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Número 1
Jan/Jun 2014
Doc. 7
Abstract
The case reports the organization and bankruptcy process of a family enterprise. Personal,
professional and family conflicts between partner-brothers played a central role in the bankruptcy of
this company.
It allows for an approach to and analysis of the planning process, of practices for fostering small and
medium-size companies, for an understanding of what the organization is and mainly of the dynamic
of places and powers in organizations, such as family, personal and professional conflicts.
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GVcasos | São Paulo | V. 4 | n.1 | jan-jun 2014 www.fgv.br/gvcasos
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O LUGAR DOS CONFLITOS E OS CONFLITOS DE LUGAR NA FALÊNCIA DE UMA EMPRESA FAMILIAR
Paula Fernandes Furbino Bretas, Luiz Alex Silva Saraiva
necessário começar a pagar o financiamento feito pelo Sebrae, que dá 24 meses de carência para que
o empreendedor gire o capital na empresa. Logo que venceram as primeiras prestações, entretanto,
iniciaram-se os conflitos na organização, que envolvem uma dinâmica simbólica de lugares e
poderes.
O contrato psicológico foi rompido. Já que Marcelo não trouxera mais vendas, Marina teria
que continuar a correr atrás de receitas e fazer um trabalho que não era dela para garantir o
funcionamento da empresa e o sustento de sua família. Para ela, portanto, a empresa regredia. Em
vez de conseguir mais clientes, ela obteve mais despesas, com o aumento de infraestrutura e a
retirada de mais um sócio, que, para ela, agia como um funcionário administrativo, funcionário este
que ela não tinha planos de contratar. Os irmãos (e sócios) começaram uma disputa de poder e lugar,
imbricando conflitos profissionais, familiares e pessoais. Enquanto Marina e Pedro, trabalhando na
produção e operações, cobravam de Marcelo que ele exercesse o marketing, abrindo novos mercados,
Marcelo argumentava que estava trabalhando em outras tarefas, administrativas e de produção, e que
essa não deveria ser responsabilidade dele. Ele alegava que “não tinha se formado para correr atrás
de cliente”. Essa divisão foi se tornando um conflito maior a cada dia.
Essa ressignificação do lugar de Marcelo, de sócio a mero funcionário, foi a base da ação de
Marina quando ela começou a fazer retiradas sem prestar contas. Para ela, não fazia sentido ser
obrigada a reduzir sua renda e ter que dividi-la com Marcelo, já que ele não cumpria a função
prevista. Se, antes da sociedade, Marcelo e Marina tinham o mesmo padrão de vida, eles deveriam
continuar assim após a sociedade. Ela sempre retirou o sustento de sua família da antiga fábrica, não
precisando prestar contas para ninguém, afinal ela era a proprietária. Para ela, era uma questão de
lógica: se tinha dois filhos a mais que Marcelo, precisava de mais dinheiro, pois não deixaria sua
vida regredir enquanto Marcelo mantinha a dele. Se Marcelo não estava cumprindo o seu papel como
sócio, ela também não cumpriria o dela de reconhecê-lo como sócio e prestar-lhe contas.
Essa história, contudo, não tinha o mesmo sentido para Marcelo. Ele comprou o que sobrou
da antiga empresa e abriu uma nova, na qual tinha que assumir seu papel de sócio, de proprietário, e
faria isso profissionalizando alguns processos, como a contabilidade. Não era porque não estava
conseguindo clientes e mais vendas que não estava trabalhando, portanto tinha o direito de fazer a
mesma retirada que sua sócia, afinal o contrato social previa a divisão igualitária da sociedade. Ele
julgou a atitude da sócia, e também irmã mais nova, irresponsável e moralmente errada, pois ela
estaria roubando. Dessa forma, enquanto um discutia uma questão de lógica racional e emotiva,
outro discutia uma questão de lógica legal e ética.
Outros conflitos surgiram a partir do lugar como espaço de lutas, em busca de afirmação
individual de identidade e exercício de poder, ou seja, da territorialização do espaço. Com a
sociedade, a vida organizacional ganharia novos contornos para os antigos sócios. Marina nunca
precisou dividir decisões em relação à sua escala de férias. Certa vez, Marina e Marcelo desejavam
marcar suas férias para o mesmo período, entretanto Marina justificava a sua preferência por
questões de produção. Além de seu funcionário especializado, ela era a única que sabia “dar o ponto
final no doce”. Assim, nas férias desse funcionário, ela precisava assumir esse processo na produção.
O desfecho do conflito foi o seguinte: Marcelo tirou férias no período desejado por ele, exercendo
poder como proprietário, mas, no intento de defender seu território, Marina não lhe prestou contas de
nada que aconteceu no período em que ele estava fora, inclusive entradas e saídas contábeis.
Percebe-se que ela exercia um poder pelo saber, além do poder formal como proprietária, e buscava
garantir seu espaço conquistado desde a antiga empresa, enquanto Marcelo representava uma ameaça
a esse poder.
Outra ocorrência conflituosa foi quanto à definição de prioridades referente às funções dos
funcionários. Um dia, coincidiu de a fábrica ter uma grande encomenda de produção de doces de
coco e uma entrega programada em outra cidade simultaneamente. Como havia poucos funcionários,
eles desempenhavam diversos tipos de ações, sendo delegadas pelos proprietários. Nesse dia, Marina
solicitou a determinado funcionário que ficasse na produção, por ter mais habilidade em descascar
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O LUGAR DOS CONFLITOS E OS CONFLITOS DE LUGAR NA FALÊNCIA DE UMA EMPRESA FAMILIAR
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cocos, assim tornaria o processo mais rápido. Marcelo, porém, determinou ao mesmo funcionário
que o acompanhasse em viagem a Ouro Preto, para realizar a entrega prevista. O desfecho deu-se
com a ausência de Marina no momento da saída de Marcelo e a ida do funcionário à entrega, em
detrimento do processo produtivo. Para demarcar seu lugar na organização, Marina tinha avisado ao
funcionário que ele sofreria sanções caso a desobedecesse, o que ocasionou a sua demissão. É
interessante notar que, em princípio, a demissão não ocorreu por uma questão de incompatibilidade
ou disfunção do funcionário, mas por uma questão relacionada à dinâmica simbólica de poder e lugar.
Enquanto Marina e Pedro tentavam, assim, manter sua autoridade perante os funcionários
com base em sua posição desde a antiga fábrica, Marcelo também tentava ganhar o seu espaço como
patrão. Nesses conflitos, é impossível não lembrar a posição autoritária de Marcelo perante sua irmã
mais nova, como ocorria na sua infância e adolescência. Os conflitos de gestão chegaram a minar a
autoridade na organização, polarizando o poder dos irmãos, e isso se refletiu na relação com os
funcionários. Além disso, é interessante notar que os irmãos eram vizinhos e, muitas vezes, levavam
seus problemas profissionais para casa, inclusive envolvendo outros membros da família.
A cada conflito, de briga em briga, a administração da empresa foi ficando cada vez mais
insustentável. Os cônjuges, Pedro e Lídia, abandonaram o barco primeiro. Como não conseguiram
chegar a um consenso em como seguir com a fábrica, os irmãos, que antes eram amigos e agora já
nem conversavam mais, foram prolongando a existência da empresa até sua falência definitiva.
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