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Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 12: 249-267, 2002.

ESPECTROSCOPIA RAMAN: UMA NOVA LUZ


NO ESTUDO DE BENS CULTURAIS

Dalva Lúcia A. de Faria*


Marisa C. Afonso**
Howell G.M. Edwards***

FARIA, D.L.A; AFONSO, M.C.; EDWARDS, H.G.M. Espectroscopia Raman: umanovaluz no estudo
de bens culturais. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 12: 249-267,2002.

RESUMO: Novas tecnologias vêm sendo cada vez mais empregadas no estudo
de problemas ligados ao patrimônio histórico cultural e entre elas a espectroscopia
Raman ocupa lugar de destaque por se tratar de uma técnica não destrutiva e bastante
específica, que proporciona uma quantidade muito grande de informações sobre o
objeto em análise. Este texto apresenta uma descrição concisa da técnica, suas
principais características e limitações, bem como de suas potencialidades. É ainda
apresentada uma breve revisão sobre suas aplicações no campo da arqueologia com
especial destaque às investigações envolvendo o patrimônio histórico brasileiro.

UNITERMOS: Raman - Arqueometria - Pigmentos - Biomateriais - Espectroscopia.

Introdução degradação de objetos que constituem patrim onio


histórico-cultural.
O uso de m étodos físico-quím icos de A par desse aspecto, essas técnicas vêm
análise em bens culturais é relativam ente dando importantes contribuições em termos de
recente; eles vêm sendo cada vez mais em pre­ datação (Aitken 1997), determinação de composi­
gados em função da necessidade de se ter uma ção (Pollard 1996) e origem de matéria-prima
caracterização dos m ateriais que am plie o usada (Calligaro 2000), assim como da tecnologia
conhecim ento científico sobre os bens, que empregada, o que tem desdobramentos interessan­
perm ita a escolha de procedim entos adequados tes, como a verificação de autenticidade de objetos
quando se tratar de conservação e/ou restaura­ (Edwards 1995a).
ção de peças e que tam bém possibilitem um a Dentre essas m etodologias, as técnicas
m elhor com preensão de m ecanism os de espectroscópicas ocupam lugar de destaque e,
mais recentem ente, um número crescente de
trabalhos onde a espectroscopia Ram an é usada
na resolução de problem as ligados à arte e à
(*) Laboratório de Espectroscopia Molecular. Instituto de arqueologia tem aparecido na literatura (Edwards
Química da Universidade de São Paulo.
2002 ) o que faz com que, hoje, essa técnica seja
(**) Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de
reconhecida com o a mais eficaz no estudo de
São Paulo.
(***) Department o f Chem ical and Forensic Sciences, bens culturais, na m edida em que é sensível,
University o f Bradford, UK. reprodutível, não-destrutiva e pode ser utilizada

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FARIA, D.L.A; AFONSO, M.C.; EDWARDS, H.G.M. Espectroscopia Raman: uma nova luz no estudo de bens culturais. Rev.
do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 72: 249-267, 2002.

para medidas in situ de componentes com Espectroscopia Raman


dimensões de cerca de 1 pm.
A espectroscopia Raman vem sendo utilizada As técnicas de espectroscopia estão baseadas
na determinação da natureza de pigmentos em na interação da radiação eletromagnética com a
papiros (Burgio 2000), manuscritos (Edwards matéria e são, sem dúvida alguma, os instrumentos
2001), pinturas (Burgio 2001) e cerâmicas (Clark mais eficazes na caracterização de materiais em
1998). O conhecimento da composição desses qualquer campo do conhecimento. Dependendo da
pigmentos tem como interesse direto a possibilida­ energia da radiação empregada, é possível obter
de de sua utilização como mais um recurso para a informações sobre diferentes propriedades do
autenticação de obras de autoria duvidosa ou sistema (Fig. 1). Assim, o uso de radiação na
datação imprecisa, além de possibilitar uma melhor região do ultravioleta ou do visível (UV-Vis) muda
compreensão sobre a metodologia de preparação a energia dos elétrons em moléculas e íons (o que
e uso desses materiais, o que tem inegável valor confere cor aos objetos), ao passo que radiação no
histórico-cultural. infravermelho altera as vibrações dos átomos
Vernizes e aglutinantes também têm sido nessas espécies químicas. Quando se incide
estudados (Vandenabeele 2000), principalmente radiação policromática sobre uma determinada
com o objetivo de entender m elhor os processos amostra é possível registrar quais componentes
de interação com outras substâncias presentes no dessa radiação são absorvidas por ela, já que essa
objeto (como substrato ou outros pigm entos) e absorção não se dá de forma contínua, mas ocorre
de degradação desses m ateriais. Objetos de para valores específicos de energia. E por isso que
resina (Edwards 1999a), marfins (Edwards se diz que a energia armazenada na matéria
1995a), gem as (Andreev 2001), produtos de somente pode assumir determinados valores (isto é,
corrosão (M cCann 1999) e vidros (Edwards ela é quantizada) e seu aumento ou diminuição
1998) tam bém estão entre os vários tipos de também se dá através de quantidades discretas
problem as que podem ser abordados pela (<quantum de energia). O espectro corresponde ao
técnica. registro gráfico dos componentes absorvidos em
Particularm ente no que concerne à arqueo­ função da energia da radiação que é expressa em
logia, as questões que vêm sendo abordadas do número de ondas (c m 1) no caso da espectroscopia
ponto de vista químico usualm ente ocupam três vibracional.
categorias: datação, conservação e determ ina­
ção da com posição das am ostras, das quais Apesar de a espectroscopia de absorção no
apenas a prim eira ainda não forneceu resultados UV-Vis ser uma técnica bastante difundida, o
satisfatórios, uma vez que até o presente não foi espectro correspondente apresenta bandas largas e
possível desenvolver uma m etodologia voltada a obtenção de informações específicas em amostras
para datação, apesar de tentativas terem sido de natureza desconhecida é extremamente difícil.
feitas usando dentes (B ertoluzza 1997) e vidros Nesse sentido, a espectroscopia de absorção no
(Bertoluzza 1995). infravermelho (FT-IR) é um recurso bastante
No que diz respeito à conservação, a valioso na caracterização de materiais, porque as
progressiva deterioração que sofrem as peças de vibrações dos átomos acontecem em valores
coleções em museus torna imperativo um específicos de freqüência, característicos dos
conhecimento detalhado desses processos. Esse grupos funcionais que constituem a espécie química.
conhecimento é também fundamental na determi­ Assim, vibrações referentes aos íons sulfato,
nação dos m ateriais a serem em pregados em carbonato, fosfato, nitrato etc. aparecem em faixas
restauração, ou mesmo do procedim ento a ser de freqüência características, permitindo a fácil
adotado para preservação das obras. Nesse identificação desses íons; do mesmo modo,
sentido, importantes informações têm sido vibrações envolvendo grupos -C H V-C H 2- , =C-H,
obtidas a partir de estudos por espectroscopia -C = N , >C=C<, > C = 0 , aromáticos etc., também
Raman da degradação de biom ateriais de uma apresentam absorções em regiões características, o
maneira geral (Edwards 1996) e, em particular, que possibilita obter um espectro que é específico
de afrescos e murais por liquens (Edwards de um determinado composto. Alterações na
1999b). intensidade e/ou deslocamentos nas bandas de

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Rotações Moleculares

Microondas
3.108 - 1012 Hz
10'2 - 40 crrr1
10-6 - 5.10 3eV

Infravermelho
Vibrações Moleculares

1012 - 2.1014 Hz
40 - 4000 crrr1
5.10'3 - 0,5 eV

Transições Eletrônicas
Visivel/UV

4,7 1014- 1,5.1015 Hz


12500 -50000cm-1
1,5 -6,2 eV
900 - 200 nm

Fig. 1 - E spectro de rad ia çã o eletro m a g n é tic a e té cn ic a s


espectroscópicas associadas a cada região espectral, definidas em
diferentes unidades de energia.

absorção também são bastante úteis na compreen­ proveniente de um material cerâmico aquecido) a
são de efeitos de interação dos compostos com partir da qual determinados componentes são
outras substâncias ou mesmo com o seu ambiente, seletivamente absorvidos. Já na espectroscopia
assim como no estudo de efeitos de degradação, Raman, emprega-se uma fonte monocromática de
particularmente quando se estudam resinas, radiação (laser) geralmente no visível, apesar de
vernizes ou outros compostos orgânicos. serem comuns (principalmente para aplicações em
Todas essas características estão presentes na arqueologia) equipamentos interferométricos (FT-
espectroscopia Raman, a qual também diz respeito Raman) que utilizam radiação laser no infravermelho
a vibrações moleculares e por esse motivo se próximo (near infrared, NIR). Essa radiação
constitui, juntamente com a espectroscopia de incidente interage com os elétrons mais externos
absorção no infravermelho (FT-ER), em uma técnica das substâncias e nesse processo pode haver ou
de espectroscopia vibracional. A diferença entre não transferência de energia. No primeiro caso
elas reside na natureza do fenômeno físico envolvido (chamado de espalhamento inelástico de luz ou
já que a espectroscopia Raman não implica na espalhamento Raman), a substância em investiga­
absorção de radiação, mas sim em seu espalhamento. ção pode ficar em um estado vibracionalmente
A Figura 2 ilustra as diferenças essenciais das excitado quando a radiação é espalhada ou então
duas técnicas. No caso da absorção no IV, utiliza- ela já pode estar nesse estado, o que fará com que
se radiação policromática no IV (geralmente a radiação espalhada tenha energia maior que a

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Absorção no Espalhamento
Infravermelho Raman

Fig. 2 - A absorção de determinados componentes da radiação no


IV dá origem às bandas observadas no espectro, que são caracte­
rísticas de vibrações específicas em m o lécu la s ou íons. Na
espectroscopia Raman informações semelhantes são obtidas, porém,
através de espalhamento de luz e não de sua absorção; neste caso o
fóton incidente (hvQ) é destruído e umfóton espalhado ( h v j é criado.

incidente. Caso não haja transferência de energia água absorve fortemente radiação no IV, mas é
(espalhamento elástico ou espalhamento Rayleigh), a uma péssima espalhadora de luz.
radiação espalhada terá a mesma energia da Outra diferença importante é o fato de a
incidente (Fig. 3). espectroscopia Raman permitir que seja feito tanto
O espectro Raman é, portanto, um registro da o registro da região abaixo de 400 c m 1, onde
intensidade da radiação espalhada pela amostra em freqüentemente aparecem as vibrações de espécies
função da energia dessa radiação e, para que tenha inorgânicas, como óxidos por exemplo, quanto da
a mesma escala do espectro de absorção no IV, a região de freqüências maiores (região de impressão
energia da radiação espalhada não é fornecida em digital das moléculas), mais importantes no caso
números absolutos, mas sim como a diferença de compostos orgânicos. No caso da absorção no
(AE ) entre a energia da radiação incidente (E.) e a IV, o limite inferior é geralmente determinado pelos
espalhada (E. Ee = AEv), muitas vezes chamada de componentes óticos (janelas e lentes) que são
deslocamento Raman {Raman shift). normalmente de brometo de potássio (KBr) e,
Se a espectroscopia Raman e a espectroscopia portanto, absorvem abaixo de 350 c m 1; equipa­
de absorção no IV oferecem informações seme­ mentos com ótica de iodeto de césio (Csl) são
lhantes, quais são as vantagens da espectroscopia necessários para acesso à região até 200 c m 1.
Raman ? Além desses aspectos, a espectroscopia
Inicialmente como as naturezas dos fenômenos Raman não requer qualquer tipo de tratamento ou
são diferentes (espalhamento e absorção), as regras manipulação da amostra, ao passo que no IV há a
de seleção são diferentes, isto é, as condições que necessidade de preparação de pastilhas em KBr ou
determinarão se uma banda será observada ou não, dispersões em óleo mineral. Mesmo quando técnicas
não são as mesmas para as duas técnicas. Isso faz mais modernas de reflexão (ATR ou reflectância
com que, por exemplo, a água seja um interferente difusa) são usadas ao invés do tradicional método
sério na espectroscopia de absorção no IV mas transmissivo, é necessário algum tipo de manipulação,
não na espectroscopia Raman; a razão é que a como pulverização ou compressão do material.

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estado eletrônico
excitado

hvo Í
estado eletrônico
fundamental
Anti-Stokes Rayleigh Stokes

Fig. 3 - A radiação espalhada pode ter energia igual ou diferente


da radiação incidente. Se fo r igual, a diferença de energia entre
elas é zero e no espectro Raman esse tipo de Radiação aparece
como uma linha intensa em 0 cm'1 (linha Rayleigh). Se fo r diferen­
te, tanto pode ser m aior quanto menor, dando origem às regiões
anti-Stokes e Stokes do espectro, respectivamente. As intensidades
das bandas na região anti-Stokes dependem do número de m olécu­
las no estado vibracionalmente excitado (v= l).

A espectroscopia Raman permite ainda que se metálica, tipicamente de prata, ouro ou cobre;
explorem efeitos especiais, como o efeito Raman quando a espécie química de interesse está
ressonante (Szymanski 1967) e o efeito de adsorvida nessa superfície ou está próxima a ela, é
intensificação do espalhamento Raman causado por possível observar também uma grande intensifica­
superfícies (efeito SERS, Surface Enhanced ção em várias bandas Raman. A superfície metálica
Raman Scattering) (De Faria 1999). O primeiro pode ser preparada de várias formas, como
ocorre quando se tem substâncias intensamente coloides e filmes finos, por exemplo; este recurso
coloridas, cuja banda de absorção esteja na mesma ainda não tem sido empregado em arqueologia,
região de energia da radiação excitante. Isso faz mas apresenta uma característica que certamente é
com que haja um aumento muito grande na bastante interessante: a presença da superfície
intensidade de bandas Raman referentes a vibra­ metálica promove supressão da fluorescência, que
ções dos grupos responsáveis pela transição é uma das principais restrições a aplicações
eletrônica (grupos cromofóricos); este efeito é arqueométricas da técnica.
particularmente importante no estudo de pigmentos Finalmente, outra vantagem reside no fato de
e corantes (Fig. 4). Já o efeito SERS implica na se ter uma resolução espacial muito melhor quando
necessidade da presença de uma superfície se trabalha com espectroscopia Raman do que com

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Fig. 4 - Espectro Raman da lazurita (pigmento azul de fórmula


Na8[(A l0 2)6(S i0 2)6]S J obtido em condição de ressonância, na qual
as bandas harmônicas podem ser observadas.

espectroscopia de absorção no IV. M icroscópios Do ponto de vista de patrimônio histórico-


Raman operando no visível permitem facilmente a cultural, os microscópios Raman (que começaram a
identificação de componentes de uns poucos ser comercializados há pouco mais de 10 anos)
mícrons (milésimos de milímetro) em misturas constituem-se na melhor opção de equipamento
heterogêneas (Fig. 5), ao passo que no IV essa por sua sensibilidade e resolução espacial, o que
área mínima investigada é de algumas dezenas de permite que quantidades muito pequenas de material
mícrons. Também aqui o fato de a amostra poder possam ser estudadas sem que a especificidade da
ser levada diretamente ao microscópio no caso da técnica seja comprometida, assim como possibilita
espectroscopia Raman e depender de m anipula­ discriminar componentes diminutos (1 -2 pm) em
ção no caso do IV é um diferencial extremamente amostras heterogêneas. A figura 6 mostra um dos
importante no caso de estudos envolvendo equipamentos disponíveis no mercado junto com o
objetos raros e/ou valiosos, dos quais não se esquema de seu arranjo óptico.
podem obter amostras por raspagem, perfuração Operacionalmente, os objetos de menor tamanho
ou dissolução. são estudados diretamente sobre lâmina de vidro e os
Há, entretanto, limitações que devem ser objetos maiores podem ser estudados através de fibras
lembradas: como o efeito Raman é um efeito fraco, óticas ou lentes especiais. Mesmo nos casos em que
a presença de fluorescência geralmente é um seja indispensável a coleta de amostras (como é o
obstáculo considerável ao uso da técnica, mesmo caso de pinturas rupestres, por exemplo) a quantidade
se causada por impurezas presentes na amostra em de material coletada é tão pequena (poucos microgra-
quantidades mínimas. A outra limitação é o fato de mas) que ainda assim a técnica pode ser considera­
a técnica não permitir o estudo de metais puros ou da não destrutiva ou virtualmente não destrutiva.
suas ligas (ao contrário de produtos de corrosão Uma vez sob a objetiva do microscópio,
que podem ser facilmente estudados) e não seleciona-se por inspeção com luz branca o ponto de
detectar elementos presentes como traços, o que é interesse da amostra, a partir do qual o espectro
extremamente importante na determinação da será obtido. A radiação laser usada para excitar o
origem de determinadas matérias primas. Finalmen­ espectro Raman geralmente corresponde a 632,8 nm
te, uma restrição de ordem prática é o custo dos (laser de He-Ne), 457,9 nm, 488 nm, 514,5 nm
equipamentos, apesar de nos últimos anos ter-se (laser de Ar+), 780 nm (laser de semicondutor) e
iniciado a comercialização de um número apreciável 1064 nm (laser de N d 3+-YAG). Neste último caso,
de instrumentos portáteis de baixo custo. a linha no infravermelho próximo (1064 nm) toma

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Fig. 5 - 0 microscópio Raman permite a análise de componentes


de poucos mícrons em amostras heterogêneas, como no exemplo
ilustrado acima.

imperativo o uso de equipamentos interferométricos Alguns exemplos aplicados ao patrimônio


(FT-Raman), mas apesar de o equipamento ter uma histórico-cultural brasileiro
concepção diferente, como mostrado na Figura 7 (os
equipamentos que operam com excitação no visível
A espectroscopia Raman vem sendo aplicada
são dispersivos, isto é, usam redes ou prismas),
com sucesso em estudos de objetos de interesse
todos os comentários gerais feitos até aqui para a
artístico e arqueológico (De Faria 2001, De Faria
técnica também se aplicam.
2002, Rosalie David 2001), tanto na investigação
Equipamentos FT-Raman são usados principal­
de pigmentos e substratos, quanto de biomateriais.
mente quando a fluorescência apresentada pela
Alguns exemplos envolvendo bens pertencentes ao
amostra impossibilita a obtenção dos espectros em
patrimônio histórico-cultural brasileiro, representativos
equipamentos dispersivos (Hirschfeld 1986). Eles
de aplicações da espectroscopia Raman em arqueolo­
são particularmente úteis no estudo de biomateriais,
gia, foram selecionados e serão apresentados a seguir.
como ossos, dentes, resinas, vernizes, fibras etc.,
assim como de amostras de natureza inorgânica mas
que apresentam fluorescência intrínseca ou que
Tembetá
ficaram enterradas por longos períodos ou expostos
a ambientes ricos em matéria orgânica. A presença
de fluorescência em espectros feitos em instrumentos A determinação da composição de um objeto
FT-Raman é mais difícil porque a radiação não tem encontrado em escavações tem dois interesses
energia suficiente para popular estados excitados a principais: o histórico-científico, relacionado a
partir dos quais a fluorescência acontece (Fig. 8). fontes de matérias-primas, rotas de comércio e

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Fig. 6 - Fotografia e arranjo óptico do microscòpio Raman produzido pela Renishaw.

conhecimento técnico de determinadas culturas, coloração vermelho escura (Fig. 9). O estado das
como também a necessidade de definição de peças era bastante frágil e com urgente necessidade
procedimentos a serem adotados na conservação de conservação, em decorrência de sua degradação.
do objeto. Tembetás são mais comumente feitos de madeira
No sítio arqueológico de Pemilongo, em Iepê ou pedras, sendo raros os registros de adornos feitos
(SP), foram encontrados fragmentos de adornos de resina, assim, as questões que se colocavam tendo
labiais (tembetás) e auriculares tupi-guaranis de ca. em vista a escassez de informações sobre peças desse
1600 anos; externamente, esses fragmentos eram tipo e a necessidade de sua preservação, eram (i)
porosos e com aspecto ferruginoso mas interna­ determinar sua composição, ou seja, de qual (ou
mente apresentavam-se com brilho vítreo e quais) substância são feitos; (ii) esclarecer se a

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Fig. 7 - Fotografia e arranjo óptico de equipamento FT-Raman produzido pela Bruker.

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Fig. 8 - A fluorescência corresponde à emissão de luz a partir de


estados eletrônicos excitados. A radiação em 1064 nm geralm en­
te não tem energia suficiente para excitar tais estados.

Fig. 9 - Fotografia do tembetá/adornos e espectros Raman obti­


dos das partes interna (curva superior) e externa (curva inferior)
do tembetá.

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camada externa sofreu algum tratamento diferenciado, de absorção no infravermelho a análise dos resultados
como mistura com óxidos de ferro, por exemplo. fica bastante dificultada pela presença de bandas
A fluorescência apresentada pelas amostras harmônicas e de combinação, assim como pela
tom ou necessário o uso de equipamento FT- intensidade e largura das bandas de vibração
Raman e foi possível analisar tanto a superfície referentes a grupos O-H. Na espectroscopia
extem a como a interna dos vários fragmentos; os Raman, esses aspectos não precisam ser conside­
espectros obtidos que foram então comparados rados, além do que não há a necessidade de
com os disponíveis em um banco de dados (Brody destruição da amostra para realização da análise.
2002). Os espectros das áreas extem as e internas A degradação do material promove o alarga­
mostraram-se semelhantes (Fig. 9), exceto pelo mento de todas as bandas do espectro, como pode
alargamento das bandas, o que m ostra que se trata ser visto na Fig. 9, mesmo assim, ainda é possível a
do mesmo material, porém, em diferentes estágios diferenciação de resinas di e triterpênicas através
de deterioração. A posição das bandas e sua de seus espectros Raman, uma vez que os mesmos
intensidade relativa são como impressões digitais apresentam substanciais diferenças (Fig. 10). A
das substâncias e, neste caso, são características de com paração dos espectros obtidos com os do
composto orgânico (resina); na região abaixo de banco de dados permitiu concluir que se tratava de
700 cm -1 não foram encontradas as bandas uma resina triterpênica, apesar de ainda não se
características de óxido de ferro, o qual poderia saber sua proveniência.
fazer parte da composição do objeto, conferindo- Há um registro na literatura sobre grupos guaranis
lhe o aspecto ferruginoso. que empregavam resina de jatobá (Hymenacea
Resinas são comumente encontradas em Stig. Mart.) na confecção de tembetás (Gatti
objetos de museu, como pequenas esculturas, jóias 1985); essa resina é rica em diterpenos e amostras
etc. Os principais componentes de resinas naturais degradadas e não degradadas dessa resina foram
são mono, sesqui, di e triterpenos, sendo que os analisadas para assegurar a validade do procedi­
dois últimos não são encontrados juntos em resinas mento usado. Os espectros obtidos (Fig. 11) são
naturais. Di e triterpenos têm diferentes estruturas concordantes com os obtidos de outras resinas
químicas (Mills 1999), assim, a espectroscopia diterpênicas, mas não com os provenientes do
vibracional pode ser usada como um método rápido tembetá, confirmando elegantemente a atribuição
de classificação, entretanto, com a espectroscopia feita anteriormente.

Número de ondas / cm’

Fig. 10 - Espectros Raman de diferentes tipos de resinas; aquelas


produzidas por Pinus halepensis e Cedro libani são tipicamente
diterp ên ica s, ao p a sso que a obtida de P istá cia le n tiscu s é
triterpênica. Os espectros são nitidamente distintos para esses dois
grupos de resinas.

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Fig. 11 - Espectros Raman de resina de Hymenaea Stig. Mart.


(Jatobá do cerrado).

Nesta investigação, a espectroscopia Raman conchífero acumulado ao longo dos séculos são
foi usada com sucesso na determinação da composição encontradas grandes quantidades de vestígios de
do tembetá, constituído por uma resina triterpênica. ocupação como sepultamentos, restos de habitação
Infelizmente, é possível que as alterações que e fogueiras, ossos, conchas, restos de alimentos
aconteceram no meio ambiente local em termos etc. (Prous 1992). A necessidade de se ter uma,
climáticos e ecológicos inviabilizem a identificação da melhor compreensão sobre alguns aspectos dessas
planta responsável pela produção da resina; apesar ocupações e a abundância de biomateriais nesses
disso, sabe-se agora que a resina de Jatobá não era sítios arqueológicos motivou a investigação por
a única matéria prima usada naquela região na espectroscopia Raman, que foi centralizada no
confecção desse tipo de artefato. Outra informação estudo de ossos e concreções encontrados em
importante obtida refere-se à camada externa dos sambaquis de Santa Catarina, em particular no
fragmentos; as análises conduzidas permitiram sambaqui Jaboticabeira II, próximo a Laguna.
descartar o uso de algum tipo de tratamento para Como já foi dito anteriormente, a grande maioria
as mesmas, como mistura com outras substâncias, dos estudos usando espectroscopia Raman em arte
como óxido de ferro por exemplo; não foi observada e arqueologia envolve o estudo de pigmentos, a
a presença de partículas de carbono em nenhum maioria de natureza inorgânica. Biomateriais são
ponto da amostra o que indica que o objeto não foi muito menos investigados, apesar da importância
exposto a aquecimento. Como foi apresentado na de um conhecimento mais detalhado principalmente
descrição das peças, os fragmentos são bastante sobre seus mecanismos de degradação; a razão
frágeis e certamente os resultados das análises disso está, provavelmente, no fato de serem
feitas por espectroscopia Raman contribuirão amostras muito mais difíceis de estudar em função
decisivamente para a escolha de materiais e métodos de sua deterioração, muito freqüentemente associa­
adequados à conservação dos mesmos. da com fluorescência.
Para os estudos por espectroscopia Raman
foram separados fragmentos de ossos e dentes,
Sam baquis além de amostras de natureza aparentemente
inorgânica, como concreções encontradas próximas
aos locais onde havia sinais de fogueiras.
Uma das evidências mais monumentais de Ossos e dentes são tecidos rígidos, constituí­
ocupação humana de nosso patrimônio histórico- dos de uma fase mineral, hidroxiapatita ou
cultural são os sambaquis. Nas camadas de material C a]0(PO 4)6(OH )2e de uma fase orgânica (princi-

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pálmente colágeno), sendo que a proporção relativa decomposição da fase orgânica mas não da
dessas duas fases é variável. Uma boa revisão inorgânica, o que sugere que a extensão da
acerca de estudos de dentes por espectroscopia degradação pode ser acompanhada tomando-se a
Raman pode ser encontrada na literatura (Kirchner intensidade da banda em 960 cm -1 (uma das
1997). A respeito desse tipo de amostra seria vibrações da hidroxiapatita da fase inorgânica)
interessante (i) conhecer a relação existente entre o como um padrão interno de intensidade e avalian­
tempo e as condições do ambiente de sepultamento do-se a razão de sua intensidade pela de uma das
com as modificações observadas nos espectros, em bandas de estiramento C-H, características da fase
relação aos obtidos de tecidos contemporâneos orgânica. Na realidade, essa prática é aceitável
(Gniadecka 1997); (ii) compreender os processos desde que se comparem regiões equivalentes do
de degradação associados a esses biomateriais e dente, já que é sabido, por exemplo, que o enamel
identificar a eventual ação humana sobre os (camada mais externa do dente) tem um conteúdo
mesmos e (iii) obter informações importantes sobre inorgânico intrínsecamente maior do que a dentina.
a cultura local e seu conhecimento tecnológico As análises dos dentes coletados em sambaquis
(Edwards 1997a e 1997b). ainda estão em andamento.
As amostras foram estudadas por espectroscopia Químicamente, a composição de ossos é
FT-Raman já que estudos com excitação no visível parecida com a de dentes. São, no entanto, estruturas
(632,8 nm, 514,5 nm e 488 nm) forneceram apenas mais porosas do que estes últimos, favorecendo o
um sinal largo referente à emissão fluorescente, processo de degradação e o acúmulo de material
provavelmente oriunda de espécies químicas fluorescente, por essa razão a qualidade dos
resultantes de degradação de matéria orgânica. espectros é muito inferior à obtida de dentes.
Mesmo usando excitação no infravermelho próximo A relação existente entre fase orgânica/
(1064 nm), os espectros obtidos ainda apresenta­ inorgânica tem como apelo imediato o uso em
vam um fundo residual, o que comprometeu datação (Edwards 1999c, Edwards 1995d),
parcialmente a qualidade dos espectros. entretanto, a degradação do tecido é largamente
No caso dos dentes, durante o tempo de influenciada pelas condições do sepultamento. Isso
sepultamento, os processos naturais de degradação é demonstrado na figura seguinte (Fig. 12), onde
causados por fatores ambientais (composição do um espectro obtido de osso coletado em sambaqui
solo, pH, umidade etc.) e microbiológicos levam à é comparado com o de um osso contemporâneo e

Fig. 12 - Espectros Raman de ossos coletados em sambaqui (curva


inferior), em sítio arqueológico Romano com cerca de 2000 anos de
idade (curva intermediária) e amostra contemporânea (curva superior).

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FARIA, D.L.A; AFONSO, M.C.; EDWARDS, H.G.M. Espectroscopia Raman: uma nova luz no estudo de bens culturais. Rev.
do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 72: 249-267, 2002.

um osso encontrado em um sítio arqueológico 1996), referentes a períodos bastante distintos da


romano na Inglaterra (Edwards 1999c) de idade história (Duarte 1999). Não está esclarecida qual a
semelhante à do sambaqui. função dessa prática (Velo 1984).
E possível perceber na figura que a degrada­ O espectro obtido para esse material é
ção do osso é muito mais extensiva na amostra característico de óxido de ferro (a-F e 20 3), como
coletada no sambaqui do que no sítio arqueológico esperado. Normalmente, pode ser também
inglês, apesar das idades comparáveis das amos­ observada uma banda em 465 c m 1, característica
tras. Isso coloca um problema sério, se não de quartzo, que se encontra presente tanto como
insuperável, ao uso desse método na datação de conseqüência de sua ocorrência natural, associado
biomateriais. ao óxido de ferro, quanto do uso de uma técnica de
Um outro aspecto que mereceu atenção foi a extração do ocre de minérios, que consistia em
presença de uma quantidade significativa de atritá-lo com areia. No espectro do ocre que
pigmento vermelho (ocre) sobre vários dos ossos recobria o osso, entretanto, não foi encontrado
coletados (Fig. 13). qualquer sinal de quartzo ou outros óxidos e
Uma das amostras estudadas foi um fragmento oxihidróxidos de ferro, revelando que se trata de
de osso longo, recoberto com uma espessa camada material de alta pureza, além disso, a largura e
de ocre. Curiosamente, a prática de empregar ocre intensidade relativa das bandas indica que esse
em rituais funerários é generalizada havendo casos material não foi obtido através de qualquer tipo de
reportados em diferentes sítios arqueológicos da tratamento térmico, como a desidratação de
Europa (Larsson 1994) e América (Torbenson goetita, por exemplo.

Fig. 13 - Espectros Raman obtidos de ossos pigmentados encon­


trados em sambaquis de Santa Catarina. O espectro da hematita
fo i incluído para fin s de comparação (curva inferior) e coincide
com o obtido do pigmento encontrado sobre os ossos (cur\>a inter­
mediária; a linha base fo i corrigida).

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A análise estratigráfica de um pequeno mostraram mineralização pela incorporação de


fragmento mostrou que havia um material amarelado carbonato e detectou-se a presença de uma
entre a camada de ocre e o tecido ósseo. Através camada de óxido de cálcio parcialmente hidratado
de um microscópio acoplado ao equipamento FT- entre o osso e o pigmento, cuja origem tanto pode
Raman foi possível analisar essa camada em estar associada a uma prática intencional quanto a
particular e o espectro obtido é bastante semelhan­ um processo natural de troca de íons entre a
te ao do óxido de cálcio parcialmente hidratado hidroxiapatita da estrutura do osso e o óxido de
(Fig. 14). ferro do pigmento. Caso tenha sido intencionalmen­
A origem desse material amarelado não está te empregado, a presença dessa substância indica
ainda clara, uma vez que ele pode ter sido intencio­ que a população dos sambaquis dominava a
nalmente aplicado sobre os ossos ou pode ter tecnologia de sua produção a partir da queima de
resultado de um processo natural de troca de conchas.
cátions entre a hematita e a hidroxiapatita do osso.
No primeiro caso, óxido de cálcio pode ser
facilmente obtido através do aquecimento de Fragmentos cerâmicos
conchas, por exemplo, que são constituídas quase
que exclusivamente por carbonato de cálcio; a
razão de sua eventual preparação e uso também A abundância de amostras cerâmicas faz com
não foi esclarecida ainda, podendo estar relaciona­ que o caráter não destrutivo da espectroscopia
da tanto ao favorecimento da decomposição dos Raman não seja, neste caso, o mais importante.
corpos enterrados como da adesão do ocre. Certamente que a possibilidade de discriminar
Apesar de essas hipóteses estarem ainda sendo componentes microscópicos nas pastas tem uma
avaliadas, é mais provável que ao longo dos anos relevância muito maior, uma vez que informações
tenha ocorrido uma lenta substituição de íons ferro importantes são perdidas quando as amostras são
na estrutura da hematita por íons cálcio original­ pulverizadas, principalmente no que concerne a
mente presentes na estrutura inorgânica do osso. componentes presentes em menor quantidade. O
Na análise por espectroscopia Raman de principal problema neste tipo de amostra é a
biomateriais coletados em sambaqui foi possível fluorescência inerente aos materiais argilosos, a qual
constatar que a pigmentação existente sobre ossos prejudica a observação de bandas Raman, mesmo
era hematita de alta pureza, conferindo um significa­ com excitação em 1064 nm.
do mais preciso ao termo genérico “ocre” usado De qualquer forma, materiais cerâmicos e
com freqüência. Os ossos analisados também pigmentos em cerâmicas tupis e guaranis, também

Número de ondas / cnrí

Fig. 14 - Espectro Raman do m aterial amarelado encontrado en­


tre o osso (curva inferior) e a camada de pigm ento (curva superi­
or). A banda larga centrada em ca. 770 cm ' corresponde a um
óxido de cálcio hidratado.

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FARIA, D.L. A; AFONSO, M.C.; EDWARDS, H.G.M. Espectroscopia Raman: uma nova luz no estudo de bens culturais. Rev.
do Museu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 12: 249-267, 2002.

vêm sendo estudados e aqui um dos problemas cerâmicas apresentaram somente fluorescência, em
científicos a serem esclarecidos diz respeito à um comportamento comum em argilas que geral­
ocupação dos grupos guaranis, tanto históricos quanto mente não são boas espalhadoras de luz e costu­
pré-históricos, na bacia do rio Paranapanema. São mam apresentar esse tipo de emissão. Em várias
Paulo parece ser uma região de fronteira entre a amostras foram encontrados vestígios de carvão
ocupação da região ao norte do Estado por grupos (carbono amorfo), o qual foi empregado na pasta
tupinambás e a região sul por guaranis. O principal principal de preparação da cerâmica; se sua
vestígio arqueológico dessas ocupações é a inclusão estivesse ligada à queima dos objetos
cerâmica e seu estudo mais aprofundado poderá cerâmicos (feita em fogueiras) as partículas de
fornecer subsídios para a melhor compreensão carbono estariam localizadas nas superfícies
desses grupos e sua distribuição espacial. Assim, os (externas e internas) dos fragmentos e não no seio
estudos que vêm sendo realizados buscam nesta da pasta.
primeira etapa caracterizar os pigmentos usados No que tange aos pigmentos, foi possível
pelas diferentes culturas indígenas mencionadas. identificar o pigmento branco empregado nos
As análises ainda estão sendo realizadas em objetos de origem guarani, como sendo uma
caráter preliminar, buscando as melhores condi­ mistura de areia e caolim (Fig. 15). Os pigmentos
ções experim entais de obtenção dos espectros já pretos apresentavam grande quantidade de
que, como foi dito, muitas vezes a fluorescência carbono amorfo e é possível que os indígenas
impede a obtenção dos espectros Raman, mesmo utilizassem carvão disperso em gordura, em função
com excitação no infravermelho próximo. Aqui a da alta fluorescência observada nos pontos com
principal vantagem é a possibilidade de identificar essa pigmentação. Finalmente o pigmento vermelho
individualmente os diminutos componentes corresponde a uma mistura heterogênea de
adicionados à pasta cerâmica com propósitos hematita (a-Fe20 3) e outros minérios, muito
definidos, como no caso de antiplásticos por provavelmente silicatos e/ou materiais argilosos.
exemplo. Apesar de este estudo estar ainda em estágio
Foram analisadas três porções das amostras preliminar e de algumas dificuldades experimentais,
consideradas: pigmentos coloridos (vermelho, os resultados obtidos até aqui são promissores e
branco e preto na maioria dos casos), camada mais apontam para o uso da técnica Raman como uma
externa e camada interna de diversos fragmentos ferramenta essencial na identificação dos pigmentos
cerâmicos. Os espectros obtidos das pastas utilizados em objetos cerâmicos indígenas.

Numero de ondas / cm

Fig. 15 - Espectros Raman de pigmento vermelho e branco pre­


sentes em cerâmicas indígenas; um espectro Raman fe ito de uma
amostra padrão de caolim fo i incluído para comparação. A banda
em 465 c m 1 no espectro do pigmento branco corresponde a uma
vibração do a-quartzo presente em areia.

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do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 72: 249-267, 2002.

C onclusões cada vez mais empregado por pesquisadores que


se ocupam de objetos de valor histórico-cultural.
O resultados apresentados neste trabalho
mostram a potencialidade da espectroscopia Raman
como um a ferramenta não destrutiva de análise de Agradecimentos
bens culturais, a qual pode ser empregada tanto na
investigação de substancias inorgânicas, como Os autores agradecem à Fapesp, CNPq,
pigmentos e substratos, como de substâncias orgânicas, Capes, Conselho Britânico e Fundação Vitae pelo
com o resinas, ossos e dentes. Esses recursos têm apoio financeiro aos projetos desenvolvidos e pela
feito dela um instrumento extremamente valioso, concessão de bolsas.

FARIA, D.L.A; AFONSO, M.C.; EDWARDS, H.G.M. Raman spectroscopy: shedding a new
light on cultural heritage objects. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo,
72:249-267,2002.

ABSTRACT: New technologies are being increasingly used in archaeology and


among them Raman spectroscopy is in a leading position, since it is a very specific and
non-destructive technique, which provides a wide range of informations about the
object under investigation. This text presents a concise description of the technique, its
main characteristics and limitations, as well as the potentialities for future applications.
A brief review on its applications in archaeology is presented, with special emphasis to
investigations involving Brazilian cultural heritage objects.

UNITERMS : Raman - Archaeometry - Pigments - Biomaterials - Spectroscopy.

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