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Introdução
1
Neste texto, usaremos
as expressões
A década de 1920 foi marcada, no Rio de Janeiro, por uma inten-
sificação das atividades de divulgação científica1 (Massarani,
1998; Moreira, Massarani, 2001). Além de maior uso de jornais,
‘divulgação científica’
e ‘vulgarização do revistas e livros como veículos de difusão de idéias e notícias
saber’ para designar a científicas, foram organizadas conferências abertas ao grande
disseminação, junto ao
público não- público que tiveram repercussão junto à elite ilustrada da cidade.
especializado, de Em 1923 criou-se a primeira rádio brasileira, a Rádio Sociedade
informações
relacionadas a temas (hoje, Rádio MEC), com propósitos educativos e de difusão
de ciência. Ressalte-se científica e cultural. Nesse período, as conferências da Associação
no entanto que,
embora a expressão
Brasileira de Educação (ABE) atraíam uma audiência interessada
‘divulgação científica’ em temas de ciência e cultura. Na década de 1930, sob a
atenda bem ao que se inspiração de Roquette-Pinto criou-se o Instituto Nacional do
propõe aqui, sua
definição é vista hoje Cinema Educativo (INCE), produtor, nos anos que se seguiram,
como insuficiente para de centenas de filmes educativos e voltados para temas de ciência,
dar conta da
complexidade das arte e cultura.
relações envolvidas na Esse surto ascendente de atividades de divulgação científica
difusão dos
conhecimentos; há
correlaciona-se com o aparecimento anterior de um grupo de
necessidade de serem intelectuais e cientistas que tinham como propósito a valorização
agregadas ao conceito da pesquisa básica — da pesquisa ‘pura’ ou ‘desinteressada’, como
dimensões outras tais
como o papel da então se denominava. Eram professores, cientistas, engenheiros,
audiência nesse médicos e outros profissionais liberais, ligados em geral às principais
processo; a percepção
pública da ciência; e instituições científicas e educacionais do Rio de Janeiro. A estratégia
as limitações para estimular o desenvolvimento da pesquisa científica passava,
existentes no processo
de produção e nos
segundo eles, pelo aprimoramento do sistema educacional, pela criação
usos do conhecimento, de faculdades de ciências e letras que possibilitassem a formação dos
como aquelas cientistas ‘puros’ e pela criação de um ambiente junto ao público e
relacionadas a riscos,
controvérsias e aos governantes favorável à démarche científica. A divulgação
questões éticas, científica para o público ilustrado passou a ser um dos instrumentos
culturais e políticas.
Miguel Ozorio de utilizados com esse propósito. A organização dos cientistas tornou-
Almeida preferia se também uma necessidade importante, como o comprova a criação
adotar ‘vulgarização do
saber’, expressão que, da Sociedade Brasileira de Ciências (1916), que se transformaria,
juntamente com em 1922, na Academia Brasileira de Ciências (ABC).
‘vulgarização cientí-
fica’, era mais usada na
Miguel Ozorio de Almeida era um dos elementos atuantes desse
década de 1920 e grupo, do qual faziam parte também seu irmão Álvaro, Manoel
início da década de Amoroso Costa, Henrique Morize, Juliano Moreira, Edgard Roquette-
1930, quando
escreveu os textos Pinto, Roberto Marinho de Azevedo, Edgard Süssekind de Mendonça,
citados neste artigo. Lélio Gama, Teodoro Ramos, Francisco Venâncio Filho e outros. No
que se refere à importância da ciência pura, assim se expressava
Miguel Ozorio, no seu discurso de posse como presidente da
Academia Brasileira de Ciências, para o biênio 1929-1930:
Miguel Ozorio, Afrânio Peixoto e eu, certa vez, durante uma conversa,
pensamos em escrever de parceria um romance em que se tentassem
experiências fisiológicas in anima nobili. Mas isso nunca passou de
simples palestra. Um dia, porém, já bem mais tarde, veio-me a idéia de
ligar a esse romance a lenda das amazonas e, desde então, com a
aquiescência de meus ex-futuros colaboradores, decidi-me a escrevê-lo
sozinho. Estudada a bibliografia que me permitisse criar o ambiente em
que ia desenvolver a história, pus mãos à obra e em 1925 era o livro
editado (Senna, 1996, p. 239).
As ciências ... se distinguem umas de outras pelo modo por que elas são
estudadas. Se algumas põem em trabalho as capacidades superiores do
raciocínio, e se para abordá-las com proveito é preciso desenvolver
ao mais alto grau o poder de abstração, afastando-se ... do senso
Mas a coisa pode não ser tão simples: “Quando se trata, porém,
de relações menos imediatas entre os progressos científicos e o
bem de toda a coletividade, as dificuldades crescem” (idem,
ibidem, p. 239).
Miguel Ozorio observa, ainda, que a divulgação científica
pode ter um papel importante no despertar de novas vocações:
“O contato constante com as coisas da ciência aguça a curiosidade
e revela tendências que poderiam de outro modo permanecer
para sempre ocultas.” E traz conseqüências duradouras para a
formação de uma cultura científica, porque, ao se manter
“constantemente a maioria das inteligências em contato com a
ciência, ela virá criar um estado de espírito mais receptível e
mais apto a compreender” (idem, ibidem, p. 237).
Considerações finais
Neste artigo, buscamos resgatar um papel significativo desem-
penhado por Miguel Ozorio, o de divulgador da ciência, revisitando-
o no contexto de sua época. Ele destacou-se na história da divulgação
científica brasileira por conferências, ensaios e livros voltados para
temas de ciência e também por ser um dos primeiros a colocar em
debate questões ainda hoje bastante atuais, relacionadas à prática
da divulgação científica.
Seu principal texto de reflexão sobre a divulgação científica, A
vulgarização do saber, permite-nos entender um pouco mais esse
que foi um dos períodos mais férteis dessa atividade no país,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Recebido para publicação em setembro de 2003.
Aprovado para publicação em dezembro de 2003.