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XXX ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

24 a 28 de Outubro. Caxambu, MG
GT 23 – SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Título
O Conceito de Ação Econômica em Max Weber: uma análise a partir de A
Bolsa.
Lucas Rodrigues Azambuja*

*
Gostaria de agradecer aos comentários e contribuições valiosas da Dra. Sônia Maria Karan Guimarães
e da Dra. Cinara Rosenfield, professoras do Departamento de Sociologia da UFRGS e do Programa de
Pós-Graduação de Sociologia da UFRGS.
Introdução
A partir da década de 1970 e, especialmente, na de 1980, uma série de
transformações nas esferas da sociedade, política e economia começaram a ocorrer.
Algumas delas repercutiram no âmbito intelectual e ideológico, por exemplo, a crise
do modelo fordista-taylorista de produção e do Estado de Bem-Estar Social
provocando o descrédito em relação ao keynesianismo; o desmantelamento da União
Soviética recrudescendo o movimento de crítica ao marxismo; e a ascensão do projeto
neoliberal no plano político apoiando-se nas perspectivas ortodoxas da economia.
Esse cenário contribui para que cientistas sociais repensassem as suas perspectivas
sobre a economia e a sociedade na medida em que a ortodoxia econômica avançava
sua interpretação para campos e objetos de estudo até então próprios da sociologia,
antropologia e ciência política (Cf. LEVÉSQUE et al., 2001: 19-22). Uma corrente
que surgiu dentro desse movimento mais amplo nas ciências sociais foi a New
Economic Sociology (NES) que, em geral, é caracterizada como “[...] the application
of the frames of reference, variables, and explanatory models of sociology to that
complex of activities which is concerned with the production, distribution, exchange,
and consumption of scarce goods and services” (SMELSER e SWEDBERG, 2005:
3). A NES seria, portanto, a tentativa de aplicar a perspectiva sociológica aos
fenômenos que, tradicionalmente, eram tratados apenas pelos economistas, quais
sejam: mercados, transações financeiras, relações de troca, poupança, etc.
Todavia, falar em “Nova” Sociologia Econômica subentende-se que exista
uma “Velha” Sociologia Econômica, e a origem desta última reside, especialmente,
nos trabalhos dos clássicos da sociologia (Karl Marx, Max Weber, Émile Durkheim,
Georg Simmel, entre outros) cuja preocupação principal, nesse sentido, era entender o
capitalismo e seu impacto na sociedade. Essa preocupação levou-os a abordar
questões mais amplas como, por exemplo, a diferença entre análise sociológica e a de
economia para com os fenômenos econômicos e o papel e relação destes últimos com
a totalidade social (Cf. SMELSER e SWEDBERG, 2005: 7-11). Contudo, a divisão
entre Velha e Nova implica, também, que exista uma diferença entre as duas, isto é,
uma separação que consista não só numa demarcação temporal como, também, em
uma interpretação a respeito da existência de continuidades ou rupturas com uma
tradição teórica. Nesse sentido, o debate sobre o quanto que a Nova Sociologia
Econômica se baseia ou se distancia da Velha tem ocupado “sociólogos-econômicos”
contemporâneos como, por exemplo, Mark Granovetter que foi um dos primeiros (se

2
não o primeiro) a advogar em favor desta divisão. Sua posição é de que existe uma
diferença substancial entre a Velha e a Nova Sociologia Econômica: a primeira se
interessou nos elementos sociológicos que conformam as pré-condições de existência
dos mercados e da organização capitalista, ou seja, consistia numa interpretação sobre
os aspectos (sociais) extrínsecos porém relacionados aos fenômenos econômicos;
enquanto que a NES centra-se numa explicação sociológica intrínseca aos fenômenos
econômicos e, deste modo, oferece um modelo de explicação alternativo para os
mesmos objetos de estudo da economia ortodoxa (GRANOVETTER, 1990: 91-95).
Viviana Zelizer, outra representante da NES, possui uma avaliação um tanto diferente
daquela de Granovetter, porém defendendo também uma ruptura entre a sua
perspectiva e a dos autores clássicos. Para essa socióloga, Marx, Weber, Simmel e
outros, cada qual a sua maneira, abordaram criticamente os efeitos de fatores
econômicos de natureza capitalista no mundo social; entretanto, o modo como esses
autores caracterizam e representam esses fatores e seus fenômenos correlatos como o
mercado e o dinheiro, não se difere essencialmente do modo como a teoria econômica
ortodoxa o faz, isto é, são apreendidos como regidos pelo interesse individual e pela
racionalidade instrumental e são considerados relativamente autônomos em relação
aos aspectos de natureza social e cultural (Cf. ZELIZER, 1988: 620-22; 1992: 4-6;
1997: 1-12). Nesse sentido, ambos, Granovetter e Zelizer, defendem uma posição de
ruptura com a démarche da Sociologia Econômica dos clássicos1. Em contraste,
Philippe Steiner defende que a Nova Sociologia Econômica não seria tão nova assim,
pois ela guarda semelhanças essenciais no seu projeto com a Sociologia Econômica
Clássica. As principais semelhanças são a importância da análise sobre as instituições
sociais e modalidades de ação econômica e a visão de que a sociologia econômica não
recusa totalmente a teoria econômica e, sim, “[...] busca seu caminho unindo análises
sociológicas e econômicas de maneira a obter uma explicação melhor para os fatos
socioeconômicos [...]” (STEINER, 2006: 28). Nesse sentido, em vez de Velha e Nova
Sociologia Econômica, Steiner fala em Sociologia Econômica Clássica e
Contemporânea. De maneira análoga, Frank Dobbin (2004: 1-46) afirma que fatores
sociais como poder, instituições, redes de relações sociais e estruturas cognitivas, que
a Sociologia Econômica atual identifica como importantes na explicação dos

1
Cabe destacar que, com exceção dessa posição crítica em relação à velha sociologia econômica,
Granovetter e Zelizer possuem visões teóricas bastante distintas sobre os fenômenos econômicos.
Nesse sentido, ver ZELIZER, 1988; SMELSER e SWEDBERG, 2005: 14-16; LEVÉSQUE et al.,
2001: 125-143.

3
fenômenos econômicos, já tinham sido abordados de certo modo pelos autores
clássicos. Em suma, notamos que entre os autores da Sociologia Econômica atual, há
discordância se a NES deve apoiar ou não o seu projeto de formulação de uma
abordagem propriamente sociológica dos fatos econômicos nas teorias dos autores
clássicos da sociologia.
Nesta direção, talvez um dos autores clássicos mais discutidos em torno deste
debate seja Max Weber. É freqüente na bibliografia da sociologia econômica
contemporânea tanto a inspiração com base nos trabalhos de Weber, quanto a crítica
em relação às principais teses deste autor. Também é ele que tem sido o alvo de um
esforço mais sistemático no sentido de verificar se seu sistema teórico oferece ou não
uma visão diferente dos fatos econômicos daquela presente na teoria econômica
ortodoxa. Exemplos desses esforços são os trabalhos de Richard Swedberg (2005) e
Helge Peukert (2004): o primeiro sustentando que a sociologia econômica de Weber
apresenta uma visão diferenciada e mais ampla que a teoria econômica neoclássica e o
último defendendo que a visão de Weber se aproxima em aspectos importantes do
ponto de vista teórico-metodológico da ortodoxia econômica. Talvez a principal razão
para que haja tal polêmica reside no fato de que ambos, Weber e a teoria neoclássica,
centram seus modelos teóricos em um eixo conceptual comum, a saber, a ação
econômica dos indivíduos. Portanto, pensamos que seja justamente nesse eixo que
resida o núcleo crítico da questão de saber se Weber se aproxima ou não da
perspectiva neoclássica. Nesse sentido, o presente trabalho procurou desenvolver uma
reflexão em torno do conceito de ação econômica de Max Weber através da leitura de
uma obra desse mesmo autor chamada A Bolsa. Tendo em vista especialmente o
debate entre Swedberg e Peukert, o nosso objetivo consiste em procurar elementos na
obra A Bolsa que dizem respeito às dimensões do conceito de ação econômica e, deste
modo, refletir qual das duas interpretação possui maior respaldo. Portanto, não iremos
fazer aqui uma exposição exaustiva do conceito de ação econômica e, sim, tratar de
algumas das suas dimensões através da leitura de uma obra específica, visando
contribuir parcialmente para com o debate atual sobre o caráter da sociologia
econômica de Max Weber.
Contudo, poderia se perguntar por que a escolha dessa obra de Weber em
especial? Primeiro, porque, em geral, as interpretações sobre a sociologia econômica
de weberiana tomam como base suas obras mais conhecidas como A Ética Protestante

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e o Espírito do Capitalismo, Economia e Sociedade, e História Econômica Geral2.
Assim, A Bolsa tem o potencial de nos revelar aspectos inéditos e, talvez, importantes
para essa discussão. E, segundo, porque o objeto de estudo de Weber neste livro (o
mercado financeiro), também, tem sido amplamente abordado na literatura da NES,
conferindo, assim, à obra uma característica pertinente para a discussão de saber se há
ou não rupturas entre a análise da sociologia econômica clássica e a contemporânea.
O presente artigo, então, está dividido da seguinte forma: 1) O debate sobre a
sociologia econômica weberiana: Swedberg versus Peukert – nesta seção iremos
expor os pontos de divergência entre Swedberg e Peukert sobre o caráter do conceito
de ação econômica de Max Weber; 2) Análise de A Bolsa – aqui vamos proceder a
uma exposição de algumas partes de A Bolsa que se referem ao debate em torno do
conceito de ação econômica, procurando definir quais das duas interpretações (a de
Swedberg ou de Peukert) encontra maior respaldo no nosso entender; e 3)
Considerações finais – retomaremos brevemente os resultados alcançados nesta
pesquisa teórica e discutiremos a sua relação com o nosso objetivo principal – o
conceito de ação econômica de Max Weber, a partir da obra A Bolsa, identifica-se ou
não com aquele presente na teoria econômica neoclássica.

1. O debate sobre a sociologia econômica weberiana: Swedberg versus Peukert


Segundo Barman e Guseva (2005), a releitura que Swedberg faz de Weber se
insere no seu esforço, de um lado, em (re)definir a tradição da sociologia econômica
e, de outro, em formular um novo quadro teórico para está ultima em contraposição,
especialmente, ao programa da NES tal como foi pensado por Mark Granovetter. Este
último propôs que ao contrário da economia neoclássica que explica os fatos
econômicos a partir do pressuposto teórico-metodológico de atores racionais, auto-
interessados e atomizados, a (nova) sociologia econômica deveria explicar o mesmo
conjunto de fatos considerando a influência de redes de relações sociais nas quais o
ator e a ação econômica estão inseridos (GRANOVETTER, 1990; 1985). Swedberg
(2005: 265-99) critica essa perspectiva, pois ela perde de vista o papel dos interesses e
da ação dos atores nos fatos econômicos e, também, deixa de lado o estudo da

2
Inclusive esses são os livros que tanto Swedberg (2005) como Peukert (2004) se debruçam mais nas
suas interpretações da sociologia econômica de Weber.

5
racionalidade econômica3. Nesse sentido, a sociologia econômica weberiana poderia
ser uma base teórica sólida para se pensar esses elementos (ação, interesses e
racionalidade) numa perspectiva sociológica e, portanto, diferente da teoria
econômica neoclássica.
Richard Swedberg, então, irá extrair essas bases, especialmente, na obra de
sociologia econômica de Weber que ele julga ser a mais madura nesse sentido –
Economia e Sociedade. Essa visão fica evidente quando Swedberg (2005: 45) afirma
que o objetivo geral de Max Weber nesta obra era mostrar de que modo a sociologia
pode analisar fenômenos socioeconômicos e introduzir, deste modo, a dimensão do
social na análise dos interesses. Além disso, ele interpreta que o capítulo 1 de
Economia e Sociedade visa apresentar a abordagem sociológica propriamente dita
para discuti-la na sua relação com a teoria econômica (Cf. SWEDBERG, 2005: 46),
prova disso estaria na definição de Weber da sociologia como a ciência que se
interessa pela compreensão da ação social. Portanto, a intersecção entre economia e
sociologia está no fato de que ambas tomam como unidade de análise a ação do
indivíduo e o significado que ele atribui para o seu comportamento (individualismo
metodológico). Contudo, o que difere a sociologia weberiana da economia é o fato de
que a primeira considera um conjunto complexo de ações e a última considera
somente um tipo. Isto se evidencia na tipologia da ação social de Weber que define
quatro tipos: ação social racional referente a fins; ação social racional referente a
valores; ação social afetiva; e ação social tradicional. Assim, Swedberg sistematiza a
diferença entre sociologia e economia em Weber da seguinte forma:
“1) a teoria econômica, ao contrário da sociologia, só leva em conta o
comportamento racional; 2) a teoria econômica, ao contrário da sociologia,
só leva em conta o comportamento com objetivos econômicos; e 3) a
sociologia considera exclusivamente a ação social [...]”. (SWEDBERG,
2005: 49)

Em suma, segundo essa interpretação, a economia e a sociologia weberiana


são diferentes, porém se sobrepõem no estudo da ação racional com objetivos
exclusivamente econômicos (ou materiais).
Swedberg, então, faz uma análise bastante atenta do capítulo 2 de Economia e
Sociedade que, segundo ele, é onde encontramos os fundamentos da sociologia

3
Existem outras críticas com relação à proposta teórica de Granovetter, por exemplo, Zelizer (1992;
1988) e Paul DiMaggio (1990) acusam-no, de um lado, de reduzir os fenômenos econômicos às redes
de relações sociais e, de outro, em não levar em consideração o papel da cultura nestes mesmos
fenômenos.

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econômica de Max Weber e sua relação com a teoria econômica. É central neste
capítulo, portanto, apreendermos o conceito de ação econômica: “Dizemos que a ação
é ‘economicamente orientada’ quando, de acordo com o seu significado subjetivo,
preocupa-se com a satisfação do desejo por ‘utilidades’” (WEBER apud
SWEDBERG, 2005: 53). Richard Swedberg argumenta que apesar de Weber definir
ação econômica em termos clássicos, essa definição guarda diferenças com a teoria
econômica, especialmente, no que se refere à definição de utilidade. Primeiro, para
Weber utilidade não é algo inerente ao objeto e, sim, seria o uso que se pode fazer
dele. Segundo, utilidade assume, então, uma concepção mais ampla do que “satisfação
de necessidades”. Terceiro, o conceito weberiano de utilidade enfatiza o elemento de
oportunidade econômica e incerteza nas ações, isto é, o que move a ação não é tanto a
utilidade em si, mas a oportunidade de utilidade, o que, por seu turno, traz o elemento
da incerteza na ação econômica.
Também é com relação à noção de ação econômica propriamente dita e suas
modalidades tal como foram definidas por Weber que, segundo Swedberg, podemos
vislumbrar as diferenças e aproximações entre sociologia econômica weberiana e
teoria econômica. Nessa direção, a sobreposição entre essas duas últimas está no fato
de que ambas se interessam pela ação econômica racional com objetivos
exclusivamente econômicos. Entretanto, enquanto que a economia se interessa apenas
por essa modalidade de ação, a sociologia econômica leva em consideração, também,
as ações irracionais com o objetivo econômico e ações racionais ou irracionais com
objetivos não econômicos. Assim, a sociologia econômica tal como é definida por
Weber possui uma área mais ampla de estudo do que a teoria econômica (Cf.
SWEDBERG, 2005: 54-55).
Weber, ainda, desenvolve uma diferenciação entre ação econômica e ação
economicamente orientada cuja diferença entre as duas é bastante simples e sutil: na
primeira o objetivo principal da ação é econômico e, na segunda, o objetivo é de outra
natureza, mas envolve considerações econômicas por parte do indivíduo. Além disso,
a distinção entre “econômica” e “economicamente orientada” estaria no fato de que a
primeira não faz uso da violência para atingir seu objetivo e a segunda pode ou não
fazer uso. Assim, segundo Swedberg (2005: 57-58), encontramos mais um elemento
diferenciador e de sobreposição entre a sociologia econômica de Weber e a teoria
econômica, qual seja: a primeira estuda a ação econômica e economicamente

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orientada que usa ou não o recurso da violência; enquanto que a segunda toma como
objeto somente a ação econômica não violenta.
Assim, com base nestes argumentos, definições e tipologias extraídas da
leitura dos dois primeiros capítulos de Economia e Sociedade, Richard Swedberg
afirma que a ação econômica, no sentido sociológico que Weber lhe atribui, apresenta
as seguintes características: “1) há uma tentativa pacífica de obter o poder de controlar
e dispor; 2) essa ação é dirigida para algo que oferece uma oportunidade de utilidade
[...]; e 3) a ação é orientada pelo comportamento dos outros” (SWEDBERG, 2005:
58).
Por fim, cabe trazer aqui outro elemento que se refere ao conceito de ação
econômica weberiano que Swedberg aborda, a saber, a noção de racionalidade. Para
este último, Weber, tal como a teoria econômica, toma a racionalidade tanto como
objeto, na medida em que a sociologia econômica estuda a ação econômica racional,
como, também, enquanto pressuposto metodológico na sua sociologia. No entanto,
três aspectos diferenciam o uso da noção de racionalidade em Weber do uso na teoria
econômica neoclássica. A primeira diferença, já mencionada, está na questão de que
enquanto a perspectiva neoclássica estabelece uma relação de identidade entre
racionalidade e ação econômica, a perspectiva de Weber leva em conta que a ação
econômica pode ser tanto de tipo racional como irracional, isto é, motivada por
emoções ou pela força do costume (Cf. SWEDBERG, 2005: 47-62). A segunda
diferença diz respeito à questão de que Weber enxerga a racionalidade numa
perspectiva histórica e não como pressuposto imutável (como é o caso da perspectiva
neoclássica). Ou, nas palavras de Swedberg (2005: 62), a diferença estaria no:
[...] fato de ver o comportamento racional como algo que evoluiu
historicamente ou, em outras palavras, para Weber – ao contrário da visão
dos economistas de hoje – o comportamento racional é uma variável, não
um pressuposto. Em conseqüência disso, procurou desenvolver uma série
de conceitos e tipologias para captar a maneira pela qual o comportamento
racional evolui historicamente e como variou em diferentes períodos.

A terceira diferença estaria relacionada à distinção que Weber faz entre


racionalidade formal e racionalidade substantiva. A formal gira em torno do cálculo
racional e a substantiva está relacionada com valores absolutos. Contudo, tendo em
vista essa separação, é preciso antes questionar: o que é racionalidade econômica para
Weber? “A ação econômica racional, explica ele, orienta-se para uma situação em que
há escassez de meios e envolve uma ‘escolha prudente entre os fins’” (SWEDBERG,
2005: 63). Na perspectiva de Weber, o desenvolvimento capitalista e a introdução do

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dinheiro criaram as condições para que o modo formal de racionalidade predominasse
no processo de escolha que envolve a racionalidade econômica, mas não anulando
completamente a racionalidade substantiva nesse processo. Portanto, a diferença entre
Weber e a perspectiva neoclássica neste aspecto está, de um lado, no reconhecimento
de que a ação orientada por valores pode ser tão racional quanto a orientada pelo
interesse econômico formal e, de outro, no entendimento de Weber de que “[...]
nenhuma economia pode ser cem por cento formalmente racional; ela sempre contém
um elemento de irracionalidade formal, ou racionalidade substantiva” (SWEDBERG,
2005: 63).
Helge Peukert (2004) interpreta a relação entre a sociologia econômica
weberiana e a teoria neoclássica de forma diversa de Swedberg. Para Peukert, a
perspectiva de Weber sobre a economia e, mais especificamente, o seu conceito de
ação econômica não constituem uma ruptura com a tradição da economia ortodoxa. E,
deste modo, Peukert sustenta:
Our thesis is that Weber’s outline and research program is not really
helpful for present-day economic sociology and heterodox economics
because Weber had a rather narrow understanding of rationality and the
economy. (PEUKERT, 2004: 988)

Deste modo, Peukert argumenta que o conceito de ação econômica que Weber
elabora é, basicamente, idêntico ao presente na teoria neoclássica, ou seja, que a ação
econômica é individual, exclusivamente racional (ou sistemática) e leva apenas em
consideração interesses econômicos, orientando-se, portanto, apenas pela utilidade.
Peukert afirma que tanto a teoria econômica ortodoxa como a de Weber admite que
esse conceito de ação econômica é ideal-típico e, também, ele admite que Weber
atribui uma dimensão histórica à racionalidade. Contudo, para Peukert, as questões do
caráter ideal e histórico que envolvem o conceito de ação econômica, antes de revelar
uma ruptura de Weber com a perspectiva neoclássica, indica a sua afinidade com ela:
For Weber, the neoclassical model of man is in the center of theoretical
analysis. His remark on the unrealistic character makes no difference,
because no serious economist doubts that we are dealing with an
idealization. Weber himself states just previously that the action of this
idealized economic man formulates the transhistorical logic of systematic
or rational economic behavior and that, at least for the time being, the
occident converges to this model. So Weber is in a certain sense more
dogmatic or ‘naturalist’ then present-day heuristic neoclassical economists
such as Arrow or Debreu. (PEUKERT, 2004: 997-8)

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Portanto, Peukert, ao contrário de Swedberg, interpreta a perspectiva histórica
de Weber sobre a noção de racionalidade e a relação desta com o conceito de ação
econômica como um aprofundamento de Weber com a teoria neoclássica.
Além disso, ainda dentro da questão da racionalidade, Peukert também admite
que Weber reconhece outras formas de comportamento que não de tipo racional, mas,
contudo, ele destaca que Weber, na primeira parte de Economia e Sociedade, adota
um modelo metodológico racionalista, tal como o faz a economia neoclássica, pois
afirma que cabe à explicação científica determinar o curso racional de uma ação
econômica. Nas palavras de Peukert (2004: 1005):
Weber’s typology was developed to broaden the narrow horizon of
neoclassical utility maximization, first by the extension from utility to
goal-oriented behavior, and next by the inclusion of three other
motivational forces (values, affection, tradition). So Weber does not say
that all humans act rationally all the time, but what he says is that he (the
scientist) knows all the time what the rational course of action would have
been. But from where does the distinguished observer get his special
knowledge? Despite all methodological sophistication, Weber was rather
naïve and committed an empirical or rationalist methodological fallacy:
believing that a rational course of action can be depicted without
interpretative meta-models that are at the mercy of reasonable alternative
descriptions of rational courses of action.

Peukert afirma (2004: 1005-6) que também a teoria econômica neoclássica cai
nessa mesma “falácia racionalista”, que ele identifica em Weber. Uma citação do
próprio Weber, usada por Swedberg, parece corroborar com a proposição de Peukert
da adoção de um modelo racionalista:
Com a finalidade de uma análise tipológica científica, é conveniente tratar
todos os elementos irracionais e afetivamente determinados do
comportamento como fatores de um tipo conceitualmente puro de ação
racional. Por exemplo: um pânico na bolsa de valores talvez possa ser
analisado de maneira mais conveniente quando se busca determinar
primeiro qual teria sido o curso da ação se este não tivesse sido
influenciado por emoções ou fatores irracionais; com isto é possível
introduzir os componentes irracionais como explicação para os desvios ao
curso hipotético observado (WEBER apud SWEDBERG, 2005: 52)

Fazendo assim, de acordo com Peukert (2004: 1005-9), o modelo de


interpretação weberiano apreende apenas atores racionais cujo curso da ação é
claramente verificável e previsível, não deixando, assim, espaço para entender o papel
da incerteza, mudança, descontinuidade e novidade na ação econômica.
Resumindo, as interpretações de Swedberg e Peukert sobre a sociologia e o
conceito de ação econômica weberianos divergem em dois aspectos principais: 1)
sobre o conceito de ação econômica em si, ou seja, se leva em consideração a questão
da irracionalidade ou não, se é orientada apenas pela utilidade, se é social, etc.; 2)

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sobre a noção de racionalidade em Weber trabalha, ou seja, se esta possui uma
perspectiva histórica ou apenas adota o modelo de racionalidade formal, utilitária ou
“calculista”. Na seção seguinte, veremos qual das duas interpretações – a de
Swedberg ou a de Peukert – aproximam-se mais da análise que Weber faz em A
Bolsa.

2. Análise de A Bolsa
O ensaio A Bolsa foi escrito por Weber entre 1894 e 1896, trata-se, portanto,
de uma obra de um período inicial de sua vida intelectual no qual muitos dos seus
principais trabalhos ainda não tinham sido escritos – entre os quais, Ética Protestante
e o Espírito do Capitalismo, Economia e Sociedade, A “Objetividade” do
Conhecimento nas Ciências Sociais, entre outros. No entanto, A Bolsa faz parte de
um conjunto de escritos sobre o tema do mercado de valores, que foi foco de atenção
de Weber durante os anos de 1893-18984. Segundo Filipe (2004: 12), o objetivo de
Weber com A Bolsa era informar o grande público, inclusive as camadas operárias,
sobre a natureza dessa instituição econômica que influenciava, diretamente, o bem-
estar econômico de todos. Ele queria, então, dissipar certos “preconceitos” da época
que representavam as bolsas como “um grande jogo dos grandes capitalistas”. Essa
intenção “pedagógica” de Weber fica clara já nas primeiras linhas de A Bolsa:
A primeira parte deste estudo [...] visa, exclusivamente, fornecer uma
primeira orientação a quem ignora por completo estas matérias. Parte
mesmo do pressuposto de uma total ignorância. [...] Isto porque a
ineficácia prática da crítica que vastas camadas populares fazem à presente
situação das bolsas, assenta, fundamentalmente, numa imensa
superficialidade que procura os erros ali onde apenas a irreflexão ou o
antagonismo de interesses os podem descobrir. A mesma superficialidade,
todavia, é também responsável pela perigosa idéia de que uma instituição
como a bolsa [...] não passaria de uma associação da burla e da gatunice
[...]. (WEBER, 2004: 57).

Nesse sentido, cabe notar que o tema da bolsa estava em voga no debate
político alemão da época. Evidência disso é que em 1892, o chancelar federal alemão
constitui uma comissão de inquérito que deveria formular propostas para uma reforma
das bolsas alemãs (inclusive, durante um certo período, o próprio Weber foi membro

4
Existe uma edição em alemão intitulada Börsenwesen: Schriften und Riden 1893-1898, editada por
Knut Borchardt e Cornelia Meyer-Stoll, que reúne todos esses escritos. Para um resenha dessa edição,
ver Keith Tribe (2002).

11
desta comissão)5 e, nas últimas páginas de A Bolsa, Weber (2004: 142-51) irá se deter
no assunto das possíveis mudanças e o que se pode esperar das bolsas do ponto de
vista dos interesses do Estado.
Não faremos aqui um resumo exaustivo do conteúdo de A Bolsa, pois muitas
das partes desta última não estão diretamente relacionadas ao foco de nossa análise –
o conceito de ação econômica6. Contudo, é preciso informar que o ensaio de Weber
sobre a bolsa se divide em duas partes: a primeira é uma introdução geral e didática
sobre a bolsa enquanto instituição e, a segunda, analisa o funcionamento interno das
bolsas. Em cada uma destas partes destacamos alguns pontos que condensam e
ilustram mais claramente o que em outros momentos da obra aparece implícito e
difuso. Todavia, tendo em vista o conteúdo de A Bolsa no conjunto, o que podemos
concluir da sua leitura é que tanto a definição de bolsa (primeira parte do ensaio)
quanto a análise das operações bolsistas (segunda parte) são entendidas por Weber
dentro de um modelo ortodoxo da economia – o que corrobora com a interpretação de
Peukert (2004), que na nota número três de seu artigo comenta o seguinte sobre A
Bolsa:
In the latter writing, he [Weber] offers a precise empirical and historical
description of the stock exchange and defines its positive and necessary
function in modern economies. But the possibilities of dysfunctional
speculation, irrationally motivated volatility, and the phenomenon of
uncertainty as such play no role in his rather conventional deliberations.
(PEUKERT, 2004: 1016)

Concordamos com Peukert quando temos em mente a análise em conjunto


desenvolvida por Weber em A Bolsa. Na primeira parte deste ensaio, por exemplo,
Weber (2004: 57-63) comenta sobre as razões do aparecimento das bolsas nas
economias modernas e sua importância para essas últimas; e em nenhum momento ele
relaciona o aparecimento da bolsa com o processo de racionalização da ação
econômica, indicando, assim, uma possível perspectiva histórica sobre a racionalidade
presente na economia capitalista. A bolsa é entendida como uma instituição que
surgiu como decorrência necessária do aumento do volume e extensão das trocas
econômicas entre os homens:
A bolsa serve para a troca, em proporções gigantescas, deste tipo de bens.
Ela é um mercado moderno, um local onde, no decurso de reuniões

5
Sobre o background histórico e político da época em que foi escrito A Bolsa, ver TRIBE, 2002: 242-
43; FILIPE, 2004: 9-13. E sobre as possíveis razões pessoais que levaram Weber a ter se dedicado
sobre o tema das bolsas, ver BORCHARDT, 2002: 148-59.
6
Para um resumo exaustivo e comentado de A Bolsa, ver FILIPE, 2004: 22-36.

12
regulares – diárias, nas grandes bolsas – se realizam negócios de compra e
venda. (WEBER, 2004: 63)

Assim, o aparecimento das bolsas não ocorreu em razão do desenvolvimento e


transformação da racionalidade econômica e, sim, porque houve um aumento na
produção e circulação de bens, deslocando a ação econômica orientada, inicialmente,
à satisfação de necessidades dos membros de comunidades auto-sustentáveis (isto é,
sem produção de excedentes em escala considerável) para a orientação de atender
uma demanda externa: “O que leva o empresário moderno a produzir bens não é o
facto de os poder ele próprio consumir, mas sim o de eles encontrarem ‘comprador’,
ou seja, alguém que tenha, provavelmente necessidade deles” (WEBER, 2004: 59).
Portanto, o processo que Weber descreve para explicar o surgimento das bolsas não
apresenta uma perspectiva histórica sobre a racionalidade da ação econômica
enquanto tal e, sim, apenas o argumento de que em sociedades mais simples, onde a
ação era voltada para o atendimento de necessidades mais imediatas, as relações de
troca eram em menor escala e ocorriam através do encontro da oferta e da demanda
em mercados locais; e, nas sociedades modernas, essas relações adquirem uma
proporção “gigantesca” do ponto de vista da quantidade de bens e serviços que se está
trocando, o que, por sua vez, torna inviável o encontro localizado da oferta e da
demanda em um dado mercado. Tanto é assim, que para Weber a natureza (“essência
econômica”) do mercado simples e da bolsa são a mesma:
[...] a bolsa e o mercado são da mesma natureza, que mais não seja pela
finalidade idêntica que prosseguem. Isto porque são locais onde se
encontram a oferta e a procura de um mesmo produto. Tomemos de novo
o pequeno mercado como ponto de partida: de um lado, temos os
camponeses, que têm para vender produtos agrícolas (oferta) e que querem
comprar artigos produzidos pelos artesãos urbanos (procura); do outro
lado, temos consumidores urbanos, que compram géneros alimentícios
(procura), e os artesãos, que querem e têm de vender a sua produção
(oferta). Estas mãos estendidas têm de poder encontrar-se; tal é a razão por
que o mercado é indispensável. A bolsa visa um objetivo idêntico. Com a
diferença que o volume tratado é infinitamente mais importante. (WEBER,
2004: 64)

Contudo, se o modo como Weber trata a questão do desenvolvimento histórico


que fez surgir a bolsa corrobora com a perspectiva de Peukert; não podemos dizer o
mesmo, nesta primeira parte do ensaio sobre a bolsa, da ausência do caráter social da
ação econômica – único elemento que vai ao encontro da perspectiva de Swedberg.
Podemos identificar isso na citação já referida acima na qual Weber menciona que a
ação econômica de um empresário moderno para produzir um bem é orientada, de um
lado, pelo o seu interesse (utilidade) de obter lucro e, por outro, pela demanda

13
(comportamento) de pessoas que querem comprar esse bem. O caráter social da ação
econômica também esta presente nas considerações de Weber sobre a atividade
econômica nas economias tradicionais:
Se acompanharmos o homem no seu trabalho desde os tempos mais
recuados, desde logo descortinaremos o primeiro e mais natural dos
motivos que o levou a produzir bens: a cobertura das suas próprias
necessidades. [...] Todavia, o homem nunca foi capaz de desafiar, sozinho,
a natureza. Para, pura e simplesmente, subsistir, ele depende e dependeu
sempre da associação com os outros indivíduos [...]. E esta comunidade,
que lhe era indispensável, tão-pouco a escolheu ele, [...] nasceu no seio
desta comunidade; vivia, sob a autoridade ilimitada de um patriarca, no
grémio de sua família [...]. (WEBER, 2004: 58)

Portanto, a ação econômica não só era orientada pela satisfação de


necessidades individuais como também pelo comportamento dos outros que
pertencem à comunidade. De certo modo esse caráter social da ação econômica
também Weber reconhece na economia moderna, pois nesta última o indivíduo não
vive em comunidades auto-sustentáveis e, sim, vive numa sociedade complexa na
qual ele depende do fruto do trabalho de outros para conseguir o que precisa: “A
organização actual amarra cada indivíduo a uma infinidade de outros indivíduos por
incontáveis fios. Cada um procura as suas conveniências, puxando pelos fios da rede
para chegar ao lugar que julga ser seu [...]” (WEBER, 2004: 81). Essa metáfora da
rede corrobora com o argumento de Swedberg de que o conceito de ação econômica
weberiano leva em consideração uma dimensão social, que o mesmo conceito na
teoria neoclássica não possui. Além disso, essa metáfora poderia ser comparada com a
tese de Granovetter (1985) de que a ação econômica, mesmo nas sociedades
modernas, está enraizada7 em redes de relações sociais. Contudo, é preciso relativizar
esse argumento, pois nas páginas anteriores da citação acima referida, Weber (2004:
72-81) tece argumentos sobre o quanto essas relações são impessoais e que, na
verdade, os “outros” não entram em consideração na ação econômica do indivíduo da
economia moderna:
Tudo isto é igualmente facilitado pelo carácter impessoal do capital. O
accionista individual não tem de intrometer-se na condução dos negócios,
nada tem a ver com os trabalhadores de uma mina ou de uma fábrica que
funcionem como sociedades anónimas, e aqueles tão-pouco sabem quem
ele seja. Ele não consulta a contabilidade, e desta só conhece o que a
direcção revela no relatório da assembleia geral [...]. As participações são,
normalmente, transferíveis pela simples transacção do título (das acções) e
passam de mão em mão, o que não quer dizer que os accionistas se
conheçam uns aos outros. (WEBER, 2004: 77-8)

7
No original em inglês “embeddedness”.

14
Corroborando, deste modo, com Peukert (2004: 997-98) que afirma que para
Weber o desenvolvimento das economias modernas levaria, gradativamente, a ação
econômica aproximar-se do modelo ideal-típico (individualmente interessada e
racional). Não podemos identificar totalmente, portanto, nas análises de Weber sobre
a ação econômica, seja na sociedade moderna em geral, seja em especial nas
operações bolsistas, o caráter social que nos fala Swedberg.
Ao final desta primeira parte de A Bolsa, Weber (2004: 88-95) descreve as
diferenças das regras de funcionamento entre as bolsas da Inglaterra, Estados Unidos,
França e Alemanha. Poder-se-ia argumentar que nesse trecho temos um exemplo
daquele argumento de Swedberg (2005: 62-63) de que para Weber por trás da
racionalidade formal (baseada no cálculo) há sempre uma parcela de racionalidade
substantiva (baseada em valores); assim, as diferentes regras de funcionamento
expressariam diferentes valores sociais que determinam o que em cada contexto
seriam relações comerciais justas. Contudo, pensamos que seria forçar por demais o
conteúdo da descrição que Weber faz sobre as diferenças entre as bolsas, pois ele
apenas se limita a uma descrição e não explica (sociologicamente) as razões para
essas diferenças.
Na segunda parte de A Bolsa, Weber trata das operações bolsistas, isto é, do
funcionamento interno das bolsas. Neste sentido, a orientação e curso da ação
econômica são definidos apenas levando em conta o interesse do comprador em
comprar com preço baixo e do vendedor vender com preço alto:
Todo o tráfego bolsista, reveste, assim, o caráter de sobrelanços
incessantes e recíprocos: os comissionistas e os corretores que levam no
bolso ordens de compra aumentam o preço que oferecem, enquanto os que
levam ordens de venda baixam os preços que reclamam; deste modo, as
ofertas aproximam-se uma das outras, até o momento em que se fecha o
negócio entre dois interessados. (WEBER, 2004: 107)

Essa descrição da ação econômica centrada no interesse individual (utilidade) fica


mais clara neste exemplo que Weber dá:
Meier, um corretor especializado em rublos, recebeu uma ordem de
compra de 30 000 rublos em notas de banco russas, por um preço que não
deverá exceder os 211 marcos por 100 rublos. Ele dirige-se para o
‘mercado’ dos rublos, ou seja, para aquela aglomeração de gente onde são
transaccionadas notas de rublos e grita, então: ‘210 comprador!’, o que
quer dizer, em dialecto bolsista: ofereço 210 marcos por cada 100 rublos.
Logo depois, há um outro que exclama: ‘211 vendedor!’ [...] Meier, por
exemplo, grita então: ‘210 comprador!’ [...]. Um terceiro exclama, por sua
vez: ‘210 ¾ vendedor!’ [...]. Meier, então, compreendendo que não
comprará quaisquer rublos por 210 marcos, aumenta a sua oferta e grita,
por exemplo: ‘210 ¼ comprador!’ [...], ao que o referido terceiro responde,
em voz muito alta: ‘210 5/8 vendedor!’, ao que Meier reage, subindo mais

15
uma vez a sua oferta: ‘210 ½ comprador1’. [...] Ambos, comprador e
vendedor, anotam então, o mais rapidamente possível, o curso e a
quantidade nos respectivos blocos de apontamentos, para logo passarem à
execução de outras ordens. (WEBER, 2004: 108-9)

Nota-se pelo exemplo acima, que o curso da interação entre comprador e


vendedor é determinado apenas pelo cálculo racional motivado pelo interesse
individual de cada um.
Um outro ponto da reflexão weberiana sobre as operações realizadas na bolsa, que
corrobora com a interpretação de Peukert, é a análise sobre a especulação. A
especulação é bastante ilustrativa para algo que está presente de forma não muito clara
nos demais tipos de operações bolsistas que Weber analisa, a saber, a noção de
racionalidade como cálculo baseado no interesse individual. Weber define a
especulação de maneira simples e tradicional: é a obtenção de ganho através da
diferença entre o preço de compra e o preço de venda (Cf. WEBER, 2004: 113). Em
seguida, ele define duas formas de obter esse ganho: 1) através da diferença de preços
entre regiões (especulação por arbitragem), e 2) através da diferença de preço no
tempo (especulação lato sensu). O modo como Weber descreve a racionalidade que
orienta ambos os tipos de especulação é de tipo formal, isto é, através do cálculo
baseado no interesse individual:
Quem efectua uma arbitragem procura obter um ganho, ao vender uma
mercadoria num local onde ela é cara e ao comprá-la, simultaneamente, ali
onde é barata. A sua transacção é, por conseguinte, uma pura operação
aritmética. [...] Por outro lado, aquele que procede uma arbitragem não se
limita a fazer conversões monetárias, deve ainda ponderar a diversidade
das práticas em vigor em matéria de dias de pagamento, de juros a pagar,
de provisões e de corretagens, e tudo isto à velocidade relâmpago. Ao
proceder este cálculo mental, terá de realizar, muitas vezes, verdadeiros
prodígios [...]. (WEBER, 2004: 113-4)

Weber analisa, também, as operações de especulação através da diferença de


preços no tempo. Ele considera a questão da incerteza do agente frente à situação
futura (lembrando que o papel da incerteza na ação econômica seria um elemento que
distanciaria Weber da ortodoxia econômica). Contudo, esse risco que envolve a
incerteza quanto ao futuro, de acordo com Weber (2004: 117-19), é contornado
através da especulação por meio de operações a prazo, pois nelas se estabelece uma
data de venda futura, na qual os atores calculam com relativa certeza o cenário de
preços. Assim, Weber continua centrando sua análise no modelo de ação econômica
conduzida pela racionalidade formal e auto-interessada, pois, no caso das operações a
prazo, a preferência dos especuladores por ela é explicada por Weber nos marcos de

16
uma racionalidade que visa diminuir os riscos e custos que envolvem a consecução
dos seus interesses e nada mais.
Ainda sobre a especulação por meio das operações a prazo, poder-se-ia
argumentar que ela revela a dimensão social da ação econômica nas bolsas, qual seja:
a sua realização depende da consideração sobre o “outro” como aquele que tem
condições e irá respeitar o prazo de venda. Todavia, Weber explica essa questão
através da noção de ação racional instrumental (noção que o aproxima da ortodoxia
econômica), ou seja, o respeito ao prazo e às regras que cercam esse tipo de operação
ocorre não em razão de uma consideração a respeito do outro ou, ainda, não porque
essas regras estão de acordo com valores como honestidade; a razão que Weber
levanta é que as regras e prazos são respeitados neste tipo de operação bolsista em
função da utilidade que elas possuem para a consecução do interesse que move a ação
(lucro através da diferença de preços no tempo), isto é, é do interesse do comprador
comprar de fato na data prevista, pois no meio tempo ele pode vender o que foi
comprado por um preço mais alto a um terceiro; e é do interesse do vendedor vender
na data acertada, porque, assim, ele já de antemão assegurou um comprador (Cf.
WEBER, 2004: 120-124, 129-31). Nesta perspectiva, o que assegura o cumprimento
dos prazos e regras é uma cadeia de interesses individuais.
Após as operações a prazo e tudo mais que as envolvem, Weber (2004: 142-
51) passa abordar um assunto que não diz respeito ao conceito de ação econômica
diretamente, a saber, a relação entre a instituição bolsa e o poder do Estado.
Entretanto, podemos interpretar as páginas sobre essa relação como um caso de ação
economicamente orientada – e, neste sentido, detectarmos algo que corrobora com o
argumento de Swedberg de que a sociologia econômica weberiana possui um escopo
maior de estudo do que a teoria econômica, que somente estuda a ação racional
econômica. Nesta direção, o argumento de Weber seria de que o interesse da ação de
um Estado é aumentar seu poder e, para tal, ele deve levar em consideração aspectos
econômicos como, por exemplo, uma bolsa forte que, ao seu turno, pressupõe o livre
curso das ações econômicas no seu seio:
Do ponto de vista dos interesses de poder políticos e económicos de uma
nação, não é admissível [...] proibir unilateralmente, ‘em sua casa’, as
operações a prazo em relação a um determinado produto. Com efeito, em
vez de eliminar a especulação, estar-se-ia, simplesmente, a empurrá-la para
o estrangeiro e a estimular aí o mercado do produto em causa, com o
conseqüente fortalecimento do poderio financeiro de outros países.
(WEBER, 2004: 148-49)

17
Essa interpretação é verdadeira até certo ponto, pois o que há nessas páginas é
menos uma análise de Weber de como se processa essa relação entre poder do Estado
e “bolsa forte” e mais o posicionamento deste sociólogo alemão frente aos debates
políticos de sua época que, em alguns momentos, assume um tom bastante evidente:
Enquanto as nações [...] travarem umas com as outras uma luta económica
implacável e inevitável pela sua própria existência e pelo poderio
económico, impõem-se, naturalmente, consideráveis restrições ao
prosseguimento de exigências teórico-morais, se se tiver em conta que,
também no plano económico, se não pode proceder a qualquer
desarmamento unilateral. Uma bolsa forte não pode ser um clube que se
dedique à promoção da “cultura ética” e tão-pouco os capitais dos grandes
bancos, tal como espingardas e canhões, são “instituições de beneficência”.
Para uma política que se proponha alcançar objectivos neste mundo,
aqueles só podem significar uma coisa: meios de poder para conduzir
aquela luta económica. (WEBER, 2004: 150-51)

Portanto, nossa interpretação é que não há nestas páginas finais de A Bolsa


uma análise da ação economicamente orientada do Estado, e, sim, a expressão de um
posicionamento político. Desta maneira, o que podemos retirar de Weber nas páginas
em questão não são as bases ou mesmo as linhas gerais de um quadro de análise para
uma questão que permanece bastante atual: a relação entre mercado financeiro e o
poder dos Estados.
Em suma, através da leitura de A Bolsa podemos concluir que a noção de ação
econômica usada por Weber nessa obra é bastante próxima à concepção neoclássica,
ou seja, a ação econômica caracterizada como motivada pelo interesse individual e
orientada através do cálculo racional. Com exceção de um breve comentário na
primeira parte de A Bolsa, o caráter social da noção de ação econômica weberiana
inexiste ou não é tomada como algo que determine o curso da ação.

3. Considerações Finais
Retomando: através da leitura de A Bolsa de Max Weber identificamos que o
conceito de ação econômica ali presente é de caráter bastante próximos ao da teoria
econômica neoclássica – o que corrobora com a interpretação de Peukert mencionada
na seção 1 deste trabalho. Contudo, não podemos emitir um juízo sobre se realmente a
sociologia econômica e mesmo o conceito de ação econômica weberianos rompem ou
não com a perspectiva neoclássica – isso exigiria, de um lado, um exame aprofundado
de outras obras de Weber e, de outro, um estudo sobre a perspectiva neoclássica e sua
interpretação da ação econômica de modo geral e como ela é operada para explicar as
operações bolsistas.

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Todavia, podemos, com base no escopo limitado do nosso estudo, concluir com
uma hipótese a este respeito, isto é, expressar o que os resultados de nossa pesquisa
apontam como possível resposta à questão mais ampla em que ela está situada – se a
sociologia econômica de Weber distancia-se ou não da ortodoxia econômica e, assim,
saber se o seu sistema teórico constituiria uma base adequada para a Nova Sociologia
Econômica.
Nesta direção, poder-se-ia argumentar, tendo em vista a perspectiva de Swedberg
(2005), que a análise de Weber sobre a bolsa e seu funcionamento interno apresenta
características do modelo teórico da economia ortodoxa, porque o objeto de análise
desta obra se situa naquela área de sobreposição entre a sociologia econômica e a
teoria econômica, a saber, a do estudo da ação racional com objetivos exclusivamente
econômicos. Esse argumento é questionável, ao nosso ver, por uma razão: se o estudo
se situa nessa “área de sobreposição”, porque não detectamos, também, elementos de
análise de natureza sociológica? Ora, se é uma área de sobreposição é de se presumir
que se tenha elementos das duas coisas que se sobrepõem (neste caso, sociologia e
teoria econômica); se isso não ocorre, não há sentido em se falar em sobreposição e,
sim, de que se trata de um estudo de teoria econômica. Em contrapartida, levantamos
a hipótese explicativa baseada nos argumentos de Zelizer (1988: 620-22; 1992: 4-6;
1997: 1-12) e Granovetter (1990: 91-95) a respeito da sociologia econômica clássica,
qual seja: o estudo A Bolsa de Weber possui a característica da velha sociologia
econômica em centrar sua análise nas conseqüências de um determinado fenômeno
econômico nas esferas da vida social e, simultaneamente, possuir uma representação
acerca destes fenômenos enquanto tais (ou da vida econômica) nos marcos dos
pressupostos da economia ortodoxa. Esta hipótese “conclusiva”, portanto, daria conta
de explicar tanto as reflexões de Weber em entorno da necessidade das bolsas em
sociedades complexas e a relação que ela possui com o poder dos Estados, como,
também, a adoção de uma perspectiva ortodoxa para analisar a ação econômica em
curso nos mercados bolsistas.
Finalizando, pensamos que esta hipótese consiste numa interpretação mais
adequada sobre a sociologia econômica de Weber (que reconhece seus limites e
possibilidades), do que a posição de Peukert (2004) que afirma que o sistema teórico
weberiano se encerra em pressupostos ortodoxos e que, por isso, teria muito pouco a
contribuir para com a sociologia econômica. Discordamos de Peukert pois ele
desconsidera um elemento central que difere Weber da teoria neoclássica: na

19
perspectiva weberiana, os fenômenos econômicos não estão descolados da totalidade
social e, portanto, suas conseqüências não se restringem à esfera da economia
propriamente dita. Enfim, o limite da sociologia econômica de Weber está na
explicação dos fatos econômicos per se e suas possibilidades (ou contribuições) está
em oferecer um ponto de apoio para problematizarmos as relações entre social e
economia. O quanto a NES pode ignorar ou colocar em segundo plano no seu
programa teórico esta última questão é algo no mínimo criticável.

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