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Georg Feuerstein o> leak (at do /WOLQG Historia, Literatura, Filosofia e Pratica avo crotmi(s KEN WILBER SUMARIO Béngdo de Sri Satguru Sivaya Subramuniyaswami WW Pralogo. i : 15 Agradecimentos. as = a) Transliteragio e Prontincia das Palavras em Sanscrito 23 Introducao: A Aspiracio 4 Transcendénci: PARTE I: FUNDAMENTOS Capitulo 1: Elementos Bisicos L A Esséncia do Yoga ‘O Porqué do Nome Yoga IL Graus de Transcendéncia do Ego — © Praticante (Yogin ou Yogin‘) IV___Uma Luz na Escuridio — O Mestre ‘Texto Original 1: Dakshinamdrti-St v. A Aprendizagem Além do Ego — O Discipulo VIO Nascimento de uma Nova Identidade — A Iniciagio Vil. A Sabedoria da Loucura ¢ os Adeptos Loucos ‘Texto Original 2: Siddha-Siddhanta-Paddhati (Trechos Escolhidos) Capitulo 2: A Roda do Yoga. 63 L___Visiio Geral Raja-Yoga — O Yoga Resplandecente dos Reis do Espirito Ml. Hatha-Yoga — O Cultivo de um Corpo de Diamante IV. inina-Yoga — A Visio do Olho da Sabedoria Texto Original 3: Amrita-Bindu-Upanishad 4 Bhakti-Yoga — O Poder Transcendente do Amor, ‘Texto Original 4: O Bhakti-Satra de Narada Vi Karma-Yoga — Liberdade na Agdo VIL Mantra-Yoga — O Som como Vefculo de Transcendéncia VIILLaya-Yoga — A Dissolugao do Universo IX. Yoga Integral — Uma Sintese Moderna B ATRADICAO DO YOGA. Capitulo 3: O Yoga e as Outras Tradigées do Hindufsmo. UL Q Brilho do Poder Psfquico — © Yoga e 0 Ascetismo ILA Felicidade no Despojamento — O Yoga ¢ o Caminho da Reniincia IV. © Yoga ea Filosofia Hindu ve O Yoga, o Ayur-Veda ¢ a Medicina dos Siddhas Vi. O Yoga e a Religiio Hindu PARTE II: O YOGA PRE-CLASSICO. Capitulo 4: © Yoga nos Tempos Antigos... L A Hist6ria como Meio de Autocompreensio I. Do Xamanismo ao Yog: uw ‘O Yoga e a Enigmstica Civilisaciio do Indo-Sarasvatt IV. Sacrificio ¢ Meditago — O Yoga Ritual do Rig-Veda Texto Original 5: Rig-Veda (Trechos Escolhidos} v. Encantamentos da Transcendéncia — Magico do Atharva-Veda ‘Texto Original 6: Atharva-Veda (Trechos Escothidos VI.___As Misteriosas Irmandades dos Vratyas Capitulo 5: A Sabedoria Secreta dos Primeiros Upanishads. L__Visiio Geral I. Brihad-Aranyaka-Upanishad Il. O Chandogya-Upanishad IV____0 Taittiriya-Upanishad v. ‘Qutros Upanishads Antigos VI___Os Primeiros Yoga-Upanishads Capitulo 6: Jaina Yoga: A Doutrina dos Pontifices Vitoriosos..... L__Resumo Histirico IL. Os Livros Sagrados do Jainismo IO Caminho da Purificago ‘Texto Original 7: Yoga-Drishti-Samuccaya (Trechos Escolhidos) Capitulo 7: © Yoga no Budismo. 205 I Nascimento ¢ Evolugio do Budismo IA Grande Doutrina do Pequeno Veiculo — © Budismo Hinayana IIL, Caminho Yogue do Budismo Hinayana IV. Sabedoria e Compaixio — O Grande Idealismo do Budismo Mahayana ‘Texto Original 8: Prajnd-Paramita-Hridaya-Satra Texto Original 9: O Mahayina-Vimshaka de Nagarjuna v. ‘A Joiia no Lotus — O Budismo Vajrayana (Tantrico) 6 SUMARIO % Capitulo 8: O Florescer do Yoga . 2372 L Visio Geral IL —_Heroismo, Pureza e Ascetismo — O Ramiyana de Valmiki UL A Imortalidade no Campo de Batalha — A Epopéia do Mahabharata IV. OBhagavad-Gita — Joia do Mahabhirata Texto Original 10: Bhagavad-Gita (Trechos Escolhidos) V. A Doutrina Yogue do Anu-Gita VI. Os Evangelhos de Libertagio da Epopéia do Mahabharata — O Moksha-Dharma Texto Original 11: Moksha-Dharma (Trechos Escolhidos) VIL © Yoga Séxtuplo do Maitrdyaniya-Upanishad VILL © Yoga Intangivel do Mandikya-Upanishad IX. Moral e Espiritualidade — O Yoga Pré-Clissico na Literatura Etico-Juridica PARTE Ill: O YOGA CLASSICO Capitulo 9: A Histéria e a Literatura do Patanjala-Yoga. _ 271 L Patanjali — Filésofo e Yogin i. A Codificagao da Sabedoria — O Yoga-Satra Texto Original 12: O Yoga-Sitra de Patanjali Ml. A Elaboragio da Sabedoria — Os Comentarios Capitulo 10: A Filosofia e a Pratica do Patanjala-Yoga.. L A Cadeia do Ser — O Eu ¢ 0 Mundo a Partir do Ponto de Vista de Patanjali ILO Oto Membros do Caminho da Aurotranscendéncia ml. A Libertagaio PARTE IV: O YOGA POS-CLASSICO Capitulo 11: A Visio Nao-Dualista de Deus dos Adoradores de Shiva. L__Visiia Geral im Os Seguidores de Shiva d Esquerda — “Porta-Caveiras”, “Os que Tém por Efigie o Falo” e ‘Quiros Ascetas Texto Original 13: O Shiva-Satra de Vasugupta Capitulo 12: A Visio Vedintica de Deus dos Adoradores de Vishnu..... Disks Airis Os Adal de Visio ts Nate a des WL_Os Alvar IO Bhigavara-Purdina ‘Texto Original 14: Uddhava-Gita (Trechos Escol ® A TRADIGAO DO YOGA iV OGiti-Govinda v. © Bhakti-Yoga dos Preceptores Vaishnavas VL Jndinadeva e Outros Santos de Maharashtra VII.___Qs Santos Menestréis da Bengala Medieval VILL Misticismo Popular do Amor no Norte da india Capitulo 13: O Yoga e os Yogins nos Puranas. L__O Asceta Nu iit Ensinamentos Yogues nas Enciclopédias Purdinicas ‘Texto Original 15: O Markandeya-Purdna (Trechos Escolhidos) Capitulo 14: O Idealismo Yogue do Yoga-Vasishtha ... L__Visia Geral nL. © Espirito Somente — A Doutrina Idealista HL © Caminho Yogue ‘Texto Original 16: Yoga-Vasishtha (Trechos Escolhidos) Capitulo 15: Deus, Visdes e Poder: Os Yoga-Upanishads .. L__Visia Geral IL____QSom do Absoluto ‘Texto Original 17: Amrita-Nada-Bindu-Upanishad Il. Som, Respiragio e Transcendéncia IV. Yoga da Luz ‘Texto Original 18: Advaya-Taraka-Upanishad v. (Cortando os Lagos da Conseiéncia Cotidiana ‘Texto Original 19: Kshuriké-Upanis| VL. A Transmutagio do Corpo — Os Upanishads do Hatha-Yoga Capitulo 16: O Yoga entre os Sikhs... L____Visiio Geral I. O Yoga da Unidade ML. ‘© Yoga no Sikhismo Contemporineo PARTE V: PODER E TRANSCENDENCIA NO TANTRISMO Capitulo 17: O Esoterismo do Tantra-Yoga Medieval .. 1 © Prazer Cérporeo ¢ a Bem-Aventuranga Espiritual — © Advento do Tantra i A Realidade Oculta WV. ‘A Magia dos Poderes Texto Original 20: Kula-Arnava-Tantra (Trechos Escolhidos) 8 SUMARIO % Capitulo 18: O Yoga como Alquimia Espiritual: A Filosofia ea Pratica do Hatha-Yoga. . 461 L A Iluminagao do Corpo — As Origens do Hatha-Yoga_ IL Andando no Fio da Navalha — O Caminho do Hatha-Yoga ML. Os Textos do Hatha-Yoga fexto Original 21: Paddhati 51L 529 539 - 549 Bibliografia Selecionada... Béngao De Sri Satguru Subramuniyaswami Jagadacharya da Keilasa:Parampara Gur Mahasannidhanam de Ne Nandinatha Sampradaya E* livro, A Tradigdo do Yoga, é uma apresentagio madura do Yo- . Ao contririo de outros livros, ele conserva uma perspectiva profundamente hindu sem ceder tentago do exclusivismo. Delineia no 86.0 caminho, mas também o fim do caminho. Ao passo que outras pes- soas véem no Yoga uma mirfade de técnicas que devem ser praticadas ¢ levadas a perfeigo em vista da aquisigo de um grau espiritual elevado, 0 dr. Feuerstein tem a intuigdio daquilo que foi revelado pelos rishis da {ndia: © Yoga niio € algo que nds fazemos, mas algo que somos e em que nos tor- ‘namos, Sem a consciéncia todo-abrangente do yogue, o Yoga assemelha- se a.um sol sem calor ¢ sem luz. Como a matéria deste livro vem docu- mentada de acordo com a tradigiio — recorde-se, de passagem, que a tradigo € a preservaco do que de melhor houve no pasado —, podemos estar certos de que os conselhos e orientagtes aqui apresentados foram uti- Lssimos aos nossos antepassados, aos antepassaddos deles e as muitas gera- «gSes que os precederam por milhares de anos. Grande é a nossa felicidade em dar as béngiios deste mundo e dos mundos interiores a Georg Feuerstein, para que a sua vida seja longa e para que ele goze dos quatro purusharthas, “objetivos humanos” — o dharma, a riqueza, o prazer e a libertagiio —, como coroagiio de sua busca pessoal. u Prefdcio de Ken Wilber Autor de O Espectro da Consciéncia, A Consciéneia sem Fronteiras, O Paradigma Hologrdfico e Outros Paradoxos, O Projeto Atman, Transfarmagies da Gonseiéncia e Um Deus Social (publicados pela Editora Culerix). E para mim um grande prazer, € até uma honra, escrever este Prefii- cio. Sou admirador de Georg Feuerstein desde que lio seu clissico A Esséncia do Yoga. Suas obras subseqlientes s6 fizeram confirmar a minha renga de que em Georg Feuerstein temos um estudioso e um praticante de primeira magnitude, um importantissimo e precioso porta-vor da filosofia pe- rene e, talvez, a maior autoridade viva no campo do Yoga. No Oriente como no Ocidente, parece haver duas maneiras bastante di- ferentes de abordar a espiritualidade — a do estudioso e a do praticante. O estudioso tende & abstracio ¢ estuda as religides do mundo como alguém es- tudaria insetos, rochas ou fésseis — simplesmente como mais um campo pa- ra 0 exercicio do intelecto abstrato. A idéia de praticar de fato uma discipli- na espiritual ou contemplativa parece passar longe da mente do estudioso. Com efeito, afirma-se que o ato de praticar aquilo que se estuda interfere com a “objetividade” da pessoa, que se torna crente e, portanto, nio-objetiva. Os praticantes, por seu lado, embora se dediquem de maneira admira- vel a disciplina de fato, tendem a ser extremamente desinformados acerca das diversas facetas da tradigao que seguem, Podem encarar com ingenuidade as exterioridades culturais do caminho, podem desconhecer-lhe to- talmente as origens hist6ricas, podem nio saber distinguir, no caminho, o quanto ha de verdad essencial e quanto hi de bagagem cultural. Rarissimo ¢ 0 estudioso que também é praticante. Mas, quando se trata de escrever um livro sobre o Yoga, essa combinagiio é absoluramente essencial. Nenhum tratado de Yoga pode ser deixado a cargo dos estudiosos cou dos praticantes somente. A quantidade de informagSes que tém de ser compreendidas para escrever-se so- bre o Yoga é imensa, ¢ para tanto é necessdrio um estudioso. Mas o Yoga em si mesmo nasce do fogo da expe- rigncia direta. Precisa ser abragado, vivido e praticado. Precisa vir da cabega, mas também do coragdo. E é es- sa rarissima combinago que Georg Feuerstein poe a servigo deste tema admirivel. A esséncia do Yoga € muito simples: a palavra significa unio ou jungio. Quando Jesus disse: “Meu jugo & B 3 A TRADICAO DO YOGA suave", queria dizer: “Meu Yoga & suave.” Quer no Oriente, quer no Ocidente, © Yoga é a técnica da jun- io ou unio da alma individual com o Espirito abso- Juto. Eum meiode libertagio. E é, por isso, fgneo, quen- te, intenso, extatico. Vai levar vocé muito alémde voce mesmo; alguns dizem que pode levé-lo ao infinito. Portanto, escolha cuidadosamente os seus orien- tadlores. O livro que voc® agora tem nas mios &, sem sombra de diivida, a melhor apresentagiio geral do Yo- gaa que se pode ter acesso hoje em dia. E um livro des- nado a tomar-se um ckissico, por uma siruples rasio: nnasceu da cabega e do coragio, de um estudo acade- mico impecivel e da peitica devota, Nesse sentido, é muito mais profundo ¢ preciso do que as obras de Elia- cde ou Campbell, por exemplo. Penetre agora no mundo do Yoga, do qual se diz que pode conduzi-lo do sofrimento a libertagio, d agonia a0 éxtase, do tempo eternidade, da morte & imortalidade. E saiba que, nessa vingem extraordiné- fia, voc@ esta'em boas mios. 4 Prélogo cu primeiro encontro com a heranga espiritual da India aconteceu no dia em que fiz quatorze anos, quando ganhei de presente um exemplar da tradugio alema do A India Secreta, de Paul Brunton. Daquela época para cé, passe a considerar Brunton — ou “PB”, como seus alunos vieram a chamar-lhe — um dos maiores misticos ocidentais deste século. Foi ele, sem duivida, um dos pio- neiros do dislogo entre 0 Oriente e o Ocidente, ¢ seus es- critos tiveram larga influéncia, Brunton, que morreu em 1971, ainda tem muito a ensinar aqueles que trilham o ca- minho do fio da navalha. Ao lado de seus livros, os dezes- seis volumes de seus Cademnos, publicados em edigfio tuma, io um verdadeiro tesouro para as que se dedicam & busca espiritual. Ainda me lembro muito bem do anseio que senti quan- do lio relato do memoravel encontro de Brunton com Sri Ramana Maharshi, o grande sibio de Tiruvannamalai, no sul da [ndia, cuja iluminagao, ocorrida espontaneamente sem esforgo quando ele tina dezesseis anos, tornou-se pa- ra mim um simbolo arquetipico. Eu sonhava em largar a es- cola, que achava absurdamente tediosa, para seguir as pega- das dos grandes santos e homens realizados da India. Mas ‘meus pais, preocupados e bem-intencionados, tinham acer- ca desse assunto uma opiniado muito diferente. Por isso, foi sé em 1965, quando eu tinha dezoito anos, que deparei com o espirito da India sob forma mais concre- 5 ‘% ATRADICAO DO YOGA ta na pessoa de um swami hindu que estava virando noticia em toda a Europa em virtude das suas inacre- ditaveis proezas fisicas. Ele agtientava no peito o peso de um rolo compressor, puxava um vagio de trem car- regado e amarrado a seus cabelos compridos e fazia 0 coragiio parar de bater & vontade, Embora essas capa- cidadesespetaculares me impressionassem, elasme fas- cinavam muito menos do que o segredo que estava por nis dessa maestria sobre 0 corpo. Percebi que a men- te, oma conscigncia, era a chave no s6 para essas ca- pacidades impressionantes, mas também para a felici- dade perene, © que era muito mais importante. Eu me senti misteriosamente atraido por esse tau- maturgo modemo, que tinha um fisico novivel e€ um grande carisma. Consegui entrar em contato com ele e comei-me seu disepulo, No decorrer do ano que pas- sei ao lado dele em seu eremitério na Floresta Negra, Alemanha, aprendi muito sobre Hatha-Yoga, mas ain- dda mais sobre a necessidade de disciplina e perseve- ranga, No meio do inverno, meu mestre me fez morar num quarto quase sem mobili, sem carpete nem pa- pel de parede, ¢ com uma janela quebrada que eu nao devia consertar. De manha bem cedo, eu tinha o de- ver de quebrar o gelo do pogo e toma vre. Logo aprendi que, para conservar a satide € 0 ca- lor do corpo, eu tinha de ficar sempre ativo ¢ respirar bastante. Tudo era muito estimalante Pouco a pouco, fui aprendendo acerea da relagio entre mesire e disefpulo, que envolve amor ¢ a disposigao de ser posto & prova e transpor os limites impostos pela propria imaginagao. Tirei muita vantagem da maravilhosa oportunidade de autotrans- cendéncia que essas circunstincias me proporciona- ram. Mas, no decorrer do tempo, vim a sentir também 6 lado negativo daquilo tado, pois descobri que mew preceptor, além de ser um mestre consumado de Ha- tha-Yoga, também usava o seu carisma ¢ os seus pode- ‘es paranormais para manipular os outros. Enquanto a iluminagio nao é atingida, o ego nao é transcendido, ¢ portanto existe sempre a possibilidade de a pessoa empregar as proprias capacidades yogues para alcan- sar objetivos egoistas, eno em prol da elevagio espi- ritual dos outros. do tentei me libertar desse relacionamento ja bastante intrincado, aprendi outra ligo: os posteres Psiquicos so uma realidade a ser levada em conta, € alguns “mestres” os usam para segurar os discfpulos. Embora eu rivesse cortado os lagos externas que me I gavam ao mestre, ele continuot influenciando minha ida por meios sutis, oque me perturbava muitissimo. anho ao ar lie Felimente, nunca softi os efeitos terriveis de ter uma forga vital (kundalin’) plenamente desperta mas malcondutida, efeitos esses descritos pelo Pandit Go- pi Krishna. Foi ele quem tornou a palavra kundalint amplamente conhecida por aqueles que, no Oviden- te, buscavam a espiritualidade. Nao obstante, senti na minha propria care alguns dos efeitos colaterais per- turbadores de uma kundalin’ que tinha sido maltrata- da— em especifico, estados de separagiio entre a men- te © 0 corpo. Precisei de muitos anos ¢ da ajuda benevolente de outra pessoa para me libertar fina mente daqueles lagas ¢ tocar minha vida adiante. Em- bora a experiencia, em seu todo, tivesse sido positiva, cela me deixou decepcionado e, por muitos anos, fiquet afastado do todos os mestres orientais. Nesse meio tempo, interessei-me pela aprendiza- gem do sinscrito e pelo estudo dos grandes escritos re- ligiosos e filoséficas hindus em sua lingua original. Di- recionei meu impulso espiritual frustrado para uma carreira profissional de indologista. Encarava meus es- tuclos ¢ publicagdes como uma forma de Karma-Yoga, de ago autotranscendente, ¢ também buscava por em pritica na vida cotidiana o grandioso ideal do “reste- munho", que € 0 coragio do Jnana- Yoga. De tempos em tempos, eu me dedicava superfi- cialmente a uma ou outra técnica ou pritica medita- tiva iogue, e cheguei até a dar aulasde Hatha-Yoga por alguns anos, 8 noite e nos fins de semana. Porém, foi sé em 1980 que tomei de novo uma atitude espiritual mais decisiva. Uma série de crises em minha vida trou- xe 8 tona o impulso espiritual, libertando-me a aten- lo para ponderar de maneira mais séria sobre a gran- de pergunta: Quem sou eu? Comecei a procurar por um mestre competente ¢ um ambiente adequado i espiri- ualidade. Desde 1966 eu gozo da amizade espiritual de Iri- na Tweedie, mestre sufi da Inglaterra cujo preciosodis- to, Filha do Fogo, foi publicado em 1986. Durante minha crise espiritual, nosso relacionamento se apro- fundou e cla me ajudou imensamente naquela época de reorientagio. Gragas a ela, notei em mim os pri- rmeiros sinais de um verdadeiro progresso espiritual. Allém disso, sem que eu soubesse, ela me preparava pi a uma aventura espiritual muito maior. Em 1982 travei contato com o adepto Da Free John (nascido Franklin Jones, chamado hoje Adi Da), cujosprimeirosescritos, especialmente The Knee of Lis- tening, me haviam estimulado intelectualmente e to- cado profundamente no nivel emocional. Dessa v ‘com quinze anosde aprendizado nas.costas, me foi mui- 16 PROLOGO & to mais dificil seguir a minha intuigo e confiar-me de novo ao processo espiritual sob a orientago de um imestre. Para piorar as coisas, Da Free John nio se en- caixava em nenhua dos esterestipos que eu passara a associar aos mestres espirituais. Ele no era um sibio gentil eamavel, mas, como ele mesmo disse, uma"*per- sonalidade selvagem” € um “fogo” Nao obstante, apesar das minhas muitas dividas speito desse mestre extravagante, eu sabia que ti- ha de recorrer a orientagio dele. Sentia-me atemo- risado e entusiasmado com a possibilidade de ter as barreiras artficiais da minha personalidade analisadas postas em cheque por um adepto que é bem conhe- cido pela sua inflexibilidade. No fim, meu discipula- do foi extremamente dificil mas enormemente bené- fico, pois me confrontei com certos aspectos de mim mesmo que até entiio eu conseguira ignorar. Em 1986, o discipulado terminou, pois senti que jd aprendera todas as ligdes que eu era capaz de apren- dder com aquele mestre e que jd era hora de seguir em frente. Eu jd no conseguia por panos quent flito interior que sentia perante o seu método contro- verso de ensinar e ndo queria perder tudo o que havia ganho nos anos anteriores de discipulado. No livro Holy Madness, cuja primeira edigio veio a puiblico em 1990, eu analiso detalhadamente o método de ensino pela “sabedoria da loucura”, adotado por Da Free John ¢ viriosoutrosadeptos contemporiineos. Apesar de me sentir pouco a vontade com o método de ensino pela sabedoria da loucura, e apesar das diferengas intelec- tuais ¢ morais que me separam de Da Free John, con- tinuo grato a ele por ter me dado a oportunidade de aprofundar a compreensio que tenho de mim mesmo. Em 1993, minha vida espiritual encaminhou-se para uma nova diregio. Depois de trilhar 0 caminho spiritual sozinho por muitos anos, conheci © Lama Segyu Choepel (Shakya Zangpo), que tem sido o mew mentor na via. Ele ¢ iniciado no #6 no Budismno Vs rayiina como também no Xamanismo dos indios do Brasil, Através da sua amizade e da sua orientagio ¢s- pecializada, tenho descoberto cada vez mais niveis do. proceso espiritual, e especialmente a dimensio viva do ideal budista do bodhisattva. Pode parecer estranho que, depois de conhecere praticar por tantes anos vi- ros uspectos do Yoga hindu, eu esteja agora ligado a um sadhana budista, Essa sensagio de estranheza, po- 16m, desaparece quando adotamos uma perspectiva es- piritual de longo prazo, percebendo que somos 0 pro- duro de todas as nossas voligBes passadas, ¢ nfo s6 das voligdes desta vida, Além disso, 0 Hindufsmo e o Ba- no con- dlismo tém muitos conceitos e prdticas em comum, ¢ esse fato, no caso de alguns siddhas medievais, até nos toma dificil saber se eles eram hindus ou budistas. E por fim, como o santo Sri Ramakrishna demonstrou com tanta evidencia no século XIX, se nds seguirmos até o fim qualquer um dos grandes caminhos espiri- tuais, encontraremos as mesmas verdades espirituais.e, por iltimo, a Realidade ou a Verdade mesma. Faz muito tempo que eu percebi que a vida espi- ritual € um caminho infinito de descobertas que con- tinua até o nasso tltimo suspiro, e mesmo depois dis- so. E maravilhoso saber que o aspirante dedicado sempre encontraré a ajuda necesséria, na hora certa, para transpor a etapa seguinte. Na minha vida, essa ajuda me chegou em medida generosa, mas na maio- ria das vezes sob uma forma inesperada Achei necessirio comegareste livro com uma bre- ve nota autobiogrsfica porque até mesmo a abordagem mais “objetiva” € entremeada de caracteristicas pes- soais: nio me ponho perante a histéria, 2 filosofia e a psicologia do Yoga como um antiquirio, mas como uma pessoa que tem a mais profunda apreciago pelo génioespiricual dafndia, cultivado nodecorrer de mui- tos milénios. Testemunhei a eficacia dessa espirituali- dade no meu prdprio ser ¢ em outros que sho ma pazes do que eu sob o ponto de vista espiritual Nao hii como esconder que eu tenho uma simpa- tia fundamental pelas tradig6es espirituais da [ndia, que representam esforgos auténticos de transcendén- cia do eu. A experiéncia pritica que tenho dessas tra- dligdes me estimula a supor que suas intuigSes funda- mentais sdo verdadeiras ¢ dignas da mais séria consideragdo. Afirmo ainda que qualquer um que quei- ra negar essas intuigdes e metas tem de fazé-lo com bae se na experiéncia e na experimentagao pessoal, e nao. nna mera teorizagio. Em portugués claro, a pessoa que sentiu na propria came o estado de éxtase (saméadhi) io pode de modo algum por em questo o valor ¢ 0 atrativo intrinsecos desse estado. A experiéncia da trangiilidade bem-aventurada no estado de conse cia nio-dual, onde todas as diferengas marcantes en- tres os seres € entre as coisas sio eclipsadas (ou outshi- red, para usar a feliz expresso de Da Free John), muda inevitavelmente o modo pelo qual encaramos to jomada espiritual e as tradigies sagradas do mundo in- teiro, sem mencionar o modo pelo qual encarames t0- das as pessoas ¢ todas as coi ‘Ao mesmo tempo, vim a perceber que esses € dos super onsciéncia, embora sejam extraor- dinirios, nio so por si mesos mais significativos do te m= ores de

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