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214 LUA NOVA- SAO PAULO ~ MARCO 89 N? 16 DA REVOLUCAO HANNAH ARENDT EDITORA ATICA E EDITORA DA UNIVERSIDADE DE BRASILIA, 1988. Da Revolugdo é um mergulho na modernidade, impul- sionado pela inquietac¢do que marca todas as obras de H. Arendt: 0 resgate do espaco piiblico, da politica, como condicéo para a liberdade. A.causa da liberdade contra a tirania constitui-se, te6rica e praticamente, na determinagao da propria existéncia.da politica. Esta atividade caracteriza-se pela fala, pelo agir conjunto, em poucas palavras, pelo dialogo plural que requer. um espago piblico, tal como concebiam os gregos ao referirem-se 4 polis. Ora, 0 século XX tem sua fisionomia marcada por guerras e revolugées, que colocam em xeque a causa bisica da politica, uma vez que oapeloa violéncia-traco marcante em ambos os fenémenos —€o0 contrario da palavra, impée 0 siléncio, forgando tudo e todos a permanecerem em siléncio, A auséncia da fala impede o agir conjunto, 0 exercicio da liberdade, instalando-se num espaco sobre o qual a teoria politica quase nada tem a dizer. Tudo indica, entretanto, que se as guerras tendem a desa- parecer do cenario futuro, sobretudo porque foi atingido um estado de desenvolvimento tecnolégico tal, que os meios de destrui¢io desaconselham © seu emprego, 0 mesmo nao pode ser dito em relacdo As revolugées. Assim, alerta a autora, aqueles que insistirem em depositar sua fé na forga, na guerra como ultimo recurso, acabarao por descobrir, num futuro nao muito distante, que se tornaram mestres num oficio indtil e obsoleto. As revolugdes, a0. contrario, permanecerao, sendo, pois, imprescindivel compreendé- las. As revolugdes “sdo os tinicos eventos politicos que nos confrontam, direta e inevitavelmente, com o problema do come¢o” (p. 17), Elas nao sio simples mudangas. Sao um feito sem preceden- tes, sem paralelo, uma ruptura que caracteriza a Idade Moderna. Na RESENHAS 215 antiguidade, as mudang¢as nao significavam o originar de algo intei- ramente novo, apenas instalavam um momento num ciclo de pere- nes recorréncias. Foi somente quando a questo social foi entendida como nao natural e, portanto, como mutavel, que se pode romper com a idéia de que as mudangas reafirmavam a inevitabilidade do desenrolar da vida social. Dessa forma, 0 conceito moderno de revolugao nasceu inextrincavelmente associado 4 no¢do de que o curso da Historia come¢a subitamente de um novo rumo. Essa visio surgiu com as duas grandes revolugées do século XVIII, a americana ea francesa. A partir delas, experimentou-se a novidade da revo- lugdo, impregnada pela Ansia de libertar e de construir uma nova morada onde a liberdade possa habitar. Quando a revolucio foi introduzida no cenario da politica, o dominio publico viu-se forgado a abrir seu espaco para a imensa maioria dos que nao eram livres, dos que viviam presos as necessi- dades do dia-a-dia. Contrapés-se a necessidade a liberdade, e onde a liberdade imperou houve, de fato, um novo principio, a fundagao de um.novo corpo politico. E, por outra parte, onde a liberdade teve de render-se 4 necessidade, foi desencadeado 0 terror e este levou a revolucdo a sua ruina. A razao do sucesso da revolugdo americana e do fracasso da revolugao francesa e de todas as demais que seguiram a sua trilha est no fato de que o estado de pobreza estava ausente do cendrio americano, mas presente em todos os outros lugares. Argumenta H. Arendt: “A direcdo da Revolucdo Americana permane- ceu comprometida com a implanta¢ao da liberdade e 0 estabeleci- mento de instituigdes duradouras, e, aqueles que atuavam nessa diregdo, nada era permitido que estivesse fora do 4mbito da lei civil. O rumo da Revolugao Francesa foi desviado desse curso original, quase desde 0 inicio, pela urgéncia do sofrimento; isso foi oca- sionado pelas exigéncias da libertagdéo, nao da tirania, mas da necessidade, e impulsionado pelas ilimitadas propor¢Ges da miséria do povo e pela piedade que essa miséria inspirava” (p. 73). Nessas circunstancias, a luta contra a necessidade levou ao Terror, e a violéncia condenou a revolugao a perdi¢ao. Como a finalidade da revolugao € a instituicdo da liber- dade, esta s6 se completa quando os homens se unem com o Propésito de agao, respeitando e cumprindo pactos e promessas feitas. Essa unido d4 existéncia a0. poder, cuja fontée e origem, acreditavam os homens da revolugio, reside no povo. Contudo, chama a atencao H. Arendt, o povo significava coisas diferentes para 216 LUA NOVA~ SAO PAULO - MARGO 89 N? 16 os revolucionarios americanos e franceses, provocando con- seqiiéncias distintas nas respectivas concepgées sobre 0 poder. Enquanto na Fran¢a o povo nao estava nem organizado, nem constituido, ficando o interesse piblico a cargo do monarca, na América as Assembléias locais possuiam vida propria, uma configu- racao que independia das relagdes com os governantes ingleses. Nesta medida, “os homens da Revolugao Francesa, nao sabiam distinguir entre violéncia e poder, e convencidos de que todo poder emana do povo, abriram a esfera politica para essa forca pré-politica natural da multidao, e foram.arrastados por ela, assim como 0 rei e os antigos poderes haviam sido anteriormente. Os homens da Revolugao Americana, ao contrario, entendiam o poder como proprio oposto de uma violéncia pré-politica natural. Para eles, o poder surgiu quando ¢ onde o povo passou a se unir e ase vincular através de promessas,.pactos e compromissos mituos; apenas o poder alicergado: ciprocidade.e na mutualidade era poder real-e legitimo; ao“passo*que o assim chamado dos’ reis, monarcas e€ aristocratas; porque nao provinha da mutualidade, mas, quando muito, se apoiava apenas no consentimento, era espUrio e.usurpa- dor” (p. 146). ' Face as conquistas da Revolugdo Americana — que deram origem aos Estados Unidos ea uma repiblica que passou a existirem conseqiiéncia de um ato deliberado de fundagio da liberdade — H. Arendt chama a atengdo para o fato de 0 pensamento politico revolucionario tanto do século XIX como do XX demonstrar pouco interesse em relagao aos acontecimentos que se deram no Novo Mundo no século XVIII. Isso levou a que se pensasse a “revolugao” apenas tendo como referéncia a Revolucao Francesa e, mais grave ainda, que se perdesse 0 espirito revolucionario. O resgate do genuino espirito revolucionario e, em con- seqiiéncia, do ato intencional de fundagao da liberdadéé‘um ‘dos desafios propostos neste-livro. Talvez seja esta’a ‘iniéa forma de se escapar do terror, da perda do espa¢o' publico. Afinal, a ameaga de violéncia e da imposi¢ao do siléncio nao €‘um trago exclusivo da guerra, MARIA TEREZA SADEK é Cientista Politica ¢ Professora de Ciéncia Politica na USP

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