela sociedade normativa. Sobre tal questão, aquela autora
ainda afirma que, em alguns casos, o “conforto” psicológico em relação ao corpo
somente se dá quando fazem a cirurgia de transgenitalização51.
Bento (2006) ainda observa que o diagnóstico de transexualidade se dá
mediante extenuantes procedimentos, que inclui um histórico completo de caso de
testes psicológicos e sessões de terapia, com o apoio de diversos profissionais
(médicos, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais entre outros) que pode ser
realizado pelo Sistema Único de Saúde.
O trabalho desenvolvido por Benedetti (2005) analisa as primeiras
“transformações das identidades gênero”, ou melhor, as construções de diferentes
identidades gêneros na sociedade, que surgem na primeira metade do século XX na
América Latina, com as sociedades “Berdaches”– indivíduos nascidos homens, que
passavam a adotar vestimentas e comportamentos femininos e a executarem
atividades nitidamente destinadas às mulheres e praticavam sexo com homens. A
figura a seguir verifica-se uma Berdache:

51 “Processo Transgenitalização: intervenções médicas-cirúrgicas que devem atender aos critérios


estipulados pela Resolução CFM nº 1.652/2002, que determinam o prazo mínimo de dois anos de
acompanhamento terapêutico como condição para a viabilização de cirurgia, bem como a maioridade
e o diagnóstico de transexualismo.Transcorridos os dois anos de acompanhamento terapêutico, caso
o usuário seja diagnosticado transexual, estará apto a se submeter à cirurgia de transgenitalização, o
que não significa que deva necessariamente se submeter a este recurso terapêutico.A cirurgia de
transgenitalização deve ser concebida como um entre outros recursos terapêuticos dos quais dispõe
o indivíduo transexual em seu processo transexualizador. Disponível em:
<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=34017&janela=1>. Acesso em: 4 de
outubro de 2013.
80

FIGURA 2: Berdache Whe-Wa, Novo México-EUA, foto de 1879.

Fonte:<http://memorabiliagay.blogspot.com.br/2009_11_01_archive.html>

Nos escritos sobre as sociedades Berdaches, é possível identificar as


“relações patriarcais de gênero”, tendo em vista que aqueles indivíduos, “nascidos
homens”, mas que tinham “comportamentos femininos”, já se inseriam nas relações
da divisão sexual do trabalho e passavam a realizar e cumprir as mesmas funções
que as mulheres tinham em suas comunidades.
Conforme as análises de Benedetti (2005), é possível compreender que as
sociedades Berdaches representam etnograficamente os primeiros estudos sobre as
travestilidades, e como tal segmento se insere na divisão sexual do trabalho.
Giuseppe Campuzano (2008, p. 83) também corrobora com os estudos sócio-
históricos das identidades de gênero e sua gênese: “Travesti é um termo que
sobreviveu até a época contemporânea e é utilizado na América Latina para
descrever as pessoas que transitam entre gêneros, sexos e vestimentas. As
travestis vieram de uma dessas identidades reprimidas”. Ainda de acordo com
aquele autor:

O próprio conceito de travesti (literalmente vestir-se com roupas do


outro sexo) nasceu da fixação dos colonizadores com os binários de
gênero, incluindo o imperativo de vestir de acordo com seu lugar
numa rígida dicotomia de gênero, na qual havia dois sexos
claramente definidos e dois gêneros baseados naqueles dois sexos.
O gênero pré-hispânico foi lido através dessa lente e o travestismo
tornou-se, nesse esquema, vestir-se como o pólo oposto do binário.
(CAMPUZANO, 2008, p. 83).
81

Outro fator apontado por Benedetti (2005) em relação aos estudos


antropológicos é a crítica a alguns trabalhos desenvolvidos em épocas anteriores
que reduziam e, muitas vezes, traziam uma abordagem preconceituosa,
psicologizante e biologizante da questão das identidades travestis e transexuais. Os
estudos sobre as travestilidades tornaram-se por muito tempo dispositivos de poder
e saber.
Sobre tal questão, Benedetti (2005, p. 18) afirma que os:

[...] travestis são aquelas que promovem modificações nas formas do


seu corpo visando a deixa-lo o mais parecido possível das mulheres;
vestem-se e vivem cotidianamente como pessoas pertencentes ao
gênero feminino sem no entanto, desejar explicitamente recorrer à
cirurgia de transgenitalização.

Com base nos elementos apontados sobre a construção da identidade


travesti na sociedade latino-americana, faz-se importante também destacar alguns
elementos da materialidade e das condições de vida dessa população – elementos
imprescindíveis na presente pesquisa. Neste sentido, os estudos de Benedetti
(2005), Kulick (2008) e Pelúcio (2006) foram de grande expressão, sendo possível a
análise de alguns aspectos sobre a subalternidade nas condições de sociais e de
vida que as travestis assumem na sociedade brasileira.

Essa maioria – que muitos brasileiros vêem apenas de relance, à


noite, em pé ao longo de avenidas e nas esquinas de ruas mal
iluminadas ou nas páginas policiais – forma um dos grupos mais
marginalizados, temidos e menosprezados da sociedade Brasileira.
(KULICK, 2008, p. 24)

No estudo etnográfico realizado por Kulick (2008) sobre a realidade das


travestis na cidade de Salvador, Bahia, identificou-se o quanto essa população é
marginalizada e criminalizada na sociedade brasileira, sobretudo, aquelas que vivem
do trabalho sexual, vivendo em constante condição de risco durante a noite e
expostas a todo tipo de violências, sem proteção social e/ou resguardas pela
segurança.
Já na pesquisa etnográfica realizada por Benedetti (2005) foi possível
conhecer alguns aspectos da realidade do referido contingente populacional na
82

cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Segundo aquele autor, as travestis que
se prostituem moram em regiões que predominam a prostituição, vivem em hotéis
compartilhados com outras travestis, prostíbulos e/ou em pensões, por períodos
indeterminados. Dado o cotidiano incerto, as despesas diárias com alimentação,
moradia, remédios, roupas e produtos de higiene pessoal podem se transformar em
uma dívida difícil de saldar (BENEDETTI, 2005).
Uma das características dessas sujeitas é a transformação do corpo. Por não
se identificarem com o gênero lhes foram atribuídos, passam a se transformar com a
injeção de hormônios femininos e silicone no corpo, buscando a visibilidade da
identidade gênero travesti. Sobre tal questão, é possível perceber que a:

[...] travesti também não apresenta inconformidade com o seu


sexo biológico, exclui a possibilidade de se desfazer dos seus
genitais e os identifica como fonte de prazer, mas,
simultaneamente com isso, necessita de se caracterizar e de
se vestir como o sexo oposto ao seu. (SILVEIRA, 2006, p. 15).

As travestis e transexuais são pessoas que “desafiam” a ordem binária


imposta pelas “relações patriarcais de gênero”, naturalizada pela sociedade.
De acordo com Amanda Palha52, a travesti é uma “construção de uma
identidade marginalizada no atual modelo de sociedade”. Logo, é possível discordar
da perspectiva de “se caracterizar e de se vestir como o seu sexo oposto”, pois tem-
se aí uma afirmação que vai além de um caráter performático; é uma questão de
elementos psicossocial, cultural e relacional entre a objetividade e a subjetividade
que compõe a complexidade e diversidade do ser social.
A transformação do corpo e, principalmente, a luta cotidiana que vivenciam
para serem reconhecidas como sujeitas de direito denota as contradições da
sociabilidade capitalista com o acirramento das desigualdades sociais, uma vez que
na transformação do corpo passam por inúmeras violências, e “muitas continuam
pobres por toda vida, levando uma existência miserável, morrendo antes dos 50
anos em virtude da violência, do uso de drogas, de problemas de saúde
relacionados às aplicações de silicone” [...] (KULICK, 2008, p. 24).
Exposto o panorama sócio-histórico e teórico sobre a construção das
identidades travestis e transexuais na sociedade brasileira, e os aspectos sociais
52Militante do Trans, atualmente é discente do curso de nível superior em Serviço Social, pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
83

que se revelam por intermédio dessas sujeitas, a seguir, tem-se a apresentação de


alguns aspectos que permeiam a construção da identidade de gênero das travestis
que participaram do presente estudo, que se constroem em relação ao gênero
feminino na cidade do Natal, Rio Grande do Norte.

2.5 A construção da Identidade de Gênero Travesti: as dimensões do corpo,


gênero e da sexualidade

Como forma de apreender as múltiplas determinações que perpassam a vida


das travestis na cidade do Natal – pois é na realidade social que se produzem e
reproduzem tais valores – buscou-se aqui identificar, nas entrevistas, alguns
aspectos que fazem parte da vida das interlocutoras do presente estudo. Um dos
elementos de apropriação é a construção da identidade de gênero dessa população.
Neste sentido, tem-se nesse tópico a apresentação de algumas dimensões sobre o
corpo, gênero e sexualidade das entrevistadas.
Neste ínterim, a pesquisa buscou trabalhar com as travestis inseridas nos
campos de trabalho formal e informal, bem como identificar os principais problemas
na hora da busca pelo emprego – incluíra-se na análise travestis desempregadas
para apresentar as particularidades que envolvem esse contingente.
Primeiramente, o estudo pretendeu trabalhar apenas com o segmento
travestis, porém, a realidade apresentou uma multiplicidade de
autorreconhecimento, onde algumas delas se identificavam como travestis, outras
como transexuais – mesmo aquelas que se dizem transexuais se afirmam
politicamente como travesti. Neste sentido, foi possível reconhecer a multiplicidade
dessas identidades e os determinantes sociais e políticos dessas sujeitas, pois:

Algo é certo, em nossos dias, as mudanças na esfera da sexualidade


se associam a novas tecnologias corporais e a uma ampliação do
debate para além da heterossexualidade. As possibilidades de
construção do feminino têm trazido novas implicações identitárias
para as travestis e tornando os corpos mais plásticos à construção e
desconstrução do que se deseja (DUQUE, 2011, p. 26).
84

Conforme Duque (2011), no atual modelo de sociedade, a plasticidade em


relação à construção da identidade travesti tem sido extremamente cambiante em
relação às fronteiras do pertencimento e outo-reconhecimento identitário; ou seja, “o
gayzinho de hoje pode vir a se tornar travesti, a travesti jovem se tornar gay ou ainda
decidir por se reconhecer como transexual” (DUQUE, 2011, p. 26).
De tal modo, a pesquisa buscou trabalhar, no presente tópico, apenas com a
construção da identidade de gênero, uma vez que a afirmação e visibilidade Trans*
apresenta intercorrências na busca pelo trabalho. No processo de pesquisa foram
entrevistadas oito travestis. Como aspecto metodológico apresentou-se como se deu
a construção da identidade de gênero, corpo e sexualidade apenas das
entrevistadas que se sentiram a vontade em falar do assunto, uma vez que apenas
algumas quiseram tratar desse processo.
Segundo Kulick (2008, p. 22), “a existência de travestis é registrada em toda
América Latina, mas em nenhum país elas são tão numerosas e conhecidas como
no Brasil, onde alcançam visibilidade notável, tanto no espaço social quanto no
imaginário cultural”. Apesar de terem grande visibilidade em números, as travestis,
em quase todas as cidades brasileiras, são invisíveis nas políticas públicas. Neste
sentido, ainda se tem pouco conhecimento por parte da sociedade brasileira sobre
essa população no que se refere ao respeito às travestilidades no Brasil.
Como modo de conhecer a realidade dessas sujeitas, algumas entrevistas
elucidaram as estratégias adotadas por elas para darem visibilidade à sua
identidade enquanto indivíduos travestis. Assim, o contato direto com as
participantes da pesquisa foi um elemento muito importante para conceber qual é a
percepção das mesmas sobre os seguintes aspectos: identidade de gênero, corpo e
sexualidade e sua afirmação na sociedade.
As interlocutoras relataram durante as entrevistas as estratégias de
mudanças no corpo para darem visibilidade a identidade travesti. Algumas
observaram que a primeira forma se deu pelo “montar-se” como roupas “femininas”,
e posteriormente surgiram outras necessidades e desejos, conforme o relato de
Camille Cabral:

As minhas questões de hormônios eram feitas olhando pelas outras,


eu aplicava por conta própria. Elas tomavam, eu tomava, elas
mudavam eu mudava, e assim eu nunca tive uma consequência, “ah
vou me dá mal”? Vou me prejudicar? E assim eu vi algumas
85

mudanças pelo contrário, eu não tinha pelo no rosto, e depois que eu


comecei a tomar hormônios, hoje faço tratamento a laise para
eliminar, a voz acho sei lá? Eu acordei agora ela está meio rôca
(risos), mas é uma voz bem feminina bem Paola Blatio, os silicones
eu coloquei muito tarde, por ter virado travesti tarde, quando você
toma o hormônio cedo suas formas femininas aparecem cedo, como
eu já tinha o corpo masculinizado, coloquei na bunda, as vezes no
peito as vezes quero as vezes não quero, porque gosto do peito
pequeno, tô pensando em colocar pequeno. (CAMILLE CABRAL –
CABELEREIRA).

A primeira entrevista que promoveu o trato da questão da construção da


identidade de gênero foi de Marsha Johson, de 58 anos. Por ser a que tinha a idade
mais avançada entre as travestis entrevistadas, a sua fala apresenta como se deu a
construção da sua identidade na sua infância e adolescência. Compreendeu-se que
a construção de sua travestilidade foi um processo que também apresentou
elementos sócio-históricos que para se afirmar enquanto travesti, sendo necessária
uma independência financeira. Para aquela entrevistada, uma travesti é:

Esse lance de travesti é uma construção com o tempo, eu me


policiava um pouco, se eu ia para um certo lugar eu ia vestido mais
ou menos como era um hétero pra passar né? Hoje não porque
estou já numa situação financeira já estável, tô na idade da razão
não tenho que dar satisfação a ninguém e me visto como quero, mas
naquela época que eu necessitava dos meus empregos eu me
policiava um pouco, hoje não, depois que a gente atinge a melhor
idade, depois dos 50 anos a gente não tem mais esse tipo de medo.
(MARSHA JOHSON, PROFESSORA).

Marsha Johson, ao recordar o tempo da faculdade nos anos de 1970 e 1980,


apresentou quais eram os principais aspectos sociais e culturais no período em que
se deu a sua afirmação enquanto estudante inserida na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Ela foi universitária do curso de Contabilidade e já tinha a
perspectiva de transformação de gênero, apresentando aspectos que se reconhecia
no gênero feminino. Conforme seu relato, sua construção na sua adolescência
apresentou aspectos flutuantes entre androginia53 e travestilidades, até afirmar-se
como travesti depois de graduada.

53 Trata-se do hibridismo de características de dois gêneros (masculino e feminino) em um único ser.


86

Mas naquela época eu era andrógino, era uma época de androginia,


eu sempre gostei de rock, e das bandas que eu gostava tinha essa
androginia. Ney Matogrosso, Ney York Dolls, Dzi Croquetes, e eu me
espelhava muito nesse tipo de pessoa e eu andava na universidade
meu cabelo sempre foi muito cheio descolorido, de moto, muito anel,
brincos, essas coisas, bolsas de couro de franja e isso incomodava
um pouco os héteros, comportados, mas eu sempre fui desse jeito.
(MARSHA JOHSON – PROFESSORA).

A construção da identidade de gênero de Marsha Johson enquanto travesti foi


também influenciada por um processo cultural, ou seja, que influenciou na
visibilidade da sua identidade em sua particularidade. Neste sentido, é possível
perceber que a visibilidade reproduz um papel político, que questiona a cultura e a
forma política de sua época, os valores.
Marsha Johson adotou como forma de dar visibilidade à sua identidade por
auxílio da performance articulados aos grupos artísticos que naquele dado período
estavam ligados a uma perspectiva transgressora de questionamento a cultura até
então normatizada, como foi o caso de Ney Matogrosso no grupo Secos e Molhados
e o grupo Dzi Croquetes54, que mediante uma performatividade cultural,
questionavam os valores conservadores e moralizantes nos anos 1970, marcados
pela ditadura militar no Brasil.
Já outras travestis entrevistadas tiveram na sua formação muitas dificuldades
para dar visibilidade a sua identidade, como foi o caso de Jovanna Cardoso. Durante
sua infância, diversos conflitos perpassaram a sua formação. Desde criança, ela já
tinha a concepção de ser uma menina reconhecendo-se no gênero feminino, porém,
não pôde dar visibilidade por questões de condições materiais, e ainda por viver com
seus familiares que ensinavam o que era o “certo e o “errado” nas relações
familiares, expressando-se nas “relações patriarcais de gênero” que não se pode
mudar as formas sexo-gênero-sexualidade, reproduzindo a forma cis-heterossexista
em que pensa a sociedade:

54 Foi um grupo teatral da década de 1970, com uma perspectiva contra cultural hegemônica. Este
fazia uso de uma perspectiva teatral contra os tabus fomentando discussões a partir da arte teatral
sobre a diversidade sexual. O grupo Teatral Dzi Coquetes contestava a ditadura militar no Brasil, que
teve início nos anos 1960. O grupo foi fortemente perseguido e censurado. Para uma melhor
concepção do que foi esse grupo teatral que para sua época tinha uma perspectiva revolucionária,
fez história e marcou os anos 1970, para uma melhor apreciação sobre a história do grupo conferir o
documentário “Dzi Croquettes” (2010), das diretoras Tatiana Issa e Raphael Alvarez.
87

Bom na minha infância, primeiramente quando eu era criança, sem


entendimento eu pensei que eu era uma mulher na minha
concepção. Depois eu fui entendendo, fui crescendo, fui
desenvolvendo, fui vendo e a educação dos meus pais fui criada
para eu ser um menino porque eu sou filha de três homens, sou a
caçula, eu como lhe falei eu pensei que eu era uma menina só que
na minha cabeça no meu psicológico. Como sempre fui, como agora
eu descobri. (JOVANNA CARDOSO, ENFERMEIRA).

O relato de Jovanna Cardoso sobre a sua construção e afirmação da


identidade de gênero travesti reflete a história de vida de muitas travestis brasileiras
que enfrentaram diversas dificuldades para se afirmarem na sociedade. Desde a
infância, sofrem os primeiros obstáculos, por viverem em uma sociedade que tem
uma educação pautada no machista, misógino e heterossexista.
O espaço educacional como o lugar onde se deveria ensinar a lidar com o
respeito a diversidade humana é o mesmo lugar que diferencia, oprime e, muitas
vezes, rechaça essa população desses espaços. Jovanna Cardoso é filha de pais
agricultores nascida na cidade de Patos, Paraíba – local esse que faz parte de um
contexto social inserido em uma região marcada pelo machismo e pelo coronelismo-
patriarcal (fatores que seguramente influenciaram nos obstáculos da sua afirmação
enquanto travesti, principalmente pela forma de educação concebida pelos seus
pais). O seguinte relato expressa um pouco sobre a forma educacional
conservadora:

O tempo foi passando os meus pais foram me educando aí eu fui


vendo as diferenças só que sempre eu tinha aquele orgulho ferido lá
dentro do meu coração, mas eu sempre fui uma pessoa de respeitar
os meus pais, de temer a eles e nunca fui de assumir o que eu
realmente sou hoje, uma travesti. Passou-se o tempo eu fui na
escola, como sempre tem o bullying, assim como agora sempre
existiu, mas só que eu nunca deixei de estudar, minha mãe sempre
colocava para eu estudar e graças a Deus me formei no segundo
grau completo, quando eu terminei fiquei sem mercado de trabalho
enquanto homossexual. (JOVANNA CARDOSO, ENFERMEIRA).

A questão que Jovanna Cardoso coloca em relação a sua família não é um


caso isolado. Muitas travestis e transexuais, ao darem visibilidade à sua identidade
de gênero, passaram por algum tipo de conflito na família. Sem dúvida, alguns
familiares possuem dificuldade em manter uma relação social pautada no respeito e
reconhecimento da diversidade afetivo-sexual e da identidade de gênero travesti ou
88

transexual. Assim, “no âmbito familiar pode se constituir um espaço de não


aceitação e conflitos vividos entre travestis e suas famílias, em alguns casos, há
dificuldade em aceitar a manifestação da homossexualidade acompanhada do
desejo de transformação” (NAVAS, 2011, p. 82).
Desde cedo, as travestis encontram formas de sobrevivência e resistência
frente aos processos de estigma, preconceito e desigualdades sociais como forma
de resistência. Muitas travestis e transexuais encontram apoio entre as amigas, que
se fortalecem ajudando umas às outras, como foi o caso de Marsha Johson.

Na minha casa como eu moro só, eu sempre acolho gays que é


expulso de casa, tá entendendo? De que não tinham onde ficar? Já
passaram vários pela minha casa, já moraram vários, a maioria deles
viraram travestis moram na Europa vem aqui só passear estão em
uma situação financeira melhor do que aquela que tinham antes,
como moravam na periferia eles tinham uma condição financeira
precaríssima. Quando eles vêm aqui, eles vêm em minha casa cobre
eu de mimos, compram presentinhos, porque eu entre aspas dei
assim um apoio quando as famílias deram as costas. (MARSHA
JOHSON, PROFESSORA).

Tal processo foi analisado por Peres (2005) como a socialização das sujeitas
que vivenciam estigmas e preconceito na organização em redes sociais, onde se
sentem acolhidas e respeitadas – pertencimento de grupo.
De fato, a visibilidade da identidade de gênero na sociedade capitalista possui
diversos limites, primeiro porque esse modelo de socialização é repleto de
contradições e de negação da diversidade humana, principalmente em relação à
particularidade da identidade de gênero travesti na sociedade.

[...] a ordem burguesa nega e inviabiliza a possibilidade de satisfação


de necessidades criadas socialmente em torno da diversidade;
necessidade estas criadas no interior desta mesma ordem, o que em
si já deixa a nu a contradição inerente ao próprio modo de produção
ancorado na acumulação e na propriedade privada, posse, no
individualismo egoísta e na competitividade. (SILVA, 2011, p. 56).

A própria ordem vigente impossibilita a satisfação das necessidades criadas


socialmente, inclusive a necessidade da visibilidade da identidade Trans*. Todavia,
não se pode apenas observar a questão econômica, uma vez que muitos fatores
sociais e culturais se enovelam na dimensão da visibilidade dessas pessoas,
conforme os relatos das entrevistadas e em outros trabalhos de pesquisadores, que
89

apresentam tal aspecto como algo importante e que perpassa negativamente a vida
das travestis, tornando-as marginalizadas e subalternizadas pela sociedade,
rebatendo principalmente em sua inserção precarizada no mundo do trabalho.
A “coisificação” dessas identidades na sociedade tem resvalado até mesmo
no processo de tráfico internacional de pessoas55, com muitas travestis e
transexuais brasileiras, muitas vezes, atraídas ou até mesmo levadas
clandestinamente para trabalharem no mercado internacional do sexo (mercado
transnacional), por incorporarem e reproduzirem a ideologia dominante e serem
reconhecidas por meio da “beleza da mulher brasileira”, injetam hormônios, fazem
cirurgias (quando podem pagar financeiramente) e se modelam para atingirem ao
máximo o padrão construído social e culturalmente. Assim, esses indivíduos são
“coisificadas” em um processo de sexagem (apropriação dos corpos) para grandes
metrópoles europeias, para servirem como trabalhadoras no comércio internacional
do sexo, como destino final do desejo de posse para muitos homens.

2.6 Individuo social: práxis, sociabilidade e relação entre a objetividade e a


subjetividade

“O trabalho não é a satisfação de uma necessidade,


Mas apenas o meio para satisfazer outras
Necessidades”.
(Karl Marx).

A compreensão das particularidades e das singularidades das identidades


das travestis e transexuais faz parte de um processo de compressão de que tais
indivíduos estão inseridos em uma sociabilidade capitalista que tem a formação de
um ser caracterizado pela autonomia, pelo empreendedorismo, pela competição e a
alienação, acirrado por um modelo que denota a apropriação da força de trabalho
para a manutenção da sociedade pautada na coisificação do indivíduo e da negação
da diversidade humana e de suas particularidades, como, por exemplo, a questão
das travestilidades.

55 Mesmo não sendo o foco do presente estudo – a análise sobre o trabalho sexual e o tráfico
internacional de indivíduos travestis e transexuais, tem-se aí tal questão social como um processo
que reitera essas identidades de forma fetichizadas e coisificadas na sociedade capitalista. Para
maior aprofundamento sobre a questão, que atinge a população Trans* no Brasil, conferir os
trabalhos de Patrício (2008) e Pelúcio (2011) sobre o mercado transnacional do sexo.
90

As análises de Santos (2005), permite pensar que existe na sociedade


capitalista um novo projeto civilizatório com uma formação de uma nova
racionalidade que trata das relações entre os indivíduos para além da abstração da
metafísica. Mas tem-se, ao mesmo tempo, uma sociedade prenha de contradições e
desigualdades sociais, principalmente na constituição do indivíduo e na negação da
satisfação das necessidades sociais e históricas estabelecidas.
Para Santos (2005), a constituição da individualidade se dá por meio da
sociabilidade – a práxis e a relação objetividade-subjetividade –, sendo que:

Cada um desses aspectos nos possibilita apreender a constituição


do ser social dos “indivíduos, ou seja, o fato de que homens e
mulheres começam a se individualizar no processo histórico e, deste
ponto de vista, há nítida oposição à ideia acerca da existência dos
indivíduos vivendo num suposto “estado de natureza” em que
estariam isolados e essencialmente indiferentes uns aos outros”
(SANTOS, 2005, p. 41)

Destarte, é nesse processo de socialização que os indivíduos constituem


vínculos uns com os outros, enaltecendo relações e conexões cooperadas para
suprirem suas necessidades sociais. Sobre tal, questão, conforme Santos (2005), é
preciso compreender o indivíduo muito além do seu isolamento; é preciso entendê-lo
na vida social, pois, é mediante a construção social e histórica que esse constrói
suas particularidades e ações, seus sentimentos, suas afetividades e necessidades.
Os indivíduos na sociedade também estabelecem vínculos de carecimento e
de pertencimento um do outro, a fim de se estabelecerem socialmente como sujeitos
racionais. Neste sentido, o relacionar-se com o outro faz parte da necessidade
humana, mesmo esse indivíduo tendo suas particularidades, singularidades e
necessidades diferenciadas.

Do ponto de vista ontológico, configura-se um aspecto fundamental


que é o fato de que, por meio deste carecimento, se explicita a
diversidade dos indivíduos como mais uma determinação da
individualidade humana. Pela dimensão da diversidade, os indivíduos
revelam suas singularidades, apresentam diferenças em seu modo
de ser, de se apropriar, de se adaptar e de transformar o mundo.
(SANTOS, 2005, p. 43)
91

Nesse modelo de sociabilidade capitalista, o princípio da diversidade humana


é negado, primeiro porque a negação das formas e das particularidades tem sua
promoção na alienação e da negação das diferenças entre os sujeitos. Portanto,
quando se trata das identidades travestis que possuem suas particularidades nessa
sociedade, elas são negadas, uma vez que nesse modelo de sociedade têm-se a
vigência da negação da diversidade humana.
Do mesmo modo, a essência das travestilidades na sociedade pode e deve
ser pensada para além do seu entendimento individual – a essência encontra-se nas
relações sociais: lugar onde os elos entre os sujeitos e as atribuições são
construídas socialmente, as travestis foram se afirmando na sociedade, enquanto
sujeitas com suas singularidades, particularidades e necessidades sociais, conforme
a diversidade surgida pelas relações patriarcais de gênero – geradoras de formas
opressoras, que negou àquelas sujeitas suas necessidades, seus desejos,
sentimentos e direitos particulares.
A história e a realidade tem apresentado que as necessidades sociais e o
direito à visibilidade da identidade travesti tem sido negada a cada momento que
uma travesti é assassinada por transfobia, quando são negadas do trabalho formal
ou quando tem uma negativa quanto aos direitos trabalhistas, à educação, uma vez
que uma mínima quantia possui graduação, pós-graduação e/ou especializações.
Neste sentido, não se pode compreender as particularidades das travestis
desconectadas da sociedade em uma dimensão de totalidade, ou seja, o fenômeno
da transfobia não é por si só explicável. Daí compete refletir sobre que tipo de
modelo é a sociedade é a vigente.
Para emaranhar-se na reflexão mencionada, é preciso voltar à questão da
composição do indivíduo nessa sociedade, constituindo-se por intermédio da práxis,
da relação objetividade-subjetividade e sociabilidade (SANTOS, 2005). Não se pode
esgotar a discussão sobre tais dimensões, pois são complexas e necessitam de
muitas mediações ao serem expostas. No entanto, têm-se os principais pontos
desses elementos para apreender alguns determinantes sociais da dimensão da
individualidade nas relações sociais.
A práxis compõe-se como um elemento fundamental para o indivíduo, pois, é
por meio dela que se estabelece a relação entre o ser social e a natureza fundante
ontológica do trabalho. Assim, o ser social, por intermédio do trabalho, distingue-se
92

dos animais, uma vez que ao transformar a natureza para suprir suas necessidades
sociais, (o ser social) o indivíduo também se transforma, cria novas necessidades.

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela


religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se
diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de
vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal.
Produzindo seus meios de vida, os homens produzem indiretamente,
sua própria vida material. (MARX & ENGELS, 1986, p. 27).

Para Marx e Engels (2009), os seres humanos necessitam de pressupostos


para tratarem da existência humana, para, então, ter condições de fazer história;
necessitam de condições objetivas, tais como: beber, alimentar-se, vestir-se, entre
outras necessidades subjetivas e objetivas. Logo, os pressupostos tratados por
aqueles autores são:

O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios para a


satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material,
e a verdade é que esse é um ato histórico, uma condição
fundamental de toda a história, que ainda hoje, tal como há milhares
de anos, tem de ser realizado dia a dia, hora a hora, para ao menos
manter os homens vivos. (MARX &ENGELS, 2009, p. 41).

Conforme apontam Marx e Engels (2009), sem os meios de produção, os


indivíduos não podem satisfazer suas necessidades – manter-se vivos. Daí o
imperativo de mediação do ser social com os elementos da natureza, ou seja,
quando os seres humanos transformam a natureza e supre suas necessidades, um
novo elemento surge; “a própria primeira necessidade satisfeita, a ação da
satisfação e o instrumento já adquirido da satisfação, conduz a novas necessidades
– e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico” (MARX&
ENGELS, 2009, p. 42).
O ser social, ao ter suas necessidades satisfeitas e produzir novas
necessidades, estabelece relações sociais de transformações individuais e coletivas,
pois, as necessidades satisfeitas são as condições objetivas da história do ser
humano. Daí o fato de que o desenvolvimento histórico renova os sujeitos inseridos
nas relações sociais. Logo, a necessidade suprida é parte da renovação do
indivíduo, da sua práxis humana, como aponta aqueles autores:
93

A terceira relação, que logo desde o início entra no


desenvolvimento histórico, é esta: os homens que, dia a dia,
renovam a sua própria vida começam a fazer outros homens, a
reproduzir-se – a relação entre homem e mulher, pais e filhos, a
família. Essa família, que a princípio é a única relação social, torna-
se mais tarde, quando o aumento das necessidades cria novas
necessidades. (MARX & ENGELS, 2009, p. 42).

A “práxis é, assim o modo como os indivíduos se apropriam do mundo, ou


seja, é a humanização do mundo, que se efetiva na medida em que ocorre a
socialização da sociedade processo esse que consiste no crescente recuo das
barreiras naturais” (SANTOS, 2005, p. 49); é uma forma de interação do ser social
com a natureza, uma interação que não é individual, que requer outros sujeitos em
uma socialização da satisfação das necessidades; é um processo que não é natural,
mas social, composto por diversos elementos.
No entendimento da constituição das múltiplas determinações do indivíduo na
sociedade, um elemento para apreensão da diversidade que o compõe trata da
relação de compreensão desse indivíduo por intermédio de uma perspectiva da
totalidade de uma relação dialética entre a subjetividade e a objetividade.
Na transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista, tem-se como
forma de explicação da realidade a perspectiva da subjetividade em detrimento da
perspectiva da objetividade que se tinha durante o período da Idade Média no
feudalismo.

Na transição do mundo medieval para o mundo moderno, verifica-se


o abandono da centralidade do objeto e a instauração da
centralidade do sujeito. Essa mudança de paradigma prevalece, sob
formas diversas, até os dias. Teve e continua a ter profundas
consequências sobre a atividade teórica e prática. (TONET, 2013, p.
29).

Na transição do período feudal para sociedade moderna tem-se uma


complexa mudança social que se expressa na materialidade na forma da produção,
com base no modo de produção capitalista, suscitando novos mecanismos de
produção. Assim, no capitalismo, “a riqueza toma a forma de capital e este, pela sua
própria natureza amplia um enorme dinamismo, a intervenção ativa dos indivíduos e
a possibilidade, em princípio, de uma acumulação sem limites” (TONET, 2013, p.
30).
94

No período moderno, a realidade era compreendida pela perspectiva da


subjetividade, que “implica em atribuir ao sujeito a centralidade, constituí-lo em polo
regente e determinante no conhecimento e na ação propriamente dita. Opera-se,
desse modo, com um profundo corte entre a consciência e a realidade” (SANTOS,
2005, p. 58).
Apresentando sinteticamente os principais elementos da perspectiva da
subjetividade e os limites de desvelar a realidade por meio dessas análises, é
preciso superar essa forma de compreender a complexidade que perpassa a vida
social – a realidade, de tal modo que se deve acreditar na necessidade de partir pela
perspectiva entre a objetividade e a subjetividade como uma unidade dialética – a
perspectiva da totalidade.

A perspectiva da totalidade implica relação recíproca e contraditória


entre objetividade e subjetividade, sob a regência da primeira. Traz,
em seus pressupostos, a possibilidade histórico-concreta de superar
as lacunas e unilateralidades tanta da perspectiva da objetividade a-
histórica, posta no mundo greco-medieval, quanto às da
subjetividade da era moderna, instituindo, em novas bases, profunda
reconciliação entre consciência e realidade. (SANTOS, 2005, p. 60).

A análise da perspectiva da totalidade permite desvendar a complexidade que


compõe a ordem social, os conflitos, as contradições, as lutas de classe e,
principalmente, forjar mecanismos de superação do atual modelo de sociedade,
retomando a reflexão sobre o tipo de sociedade atualmente vigente. E tal reflexão é
perpassada por todos esses elementos que compõe a totalidade da vida social. Daí
alguns elementos para a compreensão da realidade das identidades Trans*, partindo
de uma análise de indivíduo – práxis, sociabilidade e a relação subjetividade-
objetividade:

 Para os seres humanos fazerem história, necessitam de condições objetivas:


aqui é possível identificar que as sujeitas que se afirmam enquanto travestis nesse
modelo de sociedade tem essa característica da individualidade negada, pois,
cotidianamente suas necessidades sociais subjetivas, objetivas, culturais e materiais
são negadas, em face de uma sociedade produzida por um viés desigual. Assim
tem-se uma negação da diversidade humana como um componente de referência
das conquistas e das mudanças sociais e históricas da humanidade;
95

 A forma como as mudanças ocorreram historicamente possibilitou ao ser


social avançar, ampliar e desenvolver as capacidades sociais na modernidade,
também produzindo contradições que negam essas conquistas da humanidade,
como apresenta Barroco (2010) na contradição entre o desenvolvimento produtivo
do ser social e um maior grau de alienação, uma sociedade produzida e reproduzida
pelos mecanismos de fetichização, coisificação – tudo se torna mercadoria nessa
sociedade; logo, tem-se igualmente uma ampliação da questão social e de suas
expressões, inclusive, aquelas que fazem parte do cotidiano das travestis: violações
de direitos, pauperização, precarização trabalhista; transfobia e negação da
identidade travestis na sociedade, sua negação do mercado de trabalho;

 É preciso romper com a perspectiva da subjetividade, que apenas almeja


perceber as travestis por elas mesmas, sem uma relação entre a subjetividade e a
objetividade, desconsiderando a história, a política e a razão dialética, para
desvendar a complexidade, a hierarquia da vida social, das opressões e explorações
que as identidades travestis vivenciam; é preciso uma perspectiva que possibilite
desvendar a realidade para transformá-la, desvendar seus limites e suas
contradições;

 Por fim, tomando por base todas essas análises desde as “relações
patriarcais de gênero” e a perspectiva de compressão das identidades travestis nas
relações de classe, “raça”/etnia, sexualidade, acredita-se que tais sujeitas, na
sociedade brasileira, são bem mais do que “corpos abjetos” e “performatividade”;
são, sobretudo, relações e constructo das conquistas sociais e históricas das
condições materiais de vida ensejadas por meio da relações entre práxis-
sociabilidade-relação objetividade e subjetividade no decorrer da história (SANTOS,
2005).

As análises aqui empreendidas é parte integrante para a apreensão do objeto


de estudo da presente pesquisa, sobre a inserção das travestis no mercado de
trabalho formal e informal. Do mesmo modo, é preciso considerar que o percurso
desenvolvido sobre as “relações patriarcais de gênero” como estruturante das
identidades de gênero, foi necessário para desvendar as totalidades parciais que
96

compõem a totalidade mais ampla sobre a realidade estudada. Logo, para


compreender o fenômeno analisado, faz-se importante atingir sua essência, o que
proporciona considerar que essa totalidade se encontra em processo; são
aproximações sucessivas com o objeto de estudo.

O passado convive com o presente e aponta tendência para o futuro.


Cabe ao pesquisador perceber quais os elementos que pesam mais
na realidade estudada, o que predomina naquele momento histórico
analisado: se as tendências do novo ou do velho. Nesta luta dialética
entre os opostos, a síntese final expressa uma subsunção de um
sobre o outro (GUERRA, 2009, p. 12)

Em suma, não é possível adentrar na questão da inserção das travestis no


mercado de trabalho na cidade do Natal sem uma análise da totalidade complexa.
Assim, se faz necessário apreender outras dimensões que compõe essa totalidade
de conhecimento, investigar por meio de processo histórico as relações de
contradições, poder, hierarquias que perpassam a vida das sujeitas entrevistadas, o
conhecimento sócio histórico da construção dessas identidades na condução de
uma perspectiva que considera a formação do indivíduo social, e reconhecer as
dimensões que compõe a realidade formada pelo o universal, particular e o singular.
No próximo capitulo tem-se uma análise acerca da inserção das travestis no
mercado de trabalho na cidade do Natal. De tal modo, fez-se necessário a
introdução da compreensão sobre “gênero”, ao passo que se tem como
questionamento: quais são as relações sociais que são formadas pela hierarquia dos
gêneros na sociedade? Assim, sobre uma base pautada nas “relações patriarcais de
gênero”, tem-se um estudo sobre as principais categorias sócio-históricas da
formação das identidades, a fim de entender como se dá a inserção das identidades
Trans* no mercado de trabalho.
97

3. A INSERÇÃO DAS TRAVESTIS NO MERCADO DE TRABALHO EM


TEMPOS DE CRISE DO CAPITAL

“Eu gosto deixar claro que sou trans para não precisar participar
das diversas etapas do processo seletivo e assim que chegar a
última, descobrindo que você é trans, você ser cortada, gerando
uma perda de tempo e enorme frustração. Se houver problema em
relação a isso, não vai ter segunda etapa.
E se não houver na primeira, não terá nas outras”

(Daniela Andrade – Ativista Trans*)56.

Para entender a estrutura da dissertação em tela e como se desenvolve sua


análise, no capítulo anterior discutiram-se e analisaram-se as “relações patriarcais
de gênero” como estruturante da formação das múltiplas identidades de gêneros,
principalmente das travestis. Propôs-se ainda a analisar as transformações no
mundo do trabalho via complexificação, fragmentação e heterogeneização da classe
trabalhadora, sobretudo, em relação à inserção marginalizada das travestis no
sistema produtivo via divisão sexual do trabalho.
Dessa forma, vivencia-sena contemporaneidade inúmeras ofensivas como
consequências da crise estrutural do capital, que rebate nos desafios diários para
os(as) trabalhadores(as), resultando no acirramento das expressões da questão
social, no recrudescimento da violência e que se anunciam no avanço das políticas
neoliberais no Brasil e na regressão dos direitos sociais conquistados
historicamente.
Diante do exposto, tem-se como resultados: o colapso das políticas sociais;
das políticas de austeridades fiscais no mundo inteiro para socorrer os bancos
Europeus, Asiáticos e Norte-Americanos; das políticas conversadoras, como a
criação de leis de combate as imigrações cada vez mais severas na Europa e nos
Estados Unidos. Além da ocorrência de extermínios contra a juventude negra no
Brasil; de violência contra as pessoas que se prostituem; do avanço da LGBTfobia –
especialmente da transfobia –, da xenofobia, do femicídio e transfemícidio, do tráfico

56Admitir os próprios preconceitos é admitir que somos humanos', diz feminista transmulher Daniela
Andrade”. Disponível em http://www.nlucon.com/2013/11/daniela-andrade-entrevista-transmulher-
feminista.html>. Aceso em: 25 de julho de 2016.
98

internacional pessoas, entre outras expressões da questão social que se constituem


como desafios do atual momento histórico.
Há, ainda, como consequência da crise o aumento dos índices de
desemprego em escala global, da pobreza em decorrência das altas taxas de
inflação e da ampliação do exército industrial de reserva 57. Tem-se, sobretudo, a
intensificação da precarização do trabalho que afeta o contingente feminino na era
moderna.
Conforme assinala Hirata (2010), as mulheres são majoritariamente vítimas
do desemprego em nível global. Em alguns países do capitalismo periférico elas tem
maior inserção, haja vista que essa força de trabalho é historicamente
desvalorizada, assim possuem menores salários. Com isso tem-se uma perspectiva
que naturaliza as desigualdades que se rebatem sobre o gênero feminino,
desconsiderando também as identidades Trans*.
Esses fatores e tantos outros desafios no mundo do trabalho oprimem e
exploram em larga medida toda a classe trabalhadora. No entanto, alguns
segmentos são atingidos por algumas particularidades, especialmente os que são
marginalizadas e subalternizados pela sociedade, como é o caso das mulheres, da
população LGBT, dos(as) cigano(as), dos(as) negros(as) e dos(as) indígenas,
deficientes que são potencialmente discriminados(as) por sua raça/etnia,
sexo/gênero, entre outras expressões que se imbricam no capitalismo para
acumulação da riqueza apropriada de forma privada.
Uma das modalidades da reprodução do preconceito na especificidade que
atinge parte da classe trabalhadora, no processo de degradação do trabalho, é a
discriminação contra as travestis. A transfobia institucional, entendida como a
negação da inserção no mercado de trabalho formal, via patologização das
identidades Trans* pelo Estado, está articulada a outras dimensões, a exemplo da
perspectiva que se materializa em práticas coletivas ou individuais, negando essas
identidades do acesso a esses ambientes, isso “por conta do corpo que somos, por
conta de não sermos senão nossos corpos, não temos direito de ocupar as ruas à
57 “[...] A existência de uma reserva de força de trabalho desempregada e parcialmente empregada é
uma característica inerente à sociedade capitalista, criada e reproduzida diretamente pela própria
acumulação do capital, a que Marx chamou exército de reserva do trabalho ou exército industrial de
reserva. A acumulação de capital significa o crescimento deste, mas significa também novos métodos
de produção, de maior escala e mais mecanizados, que a concorrência obriga os capitalistas a
adotar. O crescimento do capital aumenta a demanda por trabalho, mas a mecanização substitui os
trabalhadores por máquinas e, com isso, reduz essa demanda” (BOTTOMORO, 2013, p. 234).
99

luz do dia, de ter família, de frequentar escolas, de conseguir trabalho”, explica


(MOIRA, 2016)58.
Portanto, nesse capítulo trabalha-se com as análises acerca da inserção das
travestis no mercado de trabalho, na sua diversidade: trabalhadoras formais,
informais (autônomas) e desempregadas. Apresentam-se os principais
desdobramentos da pesquisa de campo realizada, com o objetivo de situar essas
trabalhadoras e suas ocupações. Busca-se, ainda, apresentar as faces das
desigualdades sociais, políticas, culturais e econômicas que recaem sobre as
travestis. Os desafios no cotidiano incerto na procura pelo trabalho, assim como
suas fragilidades em torno de uma sociedade exacerbada de preconceito, em face
das identidades de gêneros em face do entendimento de que as travestis fazem
parte de uma classe determinada socialmente, na perspectiva Gramsciana de classe
subalterna.
Muitas indagações surgem quando se faz uma pesquisa. Sabe-se que as
análises expressas nesse trabalho são históricas e, por isso, mudam com os
processos sociais. Do mesmo modo, as considerações feitas no presente capítulo
são resultados de um processo de aproximação contínua com o objeto de estudo.
Nesse sentido, as conclusões que serão relatadas nesse trabalho é fruto de
processo analítico, sendo necessário em alguns momentos a delimitação, o cuidado
na ética na pesquisa respeitando as travestis que dela participaram.
Optou-se por analisar a inserção das travestis, que se constroem no gênero
feminino, no mercado de trabalho pelas seguintes razões. Primeiro, pela
invisibilidade dessa população nos estudos da reestruturação produtiva, a partir de
um recorte da identidade de gênero. Recentemente tem-se o avanço de diversas
pesquisas que contemplam muitos aspectos sobre a precarização das mulheres na
divisão sexual do trabalho59. No entanto, tais discussões envolvendo a população
Trans* (mulheres trans, homens trans e travestis) ainda são incipientes.
Segundo, em virtude da necessidade de apreciar a realidade social sobre o
cenário das transformações societárias, com o propósito de conhecer as

58 MOIRA, 2016. Texto: Senão Nossos Corpos. Disponível em: <http://transfeminismo.com/senao-


nossos-corpos/>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
59 Os estudos são os de Araújo (2013), com análises voltadas sobre “Trabalho Informal, Gênero e

Raça no Brasil no início do Século XXI”; e de Hirata & Kergoat (2007), com pesquisas sobre as
“Novas configurações da divisão sexual do trabalho”, entre outros.
100

necessidades e a realidade social que vivem as travestis no Brasil, pois a classe


trabalhadora é diversa, mas sutilmente são reproduzidas formas de opressão e
dominação dos contingentes subalternizados. Pessoas que são discriminadas por
fazerem parte de segmentos como a população LGBT, negra e feminina, dadas as
particularidades de classe, de raça/etnia, de gênero e até mesmo de geração.
Dessa maneira, as formas do preconceito, da discriminação e das violações
de direitos se materializam na vida das travestis no mercado de trabalho com
especificidades. Assim, serão tratados, no capítulo em tela, aspectos que fazem
parte do cotidiano de trabalho das travestis na cidade do Natal/RN.

3.1 As Transformações no Mundo do Trabalho e suas precarizações: os


rebatimentos para as travestis

“Para quem tem uma boa posição social,


Falar de comida é coisa baixa.
É compreensível: eles já comeram.”

(Bertolt Brech)

Diante das transformações societárias reflete-se sobre o motivo pelo qual


alguns segmentos da sociedade, especificamente as travestis, vivenciam de maneira
singular o processo da precarização e suas condições materiais de vida. As análises
desenvolvidas nesse tópico têm por objetivo apresentar as desigualdades sociais e
as violações de direitos, postas para as travestis no mercado de trabalho
contextualizando as consequências que recaem sobre esse segmento, a partir de
uma análise macro das mutações nas relações de trabalho.
Parte-se da perspectiva que na sociedade capitalista essas identidades são
marginalizadas, dados os processos de construção fundados nas relações
patriarcais de gênero que demarca a dicotomia na qual a sociedade se estruturou,
que em se tratando de gênero nesse ponto de vista só há homens e mulheres cis
(pensamento cissexista). Tendo como base a lógica de que “o ‘gênero de verdade’
só existe porque se alocou o gênero das pessoas trans como ilusório, o doente, o
patológico. A cisgeneridade só existe porque existe a exclusão de categoria de
pessoas trans como pertencentes à ordem de inteligibilidade humana” (BEATRIZ,
101

2016)60, ou seja, as travestis na lógica da sociedade do capital, do patriarcado e da


cisnorma61 não são reconhecidas como sujeitas de direitos.
Para compreender como esse debate se aprofunda no marco da sociabilidade
burguesa, tem-se como ponto fulcral a crise do capital como parte do seu modo de
existência e da forma de ser da composição da sociedade capitalista, trazendo
diversas implicações para a classe trabalhadora, inclusive o avanço do
fundamentalismo e do conservadorismo, precisando, assim, entender o surgimento
desse colapso que se alastra pelo mundo agudizando a miséria e as desigualdades
sociais e as expressões de violências contra dados segmentos sociais.
Nesse sentido, como aponta Meszáros (2010), o caráter histórico da crise pós
anos 1970 é universal, que não atingiu a uma única esfera produtiva, mas uma
multiplicidade econômica, partindo da produção até a financeirização, e, sobretudo,
nas relações socioculturais. Seus impactos comprometeram tanto os países do
hemisfério sul como os do hemisfério norte, que sentiram os alcances da crise,
permanente e extensa, “seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de
rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões
mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro”
(idem, 2010, p. 70).
Além do que foi colocado por Meszáros (2010), Mandel (1990) e Chesnais
(2012) consideram que a crise do capital contemporânea é de cunho estrutural. As
deficiências no sistema produtivo criam, o que é central na Lei Geral da
Acumulação, um esgotamento na acumulação. Não é somente uma questão da
oferta e da demanda, mas sim de uma maior produção, o que gera uma tensão na
superprodução. Esse é o momento da crise, que a lógica capitalista não encontra o
consumo, provocando a ocorrência de drásticas consequências na sociedade,
suscitando contradições, pois

60 BEATRIZ, 2016. Texto: “Afinando a noção de “socialização” e refutando algumas distorções”.


Disponível em: <http://transfeminismo.com/afinando-a-nocao-de-socializacao-e-refutando-algumas-
distorcoes>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
61 “A cisnorma não é simplesmente a norma das pessoas cis, mas dos homens cis. A cisnorma que

propositalmente não reconhece a validade das existências trans é, antes de tudo, patriarcal. O
homem cis branco é o modelo, o homem cis branco é o sujeito de direito, o homem cis branco é a
norma, o homem cis branco é o ser humano. É perfeitamente possível um cenário onde a maioria das
pessoas seja trans e continue havendo transfobia e exclusão, a exemplo da constante predominância
numérica de pessoas designadas mulher diante do machismo, ou a imensa maioria de pessoas
pobres diante do domínio dos ricos” (idem, 2016).
102

[...] os recursos mundiais disponíveis são mais que suficientes para


que todos os habitantes do planeta tenham vida digna e abundante.
Entretanto, historicamente a injustiça social e a exploração têm sido
impostas à maioria dos habitantes do Hemisfério Sul (FATTORELLI,
2010, p.1).

A reflexão que a autora apresenta possibilita pensar nas múltiplas faces das
desigualdades existentes no atual modelo de sociedade, que tem uma produção
coletiva da riqueza, mas no qual toda essa produção é apropriada por uma minoria,
o que gera diversas expressões da questão social, especialmente nos
desempregados que não tem acesso ao mercado de trabalho. Essas consequências
são uma das dimensões que atingem de forma crucial as necessidades mais
elementares da classe trabalhadora.
Pode-se perceber diante de tal conjuntura que “o conceito de desigualdade
sócio-econômicas leva a discutir, sobretudo, as formas renovadas de exploração do
trabalho e como apropriação privada dos resultados da produção social foi
intensificada nas últimas décadas” (CATTANI, 2012, p. 15), exploração essa que
rebate na vida dos(as) trabalhadores(as) nas suas particularidades, perpassando
dimensões de gênero, de raça/etnia e de sexualidade.
Dessa maneira, as desigualdades sociais que transcorrem no cotidiano das
travestis trabalhadoras formais, informais e/ou desempregadas em Natal/RN
constituem uma parte da totalidade da vida social. De tal modo, para pensar-se na
vida instável desse contingente, faz-se um diálogo com algumas autoras feministas
e transfeministas62 que possibilitam pensar a materialidade das expressões da
divisão sexual do trabalho e a cisgeneridade, como forma de traçar estratégias de
superação do atual módus operandi.
A desigualdade social pode ser compreendida sobre alguns aspectos,
principalmente quando relacionada a dimensões da concentração de riqueza que
constituiu-se como necessidade do desenvolvimento de alguns mecanismos, por
exemplo a “acumulação primitiva”, processo que permitiu a transição da sociedade
feudal para a sociedade capitalista, realizada pela expropriação de terras e,
sobretudo, dos(as) trabalhadores(as) dos meios de produção, constituindo-se esses
em livres e assalariados(as).
Outro mecanismo utilizado foi a racionalização da produção em decorrência
da divisão sócio técnica do trabalho. Nesse processo de transformações e de

62São as autoras Beatriz (2016), Moira (2016).


103

acumulação de riqueza, o capitalismo utilizou-se de outras formas para expansão da


exploração como é o caso da divisão sexual do trabalho, que, mesmo em face da
crise, ocorreu nos anos de 1970 a ampliação do contingente feminino inserido nas
indústrias como forma de baratear a força de trabalho. Nesse sentido,

[...] as mulheres representavam 18,8% da força de trabalho industrial


em 1970 e 24% em 1980. Em 1976, em São Paulo, as mulheres
constituíam 25% da força de trabalho nas indústrias. No que diz
respeito à sua distribuição de acordo com os ramos industriais, é
preciso assinalar que elas eram numerosas não apenas nos ramos
tradicionalmente femininos (têxtil e de vestuário), mas também na
indústria de plástico, química e farmacêutica e na de material elétrico
e eletrônico (SOUSA-LOBO, 2011, p. 72).

Essa ampliação do número de mulheres nos espaços de trabalho se deu por


alguns motivos, segundo apresenta Sousa-Lobo (2011), o progresso do
desenvolvimento industrial no Brasil e as mudanças no mundo do trabalho via
reestruturação produtiva, foi necessário força de trabalho mal remunerada para
manutenção das taxas de lucro do capital. Sendo assim, para suprir essas
necessidades inserem-se os contingentes não “qualificados”, com salários
desvalorizados, na indústria, principalmente no capitalismo periférico.
De tal forma, as profundas transformações ocorridas em relação às divisões
social e técnica do trabalho são fruto do colapso que se inicia em meados dos anos
1970, que repercutiu sobre a classe trabalhadora, com a inserção das mulheres nas
indústrias com baixos salários entre outras desigualdades em relação aos homens, e
ampliação das precarizaçãoes relacionadas a outros segmentos como as travestis –
interlocutoras desse estudo.
Como consequência dessa conjuntura houve o aprofundamento do
desemprego e da precarização do trabalho, efeitos da reestruturação produtiva. De
acordo com Mészáros (2006, p. 27), “atualmente, nenhum setor do trabalho está
imune à miséria desumana do desemprego e do ‘trabalho temporário’
(casualisation)”. Conforme o autor, o “trabalho temporário” também é considerado
como trabalho instável, expressão que atinge as travestis na rotatividade de
empregos, como declarado por uma delas: “já vi muito ódio, já vi piadas e nojos,
104

tiros, sangue. Desempregos, subempregos, pistas” (VIVIANE V, 2014)63, essa


narrativa é parte da materialização das transformações societárias da era moderna.
Além disso, Mészáros (2006) apresenta igualmente como problemas de ordem
estrutural o desemprego e o trabalho temporário que acirrando o exército industrial
de reserva.
Tendo em vista a escassez no mundo do trabalho, surgem diversas pesquisas
e estudos sobre os contingentes subalternizados64e as expressões referidas – as
mulheres, a população negra, os imigrantes, a população em situação de rua, os
LGBT’s, dentre outros.
Em face do exposto, no período de 1985 a 2005 realizaram-se grandes
análises sobre a sociologia do trabalho, “as pesquisas referentes ao mercado de
trabalho, à precarização e ao desemprego passaram de 11% em 1985 para 26% em
2005” (HIRATA, 2009, p. 25). Diante disso, em meados dos anos 1970, as
feministas francesas foram pioneiras nessas análises, principalmente no que se
refere aos estudos da inserção do contingente feminino65 na divisão sexual do
trabalho. De acordo com Hirata e Kergoat (2007), é nessa conjuntura de
reestruturação produtiva, de alto índice das taxas de desemprego, que essas
estudiosas: Hirata (2009); Hirata & Kergoat (2007); Guillaumin (2005) e Tabet (2005)
aprofundam, conceituam e disseminam o conceito de divisão sexual do trabalho,
definida como

[...] a forma de divisão do trabalho social decorrente da relação social


entre os sexos. Essa é a forma modulada histórica e socialmente.
Tem como características a designação prioritária dos homens à
esfera produtiva e das mulheres a esfera da reprodutividade e,
simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com
maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.)
(HIRATA, KERGOAT, 2007, p. 599).

Por essa análise, a divisão sexual do trabalho se caracteriza por


desigualdades sistemáticas, por divisões assimétricas entre as atribuições

63 Por Viviane V (2013). “O que vejo nas realidades e lutas trans*”. Disponível em:
<http://transfeminismo.com/o-que-vejo-nas-realidades-e-lutas-trans/>. Acesso em: 16 de junho de
2016.
64 Citamos os trabalhos de Saffioti (2013); Antunes (2010), (2011); Alves (2013), Diniz (2014) são

algumas contribuições acerca das precarizações de diversos contingentes sociais.


65Trabalho importantes sobre uma perspectiva feminista Hirata (2009); Hirata e Kergoat (2007);

Falquet (2008).
105

destinadas aos homens e as mulheres, e pelo modo com o qual a sociedade utiliza
esses mecanismos para hierarquizar as atividades por intermédio do sexo/gênero
social, estruturados pelas “relações patriarcais de gênero”. Assim, aquela “é também
uma construção social e histórica. Se é certo que o capitalismo utiliza estratégia de
‘dividir para reinar’, a configuração dessas divisões é construída socialmente através
das relações de classe, de raça, de gênero e das práticas sociais” (SOUSA-LOBO,
2011, p. 173).
De tal forma, os estudos sobre essa temática durante os 30 anos desde a
década de 1970 centraram-se em duas abordagens: a análise que tratou apenas
das desigualdades existentes entre homens e mulheres, acúmulo e soma dessas
desigualdades; e a análise que as autoras, Hirata e Kergoat (2007), seguem sobre o
desvelamento das desigualdades, das origens e de compreensão da natureza do
sistema que as origina (HIRATA, KERGOAT, 2007).
Metodologicamente, e por posicionamento político e ideológico, a segunda
abordagem tem como suporte a análise das raízes dessas desigualdades na divisão
sexual do trabalho, de suas origens para que as transformações no mundo do
trabalho, sejam hierarquizadas e desiguais, e do modo como atinge a vida das
travestis. Os apontamentos críticos realizados pelas autoras centram-se na questão
das precarizações das mulheres cis. Assim como mediação, serão utilizadas essas
apreciações para aprofundar como a divisão sexual do trabalho rebate nas
particularidades das identidades travestis na cidade do Natal/RN.
Para tratar das transformações no mundo do trabalho, é necessário definir o
que seria “precarização do trabalho” e como essa faz parte da divisão sexual do
trabalho que atinge as mulheres cis e as travestis. Baseando-se nas análises de
Antunes (2011), a instabilidade estrutural do trabalho é parte de um processo
histórico, econômico, social e político; centra-se na sociedade capitalista
monopolista, resultado das profundas transformações estruturais advindas da crise
do capital.
Assim, é parte de “um processo de maior heterogeneização, fragmentação e
complexificação da classe trabalhadora” (ANTUNES, 2011, p. 47). Além disso, “essa
mudança na estrutura produtiva e no mercado de trabalho possibilitou também a
incorporação e o aumento da exploração da força de trabalho das mulheres em
ocupações de tempo parcial, em trabalhos ‘domésticos’ subordinados ao capital”
(idem, 2011, p. 51).
106

A precarização tem como indicadores o desemprego, a subcontratação, a


terceirização – com vínculos empregatícios frágeis, em sua maioria na informalidade;
retrocesso dos direitos sociais e trabalhistas –, o trabalho voluntário, o crescimento
do terceiro setor e do empreendedorismo individual. Ademais, acredita-se que, no
atual modelo de sociedade, essas expressões se reproduzem em particularidades
por possuírem um maior grau de dificuldade quanto à sua inserção nos ditos
mercados de trabalho formais, por darem visibilidade à identidade de gênero Trans*,
como ocorre com as travestis.
Uma das principais características na contemporaneidade dessas
transformações é, sem dúvidas, o desemprego estrutural (ANTUNES, 2011),
conforme já mencionado. Somado a um aumento crescente da substituição do
trabalho vivo pelo trabalho morto, e, por outro lado, um crescimento no setor de
serviços como saúde, educação, saneamento, transporte, seguros, negócios,
restaurantes, turismo baseados na flexibilidade salarial e aumento do trabalho
informal. Como verifica-se adiante o desemprego é uma das maiores dificuldades
que as travestis enfrentam no seu cotidiano.
Conforme aponta Antunes (2011), na França, o contingente de
desempregados atingiu 8,118 milhões no ano de 1989 e na Itália foram mais de um
milhão de postos de trabalho eliminados. Esses “dados e tendências evidenciam
uma nítida redução do proletariado fabril, industrial, manual, especialmente nos
países de capitalismo avançado" (idem, 2011, p. 49). Deve-se entender que essa
"desproletarização do trabalho industrial" é fundamental para a compreensão de um
ciclo de crises que o sistema capitalista sofreu nas últimas décadas.
Nesse sentindo, "o entendimento desse quadro, portanto, supõe uma análise
da totalidade dos elementos constitutivos desse cenário, empreendimento ao
mesmo tempo difícil e imprescindível, que não pode ser tratado de maneira ligeira"
(ANTUNES, 2011, p.192). Assim, não se pode pensar apenas na desproletarização,
mas em como a tensão do capitalismo afeta o cotidiano dos segmentos
subalternizados, em como o modelo de sociedade reproduz de forma conservadora
estruturas de dominação e exploração para determinados segmentos.
O quadro de precarização terá também suas distinções nos diversos
territórios. No caso do Brasil, as inóspitas condições de trabalho têm maior
expressividade a partir da década de 1990, com os reajustes neoliberais que
inserem o país na nova ordem capitalista global (ALVES, 2013), intervém na
107

regressão dos direitos da classe trabalhadora. O aspecto do desemprego no Brasil


possui suas particularidades, um fenômeno que impacta em cada realidade com
suas características regionais e sociais.

Mas isso não significa que o fenômeno do desemprego atinja de


forma homogênea a totalidade da força de trabalho. Quando se
analisa a composição dos sem emprego no Brasil nota-se a presença
de segmentos sociais mais frágeis no interior da força de trabalho,
que tradicionalmente estão sob o maior risco do desemprego
(POCHMANN, 2001, p. 27).

De acordo com o exposto, o desemprego em escala global possui


particularidades, entende-se nessa pesquisa que tal expressão possui um recorte
que atingem em maior intensidade alguns segmentos. Com a pesquisa de campo,
constatou-se a complexidade das transformações no mundo do trabalho que
atingem as travestis enquanto pessoas desempregadas.
Nesse sentido, a precarização, como uma das maiores expressões da
questão social na atualidade, se reproduz em múltiplas formas nas condições de
trabalho relacionadas à difícil inserção desse contingente no trabalho formal, às
múltiplas dificuldades enfrentadas pelas as travestis em Natal/RN é fruto das últimas
mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais. Dessa maneira, condições
degradantes de trabalho se materializam para essas sujeitas de diversas formas
sejam na formalidade, informalidade ou como desempregadas, sendo os principais
elementos da pesquisa a ver nos tópicos seguintes.

3.2 A inserção das travestis nos “trabalhos desvalorizados” formais e


informais: quem são essas trabalhadoras e quais são seus trabalhos?

Observou-se no tópico anterior que as transformações do mundo produtivo


remodelaram o mercado de trabalho. Convive-se – não mais de maneira esporádica,
mas de maneira perene – com a expansão do trabalho instável, parcial, temporário,
terceirizado, informalizado etc., além dos enormes níveis de desemprego. Nesse
tópico há o interesse de analisar os impactos que as transformações no trabalho
tiveram na vida das trabalhadoras travestis da cidade do Natal/RN, visando
108

conhecer quem são, qual a realidade social em que estão inseridas e quais os
desafios que enfrentam no seu cotidiano social e profissional.
As histórias de vida e de trabalho que foram relatadas tiveram grande
significado, por proporcionarem uma reflexão a respeito da inserção das travestis no
mercado de trabalho, para uma identificação de suas necessidades sociais, das
dificuldades, das carências e das precarizações subjetivas e objetivas que enfrentam
cotidianamente. As entrevistas revelaram as condições de vida e de trabalho,
caracterizadas pela desigualdade social, pela subalternização, pelas violações de
direitos, pelas identidades marcadas por processos de enfrentamento à violência,
bem como por processos de superação e resistência em face das desigualdades
sociais, como pode ser observado no seguinte relato:

A afirmação da identidade travesti traz problemas para nós quando


vamos buscar trabalho, eles nos têm como marginais. Assim que
você chega lá, você é destratada, eles já têm um receio, falam
rápidos com você, não tem um diálogo, recebem o curriculum
sabendo que dali já vai para o lixo. (JANAÍNA DUTRA, ATENDENTE)

As travestis ao pertencerem a um dos segmentos mais subalternizados da


classe trabalhadora, vivenciam particularidades no sistema produtivo, esse relato de
Janaína Dutra é parte de uma formação histórica acerca dessas identidades.
Algumas vivências endossam esse pertencimento das travestis à classe subalterna,
como quando uma travesti procura trabalho ou quando é desrespeitada durante seu
ofício, por meio dos olhares estigmatizantes, fazendo com que sintam-se
marginalizadas. Assim, compreende-se que essa dimensão está intrinsecamente
ligada à perspectiva que Gramsci chama de classe subalterna, que pode ser
entendida como:

A categoria “subalterno” e o conceito de “subalternidade” têm sido


utilizados, contemporaneamente, na análise de fenômenos
sociopolíticos e culturais, normalmente para descrever as condições
de vida de grupos e camadas de classe em situações de exploração
ou destituídos dos meios suficientes para uma vida digna
(SIMIONATTO, 2009, p. 42).

Além do exposto, as falas possibilitam compreender alguns aspectos de suas


vidas articulados às análises teóricas que fundamentam esse estudo. Uma das
principais semelhanças constatadas nessa pesquisa foi, também, a identificação das
109

travestis nos tidos “trabalhos desvalorizados” e as diversas experiências nos mais


distintos locais de trabalho, que revelam uma realidade de vidas precárias, cheias de
desafios na superação de tantas desigualdades sociais.

O “trabalho desvalorizado” ou “trabalho considerado como feminino”,


uma das tendências que se desenvolve com a globalização
neoliberal, é exercido majoritariamente por mulheres, inclusive
brancas, mas também por pessoas racializadas e proletarizadas,
inclusive homens. Ele permite, assim, estabelecer o vínculo entre as
relações sociais de sexo, “raça” e classe, viabilizando entrever a
dinâmica de reorganização neoliberal dessas relações dentro do que
proponho chamar uma lógica de vasos comunicantes66 (FALQUET,
2013, p. 19).

Nesse sentido, os “trabalhos desvalorizados” constituem-se como uma


categoria analítica, utilizada por Falquet (2008) para abordar as desigualdades
sociais que o contingente feminino enfrenta no mundo do trabalho. Por via da divisão
sexual do trabalho, a expressão “trabalho desvalorizado” surgiu para explicar o
aviltamento do segmento feminino na sociedade, uma vez que, nesse modelo, “os
homens ocupam funções de forte valor agregado (políticas, religiosas, militares)”
(KERGOAT, 2012, p. 214). Essa questão expressa-se fortemente nas falas:

Na verdade, existe não só a questão da ocultação da imagem, da


invisibilidade dessas pessoas na sociedade, mas também de quando
conseguem um emprego que seja visível é sem em uma condição
subalterna, como cozinheira, não que isso seja vergonhoso, mas eu
digo assim nunca colocam como balconista, atendente, telefonista,
recepcionista, essa coisa toda. Sempre em questões assim de limpar
chão, varrer calçada, ser doméstica, então tipo assim tudo isso creio
que seja uma forma de punir, olha já que você quer ser “mulherzinha”
vai fazer serviço de mulher então que na verdade, não existe mais
essa situação, você só serve para serviço subalterno, você não serve
para estar no patamar que seja de superioridade. (CRIS STEFFANY,
ANTRA).

Os dados relatados nas entrevistadas permitiram pensar os sentidos e os


significados da realidade social em que estão inseridas as travestis e os motivos de
sua desvalorização. São falas que revelam detalhes do cotidiano vivido, a partir das
quaispode-se traçar algumas das dimensões das carências, das dificuldades e das

66“A imagem dos vasos comunicantes permite imaginar os reequilíbrios incessantes dos diferentes
modos de obtenção do trabalho: exploração, apropriação individual, apropriação coletiva” (FALQUET,
2013, p. 19).
110

violações de direitos que vivem essa população em Natal/RN, da venda da força de


trabalho por baixos salários aos “bicos67” que realizam para suprirem suas
necessidades humanas.
A pesquisa evidenciou que, entre as 8 (oito) entrevistadas, 37,50% das
travestis realizavam trabalhos formais, o que não significa, porém, que, de modo
geral, exista uma grande inserção delas nessa modalidade de contrato. A
representatividade, presente na pesquisa, foi intencionalmente escolhida para
apresentar as dificuldades que enfrentam nessas ocupações, mesmo em condições
de contrato formal. A pesquisa também revelou que 12,50% das entrevistadas
atuavam na informalidade; a mesma proporção exercia atividades autônomas (que
também fazem parte da informalidade), e 37,50% se encontravam desempregadas,
no momento da pesquisa.
Os dados por si só não revelam a dinâmica e as expressões das
desigualdades perpetradas no mundo do trabalho, haja visto que esse percentual
não apresenta a totalidade das travestis que compõem a cidade do Natal, apenas
parte dela. Uma pesquisa realizada por Oliveira (2013) mostra que a
ATRANSPARENCIA tinha aproximadamente 150 travestis associadas no ano de
2013, em Natal. Uma informação relevante sobre a inserção das travestis e das
mulheres transexuais, no mercado de trabalho do Brasil, é que 90% encontram-se
na prostituição, segundo a ANTRA. Essa é uma realidade complexa que atinge
também outros países da América Latina:

En una investigación realizada en el año 2005, en el curso de la cual


consultamos a 302 compañeras travestis residentes en la ciudad de
Buenos Aires, el Conurbano Bonaerense y la ciudad de Mar del
Plata, encontramos que “el ejercicio de la prostitución callejera es la
más importante fuente de ingresos para el 79,1% de las compañeras
encuestadas. Aquellas compañeras que reportan otros trabajos
también se encuentran en el mercado informal, sin reconocimiento
alguno de derechos laborales, en ocupaciones de baja calificación y
remuneración”68 (BERKINS, 2012, p. 224)

67 O termo “bico”, utilizado nesse trabalho, é uma expressão coloquial utilizada para representar o
trabalho informal.
68 Tradução: Em um estudo realizado em 2005, durante a qual foi consultada 302 companheiras

travestis residentes na cidade de Buenos Aires, os subúrbios de Buenos Aires e na cidade de Mar del
Plata, descobriu que "o exercício da prostituição de rua é a mais importante fonte de renda para 79,1
% das parceiras pesquisadas. As colegas que também relatam encontrados outros empregos no
mercado informal, sem qualquer reconhecimento dos direitos dos trabalhadores em ocupações de
baixa qualificação e remuneração "(BERKINS, 2012, p. 224)
111

Com os relatos foi possível identificar que os campos de inserção das


entrevistadas em situação de formalidade e informalidade são os considerados
trabalhos “femininos”. Ou seja, espaços em que não há valorização social, pois pelo
ideário da divisão sexual do trabalho são hierarquizados e dividem as mulheres e as
travestis nas camadas inferiores da sociedade, estas que, em condição de
subalternidade, com baixas remunerações, exercem atividades muitas vezes sem os
direitos socialmente garantidos pela classe trabalhadora.
Esse fenômeno do trabalho desvalorizado é marcado pelo “desenvolvimento
desenfreado do capitalismo financeiro, a globalização neoliberal consiste, no plano
da produção material, em uma reorganização global da divisão do trabalho segundo
suas diferentes dimensões: sexual, social e ‘racial’” (FALQUET, 2013, p. 10), e na
individualidade das entrevistadas incorpora-se a dimensão de sociedade cissexista
como modelo opressor e explorador das travestilidades. Esse modelo baseia-se,
primeiramente, na

desconsideração da existência das pessoas trans* na sociedade. O


apagamento de pessoas trans* politicamente por meio da negação
das necessidades específicas dessas pessoas. É a proibição de
acesso aos banheiros públicos, a exigência de um laudo médico para
as pessoas trans* existirem, ou seja, o gênero das pessoas trans*
necessita legitimação médica para existir. É a negação de status
jurídico impossibilitando a existência civil-social em documentos
oficiais (TRANSFEMINISMO, 2014)69.

De tal modo a deslegitimação das pessoas Trans* também se configura em


seu desprestígio nos espaços que realizam seus ofícios. Para compreender a
expressão “trabalho desvalorizado”, articulou-se essa categoria com os estudos de
Guillaumin (1978) sobre a dinâmica das relações sociais de sexo, de raça e de
classe. Para a autora, o conceito de sexagem70apresenta a definição da apropriação
do contingente feminino pelo masculino (a autora trabalha com a dimensão de sexo
social), englobando dois aspectos distintos da apropriação um individual e/ou
privado e outro da apropriação coletiva.
Ressalta-se que os estudos de Guillaumin (1978) tratam das relações de
apropriação das mulheres “cis”, a autora não fez um estudo analítico sobre as

69 “O que é cissexismo”. Disponível em: <http://transfeminismo.com/o-que-e-cissexismo/>. Acesso


em: 16 de junho de 2016.
70 Apropriação que o machismo faz dos corpos femininos.
112

apropriações das travestis na divisão sexual do trabalho. No entanto, em se tratando


dessas análises, considera-se que algumas dessas dimensões são expressas,
particularmente, na vida das travestis enquanto identidades de gênero que se
constroem no que se convencionou cultural e socialmente por “feminino”. Tal
construção é perpassada por inúmeros aspectos de desigualdades sociais que
naturalizam-se na sociedade sexista.
A primeira, a “apropriação individual”, que pode ser chamada também de
privada, se realiza mediante o matrimônio. De acordo com a autora (GUILLAUMIN,
1978), o casamento é a restrição de uma relação social entre duas pessoas, a posse
de uma classe de sexo por outra, ou seja, o contingente feminino dominada pelo
masculino. Já a segunda, a “apropriação coletiva” se estabelece mediante alguns
mecanismos, como a prostituição, a igreja, o encarceramento e a jurisdição sobre os
corpos femininos de mulheres cis e travestis.
A sexagem71 atinge as travestis por meio da apropriação coletiva refletida
explicitamente no jurídico (patologização72 das identidades), e na religião
(condenação, repressão). Ideologias hegemônicas que produzem e se reproduzem
através dos aparelhos “privados de hegemonia”, estabelecendo assim um senso
comum de uma da realidade social que afeta milhões de mulheres e, principalmente,
aqueles que fogem das regras binárias do gênero: as travestis. Essa apropriação é
materializada na retórica:

1) Na noção de que só existe um tipo de morfologia (corpo) e este


deve estar alinhado com o gênero designado ao nascer e/ou;

2) Noção de que só existem 2 gêneros (binários: masculino/feminino)


e que uma pessoa deve estar alinhada dentro de um desses 2, e/ou;

3) Noção de que uma pessoa trans* tem uma vivência menos


‘verdadeira’, e/ou nunca será ‘verdadeira’ se não fizer modificações
em seu corpo para ficar mais próxima de um dos gêneros binários,
e/ou;

71São relações de apropriação, individual ou coletiva, dos corpos femininos.


72 “[...] para entendermos a patologização das transgeneridades temos que entender o gênero de
outra forma, e a patologização enquanto efeito de uma construção histórica. Forma esta distinta do
que modelo biomédico propõe. Isso significa nos afastar de qualquer concepção essencialista sobre
gênero e, portanto, apontar para o fato incontornável de que a patologização da transgeneridade ser
a própria patologização do gênero” (BEATRIZ, 2014). Texto: “O que é um laudo? Um pouco sobre a
recusa à cidadania cirúrgica”, disponível em: <http://transfeminismo.com/o-que-e-um-laudo-um-
pouco-sobre-a-recusa-a-cidadania-cirurgica/>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
113

4) Noção de que uma pessoa precisa estar dentro de um desses


gêneros binários, porque senão ela não será feliz, ou não será aceita
etc. e/ou;

5) Noção de que pessoas que não se encaixam no binário são


doentes mentais, tem patologia e precisam se tratar de algum modo
para se curar e que essa cura ou será o alinhamento ou o processo
transsexualizador [...] (TRANSFEMINISMO, 2014)73.

Nesse sentido, na apropriação coletiva o modo de produção capitalista


imbricado com outros mecanismos de opressão e exploração (patriarcado, racismo,
heterossexualidade como sistema político e ideológico e cissexismo) produz e
reproduz ideologias que encarceram essa população na sociedade; trabalha-se com
a perspectiva que tem por base a visão do encarceramento como a negação de
direitos socialmente conquistados pela classe trabalhadora, também a negação da
vivência coletiva, como os espaços de trabalho e/ou o acesso à escolarização – em
ambiente escolar ou universitário.
Essa perspectiva expressa-se nas múltiplas dimensões de violência
transfóbica, física ou simbólica, materializada no assédio sexual ou moral, também
mediante à patologização dessas identidades pela sociedade. Pode-se dizer que os
aparelhos privados de hegemonia materializam essas apropriações preponderando
que parte dos mecanismos científicos – como a educação cissexista baseada na
ciência biomédica, psicologizante e biologizante – muitas vezes consideram as
identidades travestis e transexuais “anormais”, pois estão fora do que é considerado
“normal”, construindo e reproduzindo, assim, poder e saber sobre essas pessoas.
São reflexões importantes que perpassam o universo dessa apropriação:

Por que diagnosticar o gênero? Quem autoriza psicólogos,


psiquiatras, endocrinologistas e outras especialidades que fazem
parte das equipes multidisciplinares a avaliarem as pessoas
transexuais e travestis como “doentes”? Se não existe nenhum
exame clínico que conduza a produção do diagnóstico, como
determinar a ocorrência do “transtorno”? Quais e como estabelecer
os limites discerníveis entre “os transtornados de gênero” e “os
normais de gênero”? (BENTO; PELÚCIO, 2012, p. 579).

Essas são reflexões representativas de como o poder/saber da psiquiatria, da


psicologia e da medicina, entre outras ciências, podem e, muitas vezes, são

73“O que é cissexismo”. Disponível em <http://transfeminismo.com/o-que-e-cissexismo/>. Acesso em:


16 de junho de 2016.
114

utilizados como forma de apropriação e de controle biomédico e social das


identidades Trans*, esse é um exemplo de apropriação coletiva sobre elas.
Outra forma de apropriação acontece nos aparatos políticos e jurídicos que
impendem o avanço de políticas sociais, de políticas públicas, de direitos sociais
para o segmento das travestis, inclusive voltados para a sua inserção no mercado
de trabalho. A reprodução dos valores conservadores e fundamentalistas é uma
forma de apossar-se por meio da doutrinação, que condena publicamente as
identidades que fogem do binarismo cis-heterossexual, não permitindo o acesso aos
direitos, a exemplo da Lei de Identidade de Gênero74.
Os valores moralizantes/fundamentalistas reproduzem-se na sociedade como
uma forma de manutenção da classe dominante – sobretudo para perpetuação da
família heterossexual. No seguinte relato podemos identificar como a apropriação
coletiva expressa-se em mecanismos, como o preconceito por classe ou por religião:

Então, assim... o preconceito não é só na Igreja Evangélica, porque é


“veadinho” ou se veste de homem ou mulher. O preconceito é em
qualquer religião ou classe social, as vezes a gente fica pensando
assim, é julgar pela aparência, se julga por ser branca ou preta, os
ladrões são os de farda, são os de gravata, os maiores ladrões são
os de gravata, não são os negros nem os maus vestidos, e a gente
julga, me julgaram muito. Eu não ligava, as vezes eu sofria, não
posso deixar de viver porque as pessoas querem que eu viva assim
(CAMILLE CABRAL, CABELEIREIRA INFORMAL).

Ainda de acordo com o pensamento de Guillaumin (1978), a apropriação


individual pode dar-se de forma sexual e/ou racial – muitas travestis que não estão
inseridas no mercado de trabalho formal convivem sob condições subalternas e
precarizadas. Na pesquisa de Vale (2005) são apresentados alguns aspectos sobre
as migrações de travestis brasileiras que vivem do mercado transnacional do sexo,
em roteiros europeus para trabalharem na prostituição. O autor apresenta algumas

74 Nacionalmente a população Trans*(travestis, mulheres trans, homens trans) tem como uma das
pautas de luta a defesa pela aprovação da Lei de Identidade de Gênero, que tramita no Congresso
Federal, o PL é de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) e da Deputada Federal Érika
Kokay (PT/DF) “que estabelece o direito à identidade de gênero definida como a vivência interna e
individual do gênero tal como cada pessoa o sente, que pode corresponder ou não com o sexo
atribuído após o nascimento”. Disponível em: <http://ambito-
juridico.jusbrasil.com.br/noticias/100495477/projeto-de-lei-estabelece-direito-a-identidade-de-genero>.
Acesso em 1 de julho 2016.
115

das dificuldades vivenciadas por elas nas migrações, assim como as misérias que
sofreram em outros países fora da realidade brasileira.
Outras vivem no Brasil recorrendo à prostituição, algumas sob controle de
“cafetinas” ou “cafetões”, mas não pode-se generalizar essa situação da autonomia
do corpo das travestis em relação ao trabalho sexual. Haja vista em todas atividades
existem relações de poder e de apropriação, assim como os processos de
resistência. A pesquisa realizada por Benedetti (2005) apresenta certos aspectos
sobre as explorações que as travestis vivenciam no mundo da prostituição:

Muitas travestis vivem em pensões, que são normalmente casas em


bairro do subúrbio onde vivem, em geral, entre sete e oito travestis.
As pensões são administradas por travestis mais velhas ou mais
experientes, conhecidas como cafetinas, que cobram uma diária pela
moradia. Essa forma de contrato é vista por muitas travestis como
algo injusto: reclamam de ser “exploradas” pela cafetina, que
cobraria muito caro pela hospedagem. (BENEDETTI, 2005, p. 38)

Ressalta-se que a presente pesquisa não teve como objetivo analisar as


condições das travestis na prostituição, apenas retratar que nessa atividade no
sistema produtivo há casos de apoderamento e de precarização, do mesmo modo
em que são construídos processos de resistências e enfrentamento como ocorre
com a organização das prostitutas com o objetivo de alcançar garantias de direitos.
E, por fim, a “apropriação via exploração da força de trabalho”. Nela, chega-se
ao ponto central do pensamento de Guillaumin (1978) que se aproxima com o
objetivo dessa pesquisa. Essa modalidade dá-se decorrência da venda da força de
trabalho (apropriação), via complexas relações de fragilização. Tal modelo de
exploração se constitui por especificidades, por exemplo as atividades expressas na
formalidade e na informalidade.
De acordo com as reflexões apontadas por Araújo e Lombardi (2013), os
estudos recentes sobre as transformações no mundo do trabalho formal e informal
não contemplam as dimensões de gênero, por isso identifica-se poucos dados sobre
a frágil inserção do contingente feminino no sistema produtivo, principalmente no
que se refere à informalidade. Visto quase não existirem trabalhos formais que
insiram as pessoas distintos do binarismo de gênero – as travestis. De tal maneira,
tenta-se apresentar algumas dessas dimensões na pesquisa em tela, sobre as
travestis que estão inseridas na informalidade.
116

Nesse sentido, é preciso historicizar os estudos da sociologia e da economia


do trabalho, o conceituam a “informalidade” a partir de uma diversidade de
abordagens teóricas, econômicas e políticas. O referido conceito foi utilizado pela
primeira vez em 1972 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em uma
missão técnica no Quênia. Consequentemente, surgiram diversas conceituações
para tratar da questão informalidade.
Para Tavares (2010), existem diferentes interpretações sobre a compreensão
do trabalho formal e informal. Dentre as explicações existentes temos:

Uma de corte dualista, que se fundamenta em análises realizadas


pela OIT (1972), e outra que, ao contrário, questiona a visão dual,
concebendo a economia como um continuum de formas de
organização da produção, em que o “setor informal” está integrado e
subordinado à acumulação capitalista (TAVARES, 2010, p. 22).

Compreende-se que a informalidade é parte de um dos componentes da


precarização social do emprego na atualidade, responsável pelo significativo
processo de subproletarização – serviço temporário e instável; atinge,
principalmente, as classes subalternizadas –, aspecto que inclui as travestis nessa
classe. Considera-se, ainda, que as dimensões de trabalho formal e informal se
complementam enquanto faces da mesma forma de ser. Sendo assim, a condição
de empregadas livres e assalariadas expressa na sociedade capitalista um vínculo
de exploração via negação de direitos, sobretudo àquelas não inseridas na
formalidade.
Assim, a partir da pesquisa de campo, identificou-se que 62,5% das travestis
exerciam ocupações sem nenhuma proteção social, outras estavam
desempregadas. Sabe-se, no entanto, que o acesso à seguridade social tem uma
ligação profícua com a inserção no mercado de trabalho, principalmente em relação
à previdência social, que é um direito contributivo.
Além das condições supracitadas, percebe-se que as travestis estão inseridas
de forma marginalizada na divisão sexual do trabalho, naqueles locais que foram
construídos por meio da separação/hierarquização, cujo o contingente feminino
passa a ocupar na esfera da reprodução social, do cuidado; espaços construídos em
dimensões sexistas e misóginas. Com tal caraterística, “o conceito de ‘trabalho
considerado como femininos’ permite caracterizar o trabalho de reprodução social
antroponômica, mas também seu caráter mais ou menos assalariado, ou seja, seu
117

lugar ambíguo entre as lógicas da apropriação da exploração” (FALQUET, 2013, p.


18).
De modo que na divisão sexual do trabalho o preconceito é um outro fator que
se imbrica nessa hierarquização, de exploração e de apropriação dessas integrantes
do proletariado. Ele se cristaliza na sociedade na forma de concepção dos
indivíduos baseada na ordem naturalista, que concebe apenas as identidades
homem e mulher cis. Assim,

O fato da sociedade imaginar que só exista pessoas cis e, por


extensão, que só devam existir pessoas cis esconde em si mesmo a
violência transfóbica. Aliás, trata-se tão somente de um sintoma do
quanto às vivências e vozes trans são silenciadas [...] isso tem
efeitos devastadores (BEATRIZ, 2016).

Os efeitos devastadores apontados pela autora efetivam-se na segregação


nos espaços destinados às travestis. São ambientes como salões de beleza, casas
de festas noturnas, bares (como garçonetes) e/ou escolas (como professoras;
aquelas que tiveram acesso à educação). Assim, muitas vezes, dadas as pressões
postas pelo preconceito, essa população não denuncia os assédios e discriminações
sofridas.
No caso de Jovana Cardoso, que, mesmo tendo concluído o ensino médio e
trabalhado anteriormente como cabeleireira, terminado o curso de técnico de
enfermagem, ao procurar hospitais privados, nunca foi contratada. Apenas ao ser
aprovada em concurso público obteve um trabalho estável. De tal modo, a
informalidade constitui-se para as travestis como uma porta de saída, frente ao
desemprego ou às áreas, que não exigem qualificação acadêmica, contudo
possuem uma restrição no tocante ao gênero, ilustrando, assim, a divisão sexual do
trabalho. Tal ocorrência pode ser percebida na grande inserção das travestis nos
salões de cabeleireiros. No relato a seguir podemos identificar esse modelo:

Trabalhei como cabeleireira por que infelizmente as pessoas não


abrem o mercado de trabalho para travesti, você mal ver uma travesti
trabalhando, eu acho que sou a única travesti trabalhando no
Walfredo Gurgel, tanto que sou motivo das pessoas ficarem
apontando (JOVANA CARDOSO, TÉCNICA DE ENFERMAGEM).

A desvalorização desse contingente está relacionada às múltiplas dimensões


culturais e sociais construídas sobre elas, sobretudo pautadas por uma sociedade
118

sexista e misógina que subalterniza essas identidades, mesmo as que possuem


qualificação profissional, como o caso de Jovanna. Essa é a lógica de inserção das
travestis: quando contratadas, se estabelecem nos ditos campos de atuação
desvalorizado, ou seja, aqueles pertencentes aos “trabalhos considerados
femininos”, isso ocorre, pois o corpo e o gênero travesti dão visibilidade a uma
representatividade do gênero na sua fluidez, o que para sociedade normativa isso
revela-se como uma abjeção tendo diversas consequências em seus cotidianos de
trabalho.
Nesse sentido, as entrevistas a seguir apresentam alguns desses espaços de
inserção das travestis no mercado de trabalho em Natal, e, como pode-se identificar,
são locais de desprestígio social:

Já trabalhei como Auxiliar de Serviços Gerais em uma escola da


prefeitura. Eles me reconheciam como Janaína Dutra, não tinha
preconceito, já busquei empregos em lojas, mas nunca me
contrataram (JANAÍNA DUTRA, ATENDENTE).

Tive vários trabalhos. Já trabalhei de vendedora, já trabalhei em


oficina, em lojas de móveis. Já tive dificuldades? Já, quando fui para
vários salões que perguntei tem vaga para trabalho? E disseram na
minha cara – Para travesti não! (CLAÚDIA WONDER,
CABELEIREIRA).

As falas apresentadas expõem alguns dos elementos que constituem os


“trabalhos desvalorizados”. Funções construídas pela sociedade patriarcal,
destinadas ao contingente feminino. Além das enormes dificuldades para conseguir
empregos, as travestis vivem sob alternância de ocupações ou em uma alta
rotatividade75 das mesmas.
Nesse novo componente social o trabalho exercido na informalidade gera
novas expressões, haja vista continua a produção das mercadorias em decorrência
de novos processos sociais. Suscita valoração desses mecanismos, anteriormente,
mencionados, como o empreendorismo via pequenas produções terceirizadas. Com

75 Antunes (2010) apresenta as características dos trabalhadores informais tradicionais como sendo
trabalhadores “ocasionais” ou “temporários” – realizam trabalhos informais quando estão
desempregados os típicos “bicos”, mas tem por objetivo retornar ao trabalho assalariado – alguns são
digitadores, faxineiras, salgadeiras, cabeleireiras, principalmente pelas dificuldades encontradas em
tempos de crise. De modo que a sociedade impõe diversas barreiras para a inserção das travestis
nos trabalhos formais.
119

isso surge uma gama de fatores que precarizam ainda mais a classe trabalhadora.
Sendo assim,

Estas modalidades de trabalho – configurando as mais distintas e


diferenciadas formas de precarização do trabalho e de expansão da
informalidade – vêm ampliando as formas geradoras do valor, ainda
que sob a aparência do não-valor, utilizando-se de novos e velhos
mecanismos de intensificação (quando não de auto-exploração do
trabalho) (ANTUNES, p. 2010, p. 12).

Pode-se identificar, principalmente, essas modalidades no trabalho das


mulheres no ramo de confecção, setor que produz, muitas vezes, peças de calça e
camisa para grandes indústrias. Elas revendem o que produzem a um preço
baixíssimo, fornecendo lucro de diversas formas à produção em larga escala, pois
não é pago um salário adequado e não são cumpridos os direitos trabalhistas. Tem-
se, então, o aumento do desemprego via generalização do serviço instável: as
tercerizações e a informalidade:

[...] “na eliminação/utilização dos resíduos da produção, o capital


desemprega cada vez mais trabalho estável, substituindo-os cada
vez mais por trabalhos precarizados, que se encontram em enorme
expansão no mundo agrário, industrial e de serviços, bem como nas
múltiplas interconexões existentes entre eles, como na agroindústria,
nos serviços industriais ou na indústria de serviços” (ANTUNES, p.
2010, p. 13).

Muitos dos(as) trabalhadores(as) inseridos(as) na informalidade apresentam


um histórico de violações de direitos, não tiveram uma formação profissional
qualificada, poucos contribuíram com a previdência social, geralmente submetendo-
se a essa modalidade como única forma de suprirem suas necessidades mais
elementares. A “[...] informalidade remete à figura dos trabalhadores informais
tradicionais, inseridos nas atividades que requerem baixa capitalização, buscando
obter uma renda para consumo individual e familiar” (ANTUNES, p. 2010, p. 13).
Nesse aspecto, a incorporação das travestis no mundo do trabalho também
faz parte da lógica metabólica da reprodução ampliada do capital, quando se trata
da manutenção das taxas de lucratividade versus a precarização da classe
proletária. Assim, os(as) empregados(as) informais exercem, na maioria dos casos,
suas atividades no setor de prestação de serviços (ANTUNES, 2010). É o caso das
120

travestis que identificou-se na pesquisa; em alguns campos, a informalidade


apresenta consequências também na sua saúde.
Conforme a entrevista com Camille Cabral, pode-se identificar algumas das
dimensões da sua inserção na informalidade. A entrevistada apresenta como foi o
início do trabalho, a relação com as amigas e as perspectivas para o futuro. Ao ser
questionada se continuaria na sua profissão, mesmo em condições precárias e já
sentido dores, a mesma contesta:

Quero, eu gosto, eu já estava sentindo umas dorzinhas nos braços


já, umas tendinites, chega meu Deus vou ter que mudar de profissão.
Mas eu quero, eu gosto, eu me sinto bem quando se sentem bem, eu
já tive outros meios, já fui morar em outros estados, trabalhei com as
meninas que fazem pista e comecei lá a trabalhar com cabelo, e
fazer os cabelos delas, trabalhavam, voltavam e eu faziam o cabelo
delas, que ganhava bem. Elas ganhavam bem pagavam bem para se
sentir bem, e tive experiências lá como prostituta também, não que
eu não tenha gostado, mas até então elas me trataram bem.
(CAMILLE CABRAL, CABELIEREIRA INFORMAL).

Os relatos coletados durante o processo de investigação apontaram algumas


dimensões da fragilização das travestis no setor informal, as redes sociais que
constroem como estratégias de sobrevivência; as relações com as amigas,
estabelecendo mecanismos de enfrentamento para, assim, se colocarem no
mercado de trabalho. Sabe-se que a realidade da maioria da população travesti, no
Brasil, encontra-se na prostituição (trabalho informal), como aponta a ANTRA;
enfrentam inúmeras dificuldades. Além disso, foi identificado que as contratadas têm
um recorte de classe; muitas delas advém de camadas pobres da sociedade e,
devido ao preconceito no ambiente familiar, escolar e profissional (formal), migram
para outros Estados em busca de trabalho.

Trata-se de um processo de estigmatização presente na vida de


muitas pessoas em nosso país, que são vítimas do aumento dos
bolsões de pobreza e miséria e que são marcadas pelas
desigualdades sociais. Devido as características estéticas das
travestis e o preconceito da sociedade, torna-se difícil às mesmas
conseguirem empregos para cuidar de suas subsistências, restando
na maioria das vezes a prostituição como forma de sobrevivência
(PERES, 2005, p. 30)
121

Nesse sentido, os direitos socialmente conquistados pela classe operária são


negados para as travestis haja vista que, “historicamente, o acesso ao trabalho
sempre foi condições para garantir o acesso a seguridade social” (BOSCHETTI,
2009, p. 1). Assim, a informalidade apresenta características e consequências: baixa
remuneração; não garantia dos direitos sociais e trabalhistas básicos, como
aposentadoria, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), auxílio-doença,
licença-maternidade – se ficarem doentes são forçados a parar de trabalhar,
perdendo integralmente sua fonte de renda (ANTUNES, 2010, p. 14). Observa-se no
gráfico a seguir o percentual das travestis que contribuíam com a previdência social:

GRÁFICO 1: Acesso à previdência social.

TRAVESTIS QUE CONTRIBUIEM COM A


PREVIDÊNCIA SOCIAL:

37,50%

62,50%

Contribuem Não contribuem

Fonte: Dados pesquisa de campo com as entrevistadas (OLIVEIRA, 2016).

Todas as características apontadas por Antunes (2010), de certa forma,


perpassam a vida das travestis que estão inseridas na informalidade. As
entrevistadas apontaram que, dadas as instabilidades ocupacionais que enfrentam
por darem visibilidade à sua identidade de gênero travesti, possuem poucas
alternativas de trabalho. Muitas não têm a carteira de trabalho assinada desde o
primeiro dia de trabalho, caso de Camille Cabral, Janaína Dutra e Brenda Lee.
Essas expressões, como explicitado, possuem uma relação com a dimensão do
preconceito e sobretudo do que foi construído socialmente sobre as identidades
Trans*, a partir do estigma social. O seguinte relato trata desses aspectos:
122

.
É tudo aquilo que eu lhe disse, se você for hétero e não tem uma
formação escolar, uma formação qualificada e não tem uns cursos
básicos, ou tem uns cursos, mas não tem uma formação certa então
você como hétero já complica imagine você se você não for hétero?
Até para você ser hétero você precisa ter uma aparência formal
como eles querem, você tem que ter uma aparência boa, você não
pode estar com uma tatuagem, você não pode estar cheio de
pincing, aqueles cabelos grandes, barba mal feita, você tem que está
bem aparentavel, então assim imagine para a travesti? (CAMILLE
CABRAL – CABELEIREIRA INFORMAL).

Pode-se verificar no depoimento o grau de normatização ideológica do


modelo heterossexual expresso na fala da entrevistada. Há a reprodução dos
valores construídos nas relações sociais imediatas, sem uma reflexão do que está
posto; muitas vezes introjetam-se os valores da ideologia dominante. De tal maneira,
a sociedade reflete no mundo do trabalho um arquétipo de inteligibilidade entre os
sexos – gênero e sexualidade baseados na divisão sexual do trabalho, corpos
masculinos destinados à esfera produtiva e corpos femininos à esfera da
reprodução, dominantes e dominadas, opressores e oprimidas, exploradores e
exploradas.
Assim aqueles e aquelas que rompem com as modalidades supracitadas são
subjugados na sociedade, destinados ao lugar da marginalidade nas relações
sociais e trabalhistas. Em um processo de marginalização expresso de forma a se
estabelecer na sociedade um arquétipo de corpo, que normatiza as identidades,
deste modo as particularidades de construção da identidade travesti em relação a
sua visibilidade na sociedade é perpassada por segregações, por romperem com
essa norma:

Afinal, o que somos nós senão a zona cinzenta no rosto por não
termos como arcar com a depilação a laser, nossa mão grande,
gogó, ombros largos, testa protuberante, voz característica? O que
somos nós senão o genital com que nascemos, espremido numa
calcinha apertada, e que tratam como se estivesse estampado em
nossa testa? O que somos nós senão esse peito que se recusa a
crescer mesmo com doses cavalares de hormônio? O que somos
senão a cicatriz dos socos, facadas, tiros que levamos? (MOIRA,
2016)76

76Por Moira (2016). “Senão Nossos Corpos”. Disponível em: <http://transfeminismo.com/senao-


nossos-corpos/>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
123

Nesse sentido, o “corpo abjeto” das travestis, que escapa da rigidez binária, é
visto pela sociedade patriarcal por diversos símbolos, marcas e formações
subversivas, sofrendo consequências postas pelo sistema cissexista que não
permite esse rompimento, baseado em valores conservadores que recaem,
inclusive, na precarização desse segmento no sistema produtivo.
Dadas as expressões construídas social e culturalmente, tem-se assim a
materialização manifestada na formação da divisão sexual do trabalho, os
indicadores da instabilidade do emprego – “desvalorizados(as)” – e o desemprego
em âmbito internacional que atinge o contingente feminino, evidenciam as condições
de marginalidade e de subalternidade que são: ausência de proteção social; salários
baixos e que levam frequentemente à fragilidade; níveis baixos de qualificação; o
não acesso aos principais direitos (carteira assinada desde o primeiro dia de
trabalho, repouso semanal, férias remuneradas de trinta dias, vale transporte com
desconto de no máximo 6% do valor do salário e décimo terceiro).
Conforme a pesquisa de campo, Camille Cabral, Brenda Lee e Claúdia
Wonder são as que estão na informalidade, seus relatos demostram algumas
características de contratos frágeis. A única que possui seu próprio empreendimento
é Claúdia Wonder, proprietária de um salão, além de ser a única que contribui com a
previdência social.

O trabalho precário conduz à intensificação do trabalho, por que, de


um lado, há uma ameaça sobre os trabalhadores estáveis e dos que
estão desempregados e procuram trabalho e estão dispostos, de
alguma maneira, a aceitar as condições salariais, financeiras e de
trabalho mais difíceis e penosas (HIRATA, 2010, p. 22).

Esses vínculos empregatícios frágeis, geralmente, levam a condições


instáveis de trabalho, gerando novas modalidades de inserção da população Trans*,
fruto das relações postas pelas mudanças do trabalho a partir das crises
econômicas, bem como o preconceito que se imbrica nessas transformações,
colocando esse segmento em alternativas empregatícias para suprirem suas
necessidades diárias, expresso na seguinte entrevista:

Sou cabelereira, não tenho o meu próprio salão porque não quero,
porque assim do jeito que você precisa, você tem seu tempo
disponibilidade de ir a um salão o salão está lá disponível para você,
124

também, tem aquela pessoa que não tem disponibilidade de estar


num salão de repente seu horário chega tarde da noite você sai do
seu trabalho 22 da noite 21 da noite e você precisa e ir para uma
festa e precisa tá arrumada pra amanhã ou para hoje mesmo e você
precisa de uma salão e ele tá fechado então eu sou aquela pessoa
que tá disponível ao domicilio, 24 horas! (CAMILLE CABRAL –
CABELEIREIRA INFORMAL).

Diante dos relatos, identificou-se que a informalidade conduz “1) ausência de


proteção social77: e de direitos sociais, inclusive de direitos sindicais: o trabalho
informal nos países do Sul concerne a atividades realizadas sem proteção social
(previdência social, aposentadoria), férias, etc” (HIRATA, 2009, p. 26).
O segundo indicador são as “horas reduzidas de trabalho, que resultam em
salários baixos e que levam frequentemente à precariedade” (HIRATA, 2009, p. 26).
Além de estar no trabalho informal, pode-se perceber que Camille Cabral tem uma
jornada de trabalho complexa dada a informalidade. Conforme ainda relatado, ela
está disponível 24 horas. Camille também descreveu a não fixidez no valor da
remuneração, pois depende da necessidade da clientela. Outros fatores que
apontam as negações de direito dizem respeito à proteção social, com identifica-se
na fala abaixo:

Desde então que dei visibilidade à travestilidade eu não trabalhei


mais com carteira assinada, e olhe que eu trabalho desde os 14 anos
então eu tenho 33 anos, desde os 14 anos até 2007 eu trabalhava
com carteira assinada, de 2007 para cá eu não trabalho mais com
carteira assinada, eu estava até vendo isso como faço como não
tenho como contribuir. Não contribuo com a previdência desde essa
época por justamente ter saído do trabalho formal, mas tenho
vontade de rever esses conceitos, eu mesmo pagando (CAMILLE
CABRAL – CABELEIREIRA INFORMAL).

Por fim, o baixo nível de preparo: a ausência de qualificação formal e a


consequente baixa renda levam, em inúmeros casos, à precariedade e ao
desemprego (HIRATA, 2009, p. 26). Uma das características apontadas pelas
entrevistadas é o desemprego. Segundo seus relatos, existe uma dificuldade para o
empresariado contratar o segmento do qual fazem parte. Assim, vivem em uma alta
rotatividade de trabalho, tema que será aprofundado a seguir.

77 Grifo nosso.
125

A visibilidade do corpo travesti expressa diversas consequências no mundo


do trabalho, em relação a sua forma de inserção complexa e cheia de desafios
frente ao sistema produtivo marcado pelo preconceito. No tópico a seguir será
analisada a situação das travestis desempregadas, e como a negação do acesso à
educação reflete no cotidiano dessas trabalhadoras.

3.3 Da negação do acesso ao ensino escolar ao desemprego: as


modalidades do Trabalho Precário das Travestis em Natal/RN

O mundo do trabalho apresenta distinções com relação ao preconceito de


gênero/sexo e de sexualidade; no tocante à realidade brasileira, o preconceito
exacerbado de um país que tem como formação social o capitalismo com fortes
resquícios do colonialismo, a moral hétero/patriarcal, racista. Em particular, no que
diz respeito ao lócus dessa pesquisa, a cidade do Natal, há, ainda, o peso de estar
inserida no Nordeste, região que possui fortes aspectos da formação colonial
coronelista – o novo e arcaico convivem de mãos dadas, essas dimensões fazem
parte da estrutura que corrobora para negações de direitos da população Trans*,
inclusive do acesso a uma formação profissional.
Os sistemas apontados consubstancializam a opressão, a dominação e a
exploração dos contingentes femininos, abrangendo, especificamente, as mulheres
cis e as travestis como pessoas que vivem em condições subalternizadas. Isso se
deve ao fato, inerente, da sociedade, em decorrência da universalização das
dimensões do corpo e da sexualidade, de forma natural, negar as identidades
travestis, refletido na materialização das negações de direitos e nas dificuldades que
sofrem para se inserirem no sistema produtivo, sem a mínima intervenção do
Estado. Em virtude do fracasso disse “[...] quando permitiu que travestis fossem
expulsas de casa, da escola e do mercado de trabalho. Falhou na educação. A
sociedade como um todo falhou a partir do momento em que expulsa crianças de
suas famílias em virtude de violência transfóbica” (BEATRIZ, 2016).
A pluralidade nas desigualdades sociais e materiais que as travestis
enfrentam no Brasil está, sobretudo, na negação do direito de inserção no mercado
de trabalho. Nesse tocante, reflete-se: quantas travestis estão postas nos espaços
educativos do país? Quantas travestis estão no ensino superior? Quantas são
advogadas? Quantas vezes vê-se uma travesti médica, atendendo? Enfermeiras?
126

Engenheiras? O seguinte relato expressa as dificuldades encontradas devido ao


preconceito que enfrentam no cotidiano:

Procurei trabalho nas lojas, procurei em fábricas, procurei em


restaurantes, procurei através de sindicatos de empregos aqui de
Natal, e todos foram negados, cheguei a trabalhar na fábrica da
Riachuelo daqui de Natal, mas foi temporário, foi horrível. Já ouvi
diversos relatos de amigas minhas que foram fazer entrevistas para o
call center de telemarketing, de terem passado na prova, recebem a
ligação que foram aprovadas, mas para começar a trabalhar
efetivamente nenhuma conseguiu (KÁTIA TAPETY,
DESEMPREGADA).

A fala de Kátia Tapety apresenta de forma sucinta as dificuldades que as


travestis enfrentam em Natal/RN, para conseguirem trabalhar formalmente. Como
ela, diversas travestis encontram-se frente à mesma problemática, um paradoxo que
vai de encontro aos princípios norteadores da Declaração Universal dos Direitos
Humanos78.
De tal mandeira, Kátia, ao enfrentar tantas dificuldades, viu como saída migrar
para São Paulo a procura de trabalho; o preconceito vivenciado em Natal está
diretamente ligado à decisão de ir para São Paulo. Como relatou, a entrevistada
buscou, em diversos locais, empregos, distribuiu currículos, participou de
entrevistas, porém não alcançou seu objetivo de conquistar uma vaga no mercado
formal de trabalho. Conforme expõe Katia, a afirmação da identidade travesti traz
intercorrências na hora de procurar trabalho:

É bastante difícil entrar no mercado de trabalho sendo travesti, de


início eu só consegui entrar gradativamente porque minha tia era
gerente de um hotel que eu trabalhava, fui recepcionista durante 6
meses, eu era tratada pelo meu nome social lá dentro, sendo que
assim todo canto tem discriminação as outras funcionárias sabiam
que eu era trans, tinham clientes assim que percebiam aos pouco,
mas se eu sofri algum tipo de discriminação não foi diretamente,
olhares eu notava um pouco, mas de alguém chegar diretamente pra
mim e falar algo nunca aconteceu, mas é bastante difícil (KÁTIA
TAPETY – DESEMPREGADA).

78 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições eqüitativas e
satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação
alguma, a salário igual por trabalho igual. (Artigo 23 – Da Declaração Universal dos Direitos
Humanos).
127

Diante de tal problemática, pode-se inferir que a sociedade hétero/patriarcal,


racista e cissexista não baseia-se na perspectiva de inserir as travestis nos espaços
de trabalho formal, aumentando, assim, o desafio de inserção dessa referida
população. Desse modo, as chances de uma travesti exercer uma profissão formal,
mesmo uma considerada “desvalorizada”, são mínimas. A visibilidade dessa
identidade de gênero não está de acordo com as normas binárias, impostas por
suas relações patriarcais de gênero. Assim, o preconceito formado e o
estabelecimento da rigidez traz diversas impossibilidades para a população Trans*.
A divisão sexual do trabalho constrói uma hierarquia que reproduz as
desigualdades que o contingente feminino sofre, mediante dicotomias geradas pelas
relações pautadas na dominação, na opressão e na exploração. Sabe-se que para
uma mulher cis-heterossexual conseguir sua inserção nos espaços empregatícios,
seu acesso aos direitos conquistados socialmente pela classe trabalhadora, a
obtenção de salários iguais aos homens e proteção social, é um desafio. Quando o
foco são as travestis, que dão visibilidade a sua identidade de gênero, a situação se
complica ainda mais, principalmente em contextos adversos em tempos de
reestruturação produtiva, que leva ao aumento no número de desempregos em
ordem estrutural e o aviltamento do conservadorismo.
Nas narrativas os problemas sociais que as travestis encontram no cotidiano
profissional podem ser identificados. Muitas vezes, parte dessa população reproduz
as ideias da classe dominante, pela incorporação dos estigmas que enfrentam
cotidianamente, como indica a seguinte fala:

A travesti ela tem que se impor no lugar da sociedade, tem que tá


bem apresentável, tem que falar bem, tem que tá bem vista, tem que
saber entrar, tem que saber sair, tem que tirar seus “trejeitos”, aquele
seu “trejeito” feio, aquele jeito de falar acho que não precisa daquele
jeito escandaloso, chamativo, entendeu? Se você quer ser uma
mulher, você tem que querer ser gente né? Eu acho que você tem
que se comportar. Eu acho assim o mais difícil dela conseguir um
emprego hoje é justamente pelos seus “trejeitos”. É uma roupa
colada que ela quer porque quer usar, uma roupa colada para
mostrar seu corpo (CAMILLE CABRAL – CABELEIREIRA
INFORMAL).

O moralismo na fala de Camille Cabral demonstra o modo que o discurso


ideológico dominante é introjetado e, posteriormente, reproduzido, até mesmo pelos
128

sujeitos oprimidos. Tal comportamento tem como consequência a naturalização da


violência e da ausência de emprego para essa parte da população que se culpabiliza
por ser alvo do preconceito de uma sociedade “cuja existência é atravessada por
mecanismos de dominação e de alienação que distorcem sua compreensão da
História e do próprio destino” (MARTINS, 2000, p.11).
O desemprego como uma manifestação da problemática social – inclusive a
partir da reestruturação produtiva pós anos 1970 – assume na contemporaneidade
faces complexas e desafiadoras, até mesmo ao se pensar criticamente quais os
limites que esse modelo de sociabilidade impõe, na forma do encarceramento das
identidades que fogem a padrão binário, que resultam nos altos índices de
desemprego das travestis?
Diante de complexas reflexões, deve-se compreender que o desemprego
estrutural assume diversas formas, principalmente quando foca-se em um
contingente que vive de modo instável. No entanto, não se pode compreender a falta
de postos de trabalho de forma isolada, mas sim em sua totalidade.
Para evidenciar essa materialidade, parte-se dos índices que mostram os
números de pessoas de baixa renda desempregadas no Brasil entre 1992 a 2002,
os quais revelam que esse número passou de 9,4% (2,7 milhões) para 13,8% (4,8
milhões). Enquanto que, no que se refere aos desempregados da classe média no
mesmo período, os dados expõem que houve um salto de 232 mil para 435 mil
(ANTUNES, POCHMANN, 2008). No Brasil, o desemprego no primeiro trimestre do
ano de 201579 alcançou a cifra de 7,9%, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). O maior número concentrou-se na região Nordeste,
com 9,6% da taxa de desempregados. O Estado com maior índice foi o Rio Grande
do Norte, com 11,5% pessoas desempregadas; os dados são parte da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD).
No entanto, esses dados não expressam ou quantificam a realidade da
população Trans* desempregada. Afirma-se que o desemprego, além de ser um
problema estrutural e econômico, também apresenta dimensões sociais que
repercutem sobre as travestis. As pesquisas realizadas em torno dos índices de

79Disponível em: Taxa de desemprego no Brasil sobe para 7,9% no primeiro trimestre, este trecho é
parte de conteúdo que pode ser acessado em: http://www.valor.com.br/brasil/4039442/taxa-de-
desemprego-no-brasil-sobe-para-79-no-primeiro-. Acesso em: 10 de agosto de 2015.
129

desempregados, na maioria das vezes, não diferenciam raça, classe, etnia, geração
e gênero, quiçá sexualidade.
De modo que a atual conjuntura apresenta desafios organizacionais para a
classe proletária, sobretudo com relação à escassez e à instabilidade das ofertas de
trabalho como extensão das consequências da reorganização da cadeia produtiva.
Tal fato é um dos desafios do setor, visto que suas problemáticas vão além daquelas
relacionadas ao desemprego; abrangem, pois, a questão da redução dos salários e,
principalmente, as pautas que englobam as particularidades da população Trans*.
Constitui-se, assim, desafios para a luta da classe trabalhadora contra a
transfobia simbólica e material que renegam as identidades travestis relegando-as
às margens. O sentimento de subalternidade fica explícito na fala de uma das
entrevistadas, quando perguntada sobre os desafios que essa população enfrenta
no mercado de trabalho:

Eu acho que é porque vê que a gente como marginal, tudo que a


gente for fazer, todas são traçadas como ladras, a gente não pode
ter opinião, a gente vê o mundo de uma forma diferente, até para
ajudar a gente é ameaçada de ser colocada para fora do trabalho,
você não pode ter opinião, você só deve escutar, escutar e escutar.
(JANAINA DUTRA – ATENDENTE).

Os desafios para a inserção da população travesti no mercado de trabalho


exprimem o arquétipo de uma sociedade construída sobre uma base de intolerância
contra a diversidade. Percebe-se que não são apenas os entraves acerca da
aceitação, mais ainda o cerceamento nos espaços de trabalho, o direito a proferirem
suas opiniões e a serem ouvidas, um auto policiamento, isso faz parte de uma
estrutura opressora incapaz de possibilitar uma outra realidade para esse
contingente, devido a sua visibilidade enquanto sujeitas que se constroem para além
do que está posto.
De tal maneira, a problemática apontada por Janaína diz respeito a uma
ordem social formada por “relações patriarcais de gênero”, articulada a
determinantes socioeconômicos e culturais que expressam-se na coletividade das
desigualdades sociais. O capitalismo, além de formar táticas de desmobilização da
classe trabalhadora, também gera mecanismos de segregação no mercado de
trabalho, por meio da exploração e da discriminação de certos grupos sociais devido
a sua raça, sua etnia, seu gênero e sua sexualidade.
130

Assim, a sexualidade, em detrimento do trabalho, tem uma relação de


particularidade sobre suas identidades Trans*, principalmente no sistema capitalista
patriarcal; deve-se compreender a sexualidade para além de uma questão individual
(LOURO, 2000). Todavia, esta deve ser entendida como uma expressão social e
política que interfere na vida das travestis, sobretudo quando a sociedade naturaliza
seus corpos e suas afetividades, colocando-as apenas como um dado biológico do
ser humano; “tal concepção usualmente se ancora no corpo e na suposição de que
todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma” (idem, 2000, p. 8).

Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente “natural” nesse


terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de
natureza. Através de processos culturais, definimos o que é – ou não
– natural; produzimos e transformamos a natureza e a biologia e,
consequentemente, as tornamos históricas. Os corpos ganham
sentido socialmente (LOURO, 2000, p. 9).

São diversos os mecanismos que conceituam as questões de sexualidade e


de identidade de gênero, a partir de um padrão que as convenciona a um status de
“normalidade” que excluem, automaticamente, todas as que fogem desse padrão.
Uma das formas é por via das normas jurídicas com o aparato das leis cisgêneras,
que não reconhecem as identidades Trans*. O controle social e cultural sobre esses
corpos é regido por estruturas sociais como escolas, que expressam-se
conservadora e moralmente, perpetrando a ideia naturalizada de corpos, em
decorrência do modelo educacional conservador. Assim, é no ceio escolar que se
exerce a pedagogia da sexualidade conservadora, de manutenção, inclusive, da
divisão sexual do trabalho (LOURO, 2000).
Desde a infância ensinam-se às pessoas certos comportamentos que são
naturalizados via educação sexista e machista. Na escola, se produzem conceitos
sobre masculinidade e feminilidade via disciplinamento dos corpos. Conforme
mostra Louro (2000, p. 13), “tal pedagogia é muitas vezes sutil, discreta, contínua
mas, quase sempre, eficiente e duradoura”. Essa educação é fruto da formação
ocidental burguesa que, durante muitos anos, gerou disciplinamento em torno da
sexualidade e do corpo.
As religiões conservadoras introduziram nos espaços escolares suas
doutrinas e sua estreita filosofia moral de concepção moralizante. No entanto, não
131

só elas como também o capitalismo utilizou a política de comportamento sexual para


a sua formação, em face da produção e da reprodução de um projeto colonizador.

[...] a própria ideia de “sexualidade” como um domínio único é


essencialmente uma ideia burguesa, desenvolvida como parte da
outo-afirmação de uma classe ansiosa para diferenciar a si mesma
da imoralidade da aristocracia e da promiscuidade supostamente
irrestrita das classes inferiores. Era basicamente projeto colonizador,
buscando remodelar tanto a política quanto o comportamento sexual
à sua própria imagem (WEEKS, 2000, p. 49).

Dessa forma, o modelo escolar na sociedade burguesa não discute a


desnaturalização da sexualidade; ao contrário, afirma, muitas vezes, as atribuições
dicotômicas de gênero “o que é para menino e o que não é para menina”. Os alunos
são ensinados os padrões de vida familiar a partir dos valores vitorianos80 (WEEKS,
2000). Para ilustrar esse disciplinamento, em alguns espaços escolares a dicotomia
pode ser percebida na educação física quando os jogos são subdivididos: mulheres
jogam com mulheres e homens jogam com homens.
Não tem-se uma educação emancipadora que permita a integração entre os
sujeitos, ao invés disso afirma-se a negação da diversidade. Outra forma de
expressar essas dicotomias é durante as aulas de biologia, comumente, quando o
professor diz que pênis pertence ao corpo masculino e vagina ao corpo feminino.
Assim, a opressão vai sendo construída e aqueles que divergem dessa rigidez,
como a população Trans*, não se encontram nesses espaços de opressão.
São muitos os casos de homofobia, lesbofobia e transfobia nos espaços
educacionais. Meninos e meninas aprendem piadas, insultos estigmatizantes, com
gestos que agridem física e psicologicamente tais grupos. A escola tem sua
dualidade: pode ser um local de emancipação, de crescimento e de liberdade; bem
como local de opressão, de reprodução de preconceitos que se espraiam, às vezes,
sutilmente, mas sempre com fortes consequências. A não aceitação desses grupos,
constituem um desafio para eles e, sobretudo, para as travestis terem acesso ao
ensino.

80 Os valores vitorianos foram disseminados durante o período de reinado da Rainha Vitória na


Inglaterra, de 1837 a 1901. Esse período caracterizou-se pela ampliação do imperialismo colonial
inglês, assim como pelo crescimento da burguesia no país. Outra característica marcante da época
foi a rigidez dos valores moralistas, principalmente a repressão sexual e a intolerância aos crimes
hediondos, baseados em um código de conduta extremamente rígido.
132

Essa desqualificação, do ponto de vista da formação profissional, dificulta a


inserção das travestis no mercado de trabalho formal, geralmente relegadas a
marginalidade. São muitos os relatos que elucidam as dificuldades que as travestis
enfrentam na busca por uma ocupação. A reportagem da Revista Fórum é
esclarecedora e demonstra essa situação da Transfobia:

Cris Stefanny, presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis


e Transexuais do Brasil) e do Fórum LGBT de Mato Grosso do Sul,
denuncia a falta de oportunidades no mercado de trabalho: “As
transexuais que a todo custo tentam arrumar um emprego
conseguem serviços subalternos, como limpar o chão, trabalhar em
cozinhas. Há muitas que têm currículo, passaram em concurso
público, como foi o caso da enfermeira que foi aprovada nas provas e
a chefia do hospital a colocou para trabalhar no almoxarifado”81
(OTONI, 2014).

É importante frisar que, para Heller (1992), a vida cotidiana se constitui pelo
trabalho e se apresenta de forma complexa, heterogênea e, principalmente,
hierarquizada; o que vai ao encontro daquilo que foi constatado nessa pesquisa,
como mostra a fala de Jovana que, embora tivesse um curso técnico de
enfermagem, só se inseriu no mercado de trabalho a partir do concurso realizado
pelo Estado do Rio Grande do Norte. O preconceito materializa-se na vida cotidiana
de trabalho como violação da negação da visibilidade Trans*, havendo, portanto,
poucos espaços de aceitação para as travestis, fato explicitado na seguinte
entrevista:

A questão da aceitação das pessoas. E no trabalho não há políticas


públicas para travestis, não há de forma alguma, temos que trabalhar
nisso, não temos nenhuma travesti médica, nenhuma travesti
arquiteta, nenhuma advogada, se ver muito difícil, mas deveria ter
mais índices, e não altos índices de prostituição como tem muito,
mas tem de ter índices de pessoas trabalhando, de travestis na
cozinha, como secretárias, como atendente de balconistas, como
qualquer pessoa normal, como somos, mas não existe espaço
nenhum (JOVANA CARDOSO – TÉCNICA DE ENFERMAGEM).

Nesse sentindo, a heterossexualidade como ideologia materializa-se na


subalternidade que as travestilidades assumem nas relações sociais, inclusive nos
ambientes de trabalho, não havendo possibilidades, nesse modelo rígido, de

81Reportagem “Sem emprego para Trans” Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/132/sem-


emprego-para-trans/>. Acesso em: 3 de fevereiro de 2015.
133

aceitação da diversidade. Ou seja, “a sociedade hétero está baseada na


necessidade, a todos os níveis, do diferente/outro. Não pode funcionar
economicamente, simbolicamente, linguisticamente ou politicamente sem este
conceito” (WITTIG, 1980, p. 4). Essas diferenças foram construídas mediante
relações sociais, centradas na heterossexualidade como modelo de relações afetivo-
sexuais, de tal modo:

Necessidade do diferente/outro é uma necessidade ontológica para


todo o aglomerado de ciências e disciplinas a que chamo o
pensamento hétero. Mas o que é o diferente/outro se não a(o)
dominada(o)? A sociedade heterossexual é a sociedade que não
oprime apenas lésbicas e homossexuais, ela oprime muitos
diferentes/outros, oprime todas as mulheres e muitas categorias de
homens, todas e todos que estão na posição de serem
dominadas(os) (WITTIG, 1980, p. 4).

A sociedade hétero – acrescenta-se a cisgeneridade – produz e reproduz, por


meio de uma cadeia de interações, valores de viés conservador que, a partir da
estruturação de mecanismos ideológicos das sexualidades, foram gerando
dispositivos de controle de tudo que foge ao padrão estabelecido, inclusive, no que
tange ao mercado de trabalho. O que, consequentemente, afeta as travestis pelo
desemprego, que é um dos elementos de maior impacto na vida dessas sujeitas,
com a negação do acesso ao trabalho.
Conforme aponta a análise de Wittig (1980), as relações sociais só funcionam
baseadas na ideologia heterossexual de controle sobre os corpos – uma
necessidade ontológica de manutenção dos status quo. Configura-se nesse modelo
um padrão de corpo que é contratado para trabalhar, e qualquer desconexão ao
padrão historicamente construído são postos à margem. Sendo assim, a população
travesti sofre com maior intensidade, de acordo com o que apresenta Kátia Tapety:

Os maiores desafios na hora de buscar trabalho são, de início,


rejeição. Assim que você chega, de cara você nota rejeição. Eles,
muitas vezes, dizem que não estão empregando gente; recebem o
currículo, porém, ao receberem, não ligam; ao passar em uma
entrevista, você passou por passar, mesmo que você seja
capacitada aqui jamais você vai conseguir um emprego (KÁTIA
TAPETY – DESEMPREGADA).
134

A retórica “pouquíssimas pessoas empregam as travestis” consiste em uma


das maiores representações presentes nas entrevistas. Isso se deve à estrutura da
sociedade conduzida pelo padrão classista, burguês, patriarcal e cissexista que
discrimina e estigmatiza as identidades travestis associando-as como ladras,
marginais, mulheres de traficantes, “aidéticas” e outros termos pejorativos. Quando
contratadas, passam por inúmeros constrangimentos, até mesmo assédio moral e
sexual nos espaços de trabalho. Na narrativa a seguir, pode-se compreender como
o desemprego apresenta-se enquanto dificuldade para as travestis:

Já procurei vários trabalhos. Fui entregar meus currículos, apenas


bateram a porta na minha cara. Diziam assim “Ah, vou ficar com seu
currículo. Qualquer coisa ligo para você”. É tanto que eles olham
para a gente e vê como marginais, vê a gente como ladra, é tanto
que uma vez eu entrei em uma loja, entreguei e disse “Precisando,
estou aqui. Faxineira, tô aqui também. Estou querendo um trabalho”.
Só não queria ir para rua, tanto que minha mãe que sempre cuidou
de mim, falou “Ah, se não der certo, um dia dará. Enquanto isso vou
ajudando você”, mas eu não queria a ajuda dela, eu que queria
ajudar ela. Do meu jeito ou de outro eu dava meus pulos; eu fazia
meus shows; eu ganhava meus 50,00 reais por show; eu dançava
com a roupa curta, mas eu já tinha aquele dinheiro para dar para ela,
eu dava 25 pra mim e 25 para ela, ficava muito feliz, “Não, minha
filha. Não precisa”, mas eu falava que era uma ajuda (BRENDA LEE
– DESEMPREGADA).

A entrevista de Brenda Lee apresenta a complexidade e os paradoxos de


“ganhar a vida” sendo trabalhadora e travesti, na sociedade brasileira. As
dificuldades encaradas por Brenda fazem parte de uma maior problemática,
apontadas nas entrevistadas, que revelam as formas de enfrentamento a elas, como
apontado em relação ao desemprego. As interlocutoras desse estudo expressamque
o desemprego constitui-se como uma dimensão concreta da pobreza e da
desigualdade de uma sociedade emersa em uma crise de nível estrutural, que
repercutem no cotidiano desse contingente social.
O trabalho nessa perspectiva tem diversos significados para as Trans*, sendo
o principal a sobrevivência, a forma de “ganhar a vida”. É através do trabalho que as
travestis suprem suas necessidades e, muitas vezes, as de suas famílias.
Consoante o relato de Brenda, sua renda era dividida com sua mãe, para auxiliar
nas despesas familiares.
135

Outra situação relatada nas experiências das travestis entrevistadas, foi com
relação ao trabalho como uma forma de “ter dignidade”. Entretanto, os problemas
enfrentados quando elas deixam seus currículos em lojas nos shoppings mostram
como essa “dignidade” é rompida, mediante os preconceitos que enfrentam nesses
espaços, a negação, os olhares constrangedores. Mesmo assim, “apesar de
desqualificado, monótono, repetitivo e sem criatividade, o trabalho configura-se
como uma forma de ser, uma forma de inserção digna na vida social, um caminho
para ‘ganhar a vida’, uma identidade social” (YAZBEK, 2006, p. 98).
Esse aspecto faz parte, de forma contraditória, do trabalho nesse modelo de
sociedade que é produzido e reproduzido de forma alienada, dicotômica e
exploradora. A coisificação do ser humano, ainda constitui uma das principais
formas de suprir as necessidades mais elementares como alimentar-se, vestir-se,
habitar. Para as travestis que fazem parte de uma classe socialmente marginalizada,
o trabalho torna-se um elemento consubstancial de suas vidas. De tal modo, quando
se pensa no desemprego relacionado às travestilidades muitas questões são
perpassadas, e uma delas é a da qualificação.
Na pesquisa percebe-se que apenas uma das interlocutoras é graduada – a
professora Marsha Johson – e outra é técnica – Jovanna Cardoso. Para elas, a
única forma de inserção no mercado de trabalho formal seria por meio da
necessidade de se qualificarem, estudarem, fazerem uma graduação e um concurso
público:

Eu nasci nas Rocas. A infância de quem mora ali é sempre praia, ou


então de ficar na Ribeira naqueles casarões antigos, só que eu ficava
olhando, eu sempre via os homossexuais do meu bairro e eu já tinha
mais ou menos 9 a 10 anos. Elas e eles eram todas domésticas,
lavando, passando. Eu não gosto de lavar e passar, e eu sempre fui
estudiosa, eu não quero ser doméstica, eu quero fazer vestibular,
quero ter uma profissão, pesquisei, ninguém me orientou, daí eu
pesquisei e falei – acho que vou ser contador! Eu pensava que
contador era para contar dinheiro. Aí eu fiz vestibular para
universidade federal, passei em contábeis, fiz o curso terminei, mas
vi que não era aquilo que eu queria, e durante o curso eu notei que
aquilo não era a minha praia (MARSHA JOHSON – PROFESSORA).

Segundo Marsha Johson, as principais dificuldades dos LGBTs,


principalmente das travestis na cidade do Natal/RN, é que, sem uma formação
superior, é ínfima a possibilidade de ter um trabalho formal, para além dos tidos
136

“trabalhos desvalorizados” (funções domésticas, como citado pela entrevistada). Daí


volta-se ao aspecto da educação, a pedagogia da sexualidade, de padronização dos
corpos, tem negado as identidades Trans* de ter a possibilidade de fazer uma
graduação, de se especializar e de, assim, ser inseridas no mercado de trabalho.
São baixos os índices de travestis que conseguiram concluir o ensino médio,
ou uma graduação. De acordo com Oliveira (2013), 70% das travestis, no Rio
Grande do Norte, não foram alfabetizadas. Na atual conjuntura constata-se algumas
exceções de travestis que conseguiram fazer um curso superior, até um doutorado
através da organização política desses segmentos que lutaram por esse direito
social. Mesmo com algumas mudanças (a realidade que envolve essa população)
ainda há inúmeros entraves, conforme mostra a reportagem da Revista Fórum:

[...] Ultimamente, já vemos travestis e transexuais formadas, pós-


graduadas e mestrandas, mas muitas ainda enfrentam dificuldade
para entrar no mercado de trabalho. A sociedade observa a
transgênero como uma pessoa que se passa por aquilo que não é,
que quer ser aquilo que não é, como um ser de outro planeta. E,
pensando desta forma, baseado apenas em uma parte do corpo, se
vê intimidado a dar emprego a uma farsa, a uma figura que não é
reconhecida como identidade, que erroneamente não tem
credibilidade82 (OTONI, 2014).

Um dos temas em pauta da agenda política desse segmento é inserir tais


sujeitas em vários espaços sócio-ocupacionais: em Organizações Não
Governamentais (ONG's) para qualificação profissional; em Telemarketing; em Call
center's; em casas de família (como diaristas, entre outras funções); principalmente,
em universidades/faculdades para qualificação educacional de nível superior.
Porém, o que percebe-se nessas ações é que o mercado de trabalho formal para
travestis é extremamente restrito e quando há a possibilidade de empregá-las, o
ambiente de trabalho costuma não dar visibilidade para essa população. Predomina
a lógica da marginalidade, colocando-as nos ambientes que não são visíveis para a
sociedade, como é o caso do telemarketing. Durante o processo de pesquisa,
obtivemos informações de travestis que trabalhavam em uma empresa de
telemarketing na cidade de Mossoró/RN.

82“Sem emprego para Trans”. Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/132/sem-emprego-


para-trans/>. Acesso em: 3 de fevereiro de 2015.
137

Além do desemprego como uma das maiores expressões de violência na vida


das travestis, será feita no tópico a seguir uma análise de como a violência
transfóbica atinge suas vidas, apresentando os dados da transfobia para relatar as
dimensões e os índices da violência material sobre as identidades Trans*. Além
disso, será feita uma apreciação das faces da transfobia nos espaços de trabalho,
das violações de direito, do assédio sexual e moral que enfrentam as travestis em
Natal/RN.

3.4 As violações dos diretos nos espaços de trabalho: a transfobia como


uma realidade institucionalizada

FIGURA3: Transfobia institucional contra professora Luiza

FONTE: http://www.revistaforum.com.br/2015/07/24/colegio-anglo-e-denunciado-por-transfobia/

Quando, por resistência titânica, conseguimos sobreviver à transfobia


na escola e chegamos à faculdade, temos que enfrentar outro grande
fantasma: o mercado de trabalho. (PROFESSORA LUIZA, In. Revista
Fórum, 2015)83

As violações de direitos e as violências praticadas contra as travestis, tanto


nas ruas como nos espaços de trabalho, não datam da contemporaneidade, mas
são parte de uma construção histórica. De acordo com a citação das “Ordenanzas

83“Colégio Anglo é denunciado por Transfobia”, por Leo Moreira Sá, no Jornalistas Livres. Disponível
em: <http://www.revistaforum.com.br/2015/07/24/colegio-anglo-e-denunciado-por-transfobia/>.
Acesso em: 14 de janeiro de 2016
138

de los Indios”, já tínhamos expressões das identidades de gênero travestis na


América Latina durante as invasões espanholas e portuguesas nos anos de 1500,
sobretudo percebe-se que já existiam formas institucionais de transfobia que puniam
severamente aqueles e aquelas que desestabilizavam as normas binárias de
gênero.

Se um índio se vestir com roupas indígenas femininas ou uma índia


se vestir com roupas indígenas masculinas, o... prefeito deve prendê-
los. Na primeira vez, devem receber 100 chibatadas e ter o cabelo
cortado em público. Na segunda vez, devem ser amarrados durante
seis horas à vista de todos num poste no mercado. Na terceira vez,
devem ser enviados para o xerife do vale ou entregues ao prefeito da
Villa de Santiago de Miraflores, para que lhes seja aplicada a justiça
em conformidade com a lei (Gregório Gonzales de Cuenca,
Ordenanzas de los Indios, 1556 apud Campuzano, 2008, p. 81).

Diante do exposto, serão problematizadas as múltiplas violências praticadas


contra as travestis: a violência institucional, a negação dos direitos, o assédio sexual
e moral no mercado de trabalho. Serão feitas análises por intermédio de alguns
conceitos e categorias como preconceito e cotidiano. O tópico terá como base os
conceitos elencados pelos autores Agnes Heller (1992) e Netto (2011) para realizar
algumas reflexões sobre o objeto de estudo: como se constrói a violência contra as
travestis no mundo do trabalho? Qual a base material do preconceito/discriminação
a essa população?
A violência contra a população travesti será analisada como uma expressão
da questão social, que recrudesce na contemporaneidade suscitada por valores que
encarceram essa população, como afirmam as recorrentes histórias de vida das
entrevistadas “a luz do dia não é algo destinado para elas”. No entanto, uma das
principais barreiras na vida cotidiana das travestis é a transfobia. Segundo Heller
(1992, p. 59), “todo preconceito impede a autonomia do homem, ou seja, diminui sua
liberdade relativa diante do ato da escolha, ao deformar e, consequentemente,
estreitar a margem real de alternativa do indivíduo”.
Heller (1992) analisa uma importantíssima reflexão sobre o preconceito
reproduzido na sociedade como um aspecto da vida cotidiana. Segundo ela,

[...] a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida


cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua
personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento” todos os seus
sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades,
139

manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias


(HELLER, 1992, p. 17).

A partir dessa perspectiva, concebe-se a vida cotidiana como uma estrutura


importante para a análise acerca do preconceito e, consequentemente, da violência
praticada contra as travestis. É na cotidianidade, como expressa a autora, que as
relações sociais são constituídas, o que significa dizer que “homens e mulheres são
construídos socialmente como seres resultantes do conjunto de suas relações
sociais concretas objetivadas em determinada sociedade e em determinado tempo
no interior da história da humanidade” (SILVA, 2011, p 51).
É na organização do trabalho que diversas relações sociais são
desenvolvidas, sendo que é no atual modo de produção capitalista que essas,
muitas vezes, acontecem de forma alienada, dada a complexidade, a imediaticidade
e a heterogeneidade que compõe a vida social (HELLER, 1992). Conforme
apresentado, essas relações são caracterizadas pela heterogeneidade, composta
pelas múltiplas atividades que compõem as objetivações do ser social: o trabalho, as
formas de se expressar e de se relacionar com os indivíduos, a vida artística,
política, privada, como nos apresenta Netto (2011).
A vida cotidiana é imediata no nível de responder às necessidades do
indivíduo na espontaneidade, que, por vezes, sem que haja uma maior reflexão,
reproduz de maneira pragmática essas necessidades. Assim, “o padrão de
comportamento próprio da cotidianidade é a relação direta entre pensamento e
ação; a conduta específica da cotidianidade é a conduta imediata” (NETTO, 2011, p.
67). O ser humano já nasce inserido na vida cotidiana; as relações que são
construídas pelo trabalho são históricas, contraditórias e estão em movimento.
Conforme esses indivíduos se desenvolvem, passam a aprender, a produzir e a
reproduzir nas relações com seus entes (amigos, familiares, vizinhos, escola,
trabalho) seus valores, morais, conceitos, e, muitas vezes, os preconceitos se
estabelecem, em grande parte, de forma pragmática.
Esse pragmatismo é exercido de maneira que acarreta diversas
problemáticas e consequências para a sociedade, como o preconceito contra as
travestis via transfobia nas suas múltiplas modalidades: violência simbólica, física,
psicológica, sexual, moral e material, baseadas na

[...]“existência de uma norma sócio-cultural que categoriza os corpos


e cria uma ideia de gênero como inerente a esses corpos, não
140

admitindo qualquer trânsito ou mutabilidade, para que o domínio do


masculino sobre o feminino se conserve com caráter de natural, de
pré-cultural. A pessoa trans é excluída porque nossa existência não é
desejável (BEATRIZ, 2016)84.

Conforme apresenta Beatriz (2016), as identidades travestis não são


respeitadas; pessoas que são segregadas pelo preconceito que tem suas bases na
vida cotidiana, no pragmatismo via a hegemonia das normas construídas na
cisgeneridade. É imprescindível, no entanto, ressaltar que, embora comumente
sejam utilizados como sinônimos, os termos preconceito e discriminação possuem
diferentes significados, haja vista:

Por preconceito, designam-se as percepções mentais negativas em


face de indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados, bem como
as representações sociais conectadas a tais percepções. Já o termo
discriminação designa a materialização, no plano concreto das
relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas,
relacionadas ao preconceito, que produzem violação de direitos dos
indivíduos e dos grupos (RIOS, 2009, p. 54).

Destarte, dada a investigação sobre o plano conceitual do preconceito, sua


formação ontológica relacionada à vida cotidiana, sua distinção com o termo
discriminação, será feita uma análise acerca da formação da homofobia/transfobia,
por intermédio das bases conceituais do preconceito e da discriminação.
A homofobia é a discriminação praticada contra a população LGBT, com suas
particularidades (lesbofobia, homofobia e transfobia). Com a organização política
desses sujeitos, surgiram novos conceitos para fomentar uma maior visibilidade a
cada segmento, apresentando-se, assim, suas distinções e particularidades.
A partir das distinções que surgiram dessas organizações, passaram a existir
os conceitos de: lesbofobia, destinado a identificar a discriminação contra as
mulheres lésbicas; transfobia, destinado à discriminação contra a população Trans* -
travestis e transexuais; bifobia, fobia contra bissexuais. Conforme Rios (2009, p. 59)
a LGBTfobia “é a modalidade do preconceito e da discriminação contra
‘homossexuais’ esse termo é mais amplo e possibilita sintetizar todas as
modalidades de fobias contra essa população.
Outra questão sobre a homofobia é que deve ser compreendida como uma
expressão da questão social, que se materializa de diversas formas, principalmente

84 BEATRIZ, 2016. “Pessoas trans* não são raridades”. Disponível em:


<http://transfeminismo.com/pessoas-trans-nao-sao-raridades/>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
141

em atos violentos contra a população LGBT. Além disso, entender que a homofobia
“revela-se como contra face do sexismo e da superioridade masculina, na medida
que a homossexualidade põe em perigo a estabilidade do binarismo das identidades
sexuais e de gênero, estruturadas pela polaridade masculino/feminino” (RIOS, 2009,
p. 64).
Alguns autores trabalham com a noção de heteronormatividade. Considera-
se, a título desse trabalho, que essa categoria tem sua importância no plano da luta
política. Louro (2009) expõe que os Estados Nacionais, no advento da sociedade
capitalista, necessitaram de parâmetros para controlar a população, principalmente
aqueles que estão fora dos padrões então estabelecidos como normais. Entretanto,
acredita-se que a heterossexualidade nos moldes atuais de sociedade funciona não
como uma norma, mas como uma ideologia (que tem como bases materiais a
divisão sexual do trabalho, a violência e a transfobia) que recria, conforme suas
necessidades, formas de opressão.
O sentido de apresentar os dados da transfobia, em âmbito nacional, justifica-
se pela importância de se compreenderem as negações que as travestis sofrem na
realidade brasileira, as violações de direitos que recaem sobre elas. Considera-se a
expressão da violência transfóbica como o ápice do machismo da sociedade
cissexista, que nega a possibilidade dessas pessoas serem respeitadas como
sujeitas de direito. Assim, os dados da transfobia no Brasil expressam o modelo de
sociabilidade que vive-se, uma estrutura de violência física que se propaga de
diversas formas, como identificado nesse estudo nas negações ao acesso ao
mercado de trabalho.
Nesse aspecto, a materialização do preconceito/discriminação contra LGBTs
na sociedade brasileira, principalmente contra travestis, é contabilizado
mensalmente por intermédio de órgãos institucionais não governamentais e pelo
próprio movimento, que recebe, diariamente, denúncias. De tal modo, situa-se em
nível internacional a Organização Não-Governamental Transgender Europe (TGEU),
a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e o Grupo
Gay da Bahia (GGB), que realizam a coleta desses dados
Em nível governamental, serão trabalhados os dados disponibilizados a partir
do ano de 2011, que são os primeiros a serem contabilizados pela Secretária de
Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, em relatórios lançados
anualmente. No entanto, até o momento de realização dessa pesquisa, a SDH
142

lançou apenas os relatórios 2011 e 2012, pelo o disque 100 que recebe
cotidianamente inúmeras denúncias de violações de direitos humanos, inclusive de
violência contra população LGBT.

FIGURA 4: Os Estados mais perigosos para LGBTs no Brasil.

FONTE: https://homofobiamata.wordpress.com/estatisticas/relatorios/

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), 44% de todos os casos de


homofobia letal no planeta, no ano de 2012, ocorreram no Brasil, o que se configura
por crime de assassinato contra LGBT’s. Em aspectos territoriais, a região Nordeste
concentra os maiores índices de homofobia, conforme o mapa da violência
homofóbica do relatório do GGB de 2013 – 201485. O mapa apresenta o Estado do
Rio Grande do Norte como o 3º mais perigoso para a população LGBT. As

85Dado disponível no Relatório da violência homofóbica no Brasil realizado pelo Grupo Gay da Bahia.
Disponível no site: <http://homofobiamata.files.wordpress.com/2012/05/o-mapa-gays-570.jpg>.
Acesso em: 16 out. 2014.
143

informações são estarrecedoras, e os crimes foram realizados de forma


extremamente brutal.
O relatório sobre a violência homofóbica no Brasil, realizado pela SDH no ano
de 2011, por identidade de gênero, mostra que cerca de 6,7% das vítimas eram
lésbicas, 36,5% gays, 0,84% bissexuais (em igual proporção para homens bi e
mulheres bi), 50,5% eram travestis e 2,3% são heterossexuais (1,8% de homens
heterossexuais e 0,5% de mulheres heterossexuais). Sendo que os maiores índices
referentes às vítimas de violência contra o segmento LGBT eram das travestis.
De acordo com as informações da Transgender Europe (TGEU),podemos
identificar que a transfobia é uma expressão da questão social que ocorre em nível
mundial. Só no ano de 2009, ocorreram 68 assassinatos86 contra a população
Trans* no Brasil. Ainda de acordo com esses dados, a maioria dos assassinatos
ocorreu na América Latina.
Nesse sentido, em nível latino-americano, a violência contra a população
travesti é assustadora – incluindo desde a ocorrida no ambiente escolar até a
sucedida no espaço de trabalho. Ainda de acordo com os dados da Transgender
Europe, foram registrados, entre janeiro de 2008 e março de 2014,
aproximadamente 1.509 assassinatos contra a população Trans*, sendo o Brasil o
país mais perigoso para população Trans* com 602 assassinatos87.
Os dados materializam o preconceito contra essa população, não como uma
forma do sensacionalismo, mas de exposição da concretude da violência
transfóbica, a hierarquização da vida social e da barbárie que se exacerba na
contemporaneidade, atentando contra a vida das Trans*. Nesse sentido, considera-
se que a violência que atinge esse segmento é para além da violência física, pois se
materializa, também, na forma da violência moral e psicológica. A transfobia efetua-
se na negação desse segmento aos espaços de trabalho. De acordo com uma das
entrevistadas da pesquisa, que sofreu preconceito em um Hospital na cidade do
Natal:

86 Dado disponível na Instituição Não Governamental européia Transgender Europe (TGEU).


Disponível no site http://www.transrespect-transphobia.org/uploads/images/castellano/TvT-TMM-
2009-es.png. Acesso em: 16 de outubro de 2014.
87 Dado disponível na Instituição Não Governamental européia Transgender Europe (TGEU).

Disponível no site: <http://www.transrespect-transphobia.org/uploads/downloads/2014/TMM-Map-


2014-IDAHOT_ES.pdf>. Acesso em: 18 de outubro de 2014.
144

Eu fui no Varela e sofri preconceito. É, eu coloquei meu nome por um


currículo por uma colega, ligaram para meu telefone, pensando que
eu era fulano e não eu era, e sim Jovana, quando chegou Jovana lá
fui recebida, mas com olhares e com outros olhares, fiz uma prova e
até hoje não fui chamada, tinha vaga, eu tinha feito todas as
questões, foi melhor prova, é tanto que uma médica que trabalha
comigo falou que eu tinha feito uma boa prova e eu não fui chamada
até hoje para a UTI neonatal e pediátrica, é tanto que eu me
desaminei, em colocar currículo em outros hospitais (JOVANA
CARDOSO – TÉCNICA DE ENFERMAGEM).

Como pode ser percebido, a violência sofrida por Jovana se concretizou em


sua dificuldade em se conseguir trabalho devido sua identidade de travesti. O
mercado não dá oportunidade de trabalho a esse segmento, dada a construção
preconceituosa que não permite a convivência com a diversidade. Outro aspecto
presente na fala é em relação ao reconhecimento do nome social; para que Jovana
pudesse participar da entrevista de emprego, precisou usar o nome de uma amiga,
pois em sua documentação ainda consta o nome no gênero masculino.
A maioria das travestis reivindica o reconhecimento no gênero feminino, mas
a mídia, quando se refere a essas sujeitas, comumente reafirma sua identidade
masculina, desrespeitando o nome social e a identidade dessas pessoas.
Considera-se essa uma forma de violência institucional e simbólica, reproduzida
cotidianamente, sobretudo, em jornais sensacionalistas. É de conhecimento que a
mídia tem o papel de disseminar informações que são introjetadas pelas pessoas,
no entanto, acaba incorrendo no erro de continuar afirmando os aspectos acima
apontados e, dessa forma, desrespeita a identidade das travestis. Essas ideiam
baseiam-se na

[...] ideologia neoliberal — veiculada pela mídia, em certos meios de


comunicação como o rádio, a TV, a internet e revistas de grande
circulação — falseia a história, naturaliza a desigualdade, moraliza a
“questão social”, incita o apoio da população a práticas fascistas: o
uso da força, a pena de morte, o armamento, os linchamentos, a
xenofobia (BARROCO, 2011, p. 208).

É importante salientar que essas questões são fruto dos fundamentos


conservadores imbricados no patriarcado, que se relacionam na violência contra as
travestis. Além do que trata-se de um cenário mundial de crise que repercute nas
relações sociais, a partir do individualismo e da reprodução de práticas fascistas e
intolerantes como aponta a autora.
145

Para Saffioti (2004, p. 123):

Em outras palavras, os preconceituosos – e este fenômeno não é


individual, mas social – estão autorizados a discriminar categorias
sociais, marginalizando-as do convívio social comum, só lhes
permitindo uma integração subordinada, seja em certos grupos, seja
na sociedade como um todo.

De tal modo, a partir do pensamento de Saffioti (2004), compreende-se que a


questão das relações patriarcais de gênero, ligadas ao cenário contemporâneo, têm
implicações diretas na vida da população LGBT, em especial das travestis e das
transexuais. As subordinações que a população Trans* vivencia – especialmente na
relação de inserção no sistema produtivo – fazem parte de um contexto marcado
pela insegurança e pelo avanço das práticas fundamentalistas, expressas em
índices alarmantes nos dados supracitados.
Diante dessa barbárie apreende-se que: “numa sociedade de raízes culturais
conservadoras e autoritárias como a brasileira (CHAUÍ, 2000), a violência é
naturalizada; tende a ser despolitizada, individualizada, tratada em função de suas
consequências e abstraída de suas determinações sociais” (BARROCO, 2011, p.
208).
Em meio à violência letal contra as travestis, aperfeiçoa-se a complexidade
que perpassa sua realidade social. No processo de pesquisa são identificados
outros problemas além da violência física. As opressões e explorações contra as
travestis identificadas são expressões e modalidades de violência transfóbica:
precarização subjetiva, policiamento, assédio moral, assédio sexual.
Das muitas formas de fragilidade identificadas nos espaços de trabalho das
travestis – sobretudo no que tange à violência –, o assédio sexual e o assédio moral
apresentam-se como as maiores expressões, no que se refere as violações de
direitos no âmbito da divisão sexual do trabalho, fato expresso em alguns
depoimentos.
É no espaço de trabalho – público ou privado – que ocorre o assédio moral,
um fenômeno marcado pela desigualdade social, um crime que sucede por meio das
relações hierárquicas, “o importante é compreender que o assédio moral se
caracteriza pelo abuso de poder repetida e sistematizada” (DINIZ, 2014, p. 226).
O abuso de poder ocasionado induz a degradação das relações no âmbito do
trabalho, além de originar diversas consequências para a vítima do assédio. O
146

assédio contra a população Trans* é parte de uma realidade que afeta muitas
travestis, caso da professora Luiza Coppieters em São Paulo, que ganhou
visibilidade. “Luiza conta que logo depois da transição, ocorrida em 2014, seu
espaço e atuação dentro da escola foram gradualmente sendo delimitados. Ela
sofreu cortes de número de aulas e a diminuição de seu salário, o que inclusive é
crime trabalhista” (REVISTA FÓRUM, 2015)88.

Em especial nós travestis, mulheres transexuais e homens trans,


temos sido perseguidos implacavelmente nas instituições
educacionais, seja como alunos ou como professores. Quando
somos crianças, somos alvos fáceis das mais diversas violências,
inclusive física no ambiente escolar, o que torna muitas vezes
impossível a frequência nas aulas. A evasão escolar da população T
é dramática e infelizmente não temos estatística que nos forneça
números reais. Somos invisibilizad@s e excluíd@s até nisso. Mas
basta constatar empiricamente o grande número de pessoas Ts, em
especial travestis, que mal tem o ensino fundamental, e vivem de
subempregos ou da prostituição. (Professora Luiza, In. Revista
Fórum, 2015)

Com a pesquisa de campo identificou-se nas falas um caso de assédio moral


e sexual; tal prática está ligada ao preconceito, ao machismo e ao conservadorismo.
O seguinte depoimento apresenta Claúdia Wonder, uma travesti que sofreu assédio
moral no seu emprego formal, em um salão de estética quando era funcionária. No
decorrer da entrevista fica explícito que a exigência por parte de sua patroa
configurava-se como uma modalidade de assédio configurado também como
preconceito:

Pesquisador: Cláudia você já sofreu algum assédio moral? Como foi?

Sim já, ave Maria, já trabalhei aqui num salão que ela exigia que eu
vestisse roupa de “homem” e eu pensava “ai meu pai do céu”, mas
quando era no sábado só de ruim eu pegava colocava meu shortinho
curtinho e ia trabalhar, ela ficava se cortando, pra completar o marido
dela bateu uma foto do meu bumbum aí só foi a treva, mas eu
aguentei até um certo momento...

Em linhas gerais, o depoimento de Claúdia Wonder possibilita-se apreender


algumas dimensões do assédio moral. Primeiro, identifica-se que trata de uma
expressão violenta, conforme a entrevistada tinha de ocultar sua identidade no

88 Reportagem “Colégio Anglo é denunciado por Transfobia” por Leo Moreira Sá, no Jornalistas
Livres. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/2015/07/24/colegio-anglo-e-denunciado-por-
transfobia/. Data de acesso dia 14 de janeiro de 2016.
147

ambiente de trabalho, usando roupas tidas como “masculinas”, para não perder o
emprego. Segundo sua empregadora não permitia visibilidade da identidade de
gênero travesti naquele local. Terceiro, constatou-se que tal atitude caracteriza-se
por ser constrangedora, vexatória, humilhante e preconceituosa; uma relação de
poder entre patroa e trabalhadora. Dificilmente Claúdia iria se contrapor a essas
atitudes, pois necessitava da remuneração, que durante um tempo economizou para
montar seu próprio empreendimento e sair dessa situação. Ela conta como:

Não denunciei. Fui juntando meu dinheiro, um dia saio daqui, um dia
saio, no último dia peguei o shortinho, uma blusinha e fui lá aí ela
falou =eu não quero você assim aqui – aí eu falei – “pois pode
arranjar um cabelereiro ou uma cabelereira porque eu uso e não vou
trabalhar mais aqui vou abri o meu salão”, até hoje ela nunca veio
aqui no meu salão, ela bem poderia ficar feliz, mas não e diz que é
minha amiga (CLAÚDIA WONDER – CABELEIREIRA).

Diante da complexidade que envolve a expressão do assédio, são muitas as


formas de realização desse tipo de violência, inclusive de controle sobre o corpo. Se
as mulheres cis são principais alvos desse tipo de violência, para as travestis são
mais aviltantes, pois a sociedade machista produz diversos elementos de opressão:

A luta para nos encaixarmos no padrão feminino cis (coisa que nos
faz ser acusadas de “reproduzir estereótipos de gênero”) é a forma
que encontramos para diminuir a violência a que estamos sujeitas:
quanto mais sucesso tivermos nisso, mais deixaremos de ser alvo da
transfobia para sê-lo apenas da misoginia (MOIRA, 2016)89.

Assim, são distintas as formas de preconceito e de discriminação contra as


Trans* geradas pelas “relações patriarcais de gênero”, a inserção precária no
mercado, os baixos salários, o fato de que em tempos de crise serem as primeiras
demitidas – formas degradantes que atingem esse contingente, além do assédio
sexual nesses espaços de trabalho.
A hierarquia no espaço de trabalho é uma das formas de dominação que
beneficia o agressor. Em muitos casos, aproveita-se de seu status hierárquico; o
caso de muitos patrões, empresários, gerentes, que encontram como situação
facilitadora para o assédio, pressionando suas vítimas mediante as chantagens.
Esse tipo de violência não restringe-se exclusivamente às mulheres cis. Como

89MOIRA, 2016: Senão Nossos Corpos. Disponível em: <http://transfeminismo.com/senao-nossos-


corpos/>. Acesso em: 15 de junho de 2016.
148

demonstraram relatos da pesquisa de campo, as travestis também são vítimas


dessa modalidade de violência, como expresso na seguinte fala:

Sim do marido da minha patroa. Ela ficava se tremendo de raiva com


o marido dela quando ele estava lá, ele ficava me olhando, uma vez
ele foi me olhar de fio dental, quando eu estava no banheiro ele foi lá,
eu falei: pelo amor de Deus saia daqui, não quero confusão com
ninguém, não... (CLAÚDIA WONDER – CABELEIREIRA).

Claúdia Wonder hoje é trabalhadora autônoma. Contudo, conforme relato, já


trabalhou em um salão de cabelos no centro da cidade do Natal, no bairro Cidade
Alta. Foi nesse espaço de trabalho que sofreu diversos tipos de violência, o
preconceito e o assédio moral da sua patroa, bem como o assédio sexual do marido
da proprietária do salão. Segundo a entrevistada, sua patroa já percebia os olhares
que seu marido lançava à Cláudia. Até que um dia, no final do expediente, Claúdia
estava no banheiro quando percebeu o marido de sua patroa observando-a.
A situação apresentada por Claúdia é classificada como assédio sexual,
configura-se pelo constrangimento e pela humilhação causada nos espaços de
trabalho. As formas de assédio são múltiplas, variando entre cantadas, olhares e
insinuações do agressor com o intuito de obter proveitos sexuais.
Como apresenta a cartilha do Ministério do Trabalho, “a intenção do
assediador pode ser expressa de várias formas. No ambiente de trabalho, atitudes
como piadinhas, fotos de mulheres nuas, brincadeiras consideradas de macho ou
comentários constrangedores sobre a figura feminina” (BRASIL, 2010), ou na forma
de olhares, como apontou Claúdia Wonder.
No Brasil, a única norma jurídica que torna crime e pune o assédio sexual é a
Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que apresenta o assédio sexual no Art. 216 – A:
“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerente ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista no caso de
assédio sexual é de 1 a 2 anos de detenção.
São muitas as consequências para as vítimas do assédio sexual: traumas
psicológicos, sentimento de humilhação, impotência – que levam, em alguns casos,
a depressões –. Esses são os aspectos que considerou-se como formas da
precarização subjetiva que atinge as mulheres e as travestis; uma situação que
149

configura-se a partir de mecanismos de sexagem, como apresentou Guillaumin


(1978).

3.5 As faces da opressão Transfóbica: as negações dos direitos e o


ocultamento da Identidade de Gênero Trans* no Mercado de Trabalho

A incerteza, o medo de perder o trabalho, o auto controle, o silêncio, a falta de


socialização com outros trabalhadores, o desrespeito cotidiano à identidade, a
proibição de usar o banheiro feminino, os olhares inquisidores e o ocultamento da
visibilidade foram algumas das dimensões encontradas na pesquisa de campo com
as travestis. Essas modalidades da instabilidade do trabalho são consideradas
formas de opressão que impactam o cotidiano das travestis:

[...] o sentimento de não estar “em casa” no trabalho, de não poder


se fiar em suas rotinas profissionais, em suas redes, nos saberes e
habilidades acumulados graças à experiência ou transmitida pelos
mais antigos, é o sentimento de não dominar seu trabalho e precisar
esforça-se permanentemente para adaptar-se, cumprir objetivos
fixados, não arriscar-se física ou moralmente (no caso de interação
com usuários ou clientes) (LINHART, 2014, p. 47).

Os relatos das travestis que trabalhavam formalmente apresentaram um


sentimento de não pertencimento. No decorrer da pesquisa, foram identificadas
questões relacionadas à saúde – principalmente, à saúde mental. Todas as
opressões, estigmas, preconceitos, explorações que as travestis sofrem, fora e
dentro do espaço de trabalho, estão ligadas a opressões psicológicas que interferem
na subjetividade, mediante diversos fatores – a invisibilidade do corpo, por exemplo
– denominados precarização subjetiva.
Diante dessa situação, uma das premissas presentes no decorrer das
entrevistas foi a importância do reconhecimento do nome social – reivindicado por
elas como parte integrante da identidade de gênero –, relatado pelas travestis que
participaram desse estudo na forma do constrangimento e das humilhações que
cotidianamente enfrentaram. A negação a esse direito impacta de forma negativa na
subjetividade delas. Em alguns casos, as entrevistadas relataram que necessitaram
exigir que respeitassem o nome social, como podemos observar no relato a seguir:
150

Pesquisador – suas colegas de trabalho te tratam pelo nome social?

Sim, porque eu exigi isso, eu pedi respeito. Quando eu cheguei


somente uma pessoa me recebeu muito bem que hoje eu tenho ela
até como uma grande amiga, e a primeira impressão é a que fica só
que as outras eu fui conquistando aos poucos, mas só que é aquela
coisa que por trás algumas ficam falando, mas hoje em dia me
respeitam e me chamam por Jovana (JOVANA CARDOSO –
TÉCNICA DE ENFERMAGEM).

De acordo com Próchono e Rocha (2011), o nome faz parte da identidade


social dos indivíduos. É por meio dele que se constroem personificações, tendo
como objetivo a proteção de cada identidade pessoal. Assim, a sociedade, por viade
diversos mecanismos jurídicos, construiu símbolos de classificações de categorias
que dão significado aos sujeitos. O nome também faz parte de uma ordem
contraditória da afirmação dicotômica dos indivíduos sociais, fazendo parte da lógica
de inteligibilidade dos gêneros.
Assim, as relações patriarcais de gênero estabelecem esses mecanismos
classificatórios de uma realidade construída de modo binário, inclusive dos símbolos;
se “nasce” macho, receberá um nome masculino, e se "nasce” fêmea, terá um nome
feminino. De tal maneira, a sociedade exige uma linha de coerência entre sexo,
gênero e sexualidade.
Nessa ordem de problematizações acerca do nome social, Camille Cabral
apresentou uma reflexão sobre a conjectura da formação binária dos nomes. Para
ela, o nome é uma questão problemática. Conforme o relato, mesmo em alguns
casos (como as amigas que tiveram a mudança de nome nos documentos) os
familiares e amigos não respeitam tal fato. A entrevistada foi questionada se as
pessoas respeitavam o nome social que reivindicava:

Me amam até demais, minha mãe até então ela não me chama, é
muito difícil, eu já vi várias amigas minhas que mudaram o nome no
RG, que são “operadas”, mas que as mães não conseguem chamar
pelo nome social feminino. Eu não ligo não, pela minha família ligo
não, é mais constrangedor fora, as vezes o nome é muito relativo,
você denominar uma pessoa por conta de um nome, um artigo “o” ou
“a”, tem tantos bichos que tem um nome só e que são machos e
fêmeas tipo jacaré é macho ou fêmea, é um jacaré, cobra é macho
ou fêmea e a gente tem de definido por um “o” ou um “a”, um
binarismo muito forte, e tem tantos nomes de pessoas que é
151

masculino ou feminino e tem um gênero né? Tem nomes de homens


que são também femininos, eu conheço vários como Richele, eu
conheço um menino que é Richele e uma menina que é Richele e aí?
(CAMILLE CABRAL – CABELEIREIRA).

O depoimento de Camille Cabral instiga muitas reflexões sobre a


problemática do nome social. A primeira delas é que o nome, como um aspecto
jurídico de reconhecimento da capacidade civil dos indivíduos, torna-se motivo de
conflito quando se fala de pessoas que colocam em desordem as atribuições
binárias de gênero como aponta Próchono e Rocha (2011), desordem no sentido
que essas pessoas desestabilizam a ordem das relações patriarcais de gênero ao
darem visibilidade a identidade travesti e/ou transexual.
A segunda trata do processo de higienização que essas pessoas sofrem no
Brasil, principalmente quando se reconhecem como travestis, de modo que
enfrentam maiores dificuldades para terem aceito o nome social. Grande parte das
travestis que não desejam a cirurgia de transgenitalização enfrentam dificuldades na
mudança do nome social. Como aponta Benedetti (2005) as travestis, por não se
fixarem numa identidade de gênero como as/os transexuais em “masculina” ou
“feminina”, enfrentam maiores obstáculos no reconhecimento do nome social:

A mudança do nome civil aparece de maneira mais problemática


para as travestis do que para as transexuais, uma vez que os
tramites legais para a mudança do nome ainda se relacionam a uma
suposta necessidade de coerência entre sexo, gênero e natureza
biológica, remetendo a alteração do nome a causas psicopatológicas
(PRÓCHONO E ROCHA, 2011, p. 259).

Por que o desrespeito ao nome social torna-se um aspecto da precarização


subjetiva que atinge esse segmento? Primeiro, porque fere a dignidade dessas
pessoas de serem respeitadas e reconhecidas com a identidade de gênero que elas
dão visibilidade. Segundo, por reproduzirem a opressão de gênero ao afirmarem o
nome que não as pertencem, gerando, assim, constrangimento, perda da
autoestima, humilhação, sentimento de abandono e isolamento.
Do mesmo modo, essa “precariedade subjetiva” se expressa na vida das
travestis que foram entrevistadas como é o caso da Jovanna, enfermeira concursada
pelo Estado, atuando em um hospital na Zona Sul do Natal. Jovanna,
cotidianamente enfrenta, ao chegar no hospital, a opressão de ver seu nome civil
estampado na escala de plantão hospitalar. A mesma relatou que, ao chegar no
152

espaço de trabalho, suas colegas a respeitavam como Jovanna, no entanto, a


direção exigiu uma declaração afirmando que ela era travesti:

Pesquisador – seu nome social é respeitado no local de trabalho?

Não, ainda não, vou ver se vou na secretária como levo mais o
tempo no trabalho, estou esquecendo essa questão que é mais
importante o meu nome, porque na minha escala está vindo o meu
nome do registro. Então é constrangedor quando vem na minha
escala o nome que nem gosto, em vez de vir Jovanna vem fulano.
Fica exposto para minhas colegas, tem gente que me conhece como
Jovanna que não sabe que é fulano... oxe quem é essa pessoa? Aí
as pessoas precisam explicar... e no começo que eu ficava me
perguntando – como me apresento? Apresento meu nome como?
Agora não, quando alguém liga eu falo – meu nome é Jovanna eu
me identifico mesmo pelo meu nome, eu acho que no meu trabalho
eu não preciso dar satisfação a todo mundo (JOVANNA CARDOSO
– TÉCNICA DE ENFERMAGEM).

Diferentemente da Argentina, o Brasil não possui lei de identidade de gênero


em que o Estado reconhece as identidades Trans* e o seu nome social. Há apenas
a Portaria do SUS Nº 1.82027, de 13 de agosto de 2009, que dispõe sobre o direito
que a população Trans* tem de usar o nome social no SUS.

FIGURA 5: Campanha Nome Social SUS.

FONTE: http://agenciaaids.com.br/home/noticias/noticia_detalhe/20471#.VpfqCRUrLIU
153

Como assinala Litardo (2013), a Lei de Identidade de Gênero na Argentina


trouxe implicações no sentido de combater as violências institucionais que o
segmento Trans* sofreu, historicamente, acerca dos seus direitos no país, sobretudo
no reconhecimento de suas identidades. Mediante a organização do movimento de
Travestis e Transexuais conquistaram a lei como uma forma desjudicialização e
despatologização dessas identidades.
No Brasil, quando se é feita a cirurgia de transgenitalização, é permitida a
mudança do nome civil para o nome social no registro de nascimento. Em raras
exceções é permitida, também, a mudança sem a cirurgia a depender do juiz que
pegou o processo, que não seja transfóbico.
Nesse sentido, os resultados apresentados nesse capítulo são fruto de
análises obtidas por intermédio de interlocuções teóricas; pesquisa de campo;
análises documentais fomentadas a partir de um pensamento crítico orientado pelo
materialismo histórico dialético. Ressalta-se a importância a partir dessa perspectiva
teórica para a apreensão da realidade, pois, nessa perspectiva, desvendaram-se os
processos históricos e as contradições da sociedade que repercutem no objeto de
estudo pesquisado.
De tal maneira, as transformações contemporâneas no mundo do trabalho,
advindas da crise estrutural do capital, ensejam diversas consequências para as
sujeitas que participaram desse estudo, as travestis. No entanto, como apontado,
não são apenas os fatores econômicos que reincidem nesse ambiente de
instabilidade, mas de diversos determinantes sociais, políticos, culturais e
ideológicos que incidem nas condições de vida e de trabalho das travestis na
sociedade brasileira, em especial na cidade do Natal.
Como bem aponta Konder (2004), o materialismo histórico dialético permite a
análise e o reconhecimento dos diversos determinantes para que, assim, não se
caia na perspectiva de determinismo econômico que dificulta o pensamento crítico e
revolucionário, ou se enveredar por perspectivas que, muitas vezes, reproduzem
estruturas conservadoras na forma do neoconservadorismo. Nesse sentido,

Mesmo parte da perspectiva crítica, a esquerda tradicional e alguns


projetos que tem determinações economicistas, consideram as
questões de gênero subordinadas a superação da ordem do capital,
sem considerar que a sua superação exige não só a superação da
154

exploração de classe, mas de todas as explorações e opressões que


atravessam as classes e que em razão da própria luta de classes são
reiteradas pelo projeto hegemônico vigente. Um projeto fundado na
igualdade sem também salientar classe e gênero pode ter uma
perspectiva individualista, e fragmentadora da classe que vive do
trabalho (FROEMMING, 2008, p. 115).

Diante dos múltiplos desafios, das violações de direito e da violência na


realidade brasileira, em especial na cidade do Natal, essa população passou a se
organizar organicamente, pautando, mediante organização do movimento de
travestis, transexuais e transgêneros algumas demandas de lutas abordadas no
tópico a seguir.
Assim, como percurso teórico-metodológico, no próximo capítulo, será
analisado como as travestis têm pautado a luta por políticas públicas de acesso ao
trabalho. Dessa forma, será feita uma análise dos principais programas de acesso
ao trabalho para a população Travesti, que passaram a ser desenvolvidos durante
os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (de 2003 a 2010) e o primeiro
governo da presidenta Dilma Rousseff (de 2010 a 2014).

4. “TÁ PENSANDO QUE TRAVESTI É BAGUNÇA?”: A ORGANIZAÇÃO


POLÍTICA DAS TRAVESTIS E A LUTA POR POLÍTICAS PÚBLICAS DE
TRABALHO E RENDA PARA POPULAÇÃO TRANS*.

“Não temos qualificação, a família expulsou e o mercado de trabalho


não acolhe. Dessa forma, não existe condições concretas que
possam possibilitar a inserção da nossa população na sociedade. A
Prefeitura de São Paulo ter aberto seus olhos e conseguido enxergar
a precariedade que nos ronda, com certeza, tende e já está mudando
a vida de muitas. Acredito que esse é resultado de darmos
visibilidade às nossas vivências trans/travesti”

(Maria Clara – Ativista Trans*)90.

Diante das complexas relações sociais marcadas por preconceito,


discriminação e inúmeras injustiças praticadas contra as travestis e transexuais, tais

90 “A universidade precisa ter ‘cara de povo’, afirma ativista Trans”. Disponível em:
<http://www.revistaforum.com.br/semanal/universidade-precisa-ter-cara-de-povo-afirma-ativista-
trans/>. Acesso em: 25 de julho de 2016.
155

sujeitas apresentam características específicas enquanto identidades de gêneros


que desconstroem o binarismo posto pela forma cissexista de sexo/gênero na
sociedade, ou seja, em face dos enfretamentos, mostram que estão resistindo
enquanto segmento que faz história no Brasil – marcado por inúmeras violações.
Neste sentido, nos capítulos anteriores foi possível observar alguns aspectos
do debate das relações patriarcais de gênero como parte fundante no processo em
que se acirra a desigualdade social e os seus rebatimentos para as travestis,
principalmente na inserção precária desse segmento no mundo do trabalho e, em
especial, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte.
Mesmo diante de complexas relações de trabalho perpassadas por um
contexto de avanço de regressão de direitos, recrudescimento da barbárie,
agravamento da questão social e degradação da vida humana, têm-se diversos
movimentos sociais como organizações coletivas de resistência e enfrentamento
frente a tais expressões, quais sejam: sindicatos, partidos de esquerda, movimento
feminista, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), movimento estudantil
etc.
Assim, no presente estudo, como segmento organizado, apresenta-se o
transfeminismo, as diversas redes de travestis e transexuais e a defesa dos direitos
da população Trans* organizada em torno da Associação Nacional de Travestis e
Transexuais (ANTRA).
Logo, no capítulo em questão, fez-se uma análise da agenda política do
movimento Trans* no Brasil em relação ao enfrentamento das violações de direitos
no mundo trabalho, discorrendo o surgimento do movimento, em especial, da
ANTRA como organização política das travestis e transexuais do Brasil, pois,
“sabemos que só é possível conhecer algo se o inserirmos na história de sua
formação, ou seja, no processo pelo qual se tornou o que é” (IASE, 2011, p. 10). E
ainda, têm-se, também, os principais desafios desse movimento diante da
conjuntura brasileira.
Com a organização política, as travestis, em nível nacional, conquistaram
algumas políticas públicas de acesso ao trabalho, de modo que aqui se tem uma
análise dos principais programas de acesso ao trabalho para a população de
travestis e transexuais, desenvolvidos durante os governos do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010) e do primeiro governo da presidente afastada Dilma
Rousseff (2010-2014). Além disso, discorreu-se aqui uma crítica do fundo público e
156

do orçamento destinado às políticas de promoção da “cidadania” da população


LGBT, de modo, a saber, como a crise estrutural do capital afeta diretamente as
políticas públicas destinadas às travestis e transexuais.

4.1 “Travesti é a Própria Bandeira”: surgimento do Movimento Trans* no


Brasil

FIGURA 6: Onde estavam as Travestis Durante a Ditadura Militar?

Fonte: Foto de Juca Martins. Fonte. http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2015/04/05/onde-


estavam-travestis-durante-ditadura/

No presente tópico tem-se uma apresentação da gênese do movimento


Trans* (especificamente das travestis e mulheres trans) no Brasil, a partir de sua
compreensão no processo histórico da realidade brasileira, ao passo que se expôs
os principais elementos históricos no sentido de trazer a importância e a resistência
de luta das travestis organizadas coletivamente na sociedade brasileira, observando
a atual agenda sobre as políticas públicas de trabalho, uma vez que “a questão
social se expressa em suas refrações e, por outro lado, os sujeitos históricos
157

engendram formas de enfrentamento”, como, por exemplo, a organização das


travestis nas suas particularidades no Brasil (BEHRING, BOSCHETTI, 2010, p. 52).
As pautas e lutas em torno da agenda do trabalho para as Trans* perpassam
um caminho árduo e, assim, como forma de construção dessa análise, fez-se uso de
bibliografias acerca da referida temática – que ainda vem sendo construída. Neste
sentido, é preciso ressaltar que ainda são escassas as referências que tratam do
processo de construção do movimento Trans*.
Para enriquecer o debate, os dados obtidos da entrevista realizada com a
presidente da ANTRA, a senhora Cris Stefanny, ocorrida durante a I Semana de
Debates da Política Nacional de Saúde Integral da População LGBT, que foi
promovido pela Organização Não Governamental (ONG) Atransparência, em Natal,
nos dias 27 a 29 de julho de 2015.
De fato, no que se refere ao processo de reivindicação por políticas públicas
de trabalho e renda para as travestis e as respostas do Estado, é preciso situar
historicamente o conjunto de determinações de caráter social, econômico e político
que incide este na realidade brasileira.
Parte-se da conjuntura dos anos 1960 e início dos 1970, em uma dimensão
para além do econômico, no Brasil e em alguns países da América Latina, onde se
tem algumas experiências de governos autocráticos – nos termos de Gramsci
(2007), um Estado restrito e uma forte opressão desse Estado frente às
manifestações sociais e políticas.
Durante tal período, identificaram-se fortes perseguições contra as mulheres
de esquerda, muitas com histórias desconhecidas até hoje, como é caso de travestis
que resistiram aos processos higienistas durante a ditadura.

Por causa da repressão generalizada do regime pós-1964, que


dificultava qualquer possibilidade de organização de gays, lésbicas e
travestis nos anos 1960 e no começo dos anos 1970, não surgiu uma
rede bem-estruturada de ativistas para monitorar a situação,
documentar as violações de direitos humanos quando elas ocorreram
e mesmo fazer as denúncias públicas; afinal, a censura não permitia
esse nível de liberdade de expressão e de ação política (CNV, 2014,
p. 300).

De acordo com Vieira (2015), os dados referentes à resistência das travestis


durante a ditadura militar são poucos e, durante os anos pós-período autocrático,
158

foram tecidas narrativas que apresentam o significado histórico e político daqueles


que contribuíram na luta pela democracia, inclusive a população travesti.
Durante um longo período, a história apresentou hegemonicamente relatos de
homens que fizeram parte da luta de resistência ao Estado autocrático. A história de
oposição foi contada por homens que resistiram à barbárie da repressão imposta
pelos militares, dando pouca visibilidade ao contingente feminino, que resistiu
enquanto coletivo que contribuiu para o processo de construção da democracia no
Brasil.

Nós aprendemos a lê-la e conhecê-la a partir de narrativas de heróis:


Carlos Marighela, Vladimir Herzog, Frei Tito, e tantos outros nomes,
que nos surgem em narrativas (merecidamente) heroicas de luta pela
democracia. Aos poucos, a história começa a nos contar nomes de
mulheres, um trabalho árduo de pesquisadoras e feministas que
olham novamente para aquele período e se perguntam: Onde
estavam as mulheres? Assim surgiram nomes de mulheres vitais na
luta contra o Regime Militar de 64: Amélia Teles, Ana Maria
Aratangy, Crimeia de Almeida, Nildes Alencar, Maria Aparecida
Contin, entre outras. Mulheres que foram invisibilizadas pelos relatos
hegemônicos (masculinos) do período, mas que têm surgido como
nomes importantes na luta pela redemocratização do país (VIERA,
2015)91.

Neste sentido, pesquisas como as de Colling (1997) e Helena Viera (2015)


tiveram por intuito identificar a história da resistência das mulheres durante o
processo de ditadura militar no Brasil, sobretudo, da participação travestis durante
tal período. Tais estudos contribuem na apresentação e ampliação da história
dessas sujeitas, que tiveram participação política frente à algumas questões
importantes, como, por exemplo, a contracultura e a repressão da sexualidade.
Têm-se, portanto, outras dimensões da luta naquele momento de forte
repressão, que negava as pautas das mulheres, pois, “a mulher que ousou invadir o
espaço político masculino não é bem vista pela sociedade. As próprias organizações
de esquerda reproduzem o discurso dominante de que o poder político é masculino”
(COLLING, 1997, p. 112), apesar de que atualmente, com o processo de resistência
dos movimentos sociais feministas e transfeministas, tais espaços estejam mudando
de concepções.

91CF: Onde Estavam as travestis durante a Ditadura?


http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2015/04/05/onde-estavam-travestis-durante-
ditadura/. Acesso dia 20/04/2016.
159

Alguns segmentos da sociedade civil organizada que contestaram a ordem


até então estabelecida pelos governos de ditaduras militares do grande capital
sofreram diversas consequências por se contraporem à ordem instituída pelos
ditadores. Neste ínterim, ocorre o fortalecimento dos movimentos sindical e
estudantil e o surgimento de reivindicações sociais, englobando outras pautas,
como, por exemplo, os movimentos ambientalista, estudantil, feminista e
homossexual na luta pela redemocratização do País.
Muitas das militantes que resistiram foram brutalmente torturadas e até
mesmo assassinadas, com seus corpos desaparecidos, conforme o relato de muitos
estudiosos. Além dos objetivos políticos muitas questões (a expressão da
afetividade e sexualidade, por exemplo) foram reprimidas durante o processo de
autocracia no Brasil, inclusive de militantes que se organizavam em partidos de
esquerda.
O relato a seguir apresenta como o processo de ditadura trazia diversos
limites para a visibilidade da diversidade sexual:

Herber Daniel (Herbert Eustáquio de Carvalho), como nos relata o


historiador James Green, brasilianista da Brown University, que por
ser um homem gay, teve de esconder sua sexualidade para poder
pertencer ao coletivo de luta anti-golpe, uma vez que a figura do
homossexual, era tão apagada, desprezada e temida, que nem
mesmo nos meios de esquerda eles eram aceitos. O homem gay
afeminado não “combinava” (cof) com a Revolução, havia,
obviamente, um ideal de corpo revolucionário – este era geralmente
viril, forte, másculo, heterossexual, cisgênero -, e não um corpo
“degenerado”, “perverso”, “doentio” e “afeminado” (VIERA, 2015).

A sexualidade tinha sua dimensão apagada e, quando não era expressa na


sua na relação heterossexual, esses sujeitos viam-se como pessoas anormais,
assim, o limite das organizações de esquerdas era que pautava-se por elementos
com base no determinismo econômico. De fato, a luta de classes e a transformação
social tinha por base a superação econômica. Assim, dada a conjuntura dos anos
1970, a crise estrutural do capital rebateu em diversas esferas da vida social. Foi um
período de fortes enfrentamentos, inclusive, na esquerda, com diversos desafios e
obstáculos a serem enfrentados, como, por exemplo, o machismo.
Além das complexas questões expostas com o processo de ditadura militar,
tinha-se ali o marco de uma grande crise estrutural do capitalismo. Logo, o capital
160

atuou com o desenvolvimento de diversas estratégias para a retomada e


manutenção das taxas de lucratividade, tais como: a reestruturação produtiva, a
desmobilização da classe trabalhadora, a financeirização da economia e o
espraiamento das políticas neoliberais (BEHRING, 2003). É possível compreender,
portanto, que o momento histórico tinha diversos desafios que perpassavam os
campos da economia, política, cultura e sociedade.
No processo de espraiamento das políticas neoliberais, conforme a repressão
política existente, diversos segmentos sociais resistiram na luta pelos direitos sociais
e, pelo enfrentamento, tinham-se as opressões e explorações geradas pelo
processo do colapso dos anos de ditadura militar, sobretudo, pela forma política que
o País era conduzido. A conjuntura dos anos 1960 e 1970 se deram por fortes
agitações políticas, com o fortalecimento do movimento feminista e movimento
homossexual, influenciados pela contracultura.
Além das influências da “segunda onda” feminista nos anos de 1970, o
movimento homossexual incorporou a luta pela democratização do País, como uma
forma de estabelecer relações organizativas. Fez-se uso da formação de alianças
políticas de uma parte da população oprimida para a conquista de direitos e,
principalmente, para o combate ao preconceito e às discriminações contra os
homossexuais. Tal período foi reconhecido como “um tempo de grande
efervescência artística e de contestação cultural no país, culminando no amplo
movimento político de oposição à ditadura, nesse contexto, justamente, irá brotar o
então chamado movimento homossexual92” (SIMÕES, 2010, p. 15).
De acordo com Helena Viera (2015), durante a ditadura militar eram
realizadas verdadeiras caças aos homossexuais e às travestis. É preciso recordar
que durante tal período, a homossexualidade era considera uma patologia. Além
disso, os valores que fundamentavam aquele período histórico tinham por base
visões conservadoras, pautadas na moralidade cristã burguesa, de que os
homossexuais eram doentes.
Assim, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” teve forte
contribuição para a manutenção dos valores conservadores, pautados na defesa da
família heterossexual e da propriedade. Em março de 1964 tal evento se mostrou

92Para uma maior analise do surgimento do movimento homossexual ao movimento de Lésbicas,


Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) no Brasil, cf. a obra Na trilha do
Arco-íris: domovimento homossexual ao movimento LGBT, de Simões e Facchinni (2009).
161

contra o comunismo e em oposição às reformas de base do presidente João


Goulart, ofertando, então, uma exímia contribuição e defesa da ditadura,
corroborando com valores tradicionais e punindo a livre expressão da diversidade
sexual e de gênero.
A Marcha, sem dúvida, materializou os valores hegemônicos em apoio ao
Estado restrito. Logo, tinha-se a legitimação da “violência direta contra as pessoas
LGBT, as violações de seu direito ao trabalho, seu modo de viver e de socializar, a
censura de ideias e das artes que ofereciam uma percepção mais aberta sobre a
homossexualidade” (CNV, 2014, p. 301).
É fundamental explicar que durante os anos 1970 – período de emergência
do movimento homossexual no Brasil –, a categoria “homossexualidade” era
comumente utilizada, de modo que não diferenciava os termos “orientação sexual” e
“identidade de gênero”. Portanto, mesmo com a presença de travestis e transexuais
como identidades distintas em relação a gays e lésbicas (como orientações sexuais),
todos eram considerados homossexuais, sendo possível observar a normatização
das identidades de gêneros durante aquele período histórico – o que ainda se imbui
no senso comum: a confusão existente entre a questão da orientação sexual e a
identidade de gênero. Neste ínterim,

O aumento da participação de mulheres no movimento e a


emergência de uma identidade trans, ou seja, a percepção de uma
identidade de gênero não relacionada com a orientação sexual
trouxe novas configurações identitárias a este movimento. Novas
personagens em cena desejavam o reconhecimento da diferença de
suas identidades, dentro do próprio movimento (IRINEU, 2009, p.
14).

A redemocratização do Brasil durante os anos 1980 reuniu segmentos da


sociedade civil em organizações sociais e políticas, inclusive, o “movimento
homossexual”. Tem-se, portanto, o surgimento de alguns movimentos sociais que se
tornaram expressivos e importantes para diversas lutas no País, como, por exemplo,
algumas organizações de travestis reportadas no presente estudo.
A década de 1980 é conhecida como a “década das incertezas”,
principalmente para o movimento homossexual, que vivia um paradoxo: por um lado
crescia a visibilidade e, por outro, gays e travestis estavam envoltos em alguns
desafios, como, por exemplo, o enfrentamento de uma década marcada pelo avanço
162

do Human Immuno deficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome


(HIV/AIDS), sobretudo, na segunda metade dos anos 1980, onde foi disseminado o
preconceito e o estigma em torno dos indivíduos acometidos pelo referido vírus.
Segundo Simões (2010), tem-se uma onda de matérias sensacionalistas e
preconceituosas, tantos de grupos políticos como religiosos, espalhadas com o
apoio da imprensa em todo o País, e que, consequentemente, espraiam os crimes
contra essa população, incentivando a questão do estigma, do preconceito e da
discriminação LGBTfóbica.
Além da luta contra o avanço do HIV/AIDS e, principalmente, o combate ao
preconceito que associava a epidemia como uma “Peste Gay”, o movimento
homossexual nos anos 1980 também se articulou com alguns sujeitos coletivos (o
Grupo Gay da Bahia e o Triangulo Rosa, por exemplo) em campanha pela
democratização do País, e por uma nova constituinte que tivesse como pauta a
“inclusão da proibição de discriminação por “opção sexual”, posteriormente
renomeada de “orientação sexual”, na constituição” (SIMÕES, 2010, p. 25). Sobre tal
questão, Irineu (2009, p. 59) atenta que:

Após a abertura política, já nos anos 80, outros grupos foram criados
e a constituição do movimento LGBT, na época movimento
homossexual, ganhou outra face. É necessário destacar também o
advento da AIDS, um dispositivo que de inquisidor tornou-se
motivador de luta, e a desestigmatização da AIDS como ―peste gay
passou a ser um pilar central no reconhecimento das questões LGBT
no Brasil. É neste período que os primeiros grupos de ativismo
passaram pelo processo de onguização, justificado na necessidade
de institucionalização para pleito de financiamento, para
desenvolvimento de atividades de prevenção a AIDS.

Uma parte dos movimentos sociais existentes no final dos anos 1980 passa
por refluxos, principalmente transformando-se em ONGs, que apresentam alguns
impactos ideológicos na sociedade no que diz respeito aos futuros projetos
societários que seriam construídos. Tal processo não foge ao movimento LGBT,
uma vez que muitos ex-militantes e ex-políticos deixaram a militância política e
passaram a se organizar em organizações com pautas focalizadas, “apoiadas, em
sua maioria, em fontes de financiamento internacional, não mais estavam coligados
a partidos e a um projeto social e político comum, mas em demandas específicas”
(FONTES; 2010, p. 231).
163

É nesse período que o Brasil foi marcado pela ofensiva das políticas
neoliberais, iniciadas durante o governo do ex-presidente Fernando Collor de Melo
(1989), prosseguindo nos mandatos dos governos do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso (1994 a 2002). Para Harvey (2008), o neoliberalismo é, em
primeiro lugar, uma teoria das práticas políticas-econômicas que propõem o bem-
estar humano, pelo fomento às liberdades e capacidades empreendedoras, sob um
viés da mercantilização, de estruturas pautadas na propriedade privada e no livre
comércio.
É nesse ideário que a governabilidade brasileira executa uma forte
contrarreforma do Estado, sob especulação do capital, que incidiu, inclusive, na
fragmentação e despolitização de muitos partidos políticos, sindicatos e movimentos
sociais. Neste sentido, o movimento LGBT, durante o período mencionado,
experimenta uma forte institucionalização por meio das ONGs, principalmente com
trabalhos voltados para pautas específicas, como, por exemplo, o combate ao
HIV/AIDS (IRINEU, 2009).
A partir da “neoliberalização”, conforme Harvey (2008), tem-se a
intensificação da ofensiva que atinge, de diversos modos, a vida social – a
“mercantilização de tudo” –, principalmente na defesa intransigente da propriedade
privada e uma forte desumanização das relações sociais, pautadas em uma esfera
do crescimento econômico.
Como consequência das relações apontadas, o Estado acaba criminalizando
movimentos sociais que se encontram na resistência, mercantilizando determinados
direitos, quais sejam: educação, saúde, previdência social, assistência social e
segurança. Além disso, ocorre “a mercadificação da sexualidade, da cultura, da
história, da tradição; da natureza como espetáculo ou como remédio; a extração de
renda monopolista da originalidade; da autenticidade e da peculiaridade” (HARVEY,
p. 179, 2008).
Diante da uma conjuntura complexa em termos políticos e econômicos as
travestis e transexuais passaram a se organizar organicamente na perspectiva de
movimento social organizado. A partir dos anos 1990, principalmente com a
organização desse segmento em torno do combate ao HIV/AIDS, as travestis e
transexuais organizaram o primeiro Encontro Nacional de Travestis e Transexuais
que Atuam na Luta contra a AIDS (ENTLAIDS).
164

De acordo com Carvalho (2011), a primeira organização de travestis da


América Latina foi a Associação de Travestis e Liberados do Rio de Janeiro
(ASTRAL), organizada em 1992, que tinha como objetivo a luta contra a violência
praticada pela polícia a esse segmento, principalmente aquelas que viviam da
prostituição nos bairros cariocas da Lapa, Copacabana e outros espaços. As
travestis sofriam diversas ameaças e abusos por parte da polícia, onde
frequentemente eram presas sem nenhuma justificativa. A referida Associação ainda
tinha como objetivo a luta contra o HIV/AIDS.

O apoio para a criação da ASTRAL veio de um projeto de prevenção


das DST e AIDS chamado “Saúde na Prostituição” que realizava
reuniões com profissionais do sexo no Instituto Superior de Estudos
da Religião (ISER), local onde passaram a se realizar as reuniões da
associação. A influência das políticas públicas de combate a
epidemia da AIDS parece ter sido crucial também na constituição das
outras organizações de travestis que surgem nos anos seguintes
(CARVALHO, 2011, p. 27).

As primeiras bandeiras de luta do movimento Trans* no Brasil nasceram por


auxílio de duas expressões sociais: o enfrentamento à violência policial e o combate
ao HIV/AIDS – duas pautas limitadas, marcadas, na época, por determinantes
sociais. Ademais, como aponta Carvalho (2011), esse modelo de organização era
expresso em diversas organizações e associações de travestis e transexuais na
realidade brasileira, a exemplo da primeira Casa de Apoio Brenda Lee93, que atendia
indivíduos com HIV/AIDS na cidade de São Paulo.
Neste sentido, foi com a ASTRAL que se organizou o I Encontro Nacional de
Travestis e Transexuais que Atuam na Luta contra a AIDS (ENTLAIDS), em 1993, na
cidade do Rio de Janeiro. O encontro foi importante, uma vez que promoveu o
surgimento de diversas organizações e associações nas mais variadas regiões do
Brasil. Pouco a pouco, o movimento Trans* estava germinando no Brasil e, assim,
“começava a se constituir um movimento nacional de travestis através da criação da

93 “A Casa de Apoio Brenda Lee é uma entidade civil de caráter beneficente, sem fins lucrativos, que
acolhe o público GLBTT (Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Transgêneros) portadores de
HIV/AIDS. Para casos de pessoas deste grupo que estejam sem moradia fixa, sem tratamento de
saúde adequado e sem condições de manterem-se sozinhas, a Casa de Apoio Brenda Lee pode
ajudar. As pessoas que desejam ter o nosso apoio devem conversar com um assistente social ligado
à Casa de Apoio para serem atendidas”. Disponível em: http://www.casabrendalee.org.br/#!sobre-
nos/aboutPage. Acesso dia 19 de julho de 2016.
165

Rede Nacional de Travestis e Liberados (RENTRAL) que viria a mudar de nome e a


se chamar RENATA (Rede Nacional de Travestis)” (CARVALHO, 2011, p. 29).
Os ENTLAIDSs foram importantes para o fortalecimento e a organização
coletiva e construção de um movimento social nacional, que viria ser a Associação
Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), no ano de 2000, na cidade de Porto
Alegre. Mas somente ficou registrada em Cartório na cidade de Curitiba por conta da
gestão está localizada na região, conforme observado na entrevista com Cris
Stefanny:

Mas antes dessa época ela já existia não de fato de direto, só existia
somente de fato, a gente já trabalhava desde 1993. A perspectiva da
criação da instituição a gente passou por várias discussões para
poder chegar em um nome, por exemplo ia ser RENATA, mas
RENATA era um nome próprio, depois foi a RENTRAL, foi mudando
até chegar num denominador da palavra ANTRA que até então era
Articulação Nacional de Transgeneros (ENTREVISTA – CRIS
STEFANNY).

A ANTRA é atualmente a maior instituição nacional de travestis e transexuais


do Brasil e da América Latina, e funciona em forma de rede, agregando diversas
associações e ONGs. Conforme Carvalho (2011), tem-se mais de 80 organizações
filiadas. Em face do objeto de estudo analisado nessa pesquisa, aqui se
apresentam, as duas organizações do Estado do Rio Grande do Norte que fazem
parte da ANTRA são: a ATRANSPARÊNCIA e a ATREVIDA. Assim, a ANTRA tem
por objetivo:

O objetivo é trabalhar de forma política, social e ideológica para as


pessoas travestis e transexuais. Então o objetivo principal da ANTRA
é a gente ter a construção de políticas públicas de todos os estados
e regiões do país voltadas para essa população, é claro que não é
um único objetivo, a gente vai desde a questão de direitos humanos,
controle social, saúde, educação. Mas assim é fortalecer de forma
que todos os estados e municípios do país tenham ali uma
ramificação da instituição para o fortalecimento das políticas públicas
para pessoas travestis e transexuais (ENTREVISTA – CRIS
STEFANNY).

As pautas do movimento Trans* no Brasil foram congregando outras


bandeiras de luta, principalmente em torno de políticas públicas voltadas para as
populações travesti e transexual, tanto no campo dos direitos humanos como na
166

saúde, na educação, na cultura e no labor. Por ser uma instituição que atua
nacionalmente, a ANTRA possui alguns sujeitos políticos que se articulam em
espaços deliberativos de poder em busca de estratégias políticas.

A ANTRA tem como um dos objetivos ocupar espaços de


deliberação de poder, é por exemplo, conselhos, grupos de
trabalhos, comissões, e hoje a gente está no Conselho Nacional de
Saúde. Estamos no Conselho Nacional de Combate à Discriminação
LGBT; Conselho Nacional de Segurança Pública e Também no
Conselho da Mulher. Então a gente tem as lutas da questão das
mulheres trans e tal. A gente tenta alcançar outros conselhos, porque
assim o nosso objetivo é conseguir os conselhos de negros pela
questão da igualdade racial das pessoas trans onde a maioria é
parda ou negra, colocar também, fazer parte do conselho da
educação, cultura onde também já temos uma trans foi por edital ela
foi escolhida, então assim a gente já tem ocupado esses espaços
(ENTREVISTA – CRIS STEFANNY).

Desde o final dos anos 1980, apresenta-se como uma nova característica dos
movimentos sociais, principalmente do diálogo do Estado com a sociedade civil,
maior participação nos órgãos de controle, pois, desde o ano de 1988, a participação
social foi ampliada via espaços de controle social das lutas sociais (IRINEU, 2009),
como é o caso, por exemplo, da participação da ANTRA nos conselhos nacionais de
saúde, de combate à discriminação LGBT, de segurança pública e da mulher, que
são “fortalecidos pelas conferências de direitos (conferência de saúde, assistência
social, da mulher, igualdade racial e recentemente a LGBT), que consistem em
espaços de ampliação da participação da sociedade na política nas três esferas”
(IRINEU, 2009, p. 12).
Neste sentido, por intermédio da participação desses espaços de deliberação
política, o movimento Trans* no Brasil conseguiu conquistar, com o enfretamento
político, algumas políticas públicas. Assim, no tópico que se segue, fez-se uma
análise sobre quais foram as conquistas da população travesti em torno das
Políticas Públicas de renda e trabalho para esse segmento, os limites dessas
políticas e quais os desafios a serem enfrentados pelo movimento Trans* na
realidade brasileira. Como recorte, fez-se uma análise do governo do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e do primeiro governo da presidente afastada
Dilma Rousseff (2010-2014)
167

4.2 Estado, Políticas Públicas de trabalho e renda para a população Trans*


no Brasil

Como observou-se no tópico anterior o surgimento do Movimento Trans* no


Brasil nasce de uma conjuntura marcada por diversos desafios. Identificou-se seus
objetivos, bandeiras de lutas e pôr fim a participação desse segmento em alguns
conselhos de controle social. Para iniciar nesse item sobre a organização política
das travestis em torno da agenda por políticas públicas de trabalho e renda para o
segmento Trans*, necessita-se trazer ao debate alguns elementos e configurações
sobre a participação social, controle social94 e sobretudo no que diz respeito da
análise da estrutura e concepção do Estado.
Uma tendência que se identifica na contemporaneidade em torno dos estudos
sobre as identidades de gêneros e sexualidade trata-se da fragilidade teórica na
crítica da concepção acerca do Estado, especialmente, quando não se articulam os
determinantes sociais, políticos, econômicos e culturais. Neste sentido, não se
podedebater sobre Políticas Públicas e legislações sociais de modo isolado, é
preciso uma análise do Estado contemporâneo na sua totalidade.
De tal maneira, a década de 1970, sem dúvida, foi muito expressiva e palco
para a construção de diversas frentes95 de oposição à autocracia do Estado
brasileiro, mesmo com os limites que esses movimentos encontravam dada a
violência ocasionada pelo regime civil militar, seguiam resistindo contra as diversas
opressões naquele momento histórico. Além disso, muitos movimentos sociais
floresceram em tal período, que seriam expressivos nos anos 1980 na luta pela

94 A perspectiva de controle social se dá na “a participação da sociedade civil organizada na


arbitragem dos interesses em jogo e acompanhamento das decisões segundo critérios pactuados”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 181).
95 Durante o regime militar ditatorial surgiram e se fortaleceram diversos movimentos sociais de

resistência contra a autocracia do Estado. Naquele momento histórico, político e econômico o


Movimento Estudantil através da União Nacional dos Estudantes (UNE); a participação dos artistas
por meio das diversas modalidades de resistências: teatros, canções, filmes, literatura, jornais; os
jornalistas mediante a imprensa clandestina e alternativa com a divulgação de noticiários de pessoas
que desapareceram e/ou foram torturadas; as organizações de bases articuladas por intermédio da
Igreja Católica com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Comissão de Justiça e Paz (CJP),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimentos de Atingidos por Barragens (MAB); as grandes
manifestações públicas; o movimento nacional pela Anistia todas essas frentes e movimentos
constituíram-se como sujeitos que coletivos de resistência à Ditadura Militar que iniciou-se nos anos
de 1964 (CNV, 2014).
168

democratização da política brasileira. Assim, as conquistas no Brasil são observadas


como uma nova democracia participativa – importante para os diversos movimentos
sociais, mas adiante tecer-se os limites dessa democracia na sociabilidade
capitalista.
Conforme afirma Raichelis (2008), as principais bases sociais e políticas do
final dos anos 1970 para início dos anos 1980 apresentam a concepção de defesa
do controle social – aspecto importante para diversos segmentos, tais como: as
greves do ABC Paulista, a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Partido dos
Trabalhadores (PT), os movimentos de bases em favelas, comunidades e bairros, os
movimentos de mulheres, jovens etc.; ou seja, diversos sujeitos políticos estiveram
na luta pela democratização do país que culminou na elaboração da Carta Magna de
1988, e nela a defesa da participação social mediante o controle e fiscalização das
futuras políticas públicas e sociais que seriam construídas.
Ao mesmo tempo em que se tem uma maior ampliação para participação
social e o aumento do controle social, em fins da década de 1980, também, houve
um refluxo dos movimentos sociais via institucionalização mediante o processo de
‘onguização’. O marco da nova Constituição de 1988 ampliou a participação social
nas construções, nos planejamentos e nas gestões das políticas públicas e sociais
no Brasil. Neste sentido, “a perspectiva era não apenas participar da definição e do
controle social das políticas públicas, mas também da partilha do poder estatal,
interferindo nas decisões sobre prioridades, conteúdos e direção política que
deveriam assumir” (RAICHELIS, 2011, p. 22).
Assim, nos anos 1990 tem-se a promoção de diversos órgãos de controle,
sobretudo, dos conselhos nacionais, estaduais e municipais nas diversas esferas
das Políticas Públicas. “[...] inegavelmente, grandes avanços o que não significa
deixar de reconhecer os limites e o caráter restrito da efetiva partilha de poder entre
Estado e sociedade civil” (idem, 2011, p. 25).
Tem-se, portanto, o grande paradoxo entre as relações do Estado com a
sociedade civil, especialmente, com os movimentos sociais, uma vez que tais
relações sempre foram complexas, conflituosas e cheias de desafios, sobretudo
entre o Estado e o movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais
e Transgêneros (LGBT), onde as pautas e demandas deste último entram em
conflito com a direção política do Estado, que é gerido a partir da classe dominante
169

conservadora e patrimonialista, fundada no conservadorismo e no moralismo


burguês.
De fato, cabem muitas reflexões sobre os fundamentos e as concepções do
Estado para entender essa lógica que perpassa o campo da defesa de políticas
públicas, principalmente quando se trata dos direitos de uma população que vive
diversos processos de preconceito, discriminação e desigualdades sociais, nesse
estudo as travestis. Assim, pode-se analisar o Estado e a sociedade civil a partir da
visão de Gramsci (2007), pois entende-se que este autor apresenta contribuições
analíticas que auxiliam no desvendar das contradições do aparelho portador de
hegemonia96: o Estado, na perspectiva materialista.
Para o início do debate sobre a sociedade civil e o Estado Ampliado, tem-se
em Gramsci (2007) um grande auxílio no que se refere às questões políticas de
apreender sobre a participação social, controle social e inserção da população
Trans* nos conselhos de controle social como estratégias de enfretamento para as
Políticas Públicas de trabalho e renda. Em seus estudos, aquele autor discutiu sobre
a ampliação do Estado e as complexas relações deste com a sociedade civil –
mediação necessária para o entendimento dessa concepção.
Conforme Coutinho (1988, p.74), “Gramsci não inverte nem nega as
descobertas essenciais de Marx, mas “apenas” as enriquece, amplia e concretiza,
no quatro de uma aceitação plena do método do materialismo histórico”. Neste
sentido, a fim de compreender o atual processo histórico e político do Estado
brasileiro, as análises do Estado Ampliado em Gramsci mostram-se essenciais para
as devidas mediações entre o aparelho estatal e o Movimento Trans – este último
como partícipe da sociedade civil, quando se considera a referida sociedade como a
portadora material da formação de hegemonia.
Assim, “[...] desde a aurora do século XX, as pressões populares e de classes
impuseram uma forte ampliação do Estado nos países imperialistas” (FONTES,
2010, p. 216). Neste sentido, para entender a Teoria do Estado Ampliado em
Gramsci, o conceito de sociedade civil é primordial, uma vez que integra e tem
96 “Muitos comentaristas mostram-se de acordo quanto a que hegemonia é o conceito chave dos
Quaderni delCarcere de Gramsci e a sua contribuição mais importante para a teoria marxista. Nos
escritos de Gramsci anteriores à prisão, nas poucas ocasiões em que o termo é usado, refere-se a
uma estratégia da classe operária. Em um ensaio que escreveu pouco antes de ter sido preso em
1926, Gramsci empregou a palavra para referir-se ao sistema de alianças que a classe operária deve
criar para derrubar o Estado burguês e servir como a base social do Estado dos trabalhadores”
(BOTTOMORE, 2013, p. 284).
170

relação na teoria gramsciana com o Estado. Deste modo, não se pode esquecer que
a sociedade civil é composta por organismos que estão na luta de classes para
conservar ou conquistar hegemonia, descritos como organizações políticas,
sindicatos, movimentos sociais, organizações trabalhistas, partidos, sistema
educacional, escola, universidade, meios de comunicação, mídia, jornais e igreja.
Nesse sentido, Marx e Engels (2003), apresentam aporte interessante sobre a
questão do Estado considerando esse, portanto como a síntese das relações de
produção capitalista, representando interesses da classe dominante. De tal forma, “o
Estado capitalista não pode ser outra coisa que instrumento de dominação de
classe, pois se organiza para sustentar a relação básica entre capital e trabalho. Se
fosse diferente, o capitalismo não se sustentaria por muito tempo” (HARVEY, 2005,
p. 84).E é com base em Marx, Engels e Lênin que Gramsci amplia o conceito de
Estado, conforme se segue:

A grande descoberta de Marx e Engels no campo da teoria política foi a


afirmação do caráter de classe de todo fenômeno estatal; essa descoberta
os levou, em contraposição a Hegel, a “dessacralizar” o Estado, a
desfetichizá-lo, mostrando como a aparente autonomia e “superioridade”
dele encontram sua gênese e explicação nas contradições imanentes da
sociedade como um todo. (COUTINHO, 1988, p. 74)

A visão do Estado, na perspectiva de Marx e Engels no Manifesto do Partido


Comunista (2003), trata de um ente “restrito”, ou seja, fechado apenas a elite
burguesa. Neste sentido, é preciso entender a conjuntura política e econômica na
época em que aqueles autores pensaram tal concepção. Marx e Engels discorriam
sobre o Estado no século XIX, com toda uma configuração social ali existente – era
um tempo histórico de grande expansão do capital e, ao mesmo tempo em que a
classe trabalhadora passa a lutar por direitos trabalhistas, consistia em um momento
específico e particular da história em que ocorria a Revolução de 1848, que ensejou
o pensamento de que “o governo do Estado moderno nada mais é do que um comitê
para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX &
ENGELS, 2003, p. 61).
A partir do processo de aprofundamentos e aproximações sucessivas, em
1875, na obra Programa da Crítica de Gotha (2012), Marx já apresenta certa
“autonomia” relativa do Estado e que tem uma função e pode ser um caminho para o
socialismo (durante a transição da ditadura do proletariado), mas somente a luta de
171

classe pode realizar tal transição, apresentando, assim, uma mediação sobre os
processos contraditórios do Estado.

Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da


transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde
também um período político de transição, cujo Estado não pode ser
senão a ditadura revolucionária do proletariado. (MARX, 2012, p. 43).

De fato, tanto em Marx como em Gramsci, é possível identificar que o Estado


se apresenta como uma teia de conflitos e disputas de classes. Por conseguinte,
Gramsci apresenta o conceito da teoria social de Estado Ampliado nas sociedades
ocidentais em uma carta destinada à sua cunhada Tatiana Schucht, em setembro de
1931, conforme se segue:

Eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção


corrente, que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva
também a certas determinações do conceito de Estado, que
habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou
aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de
produção e à economia e um dado momento); e não como equilíbrio
entre sociedade política e sociedade civil (ou hegemonia de um
grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercida através de
organizações ditas privadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas
etc.) (GRAMSCI apud COUTINHO, 1999, p. 126-127).

Para Gramsci, o Estado Ampliado comporta duas esferas principais, quais


sejam: 1) a “sociedade política – Estado coerção, restrito”; e, 2) a “sociedade civil”,
onde não se pode pensar em Estado Ampliado sem a participação da sociedade
civil, “formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela
elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as
igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais”
(COUTINHO, 1988, p. 76).
Deste modo, o Estado brasileiro, quando incorpora as demandas do
Movimento Trans* em decorrência das concessões fruto do tensionamento, permite
o florescer da luta por hegemonia desses movimentos sociais como partícipe da
sociedade civil em dados momentos históricos. Neste sentido, Harvey (2005, p. 85)
destaca que o Estado, para a sua manutenção, necessita de estratégias para
preservar seu poder econômico e político:
172

A classe dirigente exerce sua hegemonia sobre o Estado por meio de


um sistema político que é capaz de controlar apenas de mudo
indireto, no contexto de democracia burguesa, isso apresenta
algumas consequências importantes. Para preservar sua hegemonia
na esfera política, a classe dirigente talvez tenha de fazer
concessões que não são de seu interesse econômico e imediato
(HARVEY, 2005, p. 85).

Nesse sentido, configura-se numa classe dirigente que historicamente


prevaleceu na manutenção do Estado conservador, burocrata e patriarcal, tendo
como modelo das relações afetivo sexual e de identidade de gênero a
heterossexualidade, o que pode ser verificado no parlamento brasileiro, com a
predominância de deputados federais (Partido Social Cristão – PSC, Partido do
Movimento Democrático Brasileiro – PMDB e Democratas – DEM) da bancada
BBB97 (Boi, Bíblia e Bala), configurada por setores mais conservadores da
sociedade brasileira. Salienta-se que nas eleições de 2014 foi eleito o Congresso
mais conservador da história do Brasil.

A Bancada da Bíblia, por sua vez, aumentou de 73 para 75 o número


de deputados eleitos, além de preservar três senadores, registra o
Diap. O pastor Marco Feliciano, do PSC, quase dobrou a quantidade
de votos obtidos de 2010 para 2014, e segue como uma referência
importante. Mas é o peemedebista Eduardo Cunha, fiel da Igreja
Sara Nossa Terra, quem ocupa o palco, por definir o que entra ou
não na pauta da Câmara (MATINS, 2013).

A heterossexualidade como ideologia está inscrita em um sistema que aponta


tal orientação sexual como normal – pensamento defendido no plano da política,
naturalizada por distintas instâncias (família, escola, igreja, medicina, por exemplo) e
pelo sistema jurídico e aparelhos de hegemonia, referendados pela figura dos
Deputados Marco Feliciano (PSC) e Eduardo Cunha (PMDB), que defendem a

97 “O termo “BBB” foi usado por Kokay pela primeira vez em uma reunião da bancada do PT na
Câmara no início do ano, e arrancou risadas dos colegas. A expressão não tardou a se difundir entre
parlamentares de partidos de esquerda, que também identificam nessa articulação uma ameaça aos
direitos humanos e das minorias. “Desde a discussão do Código Florestal, em 2012, os ruralistas
buscam essa aproximação com os evangélicos. Logo depois, eles estavam unidos em torno da PEC
215, que retira do Executivo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas, transferindo-a para o
Congresso. Mais recentemente agregaram a Bancada da Bala”, afirma o deputado Ivan Valente, do
PSOL. “Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, essa aliança consolidou-se. Até porque
esses grupos ajudaram a elegê-lo.”” (MARTINS, 2015). Texto intitulado: A bancada BBB domina o
Congresso, Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/revista/844/bbb-no-congresso-1092.html>.
Acesso em: 14 de junho de 2016.
173

criminalização do aborto e o avanço das pautas do movimento de Lésbicas, Gays,


Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT).
Neste sentido, como apresenta Martins (2013), tem-se um crescimento do
segmento da bancada religiosa no Congresso Nacional, formada, em sua maioria,
por evangélicos de extrema direita que impedem o avanço da conquista de direitos
no campo da diversidade sexual, das políticas de gênero, do combate ao racismo,
da homofobia, da lesbofobia, da transfobia98 e das práticas sexistas.

Supõe-se, segundo essa lógica, que todas as pessoas sejam (ou devam
ser) heterossexuais – daí que os sistemas de saúde ou de educação, o
jurídico ou o midiático sejam construídos à imagem e a semelhança desses
sujeitos. São eles que estão plenamente qualificados para usufruir desses
sistemas ou de seus serviços e para receber os benefícios do Estado.
(LOURO, 2009, p. 90)

De fato, reconhece-se assim que as conquistas de direitos para a população


Trans* são perpassadas por inúmeros conflitos de segmentos conservadores que
tentam cotidianamente barrar o avanço de leis e políticas para essa população, que
infelizmente sobrevive sobre a influência de uma política conservadora. Diante disso,
a luta por hegemonia faz parte da sociedade civil, seja para manter ou conquistar
direitos em um Estado com raízes na democracia burguesa. De tal modo, pode-se
afirmar que, a luta é fomentada por organização coletiva contra a hegemonia de uma
estrutura pautada nos seguintes aspectos: capitalismo, patriarcado, racismo e
cissexismo. De acordo com Mascaro (2013, p. 86):

É preciso, então, desvendar a especificidade estrutural e funcional da


democracia no capitalismo. Ela se assenta sobre bases jurídicas e
políticas bastante estabilizadas, como a defesa intransigente da
propriedade privada, e também sobre as bases sociais de alto teor
opressivo, como o patriarcado, o racismo ou a xenofobia.

Dessa forma a ampliação do Estado brasileiro, via processo de participação


social é complexo e exigindo uma visão crítica para não partir da defesa apenas do
controle social como esfera única de conquistas de direito, principalmente por trata-
se de uma lógica que parte pela via da institucionalização.
98 A homofobia é a discriminação praticada contra a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), com suas particularidades (lesbofobia, homofobia e
transfobia). Com a organização política desses sujeitos, surgiram novos conceitos para fomentar uma
maior visibilidade a cada segmento, apresentando-se, assim, suas distinções e particularidades.
Destas, passam a existir os conceitos de lesbofobia – destinado à discriminação contra as mulheres
lésbicas – e transfobia – destinado à discriminação contra a população trans (travestis e transexuais).
174

Ainda como apresenta Raichelis (2008) esse processo de democratização no


Brasil por intermédio da participação social, nasce inserido em um contexto
extremamente difícil, pois tem-se nesse período a intensa ação de implementação
das políticas neoliberais e contrarreformas do Estado. Além disso, na década de
1990 a questão social se acirra sobre drásticos índices de desemprego,
terceirizações, pauperização, recrudescimento da violência e da barbárie social,
aumento dos conflitos urbanos e rurais.
Diante do exposto, os anos 1990 constitui-se de um período de fortes
obstáculos a serem enfrentados pelo Movimento LGBT, sobretudo, em relação ao
Estado, tanto pela onda da ofensiva neoliberal, como no que se refere aos direitos
humanos. Durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tem-se
no ano de 1996, o I Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH – I), que não
incorpora nenhuma demanda do referido Movimento.
De fato, não se podia esperar muita coisa do governo de FHC, tendo em vista
que a governabilidade daquele mandatário (filiado ao Partido da Social Democracia
Brasileira – PSDB) tem uma direção política de direita preiteada pelos setores mais
conservadores da sociedade burguesa brasileira.
Irineu (2009) aponta que o Movimento LGBT centra-se na segmentação das
identidades, que incorporam demandas diferenciadas a partir da identidade com
lutas para gays, lésbicas, travestis e transexuais. Somente no novo milênio, “em um
sentido ampliado, um dos primeiros documentos oficiais a prever ações específicas
para o segmento LGBT é o II Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH – II), do
ano de 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso” (IRINEU, 2009, p. 14).
A contextualização histórica que se seguiu até aqui é por demais importante,
uma vez que expressa os caminhos que foram travados pelos Movimentos LGBT e
Trans* sobre suas bandeiras de lutas e quais foram as estratégias adotadas para as
conquistas de algumas ações do Estado brasileiro em prol da referida população,
principalmente no que se refere aos direitos trabalhistas e às Políticas Públicas de
trabalho e renda para as travestis e transexuais.
Historicamente, as ações do Estado Brasileiro são mínimas para as políticas
LGBT, sobretudo, para as travestis e transexuais. Mas, nos últimos tempos, tais
sujeitos tiveram alguns aliados em sua luta, como, por exemplo, o Partido dos
Trabalhadores (PT). Assim, é possível trilhar o caminho desse processo e os limites
175

encontrados pelo Movimento Trans* com a pauta do trabalho e renda para as


travestis quando o mandatário da República era filiado ao partido em questão.
Em relação às alianças políticas, o Movimento LGBT no Brasil alcançou um
forte aliado nos anos 1990: o PT. Neste sentido, segundo Simões e Facchini (2009,
p. 143), “o caso exemplar é o do Projeto de Lei n. 1.151/1995, de autoria de Marta
Suplicy, então Deputada Federal por São Paulo, sobre a união entre pessoas do
mesmo sexo, apresentado na Câmara dos Deputados em 1995”. É preciso destacar
que a ‘aliança’ entre o Movimento e o Partido não se deu de forma simples, ou seja,
o PT só passa a incorporar as reivindicações do movimento LGBT a partir da
pressão dos próprios militantes gays, lésbicas, bissexuais e travestis que passam a
pressionar o Partido a atentar para a defesa da liberdade de orientação sexual
(SANTOS, 2005).

4.3 O governo Lula e as políticas públicas de trabalho e renda para as


Travestis e Transexuais (2003 à 2010)

Com a campanha eleitoral em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à


Presidência da República pelo PT, em sua campanha, obteve a articulação com
alguns segmentos do Movimento LGBT, sobretudo daqueles que militavam no
Partido dos Trabalhadores (PT). Com a vitória nas eleições, Lula subia à rampa do
Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro de 2003. Diversos movimentos sociais
estavam na posse, inclusive, militantes com as bandeiras do arco-íris – símbolo
maior do movimento homossexual no Brasil, além do Movimento Trans*. A partir daí,
vieram os primeiros desafios e conquistas dessa articulação.

Embora seja o PT o partido que melhor se relaciona com outros sujeitos


coletivos, e em especial, com os representantes do movimento LGBT,
reconhecem que as lutas se desenvolvem na forma pulverizada e
fragmentada em que os setoriais muitas vezes não funcionam e quando
estão organizados, agem muito em função de suas demandas específicas
(SANTOS, 2005, p. 260).

Outro fator também apontado por Santos (2005) se refere à questão de


quando o partido é solicitado a opinar e demonstrar quais são os programas
voltados para LGBTs aponta-se alguns limites. Neste sentido, o PT, muitas vezes,
solicitou posicionamento àqueles que estavam engajados nas diferentes
176

modalidades de opressão, restringindo a focalização para responder de forma


fragmentada às políticas de Identidade. Ocorre, assim, que as respostas saem de
um plano com horizonte coletivo para um patamar verticalizado e individual.
Destarte, com base nos principais documentos, programas e ações
desenvolvidos no período 2003-2014, do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e da presidenta afastada Dilma Rousseff, foi possível analisar a questão da
homofobia – trabalho e renda – voltados para população Trans*, em especial, para
as travestis e transexuais – interlocutoras do presente estudo.

FIGURA 7: Abertura da Primeira Conferência Nacional LBGT, 2008.

Fonte: (Foto: Ricardo Stuckert), disponível em: http://www.tonireis.com.br/?page_id=5

Durante o processo de apreciação dos documentos, programas e ações


desenvolvidos nesses governos partilha-se da ideia de Santos (2005) que existem
tendências que se expressam no PT, e que materializam da seguinte forma: uma
delas está voltada para defesa de Leis de Orientação Sexual, Combate Homofobia,
Trabalho e emprego a partir do viés da luta pela igualdade de oportunidades, que
não aprofunda a discussão das raízes da opressão, preconceito e discriminação
contra a população LGBT’s e sua relação com a sociedade capitalista, patriarcal,
racista e heterossexista, sobretudo essa tendência é guiada a partir da perspectiva
de defesa de cidadania burguesa em Marshal (1967), em que a luta por direitos não
177

é de viés revolucionário, mas que é tensionada dada as lutas de classes que


envolvem essas sujeitas pela emancipação política.
No decorrer dos governos Lula e Dilma, o trabalho realizado nestes dois
governos sobre a temática dos direitos humanos, diversidade sexual e gênero se
deram a partir de uma proposta que condensa uma rede interministerial – a
responsabilidade central dos trabalhos estava na Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH/PR), onde muitas das demandas LGBT eram ali
geridas. Neste sentido, o conhecimento do (insuficiente) orçamento público
destinado para as Políticas Públicas voltadas para a população LGBT é um dos
grandes desafios postos para essa população, que rebate nas políticas para
população Trans*, de modo geral, faz-se importante uma análise sobre essa
questão.
De tal modo, deve-se entender como se deu o processo de formulação da
SDH, para assim compreender as mudanças de conjunturas que interferem, muitas
vezes, nas políticas, durante os governos do Presidente Lula (2003 a 2010) a SHD
apresentou como ministros: Nilmário Miranda (2003 a 2005), Mário Mamede (2005)
e Paulo Vannuchi (2005 a 2010). Já no governo da presidenta Dilma Rousseff (2010
a 2014) as ministras foram: Maria do Rosário (2010 a março de 2014) e Ideli Salvatti
(a partir de março de 2014).
Nesse sentindo, a primeira ação do Governo Lula, em 2004, se constituiu no
desenvolvimento do Programa Brasil Sem Homofobia (BSH) – Programa de
Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e de Promoção da Cidadania
Homossexual, de iniciativa do Governo Federal em articulação com a sociedade
civil, principalmente com o Movimento LGBT. Um dos objetivos do Programa era
apoiar os projetos para o fortalecimento de instituições públicas e não
governamentais que atuassem na promoção da cidadania homossexual e/ou no
combate à homofobia. Para tanto, deveriam ser realizadas capacitações de
profissionais e/ou representantes do movimento LGBT que atuassem na defesa de
direitos humanos, com o propósito de disseminar uma prática na educação em
direitos para a população LGBT, informando-os e incentivando-os a denunciarem as
violações sofridas (CONSELHO NACIONAL DE COMBATE Á DISCRIMINAÇÃO,
2014).
178

No que se refere ao BSH, tem-se uma forte tendência na articulação com os


Centros de Referência em Direitos Humanos (CRDHs)99 como um agente na defesa
pelo combate à homo/lesbo/transfobia. Sabe-se da importância e do avanço do
desenvolvimento dos referidos Centros na defesa dos direitos humanos no País,
porém, os trabalhos dos profissionais tornam-se frágeis, devido ao modus operandi
das ações, que não são frutos de leis que são consubstanciais para a defesa e
promoção efetiva de ações, quando se luta por direitos em uma ordem burguesa.
Outro aspecto importante que deve ser considerado é a forma empregatícia
desses profissionais, muitas vezes, realizadas mediante contratação provisória e
com atrasos no pagamento de seus salários. Verifica-se um processo de
precarização dos profissionais que trabalham com os direitos humanos no Brasil,
pois esses são contratados via seleção (por tempo determinado), apresentando
limites pela quebra da continuidade das ações promovidas por esses Centros. Como
exemplo, vale destacar a crise de 2015, onde muitos dos CRDHs foram fechados,
inclusive o da cidade do Natal/RN, que teve suas últimas ações em janeiro de 2016.
Sobre a questão, Santos analisa (2005, p. 287):

Podermos afirmar que o Governo Federal sinalizou os primeiros passos no


combate à homofobia, mas uma questão que possui forte enraizamento
sócio-cultural exige iniciativas permanentes para coibir, ações opressivas e
estimular práticas e pensamentos que promovem a busca incessante pela
realização da liberdade e da igualdade.

Além disso, o BSH infelizmente recebeu um baixo orçamento destinado para


o desenvolvimento de suas ações. Segundo Daniliauskas (2011), quando aquele
Programa foi criado, não havia orçamento. No início, houve apenas o apoio do
Programa Nacional de DST/AIDS, tanto quanto financeiro como também no apoio à
articulação com o Governo Federal. E ainda, de acordo com aquele autor, o BSH
sofreu críticas do Movimento LGBT pela falta de uma “unidade de gerência/unidade
administrativa”, tendo em vista que durante os anos de 2004 a 2006, o Programa

99 “A concepção dos Centros de Referência em Direitos Humanos surgiu a partir de experiências


realizadas por órgãos públicos e organizações não-governamentais que possibilitaram o acesso da
população de baixa renda a serviços essenciais como por exemplo, assistência jurídica e
documentação civil básica. Assim, os Centros de Referência em Direitos Humanos atuam como
mecanismos de defesa, promoção e acesso à justiça e estimulam o debate sobre cidadania
influenciando positivamente na conquista dos direitos individuais e coletivos”. Disponível
<http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/ouvindo-quem-responde-dilma-ao-ser-
perguntada-sobre-beyonce/>. Acesso em: 31 de julho de 2016.
179

ficou alocado na Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos,


funcionando como um projeto (Idem, 2011).
Nos anos que se seguiram, o BSH passou por diversas formulações, disputa
por orçamento, coordenação, mudanças nas gestões etc. Já em 2007, a crise se
dava por conta do controle social do Programa, uma vez que o Conselho Nacional
de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), que foi extremamente
importante na articulação para a criação do Programa, deixou de ser tão atuante, o
que trouxe rebatimentos para o desenvolvimento das ações do BSH. Neste sentido,
Danilauskas (2011, p. 107) aponta:

Foi recorrente nas falas de governo e de ativistas “mal-estar” no


período de 2007 a meados de 2008, relacionados a impressão de
que aquele primeiro momento de discussão, desenho e
implementação de políticas LGBT se esgotava, estagnava ou até
mesmo regredia. Em meio a um clima de ceticismo uma nova
estratégia foi posta em andamento: promover uma conferência
nacional (p. 107, 2011).

Não pode-se analisar as formulações de políticas públicas de trabalho e renda


para as travestis no Brasil, sem fazer uma análise sobre o processo de combate a
homofobia/transfobia dado que o processo de desigualdade social e de precarização
que essa população passa no mundo trabalho perpassa por diversos fatores,
principalmente em relação a opressão a essas identidades pelo preconceito e
discriminação em decorrência da transfobia, por isso o sentido de analisar o
combate a essas atitudes via políticas públicas e quais o resultados, de tal maneira
os programas e ações previstos no Brasil Sem Homofobia eram (CONSELHO
NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO, 2014):

I – Articulação da Política de Promoção dos Direitos de Homossexuais;


II – Legislação e Justiça;
III – Cooperação Internacional;
IV – Direito à Segurança: combate à violência e à impunidade;
V – Direito à Educação: promovendo valores de respeito à paz e à não discriminação
por orientação sexual;
VI – Direito à Saúde: consolidando um atendimento e tratamentos igualitários;
180

VII – Direito ao Trabalho: garantindo uma política de acesso e de promoção da não-


discriminação por orientação sexual;
VIII – Direito à Cultura: construindo uma política de cultura de paz e valores de
promoção da diversidade humana;
IX – Política para a Juventude;
X – Política para as Mulheres;
XI - Política contra o Racismo e a Homofobia;

Poder-se-ia tecer uma análise de item por item dessas propostas de


programas e ações que o Brasil Sem Homofobia tinha por objetivo, no entanto dado
os limites desse trabalho e o objetivo dessa pesquisa enfoca-se apenas no Direito à
Segurança; Direito à Educação e por fim no Direito ao Trabalho. Ao verificar os
dados tanto do Grupo Gay da Bahia, da Secretaria de Direitos Humanos sobre a
LGBTfobia no capitulo 3 dessa dissertação, consta-se que no Brasil, nos últimos
anos ainda identifica-se altos os índices de transfobia contra as travestis e
transexuais em 2014 foram 134 vítimas, em 2015 tiveram 119 trans assassinadas
dados do GGB100, dessa forma já verifica-se os diversos impasses para a
concretização da segurança para essa população, em relação as políticas de
trabalho e renda. Assim, analisa-se seguidamente os marcos das I e II Conferências
Nacionais de Políticas Públicas LGBT referentes a renda e a trabalho para as
Trans*.
Dessa maneira, foi realizada em Brasília entre 5 e 8 de junho no ano de 2008
a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT com o tema “Direitos
Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de Gays,
Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais”. Nessa Conferência constituiu-se de
559 deliberações aprovadas na plenária final. Dessas deliberações obteve-se a
divisão em 10 grupos: 1 – Direitos Humanos; 2 – Saúde; 3 – Justiça e Segurança
Pública; 4 –Turismo; 5 – Previdência Social; 6 – Comunicação; 7 – Educação; 8 –
Trabalho e Emprego; 9 – Cultura; 10 – Cidades (BRASIL, 2008).

Essas propostas foram aprovadas juntamente com Carta de Brasília,


que reivindicava criação urgente do Plano Nacional de Políticas
Públicas e Direitos Humanos LGBT, o cumprimento das ações do
BSH e aprovação dos projetos de lei de criminalização da homofobia,

100 Relatórios sobre os índices de homofobia no Brasil anos de 2014 à 2015. Disponível:
<https://homofobiamata.wordpress.com/estatisticas/relatorios/>. Acesso em: 04 de maio de 2015.
181

união civil entre pessoas do mesmo sexo e de autorização do nome


civil pessoas transexuais e travestis (IRINEU, 2016, p. 134).

No que concerne à presente análise, na I Conferência, o Grupo de “Trabalho


e Emprego” abarcou 37 proposições, e entre aquelas que se destacaram para a
população de travestis e transexuais, tem-se: a garantia de reservas de cotas nas
universidades, nos centros de qualificação, ensino técnico e demais órgãos para
travestis e transexuais.
Além disso, a promoção com as Secretarias de Trabalho dos Estados para a
articulação em parcerias com órgãos de profissionalização (Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial – SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI, Serviço Brasileiro de Apoio as Micros e Pequenas Empresas – SEBRAE,
Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT, Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo – SESCOOP, por exemplo), com o objetivo de
profissionalizar a população LGBT, principalmente as travestis e transexuais, bem
como “sensibilizar o empresariado para a inserção dessa população e sua
empregabilidade”, e capacitar profissionalmente travestis e transexuais com vistas a
sua autonomia financeira.
Em relação às cotas para as travestis e transexuais no Estado do Rio Grande
do Norte, nenhuma das universidades públicas e/ou privadas adotam uma política
referente à inserção dessa população no Ensino Superior. Neste sentido, a única
política adotada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) trata-se
do respeito ao nome social de discentes travestis e transexuais naquela instituição.
Aponta-se como crítica a forma que o Estado enfrenta o combate à transfobia.
Muitas travestis e transexuais que são “desqualificadas” para o trabalho, não podem
ser responsabilizadas por isso, pois há segmentos conservadores da própria
sociedade que atuam de forma preconceituosa oprimindo essas sujeitas, a exemplo
da situação de muitas adolescentes travestis que abandonam as escolas por não
suportarem atitudes preconceituosas de professores e colegas no ambiente escolar.
No marco institucional, não se pode negar a importância da I Conferência
Nacional GLBT – Direito à Igualdade, para a afirmação do processo organizativo dos
movimentos sociais, principalmente aqueles ligados à questão da diversidade sexual
e identidade de gênero. No entanto, tem-se alguns limites, conforme a entrevista
com Cris Stefanny, ao destacar que desde o início do governo Lula que a
182

Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) vem mantendo um


diálogo e cobrando por Políticas Públicas de trabalho para esse segmento.

Então com relação ao trabalho a gente vem a anos, desde o início do


governo Lula, discutindo por exemplo a inserção da Travesti e Transexual
no mercado de trabalho, do ponto desde da qualificação até a inserção.
Porque não adianta nada a gente qualificar 200 mil travestis, e não ter 200
mil campos de trabalhos, para inserção delas e também lembrar que todas
as vezes que a gente tenta negociar com os munícipios e estados essa
questão da qualificação profissional para encaminhamento para o mercado
de trabalho, a gente não ver o contraponto do poder público de dizer assim:
“Tá bom a gente vai qualificar, e depois nos vamos inserir” (ENTREVISTA –
CRIS STEFANNY).

Mas quando se trata de analisar as deliberações que são apresentadas pela


comunidade LGBT em relação ao trabalho, foi possível identificar uma forte
tendência para a questão da “sensibilização de servidores públicos federais,
estaduais e municipais”, bem como a capacitação de jovens travestis e transexuais.
Ainda com base na entrevista referenciada, se não houver uma contrapartida
do poder público de inserção dessa população no mercado de trabalho, pouco
adiantará a qualificação desse segmento. Logo, sabe-se da importância dessas
demandas; no entanto, pouco se fala do combate com ações efetivas e permanentes
para coibir à transfobia contra travestis e transexuais nos espaços de trabalho –
vítimas de múltiplas discriminações. Neste sentido, a I Conferência Nacional GLBT –
Direito à Igualdade teve seus avanços, conforme se segue:

Comparativamente ao que foi apresentado no BSH, constata-se uma


visibilidade maior das propostas nas áreas de assistência social,
previdência social e trabalho. Por outro lado, estas propostas se mostram
secundárias quando comparadas, por exemplo, à área de saúde, cujo total
de propostas é três vezes maior que a soma das três áreas aqui tratadas,
somando 167 indicações, correspondentes a 29,8% das deliberações da I
Conferência Nacional LGBT (MELLO, 2013, p. 139).

No tensionamento político à I Conferência Nacional LGBT, expressa avanços


no sentido ser um marco na sociedade brasileira em que se discutiu pela primeira
vez em nível nacional, com diversos segmentos da sociedade civil demandas sobre
diversidade sexual e identidade gênero. Dessa forma, a partir das deliberações da
conferência formulou-se o Plano Nacional de Direitos Humanos LGBT já no governo
da presidente Dilma Rousseff como verifica-se no tópico a seguir.
183

4.4 “Brasil um País de Todos?”: o Governo Dilma Rousseff e as Políticas


Públicas de trabalho e renda para as Travestis e Transexuais (2010 à 2014)

FIGURA 8: Dilma Rousseff e o Movimento LGBT - uma relação difícil.

Fonte: Foto Roberto Stuckert/ABr. Dísponivel em: http://www.revistaforum.com.br/2014/01/23/o-governo-


dilma-rifou-as-questoes-lgbt/

Conforme foi abordado no tópico anterior as propostas aprovadas na I


Conferência Nacional de Políticas Públicas LGBT’s serviram de base para a
construção do Plano Nacional de Direitos Humanos LGBT (PNLGBT), lançado em
2009. O BSH é, então, substituído pelo PNLGBT. Mas, este, o que trouxe de novo?
O referido Plano apresentou novas orientações, diretrizes e princípios de
configuração mais concreta ao definir em texto documental os órgãos responsáveis
pelas execuções das ações. O objetivo central do Plano era “orientar a construção
de políticas públicas de inclusão social e de combate às desigualdades para a
população LGBT, primando pela intersetorialidade e transversalidade na proposição
e implementação dessas políticas” (BRASIL, 2009).
Em seus objetivos específicos situam-se o combate ao estigma e à
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero; e nos seus princípios, a
defesa do Estado como agente maior para a formulação e implementação dessas
políticas; e na defesa da democratização, o combate às injustiças contra essa
184

população (infelizmente se obteve um baixo orçamento para essas políticas) (Idem,


2009).
Outro limite apontado na entrevista com Cris Stefanny trata do modo que,
muitas vezes, os Estados e Municípios posicionam-se em relação à qualificação que
reproduz preconceito e discriminação, quando do apontamento da forma da divisão
sexual/gênero do trabalho em determinados tipos de qualificações ocupacionais,
como, por exemplo, cabeleireiras e manicures.

Não, é sempre no sentido de “Ah tá vamos qualificar, vamos criar um


curso de cabelereiro e manicure”, como se travesti e transexual só
quisesse ser cabelereira e manicure, quando na verdade a gente
sabe que a maioria tem baixa escolaridade, não por exemplo assim
estudo suficiente para exercer cargo de alto escalão, mas gente
gostaria muito que dentro do ensino médio, fundamental, nós
pudéssemos trabalhar como atendentes de balcão, recepcionistas de
hotel, aeromoças, várias outras profissões, técnicas de enfermagem,
que pudesse dentro do pouco estudo delas, para que até
possibilitasse a volta delas a escola, para uma faculdade, para
conseguir depois o emprego melhor (ENTREVISTA – CRIS
STEFANNY).

Desse modo, pode-se aferir que no governo do ex-presidente Lula houve


limites em relação às políticas de trabalho e renda para a população Trans*, durante
o mandato da presidente Dilma Rousseff foi possível observar que tais expressões
foram marcadas por muitos conflitos, principalmente pela resistência da bancada
religiosa como oposição àquelas políticas.
Assim, a primeira ação promovida no governo de Dilma Rousseff deu-se na
realização da II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos para
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, realizada nos
dias 15 a 18 de dezembro de 2011. A Conferência teve como tema central “Por um
país livre da pobreza e da discriminação: Promovendo a cidadania de lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais – LGBT”.
Nos anais da Conferência, a Ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário
manifestava que a II Conferência Nacional era “[...] um importante momento de
afirmação dos Direitos Humanos de cada cidadão e cidadã brasileira, notada e muito
especialmente dos grupos sociais com os quais o Estado brasileiro tem uma dívida
histórica”. De fato, é preciso reconhecer as conquistas; no entanto, pouco se tem
concretizado as Políticas Públicas para o referido contingente populacional, que
185

sofre humilhação e preconceito nos espaços públicos e privados cotidianamente,


principalmente nas escolas, na saúde, inclusive com atentado a vida dessa
população. Sobre tal questão, conforme os dados da Transgender Europe, o Brasil é
a nação que mais mata travestis e transexuais do mundo.
De tal forma, no cotidiano, em meio ao ritmo de vida da sociedade vigente, é
possível encontrar muitas contradições em termos de “cidadania”. Neste sentido,
questiona-se: como se pode tratar da “cidadania LGBT” em uma sociedade
extremamente violenta para essa população? O Brasil é o país da América Latina
que mais mata travestis e transexuais; que mais humilha tais pessoas nas ruas, nas
escolas; estes sofrem todo tipo de violência, além das precarizações sofridas no
mundo do trabalho, da desigualdade social que as assolam. Logo, tratar de uma
cidadania sem reconhecer as identidades de gênero para além das identidades “cis”
é mero formalismo que não se materializa no cotidiano de vida dessa população.
Retomando os marcos legais das Políticas Públicas, a II Conferência Nacional
de Políticas Públicas e Direitos Humanos para Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgêneros teve a elaboração de 15 diretrizes, quais
sejam: 1) Educação; 2) Enfrentamento ao Sexismo e ao Machismo; 3)
Enfrentamento ao Racismo e a Promoção da Igualdade Racial; 4) Poder Legislativo
e Direitos da População LGBT; 5) Saúde; 6) Políticas de Juventude e de Recorte
Intergeracional; 7) Sistema de Justiça, Segurança Pública e Combate à Violência; 8)
Direitos Humanos e Participação Social; 9) Trabalho, Geração de Renda e
Previdência Social; 10) Cultura; 11) Turismo; 12) Desenvolvimento Social e Combate
à Miséria; 13) Comunicação Social; 14) Pacto Federativo e Articulação
Orçamentária; e, 15) Esporte (BRASIL, 2011).
Nas diretrizes apresentadas na plenária final, a nona diretriz – Trabalho,
Geração de Renda e Previdência Social – aprovou cinco proposições. Na diretriz
número 3, tem-se a proposta da articulação por meio de órgãos do Estado (o
Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, por exemplo) para a implementação e
ampliação das políticas voltadas para o combate ao preconceito, assédio moral e
discriminação contra a população LGBT nos ambientes de trabalhos (BRASIL, 2011,
p. 124).
Outra sinalização importante da II Conferência se deu em relação aos direitos
previdenciários. Sobre tal questão, a diretriz número 4 apresentou como proposta o
que se segue:
186

Reformular a Lei Geral da Previdência de modo a contemplar as


demandas da população LGBT garantindo à concessão e extensão
dos direitos previdenciários as/os companheiras/os das/dos LGBTs,
considerando orientação sexual e identidades de gênero. (BRASIL,
2011, p. 124)

Diante do exposto, é possível identificar tanto nas palavras proferidas pela


Ministra Maria do Rosário, como nas diretrizes 3 e 4 – elaboradas na II Conferência
Nacional, uma forte tendência ao discurso da igualdade de oportunidade descrito por
Santos (2005, p. 293) como “um princípio que, segundo seus ideólogos, tem como
objetivo possibilitar, a determinados segmentos que se encontram em situação de
vulnerabilidade sociocultural, condições equivalentes àqueles que, supostamente já
transitam como sujeitos de direitos”.
A grande armadilha do referido discurso centra-se no fato que o
enfrentamento das discriminações e opressões tanto nos espaços trabalhistas como
nos espaços educacionais (escola, universidade) se dão de modo particular, o que
impossibilita o enfrentamento radical de estruturas ideológicas e culturais tão
enraizadas pelo quadrinômio capital-patriarcalismo-racial-heterossexismo. E ainda,
conforme Santos (2005, p. 294):

Somente em sociedades estruturalmente desiguais faz sentido


pensar em instrumentos jurídicos capazes de amenizar os conflitos;
obstaculizar formas de discriminação e de preconceito e, em
períodos de crise, conter a ruptura com a institucionalidade burguesa
e, no limite, com valores civilizatórios. Com isto, estamos afirmando
que pensar a igualdade de oportunidade na perspectiva das relações
raciais; de gênero e quanto à liberdade de orientação sexual, dentre
outras, não são iniciativas antagônicas ao capitalismo.

O Movimento LGBT da contemporaneidade tem perdido a direção de um


projeto societário de transformação social de viés revolucionário que vise à
emancipação humana, pautando-se em um viés reformista das lutas, além da forte
tendência de institucionalização em associações e Organizações Não
Governamentais (ONGs).
Seguindo a lógica dos retrocessos, nos meandros anos de 2010, com o
governo Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, o Estado que se ampliou para
as políticas e discussões voltadas para população LGBT durante o governo Lula,
passou a se restringir, no mandato primeiro mandato da presidente, sob um viés
187

nitidamente pautado em contradições moralistas. Neste sentido, a receptividade que


o governo do ex-presidente Lula teve para as demandas LGBTs, mesmo pautadas
no reformismo, passaram por retrocessos já no governo de Dilma Rousseff.
Durante o período que Fernando Haddad esteve à frente da pasta da
Educação, o mesmo apresentou em 2010 um projeto que tinha como objetivo o
combate à homofobia nas escolas. O projeto intitulado Escola sem Homofobia
incluía no seu esboço um material pedagógico, informativo e educacional, para
professores trabalharem nas salas de aula com a temática da diversidade, pautando
questões como, por exemplo, diversidade sexual, sexualidade e gênero. O projeto
se deu em articulação com o Ministério da Educação (MEC), em parceria com o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e com a ONG
Comunicação em Sexualidade (ECOS).
Aquele Projeto sofreu diversas críticas, principalmente da bancada
evangélica, que rotulou o mesmo como kit gay. As acusações foram as mais
conservadoras e moralizantes. Os deputados evangélicos se pronunciavam
acusando que o kit gay era um atentado à infância e juventude, que influenciava a
pedofilia.
Para outros, era uma cartilha pornográfica, porque em um dos vídeos que
fazia parte do projeto e seria transmitido nas escolas, apresentava uma adolescente
travesti que estava em fase de afirmação da identidade de gênero, que queria que
fosse respeitada como Bianca, pelo seu nome social, e, em outro vídeo, se tinha um
beijo homoafetivo. Logo, vieram diversas críticas dos setores mais conservadores da
sociedade, com petições para que o projeto não fosse distribuído nas escolas,
principalmente da bancada evangélica composta, por diversos pastores que se opõe
ao programa.
A presidente Dilma Rousseff não respeitou as demandas do Movimento
LGBT, principalmente aquelas apontadas nas I e II Conferências Nacionais de
Políticas Públicas LGBT’s, de combate à homofobia na educação, para alcançar as
pessoas que sofrem cotidianamente com a transfobia – crianças e adolescentes que
vivem a construção da identidade gênero e orientação sexual sobre bases pautadas
no moralismo e conservadorismo; crianças e adolescentes vítimas de depressões,
tristeza, baixos estímulo para continuar os estudos, o que repercute nos índices de
aprendizagem e, muitas vezes, ao suicídio, sem o apoio de estruturas educativas
que propiciem uma educação transformadora e emancipadora.
188

Destarte, foi possível observar que não há força e vontade política por parte
de Dilma Rousseff em considerar as diversas formas de violências sofridas por
aqueles sujeitos. Consequentemente, a mandatária optou em ouvir e dar voz e vez
aos setores conservadores, vetando o Projeto de Combate a Homofobia nas
Escolas, sobre o princípio que não permitiria propagandas de “opções sexuais em
seu governo”. Como se sabe, o Movimento LGBT não adota o termo “opção sexual”,
mas sim, “orientação sexual”.
Conforme Pedro Chequer, coordenador do Programa Conjunto das Nações
Unidas sobre HIV/AIDS no Brasil (UNAIDS), a atitude da presidenta foi, sem dúvida,
uma postura retrógada: “A mensagem de independência pode ser substituída por
uma postura retrógada, de quem restringe suas ações em virtude de dogmas
religiosos101”, podendo acarretar na erosão do Estado laico, no retorno de valores
religiosos para a política.
Atualmente tem-se um nítido período de teor conservador. Sobre tal questão,
o ano de 2013 foi extremamente expressivo, pois marcou a história de grandes
embates entre os evangélicos e os Movimentos LGBT, feminista e negro. Assim, foi
possível identificar, por meio das bancadas religiosas, os conflitos entre o Estado e
aqueles setores. Neste sentido, Gramsci fornece elementos que são atualíssimos
em suas análises para pensar as correlações de força:

[...] o conflito entre “Estado e Igreja” simboliza o conflito entre


qualquer sistema de ideias cristalizadas, que representam uma
fase ultrapassada da História, e as necessidades práticas
atuais. Luta entre conservação e revolução, etc., entre o que
foi pensado e o novo pensamento, entre o velho que não quer
morrer e o novo que quer viver, etc. (GRAMSCI, 2007, p. 256)

A luta de conservação ideológica permeou o Estado com as bancadas


evangélicas, representadas na figura do deputado federal Marcos Feliciano (PSC-
SP), que assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara dos Deputados em 2013. Tal fato político repercutiu nacionalmente, pois, o
então presidente da Comissão declarou posturas que faziam coro com o racismo, o
machismo e a homofobia. Assim, pode-se questionar: por que o PT não quis

101Disponível em: http://verdadesgritantes.blogspot.com.br/2013/03/onu-critica-suspensao-de-kit-gay-


para.html. Acesso dia 19 de Agosto de 2014.
189

disputar a Comissão? E por qual motivo a presidenta da República não se


pronunciou contra as posturas assumidas por Marco Feliciano?
De fato, não se pode focar a crítica apenas na pessoa da presidente Dilma
Rousseff, mas na estrutura governamental que vem tomando os partidos políticos. A
política de alianças entre o PT e o PMDB trouxe muitos desafios para a sociedade
brasileira e para os diversos segmentos sociais. O PT, cada vez mais aprisionado a
um viés de cunho reformador que ora cede, ora retrocede, impõe limites e avanços
para aqueles que estão articulados em suas alianças como a própria Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Em uma análise lúcida e crítica um militante do PT faz uma crítica aos
próprios militantes do partido, coloca Júlio Volpato102 (2014):

É necessário fazer uma crítica pontual ao Secretário Nacional da


Juventude do PT que deixou a muito tempo de discutir políticas
públicas, discutir a luta contra o preconceito, contra o machismo,
racismos e homofobia, deixou de instigar o debate de educação
libertadora, presente na essência do Partido dos Trabalhadores, a
Secretaria Nacional da Juventude perde muito tempo discutindo o
golpe do STF contra o PT e deixa sua verdadeira característica de
debate com a juventude interna para outro plano posterior.

Pode-se compreender que a estrutura da militância no PT na luta contra as


opressões passa também por críticas dos próprios militantes do partido, quando
deixam em segundo plano questões relacionadas às opressões de viés machista,
sexista, racista e homofóbico.
Conforme Silva (2011), isso advém de uma despolitização que são
estabelecidas nesses espaços de militância, que não identificam os sujeitos da
diversidade como sujeitos que sofrem cotidianamente com o preconceito. Assim, as
reivindicações ficam somente na segmentação, fragmentação, que destoam de uma
luta radical em defesa de mudanças estruturais da sociedade para romper com o
capitalismo, racismo, patriarcado e a heterossexualidade como ideologia.
Compreende-se que diante dos governos Lula e Dilma os principais marcos
das Conferências LGBT’s no Brasil foram importantes, mas que ainda apresentam

102 Secretário de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT de Itapema/SC, Membro


Suplente do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores, Representante discente no
Departamento de Administração Pública da UDESC/ESAG e Membro Dirigente da União Catarinense
dos Estudantes.
190

limites sobretudo com ações concretas, com políticas públicas efetivas para a
população Trans* que cotidianamente vivencia diversas opressões, pois não adianta
ter uma formação se o mercado de trabalho não vai inserir essa pessoa por conta do
preconceito e da transfobia e outros determinantes sociais que impendem muitas
vezes de inserir uma pessoa que é qualificada para trabalhar por conta do estigma
social construído sobre essas identidades, como expressa na entrevista de Cris
Stefanny:

Já tivemos casos de trans que fizeram curso de enfermagem, depois


de estar formada, depois de passar em concurso público colocarem
ela para trabalhar no almoxarifado do hospital, em vezes de trabalhar
na área que ela se formou aí nos tivemos que ingressar com uma
ação na justiça para realocar ela para função que lhe era de direito,
então isso acontece, a gente sabe, mas também é preciso que as
pessoas trans denuncie.

Sabe-se que não existe nenhuma lei no Brasil que criminalize a LGBTfobia,
nesse sentido fica difícil para uma travesti ou transexual fazer uma denúncia desse
caráter, mesmo ela denunciando no Disque 100 da Secretária da Presidência da
República (SDH), para que tramite o processo no Ministério Público (MP) levará
dias, não que essa deixe de denunciar.
Geralmente a denúncia tem que ser feita, para que sejam contabilizadas as
violências e que sejam desenvolvidas políticas públicas efetivas de combates as
essas práticas, no entanto mesmo com os altos índices de violência contra
população Trans* no Brasil não se tem nenhuma medida de combate as essas
práticas de forma efetiva e combativa.
Identifica-se, assim, muitos retrocessos no campo dos direitos desse
segmento, como exemplo citamos a decisão pelo engavetamento do Projeto de Lei
(PLC) 122 da Senadora Federal Marta Suplicy em 2011, esse que além de
criminalizar a LGBTfobia reconhecia as identidades de gêneros das Travestis e
Transexuais no Brasil.
Dessa forma, como percorreu até nesse momento o Estado é o campo
mediador desses direitos da população Trans* no Brasil. É nessa arena de conflitos
sociais que essa população resiste na defesa por direitos para esse segmento.
Apreende-se que o direito tem uma função ideológica no capitalismo de manutenção
191

da desigualdade, mas a estrutura da desigualdade não está somente no direito, ela


é estruturada pelas leis econômicas, políticas e culturais.
Assim, essas expressões da questão social que envolve as travestis em
Natal e na realidade brasileira como toda, já está determinada pela estrutura de
classes, pela forma patriarcal e sexista. No entanto o direito se configura como uma
mediação, pois é fruto das lutas de classes em seu caráter contraditório (MANDEL,
1982).
Identificou-se, também, a forte defesa pela “cidadania LGBT”, de tal modo
apreende-se que a temática e a defesa da terminologia “cidadania” funciona no
processo de manutenção ideológica da sociabilidade capitalista, nesse sentido é
preciso no atual modelo de sociedade analisar criticamente qual é o real significado
dessa terminologia e quais são suas contribuições nos processos sociais de
reprodução ampliada do capital, sobretudo nas políticas públicas.
Diante do exposto, identifica-se que na contemporaneidade muitos projetos
sociais e políticas públicas, sobretudo em parte de pesquisas que envolvem
perspectivas sobre análises das dimensões das políticas sociais perpassam na
defesa da cidadania, muitas vezes baseadas sobre as influências do teórico T. H.
Marshall (1967) no ensaio teórico “Cidadania, Classes Sociais e Status” –
conceituando a cidadania formada por três elementos: civil, político e social, o autor
defende a tese de que fazem parte do processo de evolução da sociedade.
De tal maneira, esses campos das políticas públicas sobre o viés da
cidadania partem da perspectiva desse autor, para explicar, refletir e
corriqueiramente para defender tal terminologia. Como observou-se nas políticas
públicas analisadas tantos nos governos Lula e Dilma, a justificação pela cidadania
decorre dessa arena teórica e política, no entanto o que não é expresso são seus
limites diante da sociedade burguesa. A noção de cidadania:

[...] é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso


de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se
apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as
potencialidades de realização humana abertas pela via social em
cada contexto historicamente determinado (COUTINHO, 2008, p.
50,).

Neste interim, apresenta-se alguns limites sobre o conceito “cidadania” na


ordem burguesa, principalmente por acreditar que no contexto de crise de capital
192

essa terminologia é apenas uma fraseologia da qual não se materializa para a


classe trabalhadora no contexto de precarização, e, contrarreforma dos direitos,
principalmente para a população Trans*. Assim, o primeiro ponto em relação a
crítica a perspectiva de Marhall (1967) trata-se de ser uma análise evolucionista da
cidadania, da qual não faz uma crítica a estrutura econômica e política da sociedade
capitalista.
O segundo elemento sobre a perspectiva da cidadania diz respeito a sua
forma ideológica de manutenção da desigualdade, pois acredita-se que as ações
que estejam voltadas para a construção de uma outra sociedade com igualdade e
liberdade substantiva devem ter o horizonte da emancipação humana, o objetivo
aqui não é negar que as políticas públicas de trabalho e renda não sejam
importantes para as travestis e transexuais, mas é preciso desvendar, também, os
limites e as contradições dessas ações no marco da sociedade burguesa/patriarcal.
No imediato a luta por direitos são mais ganhos para a burguesia do que para
classe trabalhadora, no entanto acredita-se que as conquistas e lutas por direito
trata-se de sua importância para organização da classe trabalhadora, mesmo que
seja diante da emancipação política, dado que ainda são ínfimas as políticas
públicas para travestis e transexuais como apresenta a tabela a seguir:

TABELA 2: Políticas Públicas LGBT’s no Brasil


AÇÕES, PROGRAMAS E DIREITOS SOCIAIS PORCETAGEM (%)

Órgãos Gestores com Políticas Públicas voltadas para 14% dos municípios (383)
população LGBT.

Municípios com programas e ações para o 8,7% dos municípios (486)


enfrentamento da violência contra a população LGBT.

Munícipios que possuem Legislação sobre 1,4% dos municípios (79)


discriminação LGBT.

Sobre o reconhecimento dos direitos da população 1,8% dos municípios (99)


LGBT.

Reconhecimento do Nome Social por Travestis, 1,0% dos municípios (54)


Transexuais e Transgêneros.

FONTE: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2260
193

Dessa forma, pode-se compreender que são desafiadores e complexas as


pautas em relação as políticas públicas de trabalho e renda para a população Trans*
no Brasil. Como já supracitado não é o objetivo desse trabalho negar contribuições
que tiveram os marcos das conferências LGBT’s, mas que infelizmente pouco houve
de implementações efetivas nesses governos para essa população que ainda é
marginalizada e subalternizada no mercado de trabalho, nesse sentido como forma
de apreender a materialidade dessa pouca efetividade no campo do trabalho para as
travestis analisar-se-á no próximo tópico o orçamento público e o financiamento de
políticas públicas voltadas para esse segmento.

4.5 Orçamento Público e Financiamento de Políticas Públicas de combate a


opressão e exploração: limites e contradições

Alguns dos fatores que apontam para o lento processo de desenvolvimento


de políticas sociais e Políticas Públicas destinadas ao combate às opressões e
explorações do público Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros (LGBT) relacionam-se a uma questão orçamentária. Neste sentido,
além disso a atual crise coloca em xeque o avanço dessas Políticas Públicas,
grande parte do orçamento do Governo Federal é destinada ao pagamento da dívida
externa.
Assim, com os cortes nas diversas políticas de educação, saúde, previdência
e trabalho, inclusive nos programas que tem recorte de geração, multiculturalidade e
a dimensão de gênero com perdas nos direitos sociais, tem-se diversas
consequências para a classe trabalhadora, na particularidade desse debate as
travestis, que possuem particularidades enquanto identidade de gênero, sofrem
preconceitos específicos no mundo do trabalho por darem visibilidade a essa
identidade. Então, questiona-se: como é possível romper as opressões e
explorações geradas por esse endividamento injusto para ampliar o orçamento nas
políticas públicas de combate a opressão?
Na contemporaneidade vivencia-se uma grande crise estrutural do capital
atingindo todos os hemisférios do globo – resultado do colapso financeiro que se
alastrou pelo mundo desde os anos 1970, com superações e retornos. Segundo
194

Chesnais (2008), a crise que está colocada possui características comparáveis com
a de 1929, mas que seus efeitos somente foram sentidos a partir de 1933, com
longa fase de recessão – resultado dos limites históricos do capital.
Ainda conforme aquele autor, para a superação desses limites, o capital tem
adotado algumas medidas, tais como: o processo de liberalização da economia e do
comércio; o desenvolvimento do capital fictício e dos meios de créditos para a
ampliação das demandas insuficientes do capital através da financerização da
economia; e, a reincorporação dos países ao grande capital (Rússia e seus
seguidores, e a China, por exemplo) (CHESNAIS, 2008).
O fundo público vem sendo utilizado para amortizar a dívida externa e,
principalmente, para salvar os bancos da crise financeira. Neste sentido, o Estado
tem uma função extremamente importante para a manutenção da acumulação
capitalista. Chesnais (2000, p. 11) destaca que o Estado não é “exterior” ao mercado
financeiro, mas faz parte do desenvolvimento econômico do capital, assegurando,
por exemplo, as medidas para as retomadas das taxas de lucratividade (nesse caso,
com o viés do neoliberalismo, ou seja, “sem a ajuda ativa dos Estados, os FMN e os
investidores financeiros institucionais não teriam chegado às posições de domínio
que sustentam hoje e não se manteriam tão à vontade nessas posições”) (idem,
2000, p. 11).
Em relação às análises do fundo público, Fattorelli (2010) explicita que a crise
de 2008 não somente atingiu o hemisfério sul, mas como diversos país do Norte,
com forte endividamento público, transferindo seus recursos para os setores
financeiros, apresentando, como consequência, o endividamento, a financeirização
da economia e a injustiça social.

No contexto dos países europeus, as sucessivas manifestações da


crise estrutural do capital vêm provocando, desde a década de 1990,
uma insidiosa corrosão nas históricas conquistas de direitos da
classe trabalhadora, que se materializam em transformações
restritivas nas políticas sociais (BOSCHETTI, 2013, p. 356).

Assim, “o panorama mundial atual encontra se marcado por crise financeira,


transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado, acirramento da
concentração de renda; aumento da pobreza e da miséria; desemprego; violência e
fome” (FATTORELLI, 2010, p. 14), com elevadas taxas de juros e aumento da
195

inflação para a classe trabalhadora, que vive cotidianamente sobre diversos


desafios.
De acordo com a análise da Fattorelli (2010), esse cenário de colapso
mundial tem aprofundado as desigualdades sociais e injustiças sociais devido à crise
da dívida nos países do Norte (Estados Unidos da América – EUA e União Europeia
– UE), forte “dívida” dos países do Sul, com pagamentos volumosos sobre elevadas
taxas de juros, acarretando em sérias consequências para a classe trabalhadora,
com a perda dos direitos sociais e trabalhistas, previdenciários, pensionistas,
privatização das políticas sociais, como forma de produzir um somatório dos
recursos para o pagamento da “dívida e dos juros”.
Nesse modelo de sociedade, sobretudo nas bases da financeirização
intensificam os processos de precarização, porém, não se pode desconsiderar que
alguns contingentes têm suas particularidades relacionadas a outros fatores sociais,
políticos, econômicos e culturais que atingem de forma diferenciada ou qualificada,
entretanto, com semelhanças e distinções, como é o caso da precarização
vivenciada pelas travestis no mercado de trabalho. Diante de complexas questões e
desafiantes processos, os caminhos de superação são muitos, mas, a curto prazo,
acredita-se que é preciso romper com a dívida por via de uma auditoria cidadã da
dívida externa.

O objetivo da auditoria da dívida é dissecar o processo de


endividamento do País, conhecer e documentar a verdadeira
natureza da dívida, identificar suas ilegalidades e ilegitimidades e, a
partir daí, promover ações no sentido de rever esse processo que
tem consumido a maior parte dos recursos públicos, a fim de que tais
recursos sejam destinados ao atendimento das urgentes
necessidades sociais (FATTORELLI, 2010, p. 3)

A dívida pública, pode ser uma expressão ou se não uma das maiores
expressões ligadas as desigualdades sociais e ao atraso da cultura política no Brasil
que reproduz inclusive no fomento e no déficit políticas públicas e sociais destinadas
aos LGBT's, claro que não desconhecemos que o atraso no fomento dessas
políticas, além disso, perpassa a um campo do moralismo e do conservadorismo,
mas também ao econômico e político, dado que a sociedade é uma totalidade una e
indivisível.
A auditoria da dívida externa pode proporcionar muitos recursos destinados
às necessidades sociais desse contingente. Neste sentido, o debate aqui
196

empreendido não deseja asseverar somente às referidas necessidades para o


público aqui analisado, mas também sinalizar a importância deste não apenas como
a solução final, tendo em vista que o País pode recuperar a soberania que está em
detrimento dos setores financeiros. Em suma, “o desafio que enfrentamos e imenso,
pois a dívida pública não tem servido como um instrumento de financiamento do
Estado, mas sim um instrumento de subtração de recursos públicos que são
transferidos para o setor financeiro” (FATTORELLI, 2010, p. 4).
A transferência dos recursos públicos em decorrência das políticas de
austeridade fiscal traz diversas consequências para a classe trabalhadora,
principalmente para as políticas de “oportunidade de igualdade”, destinadas a
diversos segmentos sociais, que acarreta nos baixos orçamentos destinados aos
programas e às Políticas Públicas de combate à opressão e exploração.
Destarte, em tempos de crise os cortes destinados as políticas públicas e
sociais são os maiores, como identifica-se na tabela a seguir os cortes na execução
do orçamento do Programa de “Políticas Públicas para as Mulheres: enfrentamento
à violência e autonomia” são altos e dificulta a efetividade dessas políticas:

TABELA 3: Execução do Orçamento do Programa "Políticas para as Mulheres:


Enfretamento à violência e Autonomia": 2013 – 2014.

AÇÃO REALIZADO (*) EM REALIZADO EM (*) EM


2013 (R$) 2014 (R$)

Construção da Casa da Mulher - 18.733.334,00


Brasileira
Promoção de Políticas de 20.783.788,00 15.988.012,00
Igualdade e de Direitos das
Mulheres
Atendimento às mulheres em 89.114.951,00 39.594.950,00
Situação de Violência
Publicidade de Utilidade Pública 4.499.049,00 14.005.010,00
Central de Atendimento à Mulher – 5.768.671,00 11.178.986,00
Ligue 180
Incentivo à Autonomia Econômica 14.994.177,00 13.824.293,00
e ao Empreendorismo das
Mulheres
TOTAL 135.160.636,00 113.324.585,00
Fonte: SIAFI. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida (*) – Valores empenhados em 31/12 do ano
correspondente.
197

Esses dados expressam uma complexa relação da materialização de como o


capitalismo na sua atual fase nega as possibilidades de satisfação das necessidades
da diversidade, dos direitos sociais, direitos esses conquistados com a organização
política e coletiva das mulheres que durante o governo do PT conquistaram essa
secretaria, mas que em tempos de crise essas políticas setoriais são as mais
afetadas, sobretudo para garantir mediante apropriação do fundo público a
manutenção do desenvolvimento capitalista, assim a redução em face dos cortes
mostra como o Estado tem participação para a acumulação capitalista, além disso “o
aumento da dívida pública combina com a desigual distribuição de renda e a menor
tributação das rendas, por razões de ordem política, fazendo com que a maior carga
tributária recaia sobre os trabalhadores” (IAMAMOTO, 2008, p. 25).
A apropriação do fundo público em decorrência da liberalização do Estado
tem sido na contemporaneidade um dos principais elementos para a retomada das
taxas de lucro do capital, especialmente em tempos de crise, os direitos são
mercantilizados para salvar o mercando financeiro diante as regressões das políticas
públicas e sociais conquistados pela classe trabalhadora, diante identifica-se essa
desregulamentação nos dados do Ministério do Planejamento no ano 2015 com o
ajuste fiscal que trouxe grande redução nos setores orçamentários em diversos
ministérios:

TABELA 4: Orçamento ministerial do ano de 2015

Ministérios Recursos Cortes dos Porc. (%)


Recursos

Ministério da Saúde R$ 103,2 bilhões R$ 91,5 bilhões 11,4%

Ministério da Educação – MEC R$ 48,8 bilhões R$ 39,3 bilhões 19,3%

Ministério do Desenvolvimento R$ 33,0 bilhões R$ 31,6 bilhões 4,2%


Social
Secretaria da Igualdade Racial R$ 60 milhões R$ 30 milhões 55,9%
– SEPPIR
Secretaria de Direitos R$ 348 milhões R$ 115 milhões 55,5%
Humanos – SDH
Secretaria de Políticas para as R$ 249 milhões R$ 140 milhões 43,8%
Mulheres
Fonte: Ministério do Planejamento Social, 2015.
198

Dessa maneira, conforme Iamamoto “a desregulamentação aumenta


contraditoriamente a necessidade dessa intervenção para estabilizar a anarquia do
mercado e enfrentar crises financeiras com recursos oficiais” (2008, p. 26), assim a
redução do orçamento do Ministério da Saúde, Educação, Desenvolvimento Social,
da Secretaria de Igualdade Racial (SEPPIR), da Secretaria de Direitos Humanos e
Políticas Públicas para as mulheres fazem parte de uma agenda macroeconômica
do Estado que atinge, sobretudo a classe trabalhadora.
Dessa forma, tem-se como pressuposto que se o conjunto de políticas
aludidas que faz parte da Seguridade Social foram atingidas, e que são
regulamentados pela Constituição Federativa, quiçá as políticas de Direitos
Humanos que na sociedade brasileira tem grande invisibilidade, nessa perspectiva
além dos cortes no orçamento destinado as políticas públicas e sociais, apreende-se
que nesses períodos também intensificam as contradições entre capital versus
trabalho, com o aumento do trabalho desprotegido e precarizado.
Assim, as precarizações que atingem as travestis sujeitas da pesquisa tanto
as trabalhadoras formais, informais e desempregadas que participaram desse
estudo, estão nesse contingente precarizado, mesmo quando são ou possuem
alguma qualificação são vetadas ao mercado de trabalho formal,em facedo
preconceito e as múltiplas formas de opressão que vivenciam no mundo do trabalho.
Constata-se que são baixos os orçamentos destinados ao combate ao
preconceito contra a população LGBT no Brasil, que envolve diretamente a
população Trans* (Travestis e Transexuais). Sem orçamento dificulta a possibilidade
de efetivaçãode política pública, quiçá de trabalho e renda para essa população que
vive subalternizada, isso “encontram-se na origem do sofrimento do trabalho e da
falta deste, que conduzem à ociosidade forçada enormes segmentos de
trabalhadores aptos ao trabalho, mas alijados do mercado de trabalho, engrossando
a superpopulação relativa” (IAMAMOTO, 2008, p 28).
Diante das complexas mudanças sociais, tem-se a banalização da vida social,
aumenta-se o desemprego, a violência, precarização, cortes do orçamento
destinado a proteção social e aos direitos humanos, a invisibilidade das políticas
públicas destinadas a população LGBT com o contingenciamento efetivos no
orçamento dessas políticas que deveriam combater o preconceito e a discriminação
contra esse segmento, inclusive, nos espaços de trabalho no caso das travestis que
sofrem transfobia cotidianamente. O gráfico a seguir apresenta dados de como
199

Estado trata de forma omissa a violência LGBTfóbica no Brasil, com redução ampla
dos recursos destinado a essa população:

TABELA 5: Projeto de Lei Orçamentária de 2012-2016

Política Setorial 2012 2013 2014 2015 2016

Promoção dos Direitos 87.5 68.7 64.5 61.2 5.0


Humanos Milhões Milhões Milhões Milhões Milhões

Promoção e Defesa 1.1 1.0 700.000 500.000


dos Direitos de LGBT Milhão Milhão
Fonte: http://www.orcamentofederal.gov.br/

Como observa-se na tabela: a Política de Promoção e Defesa dos Direitos


LGBT, está inserida na Política de Promoção em Direitos Humanos (PDH), com a
diminuição dos recursos da PDH logo foram cortados também os recursos da
política LGBT de R$ 1,1 milhão em 2012 passou para R$ 500 mil em 2015. Dessa
maneira, apreende-se que tais políticas na sociedade brasileira são invisíveis,
enquanto que cotidianamente a polução LGBT, especificamente as Travestis e
Transexuais sofrem diversas violações de direitos, são ínfimos os recursos que
assegurem políticas destinadas a promoção e a defesa dos direitos desse
segmento, inclusive nos espaços de trabalho.
Diante das complexas questões expostas tanto nas formulações das políticas
públicas de renda e trabalho para a população Trans*, como as apreciações acerca
do financiamento e orçamento destinados a essas ações. No tópico a seguir,
encerra-se essas analises com uma explanação no diz respeito aos processos de
violações de direitos das travestis no mundo do trabalho, aponta-se os desafios, as
possibilidades e os limites em torno da emancipação diante da sociedade burguesa.

4.6 As Travestilidades no mundo do trabalho: as violações de direitos e os


desafios para Emancipação Humana

As linhas que se seguem apresentam os desafios do movimento Trans* no


mundo do trabalho, bem como algumas experiências voltadas para a inserção das
200

travestis no mercado de trabalho. A luta pelo pleno emprego tem sido mundialmente
uma pauta contra os diversos mecanismos de exploração e opressão da atual fase
do capitalismo, sobretudo, na garantia de direitos para a classe trabalhadora. Sabe-
se da persistente reprodução desigual e combinada do capital, com a prospecção
das múltiplas expressões da questão social, acirrando as lutas no mundo do
trabalho.
A partir da organização dos sujeitos coletivos, outras pautas endossaram as
bandeiras de luta da classe trabalhadora em decorrência dos altos índices de
desemprego que atingem determinados segmentos. Ademais, quando se analisam
outros elementos, compreende-se que as múltiplas expressões da questão social
perpassam por recortes de classe, gênero e raça/etnia.
Diante do exposto, faz-se importante identificar quais os motivos da expulsão
das travestis no mercado de trabalho formal. Assim, é preciso ampliar tal questão a
partir da compreensão do ponto de vista dessas sujeitas – organizadas
coletivamente.
A representante da ANTRA, Cris Steffany, ao analisar a questão da grande
inserção dessa população na prostituição e os motivos que levaram tais indivíduos
aos referidos espaços, assevera:

[...] A gente não condena a prostituição como indigna. Eu não vejo


indignidade nisso, eu vejo pessoas que estão na prostituição pela
falta de mercado, pelo preconceito hoje da sociedade, mas que
também tem algumas que gostam, assim não queremos marginalizar
a prostituição dizer “olha estamos tirando você de lá”. Não, nós
estamos oportunizando que você tenha outros meios para além da
prostituição, fica muitas vezes aquela visão que estamos
criminalizando a prostituição, quando na verdade a prostituição não é
crime, mas agora também não podemos pegar todo mundo jogar
numa vala comum e empurrar para a prostituição como se fosse
solução. Como se travestis e transexuais quisesse ser prostituta
(CRIS STEFFANY – PRESIDENTA DA ANTRA).

Conforme o relato da presidente da ANTRA tem-se os mecanismos que


propiciam uma nova concepção acerca dessas identidades em torno da inserção no
mercado de trabalho, ou seja, que a prostituição não seja uma regra para quem é
travesti, mas que esta tenha outras oportunidades de trabalho para além do
mercado sexual. Portanto, a partir da organização nacional desse segmento na
201

defesa de direito para as travestis e transexuais, alguns Estados brasileiros


desenvolveram ações voltadas para o combate ao preconceito no mercado de
trabalho para as Trans*.
Como forma de apreender algumas conquistas das travestis e transexuais em
determinadas cidades do Brasil, no campo das políticas públicas de renda e
trabalho, realizou-se um mapeamento de determinados projetos voltados para a
inserção dessa população no mercado de trabalho, optando-se por apresentar
aqueles que possuem uma maior visibilidade:
João Pessoa, Paraíba – Programa Transcidadania: busca ações firmadas
com algumas agências, a exemplo de empresas de telemarketing; é desenvolvido
pela Prefeitura Municipal de João Pessoa.

O programa Transcidadania tem o objetivo de fazer um levantamento social


sobre as travestis e transexuais da capital paraibana e desenvolver políticas
públicas a fim de levar cidadania a essa população. O programa foi
inspirado em uma iniciativa realizada em São Paulo como forma de
combater a transfobia nos contextos sociais e familiares (MELO, 2016) 103.

Recife, Pernambuco – Amotrans: é uma instituição sem fins lucrativos que


atua na defesa de políticas públicas voltadas para a população LGBT; também foi
desenvolvida, pela da Secretaria Executiva de Direitos Humanos, a campanha “O
trabalho TRANSforma”, que tem como objetivo o combate à discriminação de
travestis e transexuais no mercado de trabalho.
Salvador, Bahia:A Secretária da Justiça e da Cidadania e Direitos Humanos
do Estado da Bahia (SJCDH), tem cursos voltados para inserção de travestis e
transexuais no mercado de trabalho formal; e ainda, tem-se ações desenvolvidas
pela da Associação de Travestis de Salvador (ATRAS), atuando em conjunto com o
Ministério da Saúde (MS) e a prefeitura local, cujo objetivo “é desenvolver ações de
defesa de travestis e transexuais nas ruas de Salvador, além de promover reuniões
semanais e cursos profissionalizantes de corte-costura, cabeleireiro, confecção de
bijuterias e computação”104.

103 “Parceria abre oportunidades de trabalho para travestis e transexuais” Disponível em:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/parceria-abre-oportunidades-de-trabalho-para-travestis-e-
transexuais/. Acesso dia 06/05/2016.
104 ATRAS – Associação de Travestis e Transexuais de Salvador. Disponível em:
http://www.curtosim.com.br/atras---associação-de-travestis-de-salvador. Acesso dia 06/05/2016.
202

Fortaleza, Ceará: as ações de combate à discriminação e ao preconceito


contra população Trans* vem sendo promovidas pela a Associação de Travestis do
Ceará (ATRAC), que tem como coordenadora Thina Rodrigues; a capital cearense
também possui um Centro de Referência em Direitos Humanos LGBT, intitulado
Janaína Dutra, com ações de combate às violações de direitos; no entanto,
conforme entrevista da militante Fernanda Viera no noticiário “Diário do Nordeste”,
foi possível perceber que ainda são incipientes as políticas públicas de trabalho para
a população Trans*:

Segundo a ativista, não há um “movimento” no Estado que lute


efetivamente pelos direitos trabalhistas. Existem algumas ONGs e
coletivos partidários, porém é uma luta espalhada. “Não há um
'movimento' no sentido clássico do termo, que remete aos
movimentos trabalhistas dos anos 80. Não. Temos uma luta
atomizada, espalhada. Alguns sujeitos que lutam em nome da
população TT. O Ceará, em específico, dispõe de Coordenadoria
Especial de Políticas LGBT, porém, eles não dão conta de atender às
demandas, demonstram imenso despreparo”, conta (DIÁRIO DO
NORDESTE, 2015)105.

São Paulo, São Paulo: também na capital paulistana, na gestão do atual


prefeito Fernando Haddad, é desenvolvido o programa Transcidadania, voltado para
travestis e transexuais, que tem como objetivo a inserção dessa população no
mercado de trabalho formal: “Para auxiliá-las o Transcidadania vai garantir, por dois
anos, um salário mínimo mensal – 788 reais. Há ainda a exigência de se frequentar
aulas de educação para adultos nas escolas municipais, visando o Pronatec e o
ENEM” (MELO, 2015)106; o programa ainda funciona em parceria e articulação com
as pastas municipais de direitos humanos, saúde, educação, trabalho, assistência
social e política para as mulheres; Melo (2015) destaca que a cidade de São Paulo
possui aproximadamente 5 mil indivíduos Trans*, e o projeto, no início, beneficiou
100 bolsistas.
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: pela Coordenadoria Especial da Diversidade
Sexual do Município do Rio de Janeiro (CEDS/RJ), desenvolveu-se o Projeto

105 “Homofobia e Discriminação Profissional”, Disponível em:


http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/especiais/homofobia-preconceito-no-trabalho-1.1280951.
Acesso dia 06/05/2016.
106 “Prefeitura lança programa de apoio às transexuais” por Mariana Melo. Disponivel em:

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/prefeitura-lanca-programa-de-insercao-social-as-mulheres-
transexuais-582.html. Acesso dia 15/05/2016.
203

Damas, no ano de 2014, com o objetivo de inserção para travestis e transexuais; as


ações tem por norte a capacitação profissional com a escolarização, com oficinas de
trabalho; e ainda, também foi desenvolvido naquela capital o portal TRANSemprego,
criado por Daniela Andrade, Márcia Rocha e Paulo Bavilacqua – um site que
anuncia vagas de emprego e estágio destinadas ao segmento Trans, que surge com
o objetivo de auxiliar as travestis e transexuais que possuem dificuldade de inserção
no mercado de trabalho.
O caminho teórico-metodológico, as análises documentais, a pesquisa teórica
e de campo e as entrevistas fazem parte do arsenal aqui construído com o objetivo
de desvendar a realidade complexa que compõe o objeto de estudo do presente
estudo: a inserção das travestis no mercado de trabalho e as expressões de
desigualdades sociais que perpassam sobre esse contingente na realidade potiguar,
buscando, assim, dimensões da realidade brasileira. Neste ínterim, em relação às
ações e aos projetos supramencionados, não foi possível identificar nenhum projeto
de inserção no mercado de trabalho para as travestis no Estado do Rio Grande do
Norte.
De fato, as múltiplas expressões das transformações no sistema produtivo
são frutos da crise estrutural do capital, apresentando particularidades na
precarização objetiva-subjetiva que atinge as travestis trabalhadoras formais,
informais e/ou desempregadas.
As violações de direitos no âmbito do trabalho (assédio moral, sexual,
desproteção social, invisibilidade da identidade de gênero) e o não acesso às
Políticas Públicas e sociais são elementos que perpassam os direitos humanos, até
mesmo as violações de leis trabalhistas conquistadas historicamente pela classe
trabalhadora.
A luta em relação à promoção dos diretos humanos dos indivíduos LGBT no
ambiente laboral já faz parte de uma agenda política das missões da Organização
das Nações Unidas (ONU) no Brasil, da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) e seus diversos
parceiros com o lema “Construindo Igualdade de Oportunidade no Mundo do
Trabalho – combatendo a homo-lesbo-transfobia”, para o enfrentamento a
discriminação nos espaços de trabalho.
204

Além dos programas de promoção dos direitos humanos do indivíduo LGBT


mencionados, as travestis e transexuais ainda possuem outros mecanismos legais
que fundamentam o trabalho como um direito constitucionalmente articulado com
outros determinantes sociais, políticos e econômicos, conforme:

[...] arcabouço basilar da República Federativa do Brasil enquanto


Estado Democrático de Direito, contam-se como axiologicamente
equivalentes o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III) e do valor social do trabalho (art. 1º, IV, 1ª parte); dentre seus os
objetivos estão a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I), a erradicação da pobreza, da marginalização e redução
das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III) e a promoção do
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV) [...]
(AGNOLETI; MELLO NETO, 2013, p. 2).

No referido contexto, acredita-se que não se pode encerrar as linhas do


presente capítulo sem a apresentação de algumas indagações, a saber: qual a
ordem social desses direitos? Quais as bases materiais das violações desses
direitos? Quais suas particularidades? Como superar?
Neste sentido, observa-se na contemporaneidade uma maior visibilidade dos
direitos humanos, verificando também uma maior magnitude da violação desses
direitos, em especial, quando se refere a grupos específicos, como, por exemplo, a
comunidade LGBT, em especial, as travestis e transexuais – marginalizadas no
mundo do trabalho.
A fim de desvendar alguns aspectos ideológicos que perpassam o campo dos
direitos humanos na sociabilidade do capital, Ivo Tonet (2002, p. 63) destaca que “a
luta pelos chamados direitos humanos só adquire seu pleno e mais progressista
sentido se tiver como fim último a extinção dos próprios direitos humanos”. Tal
afirmação ancora-se em uma perspectiva marxista, de transformação da sociedade,
de emancipação humana, e requer algumas mediações para tratar da “extinção dos
direitos humanos”, pois tem por objetivo asseverar que nesse modelo de sociedade,
esses direitos fazem parte da burguesia que necessita ser superada.
Na ordem da sociedade capitalista tem-se uma ampliação das expressões da
questão social, o acirramento da desigualdade social que se distancia cada vez mais
dos valores de uma sociedade livre, justa e igualitária. Assim, o direito apresenta
aspectos contraditórios, como aponta Santos (2005), que pode ser utilizado como
205

um instrumento de dominação ideológica da burguesia, bem como uma forma de


resistência frente às modalidades de opressões e explorações geradas por esse
modelo de sociedade.
Neste sentindo, faz-se importante apresentar a lógica contraditória dos
direitos humanos, de modo que por auxílio das análises marxistas, “o direito, surgido
porque existe a sociedade de classes é, por sua essência, necessariamente um
direito de classe: um sistema para ordenar a sociedade segundo os interesses e o
poder da classe dominante” (LUKÁCS, apud TONET, 2002, p. 65).
A crítica que se faz à forma jurídica dos direitos e, em especial, aos direitos
humanos (incluindo os direitos trabalhistas), é fruto da revolução burguesa –
processo que permitiu a transição da sociedade feudal para a sociedade moderna.
Logo, “estas mudanças foram processadas ao longo dos séculos XVII e XVIII, no
momento em que a burguesia se colocou como uma classe revolucionária,
destruindo a ordem feudal para consolidar o capitalismo” (SANTOS, 2010, p. 30).
É na obra Sobre a questão judaica107 que Marx (2010) apresenta uma crítica
ontológica aos direitos humanos existentes em sua época, expressos nas
constituições americana de 1776 e francesa de 1789. Conforme Trindade (2011, p.
76), “o “homem” considerado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
cidadão não é o ser humano em si – ente genérico e universal –, mas apenas o
“membro da sociedade burguesa” um ser na sua individualidade, e não um ser social
expresso na coletividade. Assim, apreende-se que:

Esses direitos humanos são em parte direitos políticos, direitos que


são exercidos somente em comunhão com outros. O seu conteúdo é
constituído pela participação na comunidade, mais precisamente na
comunidade política, no sistema estatal. Eles são classificados sob a
categoria da liberdade política, sob a categoria dos direitos do

107
A obra Sobre a questão judaica é cheia de polêmicas. Durante muito tempo, o livro do Karl Marx
foi utilizado de modo indevido. Marx, muitas vezes, foi considerado antissemita, descontextualizado
no seu tempo histórico, sem fazer as devidas mediações cabíveis; por isso, a necessidade de
contextualizar a sua obra é fundamental para não se cair em equívocos. Sobre a questão judaica foi
escrita durante 1843 e 1844, publicado nos Anais Franco Alemão, em uma única edição, “para
escapar da censura da monarquia prussiana, dois ensaios que, ao romperem com o universo
conceitual jusnaturalista, rousseauniano e liberal, marcaram o efetivo início da sua contribuição
teórico-filosófica original” (TRINDADE, 2011, p. 69). O texto marca o rompimento de Marx com Bruno
Bauer – um jovem hegeliano. Para Marx, a crítica que Bruno Bauer fez sobre a questão judaica era
apenas de ordem filosófica, bem mais complexa, pois Marx considerava ser uma questão mais ampla
sobre uma perspectiva política e social.
206

cidadão, os quais como vimos, de modo algum pressupõem a


superação positiva e irrefutável da religião e, portanto, inclusive por
exemplo do judaísmo (MARX, 2010, p. 47).

A análise de Marx (2010) sobre os direitos humanos está assentada na


Declaração dos Homens (Droits de L’homme), que se diferenciavam dos direitos do
cidadão na sua época. Os principais direitos analisados que constituíam os direitos
humanos foram: liberdade; igualdade; propriedade privada e segurança. E mesmos
que tais direitos tenham sido proclamados no final do século XVIII e reformulados no
século XIX, as análises de Marx ainda são atuais e possibilitam pensar na atualidade
histórica a crítica de como esses direitos tem sido expressos na contemporaneidade,
e como estão articulados dialeticamente com as contradições do modo de produção
capitalista, sua forma jurídica, seus limites e suas contradições na atual crise do
capital.
A primeira análise sobre os direitos humanos na perspectiva de Marx foi uma
crítica ao conceito de liberdade – este assim expresso nas Declarações dos
Homens: “Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1791 – artigo 10
“ninguém pode ser incomodado por causa de suas opiniões, mesmo que religiosas”
e a liberdade a todo homem de praticar o culto religioso do qual é adepto” (MARX,
2010, p. 47). Neste sentido, para aquele autor, a liberdade é um direito humano,
representado pela Declaração dos Homens; e o que se refere “a liberdade equivale,
portanto, ao direito de fazer e promover tudo que não prejudique a nenhum outro
homem. O limite dentro qual cada um pode mover-se de modo a não prejudicar o
outro” (MARX, 2010 p. 49). Ainda de acordo com Marx (2010, p. 49), “a aplicação
prática do direito humano à liberdade equivale ao direito humano à propriedade
privada”. A liberdade expressa na forma jurídica não é um elemento emancipatório,
mas individual.
Ao trazer para esse debate a questão da diversidade de identidades de
gêneros, especificamente em relação às travestis e transexuais que se constituem
enquanto sujeitas que rompem com a lógica linear sexo/gênero, tais sujeitas sofrem
diversas consequências na sociedade patriarcal, capitalista e cissexista por se
construírem transgredindo o que está posto pela sociedade normativa. Assim, as
transfobias que são vivenciadas cotidianamente pelas sujeitas é a materialidade que
a liberdade expressa na forma jurídica; é uma expressão pura e legítima do direito
207

de classe burguês, ao negarem essas identidades com as violências que se rebatem


sobre essas sujeitas.
O segundo elemento que Marx discorre em sua análise crítica é sobre a
questão da propriedade privada. Aquele autor traduz este como: “O direito humano à
propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar a seu bel prazer (à son gré),
sem levar outras em consideração, independentemente da sociedade, de seu
patrimônio e dispor sobre ele, é o direito ao proveito próprio” (MARX, 2010, p. 49).
Assim, a propriedade privada exerce nesse modelo de sociedade um abismo
entre a liberdade e a propriedade, dado que o burguês proprietário dos meios de
produção tem para si o poder econômico, gerando na sociedade uma desigualdade
social. Os assédios sexuais e morais expressam elementos da propriedade privada,
pois, como exposto no presente estudo, são parte de hierarquias, são os
proprietários que expressam seus poderes de dominação, opressão e exploração.
Com a acumulação primitiva e o estabelecimento da propriedade privada,
observa-se nesse modelo de sociedade uma nova forma de relação social, pautada
no capitalismo. Portanto, o trabalho assalariado é um modo de produção desse
modelo de sociedade, e nem todos terão acesso ao mercado de trabalho. De tal
modo, grande parte desse contingente social estará na superpopulação relativa
acirrando, portanto, a desigualdade social, inclusive na disputa pelo acesso ao
trabalho.
O mundo do trabalho, no modo de produção capitalista, torna-se
extremamente competitivo e acirrado para a classe trabalhadora. No entanto, para
alguns segmentos sociais, as relações de opressão e exploração tornam-se mais
aviltantes. Além dos processos de preconceitos e discriminações, têm-se ainda
algumas questões que são complexas, como, por exemplo, a transfobia institucional
no espaço de trabalho.
Neste sentido, compreende-se que a apropriação se expressa muito além da
expropriação da terra, dos meios de produção e da força de trabalho, ou seja, essa
expropriação tem sua materialidade de muitos modos, e na realidade das travestis,
tal fato se dá no controle desses corpos quando rompem com a lógica binária na
sociedade; como consequências, estas sofrem diversas precarizações no mundo do
trabalho por romperem com a lógica socialmente existente, inclusive, sobre a
regulamentação do Estado quando não despatologiza essas identidades de gênero.
208

Seguindo o pensamento de Marx (2010), o direito à segurança analisado na


obra Sobre a questão judaica trata-se de um dos direitos mais polêmicos e
contraditórios dessa sociedade. Neste sentido, é possível questionar: segurança
para quem? Por quem? E para quê? A análise marxiana acerca da segurança se
deu comuma apreciação da Declaração Universal dos Homens de 1783,
considerada a mais progressista. Neste sentido, para aquele autor, a segurança é:

[...] o conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito da


polícia, no sentido de que o conjunto da sociedade só existe para
garantir a cada um de seus membros a conservação de sua pessoa,
de seus direitos e de sua propriedade. Nesses termos, Hegel chama
a sociedade burguesa de “Estado de emergência e do entendimento”
(MARX, 2010, p. 50).

Apenas para os burgueses da sociedade capitalista é que o direito à


segurança se materializa nessa sociedade. A classe trabalhadora vive
cotidianamente diversas negações de direitos – violência que se materializa na
insegurança cotidianamente posta pela barbárie social expressa na violência
transfóbica.
E por fim, a igualdade, na perspectiva de Marx (2010, p. 49), trata da “égalité,
aqui em seu significado não político, nada mais é que igualdade da liberté acima
descrita, a saber: que cada homem é visto uniformemente como nômade que
repousa em si mesma” (MARX, 2010, p. 49). Logo, é possível questionar: que tipo
de igualdade se pode pensar nessa sociedade capitalista que tem como maior
expressão a desigualdade social? É possível pensar em igualdade? Quando se
analisa a perseguição política e religiosa que os judeus sofreram desde a época de
Marx, logo se percebe que a igualdade e a liberdade são apenas uma igualdade
formal, repleta de limites, uma “igualdade perante a lei [que] não passa de uma
quimera luzente, face à desigualdade real que efetivamente rege a sociedade”
(TRINDADE, 2011, p. 77).
A mesma forma de perseguição dos judeus na época de Marx na Alemanha e
na França hoje existe para outras classes e segmentos sociais, como, por exemplo,
os muçulmanos na Europa, os exilados que fogem da guerra da Síria, e outros
contingentes sociais (imigrantes, negros, homossexuais), onde é possível também
incluir as sujeitas que rompem com as normalidades “jusnaturalista” de concepção
209

sobre identidade de gênero: as travestis – desprotegidas pelo Estado quando ainda


são patologizadas.
Diante da complexa realidade sobre a instauração dos direitos humanos
proclamados pela sociedade burguesa, permanecem ainda algumas questões: por
que o direito à diversidade é negado? Que tipo de liberdade a população Trans*
vivencia? Pode-se pensar em liberdade para população Trans*, sobretudo, para as
travestis nesse modelo de sociedade – oprimidas e exploradas? Pode-se pensar em
igualdade entre os sexos/gênero e as diferentes expressões de gênero nesse
modelo de sociedade?
De fato, não se pretende esgotar esse debate, mas sim, expressar as
contradições existentes sobre o direto, de tal modo que a luta dos direitos humanos
é expressa na sua contradição e, mesmo nos seus limites, verificam-se os processos
de resistência frente à barbárie social posta nessa sociedade. Assim, “apesar de
todos os avanços conquistados em relação ao sistema feudal, as limitações do
projeto burguês vieram à tona mediante o fato deste projeto representar os
interesses de uma classe em particular” (SANTOS, 2010, p. 30).
Mesmo aqueles e aquelas que vêm resistindo frente aos processos de
desigualdades sociais e na luta pelos direitos diante dos limites do capital,
necessitam enfrentar a ordem social para a conquista de direitos, como vem sendo a
luta das mulheres:

Para aquelas mulheres notáveis que, remando na contra


tempestade, desfraldaram o discurso da igualdade legal de gêneros,
como Claire Lacombe, organizadora da Sociedade das Mulheres
Revolucionárias, e Olympe de Gouges, outra emancipadora, não
restou senão o gume da guilhotina (TRINDADE, 2011, p. 53).

A luta pela liberdade, do movimento feminista, do movimento Trans*, da


classe trabalhadora, não é a liberdade na forma do direito liberal burguês, apesar
dos limites. No entanto, “na direção teórico-política dada a estas reinvindicações,
prevaleceu ruptura com os referenciais críticos à ordem burguesa e ênfase numa
abordagem de caráter particularista, voltada à defesa dos interesses de
determinados segmentos” (SANTOS, 2010, p. 31)
Tem-se, portanto, que a desigualdade social expressa a forma da opressão e
exploração. Assim, os elementos de liberdade, igualdade, justiça e segurança não
210

se materializam no presente modelo de sociabilidade, pois são inerentes ao modo


de produção capitalista.
211

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

"Somos traidoras do patriarcado e muitas vezes pagamos por isso


com nossa vida. (...). O patriarcado nos castiga por ’renegar’ os
privilégios da dominação que nos premiam as genitais com as quais
nascemos.[..]. Por outro lado, sofremos a violência institucional,
aplicada para salvaguardar a moral, os bons costumes, a família, a
religião. Essa violência é consequência de outra, a social, e nos é
aplicada por nos atrevermos a desafiar o mandato social do que
temos de ser e fazer.

(Lohana Berkins – Militante e fundadora da Associação de Luta


pela Identidade Travesti e Transexual (ALITT).

As palavras na epígrafe de Lohana Berkins, ativista Trans* da Argentina,


falecida em 5 de fevereiro do ano de 2016, representa sinteticamente algumas das
violações de direitos que as travestis enfrentam no cotidiano, isso por: “ser traidora
do patriarcado”, como diz Lohana é romper com o que está posto e construído
socialmente, sofrendo dessa maneira as consequências postas pelas relações
patriarcais de gênero. Ademais, a narrativa expressa uma das transgressões que
essa população encara no seu cotidiano de vida, ao subverterem as normas da
inteligibilidade do gênero, vivenciam desigualdades como, por exemplo, a inserção
precária no sistema produtivo.
Em vista disso, buscou-se nessa pesquisa apresentar elementos que
materializam a legitimação da barbárie, da desigualdade social e das ofensivas
contra as travestis no mundo do trabalho, especialmente na particularidade da
cidade do Natal/RN. Por conseguinte, observou-se que as condições de vida da
população Trans* no Brasil são de múltiplas negações de direitos, uma vez que
essas pessoas são marcadas socialmente por romperem com os modelos da
heterossexualidade como sistema político e ideológico, e, também da cisgeneridade.
Nessa lógica, as travestis mediante a fluidez dos seus corpos em torno do
gênero, do sexo e da sexualidade desestabilizam os sistemas de dominação rígidos,
por isso elas são as que mais sofrem os diversos rebatimentos da estrutura
hegemônica, dentro do padrão de dominação, exploração e opressão geradas pela
simbiose do capitalismo – do patriarcado – da heterossexualidade como sistema
político e ideológico e pelo racismo.
212

As reflexões, análises e apontamentos críticos apresentados nesse estudo,


enveredou-se por alguns caminhos, necessários para a explicação crítica do objeto.
Assim, foram essenciais as análises sobre: a crise estrutural do capital; uma
historicização das relações patriarcais de gênero; divisão sexual do trabalho que
tiveram como o recorte a inserção da identidade de gênero das travestis no mundo
do trabalho, fundamentado no entendimento dessa problemática como uma
expressão da questão social.
Recorrendo aos dados apresentados nessa pesquisa sobre a inserção
precária das travestis no mundo trabalho, identificou-se as expressões das
desigualdades sociais que permeiam a vida das travestis, a exemplo de: violações
de direitos em torno da negação à escola; dos altos índices de desemprego;
assédios morais e sexuais; preconceitos; as precarizações objetivas e subjetivas;
das transfobias nas suas distintas modalidades.
Destarte, considera-se que muitos fatores corroboram para essas negações
de direitos como a estrutura do patriarcado e as demarcações binárias de gênero na
sociedade. Apreendeu-se, ainda, que na realidade brasileira a centralidade da
dominação e exploração pelo patriarcado imbricado no capitalismo, e nas
particularidades da cidade do Natal se intensificam para dados segmentos sociais,
especialmente em questões que estão relacionadas com a formação social pautada
na construção do machismo e do coronelismo nessa região.
Desse modo, a partir da escolha do método materialista histórico e dialético,
delineou-se pela utilização da categoria “Relações Patriarcais de Gênero”, tanto pelo
seu historicismo, como pelas dimensões do desvelamento do real com base na
contradição e a mediação, principalmente por observar que em parte da literatura
marxista a discussão de gênero e sexualidade, ainda, é, marginalizada no sentido de
ser pouco discutida em relação a transformação social e as pautas da população
LGBT, englobando essas particularidades.
Nesse sentido, buscou-se apreender nesse trabalho que as discussões em
torno das identidades de gênero travestis e sua inserção precária no mundo do
trabalho faz parte da lógica de contribuir com o pensamento social de justiça social,
ou seja, assim como o pensamento feminista para a transformação da sociedade,
desvendar a lógica de desigualdades sociais que essas sujeitas enfrentam no
cotidiano, é alicerçar estratégias para romper com a presente lógica de
subalternidade, opressão e exploração (CONNELL, 2014).
213

Por conseguinte, adotou-se nesse trabalho a análise do conceito de “relações


patriarcais de gênero” e as condições de inserção precária das travestis no mundo
do trabalho fundamentada na perspectiva de Saffioti (2004) de trazer ao debate
dimensões que são importantes para compreender a simbiose das opressões e
explorações entre gênero, patriarcado e sociedade de classe e como esses sistemas
interferem na vida das travestis.
Compreende-se a atenção de analisar as categorias patriarcado e gênero,
que nesse estudo estiveram interligadas dialeticamente, ou seja “o patriarcado ou
ordem patriarcal de gênero, ao contrário, como vem explícito em seu nome, só se
aplica a uma fase histórica, não tendo a pretensão da generalidade, e deixando
propositalmente explicito o vetor da dominação-exploração” (SAFFIOTI, 2004, p.
138). De modo, do ponto de vista teórico-metodológico, Heleieth Saffioti, conforme
Connell (2014) apresenta grandes contribuições respaldada no referencial marxista
sobre as análises de gênero, historicizou as estruturas entre homens e mulheres na
sociedade moderna, do mesmo modo “reconheceu a especificidade da questão do
colonialismo na formação de relações de gênero e sexualidade” (CONNELL, 2014,
p. 20) na vida do contingente feminino.
Afirma-se, assim, que as discussões de Saffioti (2014), foram necessárias e
imprescindíveis para uma interlocução na apreensão sobre esse objeto de estudo,
especialmente com as análises acerca das relações patriarcais de gênero na
sociedade brasileira, para entender as desigualdades sociais que as travestis
enfrentam no mercado de trabalho.
Dessa forma, as demarcações sociais e históricas que parte de pesquisas
que abordaram as identidades travestis no Brasil, expressam-se na estrutura da
relações de poder/saber sobre essas identidades, marcadas muitas vezes por
ideologias que não contribuem para emancipação, e sim, para o assujeitamento.
Introduziram na sociedade o pensamento dominante: essencialista; determinista;
psicologizante que contribui para manutenção dos estigmas, preconceitos e
discriminações nas suas distintas faces da violência contra esses segmentos,
inclusive, na marginalização no mundo do trabalho, com a não inserção dessa
população no mercado de trabalho formal.
Além disso, pode-se apreender que o pensamento dominante advém da
estrutura colonialista, nas particularidades do lócus de pesquisa, Natal, está inserida
na região nordeste que ainda resguarda, em algumas cidades, características
214

coronelista, patrimonialista e patriarcal. A capital do Rio Grande do Norte é um lugar


em que a virilidade é expressão de um valor moral que se estabelece como a forma
de controle e poder, inclusive de autoridade e domínio sobre os corpos.
Diante do pensamento dominante, tudo que foge as regras do jogo da
heterossexualidade como modelo político, social e ideológico passa a ser uma
afronta, recaindo sobre essas pessoas drásticas consequências. Em relação as
travestis enfrentam múltiplas violações de direitos, acima de tudo com as práticas
desumanas em face da banalização da violência transfóbica, fruto da materialização
do conservadorismo que está tão em voga.
Notoriamente como síntese dessa pesquisa, deve-se expressar que a classe
trabalhadora encontra-se numa fase da sociedade sobre forte expressão do
conservadorismo, principalmente dada conjuntura política, acirrada pela crise do
capital, recaindo-se diversos desafios para os(as) trabalhadores, inclusive em defesa
das pautas da diversidade. Desse modo, pode-se afirmar que a compreensão do
atual contexto é de extrema importância para o entendimento sobre a precarização
das políticas públicas de combate as opressões, inclusive da luta contra transfobia
institucional e suas diversas modalidades.
Compreende-se que o Estado é uma esfera de contradições em que
permeiam as ideias da classe dominante, nesse sentido desde do ano de 2013
temos no Brasil uma forte onda conservadora com direções voltadas para a
derrocada do Partido dos Trabalhadores, mesmo reconhecendo que esse partido
que surgiu na tradição da esquerda brasileira tenha negado muito da sua construção
de origem, como foi a expressiva “Carta ao Povo Brasileiro”, da qual o PT
apresentava na ocasião um balanço sobre de como seria a governabilidade do
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, verifica-se que as alternativas que
crescem para uma possível substituição do Partido dos Trabalhadores da
governabilidade em todas as esferas do governo (Federal, estadual e municipal) são
ultraconservadores, trazendo, portanto, fortes desafios para as bandeiras de luta da
diversidade sexual e de gênero.
Acredita-se que um dos principais desafios na conjuntura contemporânea é o
avanço do fundamentalismo religioso que muitas vezes se expressa em ações
neoconservadoras, sobretudo no parlamento federal. Nos anos de 2015 e 2016
observou-se diversas ações políticas da inclusão dos estudos de gênero e
diversidade sexual nas redes de ensino por parte dos movimentos sociais
215

organizados. No entanto, as bandeiras políticas conservadoras trataram essa


questão pautada nos privilégios de grupos, como direitos voltados para a bancada
religiosa. Defenderam pautas particularistas, considerando que a discussão da
diversidade sexual nas escolas era uma “ideologia de gênero”, o que ocasionaria
segundo esses segmentos consequências para a infância e adolescência. Este
argumento foi aceito por grande parte dos políticos que golpearam as pautas do
movimento feminista e do movimento LGBT, tirando essas discussões do Plano
Nacional de Educação da PNE.
Entretanto, o maior retrocesso nos campos das políticas LGBT’s deu-se com
golpe impetrado contra a presidente da república Dilma Rousseff. Não pode-se
negar que o processo de impeachment no cenário político brasileiro, ensejado contra
a presidente Dilma Rousseff, durante o processo da realização dessa pesquisa,
configurou-se de golpe. É a materialização da expressiva reprodução da onda
neoconservadora que se alastra pelo mundo. Ademais, o golpismo contra a
presidenta também possuiu uma forte reprodução do machismo da elite branca com
agudas difamações sexistas contra Dilma Rousseff.
Sabe-se dos limites dos governos petistas em relação as políticas públicas
LGTB’s, no entanto os/as apoiadores do golpe contra a presidente fazem parte dos
setores ultraconservadores da sociedade brasileira e que defendem publicamente
pautas baseadas no conservadorismo tais como: a volta da ditadura militar, golpe de
1964, leis anti-feministas como: a criminalização do aborto; redução da maioridade
penal; defesa e manutenção dos privilégios da burguesia; precarização da classe
trabalhadora, assim como a negação dos direitos da população Trans*.
Portanto, na análise desenvolvida sobre as políticas públicas de trabalho e
renda para as travestis foi possível concluir que durante o governo do Partido dos
Trabalhadores, a referida população obteve algumas conquistas de direitos no
campo da diversidade sexual e de identidade de gênero. Foram realizadas três
conferências nacionais de políticas para LGBT’s, dessas conferências surgiram
planos nacionais e diretrizes voltadas para os estados e municípios. Além disso, nos
últimos dias de mandado a presidente Dilma Rousseff, decretou a Lei sobre o uso do
nome social na esfera federal, ou seja minimamente obteve-se algumas conquistas
que poderão ser abortadas nos próximos anos que virão.
Assim, com o processo de impeachment tramitando (até este momento) no
senado federal, Dilma Rousseff foi afastada enquanto aguarda o julgamento e
216

votação, e o vice-presidente Michel Temer do PMDB se tornou presidente em


exercício. Com Temer na presidência já apresentou diversos retrocessos no campo
das políticas públicas, que afetarão diretamente a população Trans*, tais como:
extinção do Ministério da Cultura, extinção da Secretaria de Políticas Públicas para
as Mulheres, Secretaria da Igualdade Racial, Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República que serão todas alocadas no Ministério da Justiça.
Outro retrocesso se deu na composição dos ministérios, nenhum dos
ministros indicados por Temer é de origem negra, ou de movimentos sociais, não foi
indicada nenhuma ministra mulher, efetivando-se assim a prática patrimonialista
burguesa de efetivação do poder pela dominação masculina em seu governo. Dessa
forma, percebe-se enormes retrocessos no âmbito das políticas contra LGBTfobia
que afetam diretamente as travestis, segmento com maiores violações de direitos na
sociedade brasileira.
Neste sentido, é imprescindível a análise de Mandel (1982), sobre o Estado
na fase do capitalismo tardio, é indispensável para compreender as principais
funções do Estado na sociedade moderna que são: “criar condições gerais de
produção que não podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos membros
da classe dominante” (MANDEL, 1982, p. 333), ou seja, com esse processo de
impeachment, será possível para Michel Temer (PMDB) e apoiadores o retorno das
grandes privatizações e dos privilégios das classes dominantes.
Além disso, outra função do Estado é “de reprimir qualquer ameaça das
classes dominadas ou de frações particulares” (ibidem, 1982, p. 334), e por fim
“integrar as classes dominadas, para garantir que a ideologia da sociedade continue
sendo a da classe dominante e, em consequência que as classes exploradas
aceitem sua própria exploração sem o exercício direto da repressão” (ibidem, 1982,
p. 334), isso expressa-se materialmente no lema do governo do pemedebista com
slogan “Não pense em crise, trabalhe”, projeto esse que prima pela negação do
indivíduo e pela alienação da classe trabalhadora.
Nesse sentido, ressalta-se duas tendências de materialização da onda
neoconservadora nos dias atuais: sua expressão através da reprodução individual e
coletiva. Dessa forma, identifica-se uma onda da reprodução do
neoconservadorismo. Verifica-se cada vez mais ações pautadas no preconceito e na
discriminação, ataques LGBTfóbicos, violências racistas e xenofóbicas, intolerância
217

religiosa com práticas de ataques a terreiros de candomblés e umbandas, ataques


contra moradores em situação de rua, estupros, linchamentos, entre outros.
Dessa forma, a reprodução do neoconservadorismo, também, pauta-se em
ações coletivas, a exemplo, dos grupos políticos ultraconservadores com as
bancadas religiosas que impedem as tramitações de leis como: cotas laborais para
travestis e transexuais; Lei de criminalização da LGBTfobia; Lei de Identidade de
Gênero entre outras. Isso faz parte do pensamento dominante, burguês patriarcal,
que acirra os conflitos raciais, de gêneros, com discursos que provocam o incentivo
a práticas de criminalização dos movimentos sociais, partidos de esquerda, contra
grupos étnicos/raciais evidenciando-se a face mais dura da violência contra:
negros/as, imigrantes, indígenas, ciganos, povos de terreiros, desempregados,
prostitutas, LGBT’s.
Nesse sentido, com acirramento da questão social, expressa também, avanço
do neoconservadorismo, de práticas pautadas na irracionalidade, e no intenso
processo de preconceito e discriminação, inclusive das travestis que são negadas do
mercado de trabalho formal, baseadas em ações de estigma construído contra
essas identidades. Assim “quando o outro é discriminado lhe é negado o direito de
existir como tal ou de existir com as suas diferenças” (BARROCO, 2011, p. 209).
Observa-se mais do que nunca a função integradora do Estado. Mandel
(1982), já apresentava os mecanismos ideológicos dessa integração que podem ser
estabelecidos pela educação, cultura, meios de comunicação, ver-se com frequência
aparatos da mídia televisiva, especialmente a Rede Globo, com propagação de
noticiários de cunho que expressa apoio ao golpismo via pensamento ideológico
formulando e disseminando práticas que faltam com a veracidade dos fatos.
De tal modo, acredita-se que os dias que virão serão de fortes retrocessos
nas políticas públicas LGBT’s, principalmente no retrocesso de conquistas no campo
das políticas de identidades de gênero, “o Estado precisa restringi-las, enfraquece-
las e aboli-las legalmente. A luta para preservar e ampliar esses direitos não
desenvolve apenas uma compreensão mais profunda da verdadeira natureza de
classe do Estado capitalista” (MANDEL, 1982, p. 350). Assim, no âmbito dos
retrocessos e para a garantia da exploração burguesa, podem ser dias de fortes
repressões aos movimentos sociais, e sobretudo, com a legitimação do avanço do
conservadorismo que rebate na vida da população LGBT.
218

Em torno de retrocessos dos direitos da população Trans* no Brasil, antes da


presidente Dilma Rousseff ser afastada temporariamente do poder executivo a
mesma assinou no dia 28 de Abril, pós III Conferencia Nacional LGBT, o decreto que
permite travestis e transexuais terem o direito de usar o nome social em órgão
federais, no entanto no dia 18 de maio, 29 deputados de diversos partidos DEM,
PSDB, PSB, PSC, PV, PR, PROS, PRB, PTN e PHS, os mesmo que voltaram a
favor do golpe contra a presidente, apresentaram projeto de lei para suspender o
decreto sobre o direito do uso do nome social pela população Trans* na esfera
federal, mostrando assim a face preconceituosa e conservadora sobre as
identidades travestis e transexuais.
Como síntese para pensar na emancipação política das travestis e
transexuais aponta-se algumas considerações da conjuntura política e alguns
desafios de luta. Uma das principais conquistas do Movimento Trans* no Brasil, é o
processo de organização política dessas sujeitas enquanto coletivo orgânico, artifício
esse que permitiu ao movimento colocar suas pautas de lutas e avançar no
enfrentamento por direitos, inclusive pela visibilidade das identidades no próprio
movimento LGBT, na realidade brasileira.
Dessa forma, pode-se apreender que na participação de fóruns e seminários
o movimento Travestis e Transexuais conquistaram alguns espaços, mas ainda que
hoje, possui desafios históricos no enfrentamento as desigualdades sociais, que
estão em torno de uma agenda de lutas que englobam, inclusive, a questão da
inserção no mercado de trabalho, especifica-se a seguir alguns desses desafios,
principalmente no campo das públicas de direitos:
Combate a transfobia: Em nível de América Latina, a violência contra a
população travesti como identificou-se na pesquisa, é algo alarmante, isso se reflete
desde as violências que passam nas escolas como nos espaços de trabalho em
decorrência dos assédios morais e até mesmo sexuais sobre seus corpos. De
acordo com os dados da Transgender Europe, foram registrados entre janeiro de
2008 a março de 2014 aproximadamente 1509 assassinatos contra população
Trans*, registrando a América Latina como continente mais transfóbico de todos os
continentes, assim o Brasil configura-se como o país mais perigoso para população
219

Trans*, com 602 assassinatos108. É preciso a retomada das discussões e


articulações para a aprovação do PLC 122 Lei de Combate a LGBTfobia no Brasil,
articulado com outros programas que permita o combate a toda forma de
preconceito e discriminação contra a população LGBT, sobretudo contra a
população Trans*;
Profissionalização, acesso à educação: como apresentou-se nos dados da
pesquisa de campo e entrevista com a presidente da ANTRA, Cris Steffany, as
travestis ainda vivem em condições marginalizadas no mundo do trabalho, e ao
mesmo tempo sem programas de políticas voltadas para a qualificação dessas
sujeitas. Porém, deve-se pautar a necessidade de políticas públicas na educação
com ampla discussão entre professores, funcionários, estudantes sobre temáticas
da diversidade sexual, identidade de gênero, relações de gênero que permitam aos
estudantes uma formação emancipadora e o respeito a diversidade humana. Uma
educação que permita as travestis e transexuais permanecerem com qualidade, sem
sofrerem opressões, discriminações nos espaços educacionais sejam nas escolas
ou nas universidades, pois conforme pesquisa realizada por Oliveira (2013),
aproximadamente 70% das travestis no Rio Grande do Norte não foram
alfabetizadas.
Acesso ao mercado de trabalho formal: como aponta a ANTRA 90% das
Travestis sobrevivem da prostituição, isso devido a inúmeros fatores sociais,
culturais, econômicos e políticos que atingem essas pessoas. É preciso que as
travestis e transexuais tenham o direito de se profissionalizarem, ter acesso as
universidades, onde possam conquistar seus sonhos de serem professoras,
médicas, advogadas, enfermeiras entre tantas outras profissões para além dos tidos
“trabalhos desvalorizados” (FALQUET, 2008), e que a prostituição não seja uma
regra destinada a essas pessoas. O Estado deve fomentar políticas públicas para
formação dessas sujeitas, mais mecanismos de inserção das travestis e transexuais
nos espaços de trabalho formais, com acesso aos direitos conquistados pela classe
trabalhadora.
Aprovação da Lei de Identidade de Gênero: no Brasil, ainda não tem uma
norma jurídica legal que permita a travestis e transexuais a mudança do nome e do

108 Dado disponível na Instituição Não Governamental Transgender Europe (TGEU) disponível no
site: http://www.transrespect-transphobia.org/uploads/downloads/2014/TMM-Map-2014-
IDAHOT_ES.pdf. Acesso dia 18 de outubro de 2014.
220

gênero no registro de nascimento, entre outros documentos conforme a identidade


de gênero dessas pessoas. É preciso que seja aprovado o Projeto de Lei João W.
Nery de autoria da deputada federal Erika Kokay (PT/DF) e do deputado Jean Wyllys
(PSOL/RJ). O Projeto de Lei (PL) 5.002/2013 tem como principal objetivo o
reconhecimento a identidade de gênero da população Trans*. No Brasil, tem-se
somente a Portaria nº 675/GM de 30 de março de 2006 que estabelece o direito das
travestis, mulheres trans, homens trans e outras identidades serem tratada(o)s pelo
nome social no Sistema Único de Saúde (SUS) em todo território brasileiro, no
entanto esse direito precisa ser aprovado na sua totalidade para que essa população
possa ser reconhecida na sua integridade nos diversos espaços de trabalho,
educação, lazer entre outros.
Direito ao próprio corpo: uma das grandes demandas da população Trans*
no Brasil é o direito a transformação do corpo para aquelas que desejam, através do
Sistema Único de Saúde (SUS), assim em termos de políticas públicas existem
algumas conquistas que, ainda, são experimentais sobre o processo
transexualizador, ocorrendo em algumas regiões do país em parceria com
universidades federais tais como: UERJ, UFRGS, UFG, UFPE, UFPB e USP.
Porém, são expressas algumas contradições perpassadas nessa política, como
aponta Carvalho (2010), as travestis ainda são excluídas dessa política pública de
saúde, alguns dos elementos colocados pelo autor talvez se der pelas próprias
formas da utilização clandestina do silicone e hormonização por conta própria por
esse segmento, até mesmo porque o SUS não faz o implante de silicone nas
travestis, isso acarretando diversos problemas de saúde.
É necessário a ampliação dos ambulatórios TT (travestis e transexuais) em
todos os estados da federação, para que as travestis e transexuais tenham acesso a
essa política que está garantida pelo Sistema Único de Saúde por meio da portaria
N° 2803 de Novembro de 2013. No Rio Grande do Norte não tem essa política para
essa população, ocorre que parte desse segmento faz o processo de hormonização
clandestinamente, muitas vezes sem o acompanhamento de médicos.
Nesse sentido, deve-se ampliar essa política, aprimorando a rede de atenção
à saúde e cuidados às travestis, mulheres trans e homens trans contemplando as
diretrizes da portaria Nº 2803 de 2013 no artigo segundo : I - integralidade da
atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou centralizando a meta
221

terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas


(BRASIL, 2013); ademais, os trabalhos dessa política devem ser desenvolvidos em
equipes interdisciplinar e multiprofissional, com ações de integração onde a porta de
entrada para essa política seja dada pela Atenção Básica em Saúde, por meio do
acolhimento, humanização do atendimento sem preconceito e discriminação contra
essas identidades, com “sensibilização dos trabalhadores e demais usuários e
usuárias da unidade de saúde para o respeito às diferenças e à dignidade humana,
em todos os níveis de atenção109” (BRASIL, 2013).
Despatologização das Identidades Trans*: um outro grande desafio das
travestis e da(os) transexuais no mundo e no Brasil é a luta contra a patologização
das identidades Trans* que vai muito além da retirada da classificação
“transexualismo” do código de doenças da American Psychiatric Association (APA),
uma luta que vai além do saber/poder da medicina, mas uma despatologização que
envolve o rompimento também nas áreas sociais, psiquiátricas, culturais e políticas
que muitas vezes tratam essa população na perspectiva da patologia.
Conforme, explicitada essa contextualização dos desafios de luta, e em tal
contexto brasileiro identifica-se que as políticas públicas em relação a população
Trans* no Brasil, ainda são ínfimas quando se comparacom alguns países da
América Latina, possuindo diversos desafios.Alguns países latino-americanos com:
Argentina e Uruguai, e mais recentemente a Bolívia avançaram no sentido de
reconhecer e respeitar das identidades de gêneros travestis e transexuais. Diante
dos processos de enfretamento à violência e as múltiplas negações de direitos, essa
população passou a se organizar organicamente por reinvindicação de direitos
alcançando nesses países essas conquistas.
De tal modo, considera-se a Argentina, como o país vanguarda em relação as
políticas públicas e aprovação de Leis sobre os direitos da população Trans* na
América Latina. No ano de 2012 foi promulgada a Lei de Identidade de Gênero Nº
26.743, “Desde então, mais de 5 mil pessoas foram beneficiadas e puderam, pela

109 Portaria N° 2803 de Novembro de 2013 “Redefine e amplia o Processo Transexualizador no


(SUS)”, disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html> Acesso dia 30 de
julho de 2015.
222

primeira vez, ser reconhecidas de acordo com sua “percepção de gênero”


(TEIXEIRA, 2015)110.
O Uruguai, também possui Lei de Identidade de Gênero Nº 18.620, aprovada
de 2009, a Lei permite que pessoas Trans* possam trocar o sexo/gênero nos
documentos de acordo com sua identidade. E mais recentemente foi aprovada
também na Bolívia no dia 21 de maio, a Lei de Identidade de Gênero do País, “de
todos los derechos adquiridos por esta población, el derecho a la identidad es el
primero de todos. Porque a partir de este pueden ser sujetos a otros beneficios 111"
(MELENDRES, 2016).
Em relação as políticas públicas de trabalho e renda para inserção da
população Trans* no mercado de trabalho, algumas cidades da Argentina
promulgaram Leis sobre de cotas laborais destinadas para travestis e transexuais,
em Buenos Aires foi aprovada lei que destina 1% dos cargos públicos destinados
para as trabalhadoras Trans*, a norma é destinada apenas para a província de
Buenos Aires.Em Rosário, a terceira maior cidade da Argentina, também
propuseram a discussão de cotas laborais para as travestis e transexuais.
Percebe-se que na Argetina, há uma maior articulação das políticas públicas
de combate ao preconceito e discriminação contra população Trans*. Em Buenos
Aires, a capital portenha, é desenvolvido o projeto socioeducativo chamado
Bachirrelato Mocha Celis, refere-se a um espaço que tem por objetivo o retorno e a
inserção das travestis e transexuais retornarem aos estudos, “só em 2015, 140
pessoas se matricularam e muitos começaram a frequentar a Universidade. “Basta
do trio puta, cabelereira e costureira. Queremos ser advogadas e médicas”, diz Vida
Morant” (TEIXEIRA, 2015).
Nesse sentido, compreende-se que são complexas e heterogêneos os
desafios da população Trans* na conjuntura brasileira em relação a outros países da
América Latina, sobretudo porque “hoje em dia o quadro mais influente para as
políticas públicas a nível mundial é o neoliberalismo, seja aplicado de forma mais
flexível ou mais enfática” (CONNELL, 2014, p. 12), concorda-se com a autora no

110 Texto: “Nem um passo atrás”, por Gisele Teixeira, disponível em:
http://revistatrip.uol.com.br/tpm/direitos-transgeneros-na-argentina. Acesso dia 23/05/2016.
111 Texto: Gobierno promulga Ley de Identidad de Género, por Miguel Melendres, disponível em:

http://www.eldeber.com.bo/bolivia/aprueban-ley-transgenero-medio-desacuerdos.html. Acesso
dia 23/05/2016.
223

sentido de quando se tem um recorte de gênero nessas políticas elas não deixam de
ser meramente ideológicas, apresentando assim “[...] o pensamento neoliberal não
tem lugar para o gênero além de garantias vagas, de que a igualdade de
oportunidade no mercado irá resolver todos os problemas relativos à questão”
(IBIDEM, 2014, p. 12), como apontou-se nas análises desse trabalho, não existe
uma profunda discussão sobre as raízes que fundamentam essas desigualdades de
gênero no mundo do trabalho, tem-se apenas a mercantilização da vida humana
face exploração do capital.
Diante da conjuntura de crise econômica do capital; das complexas e
desafiadoras relações no campo da política macroeconômica; do avanço da ofensiva
neoliberal; do conservadorismo e fundamentalismo baseado na “cegueira moral” é
mais do que necessário nesse momento a organização coletiva dos/das sujeitos e
sujeitas, como explicita Silva (2011) é preciso o fortalecimento dos laços de
solidariedade entre os diversos segmentos sociais para assim fortalecer a luta contra
à barbárie social, e a todas formas de opressão e exploração, pois somente na luta
coletiva que poderá romper com a ordem: capitalista – racista – sexista e patriarcal.
Nesse sentido, para finalizar essas considerações aponta-se que as travestis,
no Brasil mediante organização coletiva essas sujeitas marcam a partir de seus
enfrentamentos e vivências elementos fundamentais que colaboram para o
rompimento de saberes hegemônicos pautados na dominação de aspectos
conservadores sobre a matriz de intelegibilidade de gênero e sexo, essas que à
revelia dos processos de dominação inscrevem nas histórias cotidianas de
enfretamento contra marcas deterministas, por via das transgressões.
Conclui-se que as Travestis com sua organização política e inserção nos
movimentos sociais denunciam cotidianamente a barbárie posta pelo
recrudescimento da transfobia em nível nacional, que se materializam nas violências
físicas e psicológicas; nas negações dos espaços de trabalho; nas reivindicações
por políticas públicas de combate as violências praticadas contra as travestis. O
desafio posto é a articulação das pautas de luta que tenham como horizonte o
enfretamento anti-capitalista, anti-patriarcal, anti-racista e anti-sexista e anti-
transfóbico.

NENHUM UM PASSO ATRÁS!


224

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6. APÊNDICE:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Esclarecimentos

Este documento visa solicitar sua participação na pesquisa: “A inserção precária


das Travestis no trabalho formal e informal em Natal/RN” que tem como pesquisador
responsável Tibério Lima Oliveira (matricula 2014116790) Mestrando em Serviço Social pelo
Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS/UFRN), sob orientação da Profª
Drª Andréa Lima da Silva, CRESS 1639, docente do curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Esta pesquisa pretende analisar o cotidiano de trabalho das travestis e a sua


inserção no mercado de trabalho na cidade do Natal/RN. O motivo que nos leva a fazer este
estudo é para analisarmos as negações de direitos que as travestis vivenciam no trabalho
formal e informal na cidade de Natal/RN.

Levando em consideração em que este estudo visa à coleta de informações sobre as


condições de vida e trabalho das Travestis na cidade do Natal/RN, não se espera que você
tenha nenhum desconforto ou prejuízo decorrente da sua participação, porque à integridade
física, moral e social dos sujeitos. Entretanto, como forma de minimizar os riscos todo
cuidado será tomado para que você não sinta-se constrangida(o) em responder alguma
questão, tendo o sigilo, a privacidade, e o anonimato garantido.

Na abordagem para realização dessas informações será contemplada a


preocupação em estabelecer a interação, os vínculos, um ambiente de confiança, onde o
entrevistador irá esclarecer os objetivos do estudo, a importância da pesquisa e a relevância
da participação da entrevistada, cuidados éticos, sigilo explicitado neste termo.

As informações obtidas de cada participante são confidenciais e somente serão


usadas com propósito científico. Os pesquisadores e membros envolvidos neste estudo
terão acesso aos arquivos dos participantes, para verificação de dados, sem contudo, violar
a confidencialidade.

Essa pesquisa apresenta riscos mínimos, como os ricos de constrangimento em


responder alguma questão. No entanto, levando em consideração que esta pesquisa visa a
coleta de dados sobre "A inserção precária das Travestis no trabalho formal e informal em
Natal/RN” não se espera que os participantes tenham algum desconforto ou prejuízo que
decorram da participação neste estudo. As informações obtidas de cada participante são
confidenciais e somente serão usadas com propósito cientifico.

Os pesquisadores e os membros envolvidos neste estudo terão acesso aos arquivos


dos participantes para averiguarem dados, mas sem violar a confidencialidade. Para
minimizar ainda mais os riscos, todo cuidado será tomado para que os sujeitos de pesquisa
não se sintam constrangidos, ou tenha seu sigilo violado. Prezaremos pela privacidade e
anonimato dos sujeitos conforme a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde
– CNS que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. Na abordagem para
realização da coleta de dados será contemplada a preocupação em estabelecer a interação
e vínculos onde o entrevistador, como já mencionado acima, irá entregar o termo de livre
consentimento e esclarecerá os objetivos do estudo e a relevância da participação dos
241

sujeitos de pesquisa na entrega do questionário e no preenchimento e assinatura do Termo


de Consentimento Livre e Esclarecido.

Assinado o termo, será entregue os questionários. Embora não estejam previstos


riscos à integridade física dos sujeitos, os pesquisadores se comprometem a ressarcir e/ou
indenizar qualquer prejuízo desde que devidamente comprovado. Do mesmo modo, que
caso haja dano comprovado decorrente da participação na pesquisa, o voluntário tem direito
a receber indenização caso solicite. A assinatura do TCLE formaliza a autorização para o
desenvolvimento da pesquisa.

No que se refere às contribuições e benefícios da pesquisa, seu objetivo está


vinculado ao propósito de desenvolver um conhecimento mais aprofundado da Inserção das
Travestis no trabalho formal e informal em Natal/RN. Conhecer profundamente a realidade
desses sujeitos nos diversos âmbitos de trabalho, para assim formular estratégias de
políticas públicas para esses sujeitos, como também, construir conhecimento científico da
realidade das travestis trabalhadoras na cidade do Natal/RN.

Este estudo contempla a realização de etapas importantes para seu


desenvolvimento, inicia com a revisão bibliográfica, seguida da apresentação do projeto a
instituição e a sua submissão ao Comitê de Ética, para então realizarmos a testagem do
instrumento, entrevista, coleta de dados propriamente dita, por fim, a sistematização e
análise dos dados, elaboração do Relatório de Pesquisa, entrega do mesmo e apresentação
dos resultados. Chamamos a atenção para que você precisa consentir sua participação na
realização da testagem do instrumento e entrevista propriamente dita e a permissão para a
gravação da entrevista para facilitar na categorização dos dados na sua mais fidedignidade.
A assinatura deste termo de consentimento formaliza sua autorização para o
desenvolvimento de todos os passos anteriormente apresentados.

Por intermédio deste termo são garantido-lhes os direitos de: retirar qualquer
momento e deixar de participar do estudo sem que isto me traga qualquer prejuízo; solicitar
a qualquer tempo, maiores esclarecimentos sobre esta Pesquisa entrando em contado com
o acadêmico pesquisador (telefone celular: (84) 96019807) ou sua orientadora (Telefone
celular (84) 99933131); ser devidamente esclarecido sobre os objetivos da pesquisa acima
mencionada de maneira clara e detalhada; sigilo absoluto sobre seus dados pessoais; a
ampla possibilidade de negar-se a responder a quaisquer questões ou fornecer informações
que julguem prejudiciais a sua integridade física, moral e social.

Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados
serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que
ela trará para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da
pesquisa “A inserção precária das Travestis no trabalho formal e informal em
Natal/RN”, e autorizo a gravação da minha entrevista, e divulgação das informações por
mim fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa
me identificar conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que
regulamenta as pesquisas envolvendo os seres humanos.

Natal (RN) ______ de ___________________ 2015.


242

NOME:____________________________________________
ASSINATURA:______________________________________
PESQUISADOR RESPONSÁVEL: Tibério Lima Oliveira
RUA: Das Gardênias; Mirassol; n. 1885.
CEP: 59077-020 FONE: (84)96019807
Impressão
datiloscópica do
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes – participante
CEP/HUOL. Av. Nilo Peçanha, 620 – Petrópolis – Natal/RN
Fone: (84)3342 5003. Email: CEP.huol@yahoo.com.br

.
243

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

ROTEIRO DE ENTREVISTAS A SER REALIZADO COM TRAVESTIS NO MERCADO DE


TRABALHO FORMAL E INFORMAL NA CIDADE DO NATAL/RN:

NOME DO PESQUISADOR: Tibério Lima Oliveira

ORIENTADORA: Dra. Andréa Lima da Silva

DADOS DO PESQUISADOR: Mestrando em Serviço Social pelo Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO I

I – CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO:

 Qual nome social?


 De qual classe social você pertence?
 Qual a sua cor?
 Qual a sua idade?
 Você poderia falar sobre sua infância e condições de vida familiar? Como se deu a
construção da sua identidade Travesti?
 Você sofreu algum preconceito por parte da sua família? Amigos?
 Você participa de alguma organização política?

II – CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL:

 Qual sua escolaridade?


 Você sofreu algum preconceito na sua escola? Por parte de quem? Denunciou?
 Possui alguma graduação, (se não porque) e se sim Qual curso? A realização da sua
graduação foi na rede pública ou privada?
 Você possui algum curso profissional (técnico)?
 Por qual motivo você fez esse curso?
 Como você avalia as políticas públicas de trabalho e emprego para as travestis?

III – SOBRE OS ESPAÇOS DE TRABALHO:

 Quais os espaços de trabalho você já buscou em emprego?


 Você considera que a afirmação da identidade Travesti apresenta alguma
intercorrência na hora de buscar trabalho?

IV – SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO:

 Você tem carteira assinada?


 É concursado? Ou contratado?
 Contribui com a previdência social? Quem paga?
 Você já sofreu algum preconceito/discriminação no espaço de Trabalho? Qual?
 Já sofreu algum assédio?
 Quais são os principais desafios e dificuldades das travestis no trabalho?
244

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

ROTEIRO DE ENTREVISTAS A SER REALIZADO COM REPRESENTANTE NACIONAL


DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS (ANTRA):

NOME DO PESQUISADOR: Tibério Lima Oliveira

ORIENTADORA: Dra. Andréa Lima da Silva.

DADOS DO PESQUISADOR: Mestrando em Serviço Social pelo Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO II:

I – ORGANIZAÇÃO POLÍTICA:

 Você poderia me falar um pouco sobre a organização política da ANTRA?


 Ano de surgimento? Como se deu essa articulação?
 Quais são os principais objetivos da ANTRA?
 Com quais sujeitos políticos se articula?

II – AGENDA DE LUTAS DA ANTRA:

 Você poderia-me falar sobre a pauta de luta da Antra?


 Como se dá a organização das pautas?
 Qual a pauta do movimento TRANS em relação a inserção da população
Travesti no mercado de trabalho? E em Natal?
 Qual a agenda de luta da ANTRA para o combate as violações de direitos da
população Travesti no mercado de trabalho?
 Qual sua avaliação sobre as políticas públicas de trabalho e emprego para as
travestis?
 Você considera eficientes essas políticas públicas?
 Quais são os principais desafios para governo Dilma para população Travesti
em relação ao trabalho?

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