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A TÚNICA

INCONSÚTIL


© João Falcão Sobrinho, 1998

Capa:
Ronan Pereira
Projeto Gráfico:
Textus Marketing Editorial
Com todos os Direitos de Publicação reservados
a JUERP - Junta de Educação Religiosa e Publicações
da Convenção Batista Brasileira
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Delcyr de Souza Lima
Digna memória de todos os batistas brasileiros.
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Te!.: (011)246-8100
Fax:(011)247-3755

FI65t

Falcão Sobrinho, João


A Túnica [nconsútil: um estudo sobre a doutrina da Igreja I
João Falcão Sobrinho. - Rio de Janeiro, JUERP, [998
Inclui bibliografia e apêndice

ISBN 85-350-0[33-6

I. Igreja Batista· Doutrinas e controvérsias. 2. Missão da


Igreja. I. Tftulo.
CDD-230.61
CDU-23

.,-
sUMÁRIo

Prefácio do Autor 9
Prefácio 13

Capítulo 1: Definição de Termos 15


Capítulo 2: A Igreja do Sonho de Jesus 27
Capítulo 3: AIgrejaemAção .39
Capítulo 4: Liturgia da Igreja Cristã 59
Capítulo 5: O Batismo 71
Capítulo 6: A Ceia do Senhor 85
Capítulo 7: Governo da Igreja ; 103
Capítulo 8: Cooperação Entre as Igrejas ~ 115
Capítulo 9: Disciplina na Igreja Cristã 123
Capítulo 10: Túnica Inconsútil - A Unidade da Igreja 137
Capítulo 11: A Igreja e o Estado 149
Apêndice: A Natureza Missionária da Igreja 167

Notas 177

Bibliografia 179
PREFÁCIO DO AUTOR
(

Dean M Keley é um conceituado pesquisador sobre religiões. No seu


livro POR QUE CRESCEM AS IGREJAS CONSERVADORAS, ele
nos surpreendede pronto com a seguinte observação, fruto de umapesqui-
sacientificamente elaborada:
"1. Geralmente se presume que um empreendimento reli-
gioso, para ser bem sucedido, deve ser razoável, racional,
simpático, confiável, comedido, aberto às críticas de fo-
ra; isto é, eles devem querer preservar uma boa imagem
perante o mundo, do modo como o mundo define todos
esses termos.
2. Além disso, espera-se que eles sejam democráticos e
tolerantes em seu tratamento interno, novamente como
o mundo define esses termos.
3. Devem ser, também, sensíveis às necessidades dos seres
humanos como geralmente compreendidas e desejar tra-
balhar cooperativamente com outros grupos para atender
a essas necessidades.
4. Não devem deixar que o dogmatismo, o moralismo ou
a obsessão com a pureza do culto impeçam essa coo-
peração. Essas expectativas, no entanto, são a receita
infalível para o fracasso de qualquer empreendimento
religioso e resultam de uma visão errada do que seja
sucesso em termos de religião e como pode o sucesso ser
alcançado e medido. "
A Túnica Inconsútil Apresentação

A seguir, Keley cita George R. LaNove, Jr, do Colégio de Mestres da 2. "O mundo em acelerado processo de transformações não sente segurança
niversidade de Colúmbia, USA, notável pesquisadorde dinâmica social: em regimes de ideologia diluída, incolor, nem em estruturas débeis, mas
"Comparando-se o percentual de crescimento das tende a procurar amparo em regimes e religiões definidos, consistentes e
denominações evangélicas com ramos paralelos, nota- bemestruturados em termos de doutrinae disciplina" (LaNove, op cit)o As
se que os ramos liberais parecem mais adaptados às pessoas estão buscando um podercom o qual possam se comprometer.
tendências sociais e demográficas das populações 3. A perda do poder da mensagem de uma Igreja é diretamente
(
modernas. Esses ramos liberais são mais urbanizados e proporcional à perda da sua identidade. Quanto mais nítidos forem os
cosmopolitas, gozam de grande opulência e versati- contornos doutrinários de uma Igreja, mais poderosa força de convicção
lidade. Seus membros têm, na média geral, um nível de terá a sua mensagem. Se não queremos perder a força da nossa
instrução mais elevado do que o dos ramos conserva- proclamação, se achamos que o mundo precisa da nossa mensagem,
dores. Alguém poderia supor que esses ramos liberais devemos zelar pela clarezá e definição das nossas doutrinaS, a começar
apelassem com maior sucesso às populações em rápido pela doutrina da Igreja, que, no dizer de Paulo, é coluna e sustentáculo da
crescimento econômico por serem mais versáteis e ur- verdade.
banizados do que os ramos conservadores e que, por 4. "O crescimento de uma Igreja e, portanto, a sua utilidade no mundo, é
isso, crescessem mais rapidamente. Em todos os casos, diretamente proporcional à sua capacidade de mobilizar a sua membresia,
porém, os ramos conservadores estão crescendo mais independentemente do seu corpo de doutrinas" (Y. Gerber). Não basta
rapidamente do que os liberais." que uma Igreja tenha uma liderança esclarecida, ungida, mas é preciso
Os dados da pesquisa de Keley e as suas conclusões, apesar de terem que toda a Igreja seja mobilizada, confirmada, capacitada para agir
sido publicadas em 1982 continuam sendo de uma contundente conseqüentemente no mundo.
atualidade. Esses fatos exigem da parte das igrejas evangélicas:
Que espera da Igreja o mundo? O que toma aIgreja relevante no mundo? 1. Uma clara definição das doutrinas que sustentam.
Ou, qual é a verdadeira natureza da Igreja? Quais são os seus objetivos 2. Conhecimento pessoal dessas doutrinas pelo maior número possível
no mundo? Há lugar para a Igreja na sociedade cosmopolitizada, dos seus membros.
massificante, alienante, deste tempo em constantes e cada vez mais 3. Plena consistênciaentre afé e a vida, entre testemunho e proclamação,
aceleradas transformações, como bem indaga Alvin Tofler? Algumas ou seja, maior empenho na disciplina eclesiástica.
observações preliminares se impõe nas considerações sobre a doutrina 4. Equilíbrio entre coragem na sustentação dos princípios imutáveis da
bíblica da Igreja: Palavra de Deus diante de um mundo cético e secularizado e disposição
para mudar tudo o que tiver que ser mudado de acordo com as trans-
1. As pessoas no mundo de hoje precisam de um poder real, com- formações que vão sendo operadas no mundo.
provado em uma experiência definida, para mudar suas vidas. O mundo Todo o empreendimento humano, com o passar do tempo, tende a in-
está buscando esse poder. As multidões correm de um lado para outro verter a ordem dos fatoresfins e meios, ou seja, a transformar os meios
em busca de um poder que dê significado às suas vidas. Onde quer que em fins e os fins em meios para alcançá-los. Para uma igreja cristã, essa
elas encontrem esse poder, aele se entregam para viver, matar e morrer. inversão significa a morte da esperança, o esgotamento final do poder.

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A Túnica Inconsútil

Toma-se imprescindível, pois, soprar as cinzas da hipocrisia, da aco-


odação secularizante e da ortodoxia sem compromisso com a vida e
eixar crepitar de novo a chama sempre revolucionária do Espírito para
ue a Igreja, agência do Reino, não se tome um fim em si mesma, senão
ue seja o poderoso e único meio para que o Reino seja implantado na
rra. Este livro não pretende ser uma dissertação acadêmica sobre
atureza e missão da Igreja, nem um manual de práticas eclesiásticas, (
PREFÁCIO
atérias já devidamente compendiadas. Espera poder contribuir para a
.scussão sobre a doutrina da Igreja como tem sido definida pelas igrejas
atistas em seus fundament9s bíblicos. A minha oração paraeste tempo É com satisfação que recebi do ilustre autor deste trabalho o con-
ue me cabe viver é que a Igreja de Cristo seja, não a Igreja que o mundo vite a incumbência de apresentá-lo aos leitores.
uer, não a Igreja que a própria Igreja quer, mas a Igreja que Cristo quer, Direi, primeiro, que João Falcão Sobrinho é pastor dedicado, pro-
Igreja com a qual ele sonhou para um tal tempo como este. Possa o fessor competente, líder denominacional experiente e hômem de in-
?enhor usar este trabalho para abençoar as amadas igrejas batistas de tegridade, cuja vida e ministério admiro há muitos anos.
iodo o Brasil.
E mais. Neste livro, fruto de pesquisa mas, principalmente de
João Falcão Sobrinho vivência pastoral e de muitos anos de lidar acadêmico, alia o autor
saber teológico e bíblico, experiência docente em seminário, amor à
igreja, piedade cristã e desejo de oferecer uma contribuição ao es-
tudo da igreja.
Num tempo em que tantas seitas e movimentos pululam e agitam-
se em nosso país e na "aldeia global" em que se transformou o mun-
,(
do da "telemática"; num tempo de incompreensão, mesmo no meio
evangélico dito tradicional, com relação à natureza e relevância da igre-
ja; num tempo de tantas divisões em nossos arraiais, semelhantes às dos
grupos petrino, apolino, paulino e "cristino" na igreja coríntia, TÚNICA
'\ INCONSÚTIL, afigura-se como excelente subsídio para o estudo de
Eclesiologia, não só para estudantes de Seminário, mas também para
pastores antigos e novos que estão a lidar com questões ligadas à igreja,
inclusive com a contestação de sua importância nos dias atuais e na
I
virada do século.
~OTA: Este livro contém parte da matéria dada na cadeira de Eclesiologia no Seminário
reológico Batista do Sul do Brasil durante os últimos 13 anos.
Ao apresentá-la, desejo que esta obra pequena, mas bem pensa-
da e elaborada, cumpra sua vocação de constituir-se benção e ins-

12
A Túnica Inconsútil

iração, e também ferramenta de estudo para seminaristas, pasto-


s, professores da Bíblia e outros líderes cristãos. Certamente to-
os eles, após sua leitura, saberão mais sobre a igreja que, à seme-
ança da túnica inconsútil de Jesus, não deve ser rasgada, cindida,
ividida, mas apresentada ao Senhor como noiva pura ao divino
oivo, nas Bodas do Cordeiro. CAPÍTULO!
(

Atibaia, Estado de São Paulo IGREJA: DEFINIÇÃO DE TERMOS


10 de junho de 1998
Pro Irland Pereira de Azevedo
1. ORIGEM DA PALAVRA IGREJA
A palavra IGREJA, em português, deriva do latim ECCLESIA, AE,
que, por sua vez, é uma transliteração, para o latim, da palavra grega
ekklesia.
Ekklesia é uma palavra composta da preposiçãoek (ex) que rege o
genitivo e tem a idéia de "saída, emissão parafora, separação de"
(Thayer) com o verbo kaleo, "chamar, convocar em alta voz" (ib).
No grego clássico, designava a "reuniãoformal de cidadãos da polis
(cidade), convocados de seus lares para uma assembléia pública".
Nunca dá a idéia de sair para fora da cidade ou eximir-se da condição
de cidadão. Características daekklesia:
a. era a assembléia local, dos cidadãos de determinada cidade; nunca
se aplica a um império universal ou regional;
b. era uma assembléia autônoma e soberana em relação à cidade e a
todas as demais cidades, podendo decidir sobre guerra e paz e tudo o
mais que interessasse à vida dos cidadãos;
c. osekkletoi (chamados ou convocados) deviam ter características
definidas de acordo com o motivo da convocação;
d. era uma assembléia democrática, onde todos os convocados tinham
iguais e indeclináveis direitos;
e. as decisões da ekklesiq eram válidas para todos os efeitos e para
todos os habitantes da cidade.

14
A Túnica Inconsútil Definição de Tennos

. A PALAVRA EKKLESIA NA SEPTUAGINTA havendo, portanto, uma associação completa entre a cabeça e os
membros. Os membros do corpo não se comunicam diretamente entre
Na Septuaginta, 96 vezes ekklesia traduz para o grego a palavra
si, mas através do cérebro. É à Igreja -somatos - (corpo) que compete
ebraica qahal, povo, Israel, prevalecendo a idéia de assembléia. Nem
empre, porém, qahal se traduz por ekklesia. 21 vezes é traduzida realizar na terra os propósitos de Cristo - kefalé (cabeça) e só em
om um propósito definidamente não religioso; 26 vezes, assembléia Cristo, a cabeça, é que se toma possível a unidade da Igreja, o corpo.
eligiosa (SI 22.22); 36 vez.es, é a reunião formal do povo ~e Israel; 7 A Igreja tem muitos críticos e inimigos, tanto externos quanto internos,
ezes designa Israel em um sentido espiritual ou ideal; 9 vezes refere-se mas não tem substituto no plano de Deus para implantar o seu Reino na
o remanescente. Fique bem claro: na septuaginta, ekklesía sempre é terra, por ser ela o corpo de Cristo. Um corpo dividido é um corpo
tradução de qahal mas qahal só se traduz por ekklesia quando se tra- morto. Um corpo não pode ter duas cabeças e nem uma cabeça pode
ta da Congregação da Aliança, com propósito religioso definido. ter dois corpos.
2. Povo peculiar - eauto laon periousion (Tito 2.14). Aqui temos um
duplo possessivo, como observa Yeager, dando uma ênfase quase
3. A PALAVRA IGREJA NO NOVO TESTAMENTO
redundante: povo que é sua propriedade e sua posse peculiar. Este é,
,A palavra ekklesia figura 114 vezes no Novo Testamento, tanto no sem dúvida, um conceito tirado do VT (Dt 14.2 etc.). A iniciativa de
singular como no plural. 3 vezes tem o sentido secular de multidão (Atos escolher um povo para Deus é do próprio Deus (Shedd), como vemos
19.32,39,41); 2 vezes refere-se a Israel, traduzida por "congregação" em Salmos 100.3: "Foi ele e não nós que nosfezpovo seu e ovelhas
(At 7.38 e Hb 2.12); 85 vezes (74% do total) refere-se à Igreja como do seu pasto" (ARC). Durante o cativeiro no Egito, Israel era povo de
uma comunidade local e as demais vezes tem um significado apenas Deus, povo da Aliança com JHVH, embora ainda não tivesse uma
conceitual, podendo referir-se a qualquer Igreja local em particular,jamais constituição jurídica, que só veio a receber no Sinai, nem sua própria
com o sentido de uma estrutura nacional ou mundial. Nos evangelhos, terra, que só veio a adquirir 40 anos depois, nem governo formalmente
aparece somente 3 vezes, t?das em Mateus (16.18 e 18.17). instituído, que só começaria na monarquia com Saul. Mas erao quahal
FIGURAS QUE DESCREVEM A IGREJA (povo) de JHVH.
Pelo menos 9 significativas metáforas são usadas para caracterizar a 3. Rebanho de Deus - poimnion tou Theou (lPd 5.2). Repete o
Igreja no NT: conceito do VT, de Deus como o Pastor de Israel (Ez 34.31). Note que
o genitivo singular de Theou indica que a ênfase está na posse e no
1. Corpo de Cristo - somatos tou Kristou (Ef 4.12). "O corpo é
direito de Deus (rebanho de Deus e para Deus). Deus compra cada
maior do que cada um dos seus membros" (Taylor) e Cristo é a cabeça
ovelha pagando o mais elevado preço que poderia pagar para tê-la
(Ef 5.23 etc.). Esse é um conceito novo, sem paralelo no VT. Kefalé
para si no seu rebanho peculiar (1 Pd 1.19). Deixar de nutrir o rebanho
não significa apenas a cabeça física, mas também "cérebro", "comando",
a autoridade suprema de um corpo jurídico, ou ainda "pensamento", de Deus é falhar para com Deus, mais do que para com o rebanho (Cf.
João 21.17). .
exatamente como em português. Essa expressão abrange também as
idéias de que é através do corpo que se realizam os atos determinados 4. Casa, edifício -oikodome (santuário, habitação de Deus através do seu
pelo cérebro e é através do cérebro que se dá a unidade do corpo, Espírito, cf 1Cor6.19). Ef2.21 ,22 diz literalmente: "o edifício inteiro cresce

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A Túnica Inconsútil Definição de Termos

continuamente e conjuntamente para (ser) templo santo". Observe que, reunidos, formam a faml1ia - "irmãos e irmãs" (como traduz Yeager).
que sunarmologumene está na voz passiva. Não é a Igreja que se Não se trata de uma relação legal, estatutária, mas de uma relação
edifica, que se constrói a si mesma, mas ela é edificada. Note também espiritual, como destaca o genitivo empisteos, "da fé". Não designa
que está implícita na preposição sun, que compõe aquele verbo, a apenas a célula familiar, mas os seus componentes individuais unidos em
simultaneidade do crescimento de todo o edifício. Aliás, é bom lembrar só um corpo pela fé, em perfeita identidade espiritual.
que a raiz dessa palavra significa ajustar, encaixar com precisão ca~a
8. Israel de Deus - Israel tou Theou (GI 6.16). A Igreja não é um
peça em seu lugar. A figura de Paulo me vem à mente cada vez que :eJo
compasso de espera enquanto Israel decide se aceita ou não aceita o
uma casa subindo dos seus alicerces. As paredes crescem conJun-
Messias Jesus. A Igreja é Israel tanto quanto Jesus é Jeová (Cf João
tamente, cada tijolo segura os outros e pelos outros se firma através da
8.24). Israel, como povo e nação, usufrui dos efeitos das promessas de
liga de cimento e areia. Assim na Igreja: Cada um dos seus membros se
Deus, que são "sem arrependimento", mas o compromisso de Deus para
une aos demais através do traço forte do amor.
a redenção o mundo passa pela Igreja como exclusivo canal (Ef2.1 O).
5. Coluna (pilar) e firmeza (baluarte, latimfinnamentum) da verdade-
9. Noiva-nynfe(Ap 22.17 etc.). Mais uma vez, o Novo.Testamento
stilos kai edraioma tes aletheias (1 Tm 3.15). A igreja não é a verdade,
repete uma imagem do Velho Testamento. Como Israel é a esposa de
mas o sustentáculo da verdade. Não se trata da verdade filosófica, histórica
JHVH (Oséias 2.19), devendo-lhe absoluta fidelidade, a Igreja é a noiva
ou religiosa, mas da verdade em Jesus - aletheia en to Iesu (Ef 4.21),
de Cristo (Ap 19.9; 21.2), devendo-lhe exclusivo amor.
literalmente: "A verdade em o Jesus", A verdade absoluta está em Jesus,
no único Jesus, como indica enfaticamente o artigo que precede o seu
nome Os homens têm muitas verdades mas a verdade única está na pessoa 4. AFINAL, O QUE É A IGREJA?
singular de Jesus Cristo, que a si mesmo se define dizendo: "Eu sou a
Muitas definições têm sido elaboradas para a Igreja, nenhuma delas
verdade". Jesus encarna a verdade eterna em seu próprio ser. Ele não
completa e final, pois a Igreja é um organismo vivo, regido por princípios
somente conhece a verdade, fala a verdade, ensina a verdade mas ele é a
imutáveis mas em constante movimento através da história. Werner
própria verdade na absoluta acepção do seu ser divino-humano. A Igreja
Kaschel expõe o problema com muita lucidez: "A verdadeira sabedoria
é a base de sustentação da Verdade - Cristo no mundo. Que significa a
consiste em manter equilíbrio entre afidelidade aos princípios do
"verdade-em-Jesus"? Seja o que for, até onde for, a Igreja, no entender
Novo Testamento e a adaptação aos tempos em mutação. " Os prin-
de Paulo, é a coluna, o pilar, o baluarte da eterna verdade de Deus que se
cípios que dão alicerce à teologia da Igreja são imutáveis, mas a sua
revela, que se corporifica em Jesus (1 João 1.1,2). Como seria possível
reduzir esse conceito de "a verdade em Jesus" para a verdade dos homens prática deve acompanhar a evolução cultural da sociedade, evolução
ou averdade histórica de uma instituição humana falível? E como subestimar da qual a própria Igreja éparte, agente e impulsionadora. O teólogo
indiano A. B. Masilamani declara: "O Novo Testamento expõe a Igreja,
o valor e a missão da Igreja no mundo?
não como uma instituição formal ou uma organização, mas como um
6. Lampadários, castiçais -luxniai - (Ap 1.20). A Igreja não é a luz, mas organismo, um corpo vivo, um templo vivo, uma noiva de inexcedível
o castiçal, a lâmpada na qual brilha a luz que é Cristo. glória." E acrescenta: "A Igreja tem muitos críticos e inimigos, mas não
7. Família da fé (GI 6.10). Oikeious, traduzido porfanu1ia,é'o plural de tem sucedâneo no plano de Deus para implantar o seu Reino na terra",
oikeios, o que não pode passar despercebido. Refere-se aos indivíduos no que concordacom Howard A. Snyder emTIIE CHURCH AS GOD'S

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A Túnica Inconsútil Definição de Tennos

AGENT IN EVANGELISM. Emil Bruner diferencia os conceitos de sem distinção de sexo, raça, idade ou condição social, convertidas a
Ekklesia e Igreja. A Ekklesia do Novo Testamento, diz ele, é uma Jesus Cristo e batizadasconforme as doutrinas e práticas do Novo
comunidade fraternal, uma irmandade espiritual, uma realidade social Testamento, que tem como finalidades: reunir-se para prestar culto a
com um estilo de vida simples, destituído de formalidades, com uma Deus, estudar a Bíblia Sagrada, proclamar o Evangelho, .promover a
mensagem de transformação interior pelo poder do Espírito e com obra missionária no mundo inteiro, praticar a beneficência e administrar
uma viva esperança de sua consumação escatológica no Reino. Com os seus próprios negócios.
o passar do tempo, a Ekklesia foi convivendo com a (e muitas vezes PECULIARIDADES DAS IGREJAS BATISTAS
sendo substituída pela) Igreja institucional que, por imposição de
circunstâncias, assume as mais variadas formas de governo e cria cada Têm sido características peculiares das igrejas batistas:
vez mais normas e regimentos. 1. A Bíblia Sagrada como única regra de fé e prática.
A Igreja Católica define a Igreja como "A congregação de todos os 2. Plena liberdade de consciência e livre acesso de cada ser humano à
fiéis que, tendo sido batizados, professam a mesmafé, participam Verdade revelada nas Escrituras.
dos mesmos sacramentos e são governados pelos seus legítimos 3. Sacerdócio universal dos salvos.
pastores sob a autoridade de um cabeça visível (o Papa) em toda a 4. Batismo exclusivamente por imersão, de pessoas que aceitam pessoal
terra". Leonardo Boff reconhece que "a Igreja se entende como a e voluntariamente a Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
exclusiva portadora da salvação para os homens; atualiza o gesto 5. Significado memorial e simbólico dos elementos da Ceia do Senhor.
redentor de Jesus mediante os sacramentos, a liturgia, a meditação 6. Forma de governo democrático-congregacional.lsso significa: Igrejas
bíblica, a organização da paróquia ao redor de tarefas estritamente soberanas (a igreja em assembléia democrática é o seu poder máximo),
religioso-sagradas" (Igreja, Carisma e Poder, pág 17). O conceito da autônomas (em relação às outras igrejas) e auto-reprodutivas (cada Igreja
Reforma é que Cristo, "mediante a operação do Espírito Santo, une pode dar origem a outras igrejas sem qualquer interveniência externa).
os seres humanos a ele, capacita-os com verdadeira fé e, desta Desse princípio resulta a cooperação voluntária entre as igrejas.
maneira, constitui a Igreja como o seu Corpo, a comunhão dafé" 7. Separação entre Igreja e Estado.
(Vide L. Berkhof, Teologia Sistemática, Pág. 661). 8. Inexistência de uma sucessão histórica, quer pessoal (sucessão apos-
tólica) quer doutrinária (antipedobatismo) na identificação da sua auten-
ticidade como Igreja cristã, caracterizada apenas pela sua fidelidade às
5. O QUE É UMA IGREJA BATISTA? doutrinas ao Novo Testamento.
Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, artigo Vill: No livro A CELEBRAÇÃO DO INDIVIDUO, Israel Belo resume
"Igreja é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas em sete itens as peculiaridades das igrejas batistas:
após profissão de fé. É nesse sentido que a palavra Igreja é empregada 1. A aceitação da Bíblia como única regra de fé e conduta;
no maior número de vezes nos livros do Novo Testamento." 2. O conceito de Igreja como uma comunidade local democrática e
Definição jurídica (estatutária): Igreja é uma sociedade civil auto- autônoma formada porpessoas regeneradas e biblicamente batizadas;
governativa, de natureza religiosa, constituída de acordo com as leis do 3. Separação entre Igreja e Estado;
país, sem fins lucrativos, composta de um número ilimitado'de pessoas 4. Absoluta liberdade de consciência;

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A Túnica Inconsútil Definição de Termos

5. Responsabilidade de cada indivíduo perante Deus; espirituais, juntamente com os conceitos objetivos do grego: mandato
6. Autenticidade e apostolicidade das igrejas; específico, democracia, responsabilidade pessoal. Não se pode pensar
7. Cooperação voluntária entre as igrejas." em Igrejacomo uma assembléia eventual, sem continuidade institucional,
como na acepção genérica deekklesia, pois há um povo que tem uma
6. IGREJA, UM EVENTO SOBRENATURAL continuidade na Esperança a se concretizar no futuro, há uma aliança a
preservar, mas também não se pode pensar em um conceito abstrato,
A Igreja é um fenômeno sobrenatural. O seu surg~mento ~ ~ sua suste~­ destituído de praticidade. A Igreja (grupo local de remidos) é a versão
tação através da história não se devem a fatores pSICO-S?CI~IS~ ~ulturaIs, imanente do Reino de Deus, e o Reino é a versão transcendente da
políticos ou econômicos. A Igreja transcend~ à sua pr?pna ~l~to~a. T~os Igreja. É na Igreja, com a Igreja, através da Igreja, pela Igreja que o
os grupamentos humanos são formados segumdo as leIS da dinanuca SOCIal. Reino espiritual de Cristo se toma uma realidade tangível. AIgreja é uma
A escola responde à necessidade do saber. Os sindicatos respondem à assembléia que dá continuidade a si mesma e que se auto reproduz em
necessidade de aglutinar os interesses dos que trabalham na mes.ma outras igrejas"até os confins da terra". Os conceitos de Igreja e Reino
, profissão. Os clubes, torcidas, associações de c1ass~, a~ademIas, de Deus,stricto sensu não se eqüivalem, pois oReino é espiritual, invisível,
: cooperativas, condomínios etc. sempre se formam a partIr de mteress.es universal, eterno, conceitualmente abstrato, enquanto aIgreja é um gropo
comuns para atender a necessidades naturais do ser humano. A Igreja, de pessoas físicas, visível, local, temporal, conceitualmente concreto. Lato
porém, não é uma in}ciativa do ser humano para atender às suas sensu, Reino e Igreja se eqüivalem, pois as pessoas físicas que compõe a
necessidades naturais. E um evento sobrenatural: Igrejapossuem a1mae as almas que participam do Reino, enquantopessoas
a. Na sua origem divina: "Edificarei a minha Igreja "dizJesus (Mt 16.16). humanas, têm que ser dotadas de um corpo. A Esperança do Reino se
b. Na sua mensagem: "O poder de Deus" (Rm 1.16). exterioriza na celebração das ordenanças pela Igreja. Alma não pode
c. No efeito da sua mensagem, a regeneração: "Quem não. nascer da imergir em água, não come pão nem bebe vinho, mas ser imerso, comer
água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus" (João 3.5). do pão e tomar do cálice d6 Senhor sem fé, sem a participaÇão da alma,
d. No seu destino eterno: "e reinarão para todo o sempre" (Ap 22.5- são atos sem significado como símbolos cristãos (1 Co 11.29).
ARC). "As portas do inferno não prevalecerão contra ela" em Mateus
O vínculo entre corpo e alma, em conseqüência, entre Igrejae Reino, s6
16.16 significa que a Igreja é transcendente, imortal, porque o seu
é solúvel pela morte. Impossível definir, portanto, onde termina a Igreja e
Fundador e Senhor é Deus, é imortal e porque todos os que dela fazem
começa o Reino ou onde termina o Reino e começa a Igreja, ainda que
parte têm a vida eterna. atribuir ao Reino as funções da Igreja ou à Igreja as funções do Reino,
historicamente tenha causado graves danos a ambos os conceitos, de
7. A IGREJA E O REINO Reino e de Igreja, como veremos emcapítulos subseqüentes, especialmente
Note que Igreja, no Novo Testamento, é um termo grego que veste em relação às ordenanças e à fonna de governo da Igreja.
conceitos gregos e hebraicos simultaneamente, como, aliás, acontece
com outros importantes vocábulos da teologia cristã. Estão presentes, 8. IGREJA, UMA COMUNIDADE DE AMOR
nessa palavra, os conceitos subjetivos doqahal do VT em relação ao
"Povo da Aliança","Redenção", "Santidade", "Permanência", vínculos Deus é um ser social. A expressão bíblica "Deus é amor"( 110 4.16)

22 23
A Túnica Inconsútil Definição de Termos

escreve, não apenas os atos de Deus, mas o seu caráter. Deus é amor na Cristo e derrama o amor de Cristo no coração dos regenerados pelo
essência do seu caráter santo e eterno. Ao criar o ser humano, Deus o fez Espírito Santo (Rm 5.5) para formarem a Igreja sobre o fundamento da
("façamos" - diz Deus) à sua imagem e semelhança, dotando-o de todos pessoae da obrade Cristo (Mt 16.16). Essacompreensão da Igrejacomo
os requisitos necessários à sua vida como um ser social. Deus lhe deu o resgate da humanidadeparaoamor de Deus obriga-nos a várias reflexões.
consciênciaprópriaeconsciência do outro, com acompreensão dos devidos Primeira: O amor implicaaprópria natureza do ser regenerado, um estilo
limites (Gn 2.23); capacidade de comunicar seus sentimentos e seu de vida ativo de boa vontade, perdão e alegria em servir. Agape, o amor de
pensamento (Gn 3.10); instinto gregário (Gn 2.24); capacidade de julgar Deus, é o amor que envolve apersonalidade porcompleto: o pensamento
(Gn 2.19); liberdade de decisão na esfera moral (Gn 2.16); competência (memória, análise, criação), as emoções (sentimentos, impulsos, afeto) a
física e espiritual para gerar novos componentes do grupo social, cadaqual vontade (as decisões elaboradas ou empíricas), as ações (cada movimento
com a sua personalidade própria (Gn 1.28); responsabilidade criativa em
do corpo), a natureza regenerada, ou seja: a incapacidade de engendrar o
benefício do grupo social (Gn 2.15). Deus planejarauma sociedade humana
mal (Rm 13.10). Amar os irmãos não é apenas gostar de estarjunto deles,
dominada pelo amor descrito em 1Coríntios 13 e demonstrado na pessoa
mas é ser Barnabé, é ser Priscila, é tomar a iniciativa de ver o próximo,
de Jesus. Amor-santidade, amor-earáter, amor-serviço, amor-na-Espírito.
chegar perto, ajudar com o espírito de Jesus retratado no bom samaritano,
Mas, que aconteceu? A humanidade usou mal a sua liberdade, usou-a não
e também exortar, encorajar. Agape não é um amorpassivo, contemplativo,
para dar aDeus o seu amor como resposta ao amor do Criador, mas para
teórico, mas é vida, é o poder dinâmico que envolve e une as pessoas que
desobedecer, para pecar. O pecado perturbou toda a estrutura psico-
formam o templo do Deus vivo, que são as pessoas de cada Igreja.
emocional do ser humano, impedindo asua plenaconvivênciacom Deus e
com o seu próximo. Deus, então, usou o fracasso humano para, outra vez, Segunda: O amor de Deus implica um compromisso missionário. Igreja
demonstrara seu amor. Ao redimir cada ser humano da condenação do sem visão missionária total no espírito de Atos 1.8 é Igreja sem apercepção
pecado e ao agrupar homens e mulheres redimidos em igrejas, Deus está da grandeza do amor de Deus. É impossível amar aDeus e chegar-se aEle
mostrando o seu caráter, o seu amor. Não se pode entender a natureza da sem serabrasado pelo seu amorpelos pecadores perdidos de todo o mundo.
Igreja sem que o amor de Deus seja derramado em nossos corações pelo Ao multiplicar-se em outras igrejas por todo o mundo, a Igreja está
Espírito que nos foi dado (Rm 5.5). (Veja Karl L. Schrnitdt em A IGREJA demonstrando a verdadeira dimensão do amor de Deus, pois "Deus amou
DO NOVO TESTAMENTO, Págs. 29,30). o mundo" (10 3.16). .
Terceira: O amor implica um compromisso com averdade. A verdade é
um componente inalienável do amor. Não existe amor sem a Verdade. Daí
9. A NOVA HUMANIDADE
Paulo ter afirmado em 1Tm 3.15 que aIgrejaé colunaefrrrneza daverdade.
A Igreja é a reunião dos seres humanos regenerados pela fé pessoal em A Igreja apostólica permanecia firme "na doutrina dos ap6stolos, na
Jesus Cristo mediante a atuação do Espírito Santo, batizados como comunhão, no partir do pão, nas orações" (At 2.42). Quando uma
testemunho e símbolo da sua regeneração para adorarem aDeus em amor, Igrejaperde a sua identidade bíblica, ao contrário do que muitos imaginam,
para se amarem uns aos outros no amor de Deus e para proclamarem o perde a sua capacidade de amar, além de perder a força da sua mensagem,
Evangelho de Cristo. É a nova humanidade recriada, resgatadaparao amor que não é um discurso humanista, mas é amensagem de amor de um Deus
de Deus. "Deus é amor e quem permanece em amor permanece em que chama os pecadores ao arrependimento e à luz da verdade. Quem tem
Deus" (1Jo 4.16). O Deus-Amor manifesta seu amor através de Jesus o amor de Deus permanece na verdade sem mistura de erro (2Jo 1-3).
1I1L10TECA DO
24 25 IEM1NAIIO TEOLO(jl(O e"~'"
DO 'ARANj
CAPÍTULO 2

A IGREJA DO SONHO DE JESUS

"A Igreja não deriva da sua membresia, mas do seu Cabeça"


(Robert Dale)

Desse princípio, enunciado de modo notável por Robert Dale no livro


TO DREAM AGAIN, resultam, entre outras, estas três refl~xões muito
pertinentes para a formulação da nossa eclesiologia:
1. A Igreja é grande, imortal, invencível, relevante, não porque seus
membros o sejam, mas porque o seu Cabeça e fundador, Jesus Cristo,
é grande, eterno, invencível, relevante.
2. Sonhar não é dar asas àimaginação e criar uma utopia, mas fixar alvos
em realidades desafiadoras e saber como alcançá-los.
3. Ninguém terá uma Igreja maior do que o seu sonho, nem maior do
que o preço que esteja disposto a pagar para realizá-lo.
A IGREJA DO SONHO DE JESUS
1. Jesus sonhou com uma Igreja que desse continuidade ao seu
projeto de resgate da humanidade para o amor do Pai. A missão
redentiva da Igreja no plano de Jesus está evidenciada:
Na Grande Comissão e textos correlatos, especialmente Lc 24.44-
47: "Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e
ao terceiro dia ressuscitasse dos mortos, e em seu nome se pregasse
o arrependimento e a remissão dos pecados em todas as nações,
começando por Jerusalém" (VR). Vale a pena destacar a diferença
A Túnica Inconsútil A Igreja do Sonho de Jesus

que faz a preposição eis, que indica extensão, propósito, na expressão com o pai. Seu valor para o amor do pai foi resgatado. Como erramos
metanoian eis afesin (arrependimento para redenção). A mensagem quando pensamos na salvação como um fim em si mesma. O ato da
entregue por Jesus à Igreja para proclamar é de "arrependimento com regeneração de umapessoa não esgotao manancial da graça, ao contrário,
opropósito definido de remissão". Jesus sonha com uma comunidade é o seu começo. O objetivo de Deus na redenção é o que se segue a ela:
de remidos que seja um canal e sinal de redenção. Não é demais lembrar a nova vida dos salvos na comunhão santa, amorosa e eficaz do Pai. Na
que só os que já foram remidos podem ser agentes de remissão. Um es- parábola de Lc 10, Jesus se apresenta a si mesmo como o samaritano que
cravo só poderia ser agente de libertação a partir do momento em que .,
I socorre o homem agonizante, vítima dos salteadores, leva-o a um lugar
ele mesmo fosse um liberto. Por outro lado, cada ser humano liberto do seguro, entrega-o aos cuidados do estalajadeiro, pagaopreço e diz: "Cuida
pecado por Jesus é uma prova, um sinal de redenção. Jesus sonhou dele até que eu volte". O resgate da vida humana para o propósito
com uma comunidade de remidos-para-remir, sendo ele mesmo o divino original da criação, anterior à queda, para a vida abundante, é o o-
Remidor "através do seu sangue" (Ef. 1.7). Jesus sabia que "sem bjetivoque Jesus tem em m~nte (João 10.10). Cabe à Igreja, como agência
derramamento de sangue não há remissão" (Hb 9.22). Ele estava de redenção, não apenas chegar perto do pecador, erguê-lo nos braços,
disposto a pagar o preço para que o seu sonho se tornass(f realidade prestar-lhe os primeiros socorros, pensar-lhe as feridas da alma e do corpo,
através de igrejas que fossem as suas agências de redenção para todas mas cuidar dele até que o Senhor volte.
as nações. Sempre que a Igreja perde a visão da sua missão redentiva, Os milagres de Jesus são sinais da redenção. Ele demonstra o propósito
deixa de ser a Igreja sonhada por Cristo. Deixa de ser a Igreja de Cristo. de resgatar a qualidade de vida do ser humano neste mundo como pre-
Na sinagoga de Nazaré, Jesus invoca a profecia de Isaías para declarar núncio da plenitude da vida na eternidade. Seu propósito não abrange
que foi ungido pelo Espírito do Senhor paraproclamar a remissão apenas a remissão da culpa, mas o resgate da personalidade integral do
aos presos (BJ). Em Pentecostes, o Espírito do Senhor unge a Igreja ser humano para a vida em Deus. As curas efetuadas por Jesus não
para dar continuidade à missão de redenção dos cativos do pecado, eram apenas provas da sua compaixão pelos sofrentes. Eram sinais para
como Pedro demonstra entender ao apelar: "Salvai-vos desta geração que todos cressem nele a fim de alcançarem a vida eterna (João 20.31).
perversa" (At 2.40). Jesus não curava apenas para curar, mas o resgate espiritual, a remissão
As parábolas de Jesus visavam ensinar à Igreja o significado e a dos pecados era o seu claro objetivo, como vemos na cura do paralítico
centralidade da redenção na própria natureza da sua proclamação. No de Betesda (João 5.14): "Vai e não peques mais para que não te
pensamento de Jesus, a redenção não é um fim em si mesma, porém um suceda coisa pior." Saciar a fome da multidão como prova da sua
meio para resgatar o valor e o significado do objeto da redenção. Por compaixão pelos que sofrem era um sinal através do qual Jesus desejava
exemplo, nas parábolas de Lucas 15: A dracma, enquanto perdida, esta- ser aceito pela fé como o Messias selado com o selo da redenção (João
va destituída de qualquer valor. Seu valor foi remido quando ela foi 6:26,27): "Vós me procurais, não porque vistes os sinais, mas porque
encontrada. A ovelha perdida estava condenada à morte. Seu valor comestes do pão e vos saciastes; trabalhai, não pela comida que
para o aprisco estava nulo. Sua lã, seu leite, suas crias, tudo estava perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual
perdido. Ela foi remida para o aprisco. Seu valor foi resgatado. O filho o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai Deus o selou".
pródigo estava morrendo. O tempo imperfeito dos verbos no verso 16 2. A Igreja do sonho de Jesus é uma omunidade de amor. "Um
indica uma agonia continuada e progressiva. Foi remido para o convívio novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, assim

28 29
A Túnica Inconsútil A Igreja do Sonho de Jesus

omo eu vos amei. Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se de Deus, mesmo que tenha que subir novamente ao Calvário para, em
os amardes uns aos outros (João 13.34,35). Não seria pela seguida, proclamar o Reino.
untuosidade dos seus templos, nem pela ortodoxia das suas doutrinas, Jesus encama a profeciaconsciente de que todas as predições messiâ-
em pela excelência das suas organizações administradas com padrão nicas e escatológicas foram feitas por causa dele, cumprem-se nele e
de qualidade total, mas pelo amor com que se amassem uns aos outros através dele, conforme ele declara em Lucas 4.21: "Então ele começou
que, no sonho de Jesus, os salvos seriam conhecidos como sua Igreja. a dizer-lhes: hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos".
O amoragape, o amor de Deus, não é um amor extático, como ficou Veja a compreensão que a Igreja teve dessa verdade no discurso de
dito no capítulo anterior, mas é um sentimento que age em favor do ser Pedro em Pentecostes (Atos 2: 14-36). A Igreja encama a profecia não
amado. Esse amor inclui, nQ entender de Jesus: somente no sentido de viver e obedecer à Palavra de Deus, mas também
A prática do perdão como maneira de viver (Mateus 6.14,15). Perdão, pelo fato de proclamar o propósito de Deus. O Verbo se fez carne para
não como alternativa, como ato isolado de comportamento, mas como fazer dos homens a Igreja de Deus. O ato jurídico da salvação de um
parte essencial do caráter. Essa exortação de Jesus indica que a verda- pecador não esgota o propósito da Graça, senão que o toma possível.
I deira comunhão com Deus, sobre a base do perdão divino, impõe aos A cruz não é um fim em si mesma senão no sentido de demonstrar a
seus seguidores um padrão ético baseado no amor. compaixão de Deus pelos homens caídos, mas é o meio através do qual
A impossibilidade natural de desejar o mal contra o próximo (Mateus Deus restaura o seu primitivo propósito no homem, de fazê-lo à sua
5.48, cf. Romanos 13.10). A benignidade, qualidade do caráter de Deus imagem e semelhança.
em ação, deriva do seu amor e se toma virtude da Igreja que vive no No entender manifesto de Jesus, a Igreja é a consumação profética do
amor de Cristo. Fazer o bem se toma o modo de proceder natural, Reino de Deus no sentido escatológico atual (Lc 17.21) e futuro (Mt
expontâneo. Não visa alcançar mérito diante de Deus mas resulta do 28.20). A Igreja presente é, ao mesmo tempo, sinal e proclamação do
reconhecimento do amor de Deus. Reino futuro. Cada Igreja é uma amostragem do universo que é o Reino e
A reconciliação do homem consigo mesmo, com sua própria natureza uma antecipação do Reino futuro. A Igreja não é apenas um fator indicativo
criada por Deus e, em conseqüência, com o outro. A falta de perdão é do Reino, mas é uma encarnação literal do Reino, uma célula viva do
uma ofensa tão grave quant.o a ofensa não perdoada. A culpa do ofen- Reino. A Igreja de Cristo é o Reino de Cristo em ação no mundo.
dido pela sua ira, no código jurídico de Deus, não é menor do que a 4. Jesus sonhou com uma Igreja triunfante. Se Jesus não fosse
culpa pela ofensa que a causou. O amor toma a iniciativa da reconciliação, Deus, a Grande Comissão teria sido produto de uma mente enferma.
não importa se quem ama é ofendido ou ofensor (Mateus 5.24). Ele diz a um grupo de 11 homens acuados, cheios de medo, humanamente
3. A Igreja do sonho de Jesus é uma comunidade profética. Uma sem recursos de nenhuma espécie: "Fazei discípulos de todas as
Igreja que encarna a vontade de Deus e proclama a vontade de Deus nações". No curto espaço de uma geração, eles chegaram aos confins
do mesmo modo como Jesus o fez. Vivendo diariamente no meio de da terra. Alvoroçaram o mundo. As expressões muitas vezes ouvidas -
uma humanidade depravada, recebendo, de todos os lados, uma carga "somos poucos", "somos pobres", "não podemos" jamais caberão
de emoções e de informações devastadoras da moral e da ética bíblica, na boca da Igreja de Jesus. Não confundir, porém, triunfalismo da Igreja
compete à Igreja: primeiro, encarnar a Justiça, a Verdade e a Santidade com Igreja Triunfante. Triunfalismo é tomar a vitória da Igreja como

31
30
í
A Túnica Inconsútil
A Igreja do Sonho de Jesus

objetivo, como um fim em si mesma, quando, na verdade, a vitória da (zeteo) no verso 23 não significa a busca de algo que se corre o risco de
Igreja é a vitória do Reino, é um instrumento a serviço da vitória do não encontrar, mas é a procura de algo que existe concretamente, com
Reino, ou melhor, a vitória do Rei. A vitória dos habitantes de uma alde- a intenção determinada de encontrar, até encontrar, custe o que custar (Veja
ia em resistir ao inimigo invasor ou em conquistar algum espaço só está DTNT in loe). É o mesmo verbo usado para descrever a busca da dracma
assegurada se for entendida como uma vitória do Rei, para o Rei. Se perdidaem Lucas 15.8. Deus está determinado aencontraros verdadeiros
assim não for, a derrota virá.na batalha seguinte. Jesus não sçmhou com adoradores, onde quer que eles estejam perdidos. A Igreja, portanto, só é
uma quimera, nem com uma aventura frustrante, conquanto romântica, a Igreja do sonho de Jesus enquanto está determinadamente buscando
mas com uma Igreja triunfante e gloriosa em todo o mundo. Uma Igre- adoradores que adorem aDeus em Espírito e Verdade -enpneumatikai
ja que nem Satanás (Lucas 10.18), nem o inferno, nem a morte (Mateus alethem - por meio de, através de Espírito e verdade. Espírito-e-verdade,
16.18), nem os reinos do mundo (Apocalipse 12.11) poderão derrotar. formando uma realidade única, compacta, que não se pode expressarde
Sigamos nessa confiança. Sejamos a Igreja do sonho de Jesus. outra forma, é o que dá significado à verdadeira adoração.
5. Jesus sonhou com uma Igreja que fosse uma comunhão de 6. Jesus sonhou com uma Igreja quefosse uma comunidadefeliz. A
verdadeiros adoradores. Examine João 4.22,23. Os samaritanos frustração existencial émámordomia da vida Aressurreição deJesus restituiu
adoravam o mesmo Deus dos judeus, mas eram ignorantes quanto às a alegria no coração da Igreja. Veja em Lucas 24.41 como o medo, a
implicações éticas da verdadeira adoração ("tiveste cinco maridos e o frustração e atristeza mortal cedem lugar à alegria, ao sentimento de vitória
atual não é teu marido"). Os judeus sabiam a quem e como deviam João 16.22 diz: "Então vos alegrareis e a vossa alegria, ninguém vo-la
adorar, mas estavam dominados por um tradicionalismo formalista e a tirará". A alegria dos salvos se toma uma experiência real:
sua adoração em Jerusalém também não era eficaz. Note que aconjunção Pela certeza de que os seus nomes estão escritos no Rol de Membros do
adversativa "mas" no verso 23, é enfática. Significa que nem os samari- céu (Lucas 10.20). Operdão do pecado, a absolvição da culpa, apresença
tanos nem os judeus adoravam a Deus "em verdade". Pela sua do Pai, a certeza da vida eterna, pode haver maior alegria na terra?
colocação, essa conjunção indica uma diferença essencial entre o que
Pela alegria de Jesus. Em Lucas 10.21 vemos que Jesus teve um
ficou dito atrás e o que passa a ser dito a seguir. Jesus está declarando
sentimento de profunda alegria, exultou em espírito, ao constatar o êxito
que até aqui, nemjudeus nem samaritanos adoram aDeus corretamente do trabalho dos setenta na proclamação do Evangelho. "O trabalho
mas agora, "chegou o tempo (nun estin - já é agora, está aqui) em da sua alma ele verá eficará satisfeito" antecipa Isaías (53.11). A
que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verda- alegria de encontrar os valores perdidos alegra uma mulher, um pastor,
de". Yeager comenta que a cláusula adversativa dupla dá ênfase ao um pai e seus servos, os anjos no céu e o próprio Deus na sua Glória.
fato de que o samaritano, pela sua ignorância e ojudeu, pelo seu formalis- Alegria, fruto do amor que se alegra com a alegria do ser amado. O
mo, ambos prestavam uma falsa adoração. Os verdadeiros adoradores céu derrama alegria na terra através da Igreja.
são os que a partir de agora adoram a Deus no Espírito (através do Pelo fato de poderem glorificar aDeus até mesmo com o seu sofrimento
Espírito - veja o verso 24) e verdade. Quem é a verdade? Jesus mesmo. por Jesus (Mateus 5.12). Tiago interpreta esse sentimento com as
Por meio de Cristo, Deus está procurando adoradores que o adorem seguintes palavras "Tende por motivo de grande gozo o passardes
através de Cristo, no Espírito. Jesus é autor e consumador, causa e por várias provações" (Tiago 1.2).
resultado da nossa fé (Hebreus 12.2). Observe ainda que "procurar" Pela Esperança. "Alegrai-vos na Esperança" (Romanos 12.12). A
32 33
A Túnica Inconsútil A Igreja do Sonho de Jesus

Igreja vive a Esperança antecipando a glória na sua real experiência da de Jesus em benefícioda salvaçãodos perdidos (Fp 2.5-7). Não há método
presença de Jesus. Jesus se alegra com a alegria da Igreja e a alegria da mágico, fácil. Dá trabalho estudar sobre Jesus na Igreja, de casa em casa,
Igreja é a colheita de almas para alegrarem a Jesus. As parábolas sobre orar nas casas e na Igreja. Dá trabalho e exige renúncia própria sair do
o Reino falam de banquete, casamento, alegria. Alegria ao estar à mesa castelo,já posta a mesa, em busca dos famintos da paz e de Deus. O sonho
no banquete do Reino, alegria na chegada do noivo, alegria na esperança de Jesus na alma da Igreja, porém, só volta a ser sonhado na medida em
da celebração final. que Jesus se toma real na vida dos seus membros.
DO SONHO À MORTE DO SONHO
MINISTÉRIO
Robert Dale, no livro citado, traça uma curva mostrando a evolução
de todo o empreendimento religioso, de uma Igreja em particular. Tudo NOSTALGIA
começa com um sonho, um lampejo de ideal. O segundo momento é o
estabelecimento de um código de crenças. Em seguida, são estabelecidos ALVOS
os objetivos. Em quê devemos crer e o que devemos fazer para alcançar
o nosso sonho? Fixados os alvos, a organização precisa ser estruturada.
CRENÇAS POLARIZAÇÃO
Precisa de líderes, regimento, plano de trabalho, sede. É inevitável, ainda
que, comojá se tem dito, muitas vezes a estrutura se tome uma "couraça SONHO F1M
de Saul nos lombos de Davi". Insistir em uma estrutura ineficaz, é a
morte do sonho. Uma vez estruturada, a Igreja está apta a ministrar por
Diagrama: do sonho à morte do sonho (Robert Da/e)
um tempo cuja duração pode ser maior ou menor, depe!1dendo da
capacidade da liderança em manter acesa a chama do sonho de Jesus A IGREJA PADRÃO DO NOVO TESTAMENTO E DE HOJE
na alma da Igreja. Segue-se, segundo Dale, um período de nostalgia,
que pode ser, nem mais nem menos, do que a incapacidade de adaptação Não há uma IGREJA PADRÃo no Novo Testamento, como observa
a novos tempos, novas situações, novos recursos, ou da incapacidade M. Green. Cada Igreja tem peculiaridades que a toma diferente de todas
de ser passado o mesmo sonho para as novas gerações. A nostalgia as demais igrejas. JERUSALÉM é a consolidação das doutrinas dos
resulta em questionamento. Será a nossa estrutura a mais adequada? apóstolos. ANTIOQUIA DA SÍRIA, a visão missionária, marco da
Serão válidos os nossos objetivos? Nossas crenças estão certas? Chega- separação entre a fé judaica e a fé cristã. ÉFESO, perseverança na fé
se, então a questionar o próprio sonho, o que eqüivale a dizer, o sonhador. em meio à depravação. CORINTO, abundância de dons espirituais.
Todo o questionamento resulta em polarização. O passo fatal vem a MACEDÔNIA, generosidade para com as vítimas da fome. Igrejas da
seguir: o desaparecimento. A única maneira de revitalizar a Igreja, diz GALÁCIA, fiéis na resistência à heresiajudaizante. ROMA, fidelidade
Dale, é sonhar de novo o sonho de Jesus. Esse é o desafio para a Igreja. na proclamação do Evangelho em meio às perseguições. CRETA, Igrejas
O caminho pode parecer simples, mas não há outro: é tornar real a em' processo de consolidação da liderança. FILIPOS, zelo pelos
presençade Cristo na vidada Igrejapelaleitura daBíblia, sempre focalizando missionários; alegria em participar. COLOSSOS, amor fraternal.
a pessoa de Cristo; é orar, buscando submeter a mente e as emoções ao TESSALÔNICA, Igreja que se prepara para a volta do Senhor.
controledo Espírito Santo; é iqentificar-secom osentimento de ~vasiamento ESMIRNA, fidelidade n~s tribulações. PÉRGAMO, Igreja que não

34 35
A Túnica Inconsútil A Igreja do Sonho de Jesus

negou a sua fé. TIATIRA, Igreja próspera (suas últimas obras $ão maiores 2. "As Escrituras têm umanaturezagravítica" (Am 8.11; Hb4.12). A voz
do que as primeiras). SARDES, remanescente incontaminado. FILA- que falou à consciência de Agostinho ''Toma e lê" é uma voz universal. A
DÉLFIA, força na fraqueza. verdade tem um profundo poder de atração. A Bíblia atrai porque é a
Poderíamos aqui, alinhar também os defeitos peculiares de cada uma verdade. A Igreja tem a Bíblia.
daquelas Igreja. Na busca de um padrão para si mesma, porém, a Igreja 3. "A natureza penetrante da Igreja na comunidade (At 2.47)". O mundo
de hoje não pode somar as virtudes das igrejas do NT para as imitar e precisa da Igreja porque nenhum outro poder penetra tão vasta e
listar os seus defeitos para os evitar, mas deve vivenciar o seu próprio profundamente na sociedade para beneficiá-la como o Espírito Santo. A
padrão, dentro das suas próprias peculiaridades, seguindo os princípios Igreja tem o Espírito.
enunciados no Novo Testamento. Cada Igreja é o seu próprio universo, 4. "O sentido de idealismo (heroísmo) da Igreja." Os ideais cristãos
ao mesmo tempo em que é uma amostragem do universo que é o Reino. respondem aos mais puros e ardentes anseios da alma humana. Há um
A unidade do Reino, forjada pela Esperança, concretiza-se na idealistaocultoem cadaserhumano. AIgrejatem esse ideal, o mais sublime
diversidade das igrejas, assim como a unidade da Igreja se concretiza ideal de toda a raça humana na pessoa de Jesus Cristo. Quem quer que
na diversidade dos seus membros. Três lições podem ser extraídas dessa conheça a Jesus Cristo e por ele seja liberto do pecado e da morte, não
unidade na diversidade: precisa formular uma ideologia sobre Cristo para por ela se apaixonar.
1. Cada Igreja deve descobrir e viver seu próprio formato, sem querer Apaixona-se pela pessoa de Jesus. Jesus se torna a razão de ser de sua
importar ou exportar modelos de ou para outras igrejas. Cada Igreja deve vida, seu ideal é o ideal de Jesus, a vitória de Jesus se toma a sua vitória,
ser a melhor Igreja que ela mesma puder ser de acordo com o padrão do a dor de Jesus pela rejeição do mundo toma-se o seu sofrimento.
fundador da Igreja e seu Cabeça. A Igrejatem aresposta, na pessoade Jesus Cristo, para as mais universais
2. Cada Igreja deve ser relevante no seu espaço, dentro da cultura em e inquietantes perguntas do espírito humano. A origem, o significado e o
que está inserida, interpretando profeticamente o Evangelho no seu tempo destino final da vida humana estão em Cristo. Viemos dele, vivemos nele
e para o seu povo. e iremos paraele, como tentou explicar Paulo no seu discurso em Atenas.
3. A base da cooperação entre as igrejas deve ser o amor que se alegra A universal busca humana pelo transcendente, pelo infinito, pelo eterno,
com os que se alegram e chora com os que choram, sem hierarquia de pela verdade, só encontra resposta em Cristo.
pessoas ou funções sob qualquer aspecto, sem emulações, ciúmes, O mundo não pode prescindir da Igreja, porque não pode prescindir de
partidarismo, frutos da carne. O amor que aceita o irmão como ele é e Jesus. Aevolução da ciênciae da tecnologia não solucionou o mais grave
tenta ajudá-lo a ser como deveria ser no plano de Deus. e universal dos problemas do ser humano - o problema da culpa, que só
O QUE TORNA A IGREJA RELEVANTE? em Cristo tem solução. A angústia existencial do homem pós-moderno só
tem remédio eficaz em Cristo. AIgreja tem Cristo. AIgreja tem a resposta.
W. E. Criswell responde com os seguintes 4 fatores: AIgreja é relevante no mundo porqueCristo é relevante. O mundo precisa
1. "Há uma fome perpétua por Deus" (SI 42.1) que nada pode da Igreja porque precisa de Cristo. O verso dessa moeda é contundente: A
satisfazer, a não ser o próprio Deus em Cristo. A Igreja tem Jesus. A Igreja só é relevante se e na medida em que nela Jesus esteja vivo.
Igreja tem esse pão. No alto do Calvário, Jesus pagou o preço da redenção de todos os

36 37
A Túnica Inconsútil

homens que o aceitam pela fé e com eles estabeleceu o seu Reino no


mundo concretamente através da Igreja. Na ressurreição, Jesus
demonstrou que o céu não á uma utopia -lugar de perfeição que nunca
existiu nem jamais existirá, mas uma realidade tangível que se antecipa
na vida que os salvos vivem como Igreja, a realidade de uma viva espera- . '"
CAPITULO 3
nça. Através da Igreja, Jesus está criando um novo homem para habitar
o novo céu e firmou essa esperança na alma da Igreja através da
ressurreição. Que cada membro da Igreja possa dizer: "Cristo vive em A IGREJA EM AÇÃO
mim" e desse modo, único modo, que a Igreja reviva o sonho de Jesus.
Como se tomou realidade o sonho de Jesus? Quais os planos de Jesus
para concretizar o seu projeto de edificar a sua Igrejae levá-la aexpandir-
se vitoriosamente por todo o mundo? Que estratégias, fundadas em quais
princípios, encontramos no livro de Atos e nas epístolas parajustificar o
fulminante impacto da Igreja no mundo? Uma leitura atenta desses
documentos mostra que alguns fatores foram de capital impOrtância

1. A EFUSÃO DO ESPÍRITO EM PENTECOSTES


Jesus dá continuidade ao seu ministério, ele mesmo, através da pessoa
e obra do Espírito Santo. O Espírito de Jesus não é um dos fatores de
crescimento da Igreja, mas é o próprio poder de Cristo em ação no
mundo através da Igreja. O Espírito Santo já estavacom os discípulos
em caráter particular para missões restritas e definidas, como acontecia
em todo o Velho Testamento. Em Pentecostes, cumprindo a promessa
registrada em Joel 2, o Espírito foi derramado "Sobre toda a carne"
para permanecernos discípulos em caráterefetivo e universal (João 14.17)
e equipar a Igreja de poder para um ministério universal e permanente.
O derramamento do Espírito não foi uma inovação da Igreja, não foi um
impacto emocional coletivÇ>, nem um improviso de Deus, mas um plano
anteriormente delineado JoeI2.28-32; Mt 3.11' Lc 24.49' Jo 14.26;
At. 1.8). Diz o Dr. Reinaldo Purim no livro O ESPÍRITO SANTO:

38
A Túnica Inconsútil A Igreja em Ação

"Jesus não institucionalizou uma religião. Jesus criou nos homens seria mais uma doutrina filosófica. Para Paulo, no entanto, odidaqué
uma nova vida, o Cristianismo espiritual baseado na sua obra reden- tou kyriou (doutrina do Senhor) é uma doutrina com poder para
tora e nas relações entre as pessoas e Ele mesmo como Salvador. O transformar vidas (Atos 13.12).
Cristianismo histórico ou visível é obra do Espírito Santo levada a Carismata. É a atuação do Espírito Santo que faz a diferença entre
efeito com a cooperação dos cristãos. " dons naturais e DONS ESPIRITUAIS. Carisma é uma dádiva graciosa,
É oEspírito Santo que caracteriza e identifica uma comunidade religiosa sobrenatural; "denota poderes extraordinários que distinguem certos
como Igreja de Cristo. Em todos os aspectos da natureza, significado e crentes e os capacita para servirem à Igreja de Cristo e cujo recebi-
atuação da Igreja, é a presença do Espírito Santo que faz a diferença. mento deve-se ao poder da graça divina operando em suas almas
No kerigma. É o Espírito Santo que faz a diferença entre um discurso pelo Espírito Santo" (Cremer, citado por Thayer in loc). O dom natural
e a PROCLAMAÇÃO. O kerigma evangélico "é o anúncio do Evan- é propriedade do indivíduo que o possui, que determina onde, como e
gelho da salvação alcançada por Cristo e obtida através dele" quando usá-lo em benefício de quem. Carismata (dons) são concessões
(Thayer). Kerigma é mais do que discursar sobre Jesus: é falar de Cristo especiais do Espírito que só podem ser usadas conforme o discernimento
no poder do Espírito Santo. Veja essa diferença em 1Cor 2.4 - "A do Espírito, "para o que for útil" (1 Coríntios 12.7). Não se pode
minha palavra, e a minha pregação não consistiu em palavras alcançar objetivos sobrenaturais com o uso dos dons naturais, nem se
persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito pode alcançar objetivos carnais com o uso dos dons espirituaís. O Espírito
ede poder. " Odiscurso pode ser eloqüente, mas aproclamação evangélica faz a diferença. Os dons naturais podem levar ao sucesso mas só os
converte as pessoas, muda a direção da vida sob todos os aspectos porque dons concedidos pelo Espírito manifestam a glória (doxa) de Deus. Em
faz com que a Palavra de Deus, mais cortante do que espada alguma de hebraico,doxa traduzkabod, que não é apenas o explendor da presença
dois gumes, penetre as regiões mais profundas da alma humana com o (shekina) de Deus, mas é mais: é a presença ativa de Deus que mostra
propósito de discernir os pensamentos e as intenções do coração (Hebreus a sua glória, é Deus em ação em favor do seu povo. Se o nosso objetivo
4.12). Um exemplo do poder querigmático está no efeito da pregação é o sucesso, bastam os dons naturais. Se, porém, o que almejamos é
de Pedro em Pentecostes. A proclamação cristã não se esgota em si realizar o sonho de Jesus, temos que dar lugar aos dons espirituais.
mesma, mas transcende seus próprios limites em vidas transformadas. Paraklesis. É a presença do Espírito Santo que faz a diferença entre
Que resposta deseja o pregador como reação à sua pregação? "Gostei aconselhamento e CONSOLAÇÃO. Paraklesis é a consolação do
do seu sermão" ou "A minha vida foi transformada"? O Espírito faz a Espírito Santo que capacita o cristão para consolar. Veja em 2Coríntios
diferença. 1.3,4 a variedade de palavras para indicar o ministério da consolação
No didaqué. É a iluminação do Espírito Santo que faz a diferença do Espírito: "o Deus de toda consolação (descritivo de Deus),aquele
entre ensino da fé cristã e DISCIPULADO. Ensino pode ser apenas a que nos consola (presente ativo, aquele que está continuamente nos
transmissão de conhecimeiltos com o uso eficaz dos dons naturais de consolando)... com o objetivo de nos capacitar parq podermos
magistério.Didaqué é mais do que ensino: é o ato de ensinar, o conteúdo consolar com a consolação (genitivo singular, indicando a natureza da
do ensino e o seu resultado na formação do caráter dos educandos consolação) com que nós mesmos somos consolados ". Entendamos
mediante a atuação sobrenatural do Espírito de Deus na compreensão e o que a Palavra nos quer ensinar:
prática da Verdade. Os atenienses pensaram que o "ensino" de Paulo 1. Deus não nos consola apenas para nosso conforto pessoal, mas com

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A Túnica Inconsútil
AIgreja em Ação

o objetivo explícito de nos capacitar com poder para sermos conso- do valor espiritual do dinheiro, da propriedade, dos móveis e utensílios
ladores. O uso da preposição eis (para, com o fim de) precedida do a serviço do Senhor. O administrador eclesiástico pode ser eficiente do
artigo definido indica o objetivo restritivo da consolação: para podermos ponto de vista empresarial, mas se ele não tiver a visão do valor espiritual
consolar. Em outras palavras: o modo de encontrar consolação é sendo das coisas de Deus, não será umoikonomos tou Theou (mordomo de
consolador do próximo. Deus). Essa visão iluminada pelo Espírito, que nem todos os administra-
2. Só os consolados por Deus podem consolar os que sofrem. O ímpio dores eclesiásticos possuem, é um dom sobrenatural do Espírito que faz
pode aconselhar, mas consolar é privilégio de quem é usado pelo Con- prosperar a Igreja de Deus como agência do Reino.
solador. Martyria. É o poder do Espírito na Igreja que faz a diferença entre
3. A consolação como dom espiritual é uma ação sobrenatural poderosa declaração e TESTEMUNHO. Martyria não é apenas a declaração da
do Espírito na Igreja, não um talento natural. O talento natural da verdade, mas a exteriorização da verdade como experiência interior. Em
capacidade de observação, o interesse social, o preparo acadêmico na Lucas 24.48, depois de comissionaros discípulos paralevarem oEvangelho
área da psicologia podem ajudar a fazer o diagnóstico dos problemas, ao mundo inteiro, Jesus ressuscitado declara: "Vós sois testemunhas
mas só o Espírito Santo penetra as profundezas da alma, descobre as destas coisas. "Em Atos 1.8, Jesus diz enfaticamente: "Mas recebereis
suas reais necessidades e produz refrigério e transformação. poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e sereis minhas teste-
Na koinonia. É o mover do Espírito Santo na Igreja que faz a munhas. "Não é possível ser testemunha de Jesus sem o poder do Espírito.
diferença entre companhia e COMUNHÃO. Koinonia, na acepção Não basta proferir sobre Cristo. É preciso testemunhar de Cristo como
clássica, é companheirismo, o ato de estarjunto, possuir sentimentos ou suprema realidade na própria vida e isso só é possível pela atuação do
propósitos comuns. Soldados sob a mesma bandeira, atletas com o Espírito, o ungidor de poder. Qualquer pessoa pode contar a história de
mesmo uniforme, estudantes na mesma série, traficantes da mesma área, Jesus ou ler o sermão do monte, mas ser sua testemunha é contar os fatos
bandidos no mesmo assalto, :viciados no mesmo vício, todos têm algo em da vida de Jesus relacionados com a experiência própria. .
comum, formando uma "sociedade," mas isso não é a koinonia. A Élpis. É a permanência do Espírito Santo na Igreja que faz a diferença
comunhão cristã é cooperação no Evangelho (Filipenses 1.5); é uma entre expectação e ESPERANÇA. Élpis, esperança, raríssimas vezes
comunhão "no sangue de Cristo" (1 Coríntios 10.16), ou seja, sob os é associada aphobos (pavor) ou kakon (desgraça) mas está sempre
benefícios da sua morte (Thayer); é uma "comunhão no corpo de Cristo" relacionada com euthymia, alegria e certeza, ou, no sentido cristão,
(2Coríntios 8.4); é uma comunhão no Espírito (Filipenses 2.1). Uma leitura "Expectativa feliz e confiante da salvação eterna" (Thayer. Veja
atenta de 1João 1.3,7 nos mostra que só podem ter comunhão uns com também Kittel, in loc). A esperança dos regenerados por Cristo pela fé
os outros, aqueles que estão em comunhão com Deus mediante a
é uma elpida sozan, "uma viva esperança" (IPedro 1.3), uma
purificação dos seus pecados pelo sangue de Jesus. Podemos ter interesses
esperança que antecipa o que se espera de uma forma tão real que se
comuns e até amizade com pessoas não salvas, mas akoinonill cristã só
toma a pulsação da própria vida. Essa esperança tem como fundamento
é possível entre os remidos mediante a ação do Espírito Santo.
a regeneração; como alvo, a volta de Cristo e o estabelecimento do
Na oikonomia. É o discernimento dado pelo Espírito que faz a Reino eterno. Sem a atuação do Espírito Santo, a Igreja se toma um
diferença entre administração e MORDOMIA. Oikonomia (governo empreendimento secularizado, profano, carnal, que se esgota nos seus
da casa) é o reconhecimento do senhorio de Cristo, é a compreensão próprios limites, sem esperança como vivem os gentios sem Cristo no
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A Túnica Inconsútil A Igreja em Ação

mundo (Efésios. 2.12) - xoris Kristou - elpida me exontes ou seja: escolheu pelos critérios. geralmente aceitos como válidos para o
"separados (cortados) de Cristo, não têm esperança". Quem torna recrutamento de pessoal, mas segundo os critérios de Deus, que não
real na Igreja a presença de Cristo e, assim, nela mantém uma esperança olha para a aparência, m~ para o coração (1 Sm 16.7). A Igreja seguiu
viva, uma chama viva de esperança, é o Espírito Santo. É fácil de entender os seus ensinamentos nessa matéria, com grande sucesso..
esse processo: A Igreja suspira pela chegada de Cristo como a noiva Nas Igrejas do Novo Testamento, as funções de liderança são de fun-
espera pelo seu noivo, contando os dias e as horas que faltam para ele damental importância para dar cumprimento ao propósito de Jesus. An-
chegar porque o amor de Deus foi derramado nos corações dos salvos tes de listar as funções encontradas no Novo Testamento, algumas ob-
pelo Espírito. Élpis é a esperança que age enquanto espera. Por isso, servações:
"a esperança não traz confusão" (Romanos 5.5).
a. O recrutamento e escolha dos líderes obedecia a um processo natural,
Proskinesis. É o Espírito Santo que faz a diferença entre uma reunião no qual a piedade, a dedicação e os dons espirituais devidamente
de pessoas que falam e cantam a respeito de Jesus e o verdadeiro culto reconhecidos pela igreja eram os fatores que mais pesavam na seleção
cristão, pois é o Espírito que torna real, na alma dos adoradores, a de obreiros (Tito 1.5; lTm 3.10).
presença do Deus a quem eles adoram e é Ele que conduz as suas b. Os líderes eram responsáveis pela "boa ordem" nas igrejas. Havia
orações de quebrantamento, súplica e louvor ao trono da Graça. Sem a extremo cuidado na escolha da liderança, pois as igrejas sabiam que "o
livre atuação do Espírito Santo, o culto se toma um espetáculo. Pode rebanho segue o pastor" (Veja Tito 2.7,85) e que uma boa liderança é
até atrair multidões, agradar aos sentidos físicos, mas não será fundamental para o crescimento da Igreja.
proskynesis, a verdadeira adoração. c. Não há hierarquia funcional. Há úma autoridade espiritual. Os
CONCLUSÃO mais piedosos, que servi.rem com humildade, serão reconhecidos
como líderes (lTm 3.13).
O Espírito Santo não é mero espectador, nem mero convidado opcional, d. Não há "leigos". Todos são ministros, todos são servos. A divisão
ocasional, mas é o poder, a própria vida da Igreja. Sem o Espírito Santo, entre clero e laicato é desconhecida no livro de Atos.
a Igreja se toma um corpo sem vida, sem esperança, uma lâmpada sem e. Os diferentes títulos indicam funções de serviço, nunca uma posição
luz, sem poder. Não é a Igreja de Cristo. Ao equipar a Igreja com o hierárquica, conforme os dons espirituais e a capacitação provada na
Espírito Santo, Jesus estava dando à Igreja o poder de que ela iria prática. Um mesmo líder pode ser designado por mais de um título, o que
precisar, séculos a fora, para se tornar, em realidade, a Igreja com a significa que exerce mais de uma função. Um diácono faz a obra de um
qual ele sonhou. É o Espírito que faz da Igreja uma comunidade redentiva, evangelista (At 8.40), (inclusive batiza um novo convertido (v. 38); um
uma comunidade profética, uma comunidade de amor, relevante no apóstolo se autodenomina presbítero (l Pe 5.1) e assim por diante.
mundo, que anuncia e sinaliza a glória. Vejamos, pois, as palavras que descrevem os diferentes aspectos dos
dons de liderança na Igreja primitiva.
APÓSTOLO - Apostolos - figura como substantivo ou adjetivo,
2. LIDERANÇA CAPACITADA
significando "embaixador" comissionado, aquele que é enviado com
Jesus recrutou e treinou líderes que ele mesmo escolheu visando à uma missão específica. Ocorre 79 vezes no Novo Testamento. No sentido
consecução do seu plano de implantar o seu Reino na terra. Ele não os estrito, designa um grupo de 12 discípulos que Jesus enviou com

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A Túnica Inconsútil A Igreja em Ação

autoridade sobrenatural para operar sinais e proclamar a sua mensagem. EVANGELISTA - Evangelistes (Ef 4.11) - portador das boas novas,
No sentido genérico, designa uma das funções dos missionários cristãos aquele que anuncia as boas novas de salvação. "Designa os procla-
(Interpreter's Bible Dic, in loc). Os apóstolos de Jesus são testemunhas madores das boas novas que não eram apóstolos" (Thayer). Veja At
oculares do seu ministério e da sua ressurreição (At 1.21,22). Em que 21.8; Ef 4.11; 2Tm 4.5 (Paulo exorta Timóteo a fazer a obra de um
pese a doutrina católica de sucessão apostólica e a presunção mórmon de evangelista). Veja em At 8.4 que todos, exceto os apóstolos, (que não
possuir os doze, os textos bíblicos, em nenhuma instância deixam a idéia foram dispersos, v. 1), foram por toda a parte, anunciando a palavra.
de uma transmissão ou linha sucessória. Não é um título formal ou Todos eram evangelistas.
institucional, mas operacional, como todos os títulos de liderança no NT. PASTOR - Poimenas - não designa posição hierárquica ou institucional,
Paulo atribui a si mesmo o título de apóstolo, que foi contestado em Corinto mas a virtude do líder para apascentar o rebanho de Jesus (lPd 2.25). É
(1 Co 9.2), por se considerar embaixador de Cristo. Sobre o espírito com um dom do Espírito (Ef4.11). Há pastores verdadeiros e pastores falsos.
que os apóstolos devem servir, veja João 13.16: Não é função de domínio O verdadeiro dá a vida pelas ovelhas. Ofalso, mercenário, que não está
nem de prestígio pessoal, mas de serviço.Apostolos é uma composição emocionalmente ligado às ovelhas, "vê vir o lobo e deixa as ovelhas e
da preposiçãoapo (a partir de, vindo de, extensão de, continuidade de) e foge; e o lobo as arrebata e dispersa" (10 10.11,12). Jesus deu a Pedro,
o verbo stelo (enviar, equipar para uma viagem). Alguns rabinos enviados apóstolo, pescador de profissão, a incumbência de apascentar os seus
à diáspora foram designados como apóstolos. É mais um termo grego cordeiros, como resultado do seu amor (João 21.17). Qualquer outro
que assume um específico significado religioso cristão (Jo 20.21). sentimento, qualquer outra motivação que não sejao amor aJesus, resultará
PROFETA - Profetes - Aquele que anuncia em voz alta, porta voz, o em fracasso no pastoreio das ovelhas de Jesus. Ninguém pode amar as
que fala em nome de alguém que lhe é superior. No NT, "aquele que, ovelhas de Jesus sem amar a Jesus e ninguém que ame a Jesus, pode
movido pelo Espírito de Deus como seu porta voz, declara solene- deixar de amar as ovelhas de Jesus. O cuidado pastoral abrange: Zelo
mente aos homens o que dele recebeu por inspiração, especialmente para com a vida de cada ovelha do rebanho individualmente (Le 15.4);
sobre eventos futuros e proclama o Reino de Deus para a salvação interesse e carinho em nutrir as ovelhas do rebanho (SI 23.2); proteção do
do ser humano" (Thayer, citação livre). Título aplicado aos profetas rebanho, em face dos predadores (Am 3.12); fortalecimento das ovelhas
do Velho Testamento, a João Batista, ao Messias (At 3.22,23 - vide para poderem resistir aos predadores na ausência do pastor (At. 20.29);
refs). Surgiram alguns cristãos na Igreja primitiva com revelações responsabilidade, consciência de que terá que prestar contas das ovelhas
especiais (Atos 15.32). É considerado um dom espiritual (lCoríntios a Deus (Hb 13.17).
14.29), não um título formal. Designa a percepção sobrenatural em MESTRE - Didaskalos - também traduzido por "doutores" (Ef 4.11) e
relação aos propósitos de Deus para a Igreja e para o mundo. Foi um "instruidores" (1 Tm 2.7). Paulo, apóstolo, édidaskalos - "doutor" dos
dom espiritual de grande valia quando a Igreja ainda não possuia as gentios. Ele não sente que seja sua obrigação apenas proclamar o
Escrituras do Novo Testamento. Não confundir profetas com advinhos evangelho, mas levar os salvos a viverem o evangelho. Vej~ em GI4.19,
ou prognosticadores, totalmente vedados nas Escrituras. O profeta que o grande e desafiador alvo do mestre cristão é formar o caráter de
verdadeiro encama a vontade de Deus e proclama os juízos de Deus. O Cristo nos discípulos, não apenas transmitir conhecimentos sobre Cristo.
falso profeta encama sua própria vontade e proclama sua própria palavra. O ensino do mestre cristão só é válido mediante a unção do Espírito.
O Espírito Santo, ainda uma vez, faz a diferença. Faça uma boa leitura de 1Jo 2.27, onde se vêm, em gráfico contraste, o
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A Túnica Inconsútil A Igreja em Ação

ensino ungido da verdade e o ensino do erro (pseudos). Cuidado: o prudência. Não se trata de uma instituição eclesiástica. Todos os líderes
pseudo-discipulado pode estar encastelado dentro da Igreja. A unção devem cultivar a virtude da prudência e moderação (presbeia). Em Lc
da verdade capacita o mestr~ a permanecer em Cristo "para que, quando 14.32, presbeian é uma embaixada de paz. Veja em Lc 22.66 que os
ele se manifestar; tenhamos confiança e não sejamos confu~didos por anciãos formavam o sinédrio, vertido também por concílio. 1Tm 4.14
ele na sua vinda" (v 28). Assim podemos resumir as funções dos mestres não fala de um presbitério institucional, mas de uma reunião de obreiros
no NT: Tomar claro oensino de Jesus; traçar a linha divisóriaentre a verdade idôneos para imporem as mãos sobre a cabeça de Timóteo, como ato
e a mentira para que os discípulos de Jesus não sejam enganados pelos de reconhecimento público.da suacapacitação espiritual parao ministério
falsos mestres; levar os discípulos a observarem, no seu modo de viver, os e não como um ato mágico de transmissão de virtude. .
ensinos de Jesus (Mt 28.20); preparar a Igreja paraa volta de Cristo. MINISTRO - Diakonos. O uso secular dessa palavra eqüivale a
SUPERVISOR - Episkopos - bispo, superintendente, aquele que tem "criado, servente" (Isidro Pereira). "Alguém que executa as ordens
uma visão global da obra, o que faz a inspeção da obra. Deepi (sobre, de outrem, especialmente de um mestre; servo, ministro, atendente"
superior, por cima de) eskopeo, "observar de longe, desde cima, pôr (Thayer). Refere-se ao servo do rei. Em Mt 22.13 os diáconos são os
a vista em, ter por fim, ter cuidado, velar, examinar" (Isidro Pereira). servos do rei que recebem a ordem de amarrar o intruso da festa e
Não designa posição de mando, mas de serviço específico e responsa- atirá-lo nas trevas exteriores. Em Mt 20.26, Almeida Revisada traduz
bilidade. Thayer traduz: "alguém incumbido do dever de observar o por "serviçal". BLH verte "o que é mandado". Outras versões trazem
que está sendofeito por outros". Abrange: conhecimento dos objetivos "o que serve". Em CI 1.25 Paulo se considera "ministro segundo a
parciais, para que seja alcançado um objetivo global; conhecimento das dispensação de Deus", literalmente, "diácono conforme a mordomia
tarefas e das pessoas que as executarão; capacidade para atribuir tarefas de Deus." Em Rm 13.4, a autoridade secular é designada como
e acompanhá-las, substituir métodos e pessoas na hora própria. Em diakonos tou Theou (vertido para "ministro de Deus"). Em Atos 6.2,3,
ITm 3 são mencionadas as funções de bispos e diáconos distintamente, o o diaconato é formalmente instituído para "servir às mesas" (dos
que dá a entender que havia apenas duas categorias de obreiros nas Igrejas: pobres). Posteriormente, as igrejas passaram a escolher diáconos para
Diáconos e pastores, estes também chamados anciãos, mestres, bispos, gerir os vários aspectos dabeneficência e da sua administração secular.
evangelistas, conforme a função em foco. A. H. Newman, historiador CONCLUSÃO
batista, no seu Manual de História da Igreja, Vol. 2, página 134, cita
nomes dos mais aceitos na erudição bíblica em favor da tese de que na Jesus sabia que, para a realização do seu sonho de edificar a sua
Igreja primitiva havia apenas duas categorias de oficiais: bispos ou· Igreja, precisaria perpetuar seu próprio trabalho através de liderança
presbíteros (também chamados pastores), e diáconos. eficaz em cada Igreja e por isso, não somente dedicou tempo em instruir
ANCIÃO -Presbyteros. Refere-se à dignidade, ao respeito devido, à e treinar líderes, mas deu seu próprio exemplo. Leia João 20.21.
sabedoria e prudência nas palavras, decisões e atitudes, que o pastor Literalmente, "Assim como o Pai consumou o ato de me enviar, eu
deve demonstrar, não importa a sua idade. É mais um termo grego estou começando a vos enviar a vós". Jesus é o "Apóstolo e sumo
vestindo um conceito hebraico. Tecnicamente, a palavra define apenas sacerdote" (Hb 3.1); profeta que encarnou e proclamou os juízos de
a idade. Espiritualmente, o conceito tem raízes na cultura hebraica, cuja Deus (At 3.22); evangelista, proclamador de boas novas (Lc 4.18-20);
sociedade patriarcal buscava nos "anciãos" conselhos de ~abedoria e o bom pastor que dá a sua vida pelas ovelhas (João 10.11); mestre

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A Túnica Inconsútil A Igreja em Ação

autorizado (Mt23.8,1O); bispo que possui uma visão global e superior em disputas pela primaziana Igreja, têm causado maiores danos à Igreja
do Reino, podendo ver o presente e o futuro, o local e o universal do que os ataques de fora. A"síndromade Diótrefes" é uma das tragédias
simultaneamente (At 1.8); diácono que se cinge de uma toalha para na liderança do Reino. Mas, ao dizer: "entre vós não será assim",
lavar os pés aos discípulos (1013.13-16). Depois de instruir os discípulos Jesus acrescenta: "Porque o Filho do homem também não veio para
e de lhes dar o exemplo, Jesus lhes envia o seu Espírito para Permanecer ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos".
neles, capacitando-os para serem apóstolos, mestres, evangelistas, Mirem-se no exemplo de Cristo todos aqueles que têm oportunidade
bispos, anciãos e diáconos com o mesmo espírito. Jesus, através do de servir no Reino.
seu Espírito, não instituiu cargos na Igreja, mas funções de serviço, nas
quais todos têm igual responsabilidade e igual recompensa.
3. A PREGAÇÃO
"MAS ENTRE VÓS NÃO SERÁ ASSIM"
Jesus também equipou a Igreja com o poder da pregação - o poder
Uma advertência crítica que tem sido feita à Igreja Católica em relação da Palavra autorizada pela unção do Espirito Santo. "Ide por todo o
ao absolutismo do poder papal deve ser ainda mais crucial em relação mundo, pregai o evangelho a toda a criatura" (Me 16.16). A
às igrejas que, por definição, têm uma estrutura democrática de governo: pregação é um elemento indispensável no propósito redentivo de Deus.
Jesus não estabeleceu uma hierarquia de poder funcional de cima para Em Rm 10.9-14, vemos o desenvolvimento do argumento de Paulo em
baixo na sua Igreja, como nos governos e empresas do mundo, mas favor da pregação:
uma escala de valores espirituais, de baixo para cima. Os critérios
a. Para serjustificado, o pecador tem que crer em Jesus no seu coração
diferenciais de Jesus causaram espanto entre os apóstolos que, como
e confessá-lo com a sua boca (v.9), invocando-o como Salvador.
todos os seres humanos, disputavam entre si para saber quem deles
b. Para que o pecador creia em Jesus e professe a sua fé, ele precisa
seria o maioral. Esses critérios estão claros em Marcos 10:42-44: "Sa-
ouvir o evangelho, precisa tomar conhecimento do evangelho.
beis que os que julgam ser príncipes das gentes delas se assenho-
c. Para que o pecador ouça o evangelho, é preciso que alguém pregue.
reiam. e os seus grandes usam de autoridade sobre elas; mas entre
d. Para que alguém pregue, precisa ser comissionado.
vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande,
A tese de Paulo está no v.I7: "afé vem pelo ouvir e o ouvir pela
será vosso serviçal (diakonos - ministro); e qualquer que dentre vós
palavra de Deus. "
quiser ser o primeiro, será servo (doulos - escravo) de todos." Piedade,
santidade, humildade em servir, eficiência em alcançar os objetivos do A proclamação requer proclamadores. "Aprouve a Deus salvar os
Reino, contam mais do que títulos, abrangência de poder, tempo de serviço, que crêem pela loucura da pregação" (kerygmatos). Daí a exortação
competência profissional ou simpatia pessoal. As funções do ministério, de Paulo a Timóteo: "Prega a Palavra. "0 pregador é um profeta que
tanto na esfera da Igreja local quanto na cooperação entre igrejas, devem encarna a Palavra de Deus e proclama a Palavra de Deus. A profecia
ser encaradas como oportunidades de servir, de abençoar, de ser exemplo pode vivificar ossos secos, edificar e derrubar reinos, reacender o ânimo
de respeito às liberdades individuais na comunidade, nunca ao espírito dos abatidos ou abater ânimos exaltados. Como no culto do Velho
autoritário, discricionário e ditatorial, que é a negação da liberdade em Testamento, a Palavra de Deus também ocupa o lugar central na
Cristo, para a qual fomos chamados. A sede de mando, a luta pelo proclamação e na adoração na Igreja Cristã porque ocupa o lugar central
poder, as carências pessoais, não raro mórbidas, que se transformam na vida dos adoradores e proclamadores do Evangelho. A pregação

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A Igreja em Ação
,1:
f~como centro do culto cristão deriva da centralidade da Palavra na vida rejeita a pregação na carne, ainda que seja simpática e eloqüente,
dos adoradores. que não penetra "até a divisão da alma e do espírito" (Hb 4.12).
O QUE DEUS REQUER DO PREGADOR Todos os grandes pregadores cristãos em toda a história da Igreja e
todos os grandes pregadores cristãos da atualidade sempre foram e
1. Que possua, ele mesmo, uma experiência real de novo nascimento e são poderosos nas Escrituras.
uma firme, profunda e inarredável convicção da vontade de Deus a
É uma pregação que abrange a totalidade da verdade b,ôlica.
ser proclamada e que haja uma perfeita correlação entre a sua
Logicamente, cada pregador tem os seus textos preferidos, que tocam
mensagem e a sua vida.
as suas emoções pelos mais variados motivos, ou têm as suas seções
2. Que diga somente e tudo o que Deus mandou dizer, ainda que isso bíblicas preferidas. A Bíblia, porém, é um todo harmônico, a Verdade
resulte em resistência, oposição e morte. completa, para ser proclamada em sua totalidade. Só a constante depen-
3. Que respeite a liberdade dos ouvintes para aceitarem ou não a sua dência do Espírito pode levar o proclamador a selecionar e aplicar na
mensagem, ainda que esteja disposto adar a sua vida para que a aceitem medida certa o texto bíblico certo.
(Ez 3.18,19). É umapregação cristocêntrica. Os ensinos morais da Bíblia, valiosos
e universais, a filosofia na Bíblia, os ensinos bíblicos que interessam à
OS OBJETIVOS DA PREGAÇÃO CRISTÃ psicologia, à história, à cultura geral, nada disso pode substituir a pessoa
1. Levar cada pecador a conhecer Jesus como Salvador e a servi- de Jesus Cristo na centralidi\de da pregação cristã. Oque é que dá sentido
lo como Senhor. aos eventos bíblicos como o bebê Moisés no cesto betumado, a vitória
de Davi sobre o gigante Golias, Ester no reino de Assuero, os amigos de
2. Fazer com que a Palavra de Deus ocupe o lugar central do culto,
Daniel na fornalha, senão a pessoa do Messias Jesus? Todo o nosso cabe-
para que, em conseqüência, ela ocupe o lugar central na vida da Igreja.
dal de doutrinas - nossa identidade bíblica, perde o seu significado na
3. Consolar os que sofrem, exortar os que erram, reanimar os vacilantes, medida em que perde a sua cristocentricidade. Por que devemos pregar,
instruir na Palavra de Deus, agir terapeuticamente. O pregador deve ser preservar, fortalecer a nossa identidade bíblica? Porque só assim estaremos
sempre o Paraclitos dos seus ouvintes, mesmo quando combate o pregando, preservando e fortalecendo a nossa identidade com Cristo.
pecado com ousadia, não o seudiabolos, o seu acusador.
É uma pregação que respeita as leis da hermenêutica. Não é
4. Levar os salvos a decidirem moldar suas vidas no mundo segundo os honesto forçar um texto bíblico a dizer o que ele não diz, com o intento
padrões éticos da Bíblia. de manter uma posição doutrinária. O público pode se deixar lisongear,
A PREGAÇÃO NO LIVRO DE ATOS E EM NOSSOS DIAS mas não se deixa enganar. A verdade sempre aparece e prevalece.
É uma pregação contextualizada. Seria extremamente lamentável
É uma pregação bzôlica. Basta uma leitura das pregações de Pedro, e contraditório o entendimento de que a identidade bíblica de uma igreja
Estêvão e Paulo no livro de Atos para comprovar que o poder da prega- independe da contextualização da sua pregação. O homem do nosso
ção cristã é a sua base na Pàlavra de Deus. Não será diferente hoje. O tempo precisa desesperadamente de Jesus. Muitos movimentos heréticos
mundo tem fome da Palavra Viva porque tem fome da verdade. O mundo surgem da falsa premissa de que a mensagem bíblica deixou de ser

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A Túnica InconsútiJ A Igreja em Ação

relevante para o homem moderno. O que tem a ver a Bíblia com os a- o Deus Único. Contrapondo-se à pulverização do conceito de Deus
vanços científicos e tecnológicos, com as mudanças sociais, com as (cada etnia possuía os seus deuses locais e particulares), o Deus dos
transformações culturais que se processam com velocidade cada vez cristãos, o mesmo Deus dos judeus, é um Deus único, Criador de todo
maior? Seria a nossa única resposta confirmar a falsa premissa, fechando o universo. Leia o discurso de Paulo em Atenas (Atos 17.15ss) e veja,
os olhos para as necessidades espirituais do homem no seu contexto coforme sugere M. Green em EVANGELIZAÇÃO NA IGREJA PRI-
vivencial? O conteúdo dokerigma, Jesus Cristo, é constante, universal MITIVA, como Paulo se esforça, no seu inflamado discurso no
e eterno, mas a linguagem e o método da pregação devem ser sempre Areópago, para provar que o Deus dos cristãos, que ressuscitou a Cristo,
atualizados para poderem alcançar o ser humano dentro do universo' é o único Deus. Cansados da multiplicidade dos seus deuses, os gregos
cultural em que ele se insere. suspeitavam da existênciade um Deus único, que não podia serconhecido
pelos sentidos físicos, a quem atribuíram o título DEUS DESCO-
CONCLUSÃO NHECIDO e a quem erigiram um altar.
Que tipo de pregação estava na mente de Jesus quando ele determinou A raça única. Embora falando línguas e dialetos diferentes, vivendo
à Igreja: "Ide por todo o mundo e pregai o evangellho"? O texto diz: em condições culturais, climáticas, ambientais diferentes, toda a raça
Poreuthentes (aoristo médio, "começando a ir") eis (para dentro de, humana está ligada por ref~renciais comuns, que facilitam a propagação
com interesse) ton kosmon apanta (o mundo inteiro, completo )kerixa- do evangelho: a ânsia pela imortalidade, a busca do transcendente, a
te (aoristo ativo - comecem e continuem a pregar) to evangelion - o consciência do bem e do mal e o conseqüente peso de culpa, a expecta-
evangelho (objeto único da pregação para o mundo todo). Certamente, tiva messiânica, a universalidade das questões sobre a origem, natureza
Jesus pensava em uma pregação bíblica, cristocêntrica, contextualizada, e objetivo da vida. Cristo é o Salvador para todas as raças humanas,
sob a unção, no poder e iluminação do Espírito Santo. Essa pregação que só diferem fisicamente, mas moral e espiritualmente formam todas
será, hoje e sempre, poderosa como foi no primeiro século, fator uma raça única.
indispensável para que a Igreja torne real o sonho do seu fundador. A natureza única. A natureza gregária do ser humano é um fator
universal. A formação de igrejas respondia à necessidade social universal
do homem. A Igreja é a única sociedade onde os seres humanos podem
4. ESTRATÉGIAS E MÉTODOS EFICAZES
viver em amor, sem distinção de sexo, idade, raça, profissão, língua ou
Até aqui temos considerado os fatores internos que impulsionaram o condição econômica, alcançando o ideal impresso pelo Criador na
crescimento da Igreja primitiva: O poder do Espírito, a centralidade própria natureza do homem.
da Palavra na proclamação, liderança capacitada. Que fatores externos
teriam contribuído para que fosse tão espantoso o crescimento da 5. ESTRATÉGIA DE AÇÃO
Igreja em Atos? Seria ingenuidade imaginar que a Igreja agia sem Tão errado quanto supor que as igrejas primitivas agiam. intempesti-
planos, sem estratégias. Muito se tem falado sobre o efeito da vamente, sem método, sem uma estratégia definida, sem objetivos bem
perseguição, mas é evidente que a perseguição não pode ser consi- delineados, seria supor que elas estivessem engessadas dentro de um
derada um fator estratégico ditado pelo Espírito. M.Green coloca em método único ou de uma estratégia única. Os princípios nos quais se
destaque alguns desses fatores externos: baseia a estratégia missionária da Igreja apostólica podem ser postos

54 55
A Túnica Inconsútil A Igreja em Ação
f
I:
em prática em qualquer lugar do mundo e produzirão os mesmos seu próprio modelo para alcançar os resultados do seu ministério da
resultados da evangelização na Igreja primitiva, obviamente se ela puder maneira mais eficaz possível, dentro dos padrões do Novo Testamento.
contar com a mesma dinâmica do Espírito:
1. Irradiação concêntrica. Os missionários fundavam igrejas em grande
ESTRATÉGIAS E MÉTODOS DE EVANGELISMO
centros de irradiação cultural, de onde o evangelho ia se espalhando em
DA IGREJA PRIMITIVA
círculos concêntricos a partirda base. Esse era o método preferido de Paulo.
2. Descentralização. Cada igreja era autônoma para administrar os seus
negócios, fundar outras igrejas e cooperar voluntariamente com as igrejas
de todo o mundo.
IRRADIAçÃO CONctNrRICA
3. Verticalização. Todos os grupos sociais eram alcançados e reunidos
na Igreja na condição de irmãos: escravos e senhores, soldados e Jerusalém
Judéia
centuriões, sacerdotes e serviçais do templo, procônsules e bárbaros, Samaria
jovens e velhos, todos resgatados pelo mesmo preço, o sangue de Cristo, Confins da Terr~
sob a égide do mesmo Espírito. Nenhuma convenção de condomínio,
nenhum corporativismo, nenhum espírito de grupo pode impedir a
explosão de fé de alguém que está dentro do mesmo grupo. Esse é o DESCENTRALIZAÇÃO @§~
método que tem sido provado o mais eficaz em nossa sociedade. Liderança
Administração
4. Liderança capacitada. Eram comissionados líderes locais e líderes Sustento
itinerantes, que iam descobrindo, treinando e investindo de autoridade um
número crescente de outros líderes, numa verdadeira reação em cadeia.
Métodos de merchandising hoje considerados modernos e revolucionários,
como o "marcketing de rede", por exemplo, baseados no "treinar trei- VERTICALIZAÇÃO DA MENSAGEM
nadores" já estavam a serviço da evangelização na Igreja primitiva.
Respeito às Raízes Culturais
5. Auto sustento. Cada nova Igreja era ensinada a se responsabilizar Flexibilidade .
Penetração em Todas as Camadas
pelo seu próprio sustento, gerando confiança e consolidando os Sociais
resultados da pregação.
6. Respeito às raízes culturais de cada povo evangelizado (Veja o capítulo
12 deste l i v r o ) . ' .
7. Flexibilidade. Utilização de todos os recursos metodológicos
disponíveis, sem fixação em um método único em dois lugares ou em CONCLUSÃO
dois momentos diferentes. Cada Igrejaé uma amostragem do seu próprio
universo, cada Igreja está em contacto com o seu próprio universo de Haward A. Snyder, no livro LIDERATING THE CHURCH descreve
um modo linear, direto, eficaz. Por isso, cada Igreja deve desenhar o a Igreja do Novo Testamento como "uma comunidade reunida em

56 57
torno de Jesus" (Pág. 116). Segundo ele, Mateus 18.20 dá a mais
concisa descrição da Igreja de Jesus: "Porque onde estiverem dois ou
três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. " Jesus Cristo
é, ele mesmo em pessoa presente na Igreja conforme os termos da sua
promessa: "até a consumação dos séculos", o fator real de absoluta
eficácia para definir uma Igreja cristã, traçar o seu perfil como tal e CAPÍTULü4
potenci~ o seu testemunho no mundo, independentemente de quaisquer
fatores mternos ou externos. Essa Igreja em tomo de Jesus, não importa o
seu tamanho, nem a competência pessoal dos seus Iíderes,nem a soma de LITURGIA DA IGREJA CRISTÃ
recursos disponíveis, essa é a Igreja que vence o mundo.
"Tudo no homem conduz a Deus"
Batista Mondin

o substantivoLITURGIA - do gregoleitourgia - deriva da combina-


ção de leiton, "coisa pública" (de laos, povo) e a raiz erg como
substantivo -ergon, "função" "esforço" ou "obra", e tem o significado
clássico de "serviço público". Nas cidades gregas, referia-se ao serviço
prestado ao Estado. Corria o culto aos deuses era considerado um
serviço ao Estado, a palavra era também usada com referência aos
serviços religiosos comoleitourgein tois theois - "serviço aos deuses"
(Enciclopédia de La Bíblia, VaI. IV). Seu emprego no Novo Testamento
é quase exclusivamente religioso. Em Hb 1.14 refere-se ao trabalho dos
anjos que servem aos que hão de herdar a salvação. Em Hebreus ainda,
refere-se pelo menos duas vezes ao serviço e objetos de culto do Velho
Testamento (10.11 e 9.21), como também no ofício de Zacarias em Lc
1.23. Em At 13.2, o verbo leitourgeo é traduzido por "ministrar".
Em Rm 15.l6leitourgon é "ministro". Pauloseconsideraministro,
(ou sacerdote, segundo uso comum no VT) de Jesus Cristo para os
gentios, ministrando (sacrificando) o evangelho de Deus para que os
gentios sejam aceitáveis como oferta santificada pelo Espírito Santo.
Em Hb 9.21, VR traduzleiturgia por "serviço sagrado" referindo-se
ao tabernáculo, aos vasos santificados para o culto e ao culto
propriamente dito. Em Hb 8.2,6, Jesus é oleitourgos eleitourgias
se aplica ao seu ministério sacerdotal. As palavras hebraicas corres-

58
A Túnica Inconsútil ~iturgia da Igreja Cristli

pondentes, abodah, seret, mesaret, referem-se tanto aos atos quanto aos meio para se chegar à adoração. Quando a liturgia se toma um fim em si
oficiantes e objetos de culto, havendo umaclaradistinção, natradução parao mesma, toma-se ineficaz, como na oração do fariseu da parábola. Na
grego, entreleitourgein (ministério ou os serviços necessários ao culto) e missa em latim ou em outra língua desconhecida dos cultuantes, por
latreuein (o culto propriamente dito). EmFp 2.25, Epafrodito é chamado exemplo, a liturgia deixa de ser um meio para se tomar um fim em si
leitourgon devido à assistên~ia que prestou a Paulo e à Igreja. Em resumo: mesma. Essa compreensão resulta da idolatria da palavra, ou seja, da
leitourgia no Novo Testamento refere-se a: atribuição de um poder mágico à fala humana independente daconsciência
1. Oserviço prestado pelos sacerdotes nos atos de culto no Velho Testamento. do adorador, atitude que surge a partir da tentativa de se atribuir à
2. Oofício sacerdotal de Cristo. palavra do homem, o mesmo poder da palavra criadora de Deus (1 Tes
3. O ministério da Igreja nos atos de adoração. 2.13). Atribui-se às palavras do ministrante um poder mágico absoluto.
4. O serviço prestado aos irmãos como beneficência, entendido como um Esse resquício do paganismo idólatra está evidente, ainda que
serviço prestado aDeus. inconscientemente, em certas formas de culto nas quais a frases feitas e
expressões bombásticas é atribuído um poder sobrenatural. Éa chamada
Com o tempo, a palavra liturgia passou a designar a ordem e o valor
"palavra de poder", ou seja, a palavra mágica que pode, por si mesma,
significativo dos elementos do culto, sendo aplicada várias vezes à
produzir tanto o bem quanto o mal. A liturgia cristã se fundamenta na
celebração da Ceia do Senhor. Não é uma palavra de uso exclusivo dos
atitude moral dos adoradores e não nas formas coreográficas ou orais
evangélicos, nem dos cristãos.
utilizadas. A "palavra de poder" surge quando não há vida de poder. É
Três observações iniciais se impõem: preciso que haja critério e equilíbrio' na escolha do modelo litúrgico. É
Primeira: Não existe um antagonismo ou conflitoentre "liturgiatradicional" preciso que haja também coragem. Critério para examinar os novos
e "liturgia modema". O modemo pode ser apenas o tradicional resgatado, modelos litúrgicos que surgem e não ir adotando qualquer novo formato
redescoberto. Qualquer radiçalização nessa área pode ser fatal ao espírito de culto só porque parece estar dando certo para atrair pessoas em outras
do verdadeiro culto. Ou seja: um tradicionalismo litúrgico congelado no igrejas, sem examinar suas origens, seu conteúdo e as conseqüências do
tempo, estará desprezando alinguagem eos demais componentes culturais seu uso. E coragem para mudar tudo o que e sempre que tiver de ser
da vida presente dos adoradores, tomando-se um fator de alienação em mudado, não se insistindoem manterfórmulas elinguagemjáultrapassadas,
vez de ser um fator de integração da personalidade do adorador. Por outro fora dos referenciais culturais da comunidade de adoradores.
lado, uma inovação litúrgicapode também ser simples imitação de eventos Terceira observação: A liturgia deve ser uma expressão de vida,
culturais seCulares, desprezando os princípios que devem reger a verdadeira resultado natural da vida, não uma série de rotinas e procedimentos
adoração cristã, tomando-se inócua e ineficaz como ato de culto cristão, destinados a despertar e condicionar sentimentos religiosos. Muitos
pois neste se busca a presença e a glória de Deus. Quando termina o "culto- cristãos querem que, em uma hora de culto no domingo, aconteça tudo
show", aalma dos assistentes está tão vazia como no seu início, não importa de paz, alegria, espiritualidade, unção e poder, que não aconteceu em
a performance dos artistas no palco nem oentusiasmo da platéia. O "culto- suas vidas nos outros seis dias da semana. Para os cristãos que vão à
show" apela aos sentidos físicos. Quanto mais barulhoe movimento, melhor. Igreja em busca de formas de culto que resolvam, por si mesmas,
No culto cristão, o Espírito Santo tange a alma dos adoradores. independentemente da vida que eles vivem, todos os seus fracassos e suas
Segunda observação: A liturgia não é um fim em si mesma, porém um angústias existenciais,jamais haverá liturgiaque satisfaça Daía migração

60 61
A Túnica Inconsútil Liturgia da Igreja Cristã

constante de crentes descontentes, de Igreja em Igreja, em busca de novas uma nova liturgia, na qual a pessoa de Cristo ocupava o lugar central
formas litúrgicas, quando o que deveriam fazer seria adorar a Deus no seu pela celebração da Ceia do Senhor (1 Cor 11.20ss). Após uma refeição
viver diário, para que a sua adoração na Igreja seja eficaz. Paulojá advertia comum, cânticos eram entoados, eram feitas orações de confissão e
à Igreja de Corinto: "Mas temo que, assim como a serpente enganou a encorajamento, as cartas dos apóstolos eram lidas (CI4.16); celebrava-
Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte se a Ceia do Senhor (não confundida com a refeição comunitária) e en-
corrompidos os vossos entendimentos e se apartem da simplicidade e sinava-se a doutrina, visando aprofundar e fortalecer a fé. Supõe-se
da pureza que há em Cristo" (2Cor 11.3). que algumas das formas de doxologia incorporadas a vários textos,
Simplicidade e pureza. A liturgia cristã deve ser caracterizada: especialmente textos paulinos, seriam recitativos usuais nos cultos. A
profecia e as revelações tinham o seu destaque, uma vez que as Escrituras
a. Pela simplicidade e naturalidade, sem complicações nem sofisticações,
sagradas do Novo Testamento estavam em desenvolvimento. Terminado
sem o uso de termos desconhecidos dos adoradores, a fim de não se
o período de revelação bíblica, fechou-se o ciclo de revelações. Tudo o
correr o risco de ela ser confundida com práticas cabalísticas.
que Deus queria revelar à.Igreja estava completo, não se justificando
b. Deve ser apresentada em uma linguagem objetiva, direta, numa mais revelações à revelia das Escrituras divinamente inspiradas. Examine
configuração tipográfica popular sem ser vulgar; os textos que trabalham essa matéria, como 2 Timóteo 3.16; 2 Pedro
c. Deve ser contextualizada em seus termos e na sua forma, utilizando-se 1.20; Deuteronômio 4.2; Apocal ipse 22.18. Estava implícito que o ensino
de formas e termos compreensíveis para a comunidade; recebido nos cultos deveria ser colocado em prática na vida diária (Tg
d. A pureza da liturgia cristã deve levar-nos a evitar toda a mistura entre o 1.25). Ministravam-se os batismos, ofertas eram levantadas para o
que é de Cristo e o que é do mundo, ou seja, entre o espiritual e o carnal. sustento da obra missionária e para beneficência (1 Cor 16.2), tudo com
"Não vos conformeis com este mundo", impõe Paulo no contexto muita simplicidade, e nem' poderia ser de outro modo, uma vez que os
da adoração cristã (Rm 12.1,2). Deve também evitar confundir na mente cultos eram realizados nas casas que hospedavam as igrejas. As reuniões
dos adoradores, o que seja liturgicamente correto dentro da nossa se davam no primeiro dia da semana. Essas formas litúrgicas eram postas
compreensão das doutrinas bíblicas e o litúrgico segundo o entendimento em prática no mundo inteiro, devendo cada povo adorar a Deus na sua
de outros grupos religiosos. "Se a trombeta der o toque incerto, quem própria língua. Havia extremo cuidado para que os novos convertidos
se preparará para a batalha?" (lCor 14.8). Uma liturgia simples, não trouxessem para a liturgia cristã as práticas da sua pregressa idolatria
espiritual, em termos compreensíveis para o público pode não refletir a (l Cor 1O.l4ss). A pureza litúrgica era tão essencial ao culto cristão
como a exclusividade da adoração a Deus em Cristo (1 Cor 10.21). As
erudição do ministério e satisfazer a sua vaidade pessoal, mas certamente
mulheres não eram impedidas de participar da liturgia orando e
satisfaz o espírito dos adoradores com o galardão da resposta divina. profetizando (1 Cor 11.5). A liturgia devia ser observada"decentemente
LITURGIA NA IGREJA PRIMITIVA e com ordem" (lCor 14.40).
PRINCÍPIOS NORMATIVOS DA LITURGIA CRISTÃ
No primeiro momento, a liturgia da Igreja primitiva era bastante simples
e obedecia a uma seqüência espontânea, com naturalidade. Os cânticos Para que uma forma litúrgica seja cristã, há de submeter-se a alguns
eram os salmos (1 Cor 14.26, Cl 3.16); as orações eram dirigidas ao princípios:
mesmo Deus dos judeus (At 4.24); os referenciais teológicos eram do Primeiro: A adoração cristã é fundamentada na Palavra de Deus. A
Velho Testamento. Rapidamente, porém, operou-se a transição para liturgia, portanto, deve ser bíblica. Deve balizar um culto de adoração

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A Túnica Inconsútil Liturgia da Igreja Cristã

nos termos e com oconteúdo significativoensinados pelaBíblia A música qualquer poder para proteger, curar ou salvar. Somente Deus Pai, pela
deve ser inspirada na Bíblia, as mensagens devem ser bíblicas, o ensino mediação única e exclusiva de Jesus, seu Filho e pelo poder do Espírito,
deve reproduzir a Bíblia, o pensamento, as emoções e a vontade dos deve ser causa e objetivo de toda a adoração e, portanto, inspirador de
adoradores devem ser vertebrados pela Bíblia. É bom acentuar que só o toda a liturgia verdadeiramente cristã. Os objetos usados no culto cristão,
viver biblicamente produz uma liturgia bíblica. Não há como produzir uma nem por isso se tomam dignos de adoração.
adoração bíblica se os adoradores não têm um viver bíblico. Se o ministro Terceiro: A adoração cristã tem Cristo como causa, mediação e fim
que elabora aordem do culto não tem um viver bíblico, não lhe serápossível (Hb 12.2). A liturgia cristã é cristocêntrica. Conduz os adoradores em
produzir umaforma litúrgica bíblica. Satanás sabe disso muito bem. Por isso Cristo (unidos a Cristo), por Cristo (através de Cristo como único
ele sempre procura perverter moral e espiritualmente as pessoas que Mediador), e para Cristo (para a glória de Cristo). Novamente é bom
trabalham aliturgia na Igreja a fim de desviá-Ia da verdadeira adoração. lembrar que uma liturgiacristocêntrica só pode ser produzida, entendida e
Segundo: A liturgia cristã deve produzir uma adoração espiritual. A ministrada por uma alma que tenha em Cristo o seu centro.
palavratherapeuo, no grego profano, tem o significado de "serviraos Quarto: É o Espírito que toma real a presença de Deus na adoração.
deuses". Deuses que eram ídolos. No Novo Testamento, especialmente Sem a presença e ação do Espírito, a liturgia deixa de ser cristã. O que
nos evangelhos sinóticos, essa palavra sempre significa "curar". A única faz a diferença entre um espetáculo religioso e um evento litúrgico cristão
vez em que é usada no NT com o sentido de servir a Deus é o emprego é a presença dinâmica do Espírito Santo, como já dissemos antes. Uma
negativo que Paulo faz em Atos 17.25: "O Deus quefez o mundo e liturgia dirigida pelo Espírito glorifica a Jesus e não aos ministros que a
tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita oficiam. Muitos ministros confundem manifestações das emoções manipu-
em templos feitos por mãos de homens, nem tampouco é servido ladas pela mente carnal com a presença e atuação do Espírito. O poder
(therapeusetai) por mãos humanas. " Em Romanos 1.25, Paulo usa espiritual, porém, não se manifesta em objetos, efeitos oratórios de frases
outras duas palavras para servir e adorar: sebazomai (adorar, desébo, bombásticas, nem em coreografias bem ensaiadas, mas em quebranta-
temer, ter pavor) e latreuo, (servir, ministrar): "Adoraram e serviram menta espiritual e vidas transformadas.
mais à criatura do que ao Criador, que é bendito eternamente. Amém. " Quinto: Deus exige consistência entre a adoração e a vida. Veja-se o
A distinção que a Igreja católica faz entre as palavras "adorar" e libelo de Isaias 1. A verdadeira adoração impõe um compromisso ético.
"venerar", parajustificar a adoração de imagens, é arbitrária e enganosa. A liturgia cristã, em sua forma e conteúdo doutrinário deve estar dentro
O culto delatria, dizem os padres, só é devido aDeus. Às imagens, eles da ética bíblica para levar os adoradores a viverem de acordo com os
não adoram: apenas veneram. O culto às imagens, porém, tenha o nome padrões da ética de Jesus. A comercialização da música cristã, por
que tiver, é terminantemente proibido em toda a Bíblia, aí incluindo-se exemplo, tem levado ministros a darem mais valor à forma do que ao
adoração, veneração ou atribuição de poder espiritual a quaisquer objetos conteúdo das músicas que se compõe, que se executam e se cantam,
materiais, tais como imagens, retratos, fitas, óleo, água, sal, cruzes, papel, sem qualquer preocupação com a vida que os musicistas e seus ouvintes
mesmo o papel da Bíblia, a lista vai longe. Só o Senhor é Deus, só Deus estejam vivendo. Um bom comunicador pode atrair multidões para ouvi-
tem poder, só Deus deve ser adorado, cultuado, venerado, honrado como lo falar ou cantar, mas somente o comunicador que viva o que prega e
Deus. Nós não adoramos o livro onde temos a Palavra de Deus, mas canta pode produzir frutos verdadeiros para Deus.
adoramos o Deus a quem a Bíblia revela. Não cremos que o livro tenha Sexto: A verdadeira adoração é resultado da verdadeira evangelização,
64 65
A Túnica Inconsútil Liturgia da Igreja Cristã

que resulta em mais adoradores. A evangelização que não resulta em tidos a Cristo e cheios do Espírito Santo: "mas enchei-vos'do Espírito,
adoradores é mera catequese, não evangelização. A adoração que não falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais, cantando
resulta em paixão pelas almas é apenas pantomima, não é adoração e salmodiando ao Senhor em vosso coração" (Ef 5.18,19). Fonte
verdadeira, A liturgia cristã cria um impulso para adorar a Deus e para contaminada não pode produzir água pura. O ímpio, ou o homem de
buscar mais adoradores. Seguindo o exemplo clássico da chamada de Isaías vida ímpia, ainda que rotulado de cristão, jamais poderá produzir música
(capítulo 6), que resultados se podem esperar da verdadeira adoração? cristã, não importa o seu talento musical.
Uma visão da glória e da majestade de Deus ("eu vi o Senhor sobre um Segundo: A música cristã tem conteúdo bíblico: "A palavra de Cristo
alto e sublime trono "). Como conseqüência imediata, um sentimento de habite em vós ricamente, em toda a sabedoria; ensinai-vos e admo-
fragilidade e quebrantamento espiritual ("ai de mim que vou perecendo, estai-vos uns aos outros com salmos, hinos e ctinticos espirituais,
pois sou um homem de lábios impuros"). Uma visão das carências louvando a Deus com gratidão em vossos corações" CCl 3.16). Se
espirituais da humanidade ("e habito no meio de um povo de impuros a Palavra de Cristo não habitar no coração, a mente não poderá
lábios "). Uma experiência real de purificação interior ("A tua iniqüidade produzir música cristã.
foi tirada e purificado o teu pecado "). Aconsciência de um chamado de
Terceiro: A música cristã exalta a Deus: "E tudo quantojizerdes por
Deus para denunciar a falsa adoração e chamar o povo para adorar aDeus
palavras ou por obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando
("a quem enviaremos e quem há de irpor nós? "). Uma resposta definida
por ele graças a Deus Pai'(Cl3.17). A música que glorifica o homem,
em termos de compromisso com Deus, uma entrega pessoal ("eis-me aqui,
ainda que seja o homem cristão, não é música cristã.
envia-me a mim ").
Quarto: A música cristã é um dom espiritual que excede os talentos
Uma liturgia que não resulte em compromisso dos adoradores com Deus, naturais. Por isso, comunica a graça e o poder de Cristo para a salvação
não produz um sentimento de quebrantamento pessoal dos adoradores, dos pecadores e a edificação da Igreja: "Assim também vós, já que
nem uma visão da humanidade perdida, antes indica que quem dirige os estais desejosos de dons espirituais, procurai abundar neles para a
atos de culto está se colocando a si mesmo no mais alto e sublime trono. edificação da Igreja" (lCor 14.12). É o Espírito Santo que faz a
"CANTAREI COM O ENTENDIMENTO" (l Coríntios'14.14) diferença entre o talento natural e o dom espiritual e essa diferença se
evidencia na vida particular e no testemunho pessoal do musicista, não
A música é parte da natureza humana, como de resto, de toda acriação. no seu talento artístico, nem no seu desempenho, nem na sua fama, nem
Cantam as ondas do mar na branca areia da praia, canta o riacho nos na sua capacidade de manipular emoções. Na cidade de Piracicaba,
seixos por onde corre, canta o sabiá, canta o vento nos ciprestes e SP, havia um homem possuidor de vasta cultura, esoterista e universalista
chorões, cantam os meninos suas canções de esperança, cantam os em matéria de religião. Muitas vezes elecontra-argumentoucomeloqüência
velhos a sua nostalgia, cantam homens na terra como cantam anjos no às razões bíblicas apresentadas por seus amigos cristãos. Vezes sem conta,
céu. A música é parte essencial na adoração cristã. Mas tem que ser ironizou e tentou reduzir ao ridículo a palavra dos crentes que com ele
música cristã, que tem suas características peculiares. Salientemos conviviam no ofício comum de corretagem imobiliária. Certa noite, esse
algumas dessas características: homem passava pela porta da Casa de Oração no momento em que a
Primeiro: A música cristã, música e letra, procede de corações conver- Igreja cantava o hino que diz:

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A Túnica Inconsútil Liturgia da Igreja Cristã

O findar o labor desta vida


i Sexto: A música cristã contribui para o crescimento espiritual dos
ruando a morte ao teu lado chegar, remidos. Ela deve falar ao espírito e não apenas aos sentidos físicos.
2ue destino há de ter a tua alma, Melodia, harmonia, ritmo, arranjos, letra, devem falar à alma, a fim de
rual será nofuturo o teu lar? cultivar os frutos do espírito: "Ensinai-vos e admoestai-vos uns aos
outros com salmos, hinos ê cânticos espirituais" (Cl. 3.16). A "música
Ao ouvir essas palavras musicadas que lhe chegavamclaramente aos
pela música", a música para fins comerciais, a músicapatriótica, acanção
~uvidos e ao coração, aquele homem parou petrificado. Não conseguia
romântica, a música folclórica, a chamada música "gospel" etc. podem
~over-se. Veio o estribilho:
I ter o seu valor cultural, mas só será música cristã aquela que aproximar
\1eu amigo, hoje tu tens a escolha, o homem de Deus e o ajudar a crescer na sua vida espiritual.
vida ou morte, qual vais aceitar? Sétimo: A música cristã é aquela que parte de corações comprometidos
4.manhã pode ser muito tarde, com Deus e move o coração dos salvos para assumirem um compromisso
110je Cristo te quer libertar. com Deus: "Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que
Somente quando a música terminou é que ele conseguiu locomover- apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável
se. Voltou para casa meditando naquelas palavras. No dia seguinte, a Deus, que é o vosso culto racional, e não vos conformeis a este
mandou chamar um pastor. Orando juntamente com ele, rendeu seu mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para
orgulho, suas trevas e seu pavor e aceitou a Cristo. Algumas semanas que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de
depois, ao partir para a eternidade, partiu na segurança da vida eterna. Deus" (Rm 12.1,2). O louvor sem compromisso de vida, que se esgota
APalavra cantada na unção do Espírito tem um extraordinário poder. no aplauso do próprio louvor, não é o louvor cristão. Os espíritos malignos
reconhecem os méritos d~ Cristo e até parecem exaltar a Cristo (Mc
Quinto: A música cristã expressa alegria e produz paz e segurança: 5.6,7; Lc 4.34), mas não podem assumir um compromisso de servir a
"Está alguém contente? cante louvores" (Tg 5.13). "E a paz de
Cristo. Veja em At 16.18 o slogan que o espírito imundo gritava
Cristo, para a qual tambémfostes chamados em um corpo, domine
insistentemente, parecendo exaltar a Cristo e que foi desmascarado pelo
em vossos corações e sede agradecidos" (CI3.15). Altos volumes e
homem de Deus como um insulto a Cristo.
ritmos frenéticos não produzem espiritualidade, nem alegria, nem paz,
antes prejudicam a saúde do corpo, que é o templo do Espírito e por Oitavo: A música cristã é uma expressão de arte e contribui para o
isso deve ser conservado com todo o zelo. Não é por acaso que aprimoramento cultural dos ouvintes: "Cantarei com o espírito, mas
ritmos frenéticos e sons ensurdecedores são associados ao uso de também cantarei com o entendimento" (l Cor 14.15). A letra deve
drogas nos festivais de música popular. Ambos produzem a alucinação ser gramaticalmente correta e a música deve obedecer corretamente
na qual a razão é obnubliada pelos destemperos emocionais. O culto aos padrões de composição e execução dentro de cada estilo aceitável
cristão não descarta a emoção, parte essencial da nossa personalidade, como música cristã. O Evangelho deve ser um fator de desenvolvimento
t;Ias alcança as emoções como resultado da compreensão da verdade. cultural e não de retrocesso. A música cristã comunica graça e beleza
E o que Paulo chama "culto racional" -logiken latreian (Rm 12.2), em toda a sua forma, pois é no Evangelho de Cristo que a Criação é
que não é o culto à razão, mas o culto a Deus no pleno conhecimento restaurada em toda asua formosura, glória e esplendor.
da verdade de Deus que o Espírito concede segundo a Palavra de Deus. Nono: A música cristã respeita as raízes culturais dos povos, ao mesmo

68 69
A Túnica Inconsútil

~mpo em que oEvangelho de'Cristo, que é oseu conteúdo, depuraas culturas


los povos de tudo o que seja nocivo ao ser humano: "Pois que já vos
lespistes do homem velho com os seusfeitos, e vos vestistes do novo, que
;e renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o
~riou, onde não há grego nemjudeu, circuncisão nem incircuncisão, mas . ,
CAPITULOS
'::risto é tudo em todos" (CI3.9-11). Bill Ichter dizia que a música que serve
1 Cristo é aquela que move, não os pés, mas o coração.

Décimo: A música cristã reflete e antecipa a glória e a perfeição do O BATISMO


:éu: "E cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és de tomar o
livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue
"Foi-me dada toda a autoridde no céu e na terra. Pçrtanto ide,
compraste para Deus, homens de toda tribo, e língua, e povo, e nação" .
fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e
(Ap 5.9). Comprados na terra, pelo precioso sangue do Cordeiro, que do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar todas as coisas
nos desvendou os mistérios da Graça e da Redenção, glorifiquemos a que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os
Deus com a música do céu, a música verdadeiramente cristã. dias até a consumação dos séculos." (Mateus 28.18-20)
André Chouraqui traduz:
"Iéshua se aproxima, lhes fala e diz: "Toda autoridade me foi
dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazer adeptos entre todos os
gofms. Fazei-os imergir em nome do pai, do filho e do sopro
sagrado. Ensinai-os a guardar tudo o que vos prescrevi. Eis, estou
convosco todos os dias até o fim da era. "
O Df. Randolph Yeager traduz:
"When you have gone therefore, make disciples ofall nations, as
you immerse them in the sphere ofthe authority ofthe Father, and
ofthe Son and ofthe Holy Spirit, teaching them to observe everything
which I commanded you; and Look! I am going to be whit you all
the days unto the consumation ofthe age" que traduzido é: Enquanto
vocês estiverem indo por toda parte, façam discípulos de todas as nações,
imergindo-os na esfera da autoridade do Pai, e do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-os a observar tudo o que eu lhes mandei; e atenção!
eu vou estar com vocês todos os dias até a consumação do século"
(negritos nossos).
O que estaria na mente de Jesus quando proferiu a palavra "batizar"

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A Túnica Inconsútil o Batismo

na grande comissão? Como a Igreja entendeu essa ordem? Qual a mergulhados no mar) - (l Cor 10.2); todas as vezes, sem éxceção, em
compreensão que devemos ter hoje do batismo para sermos fiéis na que o ritual do batismo cristão é mencionado, a palavra usada é
interpretação e prática do batismo cristão? Quem pode ser batizado? baptismos. Todas as vezes que o ato do batismo é descrito, implica
Quem tem autoridade para batizar? Qual o significado do batismo cristão? entrar para dentro da água e sair de dentro da água.
Qual a forma bíblica do batismo? Comecemos pela última pergunta.
Há uma longa relação de palavras conhecidas dos autores do Novo
Testamento que poderiam ter sido usadas, caso o ritual de testemunho da
1. FORMA DE BATISMO fé pudesse ser feito mediante aspersão ou ablução: Rantismos, rantizo
Do verbo grego bapto, "submergir, mergulhar" na forma intensiva (Hb 10.22) traduzidas por aspersão e aspergir cerimonialmente;Prosxysis,
baptizo, fazer mergulhar, fazer imergir, submergir, surge o substantivo igualmente vertida para "aspersão", no sentido cerimonial em Hb 11.28;
baptismos, imersão, o ato de mergulhar e baptisma, o batismo. No Nipto, lavar fisicamente, lavar cerimonialmente. Usa-se para o ato social
grego clássico, assim como no grego contemporâneo, bapto tem o e cerimonial de lavar os pés de outra pessoa (10 13.5,8; 1Tm 5.10). Em
sentido de: mergulhar, imergir; molhar, umedecer, tingir (mergulhar o pano João 9.7,11,15, é lavar os olhos ao cego. EmMt 15.2, Mc 7.3 é a lavagem
em tinta); tirar água (mergulhar o vaso); temperar o ferro (mergulhar o cerimonial das mãos. Em Mt 27.24, temos o extensivo apo-nipto no
ferro incandescente em água). Além do sentido de mergulhar, baptizo aoristo médio do indicativo (Pilatos lavou as mãos de uma vez para
significa também "fazer perecer" devido à pena de morte por afogamento sempre...).Luo, lavarmedicjnal ou cerimonial- At9.37 (lavar um defunto);
ou afundar (fazer submergir) um navio (VejaDITNT in loc, TDNT - G. At 16.33 (lavar as feridas); Jo 13.10 (lavar os pecados). Neste texto,
Kittel, Izidro Pereira). Com o sentido não ritual, a palavrabapto ocorre aliás, ocorrem os dois termos: o lelumenos... podas nipsasthai "os já
apenas 4 vezes no NT: em João 13.26 (duas vezes), traduzida por purificados (purificados de vez)... os pés (são) lavados". EmHb 10.22, é
"molhar", que a Bíblia de Jerusalém verte por "umedecer" (o bocado de lavar cerimonialmente o corpo, uma vez que o coração já foi purificado.
pão mergulhado no vinho e entregue aJudas); em Lucas 16.24, também e) Plyno -lavar objetos, limpar, fazer assepsia - Lc 5.2 (lavar as redes-
traduzido por "molhar" (mergulhar a ponta dos dedos na água) e em serviço profissional); Mt 15.2 (lavar as mãos cerimonialmente). Lavar,
Apoc. 19.13, bebamenon - particípio passado perfeito de bapto na abluir, aspergir, purificar, borrifar, nunca, em nenhuma instância,
forma adjetiva, predicativo deimation (vestido, manto), assim traduzido: qualquer um desses vocábulos é usado em relação ao batismo
ERC, VR: "veste salpicada de sangue"; VB: "capa imersa no cristão. Em relação à forma do batismo, tem toda a razão João Calvino:
sangue"; BJ: "manto embebido de sangue". A BLH lê "capa tingida "Porém, se a pessoa há de ser batizada, precisa ser inteiramente
de sangue. " Baptizo e correlatos ocorrem nos evangelhos, fora da submergida, seja três vezes ou uma, ou se apenas se derrama ou se
grand~ comissão, quase exclusivamente em conexão com o batismo de asperge água sobre ela, isso não tem importância; as igrejas devem
João. E, pois, em Atos e nas epístolas que o significado litúrgico cristão sentir-se parafazer, a este respeito, conforme a diferença de países.
do batismo assume a sua forma. Observe: todas as vezes, sem exceção, Todavia, a mesma palavra batizar significa submergir; E É CERTO
que a palavra batismo é usada, significa imersão, seja no sentido histórico, QUE A IMERSÃO FOI A ,pRATICA DA IGREJA ANTIGA" (Versais
seja no sentido teológico o~ escatológico ou mesmo como metáfora: nossos) - AS INSTITUTAS, VaI. 2, Pág.491.
batizados em Moisés (espiritualmente imersos em Moisés)~ na nuvem A forma de batismo na Igreja primitiva era, sem dúvida, a imersão.
(totalmente envolvidos pela nuvem) e no mar (simbolicamente Temos bons motivos para assim pensarmos:

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A Túnica Inconsútil o Batismo

. Uma vez que a palavrabaptismos sempre significa imersão, tanto no excepcional, quando não houvesse água corrente para imergir os
;rego clássico quanto no koinê e mesmo no grego contemporâneo, seria batizandos (7.2), estabelecendo, assim, a imersão como regra, como
idículo imaginar João Batista "mergulhando" as pessoas por efusão ou forma regular de batismo. Nos comentários introdutórios da edição
lspersão dentro do rio Jordão. Ao contrário, a forma de batismo a que publicada pela VOZES, Urbano Zilles declara que, "o rito batismal e
esus se submeteu para dar exemplo de cumprimento de toda a justiça, o rito da celebração eucarística ainda não estão fixados. " Não se
tão foi outra senão a imersão. Mateus afirma que Jesus subiu de dentro pode, portanto, defender a aspersão como prática da Igreja apostólica
ia água - anebe apo tou ydatos (Mt 3.16). com base na Didaqué. Na chamada Tradição Apostólica, Hipólito de
~. A absoluta ausência de qualquer palavra grega que pudesse ser Roma descreve a ''Tradição do santo batismo" (48-51) sem deixar dúvida
raduzida por aspersão em referência ao batismo cristão, cornojá vimos, alguma sobre a forma imersão, aliás de tríplice imersão, uma para cada
mmenta a nossa convicção de ter sido a imersão a forma exclusiva de declaração de fé em cada uma das pessoas da Trindade. No comentário
)atismo na Igreja primitiva. de rodapé, diz a tradutora Maria da Glória Novak: "Batizar; significa
3. O significado teológico do batismo como símbolo da morte e aqui mergulhar: o batismo se fazia por tríplice imersão". Já no IV
~essurreição exige a imersão como forma para ter sentido, se bem século, ao escrever o tratado sobre OS SACRAMENTOS E OS
~ntendemos Rm 6:3-5 - "Ou não sabeis que todos quantos fomos MISTÉRIOS, publicado também pela VOZES em erudita tradução de
'?atizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte Dom Paulo Evaristo Ams, Ambrósio descreve o rito batismal nos
7ue fomos sepultados com ele pelo batismo na morte. (Já assisti a seguintes termos: "Perguntaram-te: Crês em Deus Pai todo Poderoso?
~entenas de sepultamentos e jamais vi alguém ser enterradojogando-se Respondeste: Creio, e foste mergulhado, quer dizer, foste sepultado.
1m punhado de terra sobre a sua cabeça!). Novamente perguntaram-te: Crês em nosso Senhor Jesus Cristo e em
sua cruz? Respondeste: Creio, e foste mergulhado. Por isso estás
t A descrição dos atos de batismo praticados por João e pelos discípulos
sepultado com Cristo. Pois quem estás sepultado com Cristo, com ele
je Jesus não deixa dúvida de que a imersão era a forma de batismo.
ressurge. Perguntaram-te pela terceira vez: Crês também no Espírito
Filipe e o eunuco entraram para dentro da água e saíram de dentro da
Santo? Respondeste: Creio, e foste mergulhado a terceira vez, para
igua (At 8.38,39):katebesan (aoristo ativo do indicativo - desceram
que a tríplice confissão destruísse as quedas repetidas do passado."
~ompletamente e chegara~) eis to jdor (para dentro da água) ...
Nas notas de rodapé, diz Evaristo Ams que a forma interrogativa e a
mebesan (aoristo ativo do indicativo), subiram de dentro da água,
tríplice imersão são atestadas por Tertuliano, Hipólito e Cirilo. Aliás,
;epararam-se de vez da água em que estavam) ek (para fora de) tou
são muito expressivos os argumentos de Ambrósio na seqüência do
Idatos (no ablativo, a água, aquela água).
texto transcrito, em favor do batismo por imersão como símbolo da
Os escritores eclesiásticos dos primeiros séculos esclarecem sobre a morte e ressurreição, citando Paulo em Rom. 6.3.
'orma do batismo na Igreja primitiva. Santo Inácio de Antioquia, na
:arta aos esmimenses (8.2) apenas determina que o batismo seja efetuado OBJEÇÕES À IMERSÃO COMO FORMA DE BATISMO
:empre em presença do bispo. Na carta a Policarpo (6.2), ele atribui ao As objeções mais freqüentes à imersão como forma de batismo na
)atismo a força de um escudo espiritual. A Didaqué, ao admitir a ablução Igreja primitiva são baseadas em inferências e podem ser resumidas a
:omo forma batismal (7.3), reconhece que essa prática deveria ser quatro: Primeira: A inexistência de água em Jerusalém para batizar 3.000

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I A 1\1';0' "",,6tH o Batismo

bssoas nodia de Pentecostes. O próprio NT, porém, fala de tanques perguntaram: "Grego, o que quer dizer a palavra batizar?" O sapatei-
/úblicos com alpendres, onde jazia grande multidão (10 5.2,3). ro pegou um pedaço de cortiça, enfiou-o no fundo da lata de água
legundo J. Jeremias, havia outras piscinas públicas em Jerusalém. que tinha à sua frente sobre a mesinha de trabalho imergindo-o
~ão seria necessário caminhar até algum ribeiro, lagoa ou represa completamente e disse: "É fazer assim". Ele sabia o grego,
ora da cidade, como fiz inúmeras vezes quando batizei em igrejas
lue não possuíam batistérios. Segunda: A objeção de que seria
2. SIGNIFICADOS
mpossível imergir 3.000 pessoas em um dia só, no dia de Pentecostes.
~sse argumento tem sido derrubado pela realização de batismos de SACRAMENTALISTA. Crê que o batismo é um ato sagrado que confere
nais de 10.000 pessoas, em poucas horas, em passado recente, na a graça de apagar o pecado original, removendo a culpa e regenerando o
:::oréia e em Angola. Terceira: O argumento de que o carcereiro de pecador independentemente da condição do batizador e da crença do
~ilipos e sua família não poderiam ser imersos à meia noite. Essa batizando, ou seja, ex opere operato. Atribui ao oficiante uma autoridade
)bjeção despreza o fato de que os batismos noturnos eram freqüentes sobrenatural e condiciona o direito à salvação ao batismo. Desse modo,
laqueIes tempos de perseguição, prática que persiste no 2° século, surge a aspersão como sendo indispensável, pois em muitos casos, airnersão
~onforme testemunho dos pais da Igreja. Hipólito de Roma, nas seria impossível. Essa posição decorre de outro sacramento - o das ordens
nstruções sobre o batismó declara que o rito deveria ter'lugar "Ao sacerdotais, que confere ao sacerdote poderes sobrenaturais.
:antar o galo", isto é, de madrugada. Quanto à inexistência de água PRÓ-SACRAMENTALISTA. Crê que há uma bênção especial no batis-
la prisão, seria infantil supor que não houvesse ali água suficiente mo, independente da sua forma, ainda que o batismo não seja essencial
)ara se encher um recipiente no qual as pessoas convertidas pudes- para a salvação. O batismo de criancinhas é um ritual pró-sacramentalista.
;em ser imersas. Abençoa o indivíduo apesar da impossibilidade da sua fé.
Resta a posição de Calvino (acima citada), que reconhece ter sido Passagens bíblicas nas quais pretendem basear-se as posições acima:
:limersão a forma de batismo da Igreja primitiva, mas entende que a Marcos 16.16 - "Quem crer efor batizado será salvo". O mesmo
forma não é importante. Com isso não concordam as igrejas batistas. texto informa que a base para a condenação não é não ser batizado, mas
Achamos que a forma é importante na medida em que o símbolo não crer, além de estabelecer uma ordem: primeiro a fé, depois o batismo.
ieve corresponder, na sua forma, à coisa simbolizada. Jesus não João 3.5, "nascerda água e do esp(rito". É evidente que Jesus não
nos mandou aspergir, mas batizar, ou seja: imergir. Só nos cumpre está falando do batismo, mas do "nascer de novo". Interpretar este
::>bedecer! Certa vez um grupo de crentes de várias denominações "nascer da água" como sendo o batismo é uma violência exegética. Pode
discutia sobre a forma de batismo. Um daqueles irmãos havia lido haver várias maneiras de entender "nascer da água", mas todas as
Jm opúsculo que afirmava ser a imersão uma prática desconhecida evidências contextuais vedam a idéia de que se trata do batismo, pois se
no Novo Testamento, inv~ntadapelos anabatistas e que.o batismo fosse o caso, o "nascer do espírito" teria que preceder o "nascer da
~ristão eqüivalia à circuncisão dos judeus. Chegaram à discussão do água" para validar o batismo. No texto grego - gennethe ex ydatos
;ignificado da palavra batismo. Havia ali perto um sapateiro de kai pneumatos "nascer da água e do espírito" - a conjunção kai
lacionalidade helênica, cujo apelido era Grego. "Vamos perguntar ("e") funde água e espírito em uma realidade única. Aí não temos
10 Grego o que significa batizar", disseram. Foram lá à sapataria e preposição nem artigo. A leitura literal seria "nascer de água-e-espírito",

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A Túnica Inconsútil o Batismo

Ique reforça a idéia de que Jesus está falando, não do batismo, mas da medida em que o salvo,já imerso em Jesus Cristo pelo Espírito Santo,
,ção do Espírito Santo na regeneração do pecador. A seqüência do é imerso em água em nome da Trindade. Veja W. T. Conner em
exto não comporta outra exegese. DOUTRINAS CRISTÃS.
Tito 3.5 - "nos salvou pela lavagem da regeneração e da 'renovação
lo Espírito Santo." A lavagem, aqui, -lytrou e nãobaptismos, é uma 3. CONDIÇÕES PARA SER BATIZADO
derência, não à lavagem do exterior, mas à purificação interior operada
)elo Espírito Santo na regeneração. Para que o batismo seja válido como batismo cristão, são indispensáveis
Atos 22.16 - "batiza-te e lava os teus pecados, invocando o nome dois pré-requisitos, nessa ordem: Regeneração pela fé pessoal em Jesus
Cristo, operada pelo Espírito Santo, e imersão. Pode haver a regene-
io Senhor". A lavagem dos pecados não resulta do batismo, mas do
ração, mas sem imersão, não haverá batismo. Pode haver imersão, mas
fnvocar o nome do Senhor, como Paulo proclama em Rm 10.13. O batismo
em água é testemunho e símbolo exterior do batismo interior efetuado sem regeneração pela fé, não haverá batismo cristão. Será um banho
exterior, sem correspondência na realidade interior. Os sacerdotes da
pelo Espírito Santo quando o pecador invoca o nome do Senhor.
Igreja Ortodoxa imergem criancinhas (eles sabem o grego!); as
A interpretação do batismo como sacramento anula a doutrina da testemunhas de Jeová praticam a imersão; os mórmons também. Essas
salvação pela graça mediante a fé e confere ao homem o poder que é imersões não são batismo cristão por não terem sido precedidas da fé
~xclusivo de Deus, mediante o sangue de Jesus: purificar pecados e
pessoal em Jesus como Salvador e Senhor. A imersão ("passar pelas
serar novas criaturas. águas") de uma pessoa que ainda não recebeu o batismo do Espírito
~ÍMBOLO E TESTEMUNHO. Em lPe 3.21 temos o batismo tomado Santo, também não é batismo bíblico porque "se alguém não tem o
~omo figura da salvação. Ao simbolizar a morte e ressurreição do Espírito de Cristo, esse tal não é dele" (Rm 8.9).
)atizando por sua fé na morte e ressurreição de Jesus (Rm 6.3-6), a
mersão na água e emersão da água celebram, ao mesmo tempo, a fé
4. AUTORIDADE PARA BATIZAR
lue salva o pecador, a graça de Cristo que opera a salvação e a
~sperança que antecipa a glória dos remidos. Assim, há um tríplice Não há prescrição bíblica de pré-requisitos quanto a quem está
;ignificado no batismo cristão: autorizado a batizar. No Novo Testamento vemos ministrando o batismo:
I. Há um significado histórico - a fé na morte e ressurreição de Jesus, apóstolos (tCor 1.14), evangelistas e diáconos (At 8.38), missionários,
;imbolizada pela imersão na água e emersão da água. (At 16.15,33), "alguns imiãos" (Al. 10.23,48).

~. Há um significado presente, transcendente - pela fé (demonstrada


5. ABRANGÊNCIA DO BATISMO
)elo batizando ao submeter-se ao batismo), foi sepultado o homem velho
~ surgiu uma nova natureza, que resulta em uma nova vida. O batismo é uma celebração da Igreja. Em que condições é aceito
\. Há um significado escatológico - ao emergir da água, o candidato por uma Igreja o batismo efetuado em outra Igreja? Podemos resumir
~stá demonstrando sua fé na ressurreição final, na esperança de "uma as diferentes posições sobre essa matéria em três versões.
lerança incorruptível e incontaminável reservada nos céus para Batismo ecumênico. Aceita-se qualquer forma de batismo praticado
'ós" (1 Pe 1.5). Todo esse riquíssimo significado só se torna real na em qualquer Igreja cristã, desde que tenha sido pronunciada a fórmula

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A Túnica Inconsútil o Batismo

"em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". A Igreja Católica aceita morte e o sepultamento do velho homem e a ressurrei-
aspersão ou imersão de qualquer Igreja cristã como batismo válido para ção para uma nova vida em identificação com a morte,
credenciar casamentos e outras formalidades, ou mesmo para fazer parte sepultamento e ressurreição do Senhor Jesus Cristo e
da paróquia. Já fui solicitado inúmeras vezes a fornecer certificados de também prenúncio da ressurreição dos remidos. (3) O
batismo ou simples declaração de batismo para ex-membros de igrejas batismo, que é condição para ser membro de uma Igreja,
nossas que desejavam submeter-se a outras cerimônias da Igreja Católica. deve ser ministrado sob a invocação no nome do Pai,
Batismo livre. Há Igrejas evangélicas que aceitam qualquer forma do Filho e do Espírito Santo. "
de batismo praticado em qualquer Igreja evangélica, não importa se a Cada Igreja é livre e soberana para assumir aposição que escolher, mas
pessoa recebeu o batismo quando criança ou na idade adulta, nem se as demais igrejas são igualmente livres e soberanas para aceitarem ou não
foi por imersão ou aspersão. tal posição. Porexemplo: Uma pessoa, batizadaem uma Igreja pentecostal
Batismo confessional. Há igrejas que só aceitam como válido o onde o batismo no Espírito Santo não é pré-requisito, é recebida por uma
batismo praticado na forma e dentro das doutrinas da mesma Igreja. Igreja Batista sem novo batismo. Posteriormente, essa pessoa pede
Essa é a posição da quase totalidade das igrejas batistas arroladas na transferênciaparaoutraIgrejaBatista. EstasegundaIgrejanão está obrigada
Convenção Batista Brasileira, que só aceitam como válido o batismo a aceitar a posição da Igreja anterior e pode exigir novo batismo. Se, por
ministrado por imersão em igrejas da mesma fé e ordem, tomando-se a outro lado, uma Igreja batista decidir aceitar como membros pessoas
filiação à mesma Convenção como medida prática e geral para aferir batizadas por aspersão, ou quando crianças, estará perdendo a sua
essa condição. Ao aprovar um modelo de estatuto a ser sugerido às identidade como Igreja Batista e quebrando a fraternidade doutrinária
igrejas contendo cláusulas garantidoras da identidade batista com as demais igrejas batistas. O batismo, como cremos, não salva, mas
neotestamentária, a Convenção Batista Carioca aprovou um artigo em a salvação real implica a obediência a tudo o que Jesus ordenou. Se Jesus
que, na recepção de membros por carta de transferência, deve constar ordenou imergir os que crêem, só nos resta obedecer. O afrouxamento
acláusula: "que tenham sido batizados em igrejas da mesma fé e ordem". doutrinário na prática das ordenanças, a começar pelo batismo, é a receita
Entre as igrejas imersionistas que aceitam o batismo por imersão seguraparaaperda da identidade de uma Igrejae, por via de conseqüência,
ministrado em outras denominações, há duas variantes: primeira - para a perda da relevância da sua mensagem e, finalmente, para o seu
igrejas que só aceitam como válido o batismo por imersão praticado declínio, como infelizmente temos visto acontecer.
em outras igrejas que, mesmo não sendo da mesma denominação, a batismo não é apenas um ato de confissão pessoal da fé em Jesus
sustentam as mesmas doutrinas, especialmente em relação à salvação através da qual o indivíduo nasceu de novo, mas tem também um cunho
e ao significado do batismo. Segunda: igrejas que aceitam como válido social como iniciação eclesiástica. Pela fé, a pessoa ingressa no Reino
o batismo por imersão praticado em outras igrejas evangélicas, mesmo de Deus. Pelo batismo, os que já estão no Reino de Jesus passam a
que professem outras doutrinas.
fazer parte da Igreja visível. Por essa razão, quem decide ás condições
A declaração doutrinária da Convenção Batista Brasileiradiz: para o batismo e aceita cada professando é a Igreja coletivamente e não
"(1) O batismo consiste na imersão do crente em água, o pastor pessoalmente. A Igreja pode delegar poderes a um grupo de
após sua pública profissão de fé em Jesus Cristo como irmãos para ouvir profissões de fé e autorizar o batismo em locais onde
Salvador único, suficiente e pessoal; (2) Simboliza a seja impossível reunir a sua assembléia deliberativa.

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A Túnica Inconsútil o Batismo

6. BATISMO INFANTIL diga em relação ao caso de Comélio. O texto diz que Pedro, aojustificar-
Os argumentos em favor do batismo de criancinhas são insustentáveis se perante a Igreja por ter batizado o oficial romano, declarou:
diante de uma simples leitura dos textos. A fé é exigida como condição "Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós quando havemos
prévia, acompanhada de arrependimento (Mc 16.16). O significado do crido no Senhor Jesus Cristo... " O texto não menciona a presença de
batismo é regeneração mediante a fé, virtude que não pode ser passada infantes e diz claramente que os batizados de Cesaréia creram para
por procuração de quem ainda não sabe discernir entre a sua mão poderem receber o mesmo dom concedido aos crentes de Jerusalém.
esquerda e a direita. Romanos 6.17 diz aos que foram batizados: Se o que se procura são inf~rências, é mais natural supor que o carcereiro,
"obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entre- Lídia e Comélio, pelas funções que ocupavam, já não estariam em idade
gues ", o que exclui criancinhas. Os pecados originais são apagados de ter bebezinhos em casa. Ezequiel 18 ensina que o filho não leva a
pelo sangue de Cristo mediante a fé, não pela água cerimonial do culpa do pai. Cada pessoa será julgada por Deus pelo seu próprio
pecado. Cada pessoa, portanto, tem que se arrepender do seu próprio
batismo. Em Atos 2.38, tanto o batismo quanto o perdão dos pecados
pecado para ser regenerada. Por isso Jesus disse que das criancinhas é
são resultados de "arrependei-vos". É evidente, por todos os motivos,
o Reino do céu. Elas não têm pecado. Não precisam se arrepender e
que o batismo cristão nada tem a ver com a circuncisão, em vista do
crer. Não precisam ser batizadas.
tratamento que a circuncisão tem em Atos e nas epístolas paulinas. O
batismo cristão (imersão em água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Já que, para ser membro da igreja local é indispensável ser batizado
Santo) é o testemunho público da regeneração, morte e novo nascimento. mediante profissão de fé em Jesus como Salvador, as igrejas batistas
A circuncisão (uma incisão na carne à qual só os bebês do sexo masculino não podem aceitar como membros, nem pessoas imersas mas não salvas,
podiam ser submetidos) era o símbolo da aliança de Deus com Abraão nem pessoas salvas, mas não imersas. Batizar por aspersão enfermos
na formação do povo escolhido. Obviamente, não poderia ser exigido que não podem ser imersos, não é batizá-los. É falsa misericórdia, além
qualquer ato de fé por parte do bebê como condição prévia para a de ser uma desonestidade, que decorre da idéia sacramentalista do
circuncisão. O batismo cristão não é a versão neotestamentária da circun- batismo, que subjaz na mente de muitos crentes oriundos do catolicismo.
cisão. Paulo declara enfaticamente que "em Cristo Jesus nem a circun- A Igreja dos apóstolos atribui ao batismo um extraordinário e
cisão nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma inovador significado, proporcional ao da própria experiência de fé em
nova criatura" (G16.15). Para um homem entrar para o povo de Deus Jesus, mas isso não quer dizer que creditassem ao batismo um poder
no Velho Testamento, bastava ser circuncidadado. Para entrar para o terapêutico ou soterológico que Jesus não lhe atribuiu, pois embora
povo de Deus no Novo Testamento, não basta o batismo. Homens e curando enfermos e salvado almas, Jesus mesmo não batizava.
mulheres são batizados como testemunho de sua morte e réssurreição Sendo o batismo um testemunho da fé, esta sim, condição
pela fé em Jesus. A alegação de que o carcereiro de Filipos foi batizado indispensável para se entrar no Reino espiritual de Cristo, torna-se
"com toda a sua casa" ou "com todos os seus" como justificativa também condição para ser membro da Igreja, que se compõe de
para o batismo infantil, peca mortalmente por dois motivos: Primeiro, o pessoas regeneradas pela fé e batizadas segundo as Escrituras. Desse
texto não diz que havia infantes na casa do carcereiro. Segundo: No modo, ser biblicamente batizado (forma e conteúdo) torna-se pré-
versículo seguinte se diz que o carcereiro "alegrou-se muito com toda requisito para participar da Ceia do Senhor, celebração da Igreja,
a sua casa, por ter crido em Deus", o que exclui infantes. O mesmo se proclamatória da morte de Cristo.

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CAPÍTULO 6

A CEIA DO SENHOR
1. ORIGEM DA CEIA NA CELEBRAÇÃO DA PÁSCOA
Uma celebração cristã nasce, em sua forma e conteúdo significativo,
de uma celebração judaica. Nada a estranhar, uma vez que o mesmo
Deus dos hebreus é o Deus dos cristãos, toda a teologia do Novo
Testamento está baseada na Lei e nos profetas do Velho Testamento,
Jesus erajudeu, seus primeiros discípulos eram judeus, "a salvação
vem dos judeus" (João 4.22) e toda a Páscoa é um anúncio profético
do Evangelho. A Ceia do Senhor cumpre a profecia contida na Páscoa
dos judeus mas o seu significado vai além, na medida em que Jesus é
mediador de uma Aliança superior à Aliança da Lei mosaica (Hb
8.6; 9.11). Na refeição anual da Páscoa, os judeus alimentavam sua
esperança messiânica conservando, à mesa, uma taça a mais,
reservada para o Messias, "para a eventualidade de ele chegar
naquela noite para realizar a libertação tipologicamente prenunciada
pelo Êxodo." "Pode ter sido este mesmo cálice que Jesus tomou na
instituição do novo rito, indicando que agora o Messias estava
presente para festejar com o seu povo" (EHTIC, Vol. I, Pago 263).
O artigo definido precedendo a palavra cálice, no texto de 1Cor
11.25 - to potérion, "o cálice" acrescido do pronome demons-
trativo outos no acusativo, "este mesmo" parece indicar que se
tratava de um cálice especial, ou com uma finalidade especial. Se
essa linguagem não comprova a tradição judaica do cálice para o
Messias, com certeza indica que, para Jesus, o cálice que ele tomou
A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

nas mãos tinha um significado muito particular. Era o "Cálice da 4. PÁSCOA - A Páscoa indicava o começo de Israel como nação
Nova Aliança". messiânica sacerdotal (Êx 19.6).
Há riquíssimos elementos comuns entre a Páscoa dos judeus e a Ceia CEIA - A Ceia do Senhor evoca o momento em que Jesus dá começo
do Senhor. à sua Igreja ao dar-se a si mesmo em sua redenção.
A PÁSCOA E A CEIA DO SENHOR 5. PÁSCOA - Há um claro sentido comunitário no ato de cada famI1ia
convidar os vizinhos para compartilharem do cordeiro pascal e dos pães
1. PÁSCOA - Os eventos centrais da Páscoa eram o sacrifício de um ázimos (Êx 12.4). Todos teriam que iniciar e continuar a marcha juntos.
cordeiro como sinal da expiação e o repartir dos pães ázimos como
CEIA· A celebração da C~ia do Senhor traduz um forte sentido social
sinal da libertação. Os israefitas eram tão pecadores quanto os egípcios,
na base da unidade da fé em Jesus como Senhor e Salvador.
mas foram poupados da morte através da fé no sangue propiciatório
de um cordeiro, tomado como holocausto profético (Êx 12.13). 6. PÁSCOA - A Páscoa era a celebração de uma esperança futura - da
terra prometida (Êx 12.25) e do Reino Messiânico (EHTIC - Vol I,
CEIA· O sangue do Cordeiro de Deus, simbolizado no vinho, derra-
Pag.263).
mado na cruz para a expiação do pecado da humanidade (Lc 22.19)
por dádiva graciosa de Deus, juntamente com o partir do pão, é o centro CEIA - A Ceia do Senhor tem expressivo conteúdo escatológico, pois
da celebração da Ceia do Senhor. é também o sinal e uma celebração da esperança da volta do Senhor
(1 Co 11.26) "Até que ele venha".
2. PÁSCOA - O partir do pão (ázimo) como símbolo da presença
libertadora de JHVH (Êx 12.27), era também um sinal de arrepen- Apesar de toda essa semelhança, a Ceia do Senhor não é a Páscoa
dimento e quebrantamento. dos cristãos. A páscoa, celebração judaica, termina no seu pleno
cumprimento no Calvário. Passou! A Ceia do Senhor é um anúncio da
CEIA - O partir do pão como sinal de comunhão (1 Cor 10.16), tem o
morte de Jesus Cristo, o sangue de uma nova e perfeita aliança.
sentido evidente de tipificar o quebrantamento do corpo de Cristo em
lugar dos pecadores - "este é o meu corpo, aquele que é partido
(dado) por vós". A preposição hyper ("por", "sobre") aqui, significa 2. SIGNIFICADO TEO~ÓGICODA CEIA DO SENHOR
"em favor de". O Cordeiro de Deus ofereceu o seu corpo volun- Como o batismo, a Ceia do Senhor comporta um tríplice significado.
tariamente para ser morto na cruz em favor do homem, para resgatá-lo
A lembrança da morte que traz vida. Lembrança que celebra o
da culpa do pecado. A partição do corpo de Jesus não está representada
presente de um evento pretérito. A morte de Jesus não é apenas um fa-
no ato de se mastigar o pão, mas no ato de se partir o pão a ser oferecido
to para ser recordado, não é somente um acontecimento do passado
aos celebrantes para que dele comam.
que traz benefícios no presente, como se fosse uma vacina eficaz no
3. PÁSCOA - A Páscoa deveria ser celebrada como memorial da presente, mas cujo inventor já houvesse morrido. Jesus morreu para
libertação (êxodo) de Israel (Êx 12.14). vencer a morte. Ele vive! A "memória" de Cristo não é história mor-
CEIA· A Ceia do Senhor é celebrada como memorial da libertação ta, mas é uma lembrança viva. A Ceia anuncia a morte de Jesus, que
(êxodo) da Igreja (Hb 13.14; João 8.36). vive e está presente pelo seu Espírito em nosso espírito. Anunciar a

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A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

morte do Senhor é celebrar a sua vida. Anuncia-se a sua morte porque é do cálice é assumir um compromisso de preservar as doutrinas, manter
através da morte de Jesus, que podemos obter a vida eterna! Não faria acesa a chama da esperança, aceitar o pacto de permitir a santificação
sentido usar pão e vinho, símbolos da vida, para recordar a morte de da sua vida para servir a Cristo. É muito significativa a declaração do
Cristo se, através da sua morte, não nos desse ele a vida. Cristo é a vida meticuloso historiador Lucas em Atos 2.46: "E perseveravam na
e ele nos dá a vida eterna através da sua morte. "Quem tem o Filho, tem doutrina dos apóstolos, ena comunhão, e no partir dó pão e nas
a vida" (1105.12). "Em m~mória de mim" - é, pois, uma ~xortação à orações." A Ceia do Senhor tem um real significado de comunhão
vida, à alegria da vitória sobre a morte, nos termos da doxologia de Ap espiritual. Não se trata de um piquenique de confratemização. Para que
1.18: "fui morto, mas eis aqui estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenhamos a sua exata compreensão, é indispensável que ela expresse os
tenho as chaves da morte e do hades". Em muitas igrejas, porém, a três elementos aqui indicados:
Ceia é celebrada como se fosse um ofício fúnebre, sem alegria, sem grito I. Perseverar na doutrina dos apóstolos. Sem essa correta definição,
de vitória. Não devemos confundir solenidade com luto. Jesus Cristo está correríamos o risco de confundir as doutrinas e acabaríamos por
vivo. Nele temos a vitória sobre a morte. dividir o cálice do Senhor com o cálice dos demônios (l Cor 10.21).
Há um sentido positivo no substantivoanamnésis ("memória"), a A perseverança na doutrina dos apóstolos determina o pleno
indicar que não se trata tanto de o celebrante lembrar-se da morte de conhecimento do significado da comunhão, da Ceia do Senhor e das
Jesus, quanto de fazer real, atual, viva em seu viver, a presença do orações na Igreja.
Senhor. "Quando o homem se lembra de Deus, deixa que seu ser e suas 2. Perseverar na comunhão, gr. koinonia - que é muito mais do que
ações sejam determinados por Ele" (B. S. Childs, citado em DTNT solidariedade de grupo, é a dádiva de si mesmo pelo amor agape, a
Vol. 1I1 Pago 56). Não é o caso de apenas não nos esquecermos, pois essência do caráter de Deus. É o amor em ação.
anamnesis tem o sentido de uma lembrança ativa (lembrar-se e agir
3. Perseverar nas orações. O "partir do pão " NÃO É um acontecimento
em conseqüência). JHVH se lembra ativamente do seu pacto com o seu
soci<xultural, mas um evento espiritual, de forte expressão teológica. Sem
povo (Sllü5.8; 106.45; 111.5). O pão partido e o cálice derramado
oração e verdadeirapiedade, ninguém pode captaro verdadeiro significado
são muito mais símbolos da memória graciosa de Cristo por nós, do que
do partir do pão e o repartir do cálice do Senhor. Sem a comunhão vertical
da nossa recordação da sua morte.
com Deus, em oração perseverante, a comunhão horizontal, com a igreja
Veja em Lev 24.7, a possível fonte da idéia de "pão memorial": "E transforma-se em gesto de simples amizade - filia, ou em um
sobre cada fileira porás incenso puro, que será para o pão por oferta sentimentalismo piegas, desfigurado da sua verdadeira natureza A Igreja
memorial,' oferta queimada é ao Senhor". de Atos 2perseverava na sã doutrina, na comunhão de amor e nas orações
A lembrança que torna comum um sentimento individual. Há de profunda e verdadeira piedade. Só assim podia perseverar no "partir
um claro sentido de solidariedade e compromisso na Ceia do Senhor. do pão ". A Ceia é lembrança, é memorial, mas não é possível ao cristão
Lembra-nos, de modo eloqüente, tão eloqüente como nos pode ser o lembrar-se de Cristo sem se esquecer de si mesmo. Somente quando o
sangue do nosso Salvador, que somos parte de um corpo. Os celebrante se esquece de si mesmo, das suas idéias próprias, dos seus
celebrantes devem sentir que a presença de Cristo faz com que cada sentimentos impermeados pela verdade e pelo amor de Deus, é que está
um deles seja parte do mesmo pão, todos da mesma natureza espiritual, apto para ter uma verdadeiraanamnesis de Jesus e, desse modo, ter
como cada pedaço de pão no prato oferecido. Comer do pão e beber comunhão espiritual com os irmãos "no partir do pão".

88 89
A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

A lembrança que antecipa, no presente, um evento futuro (1 Cor por ele que o desejo da su~ volta não seja apenas uma fria declaração
11.26). Devemos continuar celebrando a Ceia do Senhor "até que ele de fé expressa em nossa liturgia, mas se tome uma paixão ?ominante
venha". Essa expressão nos dá o entendimento de que, ainda que não em nosso viver diário e determine o nosso estilo de vida. E oportuno
possamos saber quando será, a volta de Jesus é certa, e uma prova de lembrar que a nossa ansiedade pela volta de alguém que partiu e que vai
que esperamos a sua vinda por causa do amor que lhe devotamos é chegar, será sempre diretamente proporcional ao nosso amor por essa
repartir o pão e o cálice juntos e unidos na mesma esperança. O Cristo, pessoa. Esse "ardor de fé" pela volta de Cristo determina a nossa ma-
presente na Ceia pelo seu Espírito, antecipa o Reino em sua glória futura. neira de viver e de testemunhar, toma viva e real em nós a esperança,
Assim como o batismo, a ordenança positiva da Ceia tem um forte antecipa a glória. A declaração de Jesus" em memória de mim" significa
significado escatológico. No céu não haverá comida nem bebida, pois também: "guardem ativamente na memória que eu voltarei", exor-
os corpos celestiais, de uma nova natureza gloriosa, independem dos tação, aliás, muito freqüente nas parábolas e nos ensinos discursivos de
alimentos da terra para ali poderem viver. Há, porém, uma viva analogia Jesus. A Ceia é uma celebração de esperança, pois nos antecipa a glória,
entre os alimentos da Ceia e o "alimento" espiritual que sustentará os pela presença de Jesus em nós através do Espírito Santo.
corpos espirituais dos remidos na glória. Nada sabemos, nem é preciso
saber, sobre a natureza do fruto da "árvore da vida que está no meio 3. INTERPRETAÇÕES DOS ELEMENTOS
do jardim no Paraíso de Deus" (Ap 2.7). Quando o texto diz que no DA CEIA DO SENHOR
céu, os remidos "nunca mais terão fome nem sede, " (Ap 7.16), não
está informando que os corpos celestiais não precisam de alimento, mas SACRAMENTALISMO
está dizendo que o "novo pão", seja qual for a sua natureza,jamais
faltará. Kainon, "novo" em Mt 26.29 é acusativo, não genitivo. Não "No Sacramento da Ssma. Eucaristia' estão contidos verdadei-
significa beber de novo, outra vez, do mesmo "fruto da vide", mas de ramente, realmente e substancialmente o corpo e o sangue simul-
uma nova natureza de bebida, ou "de uma nova maneira", como traduz taneamente com a alma e a divindade de N. S. Jesus Cristo, e, pois,
Yeager. Almeida traduz "até aquele dia em que o beba de novo todo o Cristo e não apenas em símbolo, figura ou eficácia".
convosco no reino de meu Pai", enquanto VR traz "até aquele dia Essa declaração do dogma católico citada pelo Novo Catecismo
em que convosco o beba novo, no reino de meu Pai", o que está editado pela HERDER, editora oficial da Igreja de Roma, explica a
bem mais perto do grego. Kainos é "novo", no sentido de uma nova doutrina da transubstanciação. Todo o católico é ensinado a crer que a
natureza não existente anteriormente. Haverá umnovo alimento dado hóstia, uma vez consagrada pelo sacerdote, transforma-se no corpo
por Deus aos remidos, para que eles possam habitar o novo -kainon - real de Jesus Cristo. Os pretensos fundamentos bíblicos para essa
céu e a nova - kainen - terra (Ap 21.1). Cada vez que celebramos a doutrina estão em João 6.52 a 56. Nos versos. 54,55, Jesus diz: "Quem
Ceia do Senhor, devemos nos transportar, em nosso espírito, à Glória come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o
do céu. Devemos orar com a igreja de Apocalipse: "Amém; vem, ressuscitarei no último dia; porque a minha carne verdadeiramente é
Senhor Jesus" (22.20). comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida". É óbvio que
A memória do que Cristo fez ao derrotar a morte por nós pela dádiva Jesus está, aqui, usando de uma metáfora, como fez em outras ocasiões,
de si mesmo na cruz deve incendiar em nosso coração um arriar tão vivo quando disse, por exemplo: "Eu sou a luz do mundo", "eu sou a porta", etc.

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A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

:::aso pairasse qualquer dúvida sobre se as palavras de Jesus, nesse texto, o outro texto é Mt 26.26 "Tornai, comei, isto é o meu corpo". A
ievessem serinterpretadas literal ou figuradamente, opróprioJesus esclarece, simples leitura gramatical derruba a idéia da transubstanciação. O que
10 mesmo capítulo, v. 63: "O espírito é oque vivifica; a carne para nada Jesus dá a comer não é o seu corpo, mas pão. Não houve transubstan-
lproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e são vida. " ciação. O pão continuou sendo pão, não apenas na aparência, mas em
substância e foi tomado pela igreja como símbolo do corpo de Cristo.
No relato paralelo de 1Cor 11, é evidente que a igreja continuava
comendo pão como send~ pão e não a carne de Jesus. ~o verso 24,
Paulo declara que Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e disse
CEIA DO SENHOR-J!'lTERPRETAçõFS DO SIGNIHCADO "Tornai, comei, isto é o meu corpo" - literalmente: "este é o meu

~ª~~
corpo". Logo a seguir, nos versos 26 e 27, ao se referir ao pão, a

OX2. Consubstanciação. Lutero apartnda do pão.


linguagem de Paulo não deixa a mínima dúvida sobre o que é que Jesus
entregou aos discípulos e como aIgreja interpretou as palavras do Mestre:
V. 26 - "Porque todas as vezes que comerdes este pão - ton arton
touton - (o pão este, o mesmo pão). No verso 27 Paulo repete: "Qual-
quer que comer do pão". A Igreja dos apóstolos não comia o pão
Presença real pensando que estivesse mastigando o corpo de Jesus.
simult:lnea das A respeito do pão, Jesus diz: "Tornai e comei". Ao entregar o cálice,
+ subsdncias do ele diz: "bebei dele todos" (Mt 26.27). O oficiante católico, no entanto,
pão c do
Corpo de Cristo.
distribui o pão com todos, mas reserva ovinho para si. O vinho é negado,
alega-se, para que não aconteça ser derramado pelo chão o sangue de
3. Presença Mística - Calvino
Cristo.
o pão perm:lnece Teofagia é culto pagão, nunca culto cristão. Comer o alimento dos
inalterado, havendo
uma presença
deuses ou comer alimentos que representem as divindades, oferecer
eficaz de Cristo . alimentos aos deuses ou aos mortos, são elementos constantes nas
no pão. religiões naturais, como podemos ver nas esquinas do Rio de Janeiro
4. Símbolo Memorial - Zwínglio toda sexta feira ou nos cemitérios japoneses. Na base da teofagia
está a crença de que, comendo o alimento dos deuses, o cultuante
Pão e vinho são
símbolos para adquire os poderes da divindade cultuada. É evidente que não é
memória do esse o conteúdo teológico da Ceia do Senhor. A transubstanciação
Corpo e do Sangue começou a penetrar na igreja no Sec IX, através de Pascácio Radbert.
de Jesus Após renhidos combates, em 1215, o concílio de Latrão aprovou o
dogma. A transubstanciação é reconhecida como um ato de propici-
ação real, pela repetição do ato vicário de Jesus na cruz, uma vez que o

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A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

pão e o vinho são transformados no corpo e no sangue de Jesus para estabeleceu como princípio norteador da sua pregação, a base exclusiva
serem de novo oferecidos. Por serem o corpo e o sangue de Jesus, os das Escrituras Sagradas como norma de doutrina. Partindo desse
elementos da eucaristia, para a Igreja Católica, são objeto de adoração, princípio, preparou 67 artigos de fé, nos quais afirmava o caráter
o que configura idolatria. simbólico e memorial do. pão e do vinho da Ceia do S~nhor, como
CONSUBSTANCIAÇÃO. ensina o Novo Testamento, ou seja: repudiava a transubstanciação católica
e a consubstanciação de Lutero e tampouco aceitava a "Presença
É a posição de Martinho Lutero, que repudiava a idéia da transubs- Mística" da fórmula calvinista. Zwínglio não foi totalmente aceito na
tanciação, mas não quis deixar de atribuir um poder sacramental aos própria Suíça. Em muitos cantões houve resistência às suas teses anti-
elementos da Ceia. Tentando conciliar a sua posição reformada com o sacramentalistas, mas as suas idéias foram ganhando corpo em outros
conteúdo sacramentalista, difícil de en'adicar da mente humana como se grupos do seu tempo e posteriormente entre os batistas, bem como em
pode ver nos resquícios sacramentalistas de muitos cristãos evangélicos todas as igrejas que buscavam exclusivamente nas fontes bíblicas as
mesmo hoje em dia, criou essa explicação intermediária. A consubs- suas doutrinas.
tanciação admite a presença simultânea das substâncias do pão e do Corpo
de Cristo no mesmo elemento. O pão continua sendo pão em forma e
3. ABRANGÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO NA CEIA DO SENHOR
substância, mas junto com o pão, impregnando o pão, está a substância
do corpo de Cristo simultaneamente. Há pelo menos quatro maneiras, com algumas variantes, aceitas como
limitação de quem pode participar da Ceia do Senhor.
PRESENÇA MÍSTICA
CEIA UNIVERSAL. Qualquer pessoa presente pode participar, não
João Calvino foi um pouco mais longe do que Martinho Lutero no importa a sua religião. Par:te-se do pressuposto de que o p~o e o vinho
repúdio à heresia da transubstanciação e elaborou o conceito chamado são elementos sagrados que abençoam a qualquer pessoa que deles
"Presença Mística", segundà o qual, há uma presença espiritual benéfica coma e beba, não importa se tal pessoa crê ou não no que o pão e o
de Cristo no pão abençoado da Ceia. vinho representam.
O pão passa a ter um valor espiritual intrínseco, não pela presença CEIA LIVRE. Admite participação de todos os evangélicos. A Ceia é
física de Jesus trans ou consubstanciaI mente, mas por sua presença tomada como um ato de comunhão fraternal entre irmãos evangélicos,
mística, espiritual. A Ceia é chamada de "Santa Ceia" porque o pão e o não se levando em conta a forma de batismo nem qualquer outro pré-
vinho são santos devido à presença eficaz de Jesus nos próprios requisito, nem mesmo o significado da Ceia, bastando que alguém seja
elementos. O pão permanece inalterado, mas ao comê-lo o participante membro de uma igreja evangélica para participar.
recebe uma bênção espiritual. Essa forma de entender o significado da CEIA RESTRITA. Só admite a participação de membros de igrejas da
Ceia é encontrada na maioria das igrejas evangélicas e pentecostais. mesma fé e ordem, sendo a forma prática de reconhecê-lo, o fato de
SÍMBOLO MEMORIAL pertencerem a igrejas da mesma denominação. Muitas igrejas consideram
a Ceia uma celebração da igreja local, admitindo-se à mesa, como
O refonnador suiço Zwínglio, (Huldreich Zwingli), grandemente influen- participantes, membros de outras igrejas da mesma fé e ordem, por
ciado pela obra de Erasmo de Roterdan, com quem se correspondia, uma questão de cortesia fraternal.

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A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

EIA ULTRA RESTRITA. Só admite a participação dos membros da tal: "Quando vos ajuntais na Igreja" (1Cor 11:18) e não da Igreja
greja local celebrante. universal. Sendo uma celebração da Igreja visível, a Ceia só pode acontecer
A quase totalidade das igrejas batistas filiadas à Convenção Batista dentro dos princípios e doutrinas da mesma Igreja. A Declaração
rasileira adota, historicamente, a Ceia Restrita como prática, ainda Doutrinária da CBB não é omissa a respeito, pois estabelece como
ue nem sempre bem compreendida. princípios: A Ceia é uma celebração da Igreja. Igreja é a reunião dos
crentes salvos e biblicamente batizados. O batismo bíblico é a imersão
A Ceia universal (todos recebem o pão e o vinho ou apenas o pão,
não importa a religião a que pertençam) e a Ceia livre (qualquer cristão dos que professam a sua fé em Jesus.
evangélico pode participar) são práticas que partem de alguns erros Salvos mas não imersos ou imersos mas não salvos, portanto, não
básicos: cumprem a condição prévia indispensável para participar da Ceia em uma
Igreja Batista, por não terem professado a sua fé em Jesus Cristo
Primeiro: A crença de que há uma bênção inerente no pão e no vinho,
ou seja: o pão e o vinho da Ceia são elementos que têm poder para como Salvador através do batismo bíblico.
abençoar aos que deles participam. Mesmo não aceitando a doutrina Terceiro: A interpretação da Ceia do Senhor como uma celebração
católica da transubstanciação, nem a consubstanciação luterana, social e não como um memorial e proclamação da morte de Cristo.
muitas denominações evangélicas não conseguiram se livrar totalmente A interpretação do significado da Ceia do Senhor não está sujeita a
da idéia de uma "bênção inerente" ou "presença mística" de Cristo nos opiniões e sentimentos pessoais, mas está claramente definida no
elementos da Ceia, o que eqüivale a atribuir ao pão e ao vinho um caráter texto bíblico. Ao citar as palavras de Jesus, "em memória de mim",
sacramentalista. Para esse~ irmãos, negar o pão é negar um objeto Paulo esclarece o seu significado no parágrafo imediato: "Porque
sagrado que abençoa a quem dele come, portanto, é falta dé amor. Daí todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice,
o uso da expressão "Santa Ceia". A Ceia pode ser chamada santa por anunciais a morte do Senhor, até que venha" (teor 11.25). A
causa da presença do Espírito Santo na alma dos celebrantes e pela comunhão fraternal entre os salvos é resultado da correta
evocação do corpo e do sangue de Cristo, santificados para a nossa interpretação do significado do pão e do vinho ou seja, da eficácia
redenção, não por serem santos o pão e o vinho. A base da idolatria é da morte expiatória de Jesus na cruz e do derramamento do seu
atribuição de poder espiritual a objetos materiais. Os elementos da Ceia sangue para a remissão dos nossos pecados. Nossos sentimentos
não conferem graça. A bênção está naquilo que eles simbolizam: o corpo não podem deixar de lado a verdade revelada, que é o fator eficaz
e o sangue de Jesus dados por nossa redenção. para produzir verdadeira comunhão entre irmãos. Sem a eficácia da
Segundo: A confusão dos conceitos de Igreja universal e Igreja local. expiação dos nossos pecados por Cristo na cruz, a comunhão cristã
A Ceia do Senhor não é uma celebração da Igreja universal, espiritual, se toma uma comunhão apenas social, em vez de ser uma comunhão
invisível, transcendente, que abrange todos os salvos, de todas as no Espírito de Cristo. Não pode haver verdadeira comunhão fraternal,
! denominações do mundo. A Ceia é uma celebração da Igreja visível, horizontal, sem a comunhão vertical de uma experiência fundada na
concreta, local e definida em termos imanentes, uma vez que comer pão verdade revelada em Cristo. Se os celebrantes não estiverem de
e beber vinho são fatos concretos, que se verificam historicamente, e acordo em relação ao significado do pão e do vinh0 1 não estará
não realidades abstratas. ~spírito não come pão nem bebe vinho! A havendo comunhão. Para o batista, por exemplo, o pão e o vinho são
referência de Paulo à Ceia é de uma celebração da Igreja reunida como símbolos memoriais; para o católico é a própria substância do corpo de

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A Túnica Inconsútil A Ceia do Senhor

Cristo; para o luterano, uma consubstanciação, um sacramento; para denominações que adotam a Ceia restrita não terão uma mesa separad,a,
outros evangélicos, um objeto de valor espiritual, um meio de receber indicam duas ignorâncias cumulativas: primeira, a de que no ceu
graça devido à presença mística de Jesus nos elementos. Se cada não há denominações. Segunda: No céu não há Ceia. A celebração será
celebrante interpreta de uma forma diferente o significado essencial do apenas "até que ele venha." Amar e respeitar os .am~dos irm~o~ .de
pão e do vinho, não está havendo comunhão espiritual. Em Atos 2.42, outras denominações não exige o descarte de convIcçoes doutnnanas
vemos que tanto a comunhão quanto o "partir do pão" e as orações nem deles nem nossas. Quem ama, respeita as convicções da pessoa
tinham como base a doutrina dos apóstolos. amada. A unidade espiritual dos salvos não anula a diversidade de
Quarto: A liberdade individual levada ao extremo do liberalismo para interpretações das doutrinas bíblicas e as diferenças de interpretação
a prática do erro. Em 1Cor 11.28 Paulo determina que "Examine-se não anulam a sua unidade espiritual.
pois o homem a si mesmo e assim coma deste pão e beba deste Há, ainda, outraquestão relevante a serdestacada: a disciplina eclesi~tica
cálice. "O critério para esse auto-exame vem logo no verso seguinte: Os crentes que advogam a Ceia livre estão sujeitos a transformar a ~eta~o
"Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para a sua Senhor em uma verdadeira res nullio (coisa de ninguém), pois há Igrejas
própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor." Cada evangélicas que aceitam como membros, sem problemas, casais ilegítimos,
pessoa deve examinar-se a si mesma para ver se está comendo e bebendo portadores de vícios como fumo, bebidas alcoólicas, etc. e ess~ pessoas,
da Ceia dando-lhe o seu verdadeiro significado. Não discernir o corpo na Ceia livre, terão assento à Mesa do Senhor em uma Igreja onde se
de Jesus, o que toma juridicamente inválida (indigna) a participação na adotam princípios bíblicos de disciplina, gerando confusão, quebra da
Ceia (verso 29) é não dar aos elementos da Ceia o seu verdadeiro identidade espiritual e, como conseqüência, perda do poder da mensage.m
significado como memorial da morte expiatória de Jesus. O auto-exame a ser transmitida para o mundo. Não confundir amor cristão com covardIa,
proposto por Paulo não dá o direito de cada participante interpretar o nem com transigência com o pecado. "Mas agora vos escrevo que não
significado do pão e do vinho a seu bel prazer, nem de cada indivíduo vos comuniqueis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou
presente determinar se pode comer o pão e beber do cálice. O critério avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador;
para o auto-exame proposto no verso 28 está no verso 29 e não na com esse tal, nem sequer comais" (ICor 5.11). Não procede a réplica
interpretação particular de cada um. O auto-exame não é um cheque em de que, desse modo, muitos membros da própria Igreja estarão fora da
branco, como quer McAlister no livro PRESENÇA REAL. O candidato comunhão, pois para com os seus próprios membros, a Igreja exerce a
a motorista deve fazer um auto-exame para saber se está apto a prestar a disciplina conforme os princípios éticos que adota, o que não pode fazer
prova, mas isso não lhe dá o direito de pegar um carro e sair dirigindo. Há com membros de outras igrejas. A história ensina que sempre que uma
leis, há critérios, a sociedade é que vai lhe dar o direito de dirigir, através Igreja perde a sua identidade, perde a força da sua mensagem e ent~a em
de um examinador. Qualquer inconverso presente ao ato da celebração declínio. O mundo em constantes transformações está confuso e precIsa de
da Ceia pode se achar em condições de participar. Isso lhe dá o direito ao uma mensagem claramenté definida, defendida com coragem, como em
pão e ao vinho? Deixar a seu critério é faltar com a misericórdia, porque Atos dos Apóstolos. Amemos nossos irmãos de outras denominações,
ele estará comendo e bebendo para agravar a sua condenação, jamais remidos como nós por Jesus, demonstremos o nosso amor defendendo o
podendo alegar inocência no tribunal de Deus. seu direito de crerconforme a suaconsciência, estejamos unidos em sincero
Os argumentos em favor da Ceia livre alegando que no céu as amor em todos os empreendimentos evangelísticos,missionários, educa-

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A Túnica Inconsútil
A Ceia do Senhor

cionais, beneficentes, políticos, sem que jamais qualquer um de nós tenha


6. AUTORIDADE PARA PRESIDIRA CELEBRAÇÃO
que renunciar à sua própria herança de fé.
Os sentimentos dominantes na celebração da Ceiado Senhor devem ser Não há qualquer previsão no Novo Testamento, quanto à autoridade
de vitória e de alegria. Deve ser uma celebração solene, espiritual, edificante celebrante da Ceia do Senhor. As prescrições bíblicas se referem
como testemunho da morte e da ressurreição de Jesus, eventos históricos apenas à significação do evento,e às condições espirituais dos participa-
que nos trazem redenção e esperança. ntes. Tem sido considerada uma prática prudente e criteriosa, nos países
onde as igrejas já estão estabelecidas, que a celebração da Ceia seja
presidida pelos pastores e co-celebrada por diáconos. Essa praxe salutar,
4. O PÃO E O VINHO
que convém observar a fim de evitar possíveis desvios doutrinários, não
Os textos bíblicos não dão margem para qualquer radicalização deveria justificar que ficassem privados de celebrar a Ceia do Senhor
quanto à obrigatoriedade de serem o pão ou o vinho da Ceia do Senhor irmãos que se reúnem em campos missionários, por exemplo, e não
com ou sem fermento. Os judeus usavam, na Páscoa, pão sem fermento podem contar com a presença de pastores por longos períodos. No
e vinho fermentado. É evidente que, ao celebrar a Páscoa na ql,lal instituiu entanto, "Faça-se tudo com decência e ordem", com base exclusiva-
a Ceia, Jesus lançou mão dos elementos comumente usados pelosjudeus. mente na Palavra de Deus.
Não vemos motivo, porém, para se dogmatizar a respeito, uma vez que o
pão fermentado é sempre pão -ar/os - "pão de trigo", e vinho sem fermento
também é vinho e não há qualquer exigência textual sobre isso. Observe- 7. LOCAL DA CELEBRAÇÃO
se que a palavra vinho - oinos - não consta de nenhum dos relatos da No período do Novo Testamento, as igrejas se reuniam nas casas
Ceia. Os evangelhos e Paulo usam "cálice" por metonímiae Jesus fala do dos crentes onde, obviamente, celebravam a Ceia do Senhor. Não há
"fruto da vide" (Mt 26.29). Quanto a cálice único ou individual, também prescrição bíblica para que a celebração se dê exclusivamente nos
não há base textual para uma definição excludente. Em Mt 26.27 Jesus templos. Onde quer que esteja reunida a Igreja local, aí será o lugar
diz: "bebei dele todos", mas Lucas 22.17 registra: "tornai-o, e reparti- adequado para a celebração. Uma vez que a Ceia é uma ordenança da
a entre vós. " Igreja como tal, não se justifica a sua celebração em congressos,
seminários, convenções e associações, por mais edificante que isso possa
5. PERIODICIDADE DA CELEBRAÇÃO parecer. Não podemos desfigurar nosso conceito de Igreja sem
pagarmos o preço da perda da sua identidade bíblica.
As igrejas primitivas celebravam a Ceia do Senhor com bastante
freqüência, provavelmente u~a vez por semanaou mais. Não há qualquer
prescrição a esse respeito. A celebração não deve ser tão espaçada que 8. A ORDEM DOS ELEMENTOS
perca a sua força de comunicação de uma mensagem espiritual, nem tão Serve-se primeiro o pão, memorial do corpo de Jesus "que por vós
freqüente que caia na rotina e perca o seu fervor. Prevaleça o bom senso, é dado" e depois o cálice, simplesmente porque foi assim que Jesus fe~
de acordo com as circunstâncias. A celebração mensal é apenas uma boa e estabeleceu que se faça, como ensina Paulo em 1Cor 11.24,25. E
praxe, mas se houver um motivo especial que ojustifique, o espaço de uma ordem natural, que segue a fórmula ritual da Páscoa. Primeiro comer
tempo poderá ser reduzido ou aumentado. o pão, depois beber do cálice. O serviço deve ser feito com reverência,

100
101
A Túnica Inconsútil

espiritualidade e um profundo sentimento de alegria e vitória A prescrição


de Paulo no verso 33 - "esperai uns pelos outros" não se refere à
celebração da Ceia, mas à refeição que a antecede, como deprendemos
do verso 21. A praxe de todos comerem simultaneamente o pão e
beberem juntos do cálice mediante a ordem do ministro celebrante
coloca em destaque a unidade da Igreja em sua comunhão espiritual. O CAPíTULO?
verso 28 não significa que cada pessoa pode dar ao pão e <1,0 vinho ou
à própria celebração a interpretação que bem desejar, mas que cada
participante deve celebrar a Ceia do Senhor consciente do seu real
GOVERNO DA IGREJA
significado como memória do sacrifício expiatório de Jesus, aceito pela fé.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Sejam aqui reproduzidas as palavras de Karl Ludwig Scmidt, do livro
AS IGREJAS DO NOVO TESTAMENTO: As formas de governo eclesiástico não surgem por acaso, não são
escolhidas aleatoriamente pelos fundadores das igrejas. Toda a forma
"Mas seja como for, uma coisa é clara: a Igreja como
de governo eclesiástico obedece a imposições mais ou menos freqüen-
corpo de Cristo não é mera sociedade de homens.
tes, quais sejam:
Partindo de pressupostos sociológicos não é possível
compreender o que significa e quer significar a Razões doutrinárias. A forma de governo surge da interpretação
assembléia de Deus em Cristo. O ponto decisivo é a dos princípios e doutrinas em que cada Igreja se fundamenta. Ao mes-
comunhão com Cristo. ( ) Somente a partir dessa mo tempo, a manutenção de uma determinada estrutura de poder tende
comunhão com Cristo começa a existir a comunhão a pressionar a formulação de doutrinas e leis que a justifiquem.
dos homens entre si como irmãos. " Razões sócio-culturais. As igrejas tendem a absorver formas de
governo e padrões de exercício de poder que estejam dentro do con-
texto cultural em que estão inseridas.
Razões históricas. Toda a estrutura social tende a se perpetuar,
independentemente das suas razões de origem. As igrejas não fogem a
essa regra. Padrões estruturais de uma determinada época podem se
impor historicamente.
Razões estratégicas. Uma Igrej a pode assumir um modelo de go-
verno como parte da sua estratégia visando alcançar, com maior efici-
ência, os seus objetivos institucionais. Seriam as "razões de qualidade".
ou seja, as razões impostas pela qualidade da administração para que
sejam alcançados os resultados esperados.
Não temos no Novo Testamento uma forma de governo claramente

1 n')
A Túnica Inconsútil Governo da Igreja

lelineada. A forma de governo das igrejas primitivas recebia poderosa conclui apresentando, emresumo, as três teorias mais aceitas pelos his-
nfluência da teocracia do Velho Testamento, sustentada por autorida- toriadores:
les formalmente reconhecidas dentro do contexto cultural dos judeus. 1. A teoria da relação antipedobatista;
sso fica evidente pelo fato de que em Atos, todas as decisões da Igreja 2. A teoria da sucessão histórica;
;ão precedidas de orações, buscando o conhecimento da vontade de 3. A teoria da restauração separatista.
)eus. Esse procedimento é recomendado também nas epístolas. A de-
A primeira teoria é a que apresenta os batistas como herdeiros espiri-
Jaração do senhorio de Cristo é levada às suas conseqüências práticas tuais de todos os grupos que, sob diversos nomes, lutaram contra o
10 governo da Igreja: na escolha do sucessor de Judas (At 1.24); na batismo infantil durante os séculos que precederam a Reforma. Sem se
~scolha dos diáconos (At 6.6); na nomeação de missionários (At 13.3);
importarem com uma linha sucessória formal, esses historiadores ligam
para dirimir dúvidas sobre a questão da circuncisão (At 15.28). O Novo os batistas a todos os grupos que lutaram contra o batismo de infantes
Testamento fala de bispos, mas não fala da forma de governo episcopal; por entenderem que essa prática fere doutrinas essenciais da fé cristã.
fala de presbitério, mas não defende a estrutura de governo conciliar; No segundo grupo, estão autores que traçam uma linha sucessória des-
:efere-se ao Reino mundial de Cristo, mas não doutrina sobre um go- de a Igreja de Jerusalém até os nossos dias, afirmando que a primeira
verno universal para a Igreja. Vemos, portanto, no livro de Atos, uma Igreja batista foi aquela composta de 120 irmãos que estava reunida no
~strutura de poder em formação, sob a inspiração direta do Espírito dia de Pentecostes. A terceira teoria, que Anderson considera como a
)anto. Pelo menos três fatores básicos iriam pressionar o processo de síntese (seguindo o método dialético de HegeIl), defende o início do
ielineamento de uma estrutura de poder na Igreja primitiva: século XVII como a data do começo das igrejas com o n01Jle de Batis-
[. A teocracia de Israel. tas, como resultado da restauração separatista na Inglaterra, ainda que
2. A democracia dos gregos. a primeira Igreja com esse nome tenha surgido na Holanda, fundada por
3. O imperialismo de Roma. separatistas ingleses ali refugiados devido à perseguição da Igreja oficial
A Igreja Católica é um exemplo histórico de uma tentativa de conciliar inglesa. Para Anderson, a vantagem de considerar as três teorias como
~ssas três influências com um sistema de governo no qual a origem da
não mutuamente excludentes, resolve questões como, por exemplo,
lUtoridade divina estaria nas ordens dadas a Pedro por Jesus, o colégio colocar dentro de uma mesma linha sucessória, grupos que tinham em
ios cardeais dá uma aparência de democracia com delegação de po- comum a posição antipedobatista mas em outros pontos de doutrina
ieres e o universalismo da Instituição, sob rígido controle hierárquico, eram diferentes uns dos outros. Entre os antipedobatistas houve grupos
,rojeta a pressão do imperialismo romano. As igrejas batistas, por sua que sustentavam as mesmas doutrinas que vieram a ser defendidas pe-
rez, conservam a compreensão da sua origem divina no princípio da los batistas. Em outras palavras, sempre houve batistas, mesmo que não
lUtoridade da Bíblia, "única regra de fé e prática", governam-se por usassem esse nome. Eram batistas e não sabiam! A conclusão da sínte-
lmademocraciacongregacionallocal e mantém um sistemadecoope- se andersoniana é que onde quer que um grupo de cristãos decida sus-
ação mundial, voluntária, mas nem por isso menos universal. tentar as doutrinas do Novo Testamento e reger suas vidas exclusivamen-
te pela Bíblia, ali estará umaIgrejaBatista.
Qual é a origem das igrejas batistas? Justo C. Anderson, no tomo I
la sua HISTÓRIA DE LO~ BAUTISTAS, página 34, após exaustiva No Brasil, o primeiro batista de que se tem notícia foi Thomaz Jefferson
tesquisa documentada pelos principais estudiosos da histÓria batista, Bowen, missionário da Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batis-

104 105
A Túnica Inconsútil Governo da Igreja

a do Sul dos Estados Unidos. Bowen tinha sido missionário na África, Primeiro: Deve ser biblicamentefundamentada. Isso significa que
)nde aprendeu a língua ioruba. Vindo para o Brasil em 1859, tentou deve reconhecer Cristo como Senhor, o Espírito Santo como agente
~vangelizar os escravos, mas logo voltou para a sua terra. Em 10 de se- dinâmico e a glória de Deus como alvo supremo. Significa também que
:embro de 1871, imigrantes batistas do sul dos Estados Unidos que vie- deve ter como objetivo operacional a implantação do Reino de Cristo
ram para o Brasil após a guerra da secessão, fundaram a primeira Igreja na terra e que a Bíblia é sua única base de doutrina e vida.
Batista na cidade de Santa Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo. Segundo: Deve projetar, naforma, o seu conteúdo. A estrutura de
No dia 15 de outubro de 1882 foi organizada em Salvador, na Bahia, a poder na Igreja não pode contrariar os princípios que a mesma Igreja
Primeira Igreja Batista do Brasil, assim chamada por ser destinada a ser proclama. A consistência.entre a fé e as obras, que a Igreja espera de
uma Igreja de brasileiros. Com o correr dos anos, imigrantes batistas eu- cada um dos seus membros, deve ser projetada na estrutura da Igreja
ropeus da Rússia, Alemanha, Hungria, Polônia fundaram aqui igrejas nas como um todo. A Igreja deve ser tão fiel na sua mordomia coletiva
quais pudessem cultuar a Deus em seus idiomas de origem. Além da obra como espera que cada um dos seus membros o seja individualmente.
missionária da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, vieram Por exemplo: Se a Igreja quer que seus membros vivam em amor e
para o Brasil missionários ingleses da Sociedade Batista Missionária e de tenham um viver honesto, a sua estrutura de poder deve projetar o amor
outras sociedades missionárias dos Estados Unidos e do Canadá, que se e ser honesta a toda a prova.
filiaram às igrejas da Convenção Batista Brasileira, pois sustentavam as Terceiro: Deve ser eficaz. Isso significa que a estrutura de poder
mesmas doutrinas e formas litúrgicas das igrejas aqui existentes. Outros deve conduzir a Igreja a alcançar o máximo resultado com os recursos
grupos batistas também vieram para o Brasil, como as missões da Suécia, disponíveis e que esses recursos devem ser multiplicados com eficiên-
de características pentecostais, os batistas regulares, os batistas livres, cia, o que, na prática, reflete a mordomia da Igreja.
entre outros, que têm doutrinas particulares ou ênfases eclesiológicas di- Quarto: Deve ser dinâmica eflexível. O govemo da Igreja deve levar
ferentes, por isso se mantém fora da Convenção. As igrejas arroladas na a Igreja a ser um corpo vivo em ação no mundo. As igrejas de Jesus não
Convenção Batista Brasileira sustentam as doutrinas constantes da sua podem ser o túmulo, nem o museu das verdades eternas, mas devem ser
Confissão Doutrinária, adotam, como os demais grupos, a imersão como as verdades eternas transformadas em vida no tempo em que vivem, trans-
forma exclusiva de batismo e a regeneração como pré-requisito, excluída formando cada tempo em um tempo de esperança. A dinâmica da estru-
a possibilidade do batismo infantil. Em sua maioria, com exceção dos tura de poder da Igreja requer flexibilidade para a incorporação de méto-
batistas livres, adotam o batismo confessional e a Ceia restrita. dos e linguagem eficazes para transmitir ao homem do seu tempo a men-
Através da história, a Igreja sempre influenciou e foi influenciada em sua sagem do tempo de Deus segundo o seu eterno propósito.
forma de governo, pelo fundo sócio-político-cultural de cadaépoca, prevale-
cendo, ora os referenciais veterotestamentários, como porexemplo, nos mo- 2. FORMAS DE GOVERNO
vimentos pietistas, oraosistemaimperialistamundial, como naIgrejaCatólica, Aristóteles (Mirador, Filosofia, IV-49) ensina que há três formas de
ora os conceitos de governo democrático, como nas igrejas anabatistas em governo:
geral e posteriormente, nas igrejas congregacionais e batistas. MONÁRQUICO, governo de um só, vitalício. Demonos, só, único,
A formulação da estrutura de governo eclesiástico de uma Igreja cris- isolado.
tã deve obedecer a alguns princípios normativos inquestionáveis: ARISTOCRÁTICO - Governo de uma elite. Dearistos, excelente,

106 107
A Túnica Inconsútil Governo da Igreja

) melhor, mais krateo, ser senhor, dono, governador, donde: Gover- sínodo, de caráter regional ou nacional. A Igreja Presbiteriana é exem-
10 dos melhores. plo clássico de governo conciliar.
)EMOCRÁTICO - Governo escolhido livremente pela maioria. GOVERNO DEMOCRÁTICO CONGREGACIONAL. Najurisdi-
'\ristóteles admite que todas as formas de governo podem ser cor- ção da Igreja local, o governo é democrático, ou seja, todos os mem-
'ompidas com o tempo. Deturpações das formas de governo denun- bros têm iguais deveres e direitos e cada Igreja local é autônoma em
:iadas por Aristóteles: relação a todas as demais igrejas.
A MONARQUIA corrompe-se em tirania, despotismo.
A ARISTOCRACIA corrompe-se em oligarquiae auto-perpetuação. 3. A OpçÃO DAS IGREJAS BATISTAS
A DEMOCRACIA corrompe-se em demagogia. As Igrejas batistas optaram pela forma de governo democrático-
Formas de governo eclesiástico mais conhecidas: congregacional pelas razões que assim podemos resumir: .
GOVERNO MONÁRQUICO. Uma única pessoa detém o poder BASES BíBLICAS. Há seguros indícios de uma incipiente democracia
em caráter vitalício. Não há delegação de poderes da membresia. O nas igrejas do Novo Testamento. O voto democrático da Igreja é toma-
soberano é odespotés, senhor absoluto. A fonte do poder monárquico do: a) na escolha de líderes (At4.32,33; b) na solução de divergências
pode ser: internas (At 15.22; c) na solução de problemas administrativos (At 6.5).
1. Eleição por um colegiado. É o caso da Igreja Católica, onde o Papa é BASES DOUTRINÁRIAS. L. R. Eliot, citado por Frank1in Seglerem
o sumo pontífice, eleito em caráter vitalício pelo Colégio de Cardeais. A THEOLOGY OF CHURCH AND MINISTRY, sugere quatro prin-
2. Auto-proclamação, via de regra mediante o anúncio de uma "revela- cípios básicos de doutrina, para a opção por um governo eclesiástico
ção" ou "unção" particular. democrático-congregacional, sobre os quais nos permitimos tecer al-
guns comentários:
GOVERNO EPISCOPAL. Cada bispo exerce autoridade sobre uma
região ou país. Um dos bispos exerce poder sobre os demais. Há, entre A aceitação voluntária do Evangelho. A instituição da Igreja
outras, as seguintes variante~ do governo episcopal: o bispo, em algumas relaciona-se com o princípio da voluntariedade na aceitação da men-
sagem de salvação. O princípio da aceitação voluntária vige para to-
igrejas, é eleito por tempo determinado; em outras, por tempo indeter-
dos os membros da IgreJa, tanto quanto para todos os líderes e deve
minado; o bispo, em alguns casos, tem poderes absolutos; em outros, abranger todos os aspectos da vida da Igreja. A fé não pode ser im-
tem poderes relativos; o bispo pode governar sozinho ou coadjuvado por posta pela força. O poder'eclesiástico, aliado ao poder do estado por
um concílio ou presbitério. Exemplos de governo episcopal: Igreja injunções políticas, invariavelmente tem usado a força da espada para
Metodista, Anglicana, Episcopal. A Igreja Grega Ortodoxa é governada impor a fé, manchando de sangue a história da Igreja. A voluntariedade
por um Patriarca e seus dignitários são chamados "hierarcas". na aceitação da graça de Cristo leva à voluntariedadeem participar.
GOVERNO CONCll...IAR. Um concílio ou presbitério, eleito pelaIgreja A soberania de Cristo. Jesus Cristo é o cabeça da Igreja e unica-
local, exerce o governo da Igreja por tempo determinado, mediante mente a ele, pela sua vontade expressa nas Escrituras, deve a Igreja
delegação de poderes. Representantes eleitos com delegação de pode- estar subordinada. A concentração de poder pessoal tende a substi-
res pelos concílios locais formam um concílio geral, supremo concílio ou tuir Cristo, segundo a sua vontade expressa nas Escrituras, pela auto-

lOS 109
A Túnica Inconsútil Governo da Igreja

'idade humana como cabeça da Igreja, restando à Bíblia um papel mo tempo em que os povos oprimidos por governos tirânicos suspira-
neramente coadjuvante em matéria de fé e normas de conduta. vam pelo direito à vida e à liberdade política. No século xvrn, come-
A liberdade pessoal. "Para a liberdade Cristo nos libertou" (GI çaram a cair as monarquias e os impérios e começaram a surgir as de-
5.1). Observe: eleuthérosen é o aoristo culminativo, indicando uma mocracias. Em 1789, é proclamada na França, a Declaração dos Direi-
)bra terminada. Fomos libertos de uma vez, para permanecermos li- tos individuais, baseada nos princípios de LIBERDADE, IGUALDA-
vres para sempre. Libertos pela liberdade - eleutheria... eleuthérosen... DE e FRATERNIDADE. A constituição dos Estados Unidos da Amé-
como podemos nos dobrar novamente sob o jugo da servidão? Nin- rica, promulgada no dia 4 de julho de 1784, declara que todos os cida-
guém pode ser meio livre, meio escravo. "Libertados pela Liberdade" dãos têm direito à vida, à liberdade e aos bens. Foi nesse contexto
(Yeager), os cristãos são um povo absolutamente livre. Essa liberdade histórico de busca de liberdade e democracia que começaram a se mul-
em Cristo (não liberdade no pecado), deve projetar-se na Igreja e, tiplicar as igrejas batistas.
através da Igreja, permear toda a sociedade. Nenhuma forma de po- Os batistas tiveram seu mais notável crescimento nos Estados Unidos
der eclesiástico se coaduna.melhor com o princípio da libe~dade indi- da América, onde a liberdade religiosa foi incluída na "Carta de Direi-
vidual do que o governo democrático. tos", (primeira emenda), çom a exigência de separação entre Igreja e
O sacerdócio universal dos salvos. Cada cristão tem acesso Estado. Sem dúvida alguma, além dos exemplos bíblicos ~ das razões
pessoal direto a Cristo, sem a necessidade de qualquer intermediação de ordem doutrinária, a opção das igrejas batistas pela forma de gover-
humana. A existência de um sacerdócio no Velho Testamento não no democrático-congregacional teve também as suas raízes históricas
justifica qualquer tipo de pontificado na Igreja (PONTIFICE, do ligadas ao surgimento da liberdade como direito universal e da demo-
latim, é "o que faz ponte"). O poder eclesiástico personalizado ten- cracia como forma de governo.
de a corromper-se em tirania espiritual. Nenhum outro sistema de go-
verno eclesiástico está mais coerente com o princípio do sacerdócio
4. CONCEITUAÇÃO
universal dos santos do que a democracia congregacional, onde o li-
vre acesso a Deus tem a contrapartida da responsabilidade pessoal. Em que consiste a forma de governo democrático-congregacional?
A igualdade de todos os seres humanos diante de Deus (Se nos DEMOCRACIA NO GOVERNO DA IGREJA LOCAL. Todos os mem-
permite acrescentar L. R. Eliot). Todos os membros da Igreja foram res- bros da Igreja têm iguais direitos e responsabilidades, que nunca poderão
gatados pelo mesmo preço: o sangue de Cristo. Todos receberam o mes- ser negados pelo poder eclesiástico, a nenhum pretexto. Todos os líderes
mo Espírito, o Espírito Santo. Todos se destinam à mesma glória: a glória da Igreja são eleitos e mantidos pelo voto da Igreja. À Diretoria cumpre o
do céu, onde não haverá hierarquia humana ou qualquer tipo de privi- dever de zelar pelo respeito às opiniões da minoria e pelo cumprimento das
légio ou diferenciação pessoal. decisões da maioria.
BASES HISTÓRICAS. O movimento batista surgiu e se desenvol- AUTONOMIA DA IGREJA LOCAL. A) A Assembléia da Igreja é o seu
veu simultaneamente com os movimentos em favor da liberdade e da poder máximo, não estando sujeito a nenhuma outra instância interna ou
democracia. Durante a idade média, os cristãos dissidentes da Igreja externa. B) Cada Igreja é autônoma em relação a todas as demais igrejas e
oficial, perseguidos pelo gládio papal aliado ao gládio temporal em a organismos de cooperação em termos de doutrina, administração, minis-
vários países da Europa, suspiraram por liberdade religiosa, ao mes- tério e patrimônio.

110 III
, _ A T";" In,o'S,m Governo da Igreja

, 5. RELAÇAO COM OUTRAS IGREJAS


Embora autônomas e soberanas entre si, as igrejas batistas cooperam LIDERANÇA -LEIDAESPpcrATIVA
lmas com as outras, sob o senhorio de Jesus Cristo, para alcançar os seus
fms comuns, que nenhumaIgrejapoderia alcançar isoladamente (l Cor3.9).
EXPECTATIVA RESPOSTA RESULl:
As igrejas do Novo Testamento cooperaram umas com as outras e foram
DA LIDERANÇA DA IGREJA NOMUND
exortadas acooperar solidáriae fraternalmente:
Na preservação da sua identidade com a doutrina dos apóstolos (Veja Máxima.... Máximo
At 2.42; 15.25-31; 20.27).
Na beneficência. (Al. 11.29; 8.1-4). As igrejas do mundo inteiro fo-
ram exortadas a cooperar para ajudar os irmãos da Judéia, flagelados Médio
pela fome.
No sustento da obra missionária. Veja em 2Cor 11.8 e nas passagens Mínimo
paralelas, como as igrejas primitivas tinham visão da sua responsabili-
dade no sustento dos missionários. Sem essa visão, certamente não te-
riam cumprido a grande coinissão. Autonomia e cooperação não se ex-
cluem, pelo contrário, se somam e se valorizam mutuamente. Sendo cada igrejas precisam de líderes gue tenham visão, não somente p'astores, mas
Igreja a reunião de pessoas resgatadas para a liberdade e para o amor em igualmente não pastores, homens e mulheres,jovens e anciãos, pois as igre-
Cristo, as igrejas devem ser, coletivamente, o que cada um dos seus mem- jas tendem sempre a seguir as expectativas da sua liderança Odesenvo1vi-
bros é individualmente: uma nova criação. mento da Igreja está sempre relacionado com a capacidade da visão da
sua liderança. Líderes que desafiam as igrejas pela sua dinâmica de vida
CONCLUSÃO
mais do que pelo seu discurso, são uma imperiosa necessidade hoje
O governo da Igreja, seja qual for a sua configuração, deve sustentar a como ontem. Veja no diagrama acima como se ilustra a lei da expecta-
visão de levar a Igreja a "ousar grandes coisas para Deus e a esperar gran- tiva da liderança da Igreja. Esse princípio é expresso de modo preciso
des coisas de Deus", conforme a "Lei da Expectativa da Liderança" (veja por Paulo: "Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e
diagrama abaixo), que é a "Lei de Paulo" em 2Cor 8.15. Sob a iluminação aquele que semeia em abundância, em abundância também ceifa-
do Espírito Santo, aestrutura de poder da Igreja deve desafiar a membresia rá" (2Cor 9.6). Se os líderes esperam o mínimo da Igreja, provavel-
ater como ideal, reproduzir, na sua plenitude, dentro do seu contexto histó- mente terão o mínimo como resposta e os resultados para o programa
rico, o "sonho" de Jesus, seu fundador e Senhor; deve desenvolver pro- da Igreja serão mínimos. Por outro lado, para que a liderança tenha um
gramas e estratégias que possibilitem à Igreja, alcançar os propósitos gerais nível máximo de expectativa, tem que estar disposta a dar o máximo de
do Reino de Deus na conquista do mundo, apressando, assim, a volta de si mesma, a fim de obter o máximo resultado. O que faz um grande líder
Jesus. Que seja a oração da Igreja hoje, como nos dias do Apocalipse: é uma grande visão. Pos&a o Senhor dar às suas igrejas•. líderes que
"ORA VEM, SENHOR JESUS". Amém! Convém repetir aqui que as tenham uma grande visão.

112 113
.CAPÍTULOS

COOPERAÇÃO ENTRE AS IGREJAS


Ao nascerem de novo, os membros da Igreja foram resgatados para
o amor. Antes inconscientes do amor conforme a natureza de Deus, o
amor agape, agora eles podem não apenas compreender mas viver
esse amor (Ef 3.18, 19). A Igreja é a comunidade dos salvos, onde os
salvos podem viver em amor uns para com os outros por isso que já
provaram o amor de Deus. O amor agora faz parte da sua natureza.
Não é da vontade de Deus que o indivíduo se converta a Jesus e fique
isolado adorando a Cristo em casa. O projeto de Deus é que os salvos
se reunam para cultuar a Deus juntos e para, juntos, proclamarem, pela
vida e pela palavra, o amor de Deus em Cristo. Como fruto natural
desse amor entre os crentes na Igreja, as igrejas devem sustentar os
laços de amor umas com m; outras, unindo os seus esforços para alcan-
çarem, juntas, o mundo inteiro com o conhecimento do Deus que ama a
todo o mundo, tendo demonstrado esse amor por meio de Cristo. As-
sim como os laços de amor fraternal se ampliam e se aprofundam no
convívio da Igreja local à medida que o crente cresce em maturidade
cristã, o amor das igrejas umas para com as outras também cresce à
medida que elas vão amadurecendo como igrejas. Unir-se aoutras igrejas
em amor, refletindo o amor de Deus, é da natureza da Igreja. Isolamen-
to é enfermidade e morte, tanto para o crente individualmente, quanto
para a Igreja, pois é a negação da sua própria natureza.
Embora sejam auto-governativas e soberanas em suas decisões, as
igrejas cooperam umas com as outras sem ferir a sua individualidade
porque todas as igrejas estão sob o domínio do mesmo Senhor, sob o
Cooperação Entre as Igrejas
A Túnica Inconsútil

orque todas as igrejas estão sob o domínio do mesmo Senhor, sob o No sustento da obra missionária. Veja em 2Cor 11.8. a indicação
ontrole do mesmo Espírito, fundamentam-se na mesma Palavra e visam clara de que as igrejas se uniam para sustentar os missionários. A
Icançar o mesmo objetivo: a salvação do mundo, o que, obviamente, é um "cooperação no evangelho" era entendida como a cooperação para
que o evangelho pudesse ser disseminado. As igrejas eram doutrina-
esafio maior do que todos os interesses imediatos de todas as igrejas.
das, não somente no seu auto-sustento, mas na cooperação umas com
as outras, desde o primeiro momento do seu nascimento (Fp 1.5).
1 - O EXEMPLO DAS IGREJAS DO NOVO TESTAMENTO
As Igrejas do Novo Testamento cooperavam solidariamente umas 2 - COOPERAÇÃO INSTlTUCIONALIZADA
:om as outras:
A cooperação entre as igrejas do período apostólico não era
Na preservação da sua identidade. Havia plena solidariedade para
institucionalizada de nenhuma forma. Não havia associações for-
nanter no mundo inteiro, apesar de todas as diferenças de línguas e
mais, nem convenções, juntas ou ordens de pastores. Não havia esta-
~ostumes, uma mesma identidade espiritual. Na questão dôrito da cir-
tutos, regimentos internos, normas de procedimento, auditoria e tudo
~uncisão (Atos 15), por exemplo, ficam bem assentados alguns princí-
o mais que hoje conhecemos. Mas havia cooperação, havia confian-
Jios formadores da identidade das igrejas: Primeiro: A religião cristã ça, responsabilidade mútua pelo cumprimento da missão dada por
em sua própria identidade, independente do judaísmo- "por que tentais Jesus. Havia amor. Com o tempo, a cooperação entre igrejas foi sen-
I Deus pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos
do institucionalizada em diversos formatos. James L. Sulivan sinteti-
wis nem nós pudemos suportar?" (verso 10). Segundo: Cristo é za as formas de cooperação inter-eclesiástica nos seguintes modelos
;enhor sobre todas as raças da terra e, portanto, os padrões éticos do existentes: igrejas independentes, cooperação não estruturada,
:ristianismo são universais - "Para que o resto dos homens busque coperação informal. estrutura hierarquizada, estrutura delegada, es-
10 Senhor e todos os gentios, sobre os quais o meu nome é invoca- trutura não reconhecida oficialmente e estrutura de cooperação dirigida
io, diz o Senhor quefaz todas estas coisas" (verso 17). Terceiro: O e equilibrada. Vejamos como funciona cada modelo.
:ristianismo respeita as raízes culturais das nações, ao mesmo tempo
~m que expurga de todas as culturas aquilo que elas possuem de nocivo
IGREJAS INDEPENDENTES
lO ser humano e, portanto, contrário ao propósito de Deus "E Deus, São igrejas que se vêem a si mesmas como denominações e vão se
rue conhece os corações, lhes deu testemunho, dando-lhes o Espí- expandindo em outras congregações ou igrejas sem conceder-lhes
üo Santo, assim como ta1J1bém a nós; e não fez diferença alguma autonomia. A Igreja-mãe governa, por exemplo, do Rio de Janeiro,
'ntre eles e nós, purificando os seus corações pelafé" (verso 28). ou de Curitiba, ou de São Paulo, sob o comando de um pastor-presi-
No socorro aos necessitados. Não havia uma "Junta de Beneficên- dente, bispo ou apóstolo (a nomenclatura varia) as "filiais" de todo
ia", mas havia beneficência. Veja em 2Cor 8.1 e 9.13, como as igrejas o Brasil e até do exterior. Existem igrejas batistas independentes no
le diferentes regiões são exortadas a se unirem no ministério - diakonia, Brasil, como em várias partes do mundo, muitas delas com característi-
VR traduz" administração") de socorrer os necessitados da Judéia. cas pentecostais. As igrejas batistas arroladas nas convenções prefe-
2uanto mais uma Igreja se identifica com Cristo, mais profundamente rem multiplicar-se em centenas de igrejas onde cada Igreja atinge, no
ente a necessidade de socorrer os que sofrem. seu nível imediato, a população que a cerca, ao invés de manterem uma

117
I 16
A Túnica Inconsúlil Cooperação Entre as Igrejas

trutura centralizada em uma Igreja-mãe, distante social e geografica- mas chega o momento em que algumas unidades saem do controle do
ente das congregações. As igrejas com esse tipo de estrutura, depen- seu despotés e elas entram em um processo de pulverização. As igre-
m do carisma do seu líder, mas também absorvem as suas jas hierárquicas tradicionais crescem menos, mas conservam maior uni-
iossincrasias e tendem a morrer junto com eles. dade e demonstram ser mais sólidas estruturalmente ao longo dos anos.
I _
:OOPERAÇÃO INFORMAL, NAO ESTRUTURADA. ESTRUTURA DELEGADA
Esse tipo de cooperação inter-eclesiástica, diz o Dr. Sulivan, dificil- Um quarto tipo de estrutura de cooperação inter-eclesiástica é a das
~ente poderia ser reconhecido como um corpo organizado. São igrejas igrejas cujos membros preferem não se envolverpessoalmente em tarefas
ue levam a sua autonomia ao extremo do isolamento, mas chega o que consideram tediosas, como as rotinas administrativas, para poderem
.1omento em que, em certas áreas, precisa haver algum tipo de coope- dedicar mais tempo aoutras que consideram mais dinâmicas e mais impor-
ação. As atividades inter-eclesiásticas desses grupos devem-se mais à tantes. São as igrejas que delegam a sociedades autônomas, sem vínculos
liciativa pessoal dos seus membros do que a decisões formais das co- com nenhuma denominação, a administração das suas publicações, dos
[lUnidades. Citam-se como exemplos, no passado, os "quakers" e hoje, seus seminários, obras missionárias, beneficência, etc. Essas sociedades não
s comunidades jovens neo-pentecostais. Não havendo, porém, uma estão subordinadas às igrejas, nem direta, nem indiretamente. Os membros
strutura formal de cooperação, os resultados tornam-se, obviamente, das igrejas apenas contribuem financeiramente, mas não precisam se preo-
scassos e esporádicos em termos de expansão global, ainda que al- cuparcom aprovação de relatórios, balanços, orçamentos, planos estraté-
:uns desses grupos experimentem grande crescimento local, em especi- gicos, nadadisso. Tudo é terceirizado. Os custos administrativos da estrutu-
] quando dispõe de uma liderança carismática e criativa. Esses grupos ra delegada parecem ser menores, mas o não envolvimento pessoal dos
llTIbém não apresentam qualquer consistência em termos de identidade membros das igrejas nas tarefas dos órgãos de cooperação acaba por re-
!outrinária. Nos anos 60 houve, entre ajuventude evangélica, movi- duzir e sufocar o seu interésse e participação, o que reduz ageração de
nentos contrários às estruturas convencionais, quando se dizia: "Cristo, recursos em proporção maior do que o que é economizado. As contribui-
im, Igreja, não" ou "derrubar as placas" (denominacionais). Havia mui- ções para as sociedades para-eclesiásticas não concorrem para o cresci-
)s argumentos em favor da abolição das estruturas, geralmente referin- mento espiritual dos membros das igrejas. O compromisso do mordomo
o-se aos organismos de cooperação como onerosos, burocratizantes, cristão no sustento da obra na qual ele está pessoalmente envolvido através
tc. Aqueles movimentos passaram sem deixar vestígios e as estruturas da sua Igreja é um fator de poder no seu crescimento espiritual. Por via de
e cooperação denominacional continuam aexercer a sua diaconia como conseqüência, os recursos disponíveis para as atividades-fins e os resulta-
xtensão do ministério das igrejas. dos da obra acabam sendo menores. Basta comparar o volume de recur-
,STRUTURA HIERÁRQUICA sos aplicados e os resultados da obra missionária da Convenção Batistado
Sul dos Estados Unidos com otrabalho de sociedades missionárias autôno-
A administração do tipo hierárquico tem demonstrado ser mais efici- mas onde igrejas de outros grupos aplicam seus recursos e a contrapartida
lte do ponto de vista da administração financeira, pois as decisões são em termos de inspiração e incentivo para as igrejas de origem, para perce-
lais rápidas e dinâmicas. Algumas denominações pentecostais, admi- berque não delegação significa não envolvimento e resulta em menor
istradas por um hierarca exclusivo, estão se expandindo rapidamente, participação e menores resultados.

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A Túnica Inconsútil Cooperação Entre as Igrejas

TRUTURA NÃO OFICIAL O segredo dessa unidade tem, pelo menos, três vertentes:
São as sociedades relacionadas apenas indiretamente com as igrejas. A Bzôlia como única regra defé e prática. Os batistas são conhe-
entes idealistas, membros de várias igrejas, direcionados para deter- cidos como uma denominação que se esforça para estudar,e divulgar a
.nados ministérios, unem-se, formam uma sociedade e passam a reco- Bíblia. Nossa identidade é fundamentada na Bíblia. Haveria outra base
er contribuições, administrar a estrutura e estender os seus objetivos. mais sólida do que a Palavra de Deus para motivar e desenvolver a
sas entidades ou ministérios não estão formalmente subordinados às cooperação cristã?
ejas, seus membros não são eleitos pelas igrejas, não prestam contas O espírito missionário. O movimento batista é um grande aviva-
igrejas e não submetem às igrejas os seus programas de ação. De- mento missionário na história da Igreja Cristã. O desafio de ganhar o
ndendo do carisma pessoal da liderança, esses movimentos ad- mundo para Cristo tem sido o mais poderoso fator para a sustentação
irem um forte impulso inicial, mas a continuidade desse ministério, da nossa unidade. Haveria outro mais eficaz?
ma vez ausente o seu fundador, via de regra entra em colapso. Estrutu- A liberdade como princípio. Esse princípio abrange vários aspec-
não oficiais tendem a colocar-se acima das igrejas, buscam recursos tos da nossa realidade eclesiástico-denominacional. Primeira, a ausên-
e sustento nas igrejas e não subordinam seus planos e relatórios a ne- cia de hierarquia faz do elemento chamado leigo, a força do movimento
uma Igreja. batista. Homens e mulheres, jovens e adultos se sentem comprometidos
I
~TRUTURA DE COOPERAÇÃO DIRIGIDA EEQurr...mRADA com Deus e se deixam envolver na obra. Segunda: a ausência de um
I poder centralizador favorece a multiplicação de igrejas, ou seja, as igre-
I O sistema de cooperação inter-eclesiástica adotado pelas igrejas da jas podem se expandir em velocidade maior devido à liberdade de se
~onvenção Batista Brasileira é o da estrutura dirigida pelas igrejas atra- auto-reproduzirem. Terceira: A ausência de uma estrutura de poder
rés dos mensageiros por elas eleitos em assembléia democrática e que pessoal ou oligárquico central permite uma evolução mais rápida dos
e reúnem em assembléias convencionais democráticas. A cooperação métodos operacionais e da linguagem, tanto quanto da liturgia do culto.
[as igrejas entre si nos níveis distritais (associações), regionais (conven- Haja à vista, a aceitação, pelas igrejas, do texto revisado da Bíblia, do
iões estaduais) e nacional não obedece a nenhuma hierarquia. A con- Hinário para o Culto Cristão, da literatura pedagógica, da informatização.
~enção estadual não é uma federação de associações, nem a Conven- Entendemos que nenhum método é imutável, que nenhuma palavra é
:ão Batista Brasileira é uma confederação de convenções estaduais. sagrada a não ser a Palavra de Deus, mas entendemos também que um
;ão as igrejas que elegem seus mensageiros diretamente para as associ- método que tem dado certo só deve ser substituído por outro que seja
lções, para as convenções regionais e para a CBB. As estruturas de comprovadamente mais eficaz.
:ooperação cumprem ministérios das igrejas nos respectivos níveis e O diagrama a seguir ilustra a relação Igreja/órgãos de cooperação no
:stão subordinadas às igrejas. Há unidade espiritual, há estreita colabo- método escolhido pelas igrejas batistas, de cooperação dirigida e sus-
ação entre as associações, cada uma respeita as áreas de atuação das tentada. A palavra "mensageiros" foi preferida a "representantes" por-
lemais, há perfeito entrosamento entre as convenções estaduais e a que, na verdade, as pessoas nomeadas pelas igrejas não têm delegação
:BB, sem qualquer traço de hierarquia. Que possamos entender as de poderes para representar as igrejas nem no sentido de ida, falar em
~antagens desse método democrático e voluntário de cooperação e nome da Igreja, assumir compromisso em nome da Igreja, nem no sen-
!ontinuar com ele. tido de volta, obrigar a Igreja a aceitar o que for votado pelo órgão de
I

i 120 121
A Túnica Inconsútil

operação. O "mensageiro" é eleito pela Igreja mas fala em seu pró-


.o nome, assume compromissos pessoais. Apesar de não haver su-
rdinação, porém, as igrejas geralmente acatam as decisões dos ór-
-os de cooperação, especialmente no que tange a missões, educação
ligiosa, formação teológica e ação social. As igrejas entendem que
perar voluntariamente umas com as outras através das associações CAPÍTULO 9
convenções ajuda a desenvolver o seu trabalho local.
DISCIPLINA NA IGREJA CRISTÃ

1. DEFINIÇÃO DE TERMOS
DISCIPLINA, do latimdisciplina, ae,do verbodiscere, "ensinar",
cognato de discípulo, discipular (A. G. Cunha -Dicionário E.timológico).

~
PLANOS DE
Núcleo da idéia de disciplina: "Conjunto de conceitos, métodos di-
COOPERAÇAo
MÚTUA dáticos e processos necessários àformação do discípulo" (Enciclo-
pédia Mirador, in loc).
~ ASSOCIAÇÃO
DISCIPLINA NO NOVO TESTAMENTO

{~•••j ~ EdNÇÃO
Termos gregos relacionados com oconceito de disciplina eclesiástica
que nos ajudarão a compreender o seu significado bíblico:

::::a
Paideia (Hb 12.5-8) "e já vos esquecestes da exortação (pa·
IGREJA rakleseos) que vos admoesta (dialegetai) como afilhos: Filho meu,
não desprezes a correção (paideias) do Senhor, nem te desanimes
quando por ele és repreendido (elegxomenos), pois o Senhor corri-
PARTICIPAÇAo: CBB
ge (paideuei) ao que ama e açoita (mastigoi) a todo o que recebe
VOLUNTÁRIA rA7LJD'\3(\1
EQUILIBRADA u'OOu por filho. É para disciplina (paideian) que sofreis; Deus vos trata
BASEADA NA Q~rYb0 comofilhos; pois qual é ofilho a quem o pai não corrige? (paideuei).
IGREJA LOCAL Mas, se estais sem discipiina, da qual todos têm se tornado partici-
UBLA-ABM
pantes, então sois bastardos e não filhos" - VR traduz paideia por
"correção". Assim também ERC, VB e Figueiredo. Já a Bíblia de
Jerusalém verte "educação". Na mesma citação de Pv 3.11 (v. 5 da
transcrição acima), aparece a palavra "repreensão" .elegxomenos,

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A Túnica Inconsútil
Disciplina na Igreja Cristã

ambém traduzida por "reprovação ", de elegxo - "repreender, acu-


ar, convencer, envergonhar". De onde se conclui que paideia se andar em Cristo. Em Tt 3.10 essa palavra é vertida para "admoesta-
refere ao processo formativo do caráter e não à disciplina corretiva ou ção". Trata-se de uma admoestação objetiva, específica, mais do que
punitiva "É a instrução que tem como alvo o crescimento na vir- um discurso genérico.
tude" (Thayer), cf 2Tm 3.16. Originalmente,paideia está relaciona- Epidiorthuo - "Pôr em boa ordem, completar o estabelecimento
da com a educação da criança - paidion, donde temos pedagogia, da ordem, ordenar" (Veja Tito 1.5): "Por esta causa te deixei em
pediatria, etc. Veja Ef 6.4, onde Paulo reforça a idéia de disciplina ereta, para que pusesses em boa ordem o que ainda não o está".
com a "admoestação do Senhor". Observe ainda que em Hb 12.5, Disciplina também tem o significado de estabelecer e manter a or-
a correção e a repreensão fazem parte da exortação (BJ traduz "con- dem, tanto no sentido ideológico, quanto institucional. Diorthosis,
solação "). No verso 6, o autor relaciona paideia com mastiguo, "reforma, restauração", traduzido em Hb 9.10 pela VR para" cor-
"açoitar, castigar" o que nos ensina que o açoite do Senhor tem o reção", tem a ver com a obra do Messias, ao estabelecer um "maior
objetivo de ensinar, fazer crescer, nunca de destruir, "justiçar", e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta
penitenciar. criação", ou seja, uma nova ordem espiritual e eterna, uma "disci-
Paraklesis - (Hb 4.15; 1Tm 4.13), sempre traduzida por "enco- plina" celestial na terra. A disciplina cristã é um estilo de vida na
rajamento ", "consolação". Andar em caminhos retos e planos con- terra, que aproxima o fiel do estilo de vida do céu.
forta o coração e encoraja (alenta, veja Kurt Aland) a prosseguir na Taxis - "ordem ", assim traduzida em 1Cor 14.40 - "mas faça-se
caminhada. A disciplina cristã traz consolação e paz, segurança para a tudo decentemente e com ordem". Fazer tudo decentemente e com
consciência, confiança. Consolação é a ação disciplinadora do Con- ordem, isso é disciplina cristã. A mesma tradução é dada em Cl 2.5.
solador - Paracletos - em nós. A Igreja dos colossenses era conhecida pela sua disciplina.' "vendo
Orthopodeo - "caminhar direito sobre os próprios pés", de onde a vossa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo." Aqui há o
"andar direito", "proceder corretamente. " Em Gl 2.14, Paulo de- conceito de que a disciplina na Igreja decorre da fé em Cristo. Onde
clara que Pedro não estava andando corretamente diante da verdade falta disciplina, está faltando fé em Cristo.
do evangelho. O comportamento ambíguo ("dissimulação;') de Pedro Katarlizo - "Restaurar com habilidade" (Gl 6.1), termo tomado
foi um ato de indisciplina. Disciplina cristã é, pois, andar retamente de empréstimo da medicina, significa recolocar um membro, osso
conforme a verdade do evangelho, sem ambigüidade. A ambigüida- ou músculo no seu lugar com perícia profissional, de maneira a não
de dos pais não encoraja os filhos a andarem retamente. A ambigüi- causar maior dano. Paulo acrescenta: "com espírito de mansidão ",
dade do pastor deixa as ovelhas desorientadas. Manter a disciplina com delicadeza. Veja W. Barkley in loco A disciplina cristã não se
cristã é andar em retidão de vida. toma mais eficaz quando aplicada com violência e brutalidade nos
Nouthesia, ação de advertir, mostrar o caminho; advertência, aviso. seus termos. Muito ao contrário! Freqüentemente ocorre de um crente
Em 1Cor 10.11, a VR traduz por "aviso". Jesus não é uma placa à cometer uma falta trivial e precisar ser advertido. A admoestação, po-
beira da estrada indicando a direção. Ele é a própria estrada e o obje- rém, é feita em termos tão contundentes que causa maior dano do que a
tivo da caminhada. Ele é o caminho e nesse caminho - Jesus, os cristãos falta cometida. Admoestar com soberba, humilhando o transgressor, é
pevem andar. Disciplina cristã é andar como Cristo andou. Melhor: é da carne. Exortar com serenidade, sinceridade e amor, é do Espírito.
! Cada cristão deve ser oparakletos do seu irmão e a Igreja a, como tal,
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ATúnica Inconsútil Disciplina na Igreja Cristã

m uma importante função terapêutica no exercício da disciplina exercida nham ensinado. Antes de corrigir ou açoitar, eles devem ensinar seus
o espírito do Consolador. filhos a proceder corretamente. Essa a missão da Igreja.
Elegxis- "trazer à luz, revelar, expor, argüir, reprovar, repreender,
corrigir". É o penúltimo estágio da disciplina na Igreja, cf. Mt 18.15. É 2. OBJETIVOS DA DISCIPLINA ECLESIÁSTICA
bom lembrar que, para exortar um irmão é preciso possuir a'autoridade
moral de quem fez o máximo ao seu alcance para ajudá-lo a andar Instruir o discípulo para que desenvolva o seu caráter de modo a
corretamente nos caminhos do Senhor. alcançar a plena maturidade em Cristo, segundo o padrão Jesus. For-
mar o caráter do educando conforme o caráter Cristo (GI4.19 - "até
Apokopto - "cortar, amputar". Mc 9.43,45. Em G15.12 VR traduz que Cristo sejaformado em vós"); equipar o discípulo de Cristo de
por"mutilar". É o último ato da disciplina na Igreja, a chamada "disci- discernimento e vontade própria para tomar decisões amadurecidas e
plina cirúrgica". Paulo recomenda que sejam "amputados" os mem- agir como cristão. Veja Ef 4.2 - "que andeis como é digno da voca-
bros que andam inquietando a Igreja. Em nossa linguagem batista, usa- ção com que fostes chamados"; Fp 1.9-11 - "que o vosso amor
mos as expressões excluir do rol de membros (no sul), eliminar (no transborde mais e mais em ciência e em todo o conhecimento, para
inordeste) ou cortar. Ultimamente tem sido usado o termo desligar, que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros e sem
talvez pela lembrança de Mateus 16.19, onde desligar (desatar, desa- escândalo algum até o dia de Cristo".
marrar, libertar) traduz o verbo luo. Observe neste verso os tempos
Equipar os salvos espiritualmente para prestarem a Deus a verda-
dos verbos: "tudo o que você ligar - deses (aoristo ativo do subjunti-
deira adoração, a adoração no Espírito. Sem disciplina, não há pie-
vo, ou seja: tudo o que você vier a ligar) na terra, já terá sido ligado-
dade e a liturgia se esgota em si mesma, não transcende os limites
dedemenoll (perfeito passivo) nos céus; e tudo o que você desligar-
da "carne" (Veja 1Tm 4.8).
luses (aoristo ativo do subj~.mtivo, ou seja: tudo o que você vier a des-
ligar) na terra, já terá sido desligado -lelumenon (perfeito passivo Preservar a identidade característica da Igreja. Os princípios éticos
do particípio futuro, ou seja: já terá sido desligado) nos céus" assim de Jesus são universais e permanentes. Sem a disciplina eclesiástica, a
muito bem traduzido por Yeager: "tudo o que você ligar na terra,já terá Igreja se toma apenas mais uma religião no mundo. "Para nada mais
sido ligado no céu e tudo o que você desligar na terra, já terá sido presta" (Mc 9.50). A Igreja tem elementos de identidade transcenden-
desligado no céu" (Yeager, in loc). A disciplina da Igreja na terra é re- tes que a tomam relevante no mundo. Sem disciplina, a Igreja perde a
sultado, não a causa da disciplina nos céus. Esse texto não favorece a sua identidade e, portanto, a sua relevância.
doutrina da perda da sal vação nem confere a Pedro uma autoridade de Capacitar os discípulos. para o eficiente desempenho da missão da
determinar na terra os desígnios de Deus no céu. Declara apenas que se Igreja na terra (Fp 2.15; lTm4.16). Os objetivos espirituais do Reino
uma pessoa não procede como é digno dos salvos, ligados ao céu pela não podem ser alcançados com recursos carnais. Somente discípulos
fé, não deve ter seu nome inscrito entre os salvos na Igreja na terra. O amadurecidos e treinados (disciplinados) no Espírito podem ser agentes
julgamento quanto à salvação pertence somente a Deus. da implantação do Reino de Jesus na terra.
No contexto da disciplina cristã incluem-se ainda os conceitos de "Traçar claramente a/ronteira entre o poder das trevas e o poder
rnatheteuo - "discipular" e de didasko - "ensinar, instruir" (Mt da luz de Cristo na vida dos discípulos de Jesus" (Harold Songer). A
:28.19,20). Os pais não podem exigir dos filhos nada que não lhes te- ausência de disciplina deixa os salvos confusos, andando com "um pé

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A Túnica Inconsútil Disci pUna na Igreja Cristã

o caminho, outro no mato." "Se dissermos que temos comunhão A autoridade da Igreja. O agente da disciplina eclesiástica é a Igre-
om ele e andarmos em trevas, mentimos" (l Jo 1.6). ja, não juntas, convenções, ordens de pastores ou concílios, ainda que
Preparar a Igreja para a volta de Cristo (Veja 2Pd 3.11,12; Mt o objeto da disciplina seja um pastor.
4.45-51). A santidade da Igreja resulta da vigília do amor a Jesus. O poder de curar. Para ser uma comunidade terapêutica, a I~re~a
oda noiva se prepara para receber o noivo que vai chegar. A intensi- precisa ser continuamente submetida ao processo de sua propna
ade, o cuidado dessa preparação depende diretamente do amor que a santificação. Não aconteça que um recém curado seja vítima de uma
oiva tem pelo seu noivo. Estará a Igreja preparada para a chegada do "infeção hospitalar" no ambiente da pr6pri~Igreja. Como ~sinala o Pr
eu noivo? Manoel Nascimento no livro A FUNÇAO TERAP~UTICA DO
AMOR, muitas situações de crise na vida dos cristãos resultam da falta
3. PRESSUPOSTOS DA DISCIPLINA ECLESIÁSTICA de amor e podem ser sanadas pelo amor.
A liberdade dos salvos. A disciplina eclesiástica não vulnera a liber-
o direito de Deus. Veja na parábola de Mt 21.33-46 que o senhor dade individual. A aceitação dos princípios éticos de Jesus é o compro-
da vinha temjus litis, direito de demanda, sobre os frutos da vide. A
misso explícito da profissão de fé. O direito do indivíduo não anula o
IIgreja é a vinha do Senhor. Ele tem pleno direito de exigir os bons frutos
direito da comunidade. "A impiedade não pode ser considerada como
:da nossa vida.
uma ação privativa" (Russell Shedd). A graça da disciplina cristã é
! A preservação da virtude (poder) do evangelho na vida dos discí- extensiva a todos os discípulos e não apenas ao ministério formal (IPd
~ulos de Jesus re~ulta da Graça de Deus e não do esforço humano 2.16; lCor 8.9-12; 10.32; 11.1).
(Veja Ef2.8-10). E o Espírito que dá sabor à Igreja. Salvação é Graça,
perseverança é Graça, santificação é Graça, disciplina cristã é Graça,
não imposição estatutária da Igreja. 4. O PROCESSO DA DISCIPLINA ECLESIÁSTICA
I
I ~ testemunho da Verdade. O comportamento ético do cristão na DISCIPLINA PREVENTJVA
~ocledade resulta do novo nascimento. Não se pode colher figo do espi-
A Igreja deve ser continuamente instruída nas doutrinas do amor fra-
pheiro. Veja em Rm 6.19, o'vívido contraste entre as duas maneiras de
ternal, do senhorio de Cristo, da pessoa e ação do Espírito. dos dons
~iver: antes e depois de tomar-se cristão. Só os salvos podem praticar a espirituais, da santificação, da suficiência das Escrituras, do discipulado
fiisciplina cristã, obedecer de coração à forma de doutrina a que são en-
cristão, da volta de Cristo, visando a ação preventiva do fortalecimento
~regues (v. 17) e eles não podem deixar de fazê-lo.
da fé para a sustentação da sua disciplina.
Opoder da Palavra. A fonte de autoridade da disciplina eclesiástica Deve-se criar na Igreja um ambiente de perdão e reconciliação pela
~ a Palavra de Deus e nunca os referenciais culturais e tradicionais do persistente proclamação do amor de Cristo. "O exemplo pessoal da
~ontexto social em que a Igreja se insere. A disciplina eclesiástica é a liderança, mais do que o ensino teórico do púlpito, seráfundamen-
interpretação da fé transformada em vida. A Igreja encarna a Palavra e tal" (Shedd). Deve-se ainda desenvolver na Igreja um espírito de con-
hão apenas proclama a Palavra (CI 3.16). O magistério da Igreja se fiança mútua para que os crentes possam buscar ajuda nas horas de
rmdamenta e se concentra na Palavra. provação, no espírito de Tiago 5.16.

I 128 129
A Túnica Inconsútil Disciplina na Igreja Cristã

o aconselhamento cristão deve proagir e não apenas remediar situa- Exclusão não é disciplina pedagógicaou punitiva, mas um gesto de aro.or
ões depois de consumados os atos de indisciplina. O pastor e a equipe para com o membro faltoso e uma ação preventiva em favor da Igreja.
e conselheiros treinados devem estar sempre atentos a fim de detectar e Membros em falta de pecado grave devem ser aconselhados a pe-
r tratamento aos problemas de disciplina sempre que possível, antes dir seu próprio desligamento da Igreja. No caso de recusa, a Co.mi~­
ue eles causem maiores sofrimentos e danos. são especial nomeada pela Igreja deve dar o seu parecer com...a l~dl­
,O treinamento constante dos crentes para o eficaz desempenho dos seus cação mais clara possível dos motivos. Deve haver prudencla e
ons e talentos na obra do Senhor será sempre um fator altamente positivo comedimento no registro dos desligamentos, levando em conta que as
a manutenção de elevados níveis de desempenho na disciplina. Pesa muito atas da Igreja são documentos legais passíveis de serem invocados
as estatísticas de exclusões o desânimo causado pela ociosidade. em processos judiciais.
ISCIPLINA CORRETIVA CARTA COMPULSÓRIA (Transferência não solicitada, imposta
Adisciplina corretiva deve ~er aplicada com amor. Com misericórdia, no pela Igreja)
spírito de Gl 6.1 ,já citado: "Recuperai(taI pessoa) com toda a perícia, Procedimento estranho à eclesiologia bíblica. Revela incompetência
o espírito de mansidão. " O membro fraturado ou músculo deslocado da liderança para resolver problemas disciplinares e transfere os pro-
hão pode ficar sem a devida correção, pois isso fatalmente causaria dano a blemas para outras igrejas.
I
butros membros, além de trazer sofrimento a todo o corpo. Não tratada, a
lesão pode chegar a ser irreversível. Mas o custo da recuperação pode ser DISCIPLINA ECLESIÁSTICA - E DEPOIS?
buita compaixão e paciência. Muitas vezes os casos de disciplina eclesiás- O desligamento formal de um membro da Igreja não elimina os vín-
I
~ica dão ensejo a sentimentos carnais de vingança, retaliação familiar, culos espirituais já estabelecidos. A Igreja deve manter um fichário de
partidarismo, sem falar da complicadaengrenagem das projeções dos sen- membros desligados e periodicamente deve comunicar-se com eles,
timentos de culpa. Não raro, nós nos apressamos em punir nos irmãos, as manifestando o seu amor e zelo espiritual.
nossas próprias falhas. Quão facilmente nos esquecemos de que "o fardo Se possível, os membros desligados devem receber uma comunica-
do meu irmão é parte do meu fardo." ção formal sobre o fato. A recondução ao rol de membros só deve
O impulso motivador da disciplina corretiva deve ser o desejo derecupe- acontecer depois de cessados os motivos da exclusão. Não se deve
rar o membro faltoso para a alegria da salvação. Quem pecou está em expor um membro excluí~o a humilhações, que ferem m~is à própria
mgústia de alma, carecendo de consolação. Por estranho que pareça, uma Igreja do que ao membro faltoso. A ovelha fora do aprisco não per-
Jessoa pode praticar (e até simular) a quebra de um pacto, motivada pelo tence menos ao pastor do que as que estão seguras no redil. Jesus é o
ksejo inconsciente de receber atenção do seu grupo social. dono daquela ovelha, ainda que ela tenha perdido a consciência de lhe
pertencer, ainda que esteja ferida, com fraturas espirituais ou mesmo
JISCIPLINA CIRÚRGICA - EXCLUSÃO
dilacerada. "Como o pastor livra da boca do leão as duas pernas
É um direito da Igreja. Caso a recuperação de um membro faltoso se ou um pedacinho da orelha, assim serão livrados osfilhos de Isra-
.orne inviável ou impossível, ou ainda quando toda a ajuda de amor for el" (Amós 3.12). Esse deve ser o sentimento da Igreja em relação às
'ejeitada, "considera-o como gentio e publicano" (Mt 18.15-17). ovelhas de Jesus.

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ATúnica Inconsútil
Disciplina na Igreja Cristã

; OBSTÁCULOS À DISCIPLINA ECLESIÁSTICA


onado a exclusão ou que tenham surgido depois, contrários às doutrinas
i\TORES INTERNOS e práticas da Palavra de Deus. Nos casos em que os atos praticados
pelo eliminado tenham lesado moral ou materialmente algum membro
Fatores internos podem dificultar, postergar, ou mesmo obstruir a prá- ou grupo da Igreja, a reconciliação pessoal, mediante o ressarcimento
ca da disciplina na Igreja. Um desses fatores é a acomodação. Disci- devido pela injúria ou dano, torna-se indispensável.
lina dá trabalho, especialmente quando exercida com amor. Outro fa- No caso de exclusão por ausência, a reconciliação deve ser sempre
r: corporativismo familiar ou partidário dentro da Igreja. "Espírito de precedida pela reintegração na freqüência aos cultos da mesma Igreja ou
po" reunindo famJ1ias, ministérios faixas etárias, grupos sociais den-
de outra, nunca o contrário'.
o da Igreja podem ser obstáculos à disciplina em todos os seus níveis.
u ainda, falsa compaixão. Ajustiça e a verdade são a base do verda- Os excluídos por aderirem a igrejas de outras doutrinas devem ser sub-
.eiro amor, mas, quando sentimos que a verdade vai doer, preferimos metidos a um exame das suas convicções doutrinárias em entrevista com
er a ilusão de que devemos sacrificar a verdade em função de um falso o Departamento de Membros ou com o pastor da Igreja, antes da recon-
Imor. O obstáculo mais constante, porém, é o esfriamento do amor a ciliação. Não é raro ver pessoas que foram eliminadas de uma Igreja por
:risto e a perda da identidade bíblica da própria Igreja. Quando os adesão a outras doutrinas desejarem voltar à sua Igreja de origem sem
larâmetros do mundo vigem na conduta da Igreja, a prática da discipli- renunciar à bagagem de heresias adquiridas.
la vai se tomando inversamente proporcional à sua necessidade. Em qualquer das hipóteses acima, a reconciliação deve ser efetuada
sem constrangimentos nem humilhações.
<ATORES EXTERNOS
PROCEDIMENTOS FORMAIS
A evolução cultural pressiona a mudança de padrões éticos da Igreja.
\. Igreja entende que deve manter os seus princípios bíblicos, mas che- O pedido de reconciliação sempre deve ser feito por escrito, assin~do
:a o dia quando princípios e práticas da Igreja e do mundo começam a pelo interessado. A Igreja pode ter um formulário próprio para esse fIm.
e eqüivaler conceitualmente, esgarçando a tecitura moral da Igreja. O A votação da reconciliação deve ser feita pol" unanimidade, poden-
:onsumismo, o individualismo hedonista, o anonimato dos centros ur- do-se aceitar para registro'em ata, mediante requerimento por escrito,
lanos, que resulta em perda'da identidade e carência de afirmação den- qualquer declaração de voto contrário.
ro dos grupos sociais (ojovem universitário tende a se identificar com
Pedidos de carta de transferência de membros excluídos devem ter
's seus colegas de faculdade, o profissional cristão é pressionado pelo
tratamento diferenciado conforme as causas da exclusão. Por exemplo:
orporativismo dentro da sua profissão, etc.) são outros tantos fatores
Se a exclusão foi por ausência, tem sido uma praxe conceder a transfe-
ue obstruem a disciplina cristã. Para neutralizar essas influências
rência sem maiores exigências, podendo-se escrever uma carta ao mem-
ecularistas, o caminho é o do avivamento espiritual.
bro reconciliado, demonstrando satisfação pelo fato e dando-lhe con-
. RESGATE DOS EXCLUÍDOS selhos para nunca "deixar a sua (nova) congregação." Caso o motivo
da exclusão tenha sido desvio de conduta moral ou doutrinária, é con-
Para a reconciliação dos excluídos, impõe-se sincero arrependimento, veniente informar à Igreja solicitante e aguardar novo pedido de recon-
que implica cessação da prática de quaisquer atos que tenham ocasi- ciliação e carta. No caso de o excluído estar em débito moral ou

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133
ATúnica Inconsútil Disciplina na Igreja Cristã

m a Igreja de origem, esta tem o dever de amor, em benefício da de aquele irmão não precisar de uma festa por voltar já não seria um
nsciência do interessado, de exigir a devida reparação antes de con- motivo de grande alegria? . .
derar o seu pedido de reconciliação. Nada de se ficar "com um pé atrás" em relação ao membro reconci-
Normalmente, não se exige a presença do excluído diante da Igreja liado, como se ele fosse tropeçar de novo a qualquer momento. Deus se
e origem para pedir a sua reconciliação, dando-se crédito à Igreja esquece das nossas transgressÕes, mas quão dificilmente nós nos es-
ã, de que as condições prévias foram atendidas. quecemos das transgressões dos nossos irmãos. É comum vermos ir-
A aceitação, por aclamação, de um membro excluído de outra Igreja mãos reconciliados sentirem-se tão discriminados que voltam a entrar

~
mesma fé e ordem, é um direito de qualquer Igreja, mas que só deve em desânimo. É preciso, contudo, que o processo obedeça ao seu cur-
r usado em circunstâncias muito especiais. Uma Igreja não tem o di- so natural, pois também é comum vermos igrejas precipitando-se em
. ito de julgar a conduta de outra Igreja, sem, pelo menos, ol:1vir as suas entregar cargos a irmãos recém readmitidos, ainda não readaptados,
kzões. A quebra da fraternidade não beneficia nem às igrejas, nem ao perdendo-se ambos: o cargo e o irmão!
hinistério, nem ao membro que solicita ser aceito por aclamação. O
empo costuma demonstrar que, em sua maioria, as recepções por acla-
nação foram precipitadas.
Os reconciliados devem ser recebidos sem preconceitos, com amor,
levem ser tratados com iguais direitos e responsabilidades como todos
IS demais membros e devem ter oportunidade de exercer os seus dons
:talentos para que cresçam na Graça de Jesus. A síndrome do irmão
nais velho acompanha os crentes que não se identificam com o amor
)erdoador do Pai, não se alegram com a alegria do Pai pelo irmão
)ródigo que voltou. Ficam até ressentidos, enciumados, do lado de fora
lo banquete da alegria, resmungando porque o pródigo resgatado foi
ecebido com festa. Se uma Igreja fizer uma "Operação Centésima
)velha", visando recuperar seus excluídos e ao final da campanha, vá-
ios eliminados, famílias inteiras, resolverem voltar para o aprisco e for
eita uma "Festa do Resgate", com direito a bolo e refrigerantes, não vai
altar aquele membro zeloso que não comparecerá ao banquete. Se lhe
lerguntarem: "Por que o irmão (ou irmã) não foi à "Festa do Resgate?",
ão será difícil ouvir a resposta: "Estou há tantos anos na Igreja, nunca
ui disciplinado e nunca ninguém fez uma festa para mim..." Teríamos
ue explicar-lhe: "Irmão, a festa não foi feita para os pródigos que vol-
lfam, mas para o Pai que se alegra com a volta deles. O irmão (irmã)
erdeu uma linda oportunidade de se alegrar na alegria do Pai." O fato

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CAPÍTULO 10

A TÚNICA INCONSÚTIL

"a túnica, porém, tecida de alto a baixo, não tinha costura. Disse-
ram, pois (os soldados) uns aos outros: Não a rasguemos" (João
19.23,24).

Os carrascos que crucificaram a Jesus não ousaram dividir a sua túni-


ca, toda tecida de alto a baixo sem costuras, mas muitos cristãos têm
dividido, não apenas a túnica, porém o próprio corpo de Cristo. Acon-
teceu em Corinto (tCor 1.10-13; 3.1-3). Paulo pergunta: "Está Cris-
to dividido?" O verbo usado, merizo • dividir em partes, está na
forma intensivamemerizo - repartir, ou seja, considerar uma parte como
se fosse o todo, a unidade, desconsiderando o valor das outras partes.
A pergunta de Paulo é retórica e só pode comportar resposta negativa:
Absolutamente, Cristo não está dividido. Do mesmo modo a Igreja,
corpo de Cristo, não pode estar dividida, nem se pode colocar sobre
ela uma túnica de doutrinas de remendos de panos velhos tirados do
tecido espiritual do mundo. Quando nos referimos à Túnica Inconsútil
de Jesus, estamos querenôo dizer que Jesus deixou para'a sua Igreja
uma doutrina totalmente nova, sem retalhos do judaísmo, sem emendas
da filosofia grega, sem enxertos do politeísmo romano. E que hoje de-
vemos manter a túnica das doutrinas da Igreja de Cristo isenta de re-
mendos de doutrinas dos homens, uma túnica inconsútil. O retrato da
Igreja do sonho de Jesus está em Atos 2.44: "E todos os que criam
estavam unidos e tinham tudo em comum". Literalmente, "estavam
ATúnica Inconsútil ATúnica Inconsútil

rando perto uns dos outros", ou "na mesma vizinhança". Por não há mudança nem sombra de variação" (Tg 1.17). No homem
arem unidos em espírito, procuravam estarjuntos fisicamente para regenerado, o Espírito Santo resgata a indivisibilidade do ser (cor-
derem receber a doutrina dos apóstolos (v.42), base espiritual da po, alma, espírito) à imagem de Deus Pai. Sendo a Igreja a reunião
'pria unidade; para poderem ver os sinais operados pelos apóstolos dos regenerados, sua unidade se impõe pela própria unidade da
.33), demonstração do poder do alto atuando em suas vidas e para nova natureza espiritual dos seus membros, resgatada para a seme-
derem repartir dos seus bens com os necessitados (4.32). Uma Igre- lhança da natureza de Deus.
unida, não apenas reunida no mesmo lugar, recebe o poder do Espí- A unidade do Filho. Todos os salvos foram comprados pelo mes-
o. A oração de uma Igreja unida faz tremer a terra (At 4.31). Uma mo preço, o sangue de Jesus, não havendo lugar para diferenças
~reja unida tem paz, é edificada e se multiplica (At 9.31). Jesus. sonhou pessoais de valor na Igreja. Haverá um só rebanho, unido, porque
bm uma Igreja unida na perfeição do seu amor; o seu povo umdo para há um só Pastor (10 10.16). "Cohheço as minhas ovelhas e das
/orificar a Deus em espírito e para expandir o seu Reino concretamente minhas ovelhas sou conhecido" (v.14) significa que há uma perfei-
tlté os confins da terra. " ta unidade de amor, não mero relacionamento profissional, entre
Não nos é dado saber o motivo por que Jesus usava uma túnica Jesus e a Igreja, assim como há uma perfeita identidade de amor das
lconsútil, mas é fácil entender por que a Igreja deve ser unida. ovelhas entre si. Os membros do corpo só podem comunicar-se atra-
lbviamente, aqui estamos trabalhando o conceito de Igreja local. vés da cabeça. Quando os membros do corpo não estão unidos entre
or extensão, porém, a unidade da Igreja deve ser projetada na uni- si, é porque há alguma falha na comunicação entre um ou mais deles
ade espiritual do povo de Deus. e a cabeça. Ou, para continuar com a figura da relação pastor-reba-
nho, se as ovelhas não estão unidas entre si é porque não estão em
unidade com o Pastor. Certo pastor de Igreja que tinha sido pastor
. FATORES DETERMINANTES DA UNIDADE DA IGREJA
de ovelhas conta como as ovelhas que estão longe do pastor se de-
A unidade do Pai. "Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o sentendem e começam a dar marradas umas contra as outras. Resga-
nico Senhor" (Dt 6.4) O texto não diz apenas que há um só Deus, tar uma ovelha perdida para a soberania do Pastor é resgatá-la não
las afirma a unidade da pessoa de Deus. Literalmente, temos "JHVH apenas do perigo e da morte, mas também para a unidade do reba-
'OSSO DEUS JHVH UM". Desde que "há um só Deus" (lTm nho. Daí a alegria no céu por um pecador que se arrepe~de, mais do
.5), em absoluta unidade consigo mesmo, a Igreja deve ser uma que por 99 justos que não têm de que se arrepender. Que estão em
nidade perfeita. A natureZa da unidade de Deus deve ser projetada perfeita unidade no aprisco. Quando Jesus declara "Eu e o Pai so-
a unidade da Igreja. Cada Igreja projeta o retrato do Deus a quem mos um", está falando da essência da pessoa divina. Não são duas
~rve. A personalidade do homem natural é fracionada pelo peca- pessoas que se uniram por um pacto de conveniência mútua, mas
o. Dentro de um ser humano existem vontades conflitantes ("carne uma única pessoa em harmonia essencial consigo mesma. O homem
ontra espírito e espírito contra carne" - Gl 5.17), a ponto de Pau- Jesus e o Deus Filho estão em absoluta unidade. Assim devem ser
) exclamar, ao falar de suas próprias ambigüidades: "Miserável unidos os membros da Igreja ainda que tenham personalidades dis-
omem que sou" (Rm 7.24). Deus, porém, na perfeição da sua tintas, antes de mais nada, pela presença de Cristo em cada um de-
antidade, é um ser em unidade absoluta consigo mesmo, "em quem les. A perfeita unidade de Cristo, cabeça da Igreja, na essência do seu

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ATúnica Inconsútil ATúnica Inconsútil

r divino-humano, impõe à Igreja uma total unidade, pois toda a ambi- dá várias traduções parameno: "hospedar-se", "não sair, continuar pre-
iidade entre a carne e o espírito foi desfeita na cruz do Calvário. sente ativamente", "continuar a ser, ou seja: não terminar, durar", "ficar
A unidade do Espírito. Os dons espirituais são múltiplos e diferen- como alguém é, não se tomar diferente". Por vivermos em um mundo
s, mas juntos, somados, promovem" a edificação do corpo de Cris- tão fugaz como a nuvem que passa, cujos valores morais e espirituais
I " porque o Espírito doador é um só e único. Onde há discórdias, não
são tão transitórios, o que dá significado à vida é o sentido da perma-
á operação do Espírito, portanto não há dons espirituais, ainda que nência no amor de Cristo por nos amarmos uns aos outros. Não amar
aja talentos naturais. A doutrina de Paulo sobre a diversidade dos dons o irmão é tomar nula a Graça. A unidade da Igreja resulta do amor,
empre destaca a unidade do Corpo de Cristo. O amor que ele descre- testemunha do amor, desenha, em esperança, o amor que reinará na
'e em 1Coríntios 13 não é propriamente um dom, mas é a esfera dentro Glória. Por amor adoramos, por amor ofertamos dos nossos bens,
por amor evangelizamos e exercitamos os dons que o Espírito nos
la qual todos os dons são efetivados; é o "caminho mais excelente, "
concede; por amor buscamos a santidade de vida, por amor espera-
lpÓS todos os caminhos percorridos no capítulo 12, como assinala
mos a vinda do Noivo, por amor nos unimos na Ekklesia. O amor
~iegfried Schatzmann na sua tese de doutorado A PAULINE
está para a Igreja como a alma estápara o violino. "Alma" é um
rHEOLOGY OF CHARISMATA. No mesmo e único Espírito, atra-
pequeno cilindro de madeira, da espessura de um lápis, que separa
'és do mesmo e único Mediador, todos os salvos adoram o mesmo e
as paredes do violino. Um Stradvárius (o mais caro violino) nas
inicoDeus.
mãos de um Paganini (o maior violinista de todos os tempos), sem
A unidade do amor. "O meu mandamento é este: que vos ameis alma, não produz melodia. Desafina. Assim a Igreja onde não haja
ms aos outros, assim como eu vos amei." Uma leitura literal de amor. Pode ser a Igreja mais cheia de dons e talentos da terra, como
'oão 15.12 deixa a impressão de que esse é o único mandamento de a Igreja de Corinto, mas, sem amor, não inspira, não alegra, não
'esus, pela presença do artigo definido na abertura do período. Se- produz a melodia que agrada o coração de Deus.
suindo, porém, o raciocínio de Jesus - "Assim como o Pai me amou, A grandeza da tarefa. A responsabilidade pela tarefa da implanta-
~u também vos amei; permanecei no meu amor" (v. 9) e em seguida ção do Reino de Deus no mundo é maior do que cada uma e do que
. " que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei" (v 12), todas as igrejas. Somente unida, a Igreja local alcança os seus objetivos
lerificamos que esse não é', por certo, o único mandamento de Jesus na adoração, na ação social, no magistério da fé, na evangelização.
lOS seus discípulos, mas é a motivação correta de toda a obediência a Somente unidas, as igrejas podem evangelizar o mundo. Não basta cantar
:odos os mandamentos. O que vem a ser "permanecei"? (gr. meno). o mesmo hino: é preciso cantar no mesmo diapasão. Sem unidade, não
Essa é uma linda palavra que aparece 10 vezes em diferentes formas há adoração. A adoração verdadeira transcende a capacidade indivi-
wmente neste capítulo 15 de João. Levei alguns anos para perceber o duaI dos crentes. Não basta ajudar os pobres. É preciso amá-los como
sentido dessa expressão de Jesus. Pensava quepermanecer no amor Igreja. Há igrejas que dão comida e roupas usadas para os pobres,
je Jesus seria amar a Jesus e receber da sua graça e misericórdia sobre mas não dão amor. Enchem de pão o estômago dos pobres, mas não
mim continuamente. Até que entendi que a medida da minha permanên- enchem de amor o seu coração. Aquecem o corpo, mas não a alma.
:ia no amor de Jesus é o amor com que eu amo os meus irmãos, segun- Não basta ensinar a Bíblia. É preciso viver seus ensinos. Sem unidade
jo a compreensão de lJoão 4.12: "se nos amamos uns aos outros, de fé, não há magistério. Não basta dar o recado evangélico. É preciso
Deus permanece em nós e o seu amor em nós é aperfeiçoado". Thayer que o pecador seja constrangido pelo amor de Cristo, pois não é a

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1
ATúnica Inconsútil ATúnica Inconsútil

5gica da justiça divina que convence o transgressor, mas é o amor de o imóvel e o pai do rapaz achava que devia haver uma indenização pelas
:risto que "nos constrange" - sunexei - "cerca-nos por todos os benfeitorias. O caso estava najustiça. A Igreja estava dividida. Depois de
~dos, obriga-nos" (2Cor 5.14). Somente unida em amor, pode a Igreja uma hora de conversa e oração, ambos se abraçaram em lágrimas. Tive
lemonstrar o amor de Cristo e, assim, cumprir sua missão na terra. vontade de chamar o povo e celebrar a Ceia outra vez....
Divergências doutrinárias. Por traz do partidarismo nominal (Pau-
lo, Apolo, Cefas, Cristo), havia uma divisão ideológica, como Paulo
2. FATORES QUE CAUSAM DIVISÕES NA IGREJA
deixa entrever em 1Cor 3: 11: "Porque ninguém pode pôr outro fun-
Fatores sócio-econômicos. Veja em 1Cor 11.22 como os ricos de- damento, senão o quefoi posto, que é Cristo". As divergências dou-
preciavam os pobres. Aparentemente, os pobres não participavam do trinárias também são fruto da "carne". Cristãos imaturos deixam-se le-
banquete, mas apenas da Ceia do Senhor. Seria o caso de se convidar var pelos modismos teológicos, que Paulo chama de "ventos de dou-
a Igreja para um banquete em local onde só se pudesse ir de carro. Os trina" (Ef 4.14), assumeII). posições radicais e criam cismas na Igreja.
pobres não poderiam comparecer. A elitização pelo critério econômico "Evangelho Social", "Morte de Deus", "Teologia da Libertáção", "Mal-
divide a Igreja e é fatal para os seus objetivos. Se não existe amor, os dição de Família", "Dente de Ouro" "Sopro de Poder", "Cura interior",
ricos se isolam, achando que os pobres são pobres porque são incom- qual será o próximo? Sabendo que muitos cristãos sem base bíblica e
petentes e os pobres depreciam os ricos na sua espiritualidade. Era o imaturos se deixariam levar pelos remendos de doutrina, Paulo adverte,
que acontecia em Corinto. Transações financeiras, empréstimo de di- pelo Espírito: "Não vos deixeis enganar". William Barkley diz que
nheiro inclusive, quando os compromissos não são honrados, resultam "enquanto Cristo ficar no centro da vida do indivíduo e da Igreja, a
em divisão. Na hora de se fechar um negócio vigora a palavra do cren- eritheia - ambição pessoal e causa da rivalidade partidária não
te. Na hora de se dividir o lucro ou o prejuízo, vigora o interesse de poderá sequer começar a aparecer; mas quando Cristo é removido
cada parte. do centro e as ambições políticas de qualquer homem se tornam o
Em certa Igreja onde fui convidado a ministrar a Ceia do Senhor, os centro, certa e inevitavelmente, a dikostasia, competição pessoal,
dois únicos diáconos estavam em litígio najustiça. Um deles me segre- invadirá a Igreja e perturbará a paz entre os irmãos".
dou: "É pastor; temos um porém; a Igreja só tem dois diáconos: eu e o Laçosfamiliares. Os vínculos de sangue também costumam causar
i rmão fulano. mas ele não está em condições de ministrar a Ceia porque divisões na Igreja. Quando farru1ias se dividem, parente contra parente,
está em conflito najustiça contra outro membro da Igreja." Desconfia- ou quando uma família protege da disciplina eclesiástica um dos seus
do, indaguei: "E quem é esse outro irmão?" Ao que ele respondeu: "Sou membros que esteja em pecado, ou ainda quando há luta ~as famílias
eu mesmo". Na hora da celebração, não convoquei os diáconos. Eu pelo poder na Igreja, a divisão surge e se alastra.
mesmo saí de banco em ba~co distribuindo o pão, depois o vinho. Ter- Choque de gerações. Algumas igrejas têm sido divididas pelos con-
minado o culto, ainda ecoava o AMÉM da bênção apostólica, quando flitos entre grupos de faixas etárias diferentes. Aqui,jovens não aceitam
as duas famílias correram para mim: "Por que o pastor não chamou os os valores tradicionais e querem mudar tudo; ali, são os crentes antigos
diáconos?" Expliquei o ocorrido, levei ambos os diáconos para um canto e que não aceitam novos referenciais culturais e não admitem mudar nada.
ali o Espírito de Deus trabalhou. Os dois diáconos eram consogros. O gen- Em geral, os conflitos de gerações são conflitos de personalidades em
ro de um deles havia: constll1ído no terreno do sogro. Agora o sogro exigia luta pelo poder. A Igreja precisa da experiência provada dos mais anti-

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ATúnica Inconsútil ATúnica Inconsútil

50S , mas precisa também da contextualização que as novas geraçõ~s mesmo amor, impulsionados pelo mesmo ânimo, refletir o mesmo senti-
podem trazer. Por isso ela é a Igreja, a Família de Deus. Numa Igreja mento que houve em Cristo Jesus, segundo o qual nada se faz na Igreja
onde cada faixa etária ocupa o seu próprio espaço não sobra espaço por contenda ou por vangl6ria, mas por humildade (Fp 2.1.5).
para as divisões. Opoder da Palavra. Quando uma Igreja é instruída na Palavra, as
Fatores funcionais. São as divisões provocadas pelos interesses divisões se tomam evitáveis e, se surgem, não criam raízes. Quanto mais
aglutinados nas diversas áreas de atuação da Igreja. União A versus uma Igreja conhece e vive a Bíblia, mais se fortalece para resistir às
União B; Departamento C versus Departamento D, etc. Briga-se por divisões. Dois meninos estavam trocando tapas e pontapés. Era quase
uma data no calendário, pela direção de um evento, por uma fatia do meio dia. O pai já ia tirando o cinto para acabar com a briga, quando a
orçamento, por uma sala ou simplesmente para estar em evidência e mãe, mulher sábia, veio com uma banana para cada um deles. Cada um
assim, as divisões vão suq~indo e criando raízes. comeu a sua fruta e ambos foram brincarjuntos. A fome produz confli-
Partidarismo. Aparentemente sem motivo a não ser pelas persona- tos. Em muitas igrejas surgem conflitos porque os filhos de Deus não
lidades em choque, formam-se partidos movidos por simpatias ou anti- estão sendo nutridos com a Palavra.
patias pessoais. Na maior parte das vezes, como no caso de Síntique e A visão do mundo perdido. Certa família está tendo acalorada dis-
Evódia, duas colaboradoras elogiadas por Paulo pela sua aplicação no cussão, em altos brados e 0fensas, quando todos ouvem o grito de uma
Evangelho (Fp 4.2,3), cada líder quer o melhor para a Igreja. O pro- criança que cai do barranco ao lado da casa. Todos param de discutir e
blema surge quando "o meu melhor é melhor do que o teu melhor". A correm para salvar a criança. À medida que a Igreja ouve, na alma, o
linha que separa a discordância como atitude mental da discórdia como clamor do mundo que perece, vai sentindo o impulso para se unir a fim
atitude emocional é um passo, muitas vezes um passo bem curto para de socorrê-lo. As divisões dentro da Igreja são causa e resultado da
cristãos imaturos. falta de compaixão pelos pecadores perdidos. Isso acontece quando a
No diagnóstico de Paulo, todos os fatores que dividem o corpo de adoração deixa de ser um impulso do amor a Cristo e passa a ser ape-
Cristo são resultado da carnalidade e da imaturidade espiritual. nas uma rotina litúrgica e quando o evangelismo deixa de ser o resultado
da paixão pelas almas e passa a ser um esforço de catequese para efeito
estatístico. A exortação de Jesus para que levantemos os nossos olhos
3. FATORES QUE PROMOVEM A UNIDADE DA IGREJA para os campos brancos para a ceifa revela a compaixão de Jesus por
O Poder do Espírito Santo. Quando a Igreja dá liberdade ao Espí- nós também e não somente pelos campos brancos. Levantar os olhos,
rito para agir, o Espírito produz unidade em amor. "Procura'!do guar- ampliar a visão significa que à medida que a pessoa de Jesus se torna
dar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz" (Ef 4.3). A medida real em nossa experiência, passamos a sentir a sua compaixão pelo pe-
em que o poder do Espírito cresce em nós e amadurecemos na fé, va- cador perdido e por isso não achamos que seja sacrifício qualquer ato
mos percebendo como são mesquinhas as nossas "razões", como são de renúncia pessoal em fa:vor da unidade do Corpo de Cristo.
infundados os nossos "temores", como são irrelevantes os nossos "di- O exemplo da liderança. O cultivo da piedade resulta na unidade
reitos" e como são carnais e mundanos todos os motivos de divisão na do ser. A submissão à Palavra e a oração incessante por parte da lide-
Igreja. Se todos têm a mesma comunhão no Espírito e por ele são gui- rança cortam as emulações e abortam as divisões. A Igreja sempre se-
ados, todos só podem sentir uma mesma coisa, ser dominados pelo gue o exemplo do líder. Daí Paulo recomendar a Tim6teo: "Sê o exem-

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ATúnica Inconsútil ATúnica Inconsútil

o dos fiéis" (1 Tm 4.12) - literalmente: "torna-te continuamente o Igreja quer ter poder para evangelizar, há que buscar sua própria
odelo dosfiéis. " A fragmentação da personalidade do pastor entre o unidade antes, durante e depois de todo o empreendimento missio-
ue ele ensina e o que vivé, ou entre os seus ideais e a sua realidade nário. Educação cristã! Se a Igreja não estiver unida, a educação
essoal, quando detectada pelo próprio homem de Deus deve ser sub- cristã será apenas transmissão de conhecimentos e dissertação aca-
etida à ação santificadora do Espírito Santo para a eliminação de toda dêmica, mas não terá o poder de formar o caráter dos educandos
ambigüidade a fim de que a consistência entre sua palavra e sua vida conforme o caráter de Cristo. A ação social é uma obra grande de
eja um fator positivo na construção da unidade da igreja. mais, importante de mais para não ser causa e resultado da perfeita
O cultivo da esperança. Quanto mais viva estiver na alma da Igreja unidade da Igreja no amor de Cristo. Christian A. Schwarz fala das
sublime esperança da "herança incorruptível", (l Pd IA), mais oito "marcas de qualidade" de uma Igreja, conclusão de uma longa
rofunda será a sua unidade. "Graças damos a Deus... desde que e bem elaborada pesquisa realizada em cerca de 1.000 igrejas em 32
uvimosfalar da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes a países. Se aceitamos como válidas essas marcas de qualidade, temos
odos os santos, por causa da esperança que vos está reservada que admitir que uma Igreja sem unidade não alcança qualquer uma
.os céus" (CI 1.3-5). "A esperança da vida eterna produz na Igreja a delas. Uma casa dividida contra si mesma, diz Jesus, não poderá sub-
visão correta das doutrinas e a plena estabilidade do relacionamento de sistir. Devemos investir na unidade da Igreja. Nenhum investimento
:ada crente com Deus e com o povo de Deus" (G. A. Getz). A unidade será oneroso de mais se r~sultar na unidade do corpo de.Cristo.
la Igreja na terra será um sinal e uma lembrança profética da unidade Há muitos anos, estava uma velhinha no Largo do Arouche, em
:los salvos na glória. Lembrando Dean M. KeIley: Que tipo de crentes São Paulo. Ela se protegia do frio com uma capa imunda, feita de
xeciso ter na minha Igreja para que ela seja realmente o corpo indivisível muitos retalhos de panos diferentes, de cores diferentes, de dese-
:le Cristo? Que tipo de líderes preciso ter, com que tipo de capacidade nhos diferentes. Toda enrolada em sua capa de retalhos, a velhinha
~ preparo espiritual, para ter os membros da Igreja unidos como Corpo parecia estar perdida no tempo, indiferente a tudo o que se passava
:le Cristo? Que tipo de pastor devo sere que procedimentos e atitudes ao seu redor. Enquanto a garoa fria da Paulicéia caia sobre a sua
Jessoais devo desenvolver e assumir para ter os líderes dos quais eu cabeça, ela parecia não ter interesse nem forças para levantar a mão,
:,reciso para conduzir a minha Igreja a uma perfeita unidade em Cristo? caso alguém lhe atirasse uma moeda. Será essa a imagem da Igreja
Mais uma vez, a responsabilidade recai, em grande parte, sobre os que queremos ter, uma Igreja envelhecida, vestindo uma capa de
Jmbros do pastor. Quanto mais perto da unidade essencial - corpo, retalhos de doutrinas e práticas ecIesiológicas as mais diversas, alie-
lima e espírito, ele estiver, quanto maior afinidade com o "Pastor e nada, consumindo-se em seu próprio desalento? Com certeza que
'3ispo das vossas almas" (1 Pd 2.25), maior será, certamente, a unida- não! A Igreja com a qual cada um de nós sonha é a Igreja do sonho
:le da Igreja. Para esse ministério de exemplo pessoal, pergunta Paulo, de Jesus. Uma Igreja viva, unida em amor, relevante no mundo, como
"quem é idôneo?" Daí a necessidade de os pastores serem sempre aquela Igreja de Atos dos Apóstolos. Deixe o Espírito trabalhar em
llvo das intercessões da Igreja de Deus. você para que, santificado de tudo o que é carnal, você possa ser
Todas as finalidades bíblicas da Igreja dependem da sua unidade realmente unido à Igreja de Jesus no Espírito. Ore a Deus para que
)ara terem pleno desempenho. Adorar! Pode uma Igreja adorar a aquela Igreja da qual você é membro seja como a túnica de Jesus: uma
)eus se estiver dividida? Evangelizar! Pode uma Igreja fragmentada túnica inconsútil, sem emendas nem remendos de doutrinas alheias à sã
~m partidos e fatias hostis ganhar pecadores para Cristo? Se uma doutrina uma vez entregue aos salvos.

146 147
CAPÍTULO 11

IGREJA E ESTADO

Igreja e Estado cumprem, na sociedade humana, missões diferentes,


não necessariamente antagônicas ou hostis, antes complementares e
interdependentes. A Igreja precisa do Estado para a sua configuração
jurídica, que toma possível o ordenamento das suas relações sociais
enquanto instituição na terra e o Estado precisa da Igreja para a susten-
tação do idealismo moral da sociedade, para a definição dos princípios
éticos que o tomam viável e para o estabelecimento da paz espiritual
dos cidadãos, sem a qual não haverá paz social.

1. CÉSAR E DEUS
Jesus definiu os limites da convivência entre a Igreja e o Estado quan-
do mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. A
Igreja não pode substituir o poder temporal sem mundanizar o sagrado
nem o Estado pode tomar o lugar de Deus sem corromper o espírito. A
palavra de Jesus resume de forma notável aquilo que os filósofos gre-
gos, especialmente Aristóteles, procuraram equacionar nas relações entre
o Estado e a religião. O ser humano não pode prescindir de César,
precisa de César para a manutenção do princípio de direito a fim de que
a sociedade não se converta em um caos. Mas também não pode pres-
cindir de Deus, precisa de Deus para que a sociedade não se transfor-
me em uma sociedade de brutos. Não se deve dar à Igreja o que é de
César, nem a César o que pertence ao sagrado. A César cabe receber
A Túnica Inconsútil Igreja e Estado

,s impostos para que se alcance o bem comum, na visão de Aristóteles, lecer um sistema de governo submisso à fé cristã, subsidiando o clero e
Marciano Vidal - MORAL DE ATITUDES, VoI. 3 pág. 490). A Deus tratando como crime contra o Estado o sacrilégio. Em 380 Teodósio
abe, com exclusividade, receber adoração. Os fariseus que interpela- adotou oficialmente a Igreja como fator de integração social cobrindo-
am Jesus estavam dispostos a dar a César o que é de César, ainda que a de privilégios. Começava assim a fusão das duas espadas: a espada
l contra gosto, mas não estavam dispostos a dar a Deus o que é de do poder temporal confundida com a do poder eclesiástico. A religião
)eus: o reconhecimento da soberania de Deus, revelado na aceitação cristã, imposta como obrigação, sem conversão real a Cristo, resultou
jo Filho de Deus como Messias e Salvador. nas heresias que foram migrando das religiões pagãs para a Igreja Cris-
tã, como o culto às imagens pagãs sob nomenclatura cristã, o politeísmo
Na idade média, vários autores cristãos trataram do relacionamento
pagão disfarçado na hagiologia cristã, a teofagia pagã transformada no
entre Igreja e Estado, especialmente Tomaz e Agostinho, que escreveu,
dogma da transubstanciação, o sacerdócio humano, as superstições pagãs
sobre o assunto, o clássico tratado A CIDADE DE DEUS. Agostinho
transformadas em artigos de fé, como o poder mágico das palavras do
se refere à Igreja como a cidade celestial em peregrinação na terra: "A
sacerdote no batismo para apagar pecados e assim por diante, até que
cidade celestial, diz ele, vai chamando cidadãos em todas as nações
Deus levantou os reformas1ores para restaurarem a fé cristã na pureza
efonnando de todas as línguas, uma sociedade peregrina." Na sua
dos seus termos bíblicos. .
peregrinação pela terra, a Igreja não pode perder a esperança, a cons-
ciência do eterno. Ela não pode sujeitar-se ao poder temporal nem ser João Calvino dedicou todo o capítulo XX da obra AS INSTITUTAS
seu vassalo, ainda que lhe deva submissão nas questões de Estado. Do (Livro Quarto, páginas 453 a 484) ao trato das relações entre a
pensamento agostiniano surge a idéia das duas espadas: a espada do Igreja e a política, no qual diz ele, de início, que "os aduladores
poder espiritual ao lado da espada do poder temporal. O idealismo dos príncipes. exaltando-lhes desmedidamente o poder, não duvi-
cristão seria alcançado na terra quando o Estado se tornasse cristão, ou dam opô-lo à soberania do próprio Deus." Mais à frente, ele ad-
seja, quando a paz na terra estivesse sujeita à paz celestial. "Esta últi- verte que "ao constituir homens mortais que dominem sob dife-
ma, diz Agostinho, é a paz verdadeira, a única digna de o ser e de se rentes formas, Deus não resignou da sua autoridade soberana so-
chamar paz da criatura racional, a união ordenadíssima e concor- bre a terra dos homens. " Da absoluta soberania de Deus, matéria
díssima para gozar de Deus e por sua vez em Deus" (Citação de cativa de Calvino em todas as páginas da sua obra, resulta o comen-
Marciano Vidal, Op cit). Pode haver e tem havido cristãos verdadeiros tário sobre lCor 7.23: "A fim de que não caiamos em desânimo,
que ocupam funções relevantes no Estado, até mesmo reis, presidentes Paulo nos encoraja dizendo que fomos comprados por Cristo por
e imperadores, mas isso não faz um Estado cristão. Estado cristão de tão alto preço - o preço que custou nossa Redenção e por isso não
fato só poderá acontecer no reino messiânico. Sempre que governantes podemos nos tornar escravos dos poderes perversos e tirânicos
cristãos tentaram impor a fé cristã pela força da espada, a fé cedeu lugar dos homens". O cristão, como cidadão da pátria terrena, tem deve-
ao medo, a liberdade de consciência foi subjugada pela tirania. No ano res para com o seu país mas sempre que entrar em conflito o seu
312 o imperador romano Constantino tentou usar a Igreja politicamen- dever cívico com os seus deveres para com Deus, deve permanecer fiel
te. Parecia que Roma capitulava diante da fé cristã. Posteriormente, ao seu Redentor, ainda que isso lhe custe todos os bens e a própria
Juliano tentou destruir a Igreja para implantar uma religião cultural base- vida. Martinho Lutero sustentava a mesma atitude para o cristão,
ada no helenismo. No século IV o imperador Teodósio tentou estabe- celebrizada no seu famoso hino Castelo Forte:

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ATúnica Inconsútil Igreja e Estado

temos de perder osfilhos, bens, mulher, liberdade religiosa semfavorecimento a qualquer grupo
nbora a vida vá, por nós Jesus está ou credo. O Estado deve ser leigo e a Igreja livre. Reco-
dar-nos-á seu Reino. nhecendo que o governo do Estado é de ordenação divi-
É interessante notar que, enquanto Agostinho aceita a forma de go- na para o bem estar dos cidadãos e a ordem justa da
~mo monárquico e universal tanto para a Igreja como para o Estado, sociedade, é dever dos crentes orar pelas autoridades,
alvino adota uma posição pluralista, reconhecendo que o poder secu- bem como respeitar as leis e ospoderes constituídos, exceto
.r, como princípio, foi estabelecido por Deus e deve estar sujeito à naquilo que se oponha à vontade e à lei de Deus. "
)berania de Deus, seja qual for a sua forma. A Aliança Batista Mundial, em sua Assembléia realizada no Rio de
Janeiro em 1960 publicou a seguinte declaração: "Recomendamos que
. AS IGREJAS BATISTAS E O ESTADO os programas de obras sociais das igrejas sejam planejados de forma
Tem sido uma característica marcante das igrejas batistas através da que representem o amor e a mordomia do povo das igrejas e que não
istória, a defesa da liberdad,e de consciência do indivíduo. qberdade de sejam custeados pelo governo" (Vide John Landers, TEOLOGIA DOS
xaminar as Escrituras, liberdade de crer e adorar a Deus conforme os PRINCÍPIOS BATISTAS, Pág. 122).
itames da sua consciência, liberdade universal de acesso a Deus sem A conferência das Nações Unidas sobre Meio Humano, acontecida
ltermediação humana. Como resultado desse princípio basilar, os batis- em Estocolmo em junho de 1973 incluiu na sua proclamação nada
15 defendem a separação entre a Igreja e o Estado. Reconhecem, como menos do que 26 princípios sobre o homem e seu relacionamento
1andam as Escrituras, o papel do Estado, colaboram com o Estado para com o meio ambiente e os recursos naturais da terra. O princípio
ílelhorar aqualidade de vida da sociedade, oram pelos governantes, mas primeiro reza: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à
tão abrem mão do princípio de separação entre Igreja e Estado. Separa- igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um
ão, no caso, que não significa alienação, isolamento e menos ainda hos- meio de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e
llidade, mas também não significa adulação, subserviência, ou dependên- gozar de um bem estar, e tem a solene obrigação de proteger e
ia, quer no sentido ideológico, quer no sentido econômico. melhorar o meio para as gerações presentes e futuras." (Vide
O Art. XV da Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasilei- Marciano Vidal, op cit). Na preservação e desenvolvimento das con-
adiz textualmente: dições ambientais, Igreja e Estado têm funções que se somam para o
"A liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais bem comum, mas que só serão eficazes na medida em que o homem for
do homem, inerente à sua natureza moral e espiritual. realmente livre, prisioneiro somente da esperança (Zacarias 9.12), o
Porforça dessa natureza, a liberdade religiosa não deve que só pode ser alcançado pelo poder do Evangelho de Cristo. Se o
sofrer a ingerência de qualquer poder humano. Cada homem não tiver temor de Deus,jamais respeitará a criação de Deus. O
pessoa tem o direito de cultuar a Deus segundo os dita- pecado do homem é a maldição da terra: "Maldita é a terra por causa
mes da sua consciência, livre de coações de qualquer de ti" (Gn 3.17) e por isso só a redenção do homem redimirá a terra-
espécie. A Igreja e o Estado devem estar separados por "toda a criação geme... esperando a adoção, a saber, a redenção
serem diferentes em sua natureza, objetivos efunções. É do nosso corpo" (Rm 8.22,23). Igreja e Estado têm papeis mutua-
dever do Estado garantir o pleno gozo e o exercício da mente complementares na redenção da criação em favor da qualidade

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ATúnica Inconsútil Igreja e Estado

e vida do homem na terra, que a Igreja reconhece ser a suprema dádi- to, a quem temOl; temor; a quem honra, honra". Não é menciona-
a de Deus ao homem neste mundo. Cabe-nos, como Igreja, participar do o imposto específico cobrado em muitas cidades para o sustento
os esforços do Estado em tudo o que for possível, a começar pela do culto aos ídolos, como um tributo a que os cristãos estivessem
ducação para a vida, visando a preservação do já tão ameaçado meio sujeitos.
umano. Sem essa parceria Estado e Igreja, não resta esperança.
PEDRO· lPedro 2.11-17
"11 Amados, peço-vos como a peregrinos e forasteiros, que vos
,3. BASES BÍBLICAS
abstenhais das concupis.cências carnais que combatem contra a
, Os textos disponíveis são claros e abrangentes. Podemos dividir as alma; 12 Tendo o vosso viver honesto (kalén - bom, agradável,
passagens do Novo Testamento que trabalham as relações da Igreja aprazível, desejável) entre os gentios (ethnesin - nações, diferentes
com o Estado em duas categorias: Primeira: textos históricos, que tra- culturas); para que naquilo em quefalam mal de vós, como de mal-
tam da origem e funcionamento dessas relações; segunda: textos feitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação (em era episcopes •
escatológicos, que se reportam aos tempos de perseguição contra os dia da presença de Deus; a visita do rei é para pôr as coisas em ordem,
cristãos sob Domiciano, situação imediata das igrejas quando João es- para julgar, premiando o bem e castigando o mal) pelas boas obras
creveu e que, teologicamente se projetam na consumação dos séculos, que em vós observem. 13 Sujeitai-vos pois a toda ordenação
quando Satanás tentará se apossar de todos os reinos da terra. (antropine ktisei - toda a espécie de ordenação humana, não apenas à
autoridade política, mas também o escravo ao seu senhor, a esposa ao
PAULO (Romanos 13:1-7, ARC)
seu marido, os súditos ao seu rei (vide Theol. Dic. OfThe NT, G. Kittel,
1 "Toda a alma esteja sujeita às potestades (exousiais - poderes in loc)poramorao Senhor: querao rei, como superior; 14 Quer aos
constituídos) superiores porque não há potestade que não venha de governadores como por ele (pelo rei) enviados para castigo dos
Deus: e as potestades que háforam ordenadas por Deus. 2 Por isso malfeitores e para louvor dos que fazem o bem. 15 Porque assim é
qu.em resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que re- a vontade de Deus, que fazendo bem (ágathos ações de boa qualida-
sistem trarão sobre si mesmos a condenação. 3 Porque os magis- de), tapeis a boca à ignorância dos homens loucos; 16 Como livres,
trados (arxontes - governantes) não são terror para as boas obras, e não tendo a liberdade éomo cobertura da malícia, mas como ser-
mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o vos de Deus. 17 Honrai a todos. Amai afraternidade. Temei a Deus.
bem e terás o louvor dela. 4 Porque ela é ministro (diakonos - ser- Honrai o rei" ("honrai" não se refere ao pagamento de impostos, mas
vo) de Deus para teu bem" Mas sefizeres o mal, teme, pois não traz a estimar no sentido de querer o bem do rei e reconhecer o seu valor).
debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para cas- Ambos os textos coincidem em vários conceitos: Primeiro: O princí-
tigar o qu.e faz o mal. 5 Portanto é necessário que lhe estejais sujei- pio da autoridade foi estabelecido por Deus. Isso significa que Deus é
tos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência. 6 Por soberano e continua a governar o mundo, mesmo que haja reis e gover-
esta razão também pagais tributos (phorous); porque são ministros nadores eleitos pelos homens dentro dos mais diversos sistemas de go-
de Deus atendendo sempre a isto m,esmo. 7 Portanto, dai a cada verno, como interpreta Calvino (Op cit). Segundo: Ainda que o Estado
um o que deveis: a quem tributo (phorous - imposto pessoal), tri- não seja o "flagelo de Deus" (o flagelo da terra é o pecado do homem)
buto; a quem imposto (telos - imposto sobre propriedades), impos- o Estado pode ser mensageiro dajustiça divina. Ao Estado cabe o di-

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ATI1nica Inconsútil Igreja e Estado

eito de julgar os cidadãos conforme as suas leis e punir àqueles que as Natan ao denunciar o pecado de Davi. De igual modo, os cristãos não
nfringirem. Terceiro: Em conseqüência, por obedecer a Deus, o cristão estão obrigados a infring~r as leis de Deus por causa das leis dos ho-
deve obedecer às autoridades constituídas por Deus para o bem co- mens. Bastem-nos os belos exemplos de Daniel e seus amigos no exí-
~um. Quarto: Por ser súdito do Reino do Céu, peregrino e estrangeiro lio. Esse princípio foi bem enunciado por Norman L. Geisler nos se-
neste mundo, o cristão não está isento de cumprir os seus deveres para guintes termos: "a pessoa sempre deve obedecer ao governo quan-
'com o reino da terra. Quinto: O bom comportamento do cristão no do este assume a sua posição apropriada debaixo de Deus, mas
cumprimento das suas obrigações, não apenas não transgredindo as nunca deve obedecer ao governo quando este toma o lugar de
leis, mas agindo positivamente em favor da sociedade, representa uma Deus" (ÉTICA CRISTÃ, pág. 160).
'forma de testemunho da validade dos princípios do Reino de Deus. Os textos bíblicos acima citados nos levam um pouco mais além. O
A palavra usada por Pedro -kalén significa que os ímpios, ao obser- discipulado cristão não se limita aos aspectos da vida espiritual piedosa
varem a conduta dos cristãos, devem desejar imitá-los. "O melhor ar- e santa mas deve abranger a atuação do discípulo de Cristo em todas as
gumento em favor do cristianismo, completa Barkley, é um verdadeiro esferas da vida social. "Uma espiritualidade sem discipulado nos
cristão" (Barkley, in loc). Quando Pedro pede aos cristãos que se abs- aspectos cotidianos da vida social, econômica e política é só religi-
tenham das cobiças carnais, não está se referindo apenas à depravação osidade, mas não Cristianismo" declara Samuel Escobar na sua tese
sexual, mas está abrangendo tudo o que é da matéria, do reino da terra, em Lausanne. É parte inalienável da missão da Igreja na terra preparar
pois, como ele já disse (l.4) temos reservada para nós no céu uma homens e mulheres para exercerem a mais profunda influência possível
herança incorruptível, incontamináveI. Quando ele diz: "naquilo em que na sociedade para nela implantar os princípios da verdade eterna do
falam mal de vós como malfeitores", certamente está se referindo à Evangelho. Estarão os profissionais cristãos conscientes da sua missão
recusa dos cristãos de participarem dos costumes depravados dos gen- na levedura da massa na política, nos sindicatos, no magistério secular,
tios, que os gentios conside~avam bons costumes, mas que não o seriam na administração pública, onde Deus os colocar?
para os cristãos. Aí poderia entrar o culto aos demônios, a prostituição,
JOÃO· Apocalipse, capítulos 13 a 19
a recusa em prestar culto a César conforme a acusação que foi feita a
Paulo e Silas em Filipos: "Estes homens, sendo judeus, perturbam a No Apocalipse, a visão das relações entre a Igreja e o Estado sofre a
nossa cidade. e nos expõe costumes que não nos é lícito receber pressão da situação de angústia que a Igreja vive sob o poder cruel e
nem praticar, visto que somos romanos" (At 16.20,21). desp6tico de Domiciano. O poder estatal é atribuído totalmente a Sata-
As demandas do Kerigma evangélico implicam mudança de costu- nás, em guerra contra o Cordeiro e contra os santos. Não há contradição
mes que a sociedade não deseja aceitar, inclusive nas relações do indi- entre PaulolPedro e João. Para o prof. Marciano Vidal (Op cit pág. 464),
víduo com o Estado. Logicamente, cabe aos cristãos denunciar as "Romanos 13 e Apocalipse 13 não são duas imagens irreconciliáveis,
injustiças e a corrupção do poder estatal. A aceitação da autoridade mas o inverso e o reverso de uma mesma moeda, que já desde o começo
secular como estabelecida por Deus não significa que a Igreja deva tem seu valor fixo na concepção hist6rico-soterol6gica do Novo Testa-
aceitar o pecado dos governantes passivamente. Sirvam-nos os exe~­ mento ou, se quisermos variar a imagem: aquela moeda conserva o seu
pIos de João Batista ao condenar diretamente Herodes por estar VI- valor enquanto Deus a aceitar em pagamento~ mas converte-se em
vendo em adultério com a própria cunhada (Mc 6.17,18), do profeta falsa moeda diab6lica, tão logo como a imagem do soberano, grava-

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A Túnica Inconsútil Igreja e Estado

ia nela, se transforma em ídolo de uma potência hostil que pretende de Ester e dos judeus, mudou a atitude do rei Assuero, transtornou os
iestronar Deus". Ou seja: enquanto César aceita o seu papel temporal, ímpetos assassinos do poderoso general Hamã e alterou o curso da
não há conflito entre o poder temporal e o poder espiritual. No momen- história do povojudeu. Enquanto a Igreja de Jerusalém orava, um anjo
to em que o Estado pretende assumir o lugar de Deus, o conflito está libertou Pedro da Prisão! (Atos 12.5,6). Voltando ao VT, temos Jeremias
armado e o Apocalipse se ocupa em mostrar de que lado está a vitória. escrevendo uma carta aos cativos de Babilônia, na qual ele diz: "E
Quando César não se conforma com apenas um lado da moeda e quer procurai a paz da cidade para onde vos fiz transportar, e orai por
figurar de ambos os lados, não deixando lugar para o que é de Deus, ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz" (29.7). Mesmo
assume infalivelmente o lugar do Anticristo. exilados em terra estranha, mesmo oprimidos, os judeus deviam orar
pela Babilônia. .
O século XX assistiu duas vezes, pelo menos, esse mesmo filme, ten- A oração intercessória de Abraão em favor de Sodoma tem sido lar-
do como protagonistas o Comunismo ateu e depois o nazi-facismo ali- gamente usada como exemplo de ousadia em pedir pela cidade. Robert
ado ao "divino" Hiroito. Na outra página desse cordel diabólico está, C. Linthicum, no livro CIDADE DE DEUS, CIDADE DE SATANÁS
sem dúvida, o capitalismo selvagem com os devastadores efeitos per- (Pág. 126ss) faz um interessante comentário sobre a oração de Abraão.
versos da economia mundial. O Anticristo do final dos tempos será um Citando vários autores, diz que a leitura de Gênesis 18. 22 seria "O
poder satânico, talvez pessoal, talvez corporativo, que concentrará em Senhorficou ainda em pé diante daface de Abraão" ao invés de "E
suas mãos poderes não imaginados para perseguir a Igreja e tentar var- Abraãoficou ainda em pé diante daface do Senhor". A diferença
rer os cristãos da face da terra. Mas, ALELUIA! João e todos os sal- está no fato de que era Deus que estava interessado em salvar Sodoma,
vos já sabem de quem será a vitória final: "Salvação e glória e honra era Deus que estava procurando alguém que intercedesse pela cidade
pertencem ao Senhor nosso Deus; porque verdadeiros e justos são com fé suficiente para mudar o veredicto de destruição.
os seus juízos, pois julgou a grande prostituta que havia corrompi- Linthicum sugere a seguinte versão para o famoso diálogo: ''Era como
do a terra com a sua pros~ituição e das mãos dela vingou o sangue se Deus estivesse dizendo ao patriarca: Eu ouço as súplicas do meu
dos seus servos... Aleluia, pois já o Senhor o todo poderoso reina. povo. Vá em frente, Abraão, peça-me! Peça-me para salvar Sodoma
Regozijemo-nos e alegremo-nos e demos-lhe glória" (Apoc 19: 1,2,7). por cinqüenta pessoas justas e eu o farei. Abraão pede com fé, Deus
garante. Vá adiante, peça-me por quarenta... peça-me por trinta... peça-
me por vinte!" Seja qual for a tradução correta do texto, a verdade é
4. UM MINISTÉRIO DESPREZADO que Deus estava mais interessado em perdoar, poupar, transformar
Orar pelos governantes! "Admoesto-te pois, antes de tudo, que se Sodoma, como séculos depois salvou Nínive, do que Abraão e depois
façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças por Jonas em pedir por aquelas cidades. "Vá adiante, homem, peça-me! Eu
todos os homens; pelos reis, e por todos os que estão em eminência, quero perdoar; eu quero adiar o julgamento. Além do seu pedido por
para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a pieda- dez pessoas, Abraão não pode ir. Foi assim que a negociação acabou.
de e honestidade" (l Tm 2.1-3). A admoestação de Paulo está Não porque faltasse a Deus misericórdia, mas porque Abraão não pos-
lastreada em inúmeras proposições e exemplos bíblicos. Há exemplos suía ousadia maior." Podemos estranhar e até não concordar com a
notáveis de transformações sociais operadas por Deus em resposta às versão de Linthicum, mas não podemos deixar de aceitar a sua conclu-
orações do seu povo. Deus agiu em resposta às orações de Mardoqueu, são, de contundente atualidade: "Este é o apelo de Deus enquanto está

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ATúnica Inconsútil Igreja e Estado

em pé diante de nós, que pleiteia pela cidade. Somos chamados por direitos mas não se toma isenta das suas responsabilidades sociais. No
Deus para sermos sua comunidade tanto para o antegozo do reino quanto caso de registro de empregados, por exemplo, a ausência da figuração
sua presença atual. Tudo o que a cidade virá a saber sobre o reino de da Igreja como pessoajurídica será agravante em qualquer demanda
Deus, ela saberá através da vida que juntos levarmos, através do nosso trabalhista. Veja o que diz o Dr. Genésio Pereira no livro IGREJA PES-
testemunho, e do nosso comprometimento com os destruídos, machu- SOA JURÍDICA. Não há qualquer contradição doutrinária entre o mi-
cados e pobres da cidade! Vá adiante, homem, peça-me! Vá adiante, nistério espiritual da Igreja e a sua existência de direito. A Igreja não se
mulher, peça-me pela cidade! Teremos ousadia suficiente para pedir a torna servil ao poder pú~lico por ser pessoa jurídica
Deus pela nossa cidade, a ousadia de estar na cidade, de proclamar, A Igreja deve manter em dia a sua inscrição no CGc. Ela é imune
de trabalhar por justiça, naquilo que Deus quer que a Igreja venha a à tributação por direito constitucional, mas não é isenta de apresen-
ser? Estamos nós desejosos de ser a encarnação do Reino de Deus tar a declaração anual de rendimentos pagos, uma vez que várias
em nossa cidade? Vá adiante, Igreja, peça-me!" pessoas que dela recebem pagamento não são isentas como pesso-
as físicas ou jurídicas. Para que a Igreja possa reinvindicar o que é
CONCLUSÕES PRÁTICAS
de Deus, deve ser fiel em colaborar para que os cidadãos entreguem
Hoje, aqui no Brasil, como'traduzir em termos práticos o relacionamen- a César o que é de César.
to das igrejas com o Estado dentro do tempo tido por muitos como a A Igreja deve cumprir fielmente as suas obrigações sociais em relação
pós-modernidade, um tempo de rápidas transformações sociais e aos seus assalariados, quer permanentes, quer eventuais. O recolhimento
inexorável globalização? dos benefícios e contribuições sociais é um direito do trabalhador. Há
Em primeiro lugar, como já ficou dito, as igrejas devem orar pelos uma legislação específica que isenta o ministério da contribuição na con-
governantes. No entender deste autor, as igrejas devem orar com fer- dição de assalariado, mas todos os demais empregados da Igreja, in-
vor em todos os seus cultos pelas autoridades nas esferas dos três clusive das construções, devem ter seus direitos, e de suas famílias,
poderes nas áreas federal, estadual e municipal. Quando a Igreja ora respeitados pela Igreja. Quando uma Igreja faz uma obra clandesti-
pelos governantes, antes mesmo de a resposta chegar e Deus mudar o na, sem registrar os empregados, está desmentindo, na prática, a sua
curso cios acontecimentos, a igrejajá está sendo abençoada por colo- pregação de justiça. Mais uma vez temos que declarar que não há
car o reino da terra na dependência do reino celestial no seu próprio princípio doutrinário bíblico que justifique a sonegação das contri-
conceito. buições sociais por parte das igrejas.
Ao mesmo tempo em que ora pelos governantes, a Igreja deve cumprir a A Igreja deve obedecer todas as posturas municipais nas suas
sua missão na evangelização do país, do estado, da cidade e do seu bairro, edificações. As leis são feitas para proteger os cidadãos, não so-
discipulando homens e mulheres para viverem em santidade de vida e para mente os membros da Igreja, mas o público em geral. Desrespeitar
darem prova da sua fé em todas as esferas da vida na sociedade. as leis é colocar em risco os freqüentadores dos cultos e isso, além de
ser uma imprudência, é um mau testemunho. Quando a Igreja cum-
Cada Igreja, ao ser organizada, deve imediatamente registrar os seus
pre rigorosamente as suas obrigações legais está exercendo uma eficiente
estatutos no cartório e se tornar pessoa jurídica, não importa o tamanho
pedagogia social. O inverso também é vero! Cada Igreja deve ter uma as-
da Igreja, a existência de propriedades, o número de funcionários re-
sessoriajurídica, seja própria, seja conveniada, para que todos os seus atos
munerados. A Igreja que não é pessoa jurídica não pode reclamar seus
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Igreja e Estado

jurídicos sejam assentados dentro das leis. A Igreja é uma sociedade ver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração" (Mt 6.21).
civilmente responsável, estável, séria, não é um ajuntamento clandestino
O coração segue o tesouro. É da natureza humana. O tesouro custou
e inconseqüente. Que conceito desejamos que os membros façam da tempo e suor, custou vida. É lógico que o coração o acompanhe. Quan-
sua própria Igrej a como instituição? to mais do seu tesouro estiver na Igreja, tanto mais estará na Igreja o
seu coração. Aliás, sempre que a Igreja busca fontes alternativas para o
5. SUBVENÇÕES: SIM OU NÃO? seu sustento fora dos dízimos e ofertas dos seus membros, está
desestimulando o impulso de amor no coração do povo de Deus e o
Devem as igrejas batistas aceitar doações ou subvenções do Governo?
testemunho da sua fé. A idéia de pleitear junto à Receita Federal o
A supressão da linha demarcatória entre Igreja e Estado sempre tem abatimento das contribuições para a Igreja do imposto de renda, não é
significado a secularização do eterno, a mundanização do sagrado. Quan- mais do que dar a Deus o 9ue é de César, que resultará em dar a César
do uma Igreja pleiteia ou aceita subvenção do Governo para formar o o que é de Deus. Os impostos são de César, para o sustento do poder
seu patrimônio ou sustentar suas atividades, ela está desfocando o alvo secular. São obrigatórios. Sonegá-los é crime. Os dízimos são voluntá-
da sua esperança. Ou seja, está radicando sua esperança na terra dos rios, dados por amor, com alegria no coração, para o sustento e a ex-
homens e não na glória do céu. Está reduzindo a visão do significado pansão do Reino de Jesus no mundo.
espiritual dos bens terrenos a uma visão material do significado dos va-
Há países onde cada cidadão, ao recolher o seu imposto de renda,
Iares espirituais. Está colocando o Reino de Deus na dependência do declara no formulário a Igreja a que pertence. Parte daquele imposto é,
reino dos homens. Está pretendendo alcançar o que é de Deus com o então, entregue àquela Igreja para a consecução dos seus fins. Esses
que é de César. O dano para o fervor do espírito tem sido um alto preço estados e essas igrejas entendem que essa parceria traz benefícios mú-
pago pela dependência da carne. tuos para a Igreja e para o Governo. Entendem que a Igreja cumpre um
Não é somente para evitar a intromissão do Estado nos assuntos in- papel social como coadjuvante do Estado, sendo natural que o Estado
ternos da Igreja, com reflexo na própria fé, nem pelo motivo de que no arrecade fundos para a Igreja. O que pode parecer uma idéia luminosa
passado as igrejas batistas foram tenazmente perseguidas pela espada para prover o sustento do culto e da obra social da Igreja é, no entanto,
de César a serviço da "espada de Deus", que as igrejas batistas devem um fator de secularização da visão social da Igreja. A Igreja vê o social do
continuar defendendo a sep'aração entre Igreja e Estado, o que equivale p~nto ~e ~ista de Deus. O Estado vê o social do ponto de vista político
a dizer: recusando favores, doações ou subvenções do Governo. No e IdeologlcO. Na visão sec:ularista, a fé é destituída de transcendência,
entender deste autor, há uma razão bem mais ponderável: o entendi- perde o seu significado de céu e passa a valorizar-se pela terra.
mento de que a fidelidade dos crentes na mordomia cristã é um podero- Tão danoso para a fé é ser a Igreja subsidiada pelo Governo quanto
so fator do seu crescimento espiritual como indivíduos e de consolida- serem os dízimos entregues às igrejas sujeitos a cobrança de impos-
ção da identidade da Igreja com os princípios do Novo Testamento. A tos, como várias vezes já sugeriram políticos que malgastam os recur-
formação do patrimônio da Igreja e o sustento das suas atividades, in- sos do Governo e por isso querem enfiar a mão no cofre das ofertas
clusive na esfera da beneficência, devem provir dos dízimos e ofertas das igrejas. Se todos os cidadãos e empresas recolherem seus impos-
designadas dos seus membros porque é através do desprendimento dos tos e se os impostos arrecadados forem administrados com probida-
bens materiais que os crentes crescem na Graça. Jesus diz: "onde esti- de, os governos federal, estadual e municipal terão recursos suficien-

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A Túnica Inconsútil
Igreja e Estado

tes e mais para bem cumprirem as suas funções. Não pr~cisam pôr o
olho de cobiça nos recursos e no patrimônio das igrejas, sobre os premissa com a nossa cidadania celestial e oremos com os lábios com
a alma e coraç- . "\'c h ' '
quais Deus é o legislador soberano. Países onde se implantaram regi- ao. en a o teu remo, seja feita a tua vontade assim na
terra como no céu."
mes de governo ateísta que confiscaram os bens das igrejas, ficaram
sem a sustentação moral da religião. Suas fontes cedo se esgotaram.
Esses regimes passaram e as igrejas ressurgiram com maior vigor. Fique
César com o que é de César. Fique a Igreja com o que é de Deus. O
Estado sempre tende a cobrar mais e mais impostos, considerados pe-
sados em muitos países, além da conta do que os cidadãos podem su-
portar. Isso não é novidade. Já vimos isso com o filho de Salomão.
Associar os dízimos que são entregues por amor, voluntariamente, com
os impostos pagos por imposição legal, acaba corrompendo a idéia da
generosidade na contribuição, que é fator essencial para o crescimento
espiritual do povo de Deus.
A isenção de impostos, por outro lado, não configura uma subvenção
do poder público à Igreja. Trata-se de um direito constitucional, que, por
sinal, preserva o princípio de separação entre Igreja e Estado. Nenhum
cidadão pode ser obrigado, através dos seus impostos, a contribuir para
uma Igreja que não seja a sua Igreja. A liberdade de consciência estaria
sendo ultrajada. De igual modo, o que os membros de uma Igreja ofere-
cem para a propagação e consolidação dos valores espirituais nos quais
acreditam, não pode ser apropriado parcialmente pelo Estado sem dano
grave à liberdade de fé. Deus criou o princípio da autoridade secular para
o bem comum, como ensinam Paulo e Pedro, pois a sociedade humana
precisa de ordem e paz. Assim como não cabe à Igreja agir como se
fosse o poder temporal, ta~bém não cabe ao Estado agir como se dono
fosse até da alma dos seus cidadãos, imiscuindo-se em questões de fé.
"Dai, pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus"
ordena o Senhor. O que é de César? A cara, a face da moeda onde está
cunhada a imagem de César. A outra face, o valor, pertence a Deus.
Sem Deus, César nada vale. Deus é soberano, como cantamos e aqui é
bom lembrar, sobre a terra, sobre o céu, ele é absoluto. Como igrejas
de Jesus, honremos nossa cidadania da terra como parte do nosso com-

164
165
APÊNDICE

A NATUREZA MISSIONÁRIA DA IGREJA

1. A DOUTRINA BÍBLICA DE MISSÕES


A FONTE DE MISSÕES É O AMOR DE DEUS.
Deus ama a todos os seres humanos, de todas as raças, línguas e na-
ções, culturas e sistemas políticos, sem qualquer discriminação. Tt 2.11;
1Tm 2.3,4. Missões é o amor de Deus em ação no mundo. Jesus Cristo
não é apenas o agente da reconciliação, mas a sua causa e objetivo, "au-
tor e consumador da/é" (Hb 12.2). Deus ama os pecadores e quer salvá-
los por causa do seu amor pelo seu Filho, por meio de quem e para quem
todos foram criados. Leia Cll.13-20; João 14.21. A encarnação, a hu-
milhação e a morte de Jesus Cristo na cruz nos dão o modelo da tarefa
missionária da Igreja, ao mesmo tempo em que nos mostram a importân-
cia de missões no coração de Deus. Missões é importante para Deus por-
que, através de Missões, a morte expiatóriado seu Filho amado na cruz do
Calvário será conhecida e ele será aceito em todas as nações da terra. O
Espírito Santo é o poder do amor de Deus, princípio gerador de missões.
At 1:8. É o Espírito Santo que dá impulso à obra de missões. At 13.2-4.

Nota: Esboço apresentado pelo autor na Consulta sobre Missões na América


Latina. convocada pela UBLA - União Batista Latinoamericana em ITACURUBI.
Paraguai, em agosto de 1991
A Túnica Inconsútil A Natureza Missionária da Igreja

o FUNDAMENTO DA AUTORIDADE DE MISSÕES 2. A URG~NCIA DE MISSÕES


É A SOBERANIA DE DEUS
Deus é o Criador do universo físico, de todas as leis que o governam, A UNIVERSALIDADE DO PECADO
tanto quanto do universo espiritual. Deus governa o mundo em todas as Todos os seres humanos são pecadores, separados de Deus por causa
suas dimensões. At 17.24,25. Os ímpios desafiam a soberania de Deus do pecado, condenados à miséria eterna (inferno), sem distinção de raça,
e se recusam a dar a Deus o tributo da sua obediência, mas pela vitória língua, estágio cultural ou econômico. Rm. 3.10,23; 6.23. Tenham ou não
de Cristo na cruz e pelo poder do Espírito Santo, os missionários envi- consciência da sua culpa, todos os seres humanos são culpados diante de
ados por Deus realizam a obra de missões a fim de resgatar o mundo Deus (Rm. 1.20; 2.12) e só poderão ser remidos pelo sangue de Jesus para
do domínio de Satanás. CI2.13-15; Lc 10.18,19; Ef. 6.12. Os missio- poderem comparecer sem culpa perante o tribunal de Deus.
nários não são invasores da propriedade alheia, mas emissários da Jus- .
A SlNGULARIDADEDO MEIO DE SALVAÇÃO
tiça de Deus, a fim de restituir a posse e uso da propriedade de Deus, o
coração dos homens, usurpada pelo diabo. 1103.8. O Senhor da vinha Não pode haver outro meio de salvação para a alma humana a não ser
continua na plenitude dos seus direitos e nem mesmo o assassinato do Jesus Cristo crucificado. At 4.12; lTm. 2.5; João 14.6. Desde Abel,
seu Filho ameaça a sua soberania. Mt 21.33-45. . todos os seres humanos foram aceitos (salvos) pelafé no Salvadorprome-
tido (Gn 3.25), Jesus Cristo. Hb 11.4,39,40. Todos os seres humanos, em
O PADRÃO DE MISSÕES É A SANTIDADE DE DEUS todas as nações, necessitam de um Redentor. Aesperança messiânica não
Deus é santo na perfeição do seu caráter, na beleza suprema das suas é exclusividade nem criação dos judeus, mas uma aspiração universal. A
obras e najustiça absoluta do seu juízo. Ap 16.7. Todos os seres celestiais promessa de salvação é para todas as nações da terra. Todos os seres
adoram a Deus em santidade. Is 6.3. Deus é santo e digno de ser adora- humanos, em todas as culturas, têm um vazio interior que os induz à busca
do. Toda a humanidade necessita adorá-lo (Sal. 113.3,4), mas asantida- do transcendente, e que só encontra resposta em Jesus Cristo. Ag 2.7; Is.
de de Deus não convive com o pecado. Deus quer derrubar a barreira do 60:3; Lc. 2:30-32. Fazer missões é ir ao encontro da mais profunda e
pecado para poder ter comunhão com o ser humano. Missões é a busca universal das necessidades do ser humano com a única resposta: Jesus.
dos pecadores perdidos para serem salvos e transformados em
A URG~NCIADA PROCLAMAÇÃO DO EVANGELHO
adoradores, que adorem a Deus em espírito e em verdade. Jo 4.23,24.
Missões é uma obra santa, para um Deus santo. Decorre desse princípio A única possibilidade de salvação para a alma humana é nesta vida, aqui.
que os métodos missionários devem ser santos. A motivação para mis- A partidadeste mundo fecha inexoravelmente a oportunidade de salvação.
sões deve ser santa: Hb 9:27. Por isso, é imprescindível levar as boas novas de salvação a toda
a. Na resposta ao chamado divino sem vanglória nem emulação camal. acriaturaemtodoomundci. Mc 16.15; Mt28:19; Lc 24.47.0serhuma-
no não pode alcançar a salvação da sua alma por sua própria capacidade,
b. No levantamento e aplicação dos recursos para o sustento de missões. pois sua natureza pervertida o impede de se arrepender e crer em Cristo
c. Na administração da obra missionária e na propaganda de missões. A por si mesmo. Rrn 8:3. Deixado à suaprópria sorte, o homem vai de mal a
santidade de Deus será o padrão e a glória de Deus será o objetivo supre- pior. 2Tm 3.13. Missões é o método deixado por Jesus para levar atoda a
mo de todo o esforço missionário. criatura, em todo omundo, oconhecimento da salvação. Rm 10.13-15.

168 169
A Túnica Inconsútil A Natureza Missionária da Igreja

3. A UNIVERSALIDADE DO COMPROMISSO MISSIONÁRIO seu Reino na terra" (H. A. Snyder). A Igreja é a dimensão local,
visível e imanente, do Reino de Deus, universal, invisível, e transcen-
TODOS OS CRISTÃOS SÃO AGENTES DA dente. A Igreja é insubstituível como origem dos missionários, como
GRAÇA DA SALVAÇÃO base do sustento de missões, e também como fruto de missões (Ef
Testemunhar da salvação em Cristo é imperativo para toda a pessoa 3.10). Evangelizar é, essencialmente, multiplicar igrejas. At 9.31. A
que é salva: Pelo impacto dessa experiência na sua própria vida. (At 4.19; base para o sustento de missões é a Igreja porque os missionários
1Cor. 9.16), pela unção e atuação do Espírito Santo, à semelhança do partem de igrejas para implantar igrejas e vão reproduzir nas
que ocorreu com Jesus (Le 4: 18), pela obediência ao expresso mandado novas igrejas a natureza neotestamentária das igrejas de origem. To-
do Senhor Jesus. Mc 16.15. O propósito de Deus é alcançar cada ser dos os crentes devem contribuir para missões através da sua Igreja. A
humano onde cada ser humano esteja através de missões. Lc 19.10. Igreja é insubistituível como método de canalização dos recursos para
Cada crente prestará contas da sua responsabilidade a Deus. Ez. 3.18. o sustento de missões porque:

TODAS AS IGREJAS SÃO RESPONSÁVEIS a. O sustento missionário pela Igreja local mantém o vínculo de amor
entre as igrejas de origem e as igrejas nos campos até que estas se auto-
PELA OBRA DE MISSÕES
sustentem e se auto-reproduzam como novas, autônomas e ama-
Toda a Igreja, por ser a comunidade dos salvos, não importa o tempo de
durecidas agências de missões.
sua existência, nem o seu tamanho, nem a sua localização geográfica, nem o
b. Esse método assegura a continuidade do sustento missionário,
nível econômico dos seus membros, é responsável pela proclamação do
mesmo com alternância na liderança das igrejas de origem e dos
Evangelho no mundo inteiro. Mateus 28: 16-20; Ef. 3:9,10. A missão da
órgãos de cooperação.
Igreja é ser canal, não apenas alvo do amor de Deus. Cada Igreja deve
c. Provê a substituição de missionários, quando necessário, para que
permitir que o Espírito Santo a santifique na Palavra de Deus (João 17: 17)
não haja descontinuidade na obra.
para poder sentir o clamor do mundo perdido e o imperativo de.missões.
d. Vincula a obra missionária com a natureza cooperativa da Igreja.
Toda a associação ou convenção de igrejas deve ser compreendIda como
As associações e convenções de igrejas devem ser abertas e criati-
órgão de cooperação para viabilizar a responsabilidade missionária das igre-
vas a nível nacional e internacional, visando atingir a unificação de
j as. Em se tratando de igrejas batistas, esse compromisso é crucial, em vista
dos fundamentos básicos da fé neotestamentáriadefendida pelos batistas, esforços na otimização de todos os recursos humanos e econômicos
baseados nos princípios da liberdade e responsabilidade de cada indivíduo disponíveis, tais como: centros de treinamento, dados estatísticos,
perante Deus, do sacerdócio universal dos salvos, indissoluvelmente ligados elementos técnicos, fixação de prioridades, literatura, câmbio, trans-
entre si e que se traduzem, em termos práticos, por missões e cooperação. porte de obreiros e outros.
O MISSIONÁRIO É O INSTRUMENTO DA
IGREJA PARA FAZER MISSÕES
4. METODOLOGIA MISSIONÁRIA DA IGREJA
OS missionários são os agentes das igrejas ungidos pelo Espírito San-
A IGREJA É ORIGEM, BASE DE SUSTENTO to (Atos 13:2-4) para fazerem a obra missionária, encarnando o amor
E PRODUTO DE MISSÕES de Deus junto aos povos a serem alcançados, sej am estes da mesma
"A Igreja é a única agência criada por Deus para implantar o cultura ou de outra diferente, estejam próximos ou distantes geográfica

170 171
A Túnica Inconsútil A Natureza Missionária da Igreja

ou socialmente. O envio de missionários deve ser precedido de cuida- das verdades cristãs. É essencial que ele conheça a Cristo pessoalmen-
dosa preparação espiritual e de estudo sobre a melhor estratégia a ser te, que seja nascido de novo, conscientemente vocacionado para mis-
seguida conforme as características particulares de cada campo missio- sões e que mantenha uma vida pessoal de piedade cristã, em total de-
nário. Os missionários devem utilizar criativamente os métodos mais efi- pendência do Espírito Santo. É no poder espiritual da vida do missioná-
cientes disponíveis e devem ter liberdade, sob a orientação do Espírito rio e não apenas na sua voz, que o Evangelho se toma relevante e atra-
Santo, para utilizar os métodos que lhes forem propostos com flexibili- tivo para os povos que não conhecem a Jesus Cristo.
dade diante das circunstâncias, visando produzir os maiores resultados
com a melhor qualidade. Os missionários devem sentir-se honrados em
6. A IGREJA E A ESTRATÉGIA DE MISSÕES
prestar relatórios dos seus trabalhos às igrejas. Atos 14.27.
A ESTRATÉGIA DE MISSÕES DEVE SER BÍBLICA EEFICAZ
5. A MENSAGEM DE MISSÕES
? método missionário deve ser bíblico em suas bases e objetivos e
efIcaz em sua mordomia, ou seja, deve produzir o máximo resultado
JESUS CRISTO É O CONTEÚDO DA
possível, da melhor qualidade possível com os recursos disponíveis. O
MENSAGEM MISSIONÁRIA DA IGREJA
processo de educação cristã, que se segue ao ato da conversão a Cris-
Tanto em seus fundamentos históricos quanto na sua dinâmica con- to, deve visar à formação do caráter de Cristo nos novos discípulos de
temporânea e também em toda a sua expressão escatológica, a obra de Jesus.e não amoldar os novos cristãos aos padrões culturais das igrejas
missões tem como exclusivo conteúdo a pessoa de Cristo. 1Cor 1.23; de OrIgem. Gl 4.19. A educação teológica nos campos missionários
2.2; At 17.31. Missões não é transplante de modelos culturais, mas deve ensejar e desenvolver o pensar teológico e não apenas reproduzir,
plantação da boa semente do Evangelho de Jesus Cristo no coração ?as novas igrejas, a linguagem teológica das igrejas de origem. As igre-
dos seres humanos. O Evangelho ilumina e santifica o indivíduo em sua jas plantadas nos campos missionários devem conservar a sua identida-
cultura, porém combate tudo aquilo que é pecado diante de Deus e que, d~ n:ot~s~amentária, i~ompendo como novas agências de cooperação
portanto, causa dano ao homem. At 15.11,19,20. Em conseqüência, a rnts.sIo~ana, auto-suficIentes em recursos e liderança e auto-reprodutivas.
obra missionária deve respeitar as raízes culturais dos povos evan- As Ig~ejas dos campos missionários devem ser respeitadas pelas igrejas
gelizados, preservando o que não colida com os princípios da Palavra de orIgem dentro da sua cultura, como cooperadoras fraternais e não
de Deus e contribuindo para o desenvolvimento integral do ser humano, encaradas paternalisticamente como se incapazes fossem de alcançar a
dentro do seu ambiente cultural. A abertura de novas frentes missionárias sua plena maturidade. A propaganda da obra missionária deve ser ve-
com a plantação de igrejas abre uma infinita variedade de oportunida- raz, respeitando sempre os povos evangelizados em suas diferenças
des para que os crentes dediquem a Cristo os talentos e bens que antes ~ulturais. Os missionários devem capacitar líderes autóctones nas igre-
entregavam à impiedade e à corrupção. Rm. 6: 13. O missionário deve Jas dos ~ampos missionários, cedendo-lhes as funções de liderança,
identificar-se culturalmente com o povo evangelizado, sem perder sua s:m p:ejuízo da eficiência da obra (Tt 1.5,6), permanecendo no esforço
identidade com Cristo (lCor 9.20-22), confrontando os pecadores pIOneIro de evangelização e plantação de igrejas, lado a lado com as
com a pessoa de Cristo e apresentando o Evangelho total, com todas as igrejas locais. Os recursos financeiros enviados pelas igrejas de origem
suas demandas. Não basta ao missionário ser um eficiente comunicador devem ser canalizados através de mecanismos que tenham a participa-

172 173
A Túnica Inconsútil

ção decisória das igrejas dos campos, a fim de que estas aprendam a
praticar a graça da generosidade (lCor 16.3,4) e venham a alcançar
mais rapidamente a sua maturidade em promover missões.

7. ABRANGÊNCIA DEMISSÕES

A OBRA DE MISSÕES ABRANGE TODAS


AS DIMENSÕES DO PRESENTEEDO FUTURO
Através da ação missionária, o Espírito Santo não apenas gera novas
criaturas, mas também as envolve no compromisso de viver uma nova
vida a fim de criar uma nova sociedade e um novo mundo. Ef2.16-22.
O desafio de missões, de acordo com o entendimento bíblico, abrange
uma visão integral do ser humano em todas as suas necessidades e rela-
cionamentos. Ef 3.16-19. Junto com, a partir de e como produto da
ação missionária, os empreendimentos missionários devem permear
toda a sociedade como fermento, pois massa fermentada é fermen-
to renovado. Longe de ser um fator de alienação, a obra missionária
deve ser um fator de integração do homem no propósito de Deus, na
sua própria personalidade e no relacionamento com o seu próximo (Ef.
2.14,15) e com o meio, fundado no amor, na justiça e na paz. A única
esperança para a criação é missões. Não haverá solução para o pro-
blema ecológico no mundo, a menos que o grande predado~ da nature-
za, o homem, seja transformado em um novo ser, que passe a respeitar
o milagre da criação a partir do milagre do novo nascimento. Não há
esperança de se salvar o ecossistema sem que o homem seja salvo pri-
meiro. Rm. 8.19,20. O propósito final de Deus, a ser alcançado por
missões, é a criação de uma nova humanidade para povoar o novo céu.
Em conseqüência, nem o espaço, nem o tempo esgotam a abrangência
de Missões. Em Apocalipse 7:9 temos a visão de multidões inumerá-
veis de todas as raças, nações e línguas perante o trono do Cordeiro,
em eterna adoração. Como é que pessoas de todas as nações e povos
da terra poderão chegar à Glória? Missões, é a resposta.

174
NOTAS

VERSÕES BÍBLICAS USADAS NESTE LIVRO

VR - Versão Revisada segundo os melhores textos -Imprensa


B{blica Brasileira
ARC - Almeida, Edição Revista e Corrigida, Imprensa B{blica Brasileira
ERC - Edição Revista e Corrigida da Tradução Almeida, Sociedade Bíblica do Brasil
VB - Versão Brasileira, Sociedade Br'blica do Brasil
BJ - A B,ôlia de Jerusalém, Edições Paulinas
BU! - A Blôlia na Linguagem de Hoje, Sociedade Br'blica do Brasil
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LEIA OS MAIS RECENTES
LANÇAMENTOS JUERP
1. Na área da Literatura Pennanente:

• Quando Cristo Marca Sua Vida


Almir dos Santos Gonçalves Júnior.
•Curando as Feridas
Edson Martins
· Terapêutica Diaconal
Irysson da Silva
• Quando o Púlpito Perde o Poder
Almir dos Santos Gonçalves Júnior
•Maldição Hereditária
Delcyrde Souza Lima
· Favela Violenta
Macéias Nunes
· Você Pode Falar Melhor
Noélio Duarte
· Grandes Verdades Sobre o Espiritismo Reginaldo Pires Moreira:

2. Na área da Literatura Periódica:

· Pontos Salientes / 98
Estudos devocionais diários, acompanhando as leituras diárias das lições para

adultos e jovens nas revistas "Compromisso" e "Atitude" para a Escola Bíblica


Dominical.
· Atualidades / 98
Série de 13 lições sobre 4 temas da atualidade para serem utilizados pela igreja em
classes alternativas, grupos específicos, estudos bíblicos nos lares.
ENDEREÇO DAS LOJAS JUERP

As antigas Filiais JUERP são hoje lojas independentes que continuam


distribuindo os produtos JUERP. Seus endereços são:

1. Ex-Filial Bandeira - RJ - Livraria Evangélica Cristã da Convenção Ltda.


Rua Mariz e Barros, 39 - Loja D - Praça da Bandeira
Te!. 021 - 273.0447
Av. Cesário de Melo, 2446 - Campo Grande

2. Ex-Filial Belém - PA - Livraria Cristã da Convenção


Trav. Pd. Prudêncio, 61 - Loja 03 - Centro
Te!. 091- 223.66297

3. Ex-Filial Belo Horizonte - MG - Spar Ltda


Rua Carij6s, 115 - Térreo - Centro
Te!. 031 - 224.0519

4. Ex-Filial Brasília - DF - Livraria Vencedores Ltda.


SDS BL G - Loja 13 / 17 - Conj. Bacarat - Asa Azul
Te!. 061 - 224.5449

5. Ex-Filial Campinas - SP - Livraria Evangélica Crescer Ltda.


Rua Ferreira Penteado, 272 - Centro
Te!. 0192 - 321846

6. Ex-Filial Campo Grande - Oliver Com. Livros Ltda


Rua Afonso Pensa, 1897 - S. 12 - Executive Center
Te!. 067 - 383.1963
7. Ex-Filial Centro Rio - RJ - Magnus Dei Livraria e Papelaria Ltda. 17. Ex-Filial São Luiz - MA - Jerusalém Com. Rep. e Serviços
Rua do Ouvidor, 130 - Sala 215 /217 - Centro Rua São Pantaleão, 195 - Loja A - Centro
Te!. 021 - 242.7776 Te!. 098 - 232.7226

8. Ex-Filial Curitiba - PR - Moutinho Com. de Livros Ltda. 18. Ex-Filial São Paulo - SP - Livraria Evangélica Crescer Ltda.
Rua Vc. de Nacar, 1505 - Loja 3 - Executive Center Av. São João, 816/820 - Centro - Te!. 011 - 223.3433
Tel. 041 - 223.8268
19. Ex-Filial Vitória - ES - Livraria Missão Editora
9. Ex-Filial Duque de Caxias - RJ - Livraria Cristã Monte Mor Ltda. Rua Barão de Itapemirim, 208 - Centro
Av. Nilo Peçanha, 411 - Centro Te!. 027 - 223.2893
Te!. 021 -671.3375

10. Ex-Filial Maceió - AL - Boas Novas Comércio, Serviços e


Representações
Rua Joaquim Távora, 349 - Centro - Te!. 082-223.5110

11. Ex-Filial Manaus - AM - 1.S. Paiva Livraria Ltda.


Rua Rui Barbosa, 139 - Centro - Te!. 092 -232.4571

12. Ex-Filial Niterói - RJ - Livraria Caminho Novo Ltda.


Rua XV de Novembro, 49 - Loja 102 - Centro Te!. 021 - 717.2917

13. Ex-Filial Nova Iguaçu - RJ - Clevan Livraria


Rua Otávio Tarquinio, 178 - Centro Te!. 021 -767.8308 PEDIDOS PELO CORREIO:
14. Ex-Filial Porto Alegre - RS - Aprisco Livraria e Papelaria Ltda. ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA
Av. Cristóvão Colombo, 1155 - Floresta E DISTRIBUIDORA CANDEIA
Te!. 051 - 222.3171
Rua Dr. Luiz Arrobas Martins, 344
15. Ex-Filial Recife - PE - Fontenele Comércio, Representações e Vila Friburgo - SP - 04781·000
Serviços TeI. 011-246 8100 - Hot Fax - O 800-555870
Rua do Hospício, 187 - Boa Vista - Te!. 081 - 423.6956

16. Ex-Filial Salvador - BA -Distribuidora de Livros Orion Ltda.


Av. Vc. de São Lourenço, 6 - Campo Grande
Te!. 071 - 321.9326

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