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18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

UM ATIKUM : POR UMA METODOLOGIA TRANSDISCIPLINAR E


TRANSCULTURAL NO DISCURSO ARTÍSTICO/CIENTÍFICO

Maria Luiza Fragoso (EBA-UFRJ),


Jackson M. Vieira, Shirley Fiuza e Victor Hugo S. Valentim (IdA-UnB)

A REDE é um grupo de pesquisa transdisciplinar, direcionado para as áreas de Arte e


Tecnologia, Ciência, Computação e Culturas Tradicionais. Realizamos pesquisas em dois
grandes eixos: no âmbito da Arte e Tecnologia digital, com desenvolvimento de interfaces
computacionais físicas e virtuais, criação de websites, desenhos em GPS, animações
multimídia e instalações interativas que exploram os sistemas de comunicação e
telemática; no âmbito das culturas tradicionais está o acesso dos estudantes indígenas à
inclusão digital e ao ensino superior, inclusão de conhecimentos tradicionais na academia,
tendo como foco diferentes iniciativas como a da Universidade de Brasília, da UNEMAT e
mais recentemente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este artigo trata da
experiencia recente com o povo ATIKUM.
Palavras Chave: Atikum; instalação computacional multimídia interativa

REDE is a trans disciplinary research group focused in art, technology, science, computer
science and traditional cultures. We research in two main directions: art and digital
technology, developing physical and virtual computer interfaces, creating websites, GPS
drawings, multimedia animations and interactive installations that explore communication
systems and telematics; with traditional cultures we act towards digital inclusion and
access to undergraduate and graduate studies for indigenous students, inclusion of
traditional cultures in academic research projects, working with initiatives from the
University of Bras[ilia, UNEMAT and more recently, University of Rio de Janeiro. This
article is about our recent experience with the ATIKUM people.
Keywords: Atikum; interactive multimedia computer installation

Introdução

A produção artística multimídia contemporânea inclui experimentações artísticas


que exploram as potencialidades do ambiente tecnológico informatizado. Nesse
ambiente, cada vez mais, conceitos como arte deixam de possuir uma definição
única justamente por não serem algo estático, mas sim algo em constante
processo de construção. Segundo Deleuze e Guattari (1992), não existem
conceitos simples; todos são compostos por multiplicidades e devem ser
encarados como “articulações, cortes e superposições”. A obra coletiva Um
Atikum é um trabalho coletivo, recente, ainda em construção, que foi concebido a
partir de cortes e superposições, respeitando a necessidade de objetivar uma

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pesquisa transdisciplinar e de desenvolver outros conceitos no contexto


acadêmico do estudo da arte e dos multimeios.

Situar a produção artística contemporânea num contexto estabelecido a partir da


reunião de fatores considerados, por nós, fundamentais, foi a solução que
encontramos para melhor articular sobre o nosso fazer artístico. Essa articulação
partiu da prerrogativa: a arte contemporânea se estabelece a partir de uma
condição pós-moderna que, por sua vez, nos situa numa fase de transição que,
ao nosso entender, atinge seu ponto de não retorno com a aplicação da tecnologia
digital e da telemática na produção artística. Como fatores de transformação
estão: a ciência, com a quebra de paradigmas e as novas alianças da ciência com
outras áreas de conhecimento; a filosofia, com um pensamento conjugado com
história, psicanálise, antropologia; e a tecnologia digital, sob o surgimento e
popularização dos sistemas informatizados e suas características no modo de
produção não-linear. Mesmo não ocorrendo simultaneamente, essas mudanças
estão ainda em processo, o que faz com que a produção artística acompanhe e se
mantenha também em processo de “descobrimento”. Mas o fator que ressaltamos
na etapa atual deste trabalho de pesquisa é justamente a transdisciplinariedade e
a transculturalidade provocada pelo movimento das idéias e a transposição de
áreas de conhecimento.

Com o advento das tecnologias digitais, dos universos virtuais, da


comunicabilidade do espaço telemático, algumas das principais transformações na
produção artística atual são: a recusa de pré-estruturas como a do pragmatismo
no uso das cores, das formas, das perspectivas e suportes formais, etc., e o
recurso ao estoque cultural encontrável na história ou cultura local, regional,
particular, rompendo com a obsessão com o impessoal, ou geral. Com base
nesses novos campos de atuação, Um Atikum é um primeiro resultado artístico,
fruto de um processo experimental voltado para a criação multimídia
computacional interativa a partir de uma vivência cultural junto ao grupo indígena
de mesmo nome.

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Do discurso institucional ao exercício transcultural (é preciso desconfiar)

Em 2003, defendemos o artista contemporâneo “como um mediador que revela


um processo e cria condições para que a obra aconteça” (FRAGOSO, 2003).
Hoje, no exercício do fazer artístico e na orientação acadêmica de outros “artistas
mediadores”, nos deparamos com nova hipótese: o artista contemporâneo pode
ser entendido também como um mediador de acontecimentos. Encontrar em, uma
relação entre acontecimentos e o fazer artístico. Segundo Foucault, na obra Teoria
do Discurso, estes “devem ser tratados, antes como conjuntos de acontecimentos
discursivos” que consistem na “relação, coexistência, difusão, recorte,
acumulação, seleção de elementos materiais” (FOUCAULT, 1996). Como já
afirmamos anteriormente, neste artigo, iniciamos um discurso sobre o fazer
artístico fruto de uma articulação de idéias e procedimentos calcados no desejo de
explorar espaços híbridos das ciências contemporâneas. Isto é claro, tendo a arte
como plano expansor dessas articulações. Ao dar continuidade às investigações
sobre o fazer artístico no espaço telemático, usufruímos da ubiqüidade das
tecnologias da informação para propor uma metodologia de trabalho que se
baseia em articulações entre acontecimentos para a formulação de um discurso
artístico. Partimos do diálogo entre culturas, seus respectivos conhecimentos e
modos de expressão, seguindo para uma releitura das formas e sensações
inseridas no contexto da multimídia. Daí, exploramos o potencial estético a partir
de uma aithesis reinventada.

A transculturalidade na prática artística é um fato comum. A idéia de pensar os


conhecimentos artísticos/científicos de modo transdisciplinar já está circulando,
“oficialmente”, nos ambientes acadêmicos há décadas. No entanto, a experiência
prática da pesquisa e do ensino, nesses ambientes, ainda se encontra engessada
em suas áreas disciplinares (ou disciplinadas), herança do paradigma pragmático
modernista e decorrência do sistema administrativo institucionalizado. No circulo
vicioso do discurso e do fazer abrem-se brechas e escapam experiências
inovadoras que ousam explorar outros métodos de produção. Não são poucas

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essas iniciativas que inevitavelmente se diluem na massa do sistema ainda


vigente, um modelo científico extremamente bem estruturado. Como exemplo
dessa estrutura nas universidades brasileiras está o tripé ensino-pesquisa-
extensão (omitindo-se sempre a administração) e, foi justamente na extensão que
encontramos a nossa brecha para desenvolver o trabalho aqui relatado. A
extensão universitária permite o intercâmbio direto e indireto com as comunidades
e abre espaço para o conhecimento tradicional, e/ou senso comum, no espaço
acadêmico.

Em 2004 iniciamos um projeto de extensão com estudantes indígenas no ensino


superior, quando tivemos a oportunidade de transitar num espaço “de meio”, entre
as exigências e expectativas da academia e as ansiedades desses jovens
desbravadores. Chamamos o Projeto de Extensão de Ação Contínua (PEAC) de
Rede Brasileira de Instituições de Ensino Superior para Povos Indígenas - REDE.
A inserção da palavra “rede” foi fundamental para a construção do objetivo do
projeto e para guiar as atividades do grupo, com o intuito de trabalhar com as
potencialidades expressivas e comunicativas dos sistemas multimídia em
telemática. Partimos para a criação de espaços na rede Internet que pudessem
servir de ágoras para nossas parcerias. Realizamos visitas à aldeias e
organizamos encontros nacionais e regionais com representantes de organizações
governamentais, ONGs, estudantes e lideranças indígenas. Apesar da legitimação
do projeto pela universidade e das oportunidades criadas, percebemos que o
discurso dentro do sistema apenas reforça o próprio sistema. É a confirmação do
discurso em que, retornando à Foucault, a instituição estimula o discurso mas
afirma “ se lhe ocorre ter algum poder, é de nós, só de nós (instituição) que ele lhe
advém” (FOUCAULT, 1996). Ou seja, políticas de inclusão e de acesso ao ensino
superior são conduzidas de modo a reafirmar a exclusão e a incapacidade do
sistema de absorver o “outro” i . No entanto, no mesmo texto Foucault reforça que o
discurso é fruto do desejo e o objeto do desejo em si, torna-se então o poder de
gerar acontecimentos que, por sua vez, vão renovar o discurso inicial. Foi preciso
retroceder nas ações exteriores institucionais, voltar nossos olhares para o fazer

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artístico, enquanto pesquisa e metodologia, e buscar a verdadeira motivação que


impulsionou as primeiras ações para alcançar uma de nossas metas principais:
explorar a transculturalidade e a transdiscilinariedade. Viver o desejo de reinventar
o método e construir novamente o discurso. Foi preciso desconfiar.

Acontecimentos

• A Universidade de Brasília realizou em 2007 a terceira seleção específica


do vestibular para estudantes indígenas na área de Saúde. Estima-se hoje
um total de trinta e dois alunos regulares. Essa estimativa é flutuante devido
ao fluxo e ritmo irregular da presença desses alunos na instituição. São
representantes de vinte e uma nações. Em geral, buscam nessa
oportunidade adquirir conhecimentos e cidadania. Alguns buscam formas
de melhorar as condições de vida de seus parentes. Dentre eles
destacamos Josinaldo da Silva, Atikum, estudante de medicina desde 2006.
Liderança estudantil entre seus pares indígenas, ex-agente de saúde, ex-
professor, futuro médico. Voluntário no Projeto Rondon e voluntário no
projeto REDE.
• Criação do Grupo Arte e Tecnologia em 2008. Presente no Google groups.
Articulado pela estudante de artes plásticas Adriana Lopes dos Santos
Prado, quatro estudantes nos procuraram com interesse de realizar projeto
de pesquisa em Arte e Tecnologia, obter bolsa PIC (ex-PIBIC). Minha
proposta em contrapartida: colaborar com a REDE direcionando a pesquisa
e a produção para conteúdos transculturais e metodologia transdisciplinar.
Objetivos específicos do grupo: pesquisa em conceitos, ferramentas e
sistemas para a criação de instalações multimídia computacionais
interativas. Membros do grupo hoje: Adriana Lopes dos Santos Prado,
Aníbal Alexandre Lima Diniz, Jackson Marinho Vieira, Victor Hugo Soares
Valentim e Josinaldo da Silva. Shirley Fiúza é bolsista PIBEX, trabalha no
projeto REDE desde 2007.

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• Josinaldo da Silva e Grupo Arte Tec. - Projeto de colaboração acadêmica.


Josinaldo nos propõe a realização de um vídeo documentário com o tema
“A saúde vista pelo índio”. Objetivo: trazer para a universidade o
conhecimento tradicional. Proposta de vivência de campo, imersão no
universo Atikum e na ciência da saúde tradicional. Produção de
documentação videográfica e fotográfica. Conseguimos apoio do Decanato
de Graduação que patrocinou as passagens e diárias de três alunos por
sete dias de trabalho de campo na serra do Umã – Pernambuco.
Retornaram com seis horas de gravação, centenas de fotos, muitas
estórias, grandes emoções. Próximos passos: edição de DVD para
Josinaldo, criação de projeto artístico para a pesquisa do grupo.
• Semana de Extensão Universitária, 7º Encontro Internacional de Arte &
Tecnologia e Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Todos em outubro
de 2008. Organização do material documentado: troca de experiências e
percepções com os outros do grupo; planejamento e cronograma de
atividades. No primeiro momento, decidimos pela participação nos eventos
com apresentação de palestra multimídia ilustrada e exposição de
instalações interativas. Propomos uma metodologia de trabalho de
construção sucessiva de etapas, cada uma abordando elementos de
linguagem diferentes para composição de obras multimídia. Iniciamos com
brain storm da experiência de campo. Dividimos o grupo em tarefas:
captura e edição de vídeo; captura e edição de fotografias; criação de site
em HTML para palestra ilustrativa e para alimentar o site da REDE; criação
e editoração de banner; indexação das fotografias; criação de roteiro para
palestra ilustrativa; criação do projeto e realização da instalação multimídia
computacional interativa. Assim surgiu Um Atikum (Fig.1 e Fig.2)

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Fig.1 e Fig.2 – Fotos da instalação Um Atikum na Semana Nacional


de Ciência e Tecnologia, Brasília outubro 2008.

Um projeto multimídia transcultural

O conteúdo multimídia coletado no trabalho de campo nas aldeias Atikum,


realizou-se por meio da articulação em grupo, onde cada integrante partindo de
suas experiências e especificidades artísticas realizou o registro de tudo o que lhe
chamava a atenção nesse universo desconhecido no interior do estado de
Pernambuco. A paisagem com suas imensas serras verdes e exuberantes, uma
vegetação típica com seus diversos tipos de cactos, animais como jumentos e
cabras compõem um cenário particular. As distancias, o deslocamento, as motos,
o sobe e desse serras em pequenas estradas de terra, abrir porteira, fechar
porteira, constituíram um grau de aventura emocionante e desgastante. As visitas,
a coleta de depoimentos, os acontecimentos tornaram-se cada dia mais
instigantes e surpreendentes.

O olhar curioso e investigativo registrava por meio da câmera uma fala, um rosto,
uma parte do corpo, uma indumentária, um ambiente, um bode. Pesquisa de
imagens que envolveu dois focos principais: coleta de uma identidade cultural em
suas diversas manifestações e uma coleta lúdica e abstrata, onde o papel do
registro transforma-se em agente “subjetivo”. Uma atitude experimental do corpo
com a câmera e da câmera com a situação. Um diálogo entre o documentário e a
vídeo arte no registro da cultura indígena Atikum.

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O registro áudio-visual da dança Toré ilustra bem essa situação. Escolhas


experimentais deram uma aproximação mais sensível entre nós artistas
documentaristas e os índios na dinâmica do ritual onde os participantes dançam
num seguimento circular. Na maior parte do tempo, uma das câmeras, localizada
no interior do circulo, filma o ritual de acordo com seu fluxo de ritmo e movimento,
gerando um uma percepção de quem assiste ao vídeo semelhante a alguém que
estivesse girando no centro do circulo dançante Toré.

Na concepção da instalação Um Atikum a idéia circular partiu desse tipo de


“comportamento” no registro, em que características da dança dialogam com a
estrutura física (na delimitação do espaço) e com a criação do conteúdo multimídia
(vídeo, áudio) numa espécie de doação da experiência circular. Outra importante
associação entre as experiências com os índios e a formulação da obra está no
conceito dos “encantados de luz”, entidades sobrenaturais que se apresentam na
irradiação, a incorporação sutil da entidade e a visão do plano espiritual, sob os
efeitos da Jurema (garrafada feita com a raiz da planta também Jurema, que os
índios utilizam como “ponte” de contato com os “encantados-de-luz”). A palavra luz
influenciou na escolha de efeitos visuais que remetem à iluminação e o brilho
sugeridos na experiência do Toré.

O jogo transcultural proposto pela instalação, abre perspectivas interessantes no


reconhecimento do “outro”. Primeiro pelo aspecto lúdico interativo, pois a obra
torna-se uma brincadeira rica como experiência sensória e ao mesmo tempo um
objeto de conhecimento, uma fonte de informação de uma identidade étnica.
Segundo pela potência do trabalho enquanto objeto artístico, em formato híbrido,
que dialoga com tecnologias digitais (câmeras digitais, computares, internet,
softwares), com a música (linhas de canto religiosos, música eletroacústica) com o
vídeo ( captação e projeção de imagens) com a interação (entrar espacialmente
na obra, tocar, produzir sons). São elementos possíveis graças a acessibilidade e
inventividade proporcionadas pela inclusão digital e pela experiência nascida do
contato direto com os Atikuns.

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A pesquisa, com foco na interdisciplinaridade, amplia as formas de


experimentação com materiais, linguagens, meios e direcionamentos, e se mostra
rica na capacidade de articulação de conceitos para a construção de um objeto
final que agrega diversas áreas de conhecimento. Cada um dos participantes,
contribui com suas experiências e suas idéias, para o mesmo objetivo. Desta
forma, trabalhamos interessados em compreender meios e processos de criação
artística em formato tecnológico, adotando a proposta da REDE – Rede Nacional
de Instituições de Ensino Superior para Povos Indígenas, que é uma proposta de
dar maior visibilidade para as culturas indígenas dentro da universidade. De todas
as formas, contribuindo para que as culturas ancestrais entrem em diálogo com a
produção artístico-científica, promovendo uma maior diversidade cultural no meio
acadêmico.

No último semestre a instalação foi montada para dois eventos: exposição


EmMeio durante o 7 Encontro Internacional de Arte e Tecnologia e Semana
Nacional de Ciência e Tecnologia. A oportunidade de oferecer ao público uma
experiencia de imersão no universo da multimídia e da cultura Atikum possibilitou
uma avaliação das diversas interpretações por parte do público, um tanto
peculiares, visto que a obra de arte não necessita de suportes teóricos para ser
compreendida ou mesmo vivenciada. A simples possibilidade de proporcionar uma
vivência baseada no ritual do Toré, por meio de uma instalação multimídia
computacional artística, nos remete a uma infinidade de questões: o resgate de
uma cultura com problemas diante da ameaça de perda do próprio espaço-
identidade; a situação da saúde na aldeia; a relação dos artistas ao entrarem em
contato com essa cultura estranha mas que, indiretamente, está nas suas raízes;
o olhar proporcionado pelo índio Josinaldo sobre as especificidades de sua
comunidade que desperta o interesse pelo conhecimento das várias ramificações
que caracterizam a cultura indígena, dispensando estereótipos impregnados na
nossa sociedade. O contato com a etnia dos Atikuns, não apenas provocou a
reflexão do próprio fazer estético, mas coloca questões como os paradoxos

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artesanal/tecnológico, tradicional/acadêmico, cultura/ciência, que desafiamos


neste projeto transdisciplinar.

O estudo de interfaces físicas e virtuais para produção em arte e tecnologia


possibilitou o desenvolvimento de uma proposta poética que, relacionado-a a
cultura indígena, ampliou nossa percepção sobre a ritual da dança do Toré. Como
já mencionamos acima, os índios Atikum tem a sua dança como a maior herança
cultural dos antepassados, que participam do ritual, de acordo com a crença deles,
como espíritos “encantados-de-luz”. Dançam em círculo, ao som dos maracás e
em coro, mostrando a identidade de uma etnia através da música, e da
preservação da cultura, que para eles, é como uma bandeira para uma luta social
de afirmação da posse de suas terras, dos costumes e para a cura espiritual. Este
foi o foco principal de análise de Josinaldo da Silva ao nos convidar para visitar,
conhecer e contribuir para a divulgação de como os indígenas vêm a saúde.

A pesquisa de interfaces computacionais e naturais foi aplicada ao som, à


imagem, aos processos de interatividade e à caracterização de uma poética
transcultural. Assim sendo, adotamos três campos sensoriais: tátil, visual e
sonoro. Editamos o vídeo do Toré em camadas de forma que o tempo e as
imagens transmitam a sensação de vários tempos e várias danças, quase que
simultâneas. Ora atrasam, ora aceleram, ora ofuscam, ora ficam nítidos. Nosso
objetivo foi provocar uma sensação próxima àquela proporcionada pela Jurema.
Na parte tátil da instalação reconstruímos o instrumento tradicional do Toré, o
Maracá, utilizando uma cabaça média com grãos de milho ou arroz dento dela.
Mas, ao construir esta interface, colocamos também dentro do maracá um
microfone sem fio, que transmite o sinal sonoro do chacoalhar para o computador.
Este, por sua vez, sintetiza o som em tempo real, de forma randômica, aplicando a
linguagem de programação multimídia PureData (PD), e logo retorna ao espaço
da instalação uma nova sonoridade produzida pela conjunção dos sons do maracá
e os sons produzidos pelo sistema computacional. PureData (PD) é um aplicativo
open-source, disponível para todas plataformas operacionais, e nós utilizamos no

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Ubuntu – distribuição Linux. O patcher (programa construído na linguagem


PureData) da instalação modifica o sinal sonoro em tempo real, tornando o
simples som do maracá em uma complexa estrutura de síntese sonora, própria da
música eletroacústica. O fato das variáveis de síntese do patcher serem
controladas randomicamente, traça forte relação com o acaso e a imprevisibilidade
do formato do som quando o maracá é tocado (Fig.3), o que tende para uma
modelagem da percepção sonora do espectador, relacionando o ritual com novas
interfaces e formas de interação e compreensão da obra como processo artístico-
cultural.

Fig.3 – Maraca dentro da instalação Um Atikum.

Essa contribuição mútua realizada como pesquisa transdisciplinar, no nosso caso


envolvendo a Música, as Artes Visuais, a cultura indígena, a Saúde, dentre outras
áreas, amplia nossa perspectiva de produção, que, preocupada em ter a cultura e
a diversidade como poética, potencializam uma forma de investigar e interagir com
as novas linguagens artístico-tecnológicas.

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Conclusão

Quando situamos o nosso trabalho a partir de uma condição pós-moderna, além


da transição entre paradigmas, decorrentes das transformações na ciência, na
filosofia e na tecnologia (ou modo de produção), abordamos outro aspecto
importante que é a decepção na busca do “novo” modernista que leva à uma
“reavaliação do presente, da realidade de cada um, num movimento quase
introspectivo, onde o(s) autor(es) re-descobre(m) sua história e a história de sua
comunidade, num processo de resgate de identidade” (FRAGOSO, 2003). Nesse
caso, a criação artística passa a fazer uso, novamente, de elementos históricos,
culturais e pessoais como elementos de geração do inusitado e inesperado, não
apenas como elementos temáticos, derrubando a necessidade de se sustentar no
“novo” (COELHO,1986). Um Atikum se apresenta como instalação multimídia
computacional interativa que leva para o espaço expositivo uma proposta de
resgate cultural, uma leitura de aspectos que caracterizam uma identidade cultural
Atikum, um olhar guiado pelo co-autor Josinaldo da Silva, sendo que todos esses
aspectos estão reunidos numa proposta experimental que envolve o público numa
vivência do ritualizada do Toré.

Outros aspectos relevantes desta produção estão no grau de abertura dos


enunciados, no envolvimento proposto para o público pela obra, e no grau de
participação desse público. No caso de Um Atikum, público é convidado a
participar do ritual, dançando e tocando no centro do círculo, enquanto são
projetadas imagens de vários membros da comunidade Atikum durante o
tradicional ritual do Toré. As imagens dos vídeos, que foram editadas em camadas
com deslocamentos de tempo, exibem fluidez, transparência e luminosidade.
Sugerem o estado alterado de consciência dos dançarinos, que ao tomarem a
Jurema, entram na dança com os encantados de luz e, em conjunto, celebram o
ritual de cura coletivo.

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Assim como nos trabalhos anteriores ii , as obras transculturais expressam


tentativas de estabelecer relações poéticas entre elementos culturais expressivos,
o fazer artístico e o potencial transformador existente nas formas de comunicação
e nos sistemas de relações possibilitadas pela tecnologia digital. No caso de Um
Atikum, o elemento simbólico que serve de fio condutor entre a realidade artística
e a cultura tradicional é o maracá e seus sons remasterizados associados às
imagens em vídeo. O trabalho possui componentes míticos que exercem a função
de levar ao público referências culturais sobre as quais é construída a proposta de
uma aisthesis reinventada pela tecnologia. A obra instalada deseja provocar um
deslocamento sensorial e mental por meio da transformação na simulação da
cultura tradicional pela cultura digital. Ao fazermos este trabalho realizamos uma
obra que acontece em vez de representar. É o próprio fazer, o acontecer, o
proporcionar o fazer e o acontecer. Nos, mediadores de acontecimentos,
recriamos o discurso artístico em torno de processos e agenciamentos. Agora
recomendamos a você vivenciar Um Atikum.

Fig.4 – A equipe no trabalho de campo.

i
Em agosto último a professora Maria Luiza Fragoso foi nomeada membro da recém criada Comissão
Permanente de Acompanhamento de Ingressos Especiais – CPAIE, no âmbito da Diretoria de
Acompanhamento e Integração Acadêmica – DAIA, e do Comitê Gestor, formado por representantes da
Fundação Universidade de Brasília, MEC e FUNAI, acrescida de representação indígena, com a finalidade,
dentre outras, assegurar o programa de vagas especiais para indígenas em Cursos de Graduação de
interesse dos povos e comunidades indígenas.
ii
Em 2004 foi apresentada a instalação computacional interativa Tracajando Além do Jardim, em 2005
a instalação Tracajando Além do Jardim II. Ainda em 2005 apresentamos o trabalho Eco URBE I e II.

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Referências Bibliográficas
COELHO N., José Teixeira. Moderno Pós-Moderno. São Paulo: L & PM Editores, 1986.
DELEUZE, Gilles.O que é a Filosofia? de Janeiro: Ed.34, 1992.
ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
FOUCAULT, Michele.A Ordem do Discurso. Aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 1996.
FRAGOSO, Maria Luiza P. G.. Experimentação Multimídia em Arte Contemporânea e
Internet: Projeto tracaja.net.Tese de Doutoramento apresentada ao curso de Doutorado
em Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. 2003.

Maria Luiza P. G. Fragoso – professora doutora em Multimídia na EBA-UFRJ,


coordenadora do grupo REDE, credenciada no programa de pós-graduação da
EBA, linha de pesquisa Poéticas Interdisciplinares, e atua como pesquisadora
colaboradora PPG-Arte na UnB.

Jackson M. Vieira – estudante no Departamento de Artes Visuais, bolsista PIC,


membro do grupo REDE, formando no Bacharelado em Artes Visuais pela UnB.
Shirley Fiuza - estudante, bolsista PIBEX, membro do grupo REDE, formanda no
Bacharelado em Artes Visuais pela UnB.
Victor Hugo S. Valentim – estudante no Departamento de Musica, bolsista PIC,
membro do grupo REDE, UnB.

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