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GENA SHOWALTER

Senhores do Submundo 10

O Desejo mais Sombrio

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Revisão Inicial: Uta, Amanda, Lucilene, Rê,
Griselda, Miriam, Tuca, Tininha
Revisão Final: Mya
Projeto Revisoras Traduções

Comentário da Tininha: A visão que eu tinha do Kane era de um TDB desastrado,


azarado e tals. Por que por onde ele andava teto desabava, acidentes aconteciam e
etc.
O que sempre me chamou atenção nos Senhores foi que apesar da luta que tiveram
em aprender a conviver com seus demônios, os Senhores administravam bem a
situação. E os demônios se rendiam às mulheres de suas vidas. Não é? Vimos em todos
os livros que os demônios caíam de quatro pelas mocinhas. Ficam: eu quero, minha...
cada um do seu jeito.
Mas... nesse livro a coisa é totalmente diferente. Vimos Desastre jogando contra a
mocinha. Josephina por si só já é uma azarada. Nasceu pra sofrer. E Kane tinha uma
relação bastante difícil com Desastre.
Kane se vê envolvido em um conflito bastante tenso, desafia o próprio destino para ter
o amor de Josephina. Matamos a saudade de nossos Senhores pois eles aparecem.
Preparem-se para mais um sucesso da Gena. Como sempre, ela arrasou! E os Anjos da
Escuridão mostram sua cara um pouquinho tb. Vários possíveis casais são delineados e
temos um vislumbre do que está por vir. O que estão esperando? Vão ler!

Comentário da Miriam: Gente, vou apenas opinar sobre o Kane, e posso adiantar que
gostei muito deste livro.
Ele é um dos Senhores possuído pelo demônio Desastre, que se apaixona por
Josephina, uma Fae que consegue ser mais desastrada do que o próprio Desastre, que
deseja apenas ser amada, após viver tantos anos servindo de saco de pancadas para
sua família.
Kane um homem apaixonado disposto a matar e morrer por sua amada, tentando
protegê-la de seus inimigos e de si próprio, já que Desastre não aceita Josephina e faz
de tudo para afastá-la de Kane.
As fãs de Senhores do Submundo vão adorar mais este livro da série.

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Tendo suportado semanas de tortura nas entranhas do inferno, Kane não quer ter nada
a ver com sua bela salvadora, Josephina Aisling. A fêmea metade Fae ameaça
despertar o demônio do Desastre dentro dele — uma fera que está determinado a
matar, não importa o preço.

Josephina é caçada por um inimigo brutal — sua família real — e Kane é sua única
fonte de proteção. Ele também é o único homem que já a deixou em chamas, e até ele
mesmo sucumbe ao calor. Mas à medida que navegam no mundo traiçoeiro dos Fae,
são forçados a fazer uma escolha: viver separados... ou morrer juntos.

“Já me disseram que sou quase tão perigoso quanto um tsunami.”

Kane, Senhor do Submundo

"Já me disseram que sou um tsunami."

Josephina Aisling

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CAPÍTULO 1

Cidade de Nova York


Época atual

Josephina Aisling olhou para o homem esparramado na cama do quarto de


motel. Ele era um guerreiro imortal, belo de uma forma que nenhum mortal poderia
ser. Um cabelo sedoso preto azeviche, castanho avermelhado e dourado espalhado em
cima do travesseiro, as mechas multicoloridas formando uma tapeçaria perfeita,
convidando o olho a se demorar mais um minuto, e mais um minuto… santa
misericórdia, por que não olhar para sempre?
Seu nome era Kane. Ele tinha cílios compridos e infantis, um nariz forte e um
queixo teimoso. Com um metro e noventa de altura, ele era formado com o tipo de
músculo só adquirido nos campos de batalha mais sanguinários. Embora ele usasse
calças sujas e manchadas, ela sabia que havia uma enorme tatuagem de mariposa que
dominava a lateral direita do seu quadril, a tinta rica e preta, o desenho um pouco
irregular. A ponta das asas passava do desenho, e de vez em quando pequenas ondas
se formavam nelas, como se o inseto lutasse para sair da sua pele — ou para se
enterrar mais fundo nela.
Qualquer um dos dois era possível. A tatuagem era uma marca de um mal
completo e absoluto, um sinal visível do demônio que existia preso dentro do corpo de
Kane.
Demônio… ela estremeceu. Donos do inferno. Mentirosos, ladrões. Assassinos.
Eles eram escuridão sem nenhuma pitada de luz. Eles atraíam e tentavam. Eles
arruinavam, torturavam e destruíam.
Mas Kane não era o demônio.
Como todos de sua raça, os poderosos Fae, ela passara boa parte de sua vida
estudando Kane e seus amigos — os Senhores do Submundo. Na verdade, sob a ordem
do rei Fae, espiões passaram incontáveis séculos seguindo os guerreiros, vigiando e
relatando o que descobriam. Escribas fizeram livros com histórias e fotos do que
testemunharam. Mães compravam esses livros e liam para os seus filhos. Depois,
quando esses filhos cresciam, eles faziam suas próprias compras, a necessidade de
saber o que aconteceu depois forte demais para ignorar.
Os Senhores do Submundo tornaram-se as estrelas da melhor e pior novela em
Séduire, o reino dos Fae.
Josephina sempre devorava cada detalhe. Especialmente aqueles sobre o ultra-
sexy Paris e o devastadoramente solitário Torin. Kane, a bela tragédia, vinha logo em
terceiro. Ela provavelmente conseguia recitar a história da sua vida melhor do que a
própria.
Ele tinha milhares de anos. Só teve quatro namoradas sérias em toda sua vida.
Embora, por um tempo, tenha vivido uma sequência de relacionamentos de uma só
noite. Lutou batalha após batalha com os seus inimigos, os Caçadores. Por três vezes
eles conseguiram capturá-lo e torturá-lo, e ela esperou, prendendo o fôlego, até ouvir
da sua fuga.
Indo ainda mais além no passado, até o começo, ele e seus amigos roubaram e
abriram a caixa de Pandora, libertando os demônios que havia dentro. Os Gregos

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estavam no poder na época e decidiram punir os guerreiros, transformando seus
corpos em recipientes para os mesmos demônios que libertaram. Kane levava
Desastre. Os outros carregavam Promiscuidade, Doença, Dúvida, Violência, Morte,
Dor, Ira, Mentira, Miséria, Segredos e Derrota. Cada criatura vinha com uma maldição
quase que debilitante.
Promiscuidade tinha que dormir com uma mulher diferente a cada dia ou
enfraquecia e morria.
Doença não podia tocar outra criatura com vida sem gerar uma praga.
Desastre gerava catástrofes em todo lugar que Kane ia, um fato que cortava o
coração de Josephina e a tocava bem fundo. Sua vida inteira foi um desastre.
— Não me toque. — ele murmurou, a voz brusca e rouca. Pernas poderosas
afastaram os lençóis já revirados. — Tire as mãos. Pare. Eu falei pare!
Pobre Kane. Outro pesadelo o perturbava.
— Ninguém está tocando em você. — ela garantiu. — Você está seguro.
Ele se acalmou, e ela respirou aliviada.
Quando deu de cara com ele pela primeira vez, ele estava acorrentado em uma
plataforma no inferno, sua caixa torácica aberta, as costelas espalhadas e expostas, os
punhos e tornozelos pendurados devido aos tendões cortados.
Ele parecia um pedaço de bife à venda no açougue.
Quero dois quilos de picanha e um quilo de acém moído.
Nojento. Simplesmente nojento. Estou com muito nojo de você. Com o passar
dos anos, ela passou tanto tempo sozinha que conversar consigo mesma tinha se
tornado sua única fonte de divertimento… e infelizmente, companhia. Eu teria pedido
três quilos de pernil.
Apesar da condição dele, encontrá-lo foi a melhor coisa que já aconteceu com
ela. Ele era seu passaporte para a liberdade. Ou possivelmente… aceitação?
Princesa Synda, sua meio-irmã e a melhor das melhores mulheres Fae que já
nasceu, não era uma Senhora do Submundo, mas carregava o demônio
Irresponsabilidade. Aparentemente, havia mais demônios do que guerreiros
malcriados e ladrões de caixas, e o excesso foi entregue aos prisioneiros do Tártaro —
uma prisão subterrânea para imortais. O primeiro marido de Synda foi um desses
prisioneiros, e de algum modo, quando o homem morreu, o demônio entrou como um
verme dentro dela.
Quando o rei dos Fae soube disso, ele abriu uma caça por detalhes sobre a
causa — e sobre a solução. Até então, todos apareceram de mãos vazias.
Eu podia levar Kane de encontro à Alta Corte dos Fae, exibi-lo por lá, deixar que
respondesse qualquer pergunta que a assembleia tivesse e meu pai poderia me
enxergar, realmente me enxergar, pela primeira vez na minha vida.
Seus ombros caíram. Não, nunca mais vou voltar.
Josephina sempre foi e sempre seria, a garota real que servia de saco de
pancada, a que recebia os castigos que Synda, a Adorada, merecia.
Synda sempre merecia.
Na semana passada, em um acesso de raiva, a princesa queimou os estábulos
reais e todos os animais presos lá dentro. A sentença de Josephina? Uma passagem
para o Sem Fim — um portal que dava para o inferno.
Lá, um dia era como mil anos e mil anos como um dia, então pelo que pareceu
uma eternidade sem fim, ela continuou caindo, caindo em um fosso negro. Tinha

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gritado, mas ninguém a ouviu. Tinha implorado misericórdia, mas ninguém se
importou. Tinha chorado, mas jamais encontrou uma âncora.
Então ela e outra garota aterrissaram no centro do inferno.
Que surpresa perceber que ela na verdade nunca esteve só.
A garota era uma Phoenix, uma raça que descendia dos Gregos. Todo guerreiro
de sangue puro tinha a habilidade de se levantar dos mortos, várias e várias vezes,
ficando mais forte a cada ressurreição — até que a morte final viesse e não pudesse
mais haver uma renovação corporal.
Kane começou a se agitar e gemer novamente.
— Não vou deixar nada te acontecer. — ela disse a ele.
Outra vez, ele parou.
Se ao menos a Phoenix tivesse respondido tão bem assim. Quando a garota a
viu seu ódio foi lançado contra ela, um ódio que ia muito além do que os filhos dos
Titãs — como Josephina — e os filhos dos Gregos normalmente sentiam uns pelos
outros. Mas mesmo assim a Phoenix não tentou matá-la, ao invés disso permitiu que a
seguisse pela caverna procurando pela saída, sem que tivesse que empregar sua
própria energia já quase esgotada. Como Josephina, ela só queria sair dali.
Elas passaram por paredes sujas de sangue, inalando o fétido aroma de
enxofre. Grunhidos e gemidos ressoaram em seus ouvidos, criando uma sinfonia
terrível que seus sentidos destituídos não estavam preparados para ouvir. Então elas
cruzaram com o guerreiro mutilado. Josephina o reconheceu, apesar da sua condição e
parou.
Ficou mais do que admirada. Ali, na sua frente — na sua frente! — estava um
dos famosos Senhores do Submundo. Ela não sabia como poderia ajudá-lo quando mal
podia se ajudar, mas sentiu-se determinada a tentar. Faria o que fosse necessário.
Muita coisa foi necessária.
Ela o olhou.
— Você foi a minha primeira e única oportunidade de conquistar meu novo
maior desejo — ela admitiu —, algo que com certeza não poderia fazer sozinha. E
assim que acordar, vou precisar que cumpra sua promessa.
E então…
Ela suspirou, calou-se. Passou as pontas dos dedos na testa dele.
Mesmo no sono, ele estremeceu.
— Não. — ele rosnou. — Eu destruirei você, pedacinho por pedacinho. Você e a
sua família inteira.
Ele não estava se exibindo, não fazia uma ameaça vazia. Ele garantiria que isso
acontecesse, e provavelmente o faria com um sorriso constante no rosto.
Provavelmente? Ah! Ele sorriria sim. Como um típico Senhor.
— Kane. — ela disse, e outra vez ele se acalmou. — Acho que talvez seja hora
de acordar. Minha família está por aí e eles me querem de volta. Enquanto mil anos se
passaram para mim dentro daquele fosso, somente um dia se passou para eles. Já que
falhei em retornar a Séduire, soldados Fae provavelmente estão atrás de mim.
Para adicionar mais ingredientes ao seu caldeirão de infelicidades, a Phoenix
definitivamente estava caçando-a, determinada a escravizá-la e se vingar pelo mal que
Josephina fez a ela durante a fuga das duas.
— Kane. — Ela sacudiu seu ombro com gentileza. A pele dele era
surpreendentemente macia e primorosamente lisa, mesmo assim tão quente que

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parecia arder em febre, os músculos embaixo dela tão firmes e compactos como
granadas. — Preciso que abra os olhos.
Cílios compridos bateram, revelando íris douradas e cor de esmeraldas opacas.
Um segundo depois, mãos grandes e masculinas se fecharam em volta do seu pescoço
e a jogaram de costas. O colchão balançou, mesmo com o seu peso leve. Ela não
ofereceu resistência quando Kane rolou para cima dela, prendendo-a no lugar. Ele era
pesado, o aperto tão forte que ela não conseguiu respirar o cheiro de rosas que passou
a associar a ele. Uma fragrância estranha para um homem e uma que ela não
entendia.
— Quem é você? — ele rosnou. — Onde estamos?
Ele está falando comigo. Comigo!
— Responda.
Ela tentou responder, não conseguiu.
Ele afrouxou o aperto.
Pronto. Melhor. Respire. Inspire.
— Pra começar, sou a sua maravilhosa e incrível salvadora. — Já que os elogios
que recebeu sua vida inteira morreram junto com a sua mãe, ela decidiu se auto-
elogiar sempre que podia. — Solte-me e passamos para os detalhes.
— Quem? — ele exigiu, apertando-a com mais força.
Sua linha de visão se encheu de pontinhos pretos. Seus pulmões arderam,
desesperados por oxigênio, mas ainda assim ela não ofereceu resistência.
— Mulher. — A pressão voltou a ceder. — Responda. Agora.
— Homem das cavernas. Solte-me. Agora. — ela retorquiu ao sorver o ar.
Podia ter cuidado com o que fala, por favor? Não vai querer que ele vá embora.
Ele saiu de cima dela para se agachar aos pés da cama. Seu olhar permanecia
nela, observando com intensidade enquanto sentava devagar. Um rubor coloria as
bochechas dele, e ela se perguntou se ele estava com vergonha de suas ações ou
simplesmente lutando para esconder a fraqueza que ainda o assolava.
— Tem cinco segundos, mulher.
— Ou o que, guerreiro? Vai me machucar?
— Sim. — Determinado. Seguro de si.
Homem tolo. Seria totalmente deselegante de sua parte pedir que ele
autografasse a sua camiseta?
— Não lembra o que me prometeu?
— Eu não te prometi nada. — ele disse, e embora seu tom fosse confiante, suas
feições escureceram em confusão.
— Prometeu. Pense no seu último dia no inferno. Era você, eu e uns dois mil
dos seus piores inimigos.
Ele franziu o cenho e seus olhos perderam o foco com a lembrança,
compreensão… e então terror. Ele sacudiu a cabeça, como se desesperado para
expulsar os pensamentos que agora rodopiavam pela sua mente.
— Você não falava sério. Não podia estar falando sério.
— Eu estava.
Ele estalou a mandíbula, uma ação de agressão frustrada.
— Qual é o seu nome?
— Acho que é melhor você não saber. Dessa forma, não haverá ligação
emocional e vai ter mais facilidade para fazer o que eu pedir.

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— Eu nunca disse de fato que faria o que me pedisse. — ele falou entredentes.
— E por que está me olhando assim?
— Assim como?
— Como se eu fosse uma caixa de chocolate gigante.
— Já ouvi falar de você. — ela disse e deixou as coisas assim. Apenas a verdade,
sem maiores explicações.
— Acho difícil. Se já tivesse ouvido alguma coisa ao meu respeito, sairia
correndo de medo.
Oh, sério?
— Eu sei que durante as incontáveis guerras que você lutou seus amigos
geralmente o deixaram para trás, com medo que causasse alguma catástrofe. Sei que
prefere se isolar do mundo, morrendo de medo da mesma coisa. E mesmo assim, você
conseguiu exterminar milhares. Posso me atrever a dizer milhões?
Ele passou a língua pelos perfeitos dentes brancos.
— Como sabe disso?
— Bom, nós chamamos isso de… rumores.
— Rumores nem sempre são verdade. — ele murmurou. Em segundos, passou
o olhar pelo pequeno aposento e voltou a se concentrar nela.
Ela também sabia que carícia visual era um hábito que ele desenvolveu durante
os anos, um que tinha a intenção de absorver tudo. Entradas, saídas, armas que
poderiam ser usadas contra ele — armas que ele poderia utilizar.
Desta vez, tudo que veria era o papel de parede amarelo descascado, a mesa
de cabeceira cheia de arranhões com o abajur que também já viu dias melhores. O
aparelho de ar-condicionado barulhento. A lata de lixo cheia de gazes ensanguentadas
e tubos vazios de pomadas que ela usou nos machucados dele.
— Naquele dia no inferno. — ele começou. — Você me disse o que queria e
depois cometeu o erro de assumir que eu concordei.
Aquilo soava como uma recusa. Mas… ele não pode me recusar. Não agora.
— Você expressou sua concordância. Depois fiz a minha parte. Agora fará a sua.
— Não. Eu nunca pedi sua ajuda. — A voz dele a golpeou como o mais afiado
chicote, deixando para trás uma dor inegável. — Nunca a quis.
— Você quis sim! Seus olhos me imploraram e não pode negar. Não podia ver
os seus olhos, então não tem ideia do que faziam.
Uma pausa prolongada. Então, com uma voz baixa e calma, ele disse.
— Acho que esse é o argumento mais ilógico que já ouvi.
— Não, é o mais inteligente, mas seu cérebro minúsculo não consegue
entender.
— Meus olhos não imploraram — ele disse —, e não vou me repetir.
— Eles imploraram sim. — ela insistiu. — E fiz uma coisa terrível para tirá-lo de
lá. — Infelizmente, enviar um bilhete com um pedido de desculpas para a Phoenix não
resolveria o problema.
Tão fraca quanto Josephina esteve no inferno, ela precisara de ajuda com Kane.
Só que quando alcançou a Phoenix ainda procurando sua liberdade, ocorreu um leve
probleminha. A garota se recusou tão veementemente — apodreça no inferno, sua
puta Fae — que Josephina soube que não havia esperança de fazer com que mudasse
de ideia. Então Josephina usara a habilidade que só ela possuía. Uma benção nas
circunstâncias certas. Uma maldição que a manteve presa em um mundo sem contato

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físico. Com apenas um toque ela roubou a força do corpo da Phoenix, reduzindo a
garota a uma pilha de membros no chão.
Sim, Josephina colocara a guerreira em cima do ombro e levara para fora do
inferno, do mesmo jeito que fez com Kane, lutando contra demônios pelo caminho —
um milagre considerando que nunca lutou um dia sequer na sua vida —
eventualmente encontrando um jeito de sair, mas isso não importaria para a Phoenix.
Um crime foi cometido e um preço teria que ser pago.
— Nunca pedi que fizesse coisas terríveis. — A voz dele continha a advertência
mais sinistra que já recebeu.
Uma que ela não deu atenção.
— Talvez não de forma audível, mas quase quebrei a coluna salvando você. —
Ela ficou de joelhos, remexendo o colchão e quase derrubando o enfraquecido Kane no
chão. — Você pesa, tipo, umas cinco toneladas. Mas são toneladas gloriosas. — ela se
apressou em acrescentar. Pare de insultar o homem!
O olhar estreito dele percorreu cada pedacinho dela. A ação carecia da
discrição que ele usou para o quarto, e mesmo assim foi quase uma carícia, como se
ele também a tocasse. Ele conseguia ver sua pele arrepiada?
— Como uma garota como você conseguiu tal proeza?
Uma garota como ela. Ele conseguia sentir a sua inferioridade? Ela levantou o
queixo dizendo:
— Uma troca de informações não fazia parte da nossa negociação.
— Pela última vez, mulher, não há negócio algum.
Tremores de pavor a acometeram, ofuscando… o que quer que ele a fez sentir
previamente.
— Se não fizer o que prometeu, eu… eu…
— O quê?
Sofrerei pelo resto da minha vida.
— O que seria necessário para fazer com que mudasse de ideia e decidisse
fazer a coisa certa?
A expressão dele se fechou, escondendo todos os seus pensamentos.
— De que espécie é você?
Uma pergunta completamente fora de assunto, mas tudo bem, ela podia seguir
a onda dele. Já que os Fae não eram uma raça muito apreciada, os homens mais
conhecidos pela falta de honra que tinham nas batalhas, bem como pela necessidade
insaciável de dormirem com qualquer coisa que se movesse, e as mulheres conhecidas
por esfaquearem pelas costas e por inventarem calúnias — e certo, tudo bem, pela
habilidade de costurarem um guarda-roupa e tanto — saber sobre a sua espécie
poderia lhe dar motivo para agir.
— Sou metade humana, metade Fae. Vê? — Ela puxou o cabelo, atraindo a
atenção dele para suas orelhas e as pontas que possuíam.
Ele prendeu o olhar naquelas pontas e estreitou os olhos.
— Faes são descendentes dos Titãs. Titãs são filhos de anjos caídos e humanos.
Eles são os governantes atuais do nível mais baixo dos céus. — Ele disparou cada fato
como se disparasse uma bala.
Não posso revirar os olhos para uma celebridade.
— Obrigada pela aula de história.
Ele franziu o cenho.

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— Isso faz de você uma…
Algo ruim aos olhos dele? Uma inimiga?
Ele sacudiu a cabeça, recusando-se a terminar o pensamento. Depois enrugou o
nariz como se tivesse acabado de sentir o cheiro de alguma coisa… não desagradável,
mas não bem-vinda. Ele inalou com vontade e franziu ainda mais o cenho.
— Você não parece nada com a garota que me resgatou… com as garotas que
me resgataram… não foi só uma. — ele disse sacudindo outra vez a cabeça, como se
estivesse tentando entender as coisas que aconteceram. — O rosto e o cabelo dela
ficavam mudando e lembro de cada feição, mesmo assim o que vejo agora não vi
naquele momento. Mas o seu cheiro…
Era o mesmo, sim.
— Eu possuía a habilidade de mudar de aparência.
Uma das sobrancelhas dele arqueou.
— Possuía. No passado.
Mesmo naquele estado comprometido, ele capturou o que queria dizer.
— Correto. Não possuo mais a habilidade. — A força — e capacidades — que
pegava emprestado dos outros podiam permanecer com ela por, no máximo, algumas
semanas. Ela não tinha controle sobre o curto tempo. O que adquiriu da Phoenix
sumiu ontem.
— Está mentindo. Ninguém tem uma habilidade em um dia e no outro não.
— Eu nunca minto... exceto algumas vezes em que realmente minto, mas nunca
é intencional, e estou dizendo a mais pura verdade no momento. — Ela levantou a
mão direita. — Eu juro.
Ele apertou os lábios.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Sete dias.
— Sete dias. — ele ofegou.
— Sim. Passamos a maior parte do tempo brincando de médica incompetente e
de paciente ingrato.
Uma carranca contorceu os traços dele, e oh, era uma expressão mais que
assustadora. Os livros não tinham lhe feito justiça.
— Sete dias. — ele repetiu.
— Eu não contei errado, garanto. Venho riscando os segundos no calendário.
Ele a olhou feio.
— Você é bem espertinha, não é?
Ela se iluminou.
— Você acha? Sério? — Era o primeiro elogio que recebia de outra pessoa
desde que sua mãe morreu e o aproveitaria. — Obrigada. Diria que minha boca é
extremamente inteligente ou só um pouco acima da média?
O queixo dele caiu como se quisesse responder, mas nenhum som saiu. Suas
pálpebras se fechavam… abriam… fechavam outra vez, e seu corpo enorme balançava
de um lado para o outro. Ele estava prestes a cair, e se caísse no chão, ela nunca seria
capaz de colocá-lo na cama.
Josephina se precipitou, alcançando com as mãos enluvadas. Embora tenha
vacilado para trás, ele bateu nos seus braços, não querendo contato algum entre os
dois. Homem esperto (tão esperto quanto achava que ela era?). Assim ele caiu,
batendo no carpete com uma forte pancada.

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Quando ela se colocou de pé para ir ao seu lado — para fazer o que ela não
sabia — a porta do quarto de motel foi arrombada, lascas de madeira chovendo em
todas as direções. Um guerreiro alto e grosseiramente musculoso com cabelos escuros
estava parado no meio do buraco, os traços banhados em sombras. Ele emanava
ameaça. Talvez porque segurava duas adagas — e elas já estavam sujas de sangue.
Outro guerreiro apareceu atrás dele, esse loiro, com… oh, alguém por favor me
salve. Tripas penduradas no cabelo.
Os homens do seu pai a encontraram.

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CAPÍTULO 2

Kane lutou contra uma onda de dor, humilhação e fracasso. Foi criado
completamente desenvolvido, um guerreiro até as profundezas do seu ser. Por entre
os séculos, ele lutou em incontáveis guerras. Destruíra inimigo após inimigo, e saíra
várias vezes com ferimentos ensanguentados — mas sempre com um sorriso no rosto.
Havia lutado e ganhado e outros sofreram por irem atrás dele. E ainda assim, ali
estava, no chão de um motel imundo, fraco demais para se mexer, à mercê da bela e
frágil mulher que o viu em seu pior: acorrentado, violado e com o corpo aberto depois
de mais um ciclo de tortura.
Queria que aquelas imagens sumissem da mente dela, mesmo que tivesse que
arrancá-las lá de dentro com uma lâmina.
Depois ele as arrancaria da sua própria mente. Os Caçadores o culpavam por
todos os desastres que já enfrentaram. A bomba. A viagem para o inferno. A horda de
servos do demônio atacando, matando os Caçadores e escondendo Kane. Dia após dia
de tormento.
Algemas. O gotejar do sangue. Sorrisos satisfeitos, dentes manchados de
sangue. Mãos em todo lugar. Bocas procurando. Línguas lambendo.
Uma trilha sonora que tocava baixinho ao fundo. Gemidos de dor —dele.
Gemidos de prazer — nenhum dele. O bater de carne contra carne. O raspar de unhas,
enterrando-se fundo. Uma risada escandalosa.
Cheiros terríveis enchiam seu nariz. Enxofre. Excitação sexual. Sujeira. Cobre
velho. Suor. O fedor pungente de medo.
Uma emoção brutal atrás da outra o bombardeava. Nojo, ira, sentimentos de
completa violação. Pesar, humilhação, tristeza. Sensação de estar indefeso. Pânico.
Mais nojo.
Ele gemeu, um som trágico. Desesperado para evitar ter um colapso, ergueu
uma parede de tijolos em volta de sua mente berrante, bloqueando o pior das
emoções. Não posso lidar com isso agora. Simplesmente… não posso. Finalmente
estava livre. Não podia esquecer isso. O resgate veio.
Não, não um resgate. Não a princípio. Guerreiros o roubaram dos servos, só
para amarrá-lo e submetê-lo aos seus tipos especiais de tortura.
Depois a garota veio, exigindo que a ajudasse com a mais vil das tarefas.
— O que fez com ele? — uma voz masculina berrou. — Por que soldados Fae
estavam prestes a entrar neste quarto?
— Espere. Vocês não estão com os Fae? — ela perguntou.
— Quem é você, mulher?
Kane reconheceu o orador. Sabin, seu líder, e o Guardião do demônio da
Dúvida. Sabin era um homem que não hesitaria em quebrar o pescoço de uma mulher
se achasse que aquela mulher havia machucado algum dos seus soldados.
— Eu? — disse a garota. — Não sou ninguém e não fiz nada. Sério.
— Mentiras só vão piorar as coisas para o seu lado.
Outra voz que Kane reconhecia. Strider, o Guardião do demônio da Derrota.
Como Sabin, Strider não hesitaria em ferir uma mulher em defesa de um amigo.
Kane devia se sentir confortado pela aparição de ambos. Eles eram irmãos de
coração, a família que ele precisava e eles o protegeriam, levariam para um local

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seguro e fariam de tudo que estivesse em seu poder para garantir que se curasse. Mas
ele estava cheio de feridas, machucados e emocionalmente despido, e eles agora
também eram testemunhas de sua vergonha.
— Oh, misericórdia. Por que não entraram na claridade logo? Conheço vocês.
— a garota ofegou. — Vocês são… vocês são… são vocês.
— Sim, e também sou a sua perdição. — disparou Sabin.
O guerreiro assumiu que a garota de cabelo negro era responsável pela
condição de Kane. Um engano. Ele tentou sentar, mas os músculos do seu estômago
estavam inúteis, ainda não completamente remendados.
— Por favor, não leve a mal — disse a garota —, mas essa tem que ser a coisa
mais fraquinha que já me falaram, e Kane aqui já disse algumas pérolas. Você é um
guerreiro magnífico conhecido por todas as terras por sua força e sagacidade. Sei que
pode fazer uma ameaça melhor que essa.
Mais de uma vez, as coisas bobas que saíam daquela boca da cor de maçã-do-
amor faziam com que sentisse vontade de rir, apesar da dor que o assolava sem
piedade. Agora era uma dessas vezes. Ele não compreendia a reação.
— Tem como não levar isso a mal? — disparou Sabin. — Vigie a porta. — ele
disse para Strider. — Vou arrancar um membro dela de cada vez.
— Nada disso, chefe. Eu reivindico meus direitos.
— Isso quer dizer que vamos brigar até a morte? — ela perguntou de maneira
casual.
— Sim. — os dois homens responderam em uníssono.
— Oh, bem. Tudo bem, então. Vamos começar, então?
Kane enrijeceu.
— Ela está falando sério? — Sabin.
— De jeito nenhum. — Strider.
— Estou. — ela disse. — Estou mesmo.
Falava demais para uma garota tão pequena.
Uma garota que confundia Kane em todos os sentidos.
Ela tratou dele com gentileza, com ternura, e ainda assim o machucava mais do
que apenas fisicamente. E também não era uma dor boa, uma que o informava que
ainda estava vivo, mas um latejar agudo que seguia pelas suas veias, alcançando-o em
um nível celular como uma doença, um câncer, devorando-o, exigindo que se livrasse
dela o mais rápido possível. E ainda assim, por dentro, bem lá no fundo onde seus
instintos primitivos se debatiam contidos por uma coleira inexistente, um desejo de
agarrá-la, segurá-la e nunca mais soltá-la o consumia.
Ela era bonita, engraçada e doce, e ele ouvia uma palavra toda vez que a
olhava. Minha.
Minha. Minha. MINHA.
Era uma corrente constante, inegável — irreversível. Também era errado. A sua
“minha” nunca lhe causaria dor. E ele não queria uma “minha”. Todas as vezes que
tentou um relacionamento, o mal dentro dele rapidamente o destruiu — e a mulher
também. Agora, depois de tudo que lhe aconteceu…
Um aumento do desprezo, fervendo furiosamente por ele, cerrou os seus
punhos em duas armas perigosas. Não, ele não queria uma “minha”.
— Está ansiosa para morrer? — perguntou Strider, circulando a moça.
— Está enrolando? — ela disse. — Não acha que pode comigo?

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O guerreiro sorveu o ar bruscamente.
A garota lançara um desafio — intencional ou não intencional? — e o demônio
do guerreiro acabara de aceitar. Strider faria tudo em seu poder para vencer e Kane
não poderia culpá-lo. Sempre que o homem perdia um desafio, sofria dias com dores
agonizantes.
Demônios sempre vinham com uma maldição.
Preciso impedi-lo. Quer a garota pertencesse ou não a Kane, ela não se
machucaria. Ver um hematoma naquela pele beijada pelo sol o deixaria atordoado,
sabia disso, já podia sentir a escuridão crescer, seu controle balançando na margem de
uma arrepiante violência.
Quando lutou novamente para se sentar, múltiplos passos soaram, fazendo
com que o chão vibrasse. Rosnados baixos emergiram. O roçar de roupas umas nas
outras. Carne se encontrando com carne, osso com osso. Metal batendo em metal. Os
homens acabariam com ela.
— É tudo o que conseguem fazer? — a garota provocou — uma provocação
cortada pela respiração pesada que tinha. — Qual é parceiros! Vamos fazer disso algo
memorável, um ato para entrar nos livros de história!
— Não. — Kane tentou gritar, mas nem seus ouvidos captaram o som.
Strider pulou em cima dele. Outro bater de metal ecoou.
— Como isso pode ser memorável? — Sabin berrou. — A única coisa que está
fazendo é saltar do caminho quando atacamos.
— Desculpe. Não é minha intenção, mas os instintos ficam falando mais alto. —
ela disse.
Para qualquer um que não Kane, que conhecia o desejo secreto dela, a
conversa poderia parecer bem esquisita.
A luta continuou, os dois homens perseguindo a garota em volta do pequeno
quarto, pulando nos móveis, batendo nas paredes, golpeando as lâminas furiosas e
errando quando ela saía do caminho.
A vontade de cometer uma violência aumentou com uma força mortal.
— Não a machuquem. — ele rosnou. — Machucarei vocês se o fizerem. — Ele
faria qualquer coisa para protegê-la.
Mesmo naquele estado deplorável?
Ele ignorou a pergunta humilhante.
Pergunta. Sim. Ele tinha mais perguntas para a garota do que as que já fizera —
e desta vez ela responderia de maneira satisfatória ou ele… não tinha certeza do que
faria. Perdeu toda a noção de piedade e compaixão dentro daquela caverna.
A ameaça fez Sabin parar. O guerreiro baixou as armas.
Strider se recusou a desistir e finalmente conseguiu pegar a garota pelo cabelo.
Ela gritou quando ele puxou, colando-a em seu corpo duro.
Kane conseguiu se levantar, pretendendo separar os dois. Minha. Ele caminhou
para frente, tropeçou em um sapato, graças ao demônio, e caiu. Dor o consumiu.
Antes que a garota tivesse chance de gritar por ajuda ou amaldiçoar a
existência de Strider, ele chutou seus calcanhares e derrubou-a no chão. Ele caiu com
ela, prendendo seus ombros no chão com os joelhos. Embora ela lutasse, não
conseguia se libertar.
— Eu disse… não a machuque. — Kane gritou com o pouco de força que ainda
possuía.

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— Ei. Mal toquei nela. E também ganhei. — o guerreiro anunciou, um sorriso
enorme levantando os cantos da boca.
Sabin marchou até o lado de Kane, ficou de cócoras e ajudou a rolá-lo de
costas. Então o guerreiro deslizou mãos gentis debaixo dos seus ombros e cabeça.
Kane estremeceu pelo contato, sua mente gritando um protesto que ele se recusava a
deixar sua boca transmitir, mas ainda assim seu amigo segurou-o com firmeza,
colocando-o numa posição sentada.
— Andamos procurando por você, meu chapa. — Palavras ternas que tinham o
objetivo de confortá-lo. Que pena que nada, nunca mais lhe daria conforto. — Nunca
desistiríamos.
— Como? — ele conseguiu perguntar. Me solte. Por favor, me solte logo.
Sabin entendeu a sua pergunta, mas não seu apelo interno.
— Houve uma história em um tabloide sobre uma super-mulher em Nova York
carregando um brutamontes no ombro. Torin fez sua mágica, invadiu as câmeras de
segurança da área e bum! Encontramos você.
Da posição presa ao chão, a garota olhou para ele. Ofegando, ela disse para
Sabin.
— Ei, não dá para notar que ele não está gostando do contato? Solte-o.
Como ela sabia, quando um dos seus melhores amigos não tinha reparado?
— Ele está ótimo. — disse Strider. — Por que está usando luvas, mulher?
Ignorando a pergunta, ela fechou os olhos e perguntou.
— Vão me matar agora?
— Não! — Kane urrou. MINHA! MINHA!
Strider embainhou suas facas e se levantou. Imediatamente a garota se
levantou. Longas madeixas de cabelo caíram em seu rosto, em suas bochechas; ela
colocou as mechas atrás das orelhas pontudas que o surpreenderam tanto.
A maioria dos Fae preferia ficar no reino deles. Eles não eram as mais adoradas
das raças e os imortais tinham uma tendência de atacar primeiro e fazer perguntas
depois. Ainda assim, Kane cruzou com alguns deles no passar dos séculos. Todo Fae
possuía cabelos brancos e cacheados e pele tão branca quanto o leite. Aquela tinha
uma cascata lisa de seda negra, nem com a mais leve das ondas, e a pele no tom mais
apetitoso de bronze. Marcas de sua humanidade?
Os olhos dela pertenciam aos Fae, contudo. Grandes e azuis, como as mais
raras das joias, a cor clareava e escurecia conforme seu humor. No momento estavam
cristalinos, quase brancos e sem cor. Estava apavorada?
O demônio do Desastre gostou da ideia e ronronou sua satisfação.
Cale a boca, rosnou Kane. Matarei você. Matarei com gosto.
O ronronar se transformou em risadas e Kane teve que se forçar a respirar,
inspira, expira, inspira, expira, devagar e contando. Ele queria cortar as orelhas na
esperança de silenciar todo aquele divertimento doentio. Queria quebrar o quarto
inteiro, destruir cada pedacinho de mobília, derrubar cada parede, arrancar o tapete.
Queria… agarrar a garota e levá-la para longe daquele lugar horrível.
Seus olhares se encontraram e ela ofereceu-lhe o mais doce dos sorrisos. Um
sorriso que dizia, Vai ficar tudo bem, prometo.
A ira se conteve.
Assim. Rápido.
Como ela fez aquilo?

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De todos os rostos que exibiu, aquele de longe era o mais bonito. Ela tinha os
cílios mais compridos que já viu. As maçãs do seu rosto eram altas e marcadas, seu
nariz perfeitamente empinado e os lábios em formato de coração. Seu queixo era
proeminente e teimoso.
Ela era como a boneca de uma garotinha que deslumbrantemente ganhou vida,
e tinha o cheiro de alecrim e menta verde — de um pão recém-saído do forno
acompanhado de um chá de hortelã. Em outras palavras, cheiro de casa.
Minha.
Nunca, o demônio disparou e o chão começou a tremer.
Demônio estúpido. Como qualquer outra criatura viva, Desastre experimentava
fome. Diferente das outras, medo e angústia eram os seus pratos favoritos. Então
quando ele desejava uma refeição — ou só queria uma sobremesa — causava algum
tipo de catástrofe para Kane, bem como para todos aqueles que o cercavam.
Às vezes, essas catástrofes eram pequenas. Uma lâmpada explodia ou o chão
rachava aos seus pés. Na maioria das vezes, as catástrofes eram grandes. Um galho
caía de uma árvore. Carros colidiam. Prédios desabavam.
Ódio arranhou seu peito. Um dia me livrarei de você. Um dia, eu o destruirei.
O tremor parou quando o demônio riu com alegria. Eu sou parte de você. Não
há como se livrar de mim. Nunca.
Kane esmurrou o chão. Muito tempo atrás, os Gregos disseram que só a morte
o separaria do seu demônio — a morte dele — mas que Desastre viveria por toda a
eternidade. Talvez fosse verdade. Talvez não. Os Gregos eram famosos por suas
mentiras. Mas de qualquer forma, Kane não arriscaria morrer. Ele era pervertido o
bastante para querer testemunhar a derrota de Desastre e frio o suficiente para querer
ser a pessoa que desferiria o último golpe.
Tinha que haver um modo de conseguir as duas coisas.
— Certo? Sim? — a garota estava dizendo.
Sua voz cadente o trouxe de volta à realidade.
— É, Kane. — Sabin o chamou. — Prometeu fazer isso?
Ela falara com Kane então, e ele podia imaginar o que disse. Ele sacudiu a
cabeça, o pescoço quase fraco demais para aguentar o movimento.
— Não. Não prometi.
— Mas… mas… sua memória deve estar com problemas. — Ela olhou para
Strider, um azul cerúleo enchendo sua íris, transformando-se em um oceano de raiva.
— E quanto a você? Vai cumprir a parte dele no trato?
— Eu? — Strider bateu no peito.
— É, você.
— E como vai quer que eu faça isso, hã?
Um tremor violento a invadiu, mas ela disse.
— Eu quero… quero que pegue sua adaga e… esfaqueie-me no coração.
O guerreiro piscou, sacudiu a cabeça.
— Está falando sério, não está? Você quer mesmo morrer.
— Não, não quero, mas preciso. — ela sussurrou, a raiva dando lugar à derrota.
Kane engoliu um rugido, lembrando-se de suas palavras na caverna.
Eu o levarei ao mundo dos humanos — e em troca, você me matará. Quero que
prometa primeiro.
Talvez não tivesse acreditado nela na hora. Talvez estivesse perdido demais em

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sua própria dor para se importar com o que dizia. Mas agora, o fato dela querer
morrer… não, simplesmente não, de jeito nenhum. Ele morreria primeiro.
— Por que evitou os meus golpes? — exigiu Strider da garota.
— Eu já disse. Instinto. Mas farei melhor da próxima vez, prometo.
Minha, Kane ouviu outra vez, um rugido rouco crescendo… crescendo… e
escapando.
— Minha! Toque nela e mato vocês.
Tanto Sabin quanto Strider o olharam em choque. Kane sempre foi o calmo e
nunca antes levantou a voz para seus amigos. Mas não era mais o homem que
costumava ser — nunca mais seria aquele homem novamente.
— Por favor. — ela implorou ao guerreiro, os olhos cheios de manchinhas da
cor azul bebê. Como ela soava desesperada.
Como sua ira cresceu ainda mais.
Algo terrível deve ter acontecido com ela para fazer com que achasse que a
morte era a única opção disponível. Alguém havia… ela teria sido forçada a — não
conseguia terminar o pensamento. Explodiria. Ou enterraria a cabeça em seu pescoço
e se derramaria em soluços.
Ele olhou para Strider. O grande e loiro Strider, com seus olhos azul-marinho e
deturpado senso de humor.
— Amarre-a. Com gentileza. Traga-a conosco. — Ele a ajudaria.
— O quê? — Ela levantou as mãos com as palmas pra cima e se afastou do
guerreiro. — De jeito nenhum. Mas de jeito nenhum mesmo. A não ser que esteja
planejando me levar para um lugar secreto onde ninguém verá o sangue.
Ele podia mentir. Ao invés disso, continuou calado quando Sabin ajudou-o a se
levantar. Ossos quebrados que só recentemente foram realinhados berraram em
protesto e seus joelhos quase cederam, mas aguentou firme. Não se permitiria cair.
Não outra vez. Não na frente da sua min — da garota.
— Desculpe, pão de mel — disse Strider —, mas suas palavras não vão
influenciar no que vai te acontecer. Você vai viver e não morrer, e pronto.
— Mas… mas… — Ela encontrou Kane com o olhar e apelou. — Perdi tanto
tempo com você. Não tenho mais ninguém a quem pedir ajuda.
— Ótimo. — Qualquer homem que pensasse em dar a ela o que pedia morreria
da pior das mortes.
— Ótimo? Ótimo! Oh! — Raiva ofuscou tudo mais e ela bateu o pé. — Seu
grosseirão brutamontes e sem coração!
— Porque ele não vai te matar? É a primeira vez que escuto isso. — Strider
estendeu o braço com a intenção de agarrá-la.
Em um segundo ela chutou, acertando o homem entre as pernas. Quando
Strider se debruçou ofegando, ela saiu correndo pela porta, dizendo por cima do
ombro.
— Estou muito decepcionada com você, Senhor Kane!
Ela desapareceu dentro da noite.
Ele tentou segui-la, mas amaldiçoada seja a sua fraqueza, seus joelhos
cederam.
— Volte, mulher! Agora!
Ela não voltou.
Kane experimentou uma onda de fúria que zombou das que vieram antes. Ele a

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traria de volta. Seguiria a garota pela noite, agarraria todos que visse e se não
conseguissem indicar a direção certa, arrancaria suas colunas pela boca. Deixaria um
oceano de sangue pelo caminho e ela só poderia culpar a si mesma. Ele...
Não vai fazer nada. Desastre terminou com uma risada.
Doeu muito mais porque Kane não conseguia sair da posição que estava no
chão.
— Traga-a de volta para mim. — gritou para Strider.
Gemendo em agonia, o guerreiro caiu no chão. Havia acabado de ser passado
para trás por uma garotinha do tamanho do nada; seu demônio lançaria dores sem
cessar por vários dias.
— Vá! — Kane ordenou a Sabin.
— Não. Não vou te perder de vista.
— Vá! — ele insistiu. — Traga-a de volta.
— Gritar comigo não vai me fazer mudar de ideia.
Kane tentou rastejar até a porta, mas a tontura abarrotou sua mente,
impedindo-o. Disparou um grande punhado de palavrões.
Nada podia dar certo para ele? Nem sequer uma vez?
Desastre começou a rir de novo.

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CAPÍTULO 3

Reino de Sangue e Sombras


Uma semana depois

Kane se levantou da cama king-size e andou até seu banheiro pessoal. Já


despido, entrou no chuveiro. Água quente golpeou sua pele recém-curada, todos os
hematomas e feridas finalmente inexistentes. E mesmo assim, seus músculos ainda
estavam cheios de nós.
A fúria que experimentou com a perda da sua salvadora ainda não havia
passado, e o ódio por Desastre era uma queimação constante em seu peito. E suas
lembranças… elas eram o pior.
Elas vinham durante o dia. Vinham durante a noite. Podia estar deitado na
cama olhando para o teto, e de repente era transportado de volta ao inferno com os
pulsos e tornozelos acorrentados. Podia estar tomando banho, como agora, com a
água correndo por ele e de repente veria a sujeira, o sangue e… outras coisas que
antes estavam incrustadas em sua pele, as quais nenhuma escova conseguia tirar.
Ele tinha certeza que os fios do circuito do seu cérebro foram cortados durante
a tortura. E enquanto se curava fisicamente, esses fios foram reconectados nos lugares
errados. A escuridão tornou-se um aroma que constantemente exalava dos seus
poros. Uma raiva faminta agora fervia a fogo brando dentro dele, desesperada por
uma válvula de escape.
Ninguém estava a salvo.
Perdeu o apetite. Não conseguia mais dormir. Ruídos repentinos faziam com
que procurasse prontamente uma arma.
Antes ele se reerguia dos golpes que a vida jogava-lhe. Antes, ele era um cara
mais afável e melhor. Agora não tinha mais como se reerguer. Agora era um touro
raivoso, às vezes violento demais para se conter. Qualquer erro era punido
imediatamente — ninguém nunca mais pensaria que era fraco o bastante para ser
desafiado.
A desordem do seu quarto provava isso.
Ele se ensaboou, enxaguou o corpo e secou com a toalha, cada ação travada,
forçada. De pé diante do espelho, estudou seu reflexo embaçado. Sua pele estava
pálida. Cabelos escuros gotejavam água nos seus ombros e peito. Por causa do peso
que perdeu suas bochechas ainda estavam encovadas. Seus lábios apertados em uma
linha estreita, como se nunca tivessem conhecido um sorriso. Talvez não. Qualquer
memória que trouxesse algo de engraçado parecia não mais pertencer a ele. Tudo de
positivo acontecera com outra pessoa. Com toda certeza.
Mas a pior coisa nele? Seus olhos não eram mais uma mistura de verde e
castanho. Eram uma mistura de verde, castanho — e vermelho. Vermelho-demônio.
Uma sensação de repugnância aumentou. Desastre estava tentando controlá-
lo. E o demônio de fato estava conseguindo, sussurrando lembretes sobre o que
acontecera dentro daquela caverna.
Uma mão aqui… uma boca ali… tão indefeso…
Quão imundo Kane era agora? O quanto estava maculado?
Um chicote batendo em suas pernas. Uma adaga nas costelas.

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Que grau de fracassado ele era?
Hálito quente em sua pele machucada… beijos… línguas…
Lutando para respirar, Kane apoiou as mãos na pia. Nem se importou quando a
porcelana rachou. Queria arrancar Desastre do peito e estrangular a criatura com as
próprias mãos.
Sim. Era assim que seu torturador morreria.
Em breve.
Se conseguisse endireitar a mente, pelo menos um pouco, poderia encontrar
uma maneira para que isso acontecesse. Mas sempre que não estava sendo
atormentado com aquelas lembranças de contorcer as entranhas, era assolado por
pensamentos sobre a garota do motel. A Fae. Ficava cheio de desejo como fez quando
ela o tocou. Ficava tenso. Praguejava.
Sentia saudades.
Lembrava-se da adoração pintada no rosto dela ao olhar para ele, como se
fosse alguém especial. Um olhar que ainda não entendia — mas que queria vivenciar
de novo.
Pensou nas palavras bobas que ela falou.
Eu nunca minto — exceto algumas vezes em que realmente minto, mas nunca é
intencional, e estou dizendo a mais pura verdade no momento. Eu juro.
Você pesa, tipo, umas cinco toneladas. Mas são toneladas gloriosas.
Venho riscando os segundos no calendário.
Ele queria saber o que mais ela diria.
Quem era ela? Onde estava? O que estava fazendo?
Lembranças que ela preferia não ter afligiam-na? Estava ferida? Sozinha? Com
medo?
Algumas vezes, o medo sumira com sua adoração e ousadia, deixando-a com
nada além de tremores.
Ele entendia muito bem a dificuldade — o desespero — de um passado do qual
não havia como escapar.
Havia encontrado alguém que a matasse? Tinha se matado?
Ou ainda estava viva?
Ele soltou os braços e cerrou os punhos. Ela era sua. Ela...
Não era sua.
Mesmo assim, não resolveria os seus problemas até que resolvesse os dela, não
é verdade? Não podia deixá-la por aí, desesperada e com medo, possivelmente
correndo perigo. A garota tinha salvado-o da situação mais terrível de sua vida. Mesmo
que tivesse fugido dele, precisava agir e salvá-la do que tinha que ser a situação mais
terrível da vida dela.
Ela estava certa afinal. Ele devia-lhe isso. E quitaria sua dívida. Só não da forma
que ela queria. Consertaria a vida dela do jeito que não podia consertar a sua. Depois
um deles seria feliz.
Ela merecia ser feliz.
Se ainda estivesse viva.
Ele sorveu ar com brusquidão. Era melhor que estivesse viva, ou ele… ele… Ele
socou o espelho, despedaçando o vidro. O som de sinos soando encheu o espaço
fechado. Vários pedaços encravaram em sua perna, cortando sua coxa. Um presente
de Desastre, tinha certeza. Cerrando os dentes, removeu os cacos.

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Depois que ajudasse a garota poderia se concentrar em matar o demônio. Ele
não desistiria até que conseguisse. Não podia mais aguentar aquilo e também não
queria que seus amigos também tivessem que aguentar. Era um perigo muito grande
para as pessoas à sua volta, e havia muitos inocentes ali.
Partiria hoje mesmo, decidiu, e nunca mais voltaria.
Uma tristeza pesou em seus ombros, curvando-os. Não podia falar com seus
amigos sobre a sua decisão. Eles não entenderiam. Tentariam convencê-lo a tomar
outro caminho. Até poderiam prendê-lo para o seu “próprio bem”.
Já tinham feito isso.
Kane não fugiria, mas também não admitiria a verdade. Iria se despedir como
se pretendesse voltar depois que sua salvadora fosse salva. Só ele saberia o que seriam
aquelas despedidas. As últimas.
Com a mandíbula travada, Kane prendeu armas pelo corpo inteiro. Havia
múltiplas adagas, duas Sigs1 e vários clipes de munição. Vestiu uma camiseta preta e
calça camuflada, depois enfiou seu par favorito de botas de combate. Saiu do
banheiro, o vidro quebrando sob seus pés, a mente um campo aberto de risada
maligna.
Demônio idiota.
Durante a ausência de Kane, seus amigos se mudaram para uma fortaleza no
Reino de Sangue e Sombras, um reino escondido em um bolsão entre a terra e o nível
mais baixo dos céus. Ele saiu pelo corredor, o olhar nas paredes cobertas de fotos de
uma bela loira em várias vestimentas e posições. Deitada em um sofá de veludo, de pé
em um jardim de rosas, dançando em cima de uma mesa. Soprando um beijo.
Piscando.
Seu nome era Viola e ela era uma deusa menor de alguma coisa, bem como a
detentora do Narcisismo. Ele não conseguia evitar compará-la com o esperma: a
chance dela se tornar um ser humano com emoções de verdade era de uma em três
milhões. A garota irritava-o profundamente.
Ele desceu a escada, depois percorreu outro corredor, esse enfeitado com
quadros ridículos dos guerreiros usando fitas e rendas e com sorrisos nos rostos — e
nada mais. Eles foram pintados por um homem falecido, se é que Kane conheceu o
cara, e foram encomendados pela noiva de Lucien, Anya, a deusa da Anarquia, sem
permissão.
Finalmente Kane chegou ao seu destino. O quarto de Maddox e Ashlyn. Sua
primeira parada na Turnê do Adeus.
Maddox era o guardião da Violência. Ashlyn era a nova mãe dos bebês gêmeos
do guerreiro.
Por muito tempo Kane observou Ashlyn em silêncio. Ela tinha uma beleza
delicada com o cabelo e pele cor de mel, e balançava-se em uma cadeira de balanço,
cantando para o embrulho de alegria apertado amorosamente em seus braços. Ao seu
lado, Maddox se balançava na outra cadeira. Ele era um brutamonte de cabelo preto e
olhos violeta, e vê-lo beijar os dedos minúsculos que apertavam seu dedo mindinho
provocou algo no interior de Kane. Enroscou e retorceu suas entranhas, até que
experimentasse a mesma flecha de dor que sua salvadora tinha causado.
O que era isso?
William, o Sempre Excitado — também conhecido como Aquele que Derrete
1
Arma produzida pela empresa suíça Swiss Arms AG.

21 | P á g i n a
Calcinhas, Kane pensou revirando os olhos — estava sentado na ponta da cama king-
size, uma manta rosa embrulhada sobre seu corpo aperfeiçoado pela batalha. De
algum modo, o cobertor feminino falhava em diminuir a intensidade feroz de sua
força. Ele não era possuído por um demônio. Ninguém que conhecia era, exatamente.
Tudo o que sabiam era que ele tinha um temperamento páreo para poucos e uma
tendência maligna pior até do que Kane já havia encontrado por aí. Ele sorria quando
matava seus inimigos — e dava risada quando esfaqueava os amigos.
— Quando vai ser a minha vez? — William se queixou. — Eu quero pegar os
meus preciosos nos braços. Preciosos? Tanto faz. Eu quero!
Ah, ok. Isso era novidade.
— Eles não são seus. — disparou Maddox, fazendo o melhor que podia para
sussurrar, por causa dos bebês.
— Eles meio que são. Eu fiz o parto deles. — William salientou.
— Eu os concebi.
— Grande coisa. A maioria dos homens consegue fazer isso. Não muitos
possuem o conhecimento de cortar uma mulher de um osso ao outro do quadril para
desenterrar criaturinhas de dentro da sua… é, deixa para lá. — William disse quando
um rugido feroz saiu de Maddox.
Esperando uma briga, Kane entrou para pegar o bebê.
Os olhos elétricos de William o seguiram.
— Desastre. Não conseguiu ficar longe das criaturas mais encantadoras que já
nasceram? Ah, são sim, vocês são sim. — ele disse para os bebês. — São sim.
Com voz de quem conversa com bebês. Nojento.
A reação negativa o surpreendeu. Em certa época, ele ficaria bem ali ao lado de
William, dizendo as mesmas coisas, da mesma maneira. No escuro da noite ele
costumava sonhar com um final feliz parecido para si mesmo. Uma esposa amorosa.
Filhos afetuosos. Então os servos tentaram roubar seu esperma e ele… ele…
— Não me chame pelo nome do demônio. — ele rosnou, depois percebendo
que sua ferocidade fez com que os bebês despertassem e chorassem. Encheu-se de
vergonha. — Desculpem. Mas não sou aquele pedaço asqueroso de... — Gritando
novamente. — Desculpem. Só tenha cuidado com o que fala, certo?
— Silêncio agora. — disse William com seriedade e Kane não tinha ideia de para
quem era a ordem.
Na verdade não importava. Todos ficaram calados.
Ashlyn olhou para Kane, seus olhos âmbares receptivos. Ela não se parecia em
nada com a mulher de Kane — não, não sua mulher, ele rapidamente acrescentou — e
ainda assim ela o lembrava da garota. A delicadeza da sua estrutura óssea, talvez. Ou a
profundidade da sua preocupação por aqueles ao seu redor, talvez.
— Quer pegar Urban no colo?
— Não, obrigado. — ele respondeu ao mesmo tempo em que Maddox disse.
— Não, ele não quer.
Um momento de silêncio forçado se passou.
Kane ignorou a dor que as palavras provocaram. A recusa era justificada. Ele era
um perigo para todos que encontrava. Se sua mente não estivesse em tal desordem,
constantemente alimentando o demônio com as mais saborosas das refeições,
lâmpadas estourariam e as paredes e o chão rachariam.
— Eu só queria dar uma olhada neles antes de… bem, partirei um pouco mais

22 | P á g i n a
tarde. Tenho que ajudar uma mulher. — Ele limpou a emoção engasgada da garganta.
— Bem, aproxime-se então. — disse Ashlyn. — Sabin e Strider mencionaram a
mulher de orelhas pontudas de Nova York. Gostei do que disseram.
— Ela é… — Magnífica. Adorável. Inteligente. — Fora do normal. — Suas
entranhas se apertaram quando se aproximou das cadeiras.
William se levantou para fazer o mesmo, permanecendo ao seu lado, rígido, a
mão posicionada no punho da adaga. Para proteger os bebês da desgraça de Kane? É.
Provavelmente.
Não posso culpá-lo.
— Está tão perto assim de mim porque quer saber que gosto eu tenho, menino
Willy? — ele disse ao guerreiro que ainda não tinha se afastado. Provocar era melhor
do que se enfurecer. Ou coisa pior. Chorar.
— Talvez. — William permitiu-lhe alguns centímetros a mais de distância. —
Mas você acabou de estragar tudo. Gosto? Sério? Gosto que as minhas conquistas
tenham um pouco mais de maturidade.
— Sou maduro. Até sou velho o bastante para foder a sua mãe.
— Por favor. Ela comeria o seu fígado no almoço e os rins no jantar.
— Vocês podiam ser mais nojentos? — perguntou Ashlyn.
— Sim. — eles responderam em uníssono.
Urban deu uma gargalhada, como se entendesse. O garoto tinha a cabeça cheia
de cabelo preto e seus olhos eram do mesmo tom violeta do pai — embora fossem
sérios e inteligentes demais para um recém-nascido. Quando Kane o olhou, dois
chifres cresceram do crânio do garoto e escamas negras apareceram em suas mãos.
— Ações defensivas? — ele perguntou.
— Achamos que sim. — Ashlyn respondeu, soando meio que envergonhada. —
Ele não tem a intenção de te insultar.
— Eu sei. — Ele olhou para Maddox. A criança do sexo feminino, Ever, tinha o
cabelo cor de mel da mãe, as mechas se curvando em cachinhos. Seus olhos nadavam
em chamas alaranjadas e douradas, e um punhado de dentes se via por entre seus
lábios.
Os gêmeos nasceram há menos de um mês, e mesmo assim pareciam bem mais
velhos.
O garoto fitava Kane como se planejasse seu assassinato.
A garota o olhou e dispensou, concentrando-se em William e estendendo os
bracinhos. Sorrindo, William tirou-a do pai. Ela se aconchegou no pescoço do
guerreiro, descansando a cabeça em seu ombro e suspirando de contentamento.
— Ela não é a melhor? — William disse, o sorriso crescendo. — Ela costumava
ter garras, mas elas encolheram. Não encolheram, princesa? Oh, sim, encolheram, mas
vão voltar a aparecer se algum idiota tentar tirar de você o que não quiser dar, não
vão?
Outra dor aguda dilacerou o peito de Kane.
— As crianças são lindas. — ele disse aos pais sorridentes, e falava a sério. Ele
tirou uma adaga com joias incrustadas da bainha na lateral do corpo e passou pelo
punho para Maddox. — Isso é para Ever, do seu tio Kane.
Maddox assentiu com a cabeça em aceitação.
Ele tirou uma adaga parecida e colocou na mesinha ao lado de Ashlyn.
— Essa é de Urban.

23 | P á g i n a
Ela ofereceu um sorriso suave e doce em agradecimento.
— Que atencioso da sua parte. As crianças vão amá-las, tenho certeza.
— Bem, eu não. Esconda esses objetos perigosos. — William recriminou. —
Meus amados não poderão brincar com adagas até mais ou menos uns dois meses. E
por que está dando esses presentes agora? Por que não pode esperar até a época
apropriada e... — Ele se concentrou apenas em Kane e apertou os lábios.
Ele suspeitava da verdade — que Kane estava indo embora para sempre?
Tanto faz. Kane ignorou-o, batendo no ombro de Maddox.
— Quero agradecer por tudo o que fez por mim. Palavras não podem explicar o
que significa para mim.
Ele não esperou pela resposta do guerreiro; não podia. Seus olhos estavam
ardendo. Deve ter entrado poeira neles.
Ele saiu do quarto pretendendo ir atrás dos outros guerreiros que amava mais
do que a própria vida. Torin, Lucien, Reyes, Paris, Aeron, Gideon, Amun, Sabin, Strider
e Cameo. Com o passar dos séculos, eles lutaram juntos, vigiaram um ao outro,
salvaram um ao outro. Sim, por muitos anos eles se separaram em dois grupos
diferentes, um determinado a guerrear com os Caçadores, o outro determinado a
coexistir em paz. Mas no coração, eles sempre ficaram juntos. E no final, a guerra havia
efervescido, juntando-os outra vez pelo mesmo propósito. Sobrevivência.
Cada guerreiro ficaria arrasado com a sua partida. Ele sabia que isso era fato —
porque já perderam um da irmandade. Baden, o guardião da Desconfiança. Eles
passaram séculos de luto e ainda não tinham se recuperado totalmente. Mas Kane não
teve a chance de ir atrás de todos eles. William apareceu ao seu lado, mantendo o seu
passo.
— Está indo embora. — disse o guerreiro.
— Sim. — Ele já havia admitido isso.
— Para sempre. — Uma afirmação, não uma pergunta.
Ele queria mentir. William podia tentar impedi-lo. William podia contar aos
outros e eles tentariam impedi-lo. Ainda assim ele disse.
— Sim. — Demônios amavam mentiras, e mesmo que não houvesse muito que
Kane pudesse fazer para negar prazer a Desastre, falar a verdade era uma dessas
coisas.
— Bem, vou com você. — anunciou William.
Kane parou e encarou o homem, irritação pendendo no ar tão pesada quanto
correntes.
Correntes.
Respire.
— Por quê? — Seu tom tinha mais força do que pretendia. — Nem sequer sabe
para onde vou nem o que estou planejando.
Um dar de ombros daqueles ombros largos.
— Talvez precise de uma distração. Venho caçando um Enviado, um garoto
punk chamado Axel, mas ele provou ser astuto e isso está começando a me irritar.
Enviados policiavam os céus, matando demônios. Eles tinham asas como anjos,
mas tão vulneráveis às suas emoções quanto humanos. No momento, os Senhores e os
Enviados faziam parte do mesmo time.
Todos sabiam que aquilo poderia mudar a qualquer momento.
Kane estreitou os olhos.

24 | P á g i n a
— Talvez ache que eu precise de uma babá.
— Isso também. — Como sempre, William foi totalmente desavergonhado.
— Bem, não obrigado. Não preciso de você e com certeza não o quero por
perto me perturbando o tempo todo.
William pôs a mão no coração, como se ofendido.
— Qual é o seu problema? Você era tão doce.
— As pessoas mudam.
— Eu não. Nunca fui doce, nem nunca serei. Seus desejos e necessidades não
me interessam. Estou mais preocupado em salvar meus bebês. Tenho que garantir que
você cumpra com a sua palavra e fique longe da fortaleza. Já esqueceu que está
destinado a iniciar um apocalipse?

25 | P á g i n a
CAPÍTULO 4

Los Angeles

Apocalipse. A palavra ecoou na mente de Kane durante dias. Não importava o


que tentasse, não conseguia escapar.
Bem antes dele ser capturado pelos Caçadores e escoltado até o inferno, as
Moiras o convocaram ao reino delas no nível mais inferior dos céus.
As três guardiãs do destino não eram nem gregas nem titãs. Ele achava que
podiam ser bruxas, mas não tinha certeza. Elas disseram três coisas — cada bruxa disse
uma. Ele poderia casar com a guardiã da Irresponsabilidade. Poderia casar com outra
mulher — a filha de William. E por último, poderia provocar um apocalipse.
Ele acreditava nelas. Até onde sabia, suas predições nunca estiveram
equivocadas.
Sabia que havia duas definições para a palavra que adoraria esquecer. A
primeira: descobrir ou revelar. Mais especificamente, gerar uma revelação,
especialmente com relação a um cataclismo no qual as forças do bem
permanentemente triunfariam sobre as forças do mal.
Dessa definição ele gostava.
A segunda? Nem tanto. Devastação universal ou abundante.
Com o demônio do Desastre vivendo dentro dele, tinha que assumir que seria o
responsável por uma devastação em massa.
— Não vai se arrepender de ter dado uma paradinha aqui. — disse William,
empurrando-o pela boate lotada. Ele tinha que gritar para ser ouvido acima do pulsar
errático de rock berrando das enormes caixas de som. — É exatamente o que o médico
recomendou — isso e um par de testículos, mas só posso te dar o primeiro.
— Verei o que posso fazer. — ele disse de maneira seca.
Kane cometera o erro de dividir um quarto de motel com William e
aparentemente gemeu e se debateu em sono, dando ao Detetive William algumas
pistas sobre o que aconteceu no inferno. Agora o guerreiro estava convencido que
uma noite com uma mulher da escolha de Kane era o único jeito de realmente se
curar.
— A propósito — acrescentou William —, pode me chamar de Dr. Amor.
— Eu o esfaquearia no coração antes de chamá-lo assim. — Ele seguiu a trilha
de William, já desejando ter dito não para aquilo. Deveria estar caçando sua Fae. E
estaria fazendo isso se não estivesse tão desesperado para tentar alguma coisa.
O que William disse naquela manhã fazia sentido, de um jeito distorcido e
doentio. Se Kane pudesse ficar com uma mulher de sua escolha… se pudesse controlar
como as coisas se passariam… se pudesse usar alguém do jeito que foi usado… talvez a
nuvem escura de suas lembranças finalmente desaparecesse. Talvez parasse de sofrer
quando se aproximasse da Fae. Sem a dor ficaria mais forte, mais alerta. Teria mais
chance de ajudá-la com seus problemas.
Ao menos por aquela noite não teria que se preocupar com ela. Ela estava viva,
entocada em algum lugar e segura. Com um programa sofisticado de computador,
rastreamento ilegal via satélite, Torin encontrou-a em Montana. Kane só precisava
estender o braço e agarrá-la.

26 | P á g i n a
Logo estarei pronto.
Desastre bateu no seu crânio. Um segundo depois o chão rachou aos pés de
Kane.
Aparentemente, o caldeirão das emoções de Kane não satisfazia mais o
demônio. Desde que saiu da fortaleza, sempre que Kane considerava ajudar a Fae,
Desastre começava a surtar.
Sinta ódio por ela, o demônio rosnava.
A pessoa que passava por ele tropeçou e caiu e ossos se partiram. Um grunhido
de agonia se misturou à batida da música.
Trincando os dentes, Kane seguiu William por uma escada, felizmente deixando
o bar e a área de dança para trás. Quase no topo, o degrau sob a sua bota quebrou e
ele caiu de joelhos.
Desastre riu, orgulhoso de si mesmo.
Kane esvaziou a mente antes de se levantar e caminhar o resto da subida. Ele
viu uma enorme porta vermelha no final de um longo corredor com um guarda
armado de postos na frente. O homem era alto e musculoso, mas humano.
Dificilmente uma ameaça, mesmo com uma arma.
O guarda sorriu com felicidade sincera quando viu William.
— Willy! Nosso melhor cliente está de volta.
William sorriu, dizendo para Kane.
— Às vezes, quando estou entediado, faço um showzinho do Magic Mike para
as damas. De muito bom gosto. Consigo ingressos para você. — Ele voltou a atenção
para o guarda. — Meu garoto aqui precisa do quarto reservado.
— Claro, claro. Para você qualquer coisa. — O cara abriu a porta, mas Kane não
conseguia ver além da espessa nuvem de sombras. Ele ouviu um ofego, o bater de pele
com pele, gemidos e grunhidos, e depois palavrões quando o guarda “ajudou” o casal a
parar o que estava fazendo e se vestir. Um momento depois o par corria pela entrada,
com os rostos vermelhos enquanto terminavam de vestir as roupas.
O guarda reapareceu, o sorriso mais largo do que antes.
— Todo seu, Willy.
William empurrou Kane para dentro.
— Viu alguém que queria ao subir aqui?
— Qualquer uma serve. — Uma mulher era uma mulher, pelo que lhe dizia
respeito.
Assim que a ideia passou pela sua cabeça, alguma parte da sua mente cuspiu e
chiou para ela. A Fae não era só uma — deixa pra lá. Nada de pensar nela. Qualquer
uma era melhor do que uma serva do demônio, e isso era tudo com que o seu senso
de escolha importava.
— Me dê cinco minutos. — disse William. — Conheço as meninas que
trabalham aqui. Encontrarei uma que deixe que a possua do jeito que quiser.
Grosseiro, mas necessário.
A porta se fechou, trancando Kane lá dentro. O cheiro pungente de sexo
engrossava o ar e seu estômago se encheu de ácido. Odiava a escuridão e rapidamente
acendeu a luz. Na sua frente havia um bar e do lado um sofá, as almofadas
desarrumadas. Na mesinha de café havia uma caixa de camisinhas. No outro canto do
quarto havia um pequeno banheiro só com uma privada e uma pia, e ao lado uma
cama Queen-size com as cobertas amontoadas aos pés. Havia uma camisinha em cima.

27 | P á g i n a
Depois de se servir de uma dose de uísque — depois outra e outra e outra, até
decidir pegar logo a garrafa — Kane sentou no sofá.
Na hora que a porta se abriu pouco tempo depois, a garrafa estava vazia. Álcool
nunca o afetava tão fortemente quanto fazia com um humano e só servia para
entorpecer suas emoções mais ferozes. Esse entorpecimento era desesperadamente
necessário agora. Seus membros estavam tremendo, e suor se acumulava em cada
pedacinho de sua pele. Ele esperava derreter — ou se quebrar em pedaços — a
qualquer momento.
William entrou com uma bela loira ao seu lado. Ela usava um vestido vermelho
curto e um batom da mesma cor, e sorria de algo que o guerreiro dissera.
— Esse é meu amigo. — William indicou Kane com o queixo. — O cara de quem
eu falei. Ele vai pagar a quantia que você quiser. Só tenha certeza de fazer tudo o que
ele quiser.
Kane colocou a garrafa no chão, fingindo que não estava prestes a vomitar.
— Claro. — Ela mordeu o lábio ao estudar Kane. Interesse em seus olhos
escuros. — Será um prazer.
— Ótimo. — disse William, tocando o queixo dela. — Você não tem com o que
se preocupar. Ele não morde — a não ser que peça com jeitinho. — Com isso, o
guerreiro se foi, deixando Kane a sós com a garota. A estranha.
Seus pulmões se apertaram, quase bloqueando suas vias aéreas.
Um momento de silêncio se passou enquanto ela trocava o peso de um pé com
um enorme salto para o outro.
— Você é mais lindo do que William jurou que seria. — Havia uma pitada de
excitação no tom dela.
Ela estava falando. Por que estava falando? Não queria conversar com ela. Ia
começar a se perguntar que tipo de vida ela tinha, o que a levou àquele ponto e
sentiria pena dela. Não queria sentir pena dela.
Desastre cantarolou seu contentamento.
Contentamento? Por quê?
Acabe logo com isso.
— Venha aqui. — disse Kane.
A mulher obedeceu, ficando ao seu lado. Seu perfume o atingiu e ele franziu o
nariz com aversão. Um perfume enjoativo, misturado ao cheiro de cigarro. Nada como
o da Fae, que cheirava como se tivesse passado o dia todo na cozinha. Como uma
esposa.
Talvez não devesse fazer aquilo.
Um sopro de vento invadiu o quarto, levantando a garrafa do chão e
esmagando-a no peito da mulher.
— Ai! — ela gritou.
Kane amaldiçoou o dia em que roubou a caixa de Pandora.
Ela esfregou o peito, dizendo.
— O que acabou de acontecer aqui?
— Pode ter sido da ventilação. — Era possível.
— Por que não me dá um beijinho para passar a dor? — Ela se aproximou mais
dele.
— Nada de beijo. — Palavras ásperas. Um tom ainda mais áspero.
— E chupar? Sou muito boa em chupar. — Ela se abaixou para abrir sua calça,

28 | P á g i n a
mas Kane virou-a nos braços. Ele a colocou de bruços nas almofadas do sofá,
segurando-a onde estava. Não queria os lábios de ninguém nele.
— Vamos fazer do meu jeito. — A bile subiu quando levantou o vestido dela e
puxou a calcinha. Embora tivesse preferido serrar um dos seus membros, desabotoou
a calça e abriu o zíper. O tremor de suas mãos aumentou. O ácido subiu do seu
estômago e se alojou em sua garganta, queimando-a. Ele parou.
Qual era o problema? Já fizera aquilo antes. Quando percebeu que
relacionamentos não eram algo possível, passara a viver de aventuras de uma noite.
Ao menos por um curto tempo. Mas nenhuma delas deixou-o naquele estado…
— Estou fazendo alguma coisa errada? — ela perguntou.
Apertando os dentes, ele colocou uma camisinha e… e…
Faça! Comandou Desastre.
Ele a tomou.
Foi brusco, totalmente carente de sensualidade e de qualquer ambição carnal.
Não tinha foco, desejo algum de vê-la gozar. Sua mente desprezava isso. E ainda assim,
seu corpo gostava. Mas também, seu corpo era um traidor. Ele gostara do que os
servos fizeram também, e isso era o que o assombrava mais. Aquela parte dele que
gostou de sua própria violação.
Aquilo era um erro.
Não desejava aquela mulher, não a conhecia, podia nem gostar dela se
conhecesse. Ela não era… ela, a Fae que seus instintos desejavam tão
desesperadamente.
Desastre praguejou com a direção dos seus pensamentos.
E enquanto a mulher gemia para encorajá-lo, imagens começaram a encher a
sua mente. Mãos aqui… bocas ali… servos por todos os lados…
Beirando o pânico, Kane de algum modo, de algum jeito, conseguiu terminar.
Não tinha certeza se ela tinha gozado ou não, e no momento não se importava.
Os palavrões do demônio foram virando declarações de aprovação.
Lutando contra uma onda de auto-desprezo, Kane descartou a camisinha e
arrumou a roupa, depois atirou algumas notas de cem no sofá ao lado dela. Ele
caminhou até a porta e indicou que saísse. A primeira coisa que viu foi William
fodendo uma mulher contra a parede. O guarda não estava em lugar algum.
— Mas… não vai querer meu telefone? — a loira perguntou. — Caso bata a
vontade de novo? Pra você eu fico disponível a qualquer dia e hora.
— Não. — ele disse, muito franco para ser gentil. Ele nunca ligaria e não queria
que esperasse o impossível.
— Eu não era o que procurava?
— Não. Não era. Agora vá.
Suspirando, ela endireitou o vestido e saiu do quarto e do corredor.
— Já? — perguntou William. Ele ainda estava dentro da mulher, mas enfim
havia parado de se mexer.
Mais, disse Desastre.
Por mais que Kane odiasse as palavras se formando em sua língua, ele disse.
— Traga outra. — O sexo não fizera o que ele queria. As lembranças e tudo
mais que elas traziam ainda batiam na porta da sua mente, prontas para invadi-la. Mas
Desastre estava feliz. Então Kane tomaria outra mulher. E mais outra. Quantas fossem
necessárias, até que o demônio estivesse tão saturado de satisfação que ele se

29 | P á g i n a
esqueceria do que aconteceu.
Kane recebeu um sinal positivo do polegar sem vergonha e sem pedir desculpas
antes de fechar a porta, ir até o banheiro e vomitar. Quando terminou, limpou a boca
com o conteúdo de outra garrafa de uísque.
E bem na hora.
Uma batida soou na porta. William e uma morena entraram.
— Que tal essa? — perguntou o guerreiro.
— Tanto faz. — disse Kane. — Ela serve.
Antes da noite acabar Kane possuiu doze mulheres. Usou posições diferentes e
tipos de mulheres diferentes. Garotas na casa dos vinte, mulheres na casa dos
quarenta, mais loiras, mais morenas e até duas ruivas. Odiou cada segundo, odiou
inclusive a si mesmo. Vomitou todas as vezes.
Desastre adorou tudo e ainda assim nunca deixou de atirar imagens da tortura
de Kane.
Ele odiou o demônio mil vezes mais.
A hora dele estava chegando… em breve…

***

As montanhas de Montana

Kane cortava a folhagem à sua frente. Galhos continuavam a bater nele,


cortesia de Desastre. A satisfação que a criatura experimentou durante a maratona
sexual não durou muito tempo. Agora pedras rolavam em sua direção fazendo com
que tropeçasse. Insetos picavam-no.
Ele tinha que chegar na Fae antes que o demônio causasse maiores danos… ou
a mente de Kane finalmente não aguentaria. O que viesse primeiro.
Sua cabeça era um terreno ainda mais desconhecido, com vales escuros e
montanhas incrivelmente altas que nunca esperaria escalar. Ou talvez pudesse.
Quando saiu da boate, percebeu que a Fae havia se tornado uma fonte de luz para ele.
Sua única fonte de luz. Ela fez com que sentisse vontade de sorrir durante o pior
período de sua vida. Só por isso ela já era um milagre.
Ele precisava de um milagre.
Talvez ela pudesse fazer o que aquela procissão de mulheres não fez: apagar as
suas piores lembranças. Trazer paz, mesmo que por pouco tempo.
Talvez sim. Mas talvez não.
De qualquer forma, precisava saber. Tinha que vê-la, falar com ela. Salvá-la.
Bem no fundo, onde o instinto ainda dizia que ela pertencia-lhe, ele suspeitava
que fosse sua única esperança de sobrevivência.
Então, iria encontrá-la.
Ela sentiria o cheiro de cigarro velho e perfume que não conseguiu tirar da
pele? Exigiria que a deixasse em paz?
Provavelmente.
Ele obedeceria?
Não.
Eu sou asqueroso. Cruel. O cliente e a puta.

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Eu não era assim, sentiu vontade de gritar.
Qual era o nome da Fae? O fato dele não saber estava começando a irritá-lo.
Ele a chamaria de… Kewpie2? Não. Aqueles olhos azuis enormes combinavam com o
nome, mas o resto não. Sininho3, então. É. Sininho combinava. Ela era uma coisinha
delicada, com suas orelhas pontudas e queixo afiado, e voava pra cá e pra lá, sempre
fora de alcance.
De acordo com a vigilância de Torin, ela estava em uma cabana naquela
floresta. Há uma hora, Kane encontrou a cabana, mas não a garota. Contudo ele
conseguiu, sim, encontrar rastros frescos. Humana. Mulher. Calçava trinta e cinco. Não
poderia estar muito à sua frente, e não poderia andar muito rápido. Pela profundidade
das pegadas, carregava algo pesado. Além do mais, a noite havia caído.
A meia-lua não tinha o seu brilho costumeiro, permitindo que uma escuridão
quase que sufocante reinasse. O ar estava frio, a brisa soprando das montanhas
cobertas de neve e dissipando qualquer calor. Árvores de tamanho sem fim pareciam
perfurar o céu escuro.
— Quem foi que pisou no seu calo? — William perguntou por trás dele. — Não
é minha culpa o trem do prazer não ter funcionado para você. Não deve ter feito do
jeito certo.
Kane o ignorou.
— O que essa garota tem de tão importante, afinal? Quero dizer, sério.
Mais uma vez silêncio.
— Ela tem uma boceta mági...
Kane se virou e o esmurrou na mandíbula.
— Já chega! — Fúria fervia em seu sangue, derretida, ácida — venenosa. — Não
faça isso. Nunca mais faça isso. Não com ela.
William esfregou o machucado.
— Então por que estamos atrás dela? — perguntou como se Kane não tivesse
acabado de recorrer à violência.
Será que nada conseguia calar a boca do guerreiro? Kane voltou a andar.
— Ela diz que devo a ela. — E isso era verdade… mesmo que não fosse
absoluta.
— E sempre paga suas dívidas? Que tipo de loucura é essa?
— Algumas pessoas chamariam isso de honestidade. — Talvez a única honra
que Kane ainda possuía.
— A maioria das pessoas é burra.
— E essa é a razão número um pela qual nunca farei nada por você.
— Porque é burro como todo mundo? Está sendo um pouco duro consigo
mesmo, não acha? Quer dizer, claro, se você alguma vez aparecesse com uma ideia
inteligente eu teria que dizer que era sorte de principiante, mas você tem os seus
momentos.
Posso agir como se fosse um ser humano calmo e racional. Kane passou uma
parede verde e entrou em uma clareira. Ele parou e respirou profundamente. O ar era
puro ali. Puro e intocável. Também meio que irritante. Ele queria capturar o cheiro de
alecrim, menta e até mesmo fumaça, indicando que Sininho ainda estava ali se
esquentando em uma fogueira.

2
Bonecas antigas confeccionadas em porcelana ou biscuit.
3
Fadinha da história de Peter Pan.

31 | P á g i n a
Ela podia aparecer e agarrá-la. Ela provavelmente lutaria com ele, mas não
estava preocupado com isso. Ela não tinha habilidade. Nem força. Provavelmente
estava cansada. Mas ela tem força de espírito, ele pensou, uma dor que agora era
familiar perfurando seu coração.
— Bem? — questionou William.
— Vamos acampar. — Não porque estavam andando desde que deixaram a
boate e precisavam descansar — embora fosse o caso — mas porque podia sentir que
estavam sendo seguidos e não queria levar quem quer que fosse direto à Sininho.
Duvidava que os Caçadores estivessem atrás dele. Aparentemente durante a
estadia forçada de Kane no inferno, uma batalha foi travada nos céus, Caçadores
contra Senhores, Titãs contra Enviados.
Os Senhores e os Enviados ganharam, destruindo completamente os Caçadores
e enfraquecendo severamente os Titãs.
Kane juntou pedras, galhos e folhas secas para montar uma fogueira.
Importava-se pouco em se aquecer. Queria que quem o seguisse visse a fumaça e
assumisse que estava relaxado, despreparado. Essa pessoa seria imortal? Se sim, de
que raça? E por que estava atrás de Kane?
Não tinha importância. Ele tirou uma adaga e afiou em uma das pedras que
colocou de lado. Seu reflexo apareceu no metal prateado, e a luz da fogueira iluminou
a imagem. O vermelho em seus olhos se intensificou.
Desastre tinha se fortalecido, Kane estava bem mais fraco. Enojado, guardou a
arma.
— Sabe que temos uma fêmea Phoenix na nossa trilha, certo? — perguntou
William.
Uma Phoenix? Ele nunca se meteu com a raça piromaníaca.
— Sei. Claro que sei. — Agora. — Como sabia?
— Consigo sentir o cheiro dela. Como mais?
— Certo.
— O plano?
— Esperar.
— E matá-la na nossa área. — disse William com um aceno, o cabelo preto
balançando em volta do seu rosto de supermodelo — ou no que quer que insistia em
chamar aquela cara feia. — Gostei. Simples e ao mesmo tempo elegante. — Ele sentou
na única pedra em frente à fogueira que não ajudou a fazer e remexeu na mochila.
Tirou uma barra nutritiva de pistache que roubou de Kane, rasgou a embalagem — e
comeu cada pedacinho sem oferecer nada a Kane.
Típico.
— Isso é bom. Devia ter trazido uma. — William esfregou as mãos. Ele vestia
uma camiseta com “Eu sou um gênio” escrito, e ela basicamente resumia toda a
personalidade do homem. Tolo, despreocupado, irreverente. Trapaceiro.
Kane vasculhou sua própria mochila. Retirou três adagas, duas Sigs e as partes
do seu rifle de longo alcance. O que uma mulher Phoenix queria com ele? Sabia que a
raça vivia para escravizar outras. Sabia que estavam beirando a extinção, muitos já
encontrando o seu fim. Como gatos com sete vidas. Sabia que tinham sede de sangue
e fome de guerra… mas geralmente só escolhiam as batalhas que podiam vencer.
Tão confiante. Desastre riu com uma alegria maligna. Tão equivocado.
Kane o ignorou. Ele tentou se engajar com respostas bruscas, fazendo ameaças,

32 | P á g i n a
mas olhe onde isso o tinha levado. Agora, não perderia seu tempo nem sua energia. E
por que deveria? Aquilo era um caso extremo de tagarelice de um demônio morto.
De repente, chamas voaram da fogueira, disparando gotas de fogo em todas as
direções. A grama tostou e levantou uma fumaça preta. O calor tocou a calça de Kane,
queimando suas panturrilhas.
William correu, apagando as chamas.
— Você é um perigo. Sabe disso, né? Qualquer lugar que vamos, alguma coisa
terrível acontece.
— Eu sei. — E a pior parte ainda estava por vir. — Pelo que sabe, as Moiras já
erraram em alguma previsão?
— Oh, sim. — disse William. — Definitivamente.
Esperança floresceu.
— Quando? — Ele encaixou o cano do rifle na coronha e a mira ótica por cima
do cano. Inseriu os parafusos e apertou-os com gentileza. — Como?
— Quando — há tempo demais para se saber. Como — livre-arbítrio. Nossas
escolhas ditam nosso futuro, nada mais.
Palavras inteligentes de um gênio. Vai entender.
— Elas acham que estou destinado a casar com a guardiã da Irresponsabilidade.
— Então case. Vá atrás dela e despose-a.
William fazia aquilo soar tão fácil. Só um estalar de dedos e bum. Feito. Só
havia um probleminha. Ele ainda precisava conhecer a guardiã da Irresponsabilidade.
— Não vou sentenciar uma mulher a passar uma eternidade comigo. — Ele
prendeu a arma ao suporte de duas pernas e a colocou em cima de um tronco grosso.
— E quanto a White? — resmungou William. — Pensava que você acabaria com
ela, quer eu quisesse ou não.
White era a filha única de William, e se Kane tivesse que adivinhar, uma das
razões de William segui-lo até ali. William queria que Kane ficasse longe da garota.
— Sei que pensava. — ele disse. — O que não sei é o motivo.
— Simples. Uma vez me disseram que o marido dela causaria o apocalipse.
— As Moiras?
— Uma das Moiras. Eu dormi com Klotho. E com suas duas irmãs.
— Eu realmente não precisava ouvir isso. Cara, elas são anciãs.
— Não eram na época. — disse William com o seu sorrisinho safado clássico.
— Que seja. E o seu discurso sobre o livre-arbítrio vencer o destino?
— Acho que você vai escolhê-la.
— Eu a odeio. — Ele lembrou de como, no inferno, ela ficou de pé ao lado do
seu corpo encolhido ao chão e mutilado. Calada. Sem se importar. Depois ela o deixou
sozinho com o seu sofrimento.
Na verdade, ódio era uma palavra suave demais para descrever o que sentia
por ela.
— Talvez simplesmente deva evitar as duas — ele acrescentou — e me poupar
dos problemas.
— Você? Evitando problemas? Ha!
Ele rangeu os molares.
— Posso tentar. E o que fará se White e eu realmente acabarmos juntos, hã?
Não acha que sou bom o bastante para ela.
— Claro que não acho. Você acabou de dormir com uma dúzia seguida.

33 | P á g i n a
— Por insistência sua.
— E daí? Não coloquei uma arma na sua cabeça.
De algumas formas, Desastre sim.
— Se vocês dois se juntarem, vou voltar para o inferno. Não quero limpar o
estrago que ela vai fazer. — disse William. — E sei que ela fará um. Não vai poder
evitar. É a natureza dela.
William, o irmão adotado do rei do submundo, Lúcifer, uma vez morou no
inferno. Eventualmente, o ódio, cobiça, inveja e perversidade que viviam em sua alma
tinham combinado com a vingança que vivia em seu coração. White, bem como os
seus irmãos, Red, Black e Green, foram vomitados dele.
Ele ouviu falar que os demônios os chamavam de os quatro cavaleiros do
apocalipse. Mas aqueles quatro não eram, não de verdade; eles eram mais como
sombras dos originais.
Na verdade, era exatamente isso que eram. Guerreiros das sombras.
Eles nasceram no mal e a profecia alegava que teriam futuros similares. White
devia conquistar todos os que encontrasse, antes que acabasse de alguma forma
sendo escravizada. Red devia trazer guerra, Black fome e Green morte.
Não era de se admirar que Kane não queria nada com White. Já tinha
problemas suficientes, muito obrigado.
E sim, sabia que ser concebida na maldade não tinha influência alguma na
garota por si só. Ele sabia que aqueles na escuridão podiam encontrar seus caminhos
até a luz. Sabia que algo de belo poderia resultar de algo terrível. Afinal, diamantes
eram formados no manto da terra com um calor horrendo e uma pressão esmagadora.
Ele sabia. Mas não se importava.
Não era White quem ansiava ver. Não era White cujo cheiro ansiava sentir.
Não era White que sua mente imaginava nem que seu corpo traiçoeiro de
repente respondia, uma necessidade cintilante enchendo-o, viajando em explosões de
relâmpago. Era Sininho. A doce e sexy Sininho com o seu...
Mãos vagando… hálito quente soprando em sua pele… gemidos, grunhidos…
Fechando a cara, ele jogou um punhado de terra no fogo. As chamas faiscaram
e morreram.
— Você não precisa se preocupar comigo. Como disse, não quero me casar com
ninguém.
— Seria um sortudo se conquistasse White! — William bufou de raiva.
As palavras penetraram a sua ira florescente e de fato o acalmaram. Ele ergueu
uma das sobrancelhas.
— Agora você quer que eu tente algo com ela?
— Não. Mas você deveria querer que eu o deixasse tentar algo com ela. Ela é
altamente desejável.
— Bem, não quero nem nunca vou querer.
— Por quê? Criou ovários?
Uma pitada de divertimento cresceu em seu peito, surpreendendo-o.
— Como é que ninguém nunca matou você?
Houve uma pausa quando William abriu outra barra nutritiva, meteu a metade
na boca e engoliu.
— Como se alguém fosse querer me ver morto. Sou bonito demais.
Beleza só ajudava alguém por certo tempo.

34 | P á g i n a
— Com quantas mulheres você já ficou?
— Incontáveis. Você?
— Não tantas que não consiga contá-las.
— Isso é porque você não tem talento.
— Talvez, mas ao menos consigo controlar meus desejos. Sua luxúria é forte
demais e sua força de vontade fraca demais para permitir que resistisse a qualquer um
que tenha pulso.
— Não seja ridículo. Já estive com várias pessoas que não tinham pulso. Mais
que isso, eu digo não para Gilly todos os dias.
Gilly, sua melhor amiga. Uma garota humana que Reyes, o guardião da Dor,
tinha resgatado. Ela só tinha dezessete anos, e por alguma razão desenvolveu uma
paixonite por William. Uma paixonite que se aprofundava toda vez que ele se feria em
batalha, e confortava-a todas as vezes que ela chorava por conta dos seus pesadelos,
os horrores de um padrasto abusivo que vinham assombrá-la.
Agora, ela ligava para o homem todas as manhãs às oito horas para garantir
que ele estava “bem”. Tradução: sozinho.
Ele sempre estava.
William podia tomar uma — ou dez — mulheres sempre que tinha vontade,
mas nunca as deixava passar a noite. Não mais. Ele não queria magoar os sentimentos
da sua preciosa Gilly Gumdrop.
Kane não tinha certeza do motivo de William ter tanto cuidado com a garota,
quando jamais fez nada de natureza sexual com ela. Pelo menos Kane não acreditava
que tivesse.
Era melhor que não.
Com os olhos estreitos, William jogou o resto da barra nas cinzas.
— Acabei de lembrar uma coisa. Quando estava arrumando as coisas, Danika
apareceu e me pediu para dar-lhe o quadro mais importante de sua vida. — Ele
vasculhou a mochila e retirou uma pequena tela de pintura enrolada.
Danika, a mulher de Reyes, possuía a habilidade de ver o céu e o inferno, o
passado, o presente e o futuro, e pintar as imagens. Como as Moiras, suas predições
nunca estiveram erradas — isso ele podia provar.
A uns dez metros de distância, um galho se partiu.
A Phoenix decidiu se aproximar, ele percebeu.
Kane agarrou a pintura de William e enfiou na própria mochila, depois colocou
nas costas, usando-a como escudo e deitou-se de bruços. Fechando um olho, ele
pressionou o outro na mira óptica de visão noturna do rifle. Em um instante, o mundo
ao seu redor ficou todo pintado em um verde brilhante.
A Phoenix estava… ali. Ela escalou uma das árvores mais altas e no momento
estava caminhando por um dos galhos grossos… não, estava pulando em outro galho
de outra árvore, aproximando-se cada vez mais, claramente tentando pegá-lo de
surpresa.
Minha, disse Desastre com um rugido possessivo e Kane franziu o cenho.
Outra “minha”?
A mulher parecia ter um metro e setenta e estava pouco vestida, considerando
o clima. Ela usava um top em forma de sutiã e um short curto, e tinha duas adagas
presas às suas pernas, embainhadas em suas botas de combate.
Kane seguiu-a por um momento, observou quando parou e desceu a mão para

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tirar uma das armas. Nunca traga uma faca para uma luta com armas de fogo, doçura.
Sempre vai perder. Ele apertou o gatilho.
Bum!
Ele era bom de tiro e sabia que deu um de raspão na coxa dela antes mesmo de
ouvir seu grito de dor. Ele se levantou e começou a correr. Quando ela caiu no chão
ofegando, ele estava lá, à sua frente. Ela era bonita. Loira. Atrevida. Embora preferisse
se banhar em ácido, apertou o braço na sua garganta, tornando ainda mais difícil para
ela respirar, e apalpou-a para se livrar de todas as armas que levava.
Havia mais do que tinha notado. Onze facas. Duas pistolas. Três estrelas-ninja.
Dois vidrinhos com veneno. Um saco de pílulas. Garras de metal removíveis. E os
materiais para confeccionar uma bomba escondidos nas solas dos sapatos.
Ele tentou não ficar impressionado.
Trabalhando rapidamente, amarrou os pulsos dela com uma corda de corrente
que usava como cinto e amarrou-a no tronco da árvore. Assim que terminou afastou-
se dela rápido, eliminando o contato. Seu estômago já estava fervendo, o vômito
surgindo. Mas ao menos não sentiu a dor que Sininho causava.
Um enxame de abelhas saiu das árvores, circulando a cabeça de Kane. Desastre
riu.
— Quem é você? — exigiu ele.
A garota chutou com a perna ferida, batendo apenas no ar.
— Me solte!
— Duvido que esse seja o seu nome. Tente novamente.
— Não tinha intenção de machucá-lo. — ela rosnou, sua luta aumentando.
Calor irradiava dela, um calor tão intenso e ficava cada vez maior. A qualquer
momento ela pegaria fogo com chamas tão quentes quantos as presentes no inferno e
derreteria a corrente de metal. — Só queria ferir Josephina. Agora matarei você e
escravizarei a garota.
— Josephina? — Uma ferroada em seu pescoço. Ele bateu no ferrão e a abelha
deu-lhe uma ferroada no pulso.
— Como se não conhecesse a garota que está seguindo. A Fae.
O nome da sua salvadora era Josephina. Bonito. Mas ele preferia Sininho.
— Quer escravizá-la, é? — Era por isso que a garota tinha vontade de morrer?
Ela temia que a Phoenix fosse machucá-la?
Buzz, buzz.
Ferrão, ferrão.
— Argh! — Ela voltou a chutar. Errou novamente. — Eu me recuso a responder
a mais uma pergunta sua. Solte-me ou farei com que se arrependa antes que o
destrua.
— Alguém mencionou uma transa? Pelo preço certo, estou disposto a me fazer
disponível. — William entrou andando na área mastigando outra barra nutritiva. — E
acha que ela está falando da Fae que acabou de passar correndo pelo nosso
acampamento?
— O quê? — Kane correu até o guerreiro. — Quando?
— Agorinha.
— E deixou-a ir embora? — ele rugiu.
Buzz. Ferrão.
— Bem, sim. Nossa caçada teria terminado e não estou pronto para voltar para

36 | P á g i n a
casa. Mas ela me disse para te dar um oi. Ou talvez mandou eu dizer que fizesse o que
prometeu ou a deixasse em paz, já que está chamando uma atenção desfavorável para
ela. É tão difícil dizer quando não se está realmente prestando atenção.
Lutando contra a vontade de fatiar o guerreiro em pedacinhos e perder tempo,
Kane disse entre dentes.
— Não deixe essa aqui fugir. — e saiu correndo.

37 | P á g i n a
CAPÍTULO 5

Josephina correu pela floresta, galhos batendo nela, folhas colando em sua
pele. Ela impulsionou as pernas e braços com toda a força que tinha e começava a
ofegar, o ar noturno queimando seu nariz e garganta. Em uma só terrível tacada, todos
os seus inimigos a acharam — mesmo que nenhum deles quisesse matá-la.
Havia um exército Fae ali determinado a escoltá-la de volta à sua casa.
A Phoenix estava ali determinada a escravizá-la.
Kane estava ali determinado a… finalmente fazer o que prometeu? Ou
planejava entregá-la à sua família e receber a recompensa?
Provavelmente a recompensa. Alguns dos Senhores eram bem ardilosos.
O que fez de errado? Como foi avistada? Ela foi tão cuidadosa se escondendo
aqui, fugindo dali. Só falara duas vezes com um humano, e apenas para pedir que os
homens passassem com os carros por cima dela.
Os dois a olharam como se fosse maluca.
Talvez fosse.
Tudo o que sabia era que a morte — qualquer tipo de morte — era preferível à
vida com a sua família. A dor e o sofrimento que vinham com os castigos de Synda
eram ruins, mas a agonia de não saber qual seria o próximo castigo seria muito, muito
pior.
Seu próprio pai a odiava e rejeitava sempre que podia. Por séculos ela só
desejou alguém que a amasse. Que visse algum valor nela.
Claro, depois dele vinha Leopold. Seu próprio meio-irmão a desejava na sua
cama, e não pararia de pressioná-la até que a colocasse lá.
Todo dia era uma nova aflição. Josephina acordaria sentindo como se estivesse
no topo de uma montanha, gritando por ajuda, mas com ninguém que se importasse
ao ponto de escutar seu pedido. A tensão nunca a abandonava. E no fim de cada dia,
seus nervos estavam tão desgastados que temia ter um colapso nervoso.
Era demais. Estava cansada, muito, muito cansada. Ansiava pôr um fim naquilo.
Precisava pôr um fim. Finalmente.
Infelizmente, não podia se matar — e quão mórbida era uma ideia como essa?
Outros Fae conseguiam acabar com suas vidas, mas ela não. Machucar-se
propositalmente significaria sofrer com aquele ferimento, não importava o grau de
severidade, por semanas, às vezes meses. Eventualmente, ela se curaria. Mesmo de
um degolamento. Sim, seu corpo se regenerava. Seu pai tinha garantido isso, usando
uma habilidade que ela adoraria roubar, mas que não podia. Os guardas o protegiam
com muita diligência.
Algo duro golpeou suas costas, derrubando-a. Ela caiu no chão de terra e de
folhas com uma pancada forte, os pulmões se esvaziando momentaneamente.
Enquanto lutava para respirar, alguém a virou. O pânico deixou-a estupefata,
queimando e congelando ao mesmo tempo. Pontinhos pretos piscaram em seus olhos,
e mesmo assim conseguiu ver a figura de um homem em cima dela.
— Josephina. — ele disse com os dentes cerrados.
Kane. Ela reconheceu a qualidade baixa e rouca de sua voz e o pânico diminuiu.
— Idiota! Só porque é uma estrela não quer dizer que pode agir assim. Um
simples “pare” teria bastado.

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— Mandei parar. Você me ignorou. — O peso dele saiu de cima dela,
permitindo que se sentasse. Ela sorveu o máximo de oxigênio possível e sua visão
finalmente clareou.
O guerreiro estava agachado na sua frente, luzes prateadas da lua dançando
por ele. Seu cabelo estava despenteado, mas isso dificilmente importava. As mechas
douradas brilhavam como se tivessem sido borrifadas com poeira cósmica, lembrando-
a das lindas fitas de ouro que só os Opulens — a classe A dos Fae — podiam obter. As
mechas mais escuras se misturavam na noite. Olhos vermelhos a observavam de modo
intenso, raivoso… e quase esfumaçavam?
— Seus olhos. — ela disse, incerta se ficou arrepiada ou estremeceu. Ela
reconhecia a cor de sangue, vira nos olhos de Synda inúmeras vezes. Mas a princesa
nunca fez com que cada ponto de pulsação de seu corpo palpitasse
desenfreadamente.
Ele desviou o olhar, como se estivesse envergonhado.
— Estão vermelhos. Eu sei.
Pobre Kane.
— O que aconteceu? — O que fez o demônio ficar tão forte?
Sem pensar, estendeu a mão para passar os dedos enluvados na pele debaixo
dos olhos dele. Ele capturou o movimento e enrijeceu, lembrando-a do seu desgosto
de contato físico; seu ar de raiva se intensificou. Mas não recuou, como fez com Sabin.
— Tudo bem se eu fizer isso? — ela sussurrou.
Ele deu um aceno curto.
Engolindo em seco, ela continuou a estender a mão.
Com o contato as pupilas dele dilataram, engolindo toda a cor. Até mesmo o
vermelho. A respiração mudou, de lenta e estável a arfante e superficial. O próprio ar
em volta deles parecia carregado de impulsos elétricos, pequenas faíscas dançando
por todas as partes do seu corpo.
Eu… gosto dele?
Não. Claro que não. Já tinha se encantado antes, mas aquilo ali era uma coisa
completamente diferente. Mais intensa. Quase avassaladora.
— Já chega. — Ele agarrou seu pulso, movendo-se com reflexos com a
velocidade da luz, e ela percebeu que ele estava tremendo. — Esqueça os meus olhos.
— ele disparou, afastando sua mão. — Toda vez que fico perto de você sinto dor. Por
quê?
Lá no fundo, parte dela lamentou a separação. A outra parte quis chorar pela
sua repentina rejeição.
Está com raiva dele. Isso é tolice.
— Como vou saber? Você é a primeira pessoa que já reclamou.
— Não está fazendo nada comigo?
— Claro que não. Agora, como me encontrou? Como sabe meu nome?
— As respostas não importam. Eu vim ajudá-la.
— Me ajudar? — Esperança desabrochou com a doçura de uma flor à luz do sol,
bela e radiante. — Sério?
Ele assentiu.
— Oh, Kane. Obrigada! — Ele planejava matá-la, o adorável homem. O medo
não seria mais sua companhia constante. Ela não teria mais que suportar os castigos
de sua meio-irmã. Não teria mais que evitar os avanços de Leopold. — Como quer

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fazer? Com uma faca? Com as mãos? Veneno? Meu voto é para que seja rápido e
indolor, mas ficarei satisfeita com o que você escolher. Sério. Não vai ouvir uma
reclamaçãozinha da minha parte.
Kane mostrou seus dentes perfeitamente brancos com uma careta.
— Não vou matar você, Sininho.
Espere. O quê?
— Mas você disse que ia me ajudar. — E tinha acabado de chamá-la de
Sininho? Eu não sou uma fada do tamanho de um polegar, droga!
— E vou. Vou cuidar dos seus problemas. Desse jeito vai sentir vontade de
viver.
Cada pedacinho de esperança murchou. Ele não tinha ideia do que estava
falando ou como seria uma tarefa como aquela.
— Por onde andou, hein? — ela perguntou, ignorando a oferta. Ele voltou para
casa, para uma namorada? A última história que ouviu sobre ele alegava que estava
solteiro, mas passou um ano desde então. Ou no caso dela, mil e um anos. Ele enchia a
sua namoradinha sem rosto e sem nome de mimos?
Fui eu quem o salvou. Eu é que mereço ser mimada.
— Responda à minha promessa. — ele rosnou.
Ela deu um suspiro.
— Por que quer me ajudar, Kane? — Belo Kane, com seu arco-íris de cores.
— Não posso deixar de ajudá-la.
— Mas… por quê?
— Você é a min... — Um músculo se contraiu debaixo do olho dele. — Devo
isso a você.
Ele acabaria morto e não era isso que ela queria.
— Bem, eu libero você da sua dívida. Que tal?
Ele sacudiu a cabeça.
— Eu sou sua nova companhia constante, Sininho. Será melhor para nós dois se
você se acostumar com a ideia.
Kane… com ela a todo segundo…
Uma benção e uma maldição, exatamente como a sua habilidade de ficar mais
forte roubando o que era dos outros.
— Me mate, me tire da floresta ou dê o fora. Essas são suas três escolhas.
— Eu vou tirá-la dessa floresta — ele disse de pé, circulando-a com toda a
determinação predatória de uma fera faminta —, e enquanto faço isso, vai me dizer
quantas pessoas preciso matar para fazer com que você sinta que sua vida vale a pena
ser salva.
Ela abraçou o próprio corpo para não ficar tentada a tocá-lo outra vez.
— Muitas.
— Então o problema são pessoas.
— Ele parou à sua frente.
— Sim, mas você me ouviu? Tem muitas delas.
— Muita gente é a minha especialidade. — Hesitante, ele estendeu a mão para
ajudá-la a levantar.
Mais contato? Oferecido livremente dessa vez?
Ela lambeu os lábios e estendeu a mão.
Ele recuou, como se estivesse assustado, mesmo sendo o instigador e ele

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baixou o braço. Cerrou o punho, uma necessidade sombria e assustadora derramando
vida em seus olhos. Mas… uma necessidade de quê?
Estremecendo, ela conseguiu se colocar de pé sozinha. O que, para ser sincera,
requereu muito esforço. Sua adrenalina deve ter se esvaído. Seus joelhos estavam
colados, lutando para sustentá-la.
— Perdão. — disse Kane, sua voz baixa e quieta, ainda assim de algum modo
bem mais indisciplinada do que o normal. — Devia ter te ajudado.
Claramente ele ainda não tinha superado sua aversão a toque. Especialmente o
dela.
— Sim, bem, eu não vou com você e não quero meus problemas assassinados.
Uma tentativa só criaria mais problemas.
— Temo que os dias em que você tomava as suas próprias decisões tenham
terminado. Tenho meus próprios problemas e não posso resolvê-los até que resolva os
seus.
Ela se afastou dele.
Ele sacudiu a cabeça.
— Não se atreva a fugir, Sininho. Sou forte o bastante para alcançá-la, e não
acho que vá gostar dos resultados.
O seu corpo estúpido se arrepiou em claro desacordo. Possuía alguma estranha
habilidade que ela nunca havia encontrado antes?
Pare de pensar e corra! Ela fingiu um passo para a direita. Ele seguiu e ela foi
para a esquerda. Depois, correu toda força.
Ele se jogou contra ela, derrubando-a. Ele nem parecia cansado quando disse.
— Considere esse seu último aviso. — o hálito morno dele acariciou sua nuca.
Oh meu Deus… O peso dele era tão maciço como antes, pressionando-a no
chão, mas dessa vez, por saber ser a culpada, não se sentia ameaçada. Sentia-se…
dolorida, suas extremidades nervosas queimando com uma ciência de proximidade
inegável.
— Me solte. Vou te machucar se não me soltar.
Ele se levantou, levando-a com ele. Ele a abraçou com firmeza, surpreendendo-
a, os braços como amarras de aço que não conseguia romper — não queria romper.
Mas ele ainda estava tremendo, como se tocá-la de algum modo fosse mais doloroso
do que alegava que era ficar perto dela. Não devia ser assim. Pelo menos ainda não.
— Kane. — disse. — Estou falando sério. Não quero machucar você.
— Doçura — ele respondeu, praticamente partindo seu coração com a nova
leva de gentileza em seu tom —, isso é para o seu próprio bem. Eu prometo.
Não, não era. Ele simplesmente não entendia. Ela puxou uma das luvas. Suas
mãos eram suas únicas armas; ele a odiaria pelo o que estava prestes a fazer com ele,
nunca mais se aproximaria dela, mas não lhe deixou outra opção. — Última chance.
— Já disse. Não vou deixar que vá embora. — Ele colocou-a por cima do ombro
e caminhou, evitando os galhos determinados a açoitá-lo com o outro ombro. — Vou
salvar você.
— Não pode me salvar. — Lutando com onda após onda de culpa, Josephina
estendeu a mão e tocou no seu braço. — Por favor, não me faça fazer isso.
— E exatamente o que pensa que está fazendo, hã?
Deixando-o indefeso. Lágrimas se amontoaram em seus olhos. Não havia outra
escolha. Ela apertou a mão. Instantaneamente seus poros se tornaram pequenos

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vácuos, sugando a força dele para o seu corpo.
Ele parou, ofegando.
— O que está fazendo, Sininho? Pare com isso.
— Sinto muito. — Um calor a encheu; um calor e um fervor de energia… tanta
energia, iluminando-a. Não, não iluminando, ela percebeu um segundo depois, e sim
escurecendo. Depois uma escuridão completa engoliu a luz, ocultando-a, mandando-a
direto para um fosso em espiral cheio de desespero.
Kane colocou-a de pé.
Um grito terrível atravessou sua garganta. Seus joelhos cederam, mas ele não
era mais capaz de segurá-la. Ela desmoronou no chão, o contato finalmente cortado. O
que estava acontecendo? Qual era o problema com ela? E os gritos — dela, e de mais
alguém, alguém sinistro — argh! Ficavam cada vez mais altos.
E mesmo assim, durante tudo isso, um único sussurro conseguiu chamar sua
atenção. Odeio você. Odeio tanto. Quero te matar. E vou te matar em breve. Muito,
muito em breve.
Não entendo, ela pensou, em pânico.
Você merece sofrer e garantirei que sofra se voltar a se aproximar dele. Ele é
meu. Meu. Não o dividirei com você. Jamais com você.
Quase histérica, ela juntou cada reserva de força que possuía, colocou-se de
joelhos e se arrastou para longe de Kane. Sim, tinha que fugir de Kane. Tudo aquilo
vinha dele. Pertencia a ele. Quanto maior a distância, melhor. Por favor.
Pedras cortaram suas palmas e joelhos, mas não ligou. À distância, ouviu um
galho se partir. Um farfalhar. Algo duro foi jogado contra ela, tirando seus pés do chão
e colocando-a de cara na terra.
Quando a confusão clareou, ela percebeu que dessa vez o culpado não era
Kane, e sim uma árvore.
Ela lutou para se libertar, lágrimas rolando pelas suas bochechas e continuou
sua jornada.
— Josephina. — chamou Kane. — Sininho… o que… você fez? Comigo? — Sua
voz era frasca, áspera.
Uma faísca de luz foi lançada em sua pequena linha de visão, seguida por outra.
Logo cores se formaram, tomando forma. Arbustos, raízes e troncos, pilhas de folhas,
um coiote passando por perto — apenas para parar seu caminho e mostrar-lhe os
dentes, como se estivesse se preparando para atacá-la. Mas outra árvore caiu,
derrubada em cima dela e assustando o animal.
Odeio você. Odeio, odeio, odeio você.
A dor surpreendeu-a momentaneamente, suas costas sofridas ameaçando se
partir.
Antes que pudesse se libertar da árvore, um par de botas apareceu na sua
frente. Botas que ela reconhecia.
Josephina engoliu um grunhido. Não. Não! Qualquer um menos ele.
— Ora, ora. — o dono das botas disse. — O que temos aqui?
Ela também reconhecia a voz. Leopold, seu meio-irmão, encontrara-a. Ele
garantiria que ela voltasse para casa… de volta ao seu inferno particular.

***

42 | P á g i n a
Kane ouviu Sininho gritar e lutou com uma fúria diferente de qualquer outra.
Minha, ele pensou. Ninguém tinha o direito de feri-la, nem mesmo ele, nem
mesmo tão bravo quanto estava com ela por ter feito o que fez.
O que foi que ela fez?
Queria se levantar e ajudá-la em qualquer que fosse o seu problema. E foi o
que fez. Só que seu corpo estava fraco demais.
Jurou que jamais ficaria fraco assim. Bem, exceto se a intenção fosse matar a
causa daquela fraqueza.
Sininho era a causa, de alguma forma, mas não a mataria. Ele… ele não tinha
certeza do que faria e não gostava que tivesse que decidir.
Em um segundo estava no máximo da normalidade que poderia chegar a estar,
carregando-a em cima do ombro. No outro sentiu uma seda morna tocar seu braço e
começou a enfraquecer. Ele colocou-a no chão quando seus membros começaram a
tremer. Depois ele desmoronou.
Mas ela também.
A escuridão que ele carregava há tanto tempo havia diminuído, mas ao invés de
força, o que tomou seu lugar foi uma fadiga extrema.
Ele observou impotente Sininho se curvar. Sua pele tinha ficado pálida e horror
consumiu suas feições. Ela parecia… assombrada. Tentou tocá-la, mas ela conseguiu se
arrastar para longe. Ele não conseguiu segui-la. Logo ela desapareceu além da linha
das árvores.
Preciso ajudá-la.
— Então é seguro dizer que essa noite não saiu de acordo com o planejado.
A voz de William chegou até ele, e lutou para se sentar.
— A garota.
— Fugiu. Ela me queimou também, a mini...
— Não a Phoenix. A Fae. Vá buscá-la.
— Estou faminto demais para correr.
Ira deu-lhe força suficiente para arremessar uma pedra na cabeça enorme e
feia do guerreiro.
— Vá!
— Tudo bem. — Passos ecoaram. — Mas vai ficar me devendo uma. — Balanço
de pernas, folhas remexidas e depois… nada.
Kane inspirou e expirou. Havia outra coisa acontecendo dentro dele, algo mais
estranho do que a repentina fraqueza, e precisava descobrir o que era. E devia ser
fácil. Pela primeira vez em séculos sua mente estava silenciosa. Pensamentos se
formavam com facilidade, sem qualquer tipo de filtro maligno. Emoções eram puras,
sem qualquer tipo de influência sinistra. Ele estava...
Sozinho.
A compreensão derrubou-o de costas no chão. Naquele momento não havia
insinuação alguma da presença do demônio. Nenhum enjoo na boca do estômago.
Nenhum dedo gélido rastejando pela sua pele. Nenhum sussurro terrível no fundo de
sua mente.
Mas… como podia ser? Kane estava vivo. E se estava vivo, o demônio estava
dentro dele. Certo?
Ou os Gregos mentiram para ele e para seus amigos no dia em que foram
possuídos, como esperava que tivessem? Gideon uma vez sobreviveu vários minutos

43 | P á g i n a
sem o seu demônio. Claro, a criatura ainda estava presa a ele e havia retornado.
Kane pensou. Ele nunca realmente viu um guerreiro possuído morrer
simplesmente porque o demônio abandonou o seu corpo. Seu amigo Baden morreu
decapitado. Cronus e Rhea, antigos rei e rainha dos Titãs, eram possuídos por
demônios e também morreram decapitados.
E se Desastre foi mesmo embora? Permanentemente? Mas para onde o
demônio poderia ter ido? Ele entrou em Sininho?
Desastre era a razão dos gritos dela?
Ou ela de alguma forma matou a criatura?
Kane finalmente estava vivendo algo bom?
Ele rodou os ombros, os músculos tensos protestando como se nunca tivessem
sido usados. Ele e Sininho teriam uma longa conversa. Ele faria as perguntas e ela
forneceria as respostas. Se hesitasse, daria-lhe uma surra no traseiro. Sim. Era isso que
faria com ela, decidiu.
Parte dele queria que ela hesitasse.
Ele nunca achou que sentiria desejo sexual novamente — não um desejo
verdadeiro — e ainda assim, quando a parou sentiu aquela maciez debaixo dele,
aquele cheiro no nariz e a respiração ofegante dela em seu ouvido, ansiou despi-la de
toda sua roupa para vê-la inteira e tomar tudo o que tinha para dar.
Ela bem que podia deixar que a tomasse. Mas como seu corpo e sua mente
teriam reagido?
Agora, a necessidade dela ainda estava presente, uma pedra no seu sapato. Ele
não gostava, tinha que se livrar dela.
Um William com o cenho franzido retornou — sem a garota.
Kane rosnou baixo.
— O que aconteceu?
— Não havia sinal dela. — disse o guerreiro. — E não fique todo nervoso, mas é
que a única coisa que havia era uma evidência de luta.

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CAPÍTULO 6

O Reino de Sangue e Sombras

Há muito tempo Cameo recebeu a maldição de hospedar o demônio da Tristeza


e oh, a presença da criatura nunca foi tão aparente quanto agora. Um profundo
sentimento de pesar a pressionava duramente. Desespero queimava do centro do seu
peito. Sussurros corrosivos amontoavam-se em sua mente.
Não há esperança...
A vida nunca será melhor...
Você nunca será bem sucedida em nada. É melhor desistir agora.
Ela odiava o demônio da Tristeza com cada fibra do seu ser. Ele era a essência
do mal, escuridão sem qualquer traço de luz, no entanto ela não sobreviveria sem ele.
O problema era que sabia que não sobreviveria com ele tampouco.
Mas o que poderia fazer? Nada, essa era a verdade. Sempre nada. Nada para
sempre.
E assim, pelo resto de sua existência, lágrimas escorreriam por trás de seus
olhos. Se riu alguma vez, não se lembrava mais. Seus amigos diziam que sim, que em
certas ocasiões sorriu, mas não se lembrava de nenhuma vez — e nunca se lembraria.
Porém. Sim, porém. Apesar de não poder melhorar sua própria vida, podia
melhorar a de Kane. Com certeza. Esperançosamente.
Há alguns dias ela o visitou em seu quarto. Ele exalava angústia como se fosse
uma segunda pele, apesar de tentar esconder. Kane provavelmente teria conseguido
com qualquer um, exceto com Cameo. A miséria alheia deliciava seu demônio.
Por um momento, só um momento, ela se sentiu melhor. Mais leve. Finalmente
livre. Então se sentiu mil vezes pior quando sua própria tristeza sobressaiu-se à de
Kane.
Parecia que Kane não tinha notado. Distraído, ele brincara com as pontas do
cabelo dela, as mechas escuras bonitas contra o bronzeado da pele dele.
— Olhos prateados... — ele disse, usando seu apelido favorito para ela — Eu
senti sua falta mais do que posso dizer.
Palavras adoráveis. Palavras verdadeiras. Eles sempre sentiam falta um do
outro quando estavam separados. Mas então ele se levantou, não dando-lhe chance
de responder e entrando no banheiro, fechando-se dentro. Não olhou para trás.
Ele sempre olhava para trás quando se afastava dela.
Ele sempre piscava para ela.
Ela sempre soprava um beijo para ele. Algumas vezes, quando estava brava
com ele, com uma mordida. Ele sempre ria.
Aí ele deixou a fortaleza sem se despedir. Ele sempre se despedia.
Eles lutaram juntos por séculos, e nenhuma vez se desviaram de suas tradições.
Tradições que começaram porque, depois de se conhecerem pela primeira vez, tinham
namorado brevemente. Mas o demônio dele, Desastre, e o dela, Tristeza, causaram
problemas demais e eles acabaram rompendo. Ele tornou-se seu melhor amigo. Seu

45 | P á g i n a
confidente. Suas tradições eram tudo o que tinham.
Desde que voltou, alguma coisa tinha mudado. Ele tinha mudado.
Ela deveria ter esperado isso. Ele passou várias semanas no inferno preso,
acorrentado e torturado. Kane não desabafou sobre todos os detalhes, e ela não
precisava deles. Cameo podia adivinhar — e sabia que o pior da sua imaginação não
estava nem perto do que ele sofreu. Só queria fazê-lo sentir-se melhor, pelo menos
por um tempinho.
Como se pudesse fazer qualquer coisa para ajudar alguém.
Rangendo os dentes, ela bloqueou sua mente contra as manipulações do
demônio. Eu posso ajudá-lo e vou ajudá-lo.
Cameo parou no centro do quarto vazio de qualquer móvel. As paredes eram
feitas de pedra despedaçada e salpicadas de câmeras. Torin era feroz com a segurança.
O chão de mármore estava rachado — Kane esteve ali, e recentemente. O ar estava
fresco, mas seco, e coberto de poeira.
Ela estudou os quatro artefatos à sua frente. Guerras foram lutadas por eles.
Pessoas mataram para encontrá-los, protegê-los, roubá-los. Ela e seus amigos fizeram
tudo e mais ainda para obtê-los.
De alguma forma, de algum jeito, aquelas coisas aparentemente inúteis irão
guiá-los no caminho até a caixa de Pandora. Até a liberdade dos Senhores. E seu
destino final.
A Jaula da Compulsão era uma cela quatro por quatro enferrujada. Entretanto,
quando presa ali, a pessoa era compelida a fazer qualquer coisa que o dono da jaula
mandasse.
E havia a Capa da Invisibilidade. Um simples pedaço de pano. Contudo, quando
alguém o punha sobre os ombros, ninguém podia vê-lo.
E também estava ali a Haste de Partir, uma lança comprida e fina com um
cristal brilhante na extremidade superior. Quando tocada, ela podia roubar o espírito
de um corpo, deixando apenas uma casca vazia.
Finalmente, uma pintura do Olho-Que-Tudo-Vê, dada a Cameo só naquela
manhã.
Danika, o Olho, podia às vezes ver dentro dos céus e em outras, do abismo.
Algumas vezes o passado. Noutras, como um presente do Altíssimo, o futuro. Naquela
pintura, Danika tinha, obviamente, visto dentro do escritório de um homem… no
presente? Na parede mais distante à direita havia tesouros trancados numa caixa de
vidro, e um desses tesouros era uma pequena caixa feita de ossos.
Poderia ser a Caixa de Pandora? Um recipiente escondido há séculos. Uma
arma perigosa supostamente construída com os ossos da mulher que encarnava a
opressão. Quando aberta, a caixa sugaria os demônios de Cameo e dos demais
Senhores, prendendo o mal lá dentro.
Acabando com a vida deles.
Cameo sentiu o ódio de Kane por Desastre. Sentiu o desejo dele de se retirar da
influência da criatura, de qualquer forma possível — sentiu porque era um reflexo de
seus próprios anseios. Se ele não encontrasse um jeito, poderia decidir caçar a caixa e
usá-la.
Ela não podia deixá-lo morrer.
Sendo assim, só teria que eliminar aquele meio de libertação. Ela assentiu. Sim.
Era como ela o ajudaria, mas… como deveria colocar em uso cada um dos artefatos

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simultaneamente? Porque essa era a chave para encontrar a caixa. Ela deveria subir
em cima da caixa usando a Capa e segurando a pintura e a Haste.
— O que “tá” fazendo?
A voz veio de trás dela. Cameo sufocou um rosnado e voltou o rosto para Viola,
a hospedeira de Vaidade e mais nova perdição em sua existência. Sério. Lidar com uma
matilha de lobos furiosos em rígida dieta de fêmeas de cabelos pretos e olhos
prateados seria muito mais fácil.
O cabelo loiro cacheado cascateava sobre os ombros delicados de Viola e seus
olhos cor de canela cintilavam. Ela usava um pequeno e apertado vestido com tantas
pregas e laços que envergonharia a manhã de Natal, e segurava seu demônio da
tasmânia nos braços. Princesa Fluffikans... Alguma coisa era o nome dele.
Sim. A princesa era “ele”.
— Estou passando um tempo sozinha. — Cameo respondeu finalmente. Dica.
Dica.
— Bom, odeio ser a mensageira de más notícias quase tanto quanto amo, mas
passar tempo sozinha não lhe dá uma boa aparência. Seu rosto está todo enrugado. É
bem assustador. Você devia tentar ser mais como eu e parecer bem, não importa com
quem esteja. Ou não esteja.
— Obrigado pelo conselho.
— Eu sei! Sou tão esperta que deveria ser um crime.
Preciso achar aquela caixa. Cameo não poderia destruí-la logo de cara. Ela faria
um teste, só um, e empurraria Viola para perto da caixa. Então descobriria exatamente
o que acontece quando um imortal possuído por um demônio se aproxima da caixa.
Talvez Viola sobrevivesse. Dedos cruzados para que não.
Como se sentisse a direção de seus pensamentos, Princesa Fofinha-qualquer-
coisa pulou e enfiou as presas no punho de Cameo, um rápido trabalho de “entrar e
sair” que a deixou sangrando. Viola continuou falando sobre nada, despreocupada.
Cameo se abaixou, fazendo como a Super Babá ensinou e como precisava fazer
geralmente com os homens em sua vida, olhando o pequeno cretino nos olhos.
— Se fizer isso de novo vou comer o “ele-princesa” no café da manhã. Duvido
que seja saboroso, você é muito amargo, mas é para isso que serve a mostarda.
O cachorro-demônio ganiu, saltando dos braços de sua dona e correndo para
fora do cômodo.
— Eu me pergunto o que há de errado com ele. — disse Viola.
Falando sobre ter um super filtro de atenção. Se alguma coisa não girasse em
torno de Viola, ela não notava.
— Você reconhece algum desses artefatos? — Cameo perguntou. Também
dando utilidade para Viola enquanto estava lá.
— É claro que sim. Reconheço todos. Sou muito inteligente.
Descobriremos isso logo.
— Conte-me o que sabe.
Viola bufou e disse:
— Bem, as peças são bem antigas. E feias. Exceto pela pintura. É nova e feia. —
ela traçou o dedo pela tela e sua expressão de amor-próprio derreteu. — Seja muito
cuidadosa. — como ela soou séria de repente. Que situação. — Se falhar em usar cada
artefato adequadamente, você se encontrará numa armadilha. Para sempre. — então
passou o dedo pela Capa sorrindo, e voltou para seu velho e chato ego. — Não é muito

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macio, né? Eu prefiro macio. Minha pele é muito delicada. E perfeita.
— Como eu uso adequadamente cada artefato? — insistiu Cameo.
— Do que você está falando? Como eu saberia? Nunca os usei. Além disso, já
que sei tudo, gostaria de ser apreciada por mais do que meu cérebro magnífico. —
enquanto ela falava, inclinou para espiar o cristal na ponta da Haste. — Oh, uma
beleza. — ela suspirou, parecendo em transe por seu próprio reflexo.
Ela se estendeu. Fez contato. Num instante estava do lado de Cameo, no outro
tinha sumido. Silêncio encheu o quarto.
— Viola. — disse Cameo, dando voltas, mas não havia sinais da garota.
Com as batidas do coração acelerando, Cameo se concentrou na câmera no
canto mais distante à direita.
— Você viu isso? O que acho que aconteceu realmente aconteceu?
Um estalo de estática soou antes da voz de Torin flutuar dos alto-falantes
colocados estrategicamente.
— Sim. No instante em que tocou na Haste, ela deu tchauzinho.
— O que devo fazer? — ela exigiu.
— Nada. Vou fazer uma pesquisa atrás de informação e ver se acho alguma
coisa.
Não. Ela não se contentaria em não fazer nada. Além do mais, ele estava
pesquisando por informações desde que conseguiram a coisa e não achara nada.
Movendo-se depressa, Cameo desdobrou a Capa.
— Ei! O que está fazendo? — exigiu Torin. — Pare com isso agora mesmo.
— Obrigue-me. — ele era o guardião da Doença. Um toque de sua pele contra
outra e uma praga se iniciaria. O pobre rapaz passava a maior parte do tempo sozinho
em seu quarto, observando o mundo à distância.
Num momento de fraqueza eles começaram um relacionamento platônico, mas
assim como com Kane, as faíscas rapidamente diminuíram e eles perceberam que
eram melhores como amigos.
— Cameo. Não.
Ele estava preocupado com ela. Sabia disso. Também sabia que ele gostava de
pensar antes de agir. De planejar. Testar. A maioria dos guerreiros que vivia na
fortaleza era assim. Não Cameo. Quanto mais esperava para fazer alguma coisa, mais
inútil se tornava, a miséria do demônio enchendo-a e consumindo.
Mais do que isso, Viola poderia estar sofrendo. Cameo não gostava da garota,
mas não a deixaria sofrer — independentemente do que tinha planejado para ela.
Tinha que tentar extraí-la.
Cameo estendeu uma mão trêmula.
— Não se atreva a fazer o que ela fez. — Torin disparou pelos alto-falantes.
Ela parou. Talvez tivesse outro jeito. Talvez…
— Maddox! — a voz de Torin explodiu. — Você é necessário na sala dos
artefatos. Agora! Reyes, você também. Qualquer um. Cameo está prestes a cometer
um erro enorme e possivelmente fatal.
Sem tempo para raciocinar sobre as coisas.
Tremendo, Cameo ajeitou a pintura na Jaula, agarrou a capa e entrou. Ela
fechou a porta e a fechadura trancou automaticamente. No momento em que ouviu o
suave click, sentiu como se um pesado anel de metal estivesse envolvendo seu
pescoço, punhos e tornozelos. Mas quando olhou, viu apenas o bronzeado de sua pele.

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— Estou mandando você parar Cameo. — disse Torin.
A Jaula claramente não o considerava seu dono, pois ela não se sentiu nem um
pouco compelida a obedecê-lo.
Ela colocou a Capa sobre os ombros e estendeu os braços pelas barras,
tentando pegar a Haste. Justo antes do contato, seu olhar caiu sobre a pintura. Ela
congelou. Num instante, detalhes insignificantes foram apagados. Ela viu a Caixa, e nas
sombras atrás dela, um homem. Ele tinha estatura mediana e estrutura delgada.
Ela não conseguia identificar suas feições, via apenas o brilho vermelho em
seus olhos. Quem era ele? O que era ele? Seria ele amigo ou inimigo? Estaria zelando
pela caixa de Pandora? Tentando evitar que fosse destruída?
Com tão pouca massa muscular, ele nunca teria uma chance.
Encontre Viola. Encontre-o.
Passos ecoaram no cômodo. As dobradiças da porta rangeram.
Maddox invadiu o lugar, raiva violenta irradiando dele.
— Não ouse...
Ela agarrou a Haste antes que ele terminasse a sentença, só no caso, e sentiu a
frieza do cristal contra sua pele.
E então não soube mais nada.

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CAPÍTULO 7

Séduire

Naquele momento Josephina era o ketchup num sanduíche de colírios. Dois


guardas do palácio seguravam-na, impedindo-a de fugir. Eram homens lindos, altos e
fortes — apesar de não tão altos e fortes quanto Kane — com a aparência típica dos
Fae. Ambos tinham cabelos brancos, olhos azuis, pele pálida e lábios vermelhos.
Usavam sobretudos roxos bem justos, com várias medalhas presas pelos ombros. As
calças eram brancas sem um pontinho de sujeira, praticamente uma pintura. Botas
pretas se elevavam até seus joelhos.
Oh, sim. Eram homens lindos, mas eram os detentores orgulhosos de corações
gélidos e mortos. Sabiam o que aconteceria com ela, porém não a deixariam ir
embora. Eles a seguravam bem firmemente.
Tão perto da liberdade, ela pensou, lutando contra uma onda de desespero. E,
ainda assim, aqui estou. Pelo menos o ódio e a maldade que pegara de Kane a
abandonaram e voltaram para ele.
O palanque real se avultou na frente dela. O Rei Tiberius sentava-se num trono
exuberante esculpido num único bloco de puro ouro, as mãos curvadas no centro do
cetro adornado de joias. À sua direta estava um trono menor, e lá a Rainha Penélope.
À esquerda havia ainda outro trono, este para a perfeita Princesa Synda.
Atrás do trio ficava uma bancada mais alta. Mais alta, porém a área não parecia
ser mais do que uma reforma tardia. Lá se sentava o Príncipe Leopold. Embora ele
dissesse que a queria, não perdeu tempo levando-a até os guardas e abandonando-a
aos “cuidados” deles.
Os Opulens estavam atrás dela. Vestidos com suas melhores roupas, eles se
reuniram ali para observar a mais nova punição de Josephina. As mulheres usavam
vestidos elaborados com corpetes justos e saias amplas. Maquiagens ousadas
enfeitavam-lhes os rostos, as cores retocadas com pó de diamante. Os cabelos
estavam parcialmente escondidos por tiaras amplas e adornadas que se abriam
formando meias-luas. Colares de metal circulavam seus pescoços e contas gotejavam
por seus ombros e decotes.
Os homens usavam paletós de todas as cores imagináveis com peças de metal
costuradas nos ombros, cotovelos e bainhas. As calças eram mais soltas que as dos
guardas, mas ainda assim feitas para se moldarem à força conquistada duramente.
Em Séduire a beleza importava mais do que o cérebro, e as roupas mais do que
a comida. As intrigas políticas estavam sempre a pleno vapor. Uma boca aberta era
uma boca mentirosa. Poder era tão valioso quanto dinheiro. Luxúria, ganância e
tortura sempre estavam no menu.
Josephina odiava isso.
Cada Fae tinha algum tipo de habilidade extraordinária — apesar dela, na
verdade, ter duas — mas umas eram melhores que outras. O rei era duplamente
dotado, como Josephina, ele era capaz de transmitir habilidades para outros, bem
como formar um escudo protetor ao redor de seu corpo. A rainha tinha o poder de, ao

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tocar um objeto, saber toda sua história. Leopold podia causar dor nos demais com
uma única palavra verbalizada.
Qualquer habilidade que Synda tivesse foi enterrada quando obteve o
demônio. Josephina ouviu histórias, entretanto, e achava que sua meia-irmã fora capaz
de transformar em ouro qualquer objeto inanimado.
O rei observou Josephina com aqueles olhos azuis cristalinos. Oh, como ela
desprezava aquela cor. Preferia muito mais os olhos de Kane, jade e âmbar — e
precisava parar de pensar nele, não? A associação entre ambos tinha acabado. Não o
veria novamente. Ele não iria querer vê-la. Não depois do que fez com ele.
O arrependimento arranhou-a. Ela já lamentava pela perda dele. Do guerreiro
bonito e forte que veio salvá-la.
Um pequeno choro separou-lhe os lábios.
— Não tem nada a dizer por si mesma, Serva Josephina? — exigiu o Rei Tiberius
— Você nos causou todo o tipo de problema.
— Sim, você deveria estar de joelhos agora. — disse a Rainha Penélope, tirando
um fiapo invisível da saia de seu vestido. — Implorando nosso perdão.
Ignorando a centelha de rejeição que acompanhava aquelas palavras,
Josephina manteve seu olhar sobre seu pai. Apesar de ter centenas de anos, ele
parecia quase tão jovem quanto ela. Tinha os cabelos platinados, pele imaculada e
músculos suficientes para partir os ossos de qualquer homem.
— Estou bravo com você, menina. Você não voltou para os seus. Precisou ser
caçada, fazendo perder tempo, energia e recursos.
— Eu estava sendo perseguida por demônios. — era verdade.
Ele estalou a língua num de seus incisivos.
— Desculpas não serão toleradas.
Ela engoliu em seco, e sabiamente manteve a boca fechada.
— No entanto, estou me sentindo benevolente e não irei puni-la. Desta vez.
Mas se tentar mais uma vez privar minha preciosa filha de seus direitos de sangue, por
qualquer razão que seja, serei obrigado a te fazer mancar para o resto da vida.
Eu sou sua preciosa filha também, seu coração choramingou. A única diferença
era que a rainha não era sua mãe.
Murmúrios de excitação irromperam atrás dela. As pessoas queriam vê-la
manca.
A rainha acarinhava a tira de pele dourada pendurada no colarinho de seu
vestido. — Nós enviamos guardas para esperá-la na saída do inferno. Você os matou?
— Não. Os demônios devem ter feito isso, pois não tinha nenhum esperando
por mim.
— Ugh. Demônios. — falou a Princesa Synda.
Josephina encontrou o olhar de sua irmã.
A garota piscou. Toda inocência. Zero remorso.
Uma Fae por excelência, Synda tinha seus cachos brancos enrolados numa tiara
larga e arqueada com lanças de cristal. Seus olhos luminosos eram emoldurados por
uma distinta e arrebatadora sombra safira, atualmente sem qualquer sinal do
vermelho que surgia quando o demônio agia. Suas bochechas estavam coradas com pó
de rubis e seus lábios com flocos de diamantes.
Havia momentos nos quais ela demonstrava absoluta doçura, como aquele,
seguido por longos intervalos de pura sordidez. Não obedecia nenhuma regra, nem

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mesmo as dela, e sempre agia sem qualquer pensamento ou preocupação com alguém
ou alguma coisa.
Josephina era algumas centenas de anos mais nova e, quando nasceu, Synda já
estava possuída pelo demônio. As histórias que ouviu sobre o passado da princesa,
sobre como a fêmea era antes da possessão, chocaram-na. Aparentemente não existia
ninguém mais terno, preocupado e feliz.
O quanto Desastre tinha mudado Kane?
Você está pensando nele de novo.
Tiberius bateu o cetro no chão, num estouro alto que sacudiu todo o cômodo.
— Você irá se concentrar nos procedimentos Serva Josephina ou terei que fazer
de você um exemplo.
— Talvez ela goste de ser punida por você. — disse a rainha com um sorriso
maldoso. — Talvez seja por isso que ela o tenta a fazê-lo mais.
Josephina estremeceu.
— Apenas... Deixe-me ir. Por favor.
O rei se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Eu não tenho sido bom para você? Não te dei um lar? Um propósito valioso?
A rainha sorriu afetadamente. Synda pegou um aperitivo da bandeja ao seu
lado. Leopold sacudiu a cabeça, arrependido.
Não vou chorar. Não novamente.
Tiberius suspirou.
— Leve-a para o calabouço. Posso ver o desejo de fugir em seus olhos, menina.
Vai ficar presa até perceber o quanto eu a tratei bem e o quanto poderia ser pior para
você.
Os Opulens vibraram.
Ela abriu a boca para protestar, mas fechou num estalo. Falar depois da
sentença ter sido proferida apenas causaria mais castigo.
Enquanto ia sendo arrastada para longe, ouviu outro guarda falar para o rei:
— Dois guerreiros imortais estavam seguindo a Serva Josephina. Nós os
deixamos na floresta, mas colocamos um rastreador em seus equipamentos. O que
quer que façamos com eles?
Embora não tivesse escutado a resposta do rei, Josephina choramingou
desanimada.
***
O som sibilante de um açoite soou, seguido de gritos de dor. Josephina se
encolhia a cada golpe dado no homem do outro lado da parede de pedras
desmanteladas.
Seus pobres braços estavam presos sobre sua cabeça, os dedos gélidos devido à
circulação mínima. Mais uma vez estava espremida entre dois homens. Só que estes
dois não eram guardas. Eram prisioneiros como ela e cometeram o grave erro de
possuir terras desejadas pelo rei.
Também tinham os braços presos sobre as cabeças, mas estavam ou
inconscientes ou mortos. Foram privados de comida por tanto tempo que seus corpos
estavam macilentos. E não tomavam banho há anos. Oh, o fedor...
Passos ressoaram e o mestre do calabouço apareceu. Príncipe Leopold sorriu
para ela, genuína afeição brilhando em seus olhos cristalinos. Assim como a Princesa
Synda, ele tinha cabelos brancos e cacheados. Ao contrário de Synda, ele era alto, mais

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alto que o pai deles, e com musculatura definida. Pretendentes Opulens estavam
sempre babando e suspirando por ele.
Leopold parou na frente de Josephina e apertou uma mecha de seus cabelos
entre os dedos sujos de sangue.
— Sentiu minha falta, florzinha? — ele perguntou, o hálito cálido ventilando
sobre o rosto dela.
— Nem um pouco. — ela respondeu verdadeiramente. — Se quer a verdade
nua e crua, esperava que nunca mais nos víssemos.
Um músculo apertou na mandíbula dele, uma prova de sua raiva. Primeiro
ponto para a Serva Josephina.
— Entregue-se a mim e o rei não a usará mais como substituta de Synda.
Eu prefiro morrer, obviamente.
— Ainda que isso fosse verdade, o que não é, minha resposta seria a mesma:
nunca. Isso serve pra você?
Os cílios dele se juntaram, deixando apenas pequenas brechas.
— Por que não me quer? Eu sou desejável.
Por onde começar? Oh, sim.
— Você é meu irmão.
— Apenas pelo sangue.
Só isso?
— Bem, você me enoja. Que tal isso?
Ele inclinou-se para frente.
— Eu serei bom para você. Muito, muito bom.
Ela se enrijeceu, recuando.
— Pare. Não estou interessada.
— Só me dê uma chance.
Josephina virou a cabeça. Seu corpo encurvou da pior maneira. Sua mente
estava nublada pela fome. Ela não podia lidar com ele naquele momento.
Leopold segurou-lhe o queixo e voltou sua atenção para ele.
— Eu poderia forçá-la. Você sabe disso, não é?
Se ele a quisesse dessa forma, ele a teria muitos anos atrás.
Ela se lembrava do primeiro dia em que tiveram contato fora da sala do trono.
Estava caminhando pelo jardim real, colhendo as flores mais belas para sua mãe.
Naquela época, sua mãe era a concubina favorita do rei e Josephina era livre para fazer
o que quisesse; quando não estava sendo punida pelos crimes de Synda, é claro.
Sim, o rei usou-a daquele jeito, apesar dos protestos de sua mãe. Leopold tinha
acabado de alcançar a imortalidade, nunca mais envelheceria fisicamente e estava
celebrando no jardim com duas escravas. Josephina tropeçara no trio e viu coisas que
ainda a faziam corar; ele ouviu seu soluço chocado e olhou para cima. Ela se afastou,
temendo que ele fosse dizer para a rainha que ela era uma espiã, o que a levaria a
açoitar Josephina. De novo.
Mas Leopold sorriu, ordenando que Josephina ficasse onde estava, e então
ajeitou as roupas e mandou as fêmeas embora. Ele tinha gentilmente provocado-a
devido ao rubor, pegou as flores que ela deixara cair e galantemente a presenteou,
como se ela fosse uma pretendente digna de sua atenção.
Pelos próximos anos ele a encontrou com frequência, propositalmente,
conversando com ela, rindo com ela e pela primeira vez em sua vida, Josephina sentiu

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afinidade por alguém além de sua mãe.
Todavia, no dia em que Josephina alcançou sua própria imortalidade, apesar de
bem mais frágil do que os de sangue puro, o foco da atenção de Leopold mudou. Ele
foi de fraternal a amoroso, charmoso e persistente, e até mesmo tentou beijá-la. Na
época ela saiu correndo.
Ele a perseguia desde então. As coisas nunca mais foram as mesmas entre
ambos e nunca mais seriam.
— Você não vai. — ela disse confiante.
O prisioneiro em frente a ela riu entredentes da contínua rejeição.
As bochechas de Leopold ruborizaram ligeiramente. Ele a soltou e se voltou
para o ofensor. Ao invés de puni-lo com uma chuva de socos, Leopold inclinou a
cabeça para o lado e disse:
— Agonia.
O homem gritou em repentina angústia, todo seu corpo chacoalhando. Sangue
logo escorreu de seus olhos, nariz, dos cantos da boca.
— Pare! — gritou Josephina. — Pare com isso, Leopold! Por favor.
Ele o fez. Quando o homem morreu. Bile queimou no peito dela e amontoou
em sua garganta.
Leopold girou para olhar cada um dos machos aprisionados.
— Mais alguém tem algo a dizer?
Apenas se ouviu o chocalho das correntes.
A carranca do príncipe encontrou Josephina e ele cuspiu no chão, aos pés dela.
— É só uma questão de tempo até que a Princesa Synda cometa outro crime.
Você será açoitada no lugar dela. Ou pior. Deixe-me te proteger.
— Mesmo que pudesse me salvar, eu nunca o consideraria a melhor opção. —
ela respondeu asperamente.
— Veremos. Sairei para capturar os homens que te caçavam. Um dos guardas
imperiais ficará cuidando de você. Duvido que ele será tão gentil. — com isso ele saiu
do calabouço.
Uma risada amarga escapou dela. Kane tinha se perguntado sobre o porquê
dela querer morrer. Kane quisera saber o que poderia fazer para ajudá-la. Bem, ali
estava o por que. E, obviamente, não havia nada que ele pudesse fazer. Como ela
sempre soube.
Não havia nada que alguém pudesse fazer.
Mas eu posso ajudá-lo, pensou. Poderia usar sua segunda habilidade e alertar
Kane sobre o rastreador que os guardas puseram em seu equipamento. Dessa
maneira, quando o encontrassem, ele não estaria desprevenido. Poderia lutar. E
vencer. Ou correr.
Era o mínimo que podia fazer e não tinha nada a ver com o fato de querer vê-lo
novamente. De verdade.

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CAPÍTULO 8

Texas - Teaze

A música de rock pulsava pela boate, balançando o chão, sacudindo as paredes.


Luzes estroboscópicas piscavam todas as cores do arco-íris e giravam, criando um
caleidoscópio vertiginoso que de alguma forma desinibia. Homens e mulheres imortais
se sacudiam na pista de dança, caminhando pelos corredores atrás de carne fresca ou
se sentavam às mesas, paquerando entre doses do "embelezador".
O mundo podia ser feio antes de você beber um copo de uísque misturado com
ambrosia, mas com certeza era bonito depois. Pelo menos por um tempo.
Kane queria deixar as lembranças da última vez em que esteve dentro de uma
boate em sua mente, repugnava, mas mandou uma mensagem a Torin para obter
informações sobre Sininho, e por alguma razão, o guerreiro o enviou até aqui.
Como de costume, William estava procurando mulheres.
Kane empurrou um vampiro fora da cadeira que queria e reivindicou um lugar no
bar. O cara não protestou, apenas deu uma olhada nele e correu para longe. Kane
pediu uma dose do embelezador. Qualquer coisa para aliviar suas emoções
desenfreadas.
Onde estava Sininho?
Estava bem? Em segurança?
Ela já não tinha a custódia de Desastre — se é que isso tinha acontecido, e ele
suspeitava que era. Não havia outra explicação. O demônio veio rugindo de volta para
Kane poucas horas depois dele ter deixado a floresta. Ele ficou desapontado por si
mesmo, mas aliviado por ela. Não gostava da ideia daquela meio-imortal delicada
bater de frente contra esse mal.
Mas pelo menos tinha uma resposta a uma de suas perguntas agora. Os Gregos
realmente mentiram. O demônio não era tão parte dele quanto seus pulmões e seu
coração. Kane não poderia sobreviver um único momento sem os órgãos, mas poderia
sobreviver algumas horas sem Desastre. Talvez mais.
Odeio você, Desastre rosnou.
Garanto a você, o sentimento é mútuo.
Uma das pernas da cadeira quebrou e ele quase caiu no chão. Ele brutalmente
chutou o banco quebrado pra fora do caminho e decidiu ficar.
— Sobre o tempo que você está aqui. — disse uma mulher.
Seu olhar se moveu para a esquerda, onde uma loira alta e esguia estava. Era
requintada, com o cabelo caindo até a cintura perfeitamente sinuosa e uma pela
branca como a neve coberta com maquiagem para silenciar seu poder luminoso. Olhos
azuis seguravam seu olhar sem vacilação ou medo.

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Ela é minha, Desastre gritou. Toda minha.
Kane apertou os molares juntos. Quantas "minhas" deveriam ter?
— Taliyah Skyhawk. — reconheceu. Ela era cunhada de Sabin e Strider, bem
como a Harpia conhecida por seu comportamento frio como gelo. — Você sabia que
eu estava vindo?
— Torin me deu um alerta.
Seu foco aguçou nela. Bom, tudo bem, então.
— Você tem informações para mim?
Ela fez sinal para o barman e esperou em silêncio que uma garrafa de vodca
fosse deslizada na frente dela, como se Kane não estivesse subitamente vibrando com
impaciência.
— Isso é dele. — disse ela, indicando com o polegar na direção dele.
Sabendo que as Harpias não podiam comer ou beber qualquer coisa sem roubar
ou ganhar, jogou algumas notas em cima do balcão sem reclamar.
— A qualquer momento seria ótimo, Tal.
Ela bebeu direto da garrafa, limpou a boca com as costas da mão e olhou para
ele com uma expressão impassível.
— Há uma Phoenix perseguindo sua Fae. Seu nome é Petra e ela é uma pequena
troll cruel.
Não era exatamente uma notícia.
— Então, como é que você sabe disso?
— Você se lembra quando minha amiga Neeka, A indesejada, foi dada à Phoenix,
mesmo sendo uma Harpia, para salvar minha irmã? Bem, a pequena Neeka continua
roubando de diferentes clãs… todo mundo quer um pedaço dela, o que é tão
maravilhosamente irônico, considerando seu nome. Ela fica entediada entre viagens e
espionar para mim. Eu sabia que a coisa sobre Petra seria importante para você
porque minhas irmãs me contaram sobre o seu encontro com a Fae.
Sabin e Strider eram bichas tão tagarelas.
— De qualquer forma — Taliyah continuou — o resto da informação vai te custar.
Ele arqueou uma sobrancelha, dizendo:
— Quanto? — Seja qual for o preço, pagaria por ela.
— Eu quero a fortaleza do reino de Sangue e Sombras.
A monstruosidade de nove mil metros quadrados por algumas palavras? Uma
troca justa, na sua opinião. Ele não tinha certeza se seus amigos concordariam.
— Há um problema. O lugar não é meu para dar.
Taliyah bebeu o resto da garrafa com uma graça comparada por poucos.
— É uma pena. Teria sido bom fazer negócios com você, Kane. Vejo você por aí.
— Ela se afastou dele sem dizer uma palavra.
Insensível. Como sempre.
Kane entrou em ação, arrastando-a de volta para o bar — e ela deixou. Tinha
mais em jogo do que queria que ele acreditasse então.

56 | P á g i n a
— É sua. — ele disse a ela. — A fortaleza é sua. Quando você quer?
Olhos azuis invernais brilharam triunfantes.
— Em três meses e dois dias a partir de agora. Nem mais cedo, nem mais tarde.
—Tudo bem. Eu mesmo vou expulsar meus amigos.
— Até mesmo minhas irmãs?
— Não. — ele disse, pensando que era o que ela queria ouvir. — Elas podem...
— Não tem mais trato. Desculpe. — Ela foi embora novamente e mais uma vez
teve que arrastá-la de volta.
— Tudo bem. — ele se apressou. — Vou expulsá-las também. Elas querem ficar
com seus maridos, de qualquer maneira.
Ela assentiu com a cabeça, satisfeita.
— Por que você não pode ficar lá com todo mundo? — ele resmungou. Ela ficou
antes.
— Você não vai contar a ninguém que estou lá. Conte e vou caçá-lo. Raças
imortais falarão sobre as coisas que vou fazer em suas entranhas durante séculos.
Harpias, cara. Elas realmente tinham força e estômago para suportar suas
ameaças, e era um infortúnio sério quando as mulheres não estavam do seu lado.
—Por que você precisa da fortaleza?
— Não é da sua conta. Agora, quer a informação que tenho ou não?
— Quero.
— Ok, então, aparentemente, um Enviado. Thane, acho que o nome dele é esse,
de repente apareceu em um dos campos da Phoenix algumas semanas atrás. Ele teve
um ataque de fúria e matou vários guerreiros. Um deles era o rei. O Enviado acabou
por ser subjugado e um novo rei assumiu o trono. Este novo rei foi finalmente capaz de
reivindicar a mulher que desejou por séculos — a esposa do rei morto.
— O que isso tem a ver com a história?
— Estou chegando lá. O novo rei tomou a viúva como sua concubina, mas apenas
alguns dias mais tarde, essa Petra matou a garota. Como castigo, foi lançada para o
Sem Fim. E agora que Petra está à solta, o novo rei a quer de volta. Tipo,
ardentemente. As coisas que vai fazer com ela quando encontrá-la... vai ser lenda...
espero por isso... simplesmente perfeito. Ah, e a concubina era irmã de Petra. Ou seja,
não há nenhuma linha que esta troll não vá atravessar. Se sua Fae está no seu radar,
ela está em apuros.
Ele iria encontrá-la primeiro.
O vidro quebrou em sua mão, cortando sua pele.
Demônio estúpido.
Ele limpou as feridas com um guardanapo.
Esperou, mas Taliyah não disse mais nada.
— Isso é tudo que você tem pra mim?
— Como se Neeka fosse uma pobre espiã. Estava apenas esperando você digerir
isso. E aí, entender. Petra foi vista comprando uma chave para Séduire.

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Séduire. O reino dos Fae, embora muitos humanos vivessem ali, localizado em
um reino entre reinos. Alguns imortais podiam se transportar para lá, movendo-se de
um espaço a outro com apenas um pensamento. A maioria não conseguia. Kane estava
entre os que não podiam, assim, para pessoas como ele, uma chave especial era
necessária para abrir uma das portas invisíveis.
— Se esta Petra está seguindo o cheiro de Sininho e comprou uma chave, é
porque Sininho deve ter retornado para Séduire. — Kane disse, pensando em voz alta.
Finalmente tinha uma localização.
— Sininho?
Desastre rosnou.
William deslizou para o assento ao lado dele, poupando-o de ter que responder.
O guerreiro estava sem sua mulher aleatória usual (ou seis) e carrancudo.
— O que está fazendo aqui Bruxa de Gelo, e como nos encontrou? Estamos em
umas férias só de garotos.
Taliyah revirou os olhos.
— Apenas respondendo a essas perguntas para Kane e não farei novamente para
gente como você. O que é uma maneira de dizer “Olá, Homem Galinha”.
Assim. Os dois se odiavam agora. Interessante.
William olhou para ele e Kane podia ver a emoção depositada em seus olhos.
— Você vai deixá-la falar assim comigo? Eu deveria arrumar minhas malas e
deixá-lo.
— Eu deveria ter tanta sorte. — Kane sinalizou para outro uísque. O copo
quebrou enquanto bebia o líquido dentro dele e engasgou com um caco. Tossindo
sangue, ele se levantou. — Tenho que encontrar uma chave. Não me ligue se precisar
de mim.
O que você está fazendo? Desastre perguntou. Não deixe a Harpia. Ela é minha.
Eu a quero.
Taliyah estendeu a mão e agarrou seu pulso. Ele... não sentia dor, percebeu, e
nem desejo, nada. Aparentemente o toque de qualquer uma o afetava como o de
Sininho.
— Lembre-se do que eu disse.
Sim. Lembrou-se. Ninguém poderia saber que ela queria a fortaleza.
— O que você disse a ele? — William perguntou. — Pode muito bem confessar.
Vou perturbá-lo se não o fizer.
Kane revirou os olhos, sabendo que estaria se esquivando do irritante William
cutucando-o por semanas, mas foi embora antes da Harpia poder responder e jamais
olhou para trás.

***

No momento que estava fora, Kane pegou seu celular. Ontem ele tirou uma foto

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da pintura de Danika e salvou a imagem como papel de parede.
Nela ele estava de joelhos com lágrimas escorrendo pelo rosto, mãos levantadas
para o céu. Uma mulher loira deitada diante dele, um buraco do tamanho de seu
punho queimado no seu peito. Seu rosto estava virado para longe dele, então não
tinha ideia de quem era... e não tinha certeza se queria saber.
A pintura era um problema que teria de esperar.
Ele ligou para todos os contatos no mercado negro que tinha, querendo comprar
uma chave para Séduire. Também precisava de um guia, já que não tinha ideia de onde
encontrar uma porta. Mas uma chamada após a outra se mostrou infrutífera. Ninguém
foi capaz de ajudá-lo.
Um senso de urgência o tomou e andou em direção aos becos escuros cerca de
um quilômetro do clube. Lá imortais estariam vendendo seus produtos. Drogas. Sexo.
Qualquer coisa e tudo mais. Mesmo que não pudesse encontrar uma chave, poderia
encontrar alguém que conhecia alguém com os contatos para ajudá-lo.
Uma névoa branca e espessa de repente rolou, e ele fez uma pausa. Através da
densidade podia distinguir a forma de uma... mulher? Oh, sim, definitivamente uma
mulher. Ela deslizou em direção a ele, e podia ver que estava usando um vestido
branco brilhante. Cabelo escuro e longo caindo sobre o ombro delicado, lembrando-o
de...
— Sininho? — ele perguntou, chocado até o âmago.
Desastre bateu contra seu crânio.
Kane correu para ela, tentou agarrá-la, apesar da dor que poderia sofrer, o
desejo que não queria e tudo o que ela fizera para ele na floresta, mas suas mãos
passaram através dela.
Seus olhos estavam brancos como a névoa e tão luminosos como os diamantes
mais caros.
— Você poderia, por favor, parar de me chamar assim? — Disse ela exasperada.
Tão estranha quanto parecia, a normalidade de sua voz o surpreendeu.
— O que está acontecendo? Você está... morta? — Até mesmo proferir a
pergunta o fez querer matar alguém.
— Não estou morta. Estou simplesmente projetando minha imagem em sua
mente.
Alívio foi como uma chuva suave, apagando a raiva brotando... e a tristeza
esmagadora que não queria explorar.
— Exatamente quantas habilidades você possui, mulher? E o que exatamente fez
pra mim naquela floresta?
— Não há tempo para isso. Estou enfraquecendo e deve se apressar.
Enfraquecendo? Em um piscar de olhos, a raiva voltou.
— Por quê?
— Não importa. Escuta, Senhor Kane. Eu sei que não sou sua pessoa favorita no
momento, e provavelmente não confia em mim, mas por favor, acredite em mim

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quando digo que você está em grave perigo.
Ele. Não ela. Melhor.
— Mais perigo do que o habitual? E não me chame de Senhor Kane. Não preciso
de um título. — Não dela. — Sou apenas um homem. — Seu homem.
O pensamento acertou-o com a força de um tsunami e cerrou suas mãos em
punhos. Seu corpo estava de repente duro como uma pedra, pronto para provar a
alegação, para despi-la e tomá-la como desejava fazer na floresta. A tentação que
encontrou era tão excitante quanto assustadora.
Não pode tocá-la.
Mas se pudesse...
O que ela faria? Como reagiria?
Como ele reagiria?
Será que sua pele era tão suave quanto parecia? Será que suas curvas criariam o
berço perfeito para ele?
A poucos metros de distância, a tampa de uma lata de lixo se abriu. Quando o
vento alcançou, detritos impulsionaram em direção a Kane, com quase toda certeza,
cortesia de Desastre.
Sininho bateu o pé.
— Não consigo me concentrar quando você me olha assim. — disse ela.
— Assim como?
— Como, eu não sei como descrever. É como se quisesse me estrangular ou algo
assim.
Ou só quisesse colocar as mãos nela. Mas captou o que ela estava dizendo, sabia
que seu desejo estava enredado com a escuridão.
Acenou com a cabeça, com vergonha de si mesmo.
— Vou parar.
Ela lambeu os lábios e disse:
— O meu povo sabe que está me procurando, e agora eles estão caçando você.
— Sua família Fae ou seus entes humanos?
— Fae.
— É com eles que você está agora? — Ele perguntou querendo verificar a
informação que Taliyah lhe dera.
— Sim. Não sei o que você já ouviu falar sobre a raça, mas os Fae podem ser
brutais, sanguinários e sem um pingo de compaixão. Eles vão transportá-lo diante do
rei e vão condená-lo à morte apenas por olhar para mim. Não importa como
deslumbrado ele é por você!
Ele não tinha certeza do que o comentário sobre deslumbrado queria dizer e não
perderia tempo tentando descobrir.
— Por que ele iria querer me matar? — A única resposta viável bateu nele e a
calma patente de um predador tomou conta dele. — É sua amante?
Ela bateu o pé.

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— Você está falando sério?
— Responda. — As palavras não eram nada mais do que um silvo.
— É claro que não sou sua amante! Que perspectiva nojenta!
Kane relaxou... e não tinha desejo de refletir sobre por que reagiu com tanto
fervor no pensamento dela com outro homem quando não estaria tomando-a para si.
— Fui caçado por pessoas brutais e sanguinárias antes.
— Sim, eu sei, mas os Fae são dotados de habilidades especiais. Como, por
exemplo, causar-lhe dor com apenas uma palavra.
Como a dor que lhe causou? Mas então, ela nunca precisou falar para ele sentir.
— Você pode fazer isso?
— Não, mas meu irmão pode. — disse ela.
— Você pode projetar sua imagem, bem como arrancar os demônios das
pessoas.
O queixo dela caiu.
— Então foi isso que aconteceu. Tomei seu demônio?
— Quer dizer que você não sabia?
Ela enganchou várias mechas de cabelo atrás da orelha, a ação feminina, doce e
de alguma forma mais erótica do que o strip-tease de outra mulher, e se não
conseguisse seus pensamentos e seu corpo sob controle agora, ele se autodestruiria.
— Eu tomo habilidades e força por algumas horas, talvez alguns dias ou semanas
— disse ela —, mas não... isso. Nunca nada parecido.
— Você pode. Você fez. Deve tomar fraquezas também. — E isso é exatamente o
que o demônio era. — Não faça isso de novo. — afirmou categoricamente. Sua vida
era tão miserável que ela queria morrer. Quanto pior seria para ela com Desastre por
aí? E se ficasse presa com a criatura para sempre, ao invés de temporariamente? Isso
era possível?
Kane não queria que ela se arriscasse. Esta garota era... ele não sabia o que era
para ele. Só sabia que não podia suportar a ideia de seu sofrimento.
O nariz se ergueu, fazendo-a parecer mal-humorada e rebelde e totalmente
adorável.
— Não tenha ideias a respeito de me salvar. Vou fazer o que quiser, quando
quiser.
Ela me quer.
O chão rachou sob seus pés. Ele não se importou.
— Você pode controlar a habilidade? — As palavras saíram como um resmungo
dele.
— Eu não sei. — admitiu em voz baixa. — Nunca testei meus limites com as
pessoas que eu não queria tomar emprestado. — Seu olhar abaixou para os lábios
dele, e ela passou de um pé para o outro.
Ela não está pensando em me beijar. Não pode estar pensando em me beijar.
— Você precisa de contato pele-com-pele?

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— Sim.
— Vou te ajudar com isso também.
Seus olhos brilharam, as nuvens desenrolando para revelar oceanos infinitos
apoiados pela gloriosa luz do sol. No entanto, o brilho não durou muito tempo. Ela
franziu o cenho e as nuvens voltaram.
— Você não pode me ajudar, Kane, não sem se colocar em perigo. Então, vai me
ouvir e querer se preparar para a batalha ou correr por sua vida?
— Não para as duas coisas. Por que o rei dos Fae quer me matar por procurá-la?
Ela estava desesperada para argumentar, podia ver isso em seus olhos
apertados. Mas deve ter percebido que era teimoso o suficiente para esperar a noite
toda por respostas, e simplesmente desordenado o suficiente para se aproximar
fisicamente da próxima vez que estivessem realmente juntos.
Sem dizer o que aconteceria em seguida.
— Ele sente que deve eliminar qualquer pessoa que correria o risco de me tirar
do reino.
— Será que ele pretende me levar para o reino ou me executar imediatamente
onde quer que eu me encontre?
— No reino. Ele gosta de assistir.
Bom.
— Estou contente que estejam vindo.
— Você está feliz? — ela ofegou.
— Eles vão fazer o trabalho por mim.
Ela gaguejou por um momento antes de finalmente decidir por um caminho
verbal.
— Que trabalho?
— Encontrar você. Eu vou, você sabe. — Uma promessa.
Que veio com um desejo afiado.
A rachadura no solo aumentou, deixando Kane a vários metros.
— Eu te disse para não... argh! Kane, não seja tolo! Por favor.
O som de passos chamou sua atenção. Em estado de alerta, empunhou uma
adaga e olhou em volta, mas tudo que viu foi mais nevoeiro e lixo. Em seguida, três...
não, cinco... não, oito corpos irromperam, parando a poucos metros de distância dele.
— Eu o encontrei. — uma forte voz de homem disse.
Se alguém podia ver Sininho, não deu nenhuma indicação.
— Mas... este é o Senhor Kane, um guerreiro do submundo. — alguém ofegou.
Murmúrios de admiração surgiram.
— Não posso acreditar nisso. Não posso acreditar que estou em pé na presença
do Senhor Kane.
Perguntas foram lançadas sobre ele.
— Vai nos contar sobre a batalha que aconteceu nos céus? Nossos homens não
puderam comparecer, por isso os detalhes são escassos.

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— Você realmente cortou o pé de um caçador e o enfiou em sua boca, só porque
chamou Cameo de abominação?
Sininho empalideceu e recuou.
— Oh, Kane. Eles encontraram você. Sinto muito. — Ela desapareceu.

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CAPÍTULO 9

Brutal? Kane pensou. Sanguinário? Dificilmente.


— Sinto sobre a necessidade disso, Senhor Kane, mas devo amarrá-lo conforme
ordenado. — O soldado pareceu aflito com o pensamento. — Vou ser morto se me
recusar.
— Faça, e nem sequer pense em ser gentil sobre isso. — retrucou o mais alto do
grupo. — E você. — disse ele a Kane. — Onde está o outro homem? Aquele viajando
com você.
— Há uma boa chance que eu o tenha matado.
Os guardas acenaram em concordância como se o conhecessem e não
esperassem nada menos. Todos, menos aquele que fez a pergunta. Ele tinha que ser o
líder. Nada mais explicaria as grandes ondas de pretensão que saltavam dele. Vou
chamá-lo de Mau Chefe Supremo.
— As algemas! — Mau Chefe Supremo proclamou e o soldado correu para
obedecer.
Kane odiava ser amarrado, preferia morrer a suportar novamente. E ainda assim
permitiu que o Fae algemasse suas mãos atrás das costas sem protesto.
Mãos... todas sobre ele...
Bocas... mordendo-o...
Unhas... arranhando-o...
Quando as memórias tomaram o centro do palco, sentiu como se milhares de
agulhas minúsculas estivessem sendo injetadas em sua pele. Um toque alto explodiu
em seus ouvidos e seu coração começou em um ritmo perigosamente rápido. Seus
pulmões contraíram, os tecidos em chamas.
Respire. Bem devagar. Dentro. Fora. Bom. Isso foi bom. E era necessário. Tinha
que chegar a Sininho e esta era a maneira mais rápida.
Mau Chefe Supremo deu um passo ao lado e acenou com a mão no ar.
Era isso, uma onda, e ainda uma porta de um reino para outro apareceu. Nas
bordas da abertura estava o tijolo vermelho do clube, o lixo e caixas de papelão.
Através da estreita abertura Kane viu uma paisagem escura com várias tochas que
revestiam uma via pavimentada. Esse caminho levava a um grande palácio imponente,
composto de mármore com veios de ouro e luminosos e brilhantes diamantes.
Os soldados formaram um círculo em torno de Kane e pediram para marchar
adiante. Em um segundo estava na cidade de caubóis, no próximo na terra dos Fae. A
noite estava fresca e úmida, as tochas emitindo pouco calor. O cheiro de mil perfumes
de flores saturava o ar e ele engasgou. O suor escorria por sua pele. Mais vaga-lumes
que ele já tinha visto em um lugar giravam e dançavam pelo céu, criando o que parecia
ser uma chuva de pingos brilhantes.
Desempenhando seu papel, ele retrucou:

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— Onde estou? Quem são vocês?
— Silêncio, Senhor Kane. — Mau Chefe Supremo não era tão alto quanto Kane,
nem tão musculoso. Nenhum deles era. — Quais eram seus planos para com a Serva
Josephina?
Serva? Por alguma razão, isso o irritou.
— Gostaria que eu me calasse ou desse uma resposta? Fico feliz por dar a ambos
uma tentativa, mas não acho que você vai gostar dos resultados.
O homem fez uma careta para ele.
Desastre rosnou dentro de sua mente. Deixe este lugar.
Foda-se.
Odeio a garota, Josephina. Quero matá-la.
Se tocá-la, eu vou...
O quê? Um de seus punhais caiu de sua bota e o demônio riu. Você quer ficar
aqui? Beleza. Mas vai fazê-lo sem suas armas. Assim que a criatura falou, outro punhal
caiu.
— Vocês parecem saber muito sobre mim, considerando que nunca os conheci.
— Kane disse, ignorando o demônio. Suas mãos eram armas suficientes.
Mau Chefe Supremo sorriu.
— Sabemos. Você é Kane, um Senhor do Submundo. Desastre. Supostamente
invencível. Perverso. O pior do pior inimigo para se ter.
— E eu toquei nele. — disse o cara atrás dele com um tom muito feliz. — Minha
esposa não será capaz de conseguir o suficiente de mim esta noite.
— Então sua mulher é uma idiota. Este homem não é nada. Nem ninguém. Veja
como conseguimos dominá-lo facilmente.
O Mau Chefe Supremo pensou que ele tinha derrotado Kane, e era isso que Kane
queria, mas ouvir o desprezo realmente irritava. Quantas vezes ele foi deixado para
trás durante a guerra com os Caçadores porque seus amigos não podiam arriscar os
danos que Desastre causaria? Incontáveis.
Kane sempre se sentiu como o elo fraco — sempre foi o elo mais fraco — e
estava cansado disso.
Ele saltou, balançando seus pés através do círculo que seus braços forneciam,
colocando seus braços na frente dele. No momento em que caiu deu uma cotovelada
no rosto do líder, quebrando o nariz do cara. Jogou o peso do seu crânio para o Fae ao
lado dele, dando uma pancada no guerreiro do lado. Ele chutou e acertou o homem do
outro lado do corpo. Quando os soldados saíram correndo aos tropeções, estendeu o
braço, agarrou e puxou o cabelo do homem à sua frente.
O homem caiu no chão e Kane pisou em seu rosto para chegar ao cara na frente
da fila, envolvendo as mãos atadas ao redor do pescoço do cara, asfixiando-o. Tudo
aconteceu tão rapidamente que ninguém percebeu o que estava acontecendo... até
então.
Os outros entraram em ação saltando em cima de Kane, mas ele chutou com

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uma perna e depois com a outra, derrubando dois guerreiros. Virou o cara que
estrangulava, jogando seu corpo em cima dos outros e lançando-os para trás.
— Dor. — ele ouviu.
E assim, a mais acentuada das dores atravessou-o. Do alto da cabeça até a sola
dos pés. Seus joelhos dobraram e ele caiu no chão com um baque pesado.
O irmão de Sininho? Ele se perguntou, lembrando-se do que ela falou.
— Isso é tudo que você tem? — Ele rangeu.
Isso valeu um conhecer-e-cumprimentar com o punho da adaga de Mau Chefe
Supremo.
Dois soldados o agarraram pelas axilas e arrastou-o para a frente.
— O Senhor Kane me bateu. — disse um deles com um sorriso. Havia sangue em
seus dentes. — Você viu?
— Melhor. Noite. De. Todas.
Mau Chefe Supremo — definitivamente o irmão de Sininho — olhou para Kane
com os olhos de um tom um pouco mais escuro de azul que o de sua irmã.
— O rei vai pedir sua morte, apesar de quem você é, e terei um imenso prazer
em entregá-la.
— Agora, por que o rei quer me matar, heim?
— Porque você ousou cobiçar a escrava de sangue da princesa.
Sininho era uma escrava de sangue, além de ser uma serva? O que exatamente
isso significava?
Kane foi arrastado até um amplo conjunto de degraus de marfim, a grade em
forma de dragão alado. No topo os guardas passaram por portas duplas abertas de
madeira escura e ferro retorcido. E em seguida Kane estava dentro do palácio. O
generoso hall de entrada tinha um piso de mosaicos e era cercado por estátuas em
tamanho natural. Paredes de veludo eram recobertas por pinturas de Faes
elaboradamente vestidos.
Ali havia outra escadaria, e após elas, um corredor longo e estreito. Câmaras
após câmaras passaram zunindo. Os guardas entraram na última — a que tinha que ser
a sala do trono.
Outros guardas circulavam, intercalados por garotas jovens e senhores mais
velhos. Cada pessoa presente tinha cabelos brancos e olhos azuis, e cada um de seus
olhos pousou em Kane. Queixos caíam. Tanto homens quanto mulheres ofegavam com
um som que não tinha ouvido desde suas últimas semanas no inferno. Êxtase.
Algumas das mulheres mais valentes aproximaram-se dele. Braços se
estenderam. Dedos roçaram nele.
Mãos, movendo-se. Línguas, lambendo. Dentes, mordendo.
Seu estômago embrulhou e quase não conteve um gemido de angústia.
Minha, disse o demônio.
Morra.
E uma outra lâmina caiu de seu corpo.

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Ele estalou os dentes em sinal de advertência para as mulheres e gritaram de
excitação.
— O Senhor Kane quase me mordeu!
— Você tem muita sorte.
— Ele é ainda mais bonito do que os escribas afirmam.
Escribas?
Mau Chefe Supremo empurrou para longe qualquer um tolo o suficiente para
entrar no seu caminho e fez sinal para seus companheiros fazerem o mesmo. Eles o
arrastaram pelo caminho, parando diante da multidão.
Kane estudou a área, capturando tudo. Havia veios de ouro que atravessam as
paredes, portas e janelas eram tecidas com o que pareciam ser feitos de pétalas de
rosa. O teto arqueado no centro e as videiras cheias de flores douradas cresciam nas
extremidades.
Abaixo havia um estrado em camadas cobertos de hera roxa, com o menor trono
situado no nível mais alto e os três tronos maiores centrados no nível abaixo.
O Mau Chefe Supremo abandonou seus homens para dar pancadas no topo
daquele estrado. Ele virou-se com um gracioso floreio e deslizou para o trono menor, e
levou um momento para Kane calcular a razão por que o cara seria autorizado a
sentar-se lá.
Ele era o príncipe.
Então... ele não poderia ser o irmão de Sininho. Poderia?
Cara. Isso não muda meus sentimentos por você. Kane se lançou para ele.
O homem mostrou um sorriso de satisfação. Pensou que tinha Kane pelas bolas.
Estava errado.
Kane o dispensou, avistando um macho e duas fêmeas deslumbrantes na sala
por uma porta lateral. Eles deslizaram para os tronos restantes, e não precisava ser um
gênio para saber que o rei, a rainha e a princesa acabaram de chegar.
O rei era um brutamontes, e surpreendentemente jovem. A rainha era pequena
e delicada, mas parecia ser alguns anos mais velha que seu marido. A princesa tinha os
cabelos por excelência Fae, todo branco, sem nenhum toque de cor e aqueles olhos de
um azul infinito. Seu corpo pequeno e frágil foi espremido em um vestido vermelho
corajoso. O corpete caia baixo o suficiente para revelar a tatuagem entre os seios,
uma... ele respirou fundo.
Uma mariposa. Como a dele.
Ela era... você tem que estar brincando comigo. Como?
Ela estava possuída por um dos demônios de Pandora. Mas qual? E como o
conseguiu?
Tinha um pressentimento muito ruim.
Antes de ser possuído, Kane foi soldado do exército de Zeus e trancafiou muitos
dos prisioneiros no Tártaro; os demais golpeou com a cabeça. Não havia nenhuma
maneira que a princesa estivesse dentro da prisão quando os demônios da Caixa de

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Pandora foram libertados e o que sobrou distribuídos entre os detentos. Então, como
ela veio a ser possuída? E que demônio a afligia?
A mesma porta que a família real usara foi aberta novamente, e desta vez uma
menina de cabelos escuros foi escoltada para dentro. Parte de Kane queria continuar
olhando para a princesa, tentando desvendar o mistério dela, mas o perfume de
alecrim e hortelã flutuou para ele e seu corpo reagiu como se tivesse acabado de ser
despido e acariciado.
Apenas uma fêmea tinha aquele cheiro — e aquele efeito.
Ele voltou sua atenção para a recém-chegada com enfoque laser. Ela estava suja,
machucada e esgotada — e seu coração quase parou. Era Sininho.
A vontade de ir até ela o consumiu e deu um passo adiante. Um guarda o
segurou, impedindo-o de ir mais longe. Poderia ter se libertado do seu aperto, mas
não fez.
Ela estava aqui. Estava viva. Lutar agora, antes de reunir toda a informação
necessária, poderia levá-la a se machucar muito mais severamente.
Estudou o resto dela. Seu cabelo estava enrolado em torno de seus braços,
caindo até a cintura. Sujeira listrava suas bochechas avermelhadas. Um avental
pendurava em seu pescoço e ele estava exatamente como seu vestido. Ela manteve os
olhos baixos, o medo irradiando dela.
Alguém pagaria por isso.
Teve que travar os joelhos para evitar outro impulso para a frente. Teve que
segurar as calças para se impedir de dar socos.
Quando os machos a soltaram ela caiu no chão, incapaz de sustentar seu próprio
peso, por mais leve que fosse. Seus joelhos bateram no chão, e enquanto ela gemia de
dor, apoiou-se com as mãos, fazendo com que o tecido de seu vestido subisse,
revelando os pulsos. Vergões vermelhos irritados marcavam sua pele. Ela foi
aprisionada.
Sininho. Acorrentada.
Alguém pagaria severamente.
Esqueça as informações. Ele deu um passo em direção ao palanque, indo para o
rei. Desta vez, foi golpeado na parte de trás da cabeça.
Ele ouviu um murmúrio:
— Eu sinto muito, Senhor Kane.
Rosnando, girou e bateu com as mãos unidas na mandíbula do culpado. Osso
estalou... e não de Kane.
Um uivo de agonia dividiu o ar.
O resto do regimento se impulsionou em ação. Venham. Ele tinha violência
suficiente reunida em suas veias para derrubar um bando de animais raivosos.
— Basta! — Uma voz trovejou.
Todo mundo parou e silenciou.
— Diga-me o que está acontecendo.

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O olhar de Kane pousou no interlocutor. O rei. Feições contorcidas de raiva que
prometiam liberar morte e destruição.
Tanto faz. Kane receberia suas informações, afinal.
O guarda à sua esquerda se curvou.
— Meu soberano, esse é Kane, um Senhor do Submundo e o detentor de
Desastre. É aquele que vem perseguindo a Serva Josephina.
Atrás dele, murmúrios selvagens surgiram. O olhar de Sininho subiu e caiu sobre
ele. Seus olhos arregalaram e ela balançou a cabeça, murmurando, "Fuja".
Ele estalou sua mandíbula. Estou aqui querida, e não vou a lugar nenhum sem
você. Acostume-se com isso.
Excitação dançava nos olhos do rei.
— Como desejávamos conhecê-lo, Senhor Kane. — Para o guarda, disse: — Solte
nosso convidado de honra. Agora.
As amarras foram imediatamente cortadas. Kane esfregou os pulsos.
— Tenho que perguntar o que quer com a Serva Josephina, Senhor Kane. — o rei
continuou mais cauteloso. — Ela é uma... responsabilidade especial nossa.
— Talvez eu gostaria de comprá-la. — Se era uma escrava estava à venda,
especial ou não. E se tivesse que ir por esse caminho para tirá-la dali e começar sua
nova vida, bem, ele consideraria uma bênção.
— Nós vamos dar-lhe tudo o que desejar... exceto ela. — disse o rei. — Eu nunca
venderia a minha filha.
A rainha bufou com desdém.
— Só um tolo iria querer uma mulher feia, tão miserável.
Kane fez uma careta para ela.
Desastre foi rápido em concordar.
Espere. Confirmando. Sininho era filha do rei? A princesa? Mas por que estava
vestida como, tratada como...
Sangue. Escrava. As palavras rolaram pela sua mente e mais peças do quebra-
cabeça finalmente deslizaram no lugar, pequenos pedaços de informação que pegou e
juntou ao longo dos séculos. Sininho era de sangue real, mas apenas parcialmente.
Portanto, era qualificada para suportar o castigo imposto aos de sua família.
Sempre que a princesa "real" cometia um crime, Josephina era quem era punida
por isso. Ela teria sofrido açoites, espancamentos, apedrejamentos, e provavelmente,
milhares de outras coisas que não podia sequer considerar. Foi por isso que ela acabou
no inferno.
Oh, Sininho. Pobre e doce Sininho. As coisas que ele sofreu durante as piores
semanas de sua vida, ela sofreu por toda a vida. Não era à toa que ela queria morrer.
A mandíbula de Kane apertou, a única razão pela qual foi capaz de silenciar o
vomitar de maldições preparadas na parte de trás de sua garganta. Não, o rei nunca
iria deixá-la ir. Por preço nenhum. Nem por qualquer razão.
Não vou deixá-la ir por qualquer preço ou por qualquer razão também.

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Oh, realmente? Perguntou Desastre.
O Fae ao lado de Kane tropeçou, caindo contra dele, derrubando-o de lado.
— Eu sinto muito. Não sei o que aconteceu. — disse o homem balbuciando.
Kane se endireitou.
— Ele é tão bonito. Mais do que jamais imaginei. E é igualzinho a mim! — A
princesa bateu palmas, exclamando: — Eu o quero, papai. Por favor? Por favor! Dá ele
para mim!
O rei endureceu, só para relaxar um pouco depois. Olhou para Kane com a intriga
e as engrenagens do seu cérebro se movendo claramente em uma direção que Kane
não gostaria.
— Realmente acho que o pensamento de juntar nossa família a do Senhor Kane
fascinante.
Não. Ele não gostou. Em qualquer outra situação, a ameaça o teria enfurecido. A
violência teria se seguido.
— Você nos dará a grande honra de casar com nossa filha, a princesa Synda. —
disse o rei, uma declaração ao invés de uma pergunta.
Gostava ainda menos.
Mas tudo bem. Tudo bem. Kane precisava ficar neste reino tempo suficiente para
planejar uma fuga para Sininho. Se concordasse com um casamento, podia ser
permitido correr livre pelo palácio. Se não o fizesse, teria que lutar contra o exército a
cada segundo de sua estadia.
— Claro. — disse com um aceno de cabeça. — Tudo bem. O que quiser. Vou
casar com sua filha. — Não casaria com ninguém. — Mas Sinin... Josephina não pode
ser machucada enquanto eu estiver aqui.
Mais murmúrios deslizaram pela sala. Tentou entender o sentido das palavras,
mas não pode.
O rei bateu os dedos contra o eixo de seu cetro.
— Gostaríamos demais de satisfazer seu pedido, Senhor Kane, mas um crime foi
cometido na noite passada e um preço deve ser pago. É por isso que a Serva Josephina
está aqui.
— Qual o crime?
— A Princesa Synda foi pega com o filho do açougueiro, um homem muito abaixo
do seu posto. Pior ainda, um humano.
— Então castigue a Princesa Synda. — Problema? Conheça a solução.
Um aceno de cabeça do rei, firme e seguro.
— Não é assim que fazemos as coisas por aqui, Senhor Kane. Desde a desova de
nossa raça, os escravos de sangue ajudaram a garantir o bem-estar da família real.
— Estou vendo. — Os escravos de sangue também ajudaram a garantir a
maldade da família real. — E qual será o castigo de Josephina pelo crime de Synda?
— A serva Josephina será evitada por um mês. Qualquer pessoa que falar com
ela será morta.

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Melhor do que poderia ter esperado. Ainda assim, Kane ergueu os ombros e
firmou suas pernas, preparando-se para a batalha.
— Bem, então temos o nosso primeiro problema real. Eu vou falar com ela e isso
é inegociável.
Olhos cristalinos se estreitaram.
— Muito bem — disse o rei depois de alguns momentos de pensamento —, mas
você vai ser chicoteado por cada palavra.
— O quê? — Alguém no meio da multidão disse ofegante.
— Não. Não o Senhor Kane! —Outro gritou.
— Não. — Sininho resmungou.
Kane cortou-a com um olhar penetrante. Silêncio.
Ela balançou a cabeça, o cabelo escuro deslizando sobre os ombros, dizendo:
— Não faça isso.
Ainda ficou olhando para ele, mesmo tendo falhado tão miseravelmente com
ela. Sua determinação se intensificou. Para o rei, ele disse:
— Nunca vou me submeter voluntariamente a tal punição. — Iria enfraquecê-lo,
e precisava de cada gota de força que conseguisse reunir. — Duvido que possa me
forçar... — Exceto Mau Chefe Supremo e sua habilidade, mas em seguida Kane poderia
remover sua língua e esse problema seria resolvido, também. — E os homens que
tentarem vão pagar um preço muito caro.
Atrás dele, uma mulher desmaiou.
A princesa espalmou a mão sobre o coração e sorriu.
— Ele é tão maravilhosamente feroz. Em quanto tempo o casamento pode ser
planejado?
— Excelente pergunta. Vamos nos certificar que será realizado até o final do
mês. Isso nos dá dez dias. — O rei bateu com o cetro no chão de mármore com tanta
força que rachaduras se formaram em ambos. — Agora. Todo mundo vai voltar às suas
funções. E você. — rosnou para Kane. — Vai se juntar a mim em meus aposentos.

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CAPÍTULO 10

Josephina esfregou um pano pra lá e pra cá no corrimão já praticamente limpo


da escadaria superior e se surpreendeu que o pano não ficasse escuro... qualquer que
fosse o material. Parecia com a luz das estrelas e nuvens. Um lustre pairava acima dela,
as séries giratórias de opalas, safiras e esmeraldas presas a nada além de ar, lançando
manchas de arco-íris em todas as direções, até o chão abaixo e suas muitas histórias.
Eu gostaria de poder pular.
Estúpido Kane. Ele deveria tê-la matado quando teve a oportunidade. Agora,
ela o faria desejar que ele tivesse. Sim. Gostava desse plano.
Como ele se atreve a concordar em se casar com a princesa Synda?
Synda mentiria para ele, e traí-lo. O desejo da menina sempre queimava, mas
morria rapidamente. Ela roeria Kane e o cuspiria, e não existiria nada dele senão ossos.
Ossos que Josephina arriscara sua vida para salvar.
Como é que poderia querer aquela garota? Como não podia ver além do seu
rosto bonito?
Estúpido, estúpido, cara estúpido! Josephina bateu o pé. A raiva era mais fácil
do que se machucar mais ainda com outra rejeição.
No momento em que ele concordou com o casamento, algo dentro dela tinha
rompido. Emoções sombrias derramaram-se para fora. Ela quase quebrou e soluçou.
Ela quase gritou: “Ele é meu! Todo meu!”
Mas ele não era dela, e nunca seria.
Ela, no entanto, poderia ser dele.
Será que Tiberius a entregaria a Kane, pensando que o guerreiro iria puni-la, em
vez de sua nova linda esposa quando ela se comportasse mal? Será que Kane
realmente a puniria? Se ele fizesse... as unhas rasparam de encontro ao pano.
Não vou apenas fazê-lo desejar que eu tivesse morrido. Vou fazê-lo desejar que
ele tivesse também.
Seu queixo tremia e ela fungou.
— Eu quero falar com você, Sininho. — uma voz masculina anunciou.
Sacudindo-se de seus pensamentos coléricos, Josephina percebeu quando Kane
ficou jutamente ao lado dela. Havia dois guardas atrás dele, o cuidado de desviar o
olhar dela, evitando-a corretamente, o tempo todo vigiando sua obrigação e ouvindo
descaradamente.
Kane tinha acabado de falar oito palavras para ela. Ou seja, acabou de ganhar
oito chicotadas. Josephina queria que ele sofresse, mas não dessa forma.
— Vá embora. — disse ela, enxugando os olhos com as costas da mão.
— Dê-nos um pouco de privacidade. — ele disse aos guardas.
— Qualquer coisa para você, Senhor Kane. — A dupla correu para o outro lado
do corredor.
— Você sabe que não está autorizado a falar comigo. — disse ela. — Ninguém
está.
— Quer que eu perca algumas palavras dizendo a você que eu faço o que
quero, quando quero? Porque vou. Não me importo.
Trinta e duas chicotadas. Tudo pra nada!
— Cale-se, homem estúpido.
Seus lábios se contraíram nos cantos, a luta por divertimento confundiu-a. Ela

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tinha acabado de insultá-lo, mas estava lutando contra uma risada? Nunca vou
entender.
— Seus olhos estão de volta ao normal, pelo menos. — disse ela.
Ele tateou a pele abaixo deles.
— Eles estão?
Trinta e quatro. Ela assentiu, esperando que seu silêncio encorajasse o dele.
Aqueles olhos castanhos deslizaram pelo seu corpo, queimando-a em todos os
lugares que tocava.
Seriam as suas costas, a sua dor angustiante, se ele não queria se ajudar, ela
não estava tentaria fazer isso por ele.
— Sim. Então? Por que se importa? Você é um homem comprometido!
— Eu não quero te ver machucada.
E no entanto, nas últimas horas, ele conseguiu magoá-la pior do que todas as
suas chicotadas juntas.
— Me deixe em paz, certo? Você não é a estrela do rock que pensei que fosse.
Ele se encolheu.
— Lamento decepcionar você, mas tudo que fiz desde que te encontrei na
floresta fiz por você.
Belas palavras, nada mais. Ele viu Synda e a quis, como qualquer outro homem,
e não tinha nada a ver com Josephina.
Eles se entreolharam em silêncio. Ele se elevava sobre ela, tão intenso e
selvagem como um homem podia ser, e sentiu-se pequena em comparação... cercada
por sua masculinidade absoluta. Presa.
Mas era uma bela gaiola.
Seus membros começaram a tremer. Sua respiração acelerou e percebeu que
ele cheirava à floresta onde a tinha encontrado. Pinheiros e gotas de orvalho, limpo e
imaculado das fragrâncias enjoativas que preferiam os Opulens. Já não havia qualquer
sinal de rosas que ela havia cheirado no quarto de motel.
Durante a fuga, ela fizera um pouco de pesquisa. Aparentemente, quando um
imortal estava perto da morte ele começava a cheirar a rosas.
Quão perto esteve Kane?
E por que ela estava longe de alcançá-lo, para achatar as palmas das mãos
sobre o peito, sentir seu calor e sua força, para se assegurar de que ele estava aqui e
era real e oh doce misericórdia, seu sangue estava aquecendo e seus lábios
formigando, como se estivesse se preparando para sua sedução. Ele não era seu amigo
ou seu namorado ou até mesmo um pretendente.
Enrijecendo, ele cruzou os braços sobre o peito, claramente esperando que
ela... o quê?
— Eu não sei o que você quer de mim, Kane.
— Então somos dois. — respondeu ele sombriamente, raiva disparava de seus
olhos. Frustração apertou sob a pele, e determinação repuxava seus lábios. Ele deu um
passo à frente e ela deu um para trás, até que o corrimão deteve qualquer recuo. —
Sabe o que quer de mim?
— Sim. — ela sussurrou. — Sua ausência. — Antes que eu quebre.
— Eu não acredito em você. Acho que quer alguma coisa... acho que você me
quer. A maneira como me olha às vezes...
— Não. — ela disse sacudindo a cabeça.

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— Acredito que já conversamos sobre esse olhar.
— Eu não quero você. — ela resmungou.
— Há uma diferença entre não querer um homem e não estar querendo um
homem. Qual é para você, Sininho?
Ela engoliu em seco. De jeito nenhum responderia a isso.
Kane colocou uma mão à sua esquerda e uma à direita, mantendo-a cativa.
Tremores quase a fizeram balançar.
— Você me faz sentir... você me faz sentir… — disse ele em voz baixa,
ferozmente —, e não gosto disso. Quero que isso pare. Agora.
Pela primeira vez desde que o conheceu, ele a assustou. Havia uma intensidade
nele que nunca percebeu antes, um clima de perigo descontrolado.
— Não sei sobre o que você está falando.
Ele a encarou, enlaçando-a, puxando-a ao mesmo tempo em que se afastava
dela.
— Não sabe? — Mil carícias na escuridão esperavam na suavidade de sua voz.
— Eu... eu...
Um segundo se passou. Outro e mais outro. Nenhum deles se moveu. Eles não
falaram. Só se olhavam. De alguma forma, aqueles segundos em suspensão eram mais
íntimos do que qualquer outra coisa que ela já tinha experimentado. Mais...
eletricamente carregado.
Ela achatou suas mãos no peito dele como rocha sólida, maravilhou-se com a
força que ele demonstrava.
— A-afaste-se. — Os batimentos cardíacos dele eram uma agitação selvagem,
assim como os dela. Foi um choque. Uma revelação.
E um prazer.
Ele cambaleou para longe dela, quebrando a conexão, destruindo a carga
elétrica.
Era o que ela queria. Mas odiava estar sem ele, percebeu.
— O que você e o rei discutiram? — ela perguntou tentando não se importar,
mas se importando de todo jeito.
— Você quer dizer que o seu pai?
Os ombros dela levantaram no encolher mais casual que conseguiu.
— Eu sou o que ele diz que sou.
Kane estendeu a mão como se fosse acariciar seu rosto. Suas mãos cerraram
um pouco antes do contato e caíram.
— Nós bebemos um pouco de uísque, fumamos alguns charutos e discutimos
alguns detalhes de um baile de noivado a ser realizado em minha honra. Jogamos
xadrez. Eu ganhei. Ele fez beicinho.
Um baile. Um baile onde Josephina teria que trabalhar mais. Seria forçada a
organizar, então servir alimentos e bebidas aos convidados. As mulheres colocariam os
narizes para o ar para ignorá-la, e os homens se esqueceriam de sua aversão por ela,
apalpariam seu traseiro e talvez até tentassem puxá-la para os cantos escuros. Ela teria
que colar um sorriso no rosto e fingir que estava tudo bem em seu mundo muito
sombrio.
Enquanto isso, Kane estaria mimando a já mimada princesa Synda. A injustiça
disso fechou sua garganta, dificultando a respiração.
— Você tem sorte de estar vivo. — disse ela rigidamente. — Tiberius é o pior

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perdedor de todos os tempos.
Ele fez um gesto displicente às suas palavras.
— Vamos falar sobre sua irmã.
Já estava obcecado. O ciúme bateu nela. Ciúme e muita mágoa, não tinha
certeza de como ainda estava de pé.
— O que quer saber?
— Ela é uma possuída, não é?
— Sim. Seu marido era o guardião da Irresponsabilidade e depois que ele
morreu...
Os lábios de Kane arreganharam deixando seus dentes à mostra e um silvo
escapou dele.
— O que há de errado? — Ela perguntou, irritada com uma onda avassaladora
de preocupação por ele.
— O marido dela estava possuído por... Irresponsabilidade, você disse?
— Correto. Durante vários séculos, ele foi prisioneiro do Tártaro. Morreu
enquanto... você sabe... com Synda, e de alguma forma ela acabou com o demônio. É
por isso que nossa raça tem estudado você e seus amigos tão intensamente. Bem, uma
das razões.
Ele passou a mão pelo cabelo.
— Isso não poderia ficar pior. William tentou me avisar, disse que eu teria que
fazer escolhas, mas pensei... esperava... e ela é loira, exatamente como a menina na
pintura e... bem, não importa. Aconteceu. Ela é quem ela é. Vou lidar com isso. Vou
descobrir as coisas. De alguma forma.
Ele balbuciava e ela não tinha ideia de como decifrar.
— O que está falando?
Mais uma vez, ele fez um gesto como se aquilo não importasse.
— Você nos estudou, foi o que disse?
— Bem, sim.
— Você diz, nós, eu e meus amigos?
— Quem mais?
— Como?
— Tem certeza que quer a verdade?
— Tenho.
— Espiões Fae têm seguido vocês por séculos. Eles voltam e relatam, e livros
são publicados e vendidos em todo o reino.
— Espiões. — afirmou categoricamente. — Livros.
— Fotos são tiradas. Discussões acontecem. Fã-clubes se encontram.
Embora seu olhar permanecesse nela, sua cabeça caiu com o queixo quase
encostando no esterno.
— Você é membro de um fã-clube?
— Claro que sou.
Ele arqueou uma sobrancelha, um comando para que oferecesse mais detalhes.
Ela fez. Felizmente.
— Eu pertenço ao Me Toque Torin. — Ela suspirou sonhadora. — Ele é tão
gentil e carinhoso, sempre protegendo aqueles que o rodeiam.
Kane agarrou-a pelos braços, empurrando-a para a linha dura de seu corpo. No
momento em que percebeu o que tinha feito, colocou-a de volta no lugar, longe dele,

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e baixou as mãos murmurando.
— Sinto muito.
Eu não. Toda aquela força...
Pare de desfrutar do seu toque. Pare de desejá-lo. Ele não é para você.
— Você vai ficar longe de Torin. — disse ele.
— Mas conhecê-lo é a única coisa que eu queria fazer antes de morrer.
Ele fechou os olhos como se rezando por paciência e respirou fundo.
Uma das joias penduradas no lustre acima caiu, quebrando em cima da cabeça
de Kane. Encolhendo-se, ele afastou os pedaços de seu cabelo.
— Ok, isso nunca aconteceu antes. Você está bem?
— Tudo bem. — ele sussurrou.
Sentindo-se generosa ela disse.
— Quer saber o nome do seu fã-clube?
— Não, se você não é parte dele. — disse ele, algo em seu tom de voz.
Ela não era um membro oficial, não.
— Só pra você saber, os passatempos da Synda incluem traição, causar
problemas e arruinar vidas. Você nunca vai ser feliz com ela.
— Ela te fez ser condenada ao Sem-fim, não é? — Disse. — Você. Não ela, a
guardiã da Irresponsabilidade. — Ele esfregou as têmporas. — Foi assim que acabou
no inferno.
Ele parecia estar falando consigo mesmo tanto quanto estava falando com ela.
— Sim. Há muitas aberturas para o Sem-fim, e uma é realmente em Séduire. Fui
empurrada para dentro, caí no poço por milhares de anos, mas apenas um dia se
passou aqui. O fundo é o centro do inferno, e finalmente cheguei lá.
— Mil anos. — ele murmurou. — Outro motivo para querer morrer. Você não
quer suportar tal tortura de novo.
Tortura. Tal palavra suave para o que tinha acontecido.
— Todos nós já ouvimos histórias sobre isso, mas nenhuma delas faz justiça.
Nesse poço é escuro, sem nenhum indício de luz. Silencioso. Você não pode sequer
ouvir-se gritar e implorar por ajuda. Está vazio. Não há nada para ancorá-lo. — Ela
balançou a cabeça para desalojar as memórias. — Não, não quero suportar isso
novamente.
Uma vibração estranha moveu através dele, como se mal estivesse se contendo
de cometer um ato de violência. Ele empalideceu.
— Kane?
— Estou bem. — ele murmurou. E então ele a surpreendeu, tomando sua mão,
entrelaçando os dedos, agarrando-se a ela como se fosse uma tábua de salvação. O
contato durou apenas alguns segundos, mas foi o suficiente para fazê-la cambalear.
Para esconder sua confusão... e sua incapacidade súbita de respirar... voltou
sua atenção para seu pano, esfregando o corrimão.
— Tenho toneladas de trabalho a fazer, Kane. Sinto muito, mas tenho que pedir
que se retire.
—Por que não se matar? — Ele continuou, ignorando-a. — Não que eu esteja
sugerindo que faça uma coisa dessas. Não estou, e vou fazer você se arrepender se
tentar. Estou apenas curioso.
— Eu não posso.
— Explique.

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Ela suspirou.
—Tudo o que faço para mim mesma só traz sofrimento, não a morte.
Sua testa franziu.
— O que se conseguiria ao remover sua cabeça?
— Meu corpo voltaria a crescer.
— De jeito nenhum. Um dos meus amigos foi decapitado e não havia nada que
pudéssemos fazer para salvá-lo.
— Isso não muda o fato de que vou me recuperar.
— Impossível.
Josephina olhou por cima da borda da grade e deu outro suspiro.
— Vou provar. — E no processo, fugir das sensações que ele despertava nela.
Tentando disfarçar seu medo, subiu no corrimão.
Atrás dela, podia ouvir os passos dos guardas.
Kane agarrou-a pelos braços e forçou-a a voltar para o chão. Ele estava ainda
mais quente do que antes, seu aperto tão deliciosamente firme. Sua pele estava de
repente mais sensível, formigando e dolorida. Seus ouvidos captaram cada ruído da
sua respiração quente. Seus olhos beberam na pureza de suas feições e o nariz dela se
saturou com seu perfume decadente. Sua boca encheu de água para um gosto de...
de... dele?
— Afastem-se. — ele disse. — Eu a peguei.
Os homens recuaram.
— Não preciso de uma demonstração. — disse ele com a voz tensa. — Eu
acredito em você, mesmo que pareça absurdo ou não. Ok?
Os cristais do lustre sacudiram poderosamente um segundo depois, a coisa
toda despencou do nível mais alto e caiu, caiu e caiu no chão, lá embaixo. Cacos de
vidro dispararam em todas as direções. Pessoas gritavam e corriam pra fora do
caminho.
Kane amaldiçoou baixinho.
— Não ligue para o que aconteceu. Conte-me sobre o seu problema.
Ela balançou a cabeça, porque não queria pensar sobre a bagunça que seria
obrigada a limpar.
— No entanto, se eu tentar me matar, sofro com a dor por semanas, meses,
mesmo se os meus órgãos se espalharem pelo chão. Tudo finalmente volta a crescer
ou se cura.
— Como isso é possível?
Fácil.
— Você sabe como posso absorver as habilidades de outras pessoas com um
simples toque? Bem, Tiberius pode dar habilidades para os outros. Ele transmitiu um
dom para mim.
— Mas o que você absorve não dura.
— O que ele transmite dura. — respondeu simplesmente.
Ele bateu nas têmporas.
— E a sua capacidade de invadir minha cabeça?
Voltando-se para seu pano de modo que ele não veria a súbita lágrima nos seus
olhos, ela disse baixinho:
— Foi a habilidade de minha mãe, e ela me deu antes de morrer. Acho que
permaneceu comigo porque não tinha outro lugar para ir.

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— Mas ela era humana. Como possuía uma habilidade Fae?
Uma pontada ardeu em seu coração, quando ela disse.
— Eu provavelmente deveria ter qualificado minha descrição sobre ela. Um de
seus antepassados era Fae, mas a linha tornou-se tão diluída que foi considerada
humana.
Uma pausa. Então.
— Você tem muito para viver, Sininho e não quero que procure um assassino
enquanto eu estiver aqui. Entendeu?
Ela não prometeria tal coisa e disse isso a ele com seu silêncio.
Ele se inclinou e sussurrou:
— Vou matar qualquer um a quem você pedir, e não serei benevolente. Vai
doer e eles vão pedir, e gritarão como você disse que fez no Sem-fim. Só que o
sofrimento deles não acabará tão rapidamente quanto o seu. Mil anos? Tente dez mil.
Trêmula, ela agarrou o corrimão.
— Você tem que me deixar fazer o que acho que é certo.
— Quando o que você acha que está certo é realmente errado? Não. Você é
minha, e vou cuidar de você.
Seu olhar se ergueu.
Suas bochechas coraram. A cascata de seu hálito quente parou abruptamente
quando ele se endireitou.
— Quero dizer, você é minha responsabilidade agora. Quero que viva, e bem.
Você é minha. Seu corpo veio à vida com essas palavras. Seu pulso acelerou.
Seu estômago tremeu. Cada centímetro dela tinha aquecido. Mas as sensações
fugiram com seu acréscimo. Ela era uma responsabilidade, nada mais.
— O que há de errado? — Ele envolveu uma mecha de seu cabelo entre os
dedos, fazendo cócegas em seu couro cabeludo.
— Nada. — Ela bateu no braço dele. Um momento estava quente, no próximo
frio. No próximo quente. Ele a estava confundindo, e não gostava disso.
Ele franziu a testa.
— Diga que não vai fazer nada tolo.
— Não posso fazer isso. Considero essa conversa tola, e no entanto ainda estou
participando.
Ele não se ofendeu.
— Tem que haver algumas coisas que queira fazer antes de morrer. Além de
encontrar Torin. — Com a secura de seu tom de voz, ele podia muito bem ter revirado
os olhos.
Não era algo que ela queria fazer... Seu olhar caiu sobre os lábios. Ela queria
beijá-lo. Tão intensamente. Engoliu em seco e resmungou:
— Tipo o quê? — Agora quem está quente e fria?
— Tipo... se apaixonar.
Amor. Sim. Algo que ela desejava, especialmente no escuro da noite quando os
homens chegavam a bater na porta do quarto que dividia com outras sete servas. As
mulheres sempre riam emocionadas ao serem convocadas para serem beijadas e
tocadas e talvez até mesmo mantidas depois.
— Alguma vez você já se apaixonou? — Ela perguntou.
—Não. — disse ele.
— Contudo já teve relações sexuais. Muitas. — E de repente não estava feliz

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com o pensamento.
Ele balançou a cabeça com firmeza.
— Você ouviu histórias sobre isso também, eu acho.
— Algumas. — Mas os espiões só testemunharam seus encontros públicos. Ela
se perguntou o que acontecia enquanto estava por trás de portas fechadas e
estremeceu.
— Quando foi a última?
A nitidez da pergunta surpreendeu.
— História?
Ele acenou com a cabeça.
— Um ano atrás. Disseram-nos que teve um caso de uma noite.
Ele relaxou.
— Se está esperando por uma exclusiva repleta de detalhes, não vai ouvir.
— Não estou. Se você fosse Paris, no entanto, eu poderia implorar por isso. —
Ela sorriu com saudade. — Doce e belo Paris.
— Você está realmente testando minha paciência, mulher. Paris já tem uma
mulher, alguém que é muito poderosa e não acharia seu desejo divertido. — Kane se
inclinou para baixo, colocando nariz com nariz. — Mesmo que não tivesse, você é
minha. Não esqueça nunca.
Desta vez ele não ofereceu nenhum acréscimo e o calor voltou ao seu corpo,
acelerando suas veias, e oh, doce calor, de repente, seu coração batia mais rápido do
que nunca, seus ossos derretendo, o resto dela se desfazendo.
— Sua responsabilidade? — ela perguntou com um tremor.
Ele bateu no seu nariz, irritando-a e disse:
— Eu tenho muito em que pensar. Vou encontrá-la mais tarde e que saberá o
que decidi.
— O que você decidiu? — Ela agarrou os lados de sua camisa. — Sobre o quê?
— Você saberá quando eu souber. — Ele se livrou do seu aperto e foi embora,
sem olhar para trás.
Os guardas entraram em ação, provavelmente com a intenção de levá-lo ao rei
para suas chicotadas. Ela quase abriu a boca para dizer que levaria a punição por ele.
Ela foi chicoteada antes e poderia sobreviver a ser açoitada novamente. Mas no final,
deixou-o ir. Ele era noivo de Synda agora e Josephina não podia se permitir esquecer.
Nem mesmo quando as palavras Você é Minha ecoavam em sua mente.

***

Tantos. Problemas.
A mente de Kane girava. Synda estava possuída pelo Demônio da
irresponsabilidade, mas Sininho passou um tempo em Sem-fim. Synda era loira e podia
muito bem ser a garota na pintura de Danika. Mas sua postura parecia sugerir que ele
se preocupava com a garota, e era Sininho, uma morena, que sua mente e corpo
ansiavam.
Seu triste olhar cristalino rasgou-o por dentro. Seus lábios eram tão
exuberantes e vermelhos e... lambíveis. Sim, essa era a palavra perfeita para descrevê-
los. O corpo dela tinha as curvas todas certas, perigosas.
E ela queria Torin. Ou Paris.

79 | P á g i n a
Certa vez ele teria aceitado isso muito bem. Ela não era o tipo de mulher que
ele queria. Teria considerado-a muito doce, muito inocente e isso não era páreo para
Desastre. Mas Kane estaria enganado. Teria perdido uma coisa muito boa. Sim, Sininho
era doce. Sim, ela era inocente. Mas também era forte. Resistente.
Perfeita.
O que Kane sentia por ela era diferente do que já sentiu por qualquer outra. Era
mais intenso. Intenso o suficiente para ofuscar o autodesgosto e as memórias
contaminadas antes de consumi-lo totalmente. Estava começando a gostar de tocá-la,
apesar da dor que ela provocava. Mas a ideia de fazer sexo com ela... não.
Ele só iria decepcioná-la. Memórias iriam ultrapassá-lo e ele se humilharia
vomitando. Não seria capaz de agradá-la, mas não teria problema nenhum em
decepcioná-la. Ela tinha vivido com bastante decepção. Humilhação o suficiente, não
precisava dele.
Ele não seria capaz de tratá-la como tratava as meninas no clube, e apenas ir
com a maré. Ela merecia mais. O melhor. Mas ele não seria capaz de dar-lhe mais e o
melhor.
E o que Desastre poderia fazer se Kane a levasse pra cama?
Estando tão perto dela, colocando as mãos nela repetidas vezes e querendo
tanto beijá-la, finalmente impulsionou o demônio para a borda. Desastre irrompeu
rugindo com descontrole, batendo contra o crânio de Kane em um esforço para levá-lo
para longe dela. Ele ficou onde estava, desesperado por mais um segundo de seu
tempo, seu cheiro, seu olhar... a possibilidade de mais contato. E foi aí que o lustre
tinha desabado.
Agora, foi para o quarto que deram a ele e fechou a porta na cara de seus
companheiros. Esperava que no meio do caminho a dupla surtasse e pedisse um
autógrafo, mas eles optaram por sobreviver o resto dos seus dias. Eles não sabiam que
o rei mudou de ideia sobre as chicotadas. Que Kane venceu o jogo de xadrez e o
prêmio foi a liberdade de falar com Sininho a qualquer hora, em qualquer lugar.
Ele poderia ter dito à Sininho a verdade, mas gostou de sua preocupação por
ele, muito. Tão louca como ela esteve por ele, ela não queria que ele sofresse.
Será que ela tem alguma ideia do que fizeram com ele?
Não. Provavelmente não.
O que ele vai fazer com aquela garota?
O que ele faria com a princesa?
E porra, por que ele estava mesmo pensando nisso? Ele não estava ali para
encontrar uma companheira, sequer tinha pensado em evitar o que as Moiras
previram que seria dele. Encostou na porta e exalou uma pesada respiração. Estava
aqui para salvar Sininho. Posteriormente gostaria de matar Desastre. Então, e somente
então, descobriria o que fazer com seu futuro.
Então. Simplesmente como ele salvaria Sininho? Se ele a levasse de Séduire, ela
seria caçada pelo resto da sua vida. Se matasse a família real, os Fae o atacariam de
volta. Eles poderiam tentar retribuir o favor matando sua família, Os Senhores. Uma
longa e sangrenta guerra poderia explodi, e seus amigos já tinham o suficiente com
que lidar.
Frustrado, ele caminhou para frente e bateu com o punho na cabeceira no final
da cama. Ouro maciço encontrou osso e o osso foi o perdedor, partindo em vários
lugares. Dor irradiou braço acima e ele sorriu sem humor. A ferida vai se curar. Sua

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fúria não.
Muitas vezes ultimamente ele ficara sem respostas, sem direção, sem saber o
que fazer ou como proceder. Confusão era uma lama tóxica dentro dele, subindo cada
vez mais, e ele precisava se livrar dela.
As dobradiças da porta do banheiro rangeram. Kane endireitou-se, assumindo
uma posição de batalha. Só que não era um inimigo aqui prestes a atacar. Era Synda
totalmente nua.
Ela se encostou no batente da porta e brincou com as pontas dos cabelos.
Pequena, com uma delicada estrutura óssea e ainda assim um corpo arredondado, ela
apresentava a imagem perfeita de sensualidade feminina. Adicione um pouco de tônus
muscular nela e seria o tipo de mulher que ele já havia apreciado.
Minha, Desastre ronronou.
— O que você está fazendo? — Ele exigiu. Este era para ser seu quarto privado,
e esse é o jeito que queria ficar. Privado.
— Estou te seduzindo, é claro. — Um sorriso suave levantou os cantos dos
lábios, convidando-o a juntar-se em sua diversão e excitação. Não havia nenhum
vermelho em seus olhos, nenhum indício de seu demônio. — Dei uma olhada em você,
e sabia que estávamos destinados a ficar juntos. Você é tudo que eu sempre quis em
um homem.
Destinados, ela disse.
— Você falou com as Moiras?
— Eu nunca tive o privilégio, não.
Ele não sabia o que pensar sobre isso.
— E o que é que você queria em um homem, heim?
— Força. Uma feroz habilidade. Uma veia de crueldade, quando necessário.
Alguém possuído, como eu. Alguém bonito.
Sim, mas ela não tinha ideia do preço que teria de pagar para ficar com ele, se
alguma vez estivesse interessado nela.
Ele andou em direção a ela. Seu sorriso se alargou. Sem dúvida esperava que
ele a atirasse na cama e violentasse. Em vez disso, pegou-a e sem a menor cerimônia
puxou para a porta, surpreso ao descobrir que o contato com ela não foi
acompanhado pela dor.
Surpreso e irritado. Por que não podia tocar Sininho assim tão facilmente?
— Espere. — ela gritou. — Você acabou de passar pela cama.
Ele não disse nada.
— Não me importo de fazer isso em público, guerreiro, mas estava esperando
ter você só para mim por um tempo.
Ele girou a maçaneta e empurrou o batente da porta com o ombro. Os guardas
ainda estavam lá, provavelmente ordenados a permanecer durante a noite toda. Eles
olharam com atenção.
— Existe alguma coisa que possamos obter para você, Senhor Kane?
— Qualquer coisa?
Sininho estava na frente deles, fato que o surpreendeu e encantou. Seus olhos
se fixaram nele, e alívio encheu a expressão dela.
— Kane, eu... — Seu olhar caiu em Synda, apertando os lábios. O alívio
desapareceu, deixando o mesmo ressentimento e mágoa que ele mesmo
experimentou. — Pode deixar.

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A princesa era sua inimiga. Ele entendeu isso. Mas não poderia se justificar, não
poderia dizer que estava usando apenas sua promessa de casar com Synda para ajudá-
la. Se a princesa soubesse de seu plano, ele falharia. Ela contaria ao pai dela, o rei faria
o que ameaçou durante o jogo e Kane seria um alvo para a eliminação.
— Tem alguma coisa errada? — Ele exigiu.
Sininho ergueu o queixo.
— Não... estou bem.
Ela não estava bem. Ele colocou Synda de pé e empurrou-a para frente.
— Eu vou te levar para o seu quarto, princesa. E vou te deixar lá. Sozinha.
Ela deu meia volta para enfrentá-lo, chamas de vermelho em erupção em seus
olhos.
— Você está me rejeitando?
— Por enquanto. — disse ele.
— Oh! — Ela bateu no seu peito. — Traga-me um roupão, então. Neste
instante!
E tirar os olhos de Sininho? Não. Ela fugiria.
Kane arrancou sua camisa e enfiou o material sobre a cabeça da garota.
— Pronto. Você está coberta. Vamos.
O vermelho desapareceu de uma Synda boquiaberta, praticamente babando.
— Que. Tanto. De. Músculos. — Ela chegou com a intenção de passar as pontas
dos dedos sobre os feixes de músculos em seu estômago, mas ele deu um passo atrás,
evitando qualquer contato.
Sininho olhou para o chão, recusando-se a olhá-lo.
— Seu quarto, princesa. — ele lembrou.
Synda virou com um gesto, ignorando Sininho e marchou para longe.
— Vamos lá. Por aqui.
Ele seguiu, arrastando Sininho com ele.
— Você não vai sair da minha vista até que eu saiba por que me procurou.
— Não importa o por que. Mudei de ideia. — ela cortou.
— Bem, mude de volta.
Ela zombou.
— Me obrigue...
Palavras perigosas. Ele já podia pensar em várias maneiras de fazer isso.
Synda o levou para o último andar do palácio, aos aposentos com mais riquezas
do que a tesouraria de um sultão. Móveis antigos, vasos de diamante, mármore, ônix,
cada retrato emoldurado em ouro, tapetes persas, uma mesa feita só de rubis e uma
cama enorme capaz de dormir doze pessoas.
A princesa retirou a camisa conforme caminhava até o banheiro.
— Hora do banho. — ela chamou, parando para olhar por cima do ombro para
Kane. — Ainda há tempo para se juntar a mim.
— Não, obrigado.
Centelhas de vermelho voltaram aos seus olhos.
— Vou garantir que você se divirta.
Duvidoso.
— Por que não se guarda para a noite de núpcias em vez disso? — Kane olhou
para Sininho, que ainda não encontrou seu olhar e de alguma forma conseguiu irradiar
hostilidade. — Onde está o seu quarto? Vamos conversar lá.

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Pálida ela murmurou.
— Não vou te levar ao meu quarto.
— Eu vou encontrá-lo com ou sem sua ajuda. Só vai ser melhor para você se
isso acontecer, mais cedo do que mais tarde.
Ela entrecerrou os olhos quando bufou.
— Tudo bem. Por aqui. — e puxou-o para fora da suíte.
Synda o chamou. Ele não ouviu o que ela disse e não se importava.
Sininho conduziu-o por vários lances de escada na área úmida mais escura do
palácio. Quartos dos empregados, ele apostava, e perceber isso o irritou. Como
poderia a filha de um rei ser tratada tão miseravelmente?
Ela parou diante de uma porta aberta e ele espiou dentro. Através da escuridão
podia ver cama após cama, um corpo adormecido após o outro, mas isso era tudo. Não
havia luxos de qualquer tipo.
— Você não vai ficar aqui. — ele rangeu.
— Uh, sim, eu vou.
E saber que estava desconfortável enquanto ele dormia em algo tão suave
como as nuvens? Nunca. Mas não tinha tempo para discutir com ela. Mais uma vez, ele
ergueu uma mulher por cima do ombro. Ao contrário da princesa, Sininho protestou,
batendo com os punhos nas suas costas, batendo os joelhos em seu estômago.
— Isso é o melhor que você tem? Se é assim, não merece o nome de Sininho. É
muito masculino para você. De agora em diante, tudo o que vai receber é Sininho
Minúscula.
— Sininho! Eu não sou nenhuma Sininho! Sou mais feroz do que um animal
selvagem!
— Um gatinho recém-nascido, talvez.
— Argh! — Ela o mordeu na bunda.
Apenas por um momento, a ação o fez cair diretamente no inferno e ele
tropeçou nos próprios pés. Segurou-se antes de cair no chão, e enquanto lutava para
respirar, conseguiu endireitar se. Você está com a Sininho. Sua Fae. Você está seguro.
— Nada disso. — disse ele continuando a conversa como se não fosse
interrompido, esperando que ela não percebesse a mudança em seu tom. De
provocativo a tenso. — Você é tão gentil quanto um cachorrinho. Vou chamar você de
bocuda.
— Você... você... coisa! Vou chamar você de Idiotário! Porque é isso que você
é!
Idiotário?
Ele soltou uma gargalhada e depois piscou surpreso. Como ela sempre o puxava
da beira do desespero tão rapidamente?
— Calma, calma. Não há razão para sujar sua língua com xingamentos. Vou ter
que lavar sua boca com...
Minha língua, ele silenciosamente terminou. Estava flertando com ela, agindo
como se fosse normal. Como se pudesse fazer coisas normais.
— Esqueça isso. — ele murmurou.
Ela permaneceu em silêncio e ele permaneceu neste estado de espírito de
perda súbita.
Quando chegou ao seu quarto, não ficou surpreso ao descobrir que os guardas
ainda estavam em seus postos.

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— É bom vê-lo de novo, Senhor Kane.

— Posso arranjar-lhe alguma coisa? Eu ficaria encantado.


Sem uma palavra passou por eles e fechou a porta. Então jogou Sininho no
colchão. Ela saltou pra cima e pra baixo, e quando parou olhou para ele.
Deixe-a! Desastre ordenou.
Uma por uma, ele descartou as armas que tinha roubado do rei. À medida em
que o chão estalava sob seus pés, fez questão de deixar as lâminas a certo alcance
rápido da cama.
— O que está fazendo? — Sininho disse ofegante.
— Preparando-me para dormir já que é noite. Você deve experimentar. — Ele
estava muito estressado e cansado para encontrar um quarto para ela. Pelo menos, é o
que disse a si mesmo. Ele não consideraria sua incapacidade de se separar da garota.
Sua boca formou um pequeno “O” e ao vê-lo foi atingido pelo desejo de beijá-la
diretamente no rosto, para saboreá-la, instruí-la e marcá-la. Os desejos o irritaram. Ele
era todo emoção, sem ação e sabia disso.
Ele tirou as botas, porém deixou suas calças e subiu no colchão.
— Nós não podemos dormir juntos. — disse ela com um tremor. — É altamente
impróprio.
E, provavelmente, perigoso. Para ambos.
— Você será punida?
Um momento de silêncio e ela disse:
— Por passar momentos íntimos com o prometido da preciosa princesa Synda?
O que você acha?
Ele suspirou.
— Não vou deixar nada acontecer com você.
— Vamos ver. — foi tudo que ela disse.
— Vocês parecem aceitar muito bem quando se trata de sexo. Por que Synda
foi castigada por dormir com o filho do açougueiro?
— Ela é Fae. Ele é humano. Essas uniões são proibidas, já que levam a uma
diluição das linhagens.
— Eu não sou Fae, mas o rei vai me permitir casar com sua preciosa filha.
— Você é um Senhor do Submundo. É uma celebridade. Regras não se aplicam
a você.
Bom saber.
— Sua mãe era considerada humana, o que significa que o rei...
— Sim. Ele fez. E daí?
— E então? Ele foi punido?
— O que você acha? Ele é o rei. — Ela passou a língua pelos lábios deixando um
brilho de umidade para trás. Maravilhoso. Pra baixo, garoto. — E você, bem, pode ter
quem quiser sem se preocupar também. Tiberius nunca castiga os homens de alta
classe por suas atividades extracurriculares. Eles podem ter o que querem, quando
querem. Eles só têm que ter cuidado.
Ele captou o tom de amargura em seu tom.
— Alguém já... — Forçou você. Ele não podia perguntar a ela. Não tinha certeza

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de como reagiria se a mesma questão fosse apresentada a ele.
— Não. — Ela respondeu, de qualquer maneira. — Sou vista apenas como um
objeto sexual nas festas quando os homens bebem, mas o máximo que fazem é
acariciar minha bunda.
— Uh, sim. Claro. Tenho certeza que você está certa. Que precisam de álcool
para achá-la atraente.
— É uma bênção e maldição, eu sei. Mas então, sou uma escrava de sangue e
nada mais.
Tão inocente. Ela ainda não tinha captado seu sarcasmo.
— E quanto a ser incrível e maravilhosa? Acredito que uma vez descreveu a si
mesma dessa maneira.
Ela jogou o cabelo por cima do ombro, a imagem da irritação feminina.
— Eu sou uma pessoa também, você sabe. Mereço elogios de vez em quando, e
já que sou a única disposta a dá-los a mim mesma, eu me elogio.
Isso pode ter sido uma das coisas mais tristes que ele já tinha ouvido falar.
— Eu acho que você é bonita. —admitiu em voz baixa. — E inteligente. E
valente. — E tão sexy que teria matado mil homens e jogado aos seus pés apenas pela
chance de conquistá-la... se fosse o homem que costumava ser.
Seus olhos se arregalaram.
— Você acha?
— Costumo mentir pra você?
— Não.
— Então estamos bem. — Ele se forçou a relaxar contra a suavidade do
colchão.
Ela fugiu para longe como se temesse o que aconteceria em seguida.
— Eu não vou me forçar a você, tem minha palavra. — Gentil. Fácil. — Fica no
seu lado da cama e vou ficar no meu, e você vai ficar no mesmo estado em que deitou.
— E ela seria a primeira.
— Mesmo assim é impróprio. — ela resmungou.
— E esse argumento ainda não vai me influenciar. Boa noite, Sininho. — Ele
estendeu a mão e apagou a lâmpada. Escuridão inundou o quarto.
Num primeiro momento ela não fez nada. Em seguida, ajeitou o travesseiro e
se aconchegou embaixo das cobertas.
A respiração que não sabia que ele estava segurando soltou.
Ele olhou para o teto escuro, inalando a doçura do seu perfume, segurando-o,
segurando-o o máximo que pôde, disposto a desistir até o último segundo possível.
Pela primeira vez em semanas os músculos começaram a relaxar. Pensou que poderia
realmente ser capaz de adormecer, realmente descansar, e ainda assim ele resistiu.
Sininho nunca seria testemunha de seus pesadelos.
Ele poderia atacar. Ela poderia tentar confortá-lo. Em um estado confuso, ele
poderia machucá-la.
Preferia morrer a machucá-la.
Eeeee... seus músculos estavam atando-se novamente, embora não tinha nada
a ver com o passado. Sininho estava aqui, em sua cama. Ao seu alcance. Tudo o que
tinha a fazer era esticar seu braço e sua mão poderia traçar a totalidade de seu seio.
Em seguida, deslizar mais para baixo. Mais abaixo ainda. Certamente ele não teria uma
reação adversa a esse contato inócuo. Ela estava vestida, afinal.

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Mesmo assim. Ela poderia responder. Poderia encorajá-lo.
Poderia realmente pedir mais.
Ele pressionou a língua contra o céu da boca.
Hora de uma distração.
— Então... qual é o nome do meu fã-clube?
— Pensei que não quisesse saber.
— Mudei de ideia. Aparentemente isso é permitido em nosso relacionamento.
Os lençóis farfalharam quando ela se virou.
— Cataclísmico por Kane.
Disse a si mesmo para esfriar. Ele perguntou:
— Você já foi a uma das reuniões?
— Posso ter tropeçado em uma... por acaso.
— Quantas vezes?
— Dez... esseis. Meninas se perdem muito facilmente às vezes.
Ele lutou contra um sorriso.
— Então, o que você ia me dizer quando chegou ao meu quarto?
Um suspiro cansado escapuliu.
— Isso não importa agora.
— Importa. À propósito, não aconteceu nada entre Synda e eu.
— Uma Synda nua. — ela murmurou.
Ele queria dizer a ela a verdade. Mas o que aconteceria se tivesse que fazer algo
que não gostasse, a fim de alcançar seu objetivo? A verdade então se tornaria uma
mentira. Seria melhor manter todas suas opções em aberto. Mas um prego no caixão?
Uma parte dele precisava preservar certa distância entre eles, bem como o
compromisso criado a isto.
— Talvez, quando entrei no seu quarto, eu fosse te dizer que nunca conheci
alguém tão idiota como você. — disse, e ele imaginou seus traços torcidos no que ela
provavelmente esperava que fosse uma expressão esnobe. — Você vai se machucar
muito feio quando for açoitado por falar comigo.
Não riria.
— Eu não vou ser chicoteado. O rei e eu chegamos a um acordo.
— O quê?! Por que não me contou?
— Você estava se divertindo tanto contando as minhas palavras.
Ela resmungou mais algumas escolhas de nomes para ele.
— Sim, bem, Synda será castigo o suficiente, imagino. Ela vive para o momento
e nada mais. Esquecerá cada promessa. Em poucas semanas outro homem vai chamar
sua atenção e você ficará com o coração partido.
Ressentimento explodiu nela e ele teve que apertar o controle sobre o
travesseiro para se impedir de chegar até ela.
— Eu posso ser burro, mas meus sentidos de aranha estão me dizendo que ela
partiu seu coração também.
Ela exclamou como se ele fosse louco.
— E então?
Ela deveria estar traçando círculos no lençol porque os dedos dela roçaram em
um de seus mamilos. O contato eletrificou-o e quase pulou da cama.
— Talvez ela tenha partido. — disse Sininho sem perceber nada. — Há muito
tempo ela prometeu me proteger do nosso pai. Então no dia seguinte foi pega

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roubando cavalos das Harpias visitantes. Começou uma guerra e a punição foi
decretada, mas ela não disse nada quando fui arrastada para ser chicoteada.

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CAPÍTULO 11

Kane parou ao lado da cama e olhou abaixo para Sininho. A luz do sol entrava
pela janela, e como se atraída por ela, envolvia-a e apenas a ela. Colocando-a sob um
holofote. Enfatizando cada nuance apetitosa. Ela exalava paz num nível assombroso.
Uma paz que ele ansiava para si mesmo.
Ela era a Bela Adormecida. Ou, mais precisamente, Cinderela, completada com
uma madrasta má e uma meia-irmã. Uma pena para ela que Kane não fosse seu
Príncipe Encantado.
Ele não pretendia, mas em algum momento adormeceu. Um pesadelo o
acordou — e encontrou Sininho dormindo em seu peito. Ela rolou para lá por conta
própria ou ele a puxou sobre si?
O contato o machucava em mais de uma maneira. A luxúria voltou com força
total. Depois de tê-la colocado para o lado, foi mais diligente e manteve-se acordado,
escutando cada respiração dela, aguardando cada movimento, lembrando-se da forma
como ela o fez sorrir, morrendo por dentro por que ainda queria rolar para cima dela,
tirar sua roupa, tocá-la e fazer coisas com ela, apesar de cada pensamento colocá-lo
lutando num pânico que se autoconsumia.
Ele não a merecia. Seus humores eram muito voláteis. Estava feliz num minuto,
irritado no seguinte. Estava decidido por um caminho num minuto e ficava confuso no
outro. Ela precisava de alguém sólido. Confiável. Como Torin.
Ela não tinha fé em ninguém, conforme dissera, e isso era completamente
triste. Merecendo ou não, Kane não a decepcionaria.
Mate-a, falou Desastre. É o que ela quer.
O que ela queria não era o que precisava.
Os lábios de Sininho se abriram em um suspiro ofegante e o peito dele apertou.
Quão inocente ela era.
Mate-a!
Kane se virou e saiu do quarto, o demônio amaldiçoando-o a cada passo.

***

Josephina tinha muitos deveres, e servir o café da manhã para a família real era
um deles. Um decreto direto da Rainha Penélope feito para humilhá-la desde o
começo do dia, todos os dias.
Esperando para começar, Josephina se encostou na parede oposta à sala de
jantar, segurando uma jarra com suco fresco de romã. Ela já deveria ter acabado,
voltado para o seu trabalho doméstico, mas ninguém tinha chegado. Todos estavam
ocupados, provavelmente dando os parabéns a Kane e Synda por suas núpcias
iminentes e o casal feliz devia estar se empanturrando com os cumprimentos.
Oh, Kane. Todos estão certos. Nós somos lindos juntos, era o que Synda estava
dizendo, provavelmente. Tão perfeitos juntos.
Eu sou perfeito com qualquer um, Kane estaria respondido. Mas fico feliz de

88 | P á g i n a
terminar com você.
A jarra se estilhaçou nas mãos de Josephina.
O líquido gelado vazou através do tecido da luva e a fez ofegar, correu para a
cozinha e juntou os trapos que precisava, tentando evitar o olhar de Cook. Ele
agarraria qualquer chance de pisar nela.
Certa vez, como punição por um dos crimes de Synda, Josephina passou fome
por uma semana. Em três dias as dores da fome estavam tão severas que se esgueirou
para a cozinha e roubou um naco de pão. Cook a pegou, mas jurou permanecer em
silêncio se ela passasse a noite com ele. Entregou-se ao invés disso, e ele nunca a
perdoou.
Então, talvez ela não tivesse sido completamente honesta com Kane. Talvez
alguns homens — outros além de seu irmão — a vissem de fato como algo mais do que
uma escrava de sangue. E... Cook pigarreou e ela olhou para cima.
— O que você fez agora? Qual novo problema me causou? — ele pisou duro até
ela. Agarrou seu punho, recuando com um arquejo. — Você está molhada.
— E sua comida é péssima. E daí?
— Como ousa? Não me importo com quem seja, não insultará minha culinária
divina.
— Acabei de fazer.
— Faça novamente. Eu te desafio.
Ok.
— Suas tortas são insossas e seus bolos são duros como pedras.
A palma dele voou de cima para baixo, golpeando sua bochecha. A pele de
Josephina flamejou instantânea e dolorosamente. Ela retribui o tapa. Enquanto ele
gorgolejava seu ultraje, ela soprou um beijo e saracoteou para fora.
Mantendo a expressão valente, limpou a bagunça na sala de jantar e calçou
outro par de luvas. Só depois preparou outra jarra de suco, com Cook evitando-a,
retomou seu posto.
A família real ainda não tinha chegado.
Sapos descorteses!
Ela recuou ante a explosão de raiva que lhe era incomum. A dor em sua
bochecha deve tê-la deixado rabugenta. E, bem, Kane não tinha nada que estar se
casando com Synda após forçar Josephina a passar a noite em seu quarto. Ele deveria
ter cancelado as núpcias ao nascer do sol!
E eu nunca deveria ter ido com ele. Nunca deveria ter levado sua oferta a sério,
esperando afastá-lo de Synda.
Josephina tinha ficado brava com o noivado dele antes, mas ficar ali pensando
na noite anterior a enfureceu. Kane provavelmente não se lembrava, mas teve
pesadelos terrivelmente violentos durante a noite. Tinha gritado e se debatido, mas
ela conseguiu acalmá-lo.
Ela. Não Synda.
Ele a segurou por um longo momento, os braços apertados ao redor dela como
se não tolerasse deixá-la ir, então a rolou para o lado da cama. Obviamente ele tinha
superado sua aversão ao toque de alguma forma — e ainda assim, não tentou beijá-la
ou tocá-la.
Ele devia estar guardando estes tipos de coisas para a princesa. Por que isso a
rasgava em tantos farrapos?

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Um noivo não deveria dividir a cama com ninguém além de sua pretendente, e
um homem que o fizesse devia ser... ser... castrado!
Eu posso ajudá-lo com isso, ela pensou. Não tenho experiência com facas, mas
uma rápida fatiada resolveria o problema.
Pensando em mutilação? Eu não sei mais quem é você.
Eu sou você, boba.
E se Kane já estivesse apaixonado por Synda?
Por que se importa?
Não me importo. Tá, tudo bem. Eu me importo.
Ela ficara deitada insone por horas tentando não aproveitar seu primeiro
encontro de luxúria, mas o tempo todo esperando escapar assim que Kane
adormecesse. Mas ele ficou insone por horas também, e as pálpebras dela
eventualmente ficaram pesadas demais para segurar. Então o debater dele a acordou,
e ela o embalou e gostou disso mais do que deveria. Ficou tentada até a pedir mais.
Se Synda descobrisse...
Ela levantou o queixo e se concentrou no aqui e agora. Quatro pequenos
lustres, com centenas de gotas de opala, penduravam-se ao longo de uma mesa
comprida e quadrada talhada em ouro, diamantes e safiras. As cadeiras foram
esculpidas no formato de dragões com veludo cobalto cobrindo os assentos. Murais
coloridos de Faes nus e travessos decoravam as paredes e um tapete branco e macio
cobria o chão.
Ali havia três janelas, cada uma dando vista para o jardim florido no exterior.
Ela adorava aquele jardim e permitiu-se espiar lá fora — espere. Guardas armados
corriam até o portão.
Alguma coisa estava acontecendo. O que…
O Rei Tiberius adentrou a sala após a longa espera com a última amante em
seus braços. A atenção de Josephina estalou. A amante era adorável, com certeza, mas
tinha apenas dezessete anos. Ela poderia ter tido um futuro brilhante antes do rei
notá-la, e provavelmente teria se casado com o mais rico dos Opulens; teria uma
família e nunca teria que esperar por nada. Exceto, talvez, por amor e fidelidade.
Agora, no entanto, nenhum homem a tomaria, nem mesmo o mais baixo dos
servos. Quando o rei a descartasse, e descartaria, ninguém se arriscaria a buscar pelo
que ele de repente considerasse “sem valor”.
A expressão do rei era apreensiva quando tomou lugar à cabeceira da mesa. Ele
gesticulou para que a fêmea sumariamente vestida se acomodasse no assento à sua
esquerda — a cadeira da rainha. Josephina rosnou. A Rainha Penélope sabia dos casos
do rei, obviamente todos sabiam; em público ela simplesmente fingia não se importar.
Mas em particular, quando somente Josephina estava por perto, ela vociferava e se
enfurecia.
—... Não estou certo do por que de um exército de guerreiros Phoenix estarem
nos atacando. — dizia o rei. — Eles realmente querem começar outra guerra? Eles têm
força bruta, mas não têm números.
Oh, não, não, não. Se os Phoenix estavam ali, a razão era Josephina. E se o pai
dela descobrisse que ela era o motivo, descarregaria uma torrente de raiva em cima
dela. Um tremor a sacudiu e líquido espirrou pelos lados da jarra.
Tiberius lhe deu uma olhada reprovadora.
— Você não tem o que temer, minha querida. — ele continuou, acariciando a

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mão delicada da amante — Os soldados estarão mortos ao final do dia, suas cabeças
devolvidas ao seu povo.
— Obrigada, Majestade. — foi a resposta suave. A garota manteve os olhos
baixos. — Você é tão forte. Absolutamente invencível.
Kane entrou e Josephina estremeceu com a lembrança de seu abraço. Sua
beleza selvagem nunca foi mais aparente do que naquele momento com a luz da
manhã derramando-se sobre ele. Os dois guardas estavam posicionados à sua
retaguarda. O olhar dele varreu o lugar e Josephina estava certa de que ele conseguiu,
de algum jeito, catalogar cada detalhe de uma só vez, embora lutasse contra uma onda
de decepção quando ele só passou os olhos sobre ela.
Bom dia para você também, ela pensou, tentando ignorar a maré revigorada de
mágoa e ressentimento.
— Senhor Kane. É um prazer que tenha se juntado a nós. — o rei gesticulou
para que Kane sentasse à sua direita. Na cadeira de Synda.
Kane sentou-se de costas para Josephina. Ele levantou o braço e ergueu dois
dedos. Ele estava... estava convocando-a novamente?
Aqueles dedos se moveram de novo, mais insistentes dessa vez. Estava
convocando-a. Estava mesmo. Vou esmurrar a cara dele!
Rangendo os dentes, moveu-se para a frente e despejou três gotas de suco no
cálice dele. Quando tentou sair Kane segurou seu punho. Surpresa, quase derrubou a
jarra. O aperto dele era forte, a pele branca e quente.
— Tem uma marca no seu rosto. — ele disse com uma rigidez que aprendeu a
reconhecer como perigosa. Ele a olhou, o escudo grosso de seus cílios escondendo
qualquer emoção que brilhava em seus olhos. Os lábios dele se apertavam numa linha
fina e dura.
— Bem, sim. — ela respondeu.
— De que forma?
— Uma mão.
— Eu notei isso. De quem?
Ela lambeu os lábios, o olhar dele seguiu o movimento.
— Não importa. Eu cuidei disso.
Ele apertou o punho dela mais forte.
— De quem?
— Por quê?
— Para que eu possa matá-lo... ou matá-la.
Ela não tinha nenhuma lealdade para com Cook, mas não deixaria que o
homem fosse morto por uma ofensa tão pequena. Assim, permaneceu em silêncio.
Kane soltou o punho e olhou para o rei.
— Se ela se machucar novamente, vou me certificar de que todos no palácio se
arrependam.
Desacostumado com tamanha irreverência, Tiberius vociferou por um instante.
— Minha admiração por você não o salvará de minha ira, Senhor Kane. Ande
com cuidado.
— Você quer um inimigo que não pode suportar ter? Porque está no limite
comigo. — Kane lançou. — Você tem Phoenix correndo selvagemente por aqui e seus
homens jamais serão capazes de derrotá-los. Permitiu que o exército ficasse
preguiçoso, vivendo do triunfo de glórias passadas.

91 | P á g i n a
— Como se atreve! Meus homens estão mais fortes do que nunca.
Kane sorriu, mas não um sorriso bom.
— Se eu fosse para lá agora poderia matar cada macho sob seu comando sem
derramar uma gota de suor. Quer que eu prove?
O que ele estava fazendo? Ela queria pular na frente dele e protegê-lo das
pragas e punições prestes a saírem voando, mas não era mais seu encargo protegê-lo.
Ela voltou para seu lugar contra a parede.
Tiberius pulou em pé, plantou as mãos no tampo da mesa e olhou para Kane
com raiva concentrada.
— Um homem morto não pode provar nada.
Kane levantou, recusando-se a recuar ante o poderoso rei dos Fae — algo que
poucos tentaram e ao qual nenhum tinha sobrevivido. Sua cadeira tombou, uma das
pernas cutucando-o atrás do joelho. Ele não pareceu ter notado.
— Tenho alguma experiência com os Phoenix, e sei que eles brincarão com seus
homens nas próximas semanas, testando suas habilidades. Então, os Phoenix
parecerão ter sumido por algumas semanas e você vai relaxar. Então os guerreiros
voltarão vingadores e queimarão o palácio e todos dentro.
Os olhos cristalinos semicerraram.
— Se esse for o caso, o problema será tão seu quanto meu. Seu baile de
noivado está marcado para daqui a oito dias e seu casamento para daqui a nove dias.
Só tempo suficiente para planejar uma festa, mas não o bastante para que o
volume de falhas na personalidade de Synda não pudesse ser encoberto.
Não posso ver o namoro deles. Simplesmente não posso. E não podia se
permitir ser usada e descartada por Kane de novo. De agora em diante, era melhor
para ela manter-se distante dele.
Talvez devesse fugir. Ela já tinha feito isso antes. É claro que foi capturada
rapidamente e disciplinada severamente, e depois jurou nunca se arriscar assim de
novo. Um juramento bobo, percebia agora.
Leopold entrou na sala com Synda logo atrás, desviando para se aproximar de
Kane.
Tiberius sentou. Kane ajeitou sua cadeira e se acalmou.
— Bom dia, guerreiro. — a princesa tentou beijá-lo na bochecha, mas ele se
afastou, impedindo-a. Talvez não tivesse superado tanto sua aversão, afinal.
— O que está fazendo? — ele ralhou.
— Deixando sua manhã ainda melhor, é claro. — ela disse imperturbável,
enquanto alisava a saia em torno da própria cadeira.
Que piada.
— Espere por permissão da próxima vez.
A rainha foi a última a entrar. Ela localizou a amante do rei e enrijeceu.
Trêmula, Josephina encheu o cálice dela de suco.
A rainha deu um gole e cuspiu o líquido nos sapatos de Josephina.
— Isso é uma lavagem horrenda. Como se atreve a arruinar o começo do dia
com isso?
— Vou trazer outra coisa. — ela murmurou, as bochechas queimando.
— Você ficará aqui. — Kane rosnou. — O suco está bom.
Penélope olhou para o rei esperando que ele tomasse seu partido. Tiberius
assentiu para que Josephina continuasse com seus deveres.

92 | P á g i n a
O estômago de Josephina ameaçou se rebelar. A rainha a faria sofrer por isso.
Seu tremor aumentou enquanto ia até o lado de Leopold e derramava sua dose de
suco. Ele pressionou sua mão contra a parte inferior das costas dela, como se a
firmasse. Neste meio tempo, espalhou os dedos para cobrir o máximo de terreno
possível, chegando a ousar escorregar entre as bochechas de seu traseiro.
Ela tentou sair do caminho.
Kane soltou uma série de maldições sinistras e todos os olhares voltaram-se
para ele. Seu olhar estava preso em Leopold, incisivo.
O irmão dela se mexeu desconfortável, baixando o braço.
Sobre o que foi isso? Kane não podia ter visto a mão do irmão dela, podia? E,
caso sim, não teria se importado. Teria? Teria simplesmente querido… O que? Confusa,
ela saiu para a cozinha para buscar comida.
— Rápido, sua vaca lerda. — Cook retalhou.
Ela mostrou a língua para ele antes de retornar para a sala de jantar.
— ...Me leva para as compras amanhã? Por favor! — Synda dizia para Kane.
— Uma ideia excelente. — replicou Rei Tiberius como se a pergunta tivesse sido
feita diretamente a ele.
— Josephina irá conosco. — Kane disse firmemente.
Seu nome de nascimento nos lábios dele era simplesmente errado. Ela não
estava afeiçoada por Sininho ou Fada Sininho, mas meio que os amava. Eram especiais,
ditos só para ela. Ele nunca usou um apelido com Synda.
O rei abriu a boca para responder, provavelmente uma recusa, considerando o
brilho de raiva em seus olhos. Mas Synda bateu palmas alegremente e falou.
— É claro que ela pode vir. Vamos fazer o melhor passeio de todos os tempos!
— assim, ele manteve-se quieto.
— E sobre os Phoenix? — Leopold perguntou com severidade — Uma mulher de
sangue real não pode ficar andando pela cidade com tal ameaça pairando.
— O rei me assegurou que seus homens podem conter a ameaça. Além disso, as
senhoritas estarão comigo. — falou Kane. — Ficarão protegidas.
Tiberius pensou por um momento e concordou.
— Você acompanhará o par, Príncipe Leopold, e garantirá que nada aconteça ao
Guerreiro Kane e à Princesa Synda.
O par, ele disse, ao invés de trio. Como se Josephina não contasse. A verdade
era que ela não contava.
O príncipe parecia prestes a discutir, mas rapidamente pensou melhor.
— Como quiser, Majestade.
Kane sorriu sem humor.
— Até amanhã.

***

Kane passou o resto do dia fazendo um pouco de trabalho investigativo,


questionando cada servo com quem cruzava. No momento em que soube que o
cozinheiro foi quem colocou a marca no rosto de Sininho, trancou a cozinha,
impedindo que qualquer um escapasse e bateu até que o cara desmaiasse.
Ele assoviou de satisfação enquanto saia à procura de Sininho.

93 | P á g i n a
CAPÍTULO 12

Uma névoa de luz do sol do amanhecer encheu o quarto de Kane, expulsando


as sombras. Enquanto ele sacudia para fora os horrores de outro pesadelo, um
sentimento de excitação surgiu.
Na noite passada, suas tentativas de conversar com Sininho falharam. Ele a
espiou na sala do trono — mas ela desapareceu atrás de uma porta no instante em
que se aproximou. Ele encontrou-a na sala de tecelagem, mas novamente
desapareceu. Ele foi em cima dela no jardim, mas escapou dele e fugiu.
Hoje, porém, ela não poderia fugir. De acordo com o rei, teria que ficar ao lado
da irmã. O que significava que estaria ao alcance de Kane o tempo todo.
Uma lâmpada caiu do criado mudo, estilhaçando-se bem no crânio de Kane. Ele
fez uma careta. Uma batida soou na porta do quarto.
Kane se levantou da cama, caminhou e com uma adaga na mão abriu o
obstáculo. O Príncipe Leopold estava parado diante dele relaxado, totalmente
confiante de que Kane se comportaria.
Príncipe tolo. Kane tinha um problema sério com o macho. Não devido às
provocações no dia em que se conheceram, mas por causa da forma como espalmou a
mão nas costas de Sininho enquanto a olhava com desejo. Aquilo deixou Kane
perplexo. Achou que estava entendendo mal. Mas Desastre deu uma risadinha, vendo
algo que Kane não podia, talvez alguma coisa do reino dos espíritos, onde existia. Uma
nuvem sombria de luxúria? Outro demônio sentado no ombro de Leopold, dirigindo
suas ações? Kane tinha ouvido os Enviados falando sobre esse tipo de coisa.
No final, o motivo não importava. O resultado, sim.
— O que? — Kane estalou, os dedos apertados ao máximo.
As feições reais escureceram.
— A princesa está pronta para a excursão. Vou acompanhá-lo até ela e
acompanhar os dois na cidade, mantendo todos à salvo.
Kane sabia que os Phoenix saíram da floresta; viu as pequenas fogueiras que
deixaram aqui e acolá. Até agora, entretanto, os Fae não tiveram a sorte de capturar
um ou mesmo de engajar algum tipo de batalha.
Petra tinha que ser a líder. Ela queria Sininho e nada a deteria. Bom, nada
deteria Kane na tarefa de protegê-la tampouco.
— E a serva? — ele perguntou.
— Você vai ignorá-la.
Isso não vai acontecer, cara.
— Ou vai sofrer. — o príncipe acrescentou — As coisas que farei com você...
— Entendido. — Kane forçou um sorriso. — Mostre o caminho.
O príncipe deu-lhe as costas tão confiante quanto antes, e Kane embainhou a
lâmina. Ele andou próximo ao macho, atento a cada passo.
— Não acha que vai precisar de guardas enquanto estiver comigo? — Kane
perguntou.
Uma risada arrogante saiu dele; a mesma que Kane ouviu quando se
conheceram.

94 | P á g i n a
— Dificilmente. Uma palavra e deixo-o de joelhos.
Eles desceram por uma escuda sinuosa, depois outra e mais outra. Quando
alcançaram o térreo e se aproximaram de uma porta que levava à despensa, Kane
bateu fortemente no ombro do homem, mandando-o contra a parede.
Antes que o príncipe tivesse tempo de reagir, Kane esmurrou-o na garganta,
fechando a via respiratória e pinçando a carótida, fazendo parar o fluxo sanguíneo
para o cérebro. Em segundos o príncipe estava caído no chão, inconsciente.
— Tem algo a dizer agora? — ele sussurrou.
Uma empregada virou o corredor, viu os dois e paralisou. Ela engasgou, a mão
pousada sobre o coração.
— Ele está bem. Só tirando uma soneca. — disse Kane. — Vai acordar. —
eventualmente — Não o perturbe. Sabe como ele fica rabugento sem seu sono de
beleza.
Ela anuiu com os olhos arregalados e saiu correndo.
Ele abriu a despensa e arrastou o príncipe até o centro. Então arrumou uma
tranca, garantindo que ninguém pudesse entrar sem uso da força.
Missão cumprida.
Kane pôs-se em marcha. Tinha memorizado a planta do palácio inteiro,
secretamente espiando cada porta, e sabia que a entrada principal era virando logo ali.
Conforme o prometido, a princesa e Sininho estavam esperando.
Raiva voltou com força total quando ele as viu. Synda estava adornada com um
vestido de baile de veludo vermelho sangue, o tecido feminino e lisonjeiro. Sininho
estava metida num vestido barato, mal ajustado, que deixava marcas róseas em sua
pele linda.
Um chapéu afetado cheio de fitas estava na cabeça de Synda.
Sininho não usava chapéu, seu cabelo preso num coque severo atrás da nuca.
Synda cheirava a perfume floral.
Sininho cheirava a um pungente desinfetante de chão.
As mãos dele apertaram. Ele queria matar alguém. Queria abraçar Sininho e
nunca deixá-la ir.
Synda sorriu quando o viu, foi até ele e beijou-o diretamente nos lábios. Ele
ficou parado e rígido, sem querer lidar com outra explosão. Seu olhar imediatamente
buscou Sininho. Os olhos dela estavam baixos.
— Onde está o Príncipe Leopold? — Synda perguntou distraidamente.
— Está dormindo. Nós devemos ir.
— Dormindo? Mesmo que estivesse acordado há cinco minutos? — perguntou
Sininho. Então olhou para Synda e pressionou os lábios. O que? Ela não estava
autorizada a falar nesta pequena excursão?
Suas articulações quase estouraram para fora da pele de tão forte que apertou
os dedos num soco.
— Sim. Dormindo.
Um cachorro veio correndo. A criatura foi direto para Sininho e o demônio riu,
garantindo a Kane que ele era o responsável. Kane deu um solavanco para frente,
fincando o pé no caminho da ira. Dentes afiados afundaram em seu tornozelo,
dolorosamente.
— Sinto muito. — a serva disse, correndo atrás do cachorro. — Não sei como
ele escapou das minhas mãos.

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Com o puxão mais gentil que pode, Kane arrancou os caninos da criatura de seu
osso e o entregou.
— Vamos, pessoal. — Synda disse alegremente, saltitando pelas portas duplas
abertas por dois guardas. — Tenho esperado dias e dias por isso.
Dias. Quando só foi mencionado ontem.
Sininho seguiu atrás dela e Kane seguiu atrás de Sininho. O sol brilhava, embora
mais apagado e turvo do que aquele com que Kane estava acostumado, o céu cinza
com mechas pretas ao invés de azul, como se uma tempestade estivesse em
fabricação. Havia uma parede alta e transparente cercando o palácio brilhante, e atrás
dela, uma exuberante floresta verde. Muito das forças militares ainda estavam lá,
perseguindo os Phoenix.
Um caminho de pedras redondas levava até uma carruagem puxada por
cavalos. E havia outras carruagens na estrada, ele notou. Três que podia ver de perto,
e duas mais distantes, lentamente se aproximando. As três mais próximas vinham
cheias de fêmeas vestidas de modo tão enfeitado quanto Synda, olhando-o com desejo
abjeto.
— Ele não é maravilhoso? — Synda disse com orgulho. — Ele é meu.
Kane quase estalou uma negativa. Ele alcançou a carruagem primeiro e ergueu
a princesa para dentro. Ela envolveu as mãos em seus ombros, e ele precisou cerrar os
dentes contra o horror do contato.
Mãos... Sobre ele todo. Acariciando, arranhando.
Respirar. Ele precisava respirar.
Uma punição por seu desgosto pela garota, imaginou, o demônio correndo
solto.
Depois vinha Sininho. Ele desdobrou os dedos, revelando a palma. Ela hesitou
um instante antes de colocar seus dedos enluvados contra os dele. Conforme o
esperado, houve um lancetar doloroso, embora mais suave do que o usual, mas... a
mente dele estava bem. As lembranças terríveis recuaram, Desastre inapto para
escravizá-lo de volta. Por quê?
Porque, como Kane pensou na floresta, ela era sua luz? Talvez. As lembranças
eram sua escuridão, e a esta tinha que sair na presença da luz.
Mesmo depois que ela se sentou, ele manteve o contato, prolongando,
maravilhando-se, mais uma vez lutando contra a inexplicável necessidade que só ela
conseguia incitar.
— Kane. — ela falou com a voz retesada e ele se obrigou a soltá-la. Subiu para o
interior da carruagem. Uma garota estava à direita, outra à esquerda. Agarrando a
chance de tocar Sininho de novo, ergueu-a pela cintura. Tão delicada. Tão feminina.
Seu suspiro de surpresa ventilou contra a pele dele enquanto sentava-a ao lado da
irmã. Então se ajeitou no outro banco, agora capaz de observar as duas fêmeas.
— Você está bonita hoje. — Synda falou para Sininho. E, assombrosamente, ela
soou sincera.
Este devia ser um de seus momentos doces. Nunca conheceu uma pessoa que
mudava de humor tão rapidamente — e estava contando consigo mesmo. Mas Synda
ainda não tinha aprendido a combater o demônio dentro dela. A escuridão a conduzia.
O desejo vinha e ela cedia, sem parar para analisar a adequação de suas atitudes. As
emoções vinham e nunca tentava olhar através delas e para as razões atrás delas.
Ela precisava de ajuda, mas não queria — na noite passada no jantar ele

96 | P á g i n a
ofereceu e ela declinou.
— Eu quero seu corpo, Senhor Kane, não sua mente. — ela disse.
Ele deu de ombros. E sim, sentiu um pouco de culpa por sua falta de
preocupação. Ela bem podia ser sua companheira destinada.
Não. Impossível. Kane devia ter entendido errado o que a Moira disse. E sobre a
previsão mencionada por William? Sua filha White casada com o homem destinado a
iniciar o apocalipse.
Kane sequer queria uma companheira. Ele queria... precisava... sim, uma parte
dele queria e precisava de uma companheira.
Pela primeira vez em séculos, tinha motivo para ter esperança. Tinha visto seus
amigos se apaixonarem e este amor os fortaleceu. Eles superaram raivas de séculos e
autoaversão para tornarem-se os homens que suas mulheres precisavam. E se a
companheira de Kane ajudasse-o a derrotar Desastre? E se ela fosse a chave?
A garota certa poderia acalmá-lo, abrandá-lo? A questão era a garota certa.
Mas, de novo, quem era a garota certa?
A princesa que carregava Irresponsabilidade? Sininho que passou um tempo no
Sem-fim? Ou White? A escolha errada poderia atormentá-lo mais do que seu demônio.
O que sentia por Synda era raiva e pena.
Ela não o fazia querer viver só para estar com ela. Não o fazia esquecer as
experiências passadas. Não o fazia ansiar por algo melhor.
O que ele sentia por Sininho era... poderoso.
Ela o fazia ansiar por atingir suas metas. Fazia-o doer, de corpo e alma. Ela o
fazia sorrir. Então sim, quando fosse fazer sexo, seria com Sininho.
Quando? Uau.
Ele tinha mesmo pensado na palavra quando junto com sexo? Ele prometeu a si
mesmo que não iria por este caminho com Sininho. Ele apenas a desapontaria.
Arruinaria a inocência dela. Agora ele a considerava uma conclusão precipitada?
— Você pode falar. — Synda falava com Josephina. — Não vou contar para
papai. Juro.
— É melhor você falar. — Kane reiterou. Não teria como resistir àquela
excursão de outra forma. — Vou me assegurar de que nenhuma culpa seja lançada em
seu caminho.
A carruagem balançou para frente, mas Sininho permaneceu quieta.
Alguns minutos depois, Synda se levantou e disse:
— Oh, veja. Lá está a 25ª... — quase rolando para fora do veículo — Ei. Aos Sí
Caroline! Olhe para... Hmph.
Kane agarrou a mão dela e a forçou a sentar-se.
— Parada. — ele ordenou. — Não se mexa.
A princesa cruzou os braços e fez beicinho.
— Você não é divertido.
— Estou devastado por pensar assim. Agora, conte por que chamou aquela
mulher por um número e o que significa essa conversinha.
Chateação esquecida, Synda riu como uma colegial.
— Vinte e cinco é o número dela, bobinho, e Aos Sí é seu título.
Vago nem começa a descrever. Ele olhou para Sininho.
Após uma longa pausa, ela tomou um longo fôlego e disse:
— Todo Opulens fora da Família Real carrega um número. Caroline é a 25ª na

97 | P á g i n a
linha sucessória ao trono, o que significa que é o membro do escalão 25º da alta corte.
Existem cinquenta membros. Todos os outros são da baixa corte e sem número.
Não havia nada mais importante que o status para os Fae?
— E o título?
— A tradução literal de Aos Sí é “seu povo”. Toda fêmea da alta corte carrega
tal título. Os machos são denominados Daoine Sídhe.
Bom saber.
— Qual o seu número e título?
Vermelho manchou seu rosto; ela grudou os lábios.
— Ela não é uma Opulen. — disse Synda com naturalidade.
Então... ela não tinha um número ou um título. Ele não gostava disso.
Passou os demais quinze minutos de viagem fazendo perguntas às garotas.
Quão frequentemente o trono mudava de mãos? Resposta: oito vezes na história Fae.
Como os Reis antepassados morreram? Resposta: assassinados pelos sucessores. A
corrida já terminou sem um rei? Resposta: nunca.
A troca parou quando a carruagem estacionou em frente à primeira loja num
corredor de lojas. Os prédios eram feitos de pedra escura e algum tipo de material
cintilante com telhados de cristal e janelas cercadas por heras, lembrando-o de algo
saído de um conto de fadas.
E... era William, o Derretedor de Calcinhas, que entrara na loja no final da rua?
A... Saco de Pancadas do Diabo era o nome, e era claramente uma taverna.
Kane pôs-se de pé.
— Já localizei nossa primeira parada. — ele disse.
Ajudou as mulheres a saírem da carruagem, recuando ante as lembranças que
o toque de Synda provocava, maravilhado novamente com a paz mental que Sininho
trazia e seguiu em frente. Quando Synda tentou entrar na loja de sapatos, puxou-a de
volta.
— Mas... — ela começou.
— A taverna primeiro. — ele disse e Synda parou de brigar.
— Por que não disse logo? Estou sempre pronta para uma dose ou doze.
— Não pode estar falando sério, Kane. — Sininho disse num rosnado. — É de
manhã e já quer se acabar? Com a queridinha dos Fae? Serei culpada por isso, é o que
sei.
— Você não será culpada. — Kane falou. Ele não permitiria. Nunca mais.
Ele empurrou as portas e analisou a área. Focou num guerreiro de cabelos
escuros deslizando num assento, pedindo uma mão de cartas com certeza além de
qualquer dúvida. Sim, aquele era de fato William, O Diabo Despudorado.
Ele tinha falado com Taliyah e seguido Kane até ali?
Uma fêmea e três homens formavam um círculo ao redor de William. Kane
reconheceu cada um. White, a fêmea, e seus irmãos, Red, Black e Green. No inferno,
Red e Black o resgataram dos asseclas de Desastre, mas em vez de libertá-lo,
amarraram-no na esperança de aprenderem seus segredos — quaisquer que fossem
estes —, e então matá-lo, para evitar que se juntasse à White. Mas cometeram o erro
de colocá-lo na mesma categoria de Desastre e disso ele se ressentiu.
Depois, é claro, Green e White o encontraram e foram embora, deixando-o
com sua agonia até que Sininho o achou.
Ele devia um pequeno troco aos quatro. Com facas.

98 | P á g i n a
A gangue dos cinco fumava cigarros e drenavam doses de whisky enquanto
estudavam as cartas. Synda escapou do aperto de Kane e saltitou para o bar, onde
pediu “o de sempre”. Sininho permaneceu ao seu lado, insegura.
— O que está fazendo aqui? — exigiu Kane.
— O que mais? Você me obrigou! — ela estalou.
— Não você, minha doçura.
William olhou para cima, sorrindo e gesticulando para que ele se aproximasse,
nem um pouco surpreso ao vê-lo.
— Kane, meu garoto. Estamos jogando pesado. Mas não tanto quanto você, ao
que parece. Duas mulheres? Sério? Estou chocado de que Kane, O Puritano, possa lidar
com tanto estrogênio ao mesmo tempo.
White e seus irmãos olharam para ele. Em uníssono, os três caras empurraram
as cadeiras para trás e se levantaram, olhando-o com raiva assassina. White voltou a
estudar as cartas.
— Sentados. — William ordenou simplesmente. — Agora não é hora para uma
batalha régia.
— Quando? — Red insistiu.
— Quando eu disser. Quero terminar nosso jogo antes. — Embora William
usasse uma camiseta com os dizeres “PAIS: Caras Contra Namoro de Filhas”, e fosse
difícil levá-lo a sério, os três obedeceram sem protestar. Mesmo assim, porém, Kane
não saiu de suas miras.
Black estalou os dedos.
— Hoje, demônio, você morre.
Ele não pode evitar um resmungo.
— Eu gostaria que você tivesse apodrecido no inferno, de verdade.
— Estou tendo a impressão de que ele não gosta de nós. — White falou,
exalando uma baforada de fumaça. Ela jogou uma cascata de cabelos pálidos sobre o
ombro. — Estou muito bem com isso.
— O que estão jogando? — perguntou Synda, cobrindo a distância entre eles e,
sem esperar um convite, jogando-se no colo de Red.
Com paciência incomum, o macho de cabelos escuros com olhos do mais cruel
azul, ajeitou-a mais confortavelmente no seu colo e começou a explicar o jogo.
Naquele momento Kane soube que ela não poderia ser a fêmea para ele, não
importava que fosse a guardiã de Irresponsabilidade ou o que a Moira quis dizer. Ele
não sentia nenhum tipo de ciúme ou posse.
Haveria consequências se ela fosse a garota certa e ele a descartasse? Talvez.
Ele se importava? Não.
A mulher no quadro de Danika era loura. White era loura também, mas ainda
que a filha de William fosse amável e forte, Kane a desprezava, e isso não mudaria.
Sininho, por outro lado, continuava interessando-o imensamente. Mas se fosse
a garota certa, por que continuava a sentir dor quando se aproximava dela? E quem
era a loura no quadro? O que ela significava para ele?
Kane puxou uma cadeira ao lado de William e forçou Sininho a sentar em seu
colo. Ele a queria por perto, queria as mãos dele sobre ela para impedi-la de fugir e
queria garantir que todo homem mantivesse as patas sujas longe dela. O movimento
assegurava a Kane as três coisas de uma vez. Dane-se a dor, ele pensou. Sim,
incomodava-o menos hoje, mas agora simplesmente não dava a mínima.

99 | P á g i n a
— Como eles saíram do inferno? — perguntou, apesar de Desastre gritar um
protesto quanto à coisa de sentar no colo.
William deu de ombros antes de jogar suas cartas na mesa. Ele encarou Kane.
— Achei que fosse precisar de uma ajudinha. Você não queria que seus amigos
soubessem o que estava aprontando, de modo que minha própria prole de víboras foi
a única opção.
— Isso não me responde.
— Não era a intenção. Soltei-os mais cedo, e é tudo o que precisa saber.
— É justo. Mas responda uma coisa. Por que está jogando cartas com eles ao
invés de me ajudar?
Outro dar de ombros.
— Ouvimos sobre seu noivado e imaginamos que tudo estivesse bem.
— Poderia ter checado.
— Sim. Eu poderia e até pensei nisso. E é o pensamento que conta, não é?
— Não, não é.
William pediu o cigarro para White e deu um trago. Fumaça baforou ao redor
dele enquanto dizia:
— É óbvio que tenho mais fé em você do que você mesmo. De nada.
Cinzas penduravam-se no cigarro e deviam ter caído no chão. Desastre garantiu
que caíssem no braço e na perna de Kane, queimando pequenos buracos na roupa e
chamuscando sua pele.
Sininho pressionou a mão contra o coração.
— Isso é algo tão doce para se dizer, senhor. Que homem bondoso é.
Kane olhou para ela e tudo parou. Ela estava séria, ele notou, e olhava para
William como se ele fosse tudo o que já desejou e nunca pensou que teria. Lâminas de
ciúme cortaram Kane e acalmaram o demônio.
— Você ouviu histórias sobre ele também? — ele exigiu.
— Não. Só estou dizendo que você é sortudo por ter um amigo como ele.
— William não é um doce. — ele ralhou. — Eu já vi os resultados sangrentos do
temperamento pirracento dele.
— E eu ouvi sobre os resultados sangrentos do seu. — ela gracejou.
William sorriu para ela.
— Eu gosto de você.
— Fico feliz, porque tenho uma proposta pra você. — ela respondeu.
— Não, ela não tem. — Kane a apertou forte para silenciá-la.
— Vá em frente. Estou ouvindo. — William instigou.
— Na noite em que te vi naquele clube, fui procurar uma chave em Séduire. —
Kane disse antes que Sininho decidisse falar sobre ele. Ela era teimosa assim. —
Durante todo esse tempo, você claramente já tinha uma.
— Nah. Eu teria voado para cá, mas comprei uma para minhas crianças. — disse
o guerreiro.
— Por comprar ele quer dizer roubar. — Red esclareceu, sem sequer
preocupar-se em olhar para eles. — E por roubar eu quero dizer matar.
Colocado assim, era uma atestado da dureza do coração do guerreiro. Por
distâncias selvagens aqueles homens conseguiriam o que queriam. Manda ver.
— Seus filhos... — até pronunciar a palavra em conjunto com o guerreiro
poderoso era esquisito — estão bem com o fato de vir aqui e me ajudar?

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— Não seja ridículo. — novamente todo sorrisos, William afastou a questão. —
Você escutou a parte sobre a batalha régia, certo? Não, eles não estão bem com o fato
de ajudar você. Eu prometi que poderiam brigar verdadeiramente sujo com você, com
sangue e ossos quebrados e talvez partes do corpo perdidas. Vai ser ótimo!
Sininho derreteu contra Kane, como se tentasse usar seu corpo para protegê-lo.
O tecido áspero do uniforme dela irritava a pele exposta dele. Como ela conseguia
permanecer usando aquilo?
Todos os vidros sobre a mesa estilhaçaram-se, líquido esparramou-se,
guerreiros praguejaram.
— Quando essa briga vai acontecer? — Kane perguntou, sem se perturbar.
— Você não escutou nada do que eu disse? — William limpou a mancha
molhada em sua perna. — Depois do jogo.
Ele pensou por um instante.
— Eu adoraria engatar um confronto com sua desova. Sininho... uh, quero
dizer, Josephina e eu voltaremos a tempo de terminarem o jogo. — ele realmente
queria levá-la para as compras mais do que conseguir sua vingança. Ela não vestiria
trapos enquanto todos ao redor dela usavam roupas finas.
Qualquer um que não conhecesse Kane poderia pensar que ele planejava uma
fuga. Mas William o conhecia melhor do que isso.
— E você a chama de Sininho? Mesmo? Eu teria escolhido Ivanna B. Withwilly4.
O que? É um nome bom e sólido.
Não responda a isso. Só vai encorajá-lo.
— Enquanto isso... — Kane rilhou os dentes. — A princesa é sua
responsabilidade. Não a deixe entrar em nenhuma confusão.
William pensou um pouco e concordou.
— Você se lembra de que gosto de dormir com minhas responsabilidades,
certo?
Sim. Ele se lembrava.
— Eu também sei que ficará tentado a jogá-la aos lobos assim que conhecê-la,
mas não a machuque nem deixe que outros o façam. — o rei protestaria e Sininho
seria responsabilizada.
— Então... está dizendo que não se importa caso eu seduza sua futura esposa?
— Eu não me importaria, mas não quero que chegue a isso. Ela pode arranjar
confusão e eles tentarão fazer com que Sininho suporte o castigo. Assim, sinta-se livre
para flertar, até mesmo para dar uns amassos se ela quiser, mas nada além disso. —
Synda se divertiria e ficaria longe de problemas.
Dois coelhos, uma cajadada só.
William pôs a mão no coração.
— Acho que você acabou de ser colocado no topo da minha lista de melhor
amigo para sempre.
Kane revirou os olhos e estendeu a mão.
— Tem um revólver ou uma semi-automática para me emprestar?
— Emprestar? Não. Pagar para usar por um curto período? Sim. — o guerreiro
espalmou uma .44 na mão de Kane. — Depois falo a respeito do preço.
— Obrigado. — Kane guardou a arma atrás da cintura e conduziu Sininho para
fora do bar. Cadeiras arranharam o chão e ele soube que os três machos, e talvez até
4
Ivanna B. Withwilly : piada com a expressão I ( eu) Wanna ( quero) B ( estar) Withwilly ( Com Willy).

101 | P á g i n a
mesmo White, levantaram-se com a intenção de ir atrás dele.
Ouviu William dizer:
— Acalmem-se. Ele vai voltar e então será de vocês.

102 | P á g i n a
CAPÍTULO 13

Josephina não tinha ideia do que estava acontecendo.


— Onde você está me levando?
— Às compras.
— Compras? Sem Synda?
— E em seguida a uma briga. — continuou como se ela não tivesse falado.
— Mas vão ser três contra um. — ela chiou.
— Eu sei. Isso não é justo para os meninos de William, mas estão insistindo,
assim o que posso fazer?
Eles se afastaram da fêmea demônio de cabelos negros com olhos tão frios e tão
Fae como se ela soubesse que ele entregaria um golpe mortal em uma mulher sem
parar para fazer perguntas. Ele era a resposta para seus problemas. Agora, porém,
olhava para ele com espanto.
Ele piscou para ela.
Ela fez uma careta para ele. Estava bem para Kane se machucar, o que o fazia
inaceitável em todos os níveis.
Kane a forçou a atravessar a porta da taberna e entrar na luz do dia. As ruas
estavam um pouco mais congestionadas com carruagens puxadas por cavalos, e os
caminhos cheio de Opulens tagarelas e servos se arrastando a poucos metros atrás
deles. No momento em que um olhar pousava em Josephina, qualquer olhar, eles se
afastavam rapidamente para longe. Vozes foram diminuindo gradativamente até se
acalmarem e corpos avançaram fora do alcance, como se tocá-la pudesse causar algum
tipo de doença.
— O que um homem tão magnífico daqueles está fazendo com ela? — uma das
Opulens perguntou a uma amiga.
— Homens gostam de descer o nível de vez em quando.
Josephina tentou se libertar de Kane com um movimento insignificante, na
verdade, mas um que ele permitiu que o desacelerasse mesmo assim.
— Calem as suas bocas antes que eu mesmo faça isso. — disparou Kane.
Elas gritaram ante sua veemência e fugiram.
Josephina piscou com surpresa.
— Por que estamos fazendo compras sem Synda? — ela perguntou, tentando
novamente.
Mais uma vez ele ignorou a pergunta.
— Se eles continuarem te tratando como uma prostituta, serão mortos.
— Para eles sou uma serva humana sem uma ama à vista. Não tenho nenhum
negócio para estar nesta parte da cidade sozinha com um homem, a menos que esteja
sendo fodida por ele em uma base diária.
Uma de suas sobrancelhas arqueou.

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— Fodida. Quem te ensinou a falar assim?
— Você! Estudei você e seus amigos durante anos, lembre-se, e peguei suas
dicas verbais.
Ele massageou a nuca e ela não tinha certeza se estava lutando contra um
sorriso ou uma careta.
— Eu odeio o padrão ambíguo daqui. Essas mesmas mulheres teriam se despido
para mim na noite passada e eu não teria que dizer uma palavra.
Ela ficou boquiaberta.
— Uh, talvez devêssemos ter um saco para o seu ego. Isso pode tornar mais fácil
você levá-lo por aí.
Seus lábios tremeram por alguns segundos, definitivamente lutando contra um
sorriso.
— Vamos te tirar de vista antes de eu arrancar alguns olhos e pendurá-los em um
colar que vou fazer para você como presente.
Gostaria totalmente de usar isso.
Eles voltaram a se mover. Ele contornou a loja de calçados, a loja de fitas, a
chapelaria e parou em frente a uma das modistas.
Com a mão na maçaneta da porta, ele disse:
— O que os Fae usam como dinheiro?
— Você pode achar difícil de acreditar, mas... dinheiro.
Outra contração muscular, antes de sua carranca retornar.
— O que acontece se alguém toca a pele do seu rosto ou seus ombros? —
Enquanto falava, seu olhar traçou as áreas em questão — e brilhavam com fome. — A
mesma coisa que acontece quando eles tocam suas mãos?
Sua capacidade de respirar abandonou-a. Estaria ele pensando em tocá-la aqui,
agora? Seu sangue aqueceu e os joelhos quase se dobraram.
— Não. Minhas mãos são o único problema.
Será que essa voz carente pertencia a ela?
— E você sabe disso porque...
— Porque eu tinha uma mãe e ela me contou. Naquela época, eu não podia
controlar o que acontecia com as minhas mãos — e ainda não podia ser capaz —, mas
nada aconteceu quando ela me ajudou a me vestir.
Ele ergueu a mão, os dedos se aproximando do seu rosto. Um tremor a sacudiu.
A qualquer momento...
Duas meninas rindo passaram por eles.
Xingando, ele deixou cair o braço para o lado.
— Ok, então. — Ele andou até um pequeno prédio, puxando-a atrás dele. A
campainha tilintou em cima. O aroma do perfume floral atingiu-os primeiro, a
fragrância preferida das Opulens e que ela desprezava. Kane claramente sentiu o
mesmo. Ele torceu o nariz e franziu os lábios — e parecia totalmente adorável fazendo
isso.

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Eu tenho que conseguir essa... sei-lá-o-que sob controle.
Uma mulher mais velha com cabelos grisalhos e olhos Fae típicos saiu dos
fundos. Ela usava a moda atual, um vestido elaborado de seda amarela, material
trançado ao longo da bela saia para formar um buquê de rosas. Sua pele estava
marcada por uma vida de trabalho duro. Como Josephina, era metade Fae, metade
humana, mas ao contrário de Josephina, envelheceria até morrer. A parte humana
dela era claramente mais forte do que a Fae.
— Sou Rhoda, a proprietária. — disse ela, as palavras lentas e precisas. Sua
expressão se iluminou. — E você é... você é... você. Como posso ajudá-lo, Senhor
Kane? Qualquer coisa que desejar, é seu.
— Eu a quero... — disse Kane, arrastando Josephina para frente e forçando-a a
ficar na frente dele. Colocou as mãos em seus ombros para garantir que não fugisse,
um tremor derramando-se dele e dentro dela. — mais bem vestida.
Talvez fosse irracional, mas assim que o choque inicial passou, ela experimentou
uma súbita vontade de chorar. Não era boa o suficiente como era. Seu pai dissera a
ela. A rainha disse. Agora as ações de Kane disseram a ela. O poderoso Senhor do
Submundo querido por todos não queria ser visto com uma serva vestindo trapos.
Seu olhar encontrou o dele no espelho do outro lado da sala e ele franziu a testa.
— O que há de errado? — Ele exigiu.
Posso segurar as pontas. Pelo menos por um tempo. Mais tarde, ela
provavelmente se esconderia debaixo dos cobertores.
— Não se preocupe. Vou andar atrás de você de agora em diante. Não terá de
ser visto comigo.
Seus dedos cavaram nela.
— Querida, não gosto da maneira como esse tecido irrita sua pele. É bonita
demais para ser maculada.
Oh. Meu.

***

Kane apertou Sininho e o tremor em suas mãos aumentou.


Ele queria essa mulher. Intensamente.
Desejou ser o homem que costumava ser. Teria rido e flertado com ela,
relaxando-a. Ele a teria encantado, deixado feliz. Ela teria recebido suas atenções —
teria inclusive implorado. Em vez disso, feriu seus sentimentos da pior maneira.
— Por favor, deixe-me fazer isso por você. — disse ele.
Ela se virou e olhou para ele, olhando-o com aqueles olhos azuis elétricos que ele
deveria ter achado tão desagradável como todos os outros, mas... os dela eram
diferentes.
Gostava que eles mudassem as cores conforme seu humor. Gostava que agora
estivessem repletos de vários tons de azul. Uma mistura de azul claro, azul escuro e

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algo entre os dois, criando uma espécie de poesia, um caleidoscópio de beleza que
ninguém jamais seria capaz de recriar.
— É um gesto maravilhoso e estou mais do que agradecida, mas você não pode.
Eu não posso vestir qualquer coisa além do meu uniforme. Se eu fizer isso, todos terão
permissão para rasgar minha roupa... não importa onde esteja ou com quem.
E ela acabaria nua. Tão bonita e naturalmente sensual como era, os homens ao
seu redor se embasbacariam, talvez estendessem a mão e a tocassem. Possivelmente
até mesmo tentariam fazer mais.
Uma gota de raiva rolou por ele, crescendo quanto mais profundamente
compreendia isso.
Ele olhou para Rhoda.
— Faça-lhe um novo uniforme, só que mais macio e de um tecido de melhor
qualidade. E adicione bolsos. Muitos bolsos. — Ele a queria armada e em prontidão em
todos os momentos. Preparada... como ele não fora. — Você pode terminá-lo dentro
de algumas horas? Quero que ela deixe o que está vestindo.
— Claro, claro, isto é como sou conhecida. — foi a resposta. — Odeio trazer isto
até um cliente tão eminente, mas... como vai pagar, meu senhor?
— Com isso. — Ele retirou o maço de dinheiro que encheu em sua bota antes de
iniciar esta jornada.
Rhoda concordou.
— Muito bom. Vou levá-la lá atrás e...
— Não. Ela fica dentro de minha vista em todos os momentos.
Sininho espalmou as mãos enluvadas no seu peito e ele respondeu
imediatamente. Seu coração acelerou em uma batida agora familiar, e o aumento do
fluxo de sangue motivou seu corpo pronto para ela. Para todas as coisas que queria
fazer com ela.
Foi doloroso. Muito mais do que antes. Foi prazeroso. Muito mais do que estava
disposto a admitir.
A necessidade que sentia por ela... a borda afiada que diariamente, a cada hora,
e se não tivesse cuidado, seria logo cortada por ele, cortando os laços de seu bom
senso, suas melhores intenções e sua preocupação com as complicações.
Desastre rugiu de fúria. Eu a odeio! Deixe-a!
Mato você, Kane rugiu de volta.
Rolos de tecido caíram de uma mesa para o chão, as bobinas pesadas batendo
nos pés de Kane com um baque surpreendentemente forte.
— Eu sinto muito. — disse Rhoda, correndo para arrumar a bagunça. — Não sei o
que aconteceu.
Inflexível, Josephina balançou a cabeça.
— Não posso me despir na sua frente.
— Por que não? — Mas já sabia a resposta. Não eram amantes. Eles não eram
nem mesmo amigos, não realmente. Ela estaria vulnerável. Ele não podia prometer

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não olhar. Como os homens que ele acabara de desdenhar, ele olharia.
Ele deveria ter vergonha. Pegou algumas fofocas no palácio e sabia que sua mãe,
que foi considerada uma humana humilde, foi amante do rei. Sabia que sua mãe foi
insultada e suspeitava que ela mesmo foi evitada. Qualquer indício de impropriedade
devia fazer Sininho lembrar da angústia da mãe. Talvez até mesmo fazê-la sentir que
merecia as palavras cruéis que as duas Opulens proferiram lá fora.
Mas ela não fez. Esse tipo de pensamento tinha que parar... agora.
— Eu simplesmente não posso. — ela insistiu.
— Você pode. Você vai. Como eu disse, não quero você fora da minha vista, nem
por um segundo.
— Kane...
Um tom de súplica. Que podia ter atendido de estivesse debaixo dele — tinha
que tê-la debaixo de mim. Ele rangeu os dentes.
— Continue a discussão comigo e vou encontrar outra maneira de mudar sua
cabeça. Uma maneira muito mais íntima.
Seus olhos se arregalaram.
— Você não pode.
Ele se inclinou até que seus lábios pairassem acima dos dela.
— Me tente. Por favor.
Suas bochechas se infundiram de vermelho e ela olhou para a dona da loja.
Como ele poderia ter esquecido de Rhoda?
Endireitando-se, encontrou o olhar perspicaz da mulher mais velha.
— Onde ela vai, eu vou, e isso é inegociável.
Um aceno de cabeça e a mulher virou-se, dizendo:
— Por favor, sigam-me.
Kane olhou para Sininho.
— Isto é para o seu próprio bem, prometo. Não posso dar a oportunidade de
você sair e não vou permitir que ninguém a machuque.
— Isso é ótimo, maravilhoso, mas vai arruinar minha reputação. — ela
murmurou. — Pior do que já está.
— Eu sinto muito por isso. — Mas tinha que ser feito. — Vou pensar em algo
para corrigi-lo.
— Antes ou depois dos homens começarem a me ver como mais do que uma
escrava de sangue?
Um golpe direto. Ciúme floresceu, quente e afiado.
— Se isso acontecer, os homens começarão a morrer.
— Mas...
— Querida, preciso que pare de protelar. — Ele deu-lhe um pequeno empurrão,
forçando-a a seguir adiante. Parou atrás dela. Entraram em uma pequena sala nos
fundos onde uma outra garota se movimentava, movendo cortinas de tecido para fora
do caminho, revelando uma cadeira para Kane e um banquinho para Josephina.

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Um banquinho empoleirado na frente de um espelho de três lados.
Ele deslizou no assento almofadado. Um pino espetou nas costas dele e fez uma
careta.
Em tempo recorde Sininho foi despojada da calcinha e sutiã, e notou que as duas
peças eram de tecido de algodão branco liso. Moldando-a. Escondendo dele os
detalhes da sua feminilidade... pedindo-lhe para procurar. Foi incapaz de disfarçar sua
reação, cada centímetro dele endurecendo. Seu corpo era uma obra de arte, magro,
mas tão lindamente curvilíneo. Perfeitamente bronzeada sem qualquer tipo de marca.
Tonificada pela quantidade de trabalho que era forçada a fazer todos os dias.
Ele agarrou as bordas de sua cadeira para não ir até ela.
Podia ajudar a si mesmo. Podia.
A costureira tentou remover as luvas de sininho, mas ela balançou a cabeça.
— Elas ficam.
Rhoda olhou para ele para confirmar.
Ele acenou com a cabeça. Talvez Sininho pudesse controlar sua capacidade de
absorver a força e habilidades de outra pessoa, talvez não pudesse, mas não arriscaria
até que descobrisse.
Hoje à noite ele descobriria.
Ela teria que colocar as mãos nele. Em sua pele.
Os braços da cadeira quebraram.
Sininho foi medida e ornamentada com tecidos diferentes para descobrir qual
deles parecia o melhor nela. Uma vez que a decisão foi tomada, as duas costureiras
começaram o árduo processo de corte e costura do vestido.
Perto do fim, o estômago de Sininho começou a rosnar.
— Com fome? — ele perguntou com um tom de culpa. Deveria tê-la alimentado
antes de trazê-la aqui. Sendo classificada como serva, provavelmente não recebia
refeições adequadas a ela.
Desastre riu com prazer.
Nunca mais, Kane pensou.
— Estou faminta. — ela respondeu, ainda sem se atrever a encontrar seu olhar.
— Eu tenho comida. — disse Rhoda e acenou dispensando a assistente.
A menina saiu da sala, retornando alguns minutos depois com um carrinho de
rodinha com sanduíches empilhados, biscoitos e uma jarra de chá.
Sininho parecia atordoada.
— Para mim? Sério?
Como ela parecia ávida, quando tal tratamento deveria ter sido uma ocorrência
diária para ela.
Deveria, deveria, deveria. Ele já estava doente da palavra. A partir de agora,
cuidaria muito bem dela.
— Para você. — disse ele.
Segurando o vestido novo, mas ainda inacabado em seu peito com uma mão, ela

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estendeu a outra mão e reivindicou um sanduíche. Ele observou enquanto ela comia, a
forma como fechou os olhos em sinal de rendição, a maneira como um sorriso curvou
os cantos dos lábios, o jeito que mastigava e saboreava.
Tão adorável. Tão sensual, mesmo sem querer ser. Tão minha...
Sua pele arrepiou e talvez ele tenha se movido. Talvez falado. Seu olhar se
levantou para satisfazer o seu. Seus lábios se separaram em uma exalação assustada.
Ela podia ver a crueza de sua necessidade?
— Kane. — Uma súplica ofegante.
Nesse momento, o grito do demônio deixou de importar. O passado
desapareceu, deixando apenas o presente... o futuro e a maré irrefreável do prazer por
vir. Cada osso vibrava. Ele precisava entrar nela. Aqui. Agora.
Seria agonia.
Seria êxtase.
A tensão se enroscou no fundo das suas entranhas, só para desenroscar
repentinamente e fazê-lo parar de maneira abrupta.
— Deixem-nos. — disse ele, sua voz rouca como uma lixa.
Sem perguntas. Sem protestos. As duas costureiras saíram do quarto fechando a
porta atrás delas.
O bule quebrou na bandeja, líquido escuro derramou em todo lugar.
Sininho parecia não notar, estava ocupada demais olhando para ele.
— T-tem algo errado?
Já estava farto de resistir. Farto de pensar em todos os motivos para não agir.
Hoje tomaria uma atitude.
Talvez sentindo a escuridão, os impulsos gananciosos conduzindo-o, ela se
endireitou rapidamente. Sua respiração se acelerou.
— Kane. — disse ela.
— Diga-me para parar. — Ele ficou a um simples batimento cardíaco de
distância, seus olhares se prenderam. Nada mais poderia deter a loucura.
— Eu... eu não posso.
Ele a cheirou. O cheiro de material de limpeza havia desaparecido e cheirava a
alecrim e hortelã novamente, doce e inocente. Talvez ela pudesse finalmente lavar a
mancha dentro dele. Ou queimá-lo com paixão — ele podia sentir o intenso calor que
irradiava de seu corpo. Talvez ela pudesse derreter o gelo que residiu dentro dele.
Talvez ela pudesse salvá-lo.
Ela engoliu, lambeu os lábios.
— Espere. Acho que você está certo. Acho que deveria dizer para parar. Isso não
está certo.
— Não. Não é. É necessário.
Eu vou machucá-la, juro que vou.
Kane ignorou o demônio, chegando cada vez mais perto de Sininho.
— Pare? — ela disse, perguntando quando provavelmente queria dizer uma

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afirmação.
— Tarde demais. — A menos que... — você já esteve com um homem?
Ela deu uma sacudida lenta de sua cabeça.
Essa resposta deveria ter terminado com isso.
Isso não aconteceu.
Ele deveria se afastar.
Não se afastou.
Possessividade o arranhou, tão afiada, tão profunda, sabia que sentiria as feridas
pelo resto da eternidade e seria feliz por isso. Passou as pontas dos dedos ao longo de
sua mandíbula, e oh, era tão suave e eletrizante como tinha imaginado. Ela quase o
descontrolou quando se inclinou para seu toque buscando um contato mais íntimo. Ele
deu a ela, tocando a parte de trás de seu pescoço, apertando no punho seu cabelo
glorioso e forçando o olhar dela a permanecer no seu.
— Não vou me deixar tomá-la. Não aqui, não agora... mas quero algo de você.
Preciso disso.
Um tremor a percorreu.
— O que você quer?
Desastre bateu nas laterais do crânio de Kane.
Eu vou machucá-la. Eu vou. Odeio-a tanto.
Ele rangeu os dentes. Cale a boca! Você odeia porque ela é a única relação que
posso ter que não vai acabar em desastre, e que...
Lá estava. A resposta. A razão pela qual o demônio o machucava sempre que
Sininho se aproximava. Ela era uma bênção, e não uma maldição. É claro que o
demônio queria se livrar dela.
Ela realmente era a "minha" de Kane, assim como seus instintos gritaram.
Sua. E não do demônio.
Ele olhou em seus olhos hipnotizantes e sentiu seu coração inchar. Seus dedos
não abandonaram a suavidade de seu cabelo e agora estavam segurando-a como se
ela fosse uma tábua de salvação, fazendo com que o pescoço arqueasse. Ele
provavelmente devia afrouxar seu aperto. Não fez. Não podia. Queria possuí-la, do
jeito que desse e qualquer coisa que o futuro reservasse, e era assim que iria sobre
isso.
— Deixe-me beijá-la, Sininho.
Ela molhou os lábios e sussurrou:
— E quanto a Synda?
— Eu não quero Synda.
E agora ele terminou de falar. Ele mergulhou, sem se preocupar com
preliminares ou gentilezas, mas enfiando a língua dentro de sua boca, em seguida
contra a dela, desencadeando toda a intensidade da necessidade que o dirigia. Ela
suavizou contra ele apesar da ferocidade de sua reivindicação, e recebeu-o
plenamente. A doçura absoluta de seu gosto alimentou o fogo dentro de si a partir de

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um incêndio em um inferno.
Ela não segurou nada, inclinando-se para ele, envolvendo os braços em volta do
seu pescoço e entregando-se à sua dominação total.
E dominar foi o que ele fez.
Tomando. Dando. O que queria era demasiado poderoso para conter. Foi
esmagador. Estilhaçante. A conexão mais vinculante que carne e osso. Inegável.
Incontrolável.
Seu corpo estalou cheio de vida enquanto alimentava-a com um beijo
desesperado atrás do outro.
E ainda assim desejava dar-lhe mais. Ele pressionou-a tão firmemente contra ele,
nem mesmo ar os separava. Sua paixão era insaciável, exigindo a aceitação total e uma
obsessão sem fim. Mais do que provavelmente estava disposta a dar, mais do que ela
provavelmente devia dar. Mas ele exigiu sem piedade, forçando a língua a manter o
ritmo e seu corpo esfregando no dela.
Ele fundiria sua alma à dela.
Uma de suas mãos deslizou pela pele nua do seu braço, depois para a lateral
dela, a curva suntuosa de sua cintura, em seguida se enganchou debaixo de suas coxas
e levantou. Ele girou e caminhou para a frente até que as costas dela pressionaram a
parede. Com as mãos agora livres para vaguear, ele puxou a bainha do seu vestido,
desembaraçando o material de suas pernas. Automaticamente ela envolveu-as em
torno dele, o corpo dele se tornando uma âncora para o dela.
Isso quase o matou.
Ele nunca tivera mais motivos para desprezar a intimidade, e ainda assim nunca
almejou mais.
Quanto mais a beijava, mais ela se esfregava nele, sua própria gatinha, e quanto
mais se esfregava nele, mais ele queria suas roupas fora do caminho. Cada odiosa
peça. Sua pele era como seda quente e estava desesperado por mais. Tudo. Seu sabor
e aroma eram o seu sonho de lar... sua... sim, sim. Sua e de mais ninguém. Ele
precisava colocar sua marca em cada centímetro dela.
Ela gemeu e ele levantou a cabeça o suficiente para olhar para baixo às suas
feições enevoadas de paixão. Sua beleza era uma fantasia que nunca ousou ter. Seus
lábios estavam inchados e vermelhos. Úmidos. Perfeitos.
Suas pálpebras lentamente se separaram.
— Kane?
Ela estava ofegando tão vigorosamente quanto ele.
Tinha que ter essa mulher. E ele o faria. Mergulhou de volta para um outro
gosto. Ele rasgaria seu vestido novo e a roupa íntima. Ele a jogaria no chão. Não se
incomodaria de remover todas as suas roupas. Simplesmente desfaria de suas calças.
Ele a queria muito intensamente para perder tempo se despindo... não importa o
quanto desejava o contato pele-com-pele. Que viria mais tarde. Depois que o incêndio
da primeira vez tivesse sido extinto.

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Agora ele abriria suas pernas e se enterraria profundamente dentro dela.
Não, não!
O penetrante grito de Desastre chamou sua atenção por um envenenado
segundo.
Isso foi o suficiente. Ele acalmou, tentou recuperar o fôlego.
— Kane. — um gemido escapou de Sininho quando seus dedos cobertos com a
luva roçaram suas costas.
Mãos... todas sobre ele...
De repente, sentindo-se como um animal enjaulado ele se endireitou. Colocou-a
de volta aos seus pés com a cabeça girando. Ela não tinha ideia de quão perto esteve
de perder a virgindade em uma loja de roupas.
O demônio tinha de alguma forma quebrado a última das barreiras que Sininho
construíra com a intenção de insultar Kane com a lembrança. Ao invés disso, a criatura
fizera um favor a ele.
Sininho traçou a costura de seus lábios com os dedos trêmulos.
— Sinto muito. Fiz alguma coisa errada?
Ele não queria explicar e ter que lidar com a humilhação, mas devia a ela e
pagaria. Seja qual for o custo. Tentou fazer com que sua respiração ficasse sob
controle.
— No inferno... os demônios... me obrigaram a...
Seus cílios abaixaram, mas não antes que ele tivesse um vislumbre de sua pena.
Piedade.
Ele odiava piedade.
Era isso o que temia, no entanto. Fazer de si mesmo um tolo sexualmente. Lidar
com as consequências.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu com você. — disse ela. — Não desejo esse
destino ao meu pior inimigo.
Ele acenou com a cabeça para deixá-la saber que ouviu, mas não ofereceu mais
do que isso.
— Mas... sobre o beijo. Não podemos fazer isso de novo. — disse ela com um
tremor. — Querendo Synda ou não, você está envolvido com ela e não vou ser a outra
mulher. Nunca. Por ninguém, nem mesmo por você.
— Você está certa. — Não por causa de seu suposto envolvimento, mas porque
não tinha nada a oferecer a ela. Como sabia, mas ignorou. Como ele tinha apenas
provado.
Odiava essa situação também. Odiava sua mente e suas emoções, e sim, a
fraqueza que teria negado até seu último suspiro.
— Não, realmente, nós temos que... esperar. Estou certa? — Ela balançou a
cabeça como se quisesse expulsar os pensamentos, cachos de cabelo escuro dançando
sobre seu ombro. — Não importa. Eu quero beijar só o meu homem, e se não for você,
então...

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— Você está certa. Eu não sou.
Com as bochechas vermelhas, ela disse:
— Além disso, não quero um homem. Gostaríamos de... você sabe, eu gostaria
de ter filhos e o rei iria querer usá-los da maneira que me usa, e eu nunca permitiria
que minha própria carne e sangue sofresse de tal maneira.
— Posso ser um guerreiro e cruel nas minhas disputas, mas entendo. — Ela era
protetora do que considerava seu. Ferozmente assim. Era admirável. Mas a esperança
fora roubada dela, exatamente como fora roubada dele. Ela não podia se ver no
futuro. Não podia se ver feliz ou contente... ou até mesmo segura.
Todos os dias ela partia seu coração um pouco mais.
Desastre começou a gritar e rosnar. Lá em cima uma lâmpada entrou em curto. A
rachadura no chão aumentou em um grau tão surpreendente que não poderia mais
ser ignorada. O prédio inteiro tremeu. Kane se afastou de Sininho e a tentação que ela
apresentava.
— O que está acontecendo? — Ela perguntou, olhando ao redor.
— Uma revolta.
Ela tropeçou, criando ainda mais distância entre eles, e a confusão morreu.
— Foi você, não foi? — Ela perguntou.
Ele poderia ter mentido. Queria mentir. Mas disse:
— Sim, era eu.
— O demônio?
— Sim.
—Então não é realmente você. — disse ela, confundindo-o. Entendia a diferença
entre o homem e o mal. — Ele está aprontando.
— Sim. — Kane repetiu.
— E isso é tudo que ele tem? — Ela riu, um som tão puro como sinos de Natal. —
Como é patético.
Desastre rosnou dentro de sua cabeça e Kane sorriu. A mulher temia as coisas
que sua família poderia fazer para ela, e ainda assim era destemida em face de um
demônio.
Desejo o invadiu mais uma vez.
— Vamos ter as costureiras terminando seu vestido para que possamos voltar
para o bar. — disse ele, afastando-se dela. — Eu tenho uma luta para participar.
— Eu ainda não aceito essa luta.
— Tem que acontecer eventualmente. Os caras querem me impedir de namorar
sua irmã.
Todo o seu humor foi drenado, deixando suas feições tensas.
— Bem, tanto faz. Vamos levá-lo a essa luta para que possa namorar quem
quiser.

113 | P á g i n a
CAPÍTULO 14

O novo uniforme coube perfeitamente em Josephina, o tecido macio contra a


sua pele era uma carícia divina, ao contrário de uma fricção irritante. Ela adorou. Mas
não tinha ideia do que pensar sobre o homem responsável pelo traje.
Ele era frio. Mas bondoso.
Feroz. Mas carinhoso.
Cruel. Mas doce.
Se não tivesse cuidado, terminaria se encantando por ele — e acabaria com o
coração partido. Não podia confiar nele. Ele a beijou, mas não tinha planos de romper
o noivado com Synda. Ele a beijou, mas estava pensando em ficar com outra mulher, a
loira da taverna.
Quantas mulheres ele tinha atadas à sua bela coleira?
Várias. Obviamente.
E Josephina quase se tornou uma delas.
Vou ter que erguer uma parede de gelo contra ele.
Ela esperava que sua primeira experiência com a paixão fosse amena — se
alguma vez fosse enfraquecer a ponto de sucumbir aos charmes de um homem.
Esperava uma exploração hesitante, calma, um pouco enfadonha, e ainda assim o que
experimentou foi um calor insuportável, e até sua pulsação se transformou em uma
bateria frenética. Um ritmo assustador, mas oh, tão sublime.
Kane tomou posse da sua boca, reivindicou e exigiu uma resposta e ela foi
incapaz de negá-lo, incapaz de se conter, sem desejar se conter. Ele tinha gosto do
uísque que o viu beber, e a embriagou. As mãos dele… em seu cabelo… em seus
braços… em sua cintura… ele acariciou e apalpou e deixou uma trilha ardente de
desejo pelo caminho.
Pela primeira vez em sua vida sentiu-se viva. Tinha algo pelo qual ansiar, algo
que valia a pena todas as provações que enfrentava. Mas aí então ele se afastou como
se ela o enojasse, e sim, ela sentiu vontade de chorar.
Saber que o nojo não tinha nada a ver com ela a deixava aliviada. Mas também
fazia com que quisesse chorar. O que ele suportou no inferno deixou cicatrizes nele, e
precisava ir devagar, entender com a mente as coisas que o seu corpo sentia, mas ele
não queria ir mais devagar com ela. Então, ótimo. Tanto faz. As outras duas podiam se
divertir com ele.
Endireitando os ombros, Josephina manteve o passo ao lado dele. Ele parou na
frente do Saco de Pancada do Diabo e encontrou o seu olhar.
— Os Fae podem fingir que são melhores que você, mas isso é tudo o que
fazem. Fingir. Não existe ninguém melhor do que você.
Ele não esperou pela sua resposta e foi entrando sem demora no

114 | P á g i n a
estabelecimento.
Estupefata, ela o seguiu. O que… por que… com certeza a tradução que fez do
Inglês para o… é, Inglês, estragou a essência do significado das palavras dele. Ele havia
acabado de verter elogios, mesmo não a querendo? Tinha de ter alguma coisa errada
com o seu raciocínio.
— Talvez devesse esquecer a briga e irmos a algum lugar conversar sobre o
nosso... — Coitados dos meus olhos. Usando apenas lingerie, Synda estava dançando
em cima de uma mesa, o vestido pendurado na mão erguida. Os homens que
planejavam surrar Kane a rodeavam, aplaudindo e incentivando.
Pelo menos o resto dos fregueses foram embora, não deixando mais
testemunhas do comportamento da princesa. Mesmo assim, Josephina seria castigada
por isso. Atos obscenos em meio aos Opulens eram encorajados, frequentemente
recompensados, mas aquele era um bar comum e aqueles homens eram… ela não
tinha certeza do que eles eram.
A loira — a que Kane deveria namorar — estava sentada no canto de trás,
comendo uvas, despreocupada com o caos que a cercava.
Josephina imediatamente não gostou dela.
— Cavalheiros. — Kane disse com a voz calma.
Todos os quatro olharam para ele. Três perderam os sorrisos. O outro —
William — sorriu ainda mais.
Silêncio reinou… até Synda avistá-lo e suspirar.
— A diversão acabou? — ela perguntou fazendo bico.
O guerreiro sorridente se aproximou. Ele tinha o cabelo escuro e olhos de um
azul elétrico característico dos Fae, embora claramente não fosse um. O poder que
vibrava dele era extremamente… único. Também era o mais forte que ela já
encontrou. Um toque e ela suspeitava que a energia do homem faria com que o seu
corpo entrasse em combustão.
— Doce Kane. — disse William. — Você voltou.
Kane assentiu em saudação.
— Gostei.
— E com Ivanna B. — William disse para Josephina. Ele estendeu a mão,
pretendendo tocar a sua e talvez levá-la até os lábios para um beijo.
O que significava o nome que lhe deu?
Antes que pudesse estender a mão, Kane bateu no braço do homem com força
suficiente para quebrar os ossos.
— Nada de tocar. — O aviso feroz em seu tom ecoou pelas paredes.
— Estou de luva. — ela disse. — Não o teria ferido.
— Não é com ele que estou preocupado.
Com ela?
— Você divide a sua futura noiva, mas não a serva dela. — o outro disse com
bom humor. — Isso não é nem um pouco estranho. — Para os outros, ele disse. —

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Aumentem o espaço, rapazes, a batalha está prestes a começar.
Os homens se apressaram em obedecer. Logo as mesas foram colocadas contra
as paredes, deixando um espaço circular. Synda foi levada até a mulher que estava
comendo uvas. Encarando Kane, o homem de cabelo loiro estalou os dedos. O careca
jogou a cabeça para a direita e esquerda, alinhando a coluna. O de cabelo escuro
retirou duas lâminas em formato de anzol.
Tremendo, Josephina fechou as mãos na saia do seu novo e macio vestido.
William andava na frente dos ávidos combatentes, dizendo:
— Primeira regra do Como Dar uma Lição ao Kane: você não fala sobre o Como
Dar uma Lição ao Kane. Segunda regra do Como Dar uma Lição ao Kane: você não fala
sobre o Como Ensinar uma Lição ao Kane. Terceira regra do Como Dar uma Lição ao
Kane: se alguém desistir da briga, você continua batendo. Quarta regra do Como Dar
uma Lição ao Kane: não há regras. Entenderam?
Kane pigarreou, ganhando a atenção de William.
— Posso matá-los ou prefere que vivam?
O homem inclinou a cabeça de lado como se de fato considerasse a resposta.
— Vivos. — a resposta finalmente veio. — Mas quase mortos não seria uma
coisa tão terrível assim.
É… alô, que confusão. De que lado ele estava?
Os homens também estavam confusos e cuspiram palavrões para William.
O guerreiro deu de ombros sem afetação alguma, dizendo a Kane:
— Eu os amo e odeio. Eles são uma alegria e uma dor. Nunca consigo decidir se
quero abraçá-los ou enforcá-los. No momento, eles precisam de um corretivo e acho
que você é o homem certo para o serviço.
Kane levou Josephina até a mesa onde a loira e Synda aguardavam.
— White. — ele disse, um aviso. Gentilmente empurrou Josephina em uma
cadeira. — O que disse ao seu pai vale pra você. Não toque nela.
— Kane. — a mulher “White” disse. — O que essa garota é pra você?
As orelhas de Josephina coçaram, enquanto esperava para ouvir a resposta
dele.
— Isso não é da sua conta. — ele respondeu finalmente, decepcionando-a. —
Só mantenha as mãos longe dela ou coisas muito ruins vão acontecer.
A mulher deu de ombros.
— Muito bem. Meu problema é com você, não com ela. — passou uma uva
pela boca, lambendo o suco que ficou. — Não vou permitir que as que se dizem deusas
do destino ditem o meu futuro, e se isso significar ter que me livrar de você, para mim
tudo bem.
As deusas do destino — as Moiras. Três mulheres com um caso eterno de
diarreia verbal. Josephina odiava as vadias com todas as forças do seu ser. Por causa
delas, ela tinha ajudado na destruição de sua mãe.
E elas achavam que Kane e aquela tal de White acabariam juntos?

116 | P á g i n a
Josephina apertou a língua no céu da boca. Não direi uma palavra.
Não preciso dizer nada para bater em alguém.
— Muito gentil da sua parte, White. — Kane finalmente disse, seu tom mordaz.
Voltou-se para Josephina e parou. Inclinou-se e plantou as mãos nos braços da sua
cadeira, encarcerando-a, cercando-a. — Você vai ficar onde está. Entendido?
Ela levantou o queixo.
— Que motive tenho para fazer o que manda? Você e sua atitude quente-fria
não querem dizer nada para mim.
Ele esfregou o nariz no seu.
— Eu significo, sim, alguma coisa para você, mas respeito que lute para
confessar isso.
Ela… não tinha resposta.
— Doce Kane. — chamou William, quando ela tentou não se arrepiar. A
proximidade de Kane confundia o seu cérebro. — O tempo está passando.
Kane ficou exatamente onde estava.
— Estava certa antes, sabe? Precisamos mesmo conversar, esclarecer algumas
coisas.
Um nó se formou na sua garganta e ela assentiu. Viu-se dizendo:
— Tenha cuidado, certo?
— Agora que existe algo que não vejo a hora que aconteça? — O olhar dele foi
até os seus lábios e lá ficou. — Definitivamente. — Ele se endireitou, terminando com
o conforto — e com a sensualidade — do contato.
O que ele não via a hora que acontecesse? A conversa que teriam? Ou como o
último olhar que deu a ela indicou, outro beijo?
Derretendo…
— E quanto a mim? — perguntou Synda, contorcendo-se na cadeira. — O que
faço?
Kane dispensou a ela um olhar breve e impaciente.
— Vai se comportar pela primeira vez na vida. Depois da briga, posso fazer um
favor ao mundo colocando-a no colo e curar essa sua falta de juízo por meio de uma
boa surra. Acho que vamos descobrir juntos.
Os olhos da princesa ficaram vermelhos, sua expressão endureceu.
— Diga algo assim outra vez que corto a sua língua enquanto estiver dormindo.
Sem olhar mais para ela, Kane estendeu o braço às cegas e tocou no topo da
sua cabeça.
— Eu teria medo se você realmente soubesse como manter as promessas que
faz.
Um ruído cresceu no peito de Synda e foi emitido pela sua boca, o som mais
animal do que Fae. Josephina já ouviu aquele som antes — bem antes da princesa pôr
fogo no estábulo.
— Kane! — disparou William. — Isso vai rolar ainda hoje?

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— Não, espere. — A saliva na boca de Josephina secou quando levantou as
mãos enluvadas e remexeu os dedos para ganhar a atenção dele. — Não tenha tanta
pressa em me pôr de lado. Eu podia… você sabe.
— Não. — Ele virou-se para ela, determinado. — Nada disso.
— Mas...
Mais uma vez ele quase encostou o rosto no seu. Só que dessa vez, não foi com
gentileza.
— Não insista nisso. Eu jamais a colocaria em perigo voluntariamente. Além do
mais, não sei o que poderia acabar ganhando.
Os poderes dele, ele quis dizer.
— Seja o que for, será temporário. — Mais que isso, os homens poderiam fazer
o que Kane se recusou: matá-la.
Ela morreria. Finalmente. Nunca mais teria que lidar com o seu pai, nem com a
rainha, irmão ou irmã. Não haveria mais açoites, rejeições sociais ou castigos de
qualquer espécie. Mas… mas…
Eu não quero morrer.
A compreensão chocou-a até os ossos. Conhecendo a benção que era o beijo
de Kane, ela só queria mais. Como as mãos dele em sua pele nua da próxima vez,
tocando-a… em todos os lugares. Como a voz dele em seu ouvido sussurrando todas as
coisas que planejava fazer com ela. Como o corpo dele entregando cada uma daquelas
promessas. Ela queria…
Tudo que ele tinha para dar.
— Quero que fique segura. — ele disse. — Não importa o preço.
Derretendo ainda mais rápido…
Ele se endireitou e encarou os homens.
— Todos compreenderam as regras?
— Já compreendemos faz horas. — Disse o loiro.
— Definitivamente. — Disse o de cabelo escuro. — Você devia ter ficado no
inferno. Teria uma vida... e uma morte... bem mais fácil por lá.
Um assentimento do careca.
Kane sorriu sem nem um pingo de humor.
— Mal posso esperar para mostrar o quanto estão enganados.
— Ding, ding. — disse William.
E bem assim, a batalha começou. Os homens pularam uns nos outros,
tornando-se um emaranhado de punhos, pernas e armas.
Synda vibrou.
— Vai, Kane, vai! — como se os dois quase não tivessem se batido há poucos
segundos.
White bateu os dentes com o comportamento dela.
— Você devia torcer pelos meus irmãos. Acabou de transar com dois deles no
banheiro.

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— Ah, aquilo. Não significou nada.
Josephina fez uma careta, sabendo que também seria castigada pela
transgressão. Mas tudo bem, teria que lidar com aquilo. No momento, Kane era mais
importante — e ele havia acabado de sumir da sua área de visão, uma nuvem negra
apareceu e cercou os homens. Ela cobriu a boca com a mão para silenciar o grito de
pavor. Grunhidos e gemidos e o clique de metal contra metal encheram o ar. Seu
sangue gelou. O que estava acontecendo ali?
Ela se levantou com as pernas bambas e deu um passo à frente.
— Eu não faria isso. — William se juntou às mulheres na mesa. Ele pegou uma
das uvas de White e jogou a pequena fruta na boca.
— Não faria o que? — Josephina perguntou com a voz entrecortada, incapaz de
tirar a atenção da briga.
— O que quer que esteja planejando fazer. Os garotos atacarão qualquer um
dentro do campo de força deles e Kane os castigará por isso. Eles podem não
sobreviver, e como eu disse a Kane, uma parte de mim quer que sobrevivam.
Aquele “campo de força” arrepiava os cabelos de sua nuca. Ele possuía algum
tipo de corrente elétrica, tentando puxar a energia dela do mesmo modo que ela
frequentemente tirava a dos outros.
Aquilo estava drenando Kane?
— Deixe que ela se junte. — disse White. — Ela morrerá e eu terei o campo
livre para jogar.
— Não teria o campo livre nem que fosse a última mulher na terra. — disparou
Josephina.
— O campo livre? — rosnou William. — Achei que queria Kane morto.
— Queria.
— E agora?
— Kane devia ser o meu companheiro predestinado, e o meu companheiro
predestinado não deve cobiçar outra mulher.
— Você disse que pouco se importava com o destino. — rugiu William.
Josephina não ouviu a resposta de White, não se importou de ouvir; estava
ocupada demais se aproximando da luta. Quer Kane percebesse ou não, precisava
dela. Ele podia com aqueles homens, mas duvidava que pudesse com aquela nuvem.
Olhe o que aconteceu com ele quando se colocou de frente a ela.
Quando alcançou a região escura, ela removeu as luvas e estendeu a mão. Um
raio passou pelo seu corpo, assustando-a. Seus ossos latejaram e seu sangue
efervesceu, mas conseguiu atravessar. A escuridão logo clareou e percebeu que estava
no meio de uma imensa batalha. Havia sangue pelo chão. E os adversários de Kane…
tornaram-se monstros.
Um tinha chifres. Ou melhor, o que deviam ter sido chifres. Eles estavam
cortados e sangrando.
Um tinha asas. Ou melhor, o que costumavam ser asas. Estavam disformes e

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sangrando.
Um tinha escamas. Ou melhor, o que provavelmente eram escamas. Elas foram
arrancadas em algumas partes e estavam ensanguentadas.
Todos tinham presas e garras.
O que… como…
Kane estava de pé, empunhando duas adagas com uma precisão perfeita. Ele
contorcia o corpo pra esquerda e pra direita, pra frente e pra trás, evitando bater o
corpo nos dos seus inimigos. Ele estava… vencendo, apesar da nuvem e… e… apesar do
fato do chão estar rachando sob seus pés?
O demônio estava agindo novamente. Por quê? Para que ele perdesse?
Ah, sim. A derrota seria considerada um desastre, afinal.
Graças por Kane saber o que estava fazendo. Quando seu pé pisou em uma das
rachaduras, ele se inclinou para frente, deslizando pelo chão, aproveitando a
rachadura e atacando seus adversários com mais força ainda.
Ela se encheu de alívio. E recuou.
Ele deve ter sentido sua presença, contudo, porque seu olhar encontrou-a de
longe. Seus olhos arregalaram, um rugido abriu seus lábios. Ele desistiu de sua posição
ofensiva para vir até ela. Um erro. Um dos monstros acertou seu queixo, um corte
mortal de garras cortando sua pele e fazendo com que ele sangrasse.
Josephina não pensou em suas ações seguintes. Ela se arremessou, jogando-se
no monstro mais perto dela. Ele caiu com um gemido no momento em que o tocou.
Uma quantidade chocante de força se derramou dentro dela, mais do que o seu
pequeno corpo já teve que suportar, mas virou-se para alcançar o segundo… o
terceiro…
Nos calcanhares da força veio a escuridão, uma escuridão terrível. Pior do que a
que veio com Kane. Depois silêncio. Josephina tropeçou. O que estava acontecendo?
Ela estava caindo… caindo… Não, não, não! Estou de volta ao fosso do Sem-fim.
Uma dor aguda rasgou sua cabeça antes que a escuridão total tomasse conta.

120 | P á g i n a
CAPÍTULO 15

Torin, guardião da Doença, andava pela sala onde viu Cameo pela última vez.
Dias se passaram desde que ela desapareceu, deixando todos os artefatos para trás,
mas não podia parar de pensar sobre o que aconteceu aqui. O olhar dela prendeu-se
ao de Maddox. Ela estendeu a mão. Então foi embora, sem nenhum traço de sua
permanência. Onde ela estava? O que aconteceu?
Os outros guerreiros vieram e saíram, inspecionando a sala antes de sair para
conseguirem encontrar qualquer um que pudesse saber como salvar a mulher que
Torin amava de todo o seu coração. Não como amante, embora tivessem tentado uma
vez ir por esse caminho, mas como sua melhor amiga.
Morreria pelos seus amigos, mataria pela sua melhor amiga.
E, no entanto, Torin estava preso aqui. Não podia fazer nada além de esperar. Já
tinha verificado online, mas as informações que desejava não estavam lá fora. Ou se
estivessem ainda não fora encontrada.
Ele não podia deixar a fortaleza porque não podia arriscar-se a tocar em alguém.
Se sua pele fosse tocada acidentalmente pela pele de outro imortal, aquele imortal
então levaria a mancha da maldição de Torin, infectando qualquer pessoa que eles
tocassem com doença. Se sua pele fosse tocada pela pele de um humano, aquele
humano adoeceria e morreria, mas não antes de passar a doença para outras pessoas.
Uma praga estouraria. Novamente.
Sim. Certa vez cobiçou uma mulher que não tinha sido feita para ter. Salvou-a
das mãos de seu inimigo quando notaram seu interesse nela. Então retirou suas luvas
e a tocou, desesperado por contato. Pele com pele. Calor com calor. Pensou que ela
seria a exceção, que seu desejo por ela de alguma maneira superaria seu
impedimento.
Seus olhos se fecharam e seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso, e
prazer o dominou. Entretanto ela adoeceu. Então sua família e amigos adoeceram.
Logo todos eles morreram, juntos com milhares de outros.
Agora, quando Cameo precisava dele...
Era mais do que inútil. Era um fracasso. Não chegou aqui a tempo de salvá-la e
não podia correr em seu socorro. Frustração e fúria ardiam em seu peito, uma
combinação tóxica somando-se ao veneno em seu sangue.
Ele parou diante da Jaula da Compulsão. Dois dos artefatos estavam do lado de
dentro, exatamente onde caíram quando Cameo desapareceu. A Haste estava
encostada no canto do lado de fora. Se fizesse o que Cameo fez, podia chegar onde ela
estava? Para onde Viola foi?
Talvez.
Provavelmente.
Vale a pena o risco, ele pensou.
Deu um passo adiante e fechou os dedos na beirada da jaula.
— Ei! O que pensa que está fazendo? — Disse uma voz atrás dele.
Ele ficou rígido.
— O que pensa que estou fazendo?
Anya, a encarnação da Anarquia e namorada do guardião da Morte, estava
encostada no batente da porta, seus braços cruzados no peito. Ela era alta e loira e

121 | P á g i n a
uma das mais belas mulheres já criadas; também uma das mais inconvenientes,
preferindo o caos à tranquilidade. Hoje usava um minivestido azul colado no corpo que
parecia, espere, que foi pintado.
Céus.
— Pergunta mais apropriada. Vai contar a Lucien?
— Quando ele saiu essa manhã para escoltar algumas almas para o além, não
conseguiu me despertar com um beijo e dizer que me amava. Por isso, atualmente
estou dando a ele o tratamento do silêncio.
E Lucien provavelmente estava adorando. Não que Torin diria tal coisa em voz
alta.
Ele mudou de assunto, dizendo.
— Novo visual?
— Nova forma de tortura para Lucien. Ele nunca vai me beijar novamente!
— Ele provavelmente pensou que você exigiria mais do que um beijo dele,
quando não teria tempo para dar isso a você.
— Há sempre tempo para dar isso a mim.
Ele queria sorrir, e a linha do humor, mesmo tão pequena quanto era,
surpreendeu-o. Entretanto, Anya tinha aquele efeito nas pessoas.
— Quer experimentar e me falar dessas coisas?— Ele disse, apontando para os
artefatos.
— Não. Quero que Cameo volte tanto quanto você. Mas se você morrer, bem,
peço que me ceda seu quarto. Estou pensando em conseguir uma mascote que
comerá a irritante Viola e meu bebê precisará de um lugar só dela.
— É seu.
Ela balançou a cabeça, como se não esperasse nada menos.
— Só saiba que sempre apreciei olhar pra você. Sentirei saudades do seu rosto
sexy.
O sorriso floresceu em alta voltagem, sem ter como impedir.
— Eu sempre apreciei olhar pra você também.
Ela soprou-lhe um beijo.
Porque ele levava a Chave Absoluta dentro do seu corpo, podia destrancar
qualquer coisa só com um toque. A Jaula não era nenhuma exceção. Ele entrou. A
porta se fechou atrás dele.
— Sinto que esse é o momento perfeito para admitir que sou a dona da Jaula. —
Anya disse, tocando o queixo e olhando-o pensativamente. — Cronus a deu para mim.
Eu podia mandá-lo tirar a roupa e você teria que obedecer.
Torin a ignorou, examinando a pintura. Escritório de homem. A vitrine de vidro.
Artefatos. Um deles era uma caixa pequena feita de ossos. A Caixa de Pandora? Talvez.
Por que não notou isso antes? Ele levantou a capa e colocou o material sobre os
ombros, da mesma maneira que viu Cameo fazer. Então tirou a luva, alcançou e
segurou a Haste. Mas...
Nada aconteceu.
— Bem, se isso não foi decepcionante... — Anya disse secamente. — Até mais,
Doença.
Ela o deixou sozinho na sala e ele amaldiçoou.
— Você não quer minha doença dentro de você? — Ele rosnou para a Haste. —
Heim? É isso? Escolhe a quem aceita?

122 | P á g i n a
Ele lançou o artefato no chão, saiu da Jaula, e revoltado, seguiu o caminho que
Anya tomou.

***

Cameo se sentia como se estivesse presa dentro de uma lavadora de roupas, que
estava girando e batendo de um lado para o outro, girando e girando, nunca parando.
Quantos dias... meses... anos... passou desde que entrou dentro da Jaula da
Compulsão e tocou a Haste de Partir? Não tinha certeza. O tempo havia parado.
— Viola! — Ela gritou.
Ela bateu em algo sólido, que grunhiu e amaldiçoou. Definitivamente não era
Viola. Alguém que não era a deusa estava com ela girando nesse buraco escuro?
Faixas duras envolveram sua cintura, puxando-a contra um macho... sim... e ele
devia ter mais de dois metros e quarenta de altura, e tão grande quanto um prédio.
Cercou-a com seu calor e seu cheiro... sândalo e fumaça de turfa... e até parou de
girar.
— Quem é você? — Ele exigiu em uma voz profunda e retumbante que ela não
reconheceu.
— Cameo. — ela disse entredentes. Desejou poder vê-lo, mas era uma espécie
de prazer que não tinha. Ele não podia vê-la ou então não podia saber o quão perto ela
estava de vomitar. Seu estômago doía. — Você?
— Lazarus. — A respiração morna acariciou o topo de sua cabeça, bagunçando as
mechas de seu cabelo.
— Onde?
Ele sabia o que ela queria dizer.
— A Haste de Partir. Estamos presos dentro dela. Você foi arremessada através
dela e ainda está sendo puxada em direção a algo. — Seu tom era forçado, como se
toda sua força fosse necessária para segurá-la. — Estou tentando mantê-la no lugar, e
acredite em mim, sou tão forte como veem, mas o que a tem, a quer
desesperadamente, porque estou sendo arrastado com você.
— Bem, então me deixe ir. — Tradução: Salve-se.
— Uh, isso seria um não. Se estiver sendo puxada para fora, eu mataria minha
própria família para ir com você.
— Pode ser... perigoso. — ela disse. Respire. Só respire.
— Existem centenas de pessoas presas aqui e ninguém jamais escapou. Se existe
uma chance disso acontecer com você, vou aguentar a parada.
Não. Não ainda. Ela não tinha uma chance de procurar.
— Não posso partir sem uma loirinha que é apaixonada por si mesma.
— Desculpe-me fêmea, mas não tem escolha no assunto.
— Mas...
Ele apertou seus braços, praticamente achatando seus pulmões.
— Ar... preciso...
— Isso não é comigo. — ele disse entredentes, soando tão sem fôlego quanto
ela. — Paredes... aproximando-se.
De repente, a pressão aliviou. Cameo bateu em algo sólido, um chão, talvez...
sim, um chão, ela pensou, tocando levemente a área ao redor dela. Estava frio, sólido.
— A parte inferior da Haste? — Ela arquejou. Isso significaria que a Haste a

123 | P á g i n a
encolheu ao tamanho de um dedal e não se sentia bem com isso.
Lazarus a soltou e rolou para longe.
— Estive por toda parte da Haste e isso não é parte dela. Acho que fizemos o
impossível e escapamos.
Seu entusiasmo era contagiante. Talvez Viola tenha escapado também.
Piscando para limpar sua visão, Cameo virou sobre suas mãos e joelhos. Com a
ação o desejo de vomitar aumentou, a vertigem ficou fora de controle, e sim, ela
vomitou o conteúdo do seu estômago por toda parte dos sapatos do homem.
— Maravilha. — ela pensou ter ouvido ele dizer.
Pelo menos não a golpeou para afastá-la.
— Preciso que você se mova agora. — ele disse. — Eu quero esses sapatos.
Inspire. Bom. Agora expire. Vários minutos se passaram antes de poder erguer
sua cabeça o suficiente para ver o que estava ao redor dela. Um escritório. A pintura,
ela percebeu. Existia uma escrivaninha entulhada com documentos. Existia uma vitrine
de vidro cheia de artefatos. E lá estava a Caixa de Pandora.
Tão perto.
Por enquanto, Viola foi esquecida. Cameo se posicionou e enxugou a boca com
as costas da mão.
— Como a Haste nos trouxe até aqui? — Ela deu um passo à frente. E onde era
aqui, exatamente?
Lazarus tirou seus sapatos. Moveu-se para o lado dela e envolveu-a em seus
braços, seu aperto forte, inquebrável. Ela girou e o encarou, e ficou boquiaberta. Ele
não era tão alto quanto ela imaginou, mas ainda era um gigante. Era só massa
muscular, até mesmo o maior de seus amigos tinha que se esticar para alcançá-lo. Mas
foi o rosto dele que verdadeiramente prendeu sua atenção.
Ele. Era. Magnífico. Ele não tinha que falar com uma mulher para ganhar seu
interesse. Só tinha que olhar pra ela. Tinha o cabelo preto, olhos pretos. Olhos
insondáveis, realmente. Um nariz orgulhoso, um queixo obstinadamente quadrado.
Lábios cor de rubi, e o contraste perfeito para tudo tão escuro. Sua pele era
perfeitamente bronzeada.
— Você está bem? — Ele perguntou.
— Sim. — Você é um guerreiro. Age como um. Ela se afastou dos braços dele, e a
única razão dela ter tido sucesso foi porque ele deixou; sabia disso. — Eu já o vi antes.
Strider estava namorando, seja lá o que fosse, Kaia a Trituradora de Asas, e
Strider decapitou Lazarus para protegê-la. Ele era o consorte de outra Harpia, uma
ainda mais irritante que Kaia, que estava desesperada para vingar sua morte.
— Como você está vivo? — Ela exigiu.
— Meu corpo foi destruído, mas não meu espírito. Estava preso dentro da Haste
todo esse tempo.
Preso. Passado. Eles realmente saíram?
— Se seu corpo foi destruído, por que é sólido para mim?
— Seu corpo foi destruído também, no momento que entrou na Haste.
— Não.
— Não se preocupe. Posso nos fazer de novo, assim que chegar em casa.
Ela não entraria em pânico. Acreditava nele. Não gostou da alternativa.
— Você tem uma arma? — Ele perguntou.
Ela? Ela acalmou-se e veio com... nada. Em silêncio, recusando-se a admitir a

124 | P á g i n a
falta, levantou seu queixo.
— Você quer lutar comigo ou algo assim? Antes de responder, provavelmente
devia saber que me falta qualquer tipo de emoções mais suaves e farei coisas que você
não desejaria ao seu pior inimigo.
— Sim, quero lutar, mas você não é o adversário por quem estou ansioso, apesar
de estar intrigado pelas coisas que diz que pode fazer. Eu quero lutar. — Lazarus
acenou com a cabeça para um lugar atrás dela. — Precisamos trabalhar juntos para
derrotá-lo. Sou bom, provavelmente o melhor e mais forte guerreiro que você jamais
terá o prazer de conhecer, mas acontece que estamos na mesma sala com o único
macho que já me bateu.
Ele, ele disse. O macho magro de olhos vermelhos que viu depois que colocou a
Capa sobre a cabeça olhando a pintura? E o cara já bateu em Lazarus? Ele deve ter
poder que a pintura não revelou. Terror passou por ela à medida que virou, mas... não
podia vê-lo.
— Ele está aqui? — Ela exigiu. — Quem é ele?
— Você não pode vê-lo?
Ela lambeu os lábios, mais uma vez se recusando a admitir a falta.
— Ele tem a habilidade de se revelar ou não. Deve ter decidido que não vale a
pena tocar em você. — Ele suspirou furiosamente. — Acho que cabe a mim salvar o
dia, então.

125 | P á g i n a
CAPÍTULO 16

Desastre riu com diabólico contentamento. Uma risada mais forte do que riu
quando Kane foi preso, estuprado, espancado e humilhado. Tudo porque Sininho
desabou no chão, seu corpo se contorcendo em posições muito dolorosas, suas feições
amassadas em um aperto. Gemido após gemido escapando dela. O tipo que ouviu
apenas em batalha, depois que a última espada foi torcida, o único inimigo deixado em
pé finalmente derrotado.
Red rolou para longe dela, os chifres em sua cabeça encolhendo...
desaparecendo.
— O que aconteceu comigo? Estou tão fraco, e ainda... ainda...
Black saltou ajoelhando, suas asas estalando nas suas costas e desaparecendo.
— Fraco ainda... em paz.
Green parou congelado, seus olhos arregalados em choque, as escamas
diminuindo de sua pele.
O manto de névoa que os cercava abrindo para os lados, como um véu rasgado
em pedaços. De repente Kane pôde ver William, Synda e White, e quando os três
avistaram os restos da cena de batalha, paralisaram em uníssono, as cadeiras
deslizando para trás.
— Eu disse a ela para não fazer isto. — William disse, as mãos subindo em uma
demonstração de inocência.
— Você está pronto para sair agora? — Synda perguntou, estudando suas
unhas. — Estou esperando uma eternidade.
White acenou com satisfação — até que viu o estado de seus irmãos. Os olhos
irados presos no corpo contorcido de Sininho.
— O que ela fez?
Ignorando a todos, Kane apressou-se para Sininho e recolheu-a nos braços. Sua
presença mal registrada, ela estava tão iluminada, mas seu odor estava lá, doce e
forte, maravilhosamente familiar, e achou conforto nisto. Ele a tinha perto. Ela ficaria
bem. Certificaria-se de que ficaria bem.
— Ela atraiu as habilidades das outras pessoas para dentro dela. — O segredo
estava exposto agora. Ele precisava de respostas. — O que ela pegou dos seus
garotos? — Ele exigiu de William. — Eles não são demônios.
Houve uma longa pausa, então um encolher de ombros.
— Não, não são, mas como você sabe, levam a essência da guerra, fome e
morte. Ela provavelmente está fervilhando com todos os três.
Seu coração bateu contra suas costelas.
— Leve a princesa para o palácio. — Ele não esperou por uma resposta, mas
correu do bar. O sol escureceu, lançando um tímido tipo de escuridão por cima da
terra. Quanto tempo ele tinha lutado? A carruagem da princesa se foi, provavelmente
dirigindo-se em torno da área para afastar as pessoas de saberem exatamente onde a
princesa estava e o que estava fazendo. Perder tempo procurando por ela não era uma
opção.
As pessoas agora enchiam as calçadas. Homens de ternos. Mulheres em
vestidos extravagantes. Todos os olhos o encontraram e permaneceram presos nele.
As mãos roçando nele, puxando sua roupa.

126 | P á g i n a
— Volte para casa comigo. — uma mulher disse.
— Quero ter um bebê seu. — outra entoou. — Por favor, Senhor Kane!
Ele empurrou passando pela multidão. Tinha que levar Sininho para o palácio, o
mais rápido possível. Tinha que chamar o melhor médico do reino. E não estava se
movendo rápido suficiente, pensou, sua mandíbula travada com irritação e frustração.
Ele esquadrinhou a área. Havia uma carruagem que vinha descendo a rua em um passo
lento — lento, mas não com dificuldade.
Kane ganhou velocidade. Entretanto Sininho estava embalada em seus braços,
sua cabeça dobrada com firmeza no côncavo do seu pescoço, seus braços e pernas
caídos pesadamente com a força de seus movimentos. Finalmente alcançou a
carruagem e saltou pela abertura do lado.
Duas fêmeas estavam acomodadas do lado de dentro; ofegaram com seu
súbito aparecimento. Ambas as mulheres vestiam o mesmo tipo de vestido pregueado
e rendado como o de Synda, ocupando espaço demais, então percebeu que eram
parte da classe alta.
— Ou vigiam a garota enquanto assumo o comando da direção ou saiam do
veículo. — ele disse. — Mas saibam que se a machucarem, eu as matarei.
As duas debruçaram-se em sua direção, apertando-se contra ele.
— Você é o Senhor Kane! Estava tão desesperada para encontrá-lo.
— Diga que virá na minha festa hoje à noite. — a outra pleiteou.
Elas não cooperariam. Tudo bem. Ele agarrou a fêmea mais próxima e “ajudou-
a” a sair do veículo. Ela rolou pelo chão, gritando em choque e raiva, poeira voando ao
redor dela.
Ele virou-se para a outra garota e agarrou.
Ela soprou-lhe um beijo e saltou.
Lançando um olhar final para Sininho — nada mudara; estava na mesma
condição — Kane balançou pela porta, segurando o teto. Ele teve que chutar sua perna
para rastejar para o topo do veículo, então deslizou até o assento do motorista. O odor
de animal e suor imediatamente o assaltou.
O motorista sobressaltou-se, surpreso com sua presença súbita e tentou
agarrar uma arma. Kane o chutou para fora da beirada e confiscou as rédeas.
Chicoteou os cavalos e a carruagem ganhou velocidade. Uma vez que Sininho estivesse
curada, ele deixaria esta terra, pensou. Desde o início ela estava certa. Não poderia
ajudá-la. Se não fosse por ele, ela não estaria nesta situação. Apenas tornaria as coisas
piores para ela.
De fato, faria as coisas piorarem para todo mundo.
Uma vez que Desastre tomasse conta, ele se voltaria contra ela.
Assim que ele se fosse, um homem poderia vir e se apaixonar por ela. Um
homem merecedor dela, bom para ela. Aquele homem moveria céus e terra para
salvá-la; faria qualquer coisa que ela precisasse. Entraria em guerra com a família dela.
Sim. Cortejaria. Absolutamente. Encantaria, excitaria. Definitivamente. Ele a arrastaria
para outra terra, para algum lugar seguro. Os dois se casariam e fariam amor, teriam
as crianças que Sininho estava com muito medo de ter agora, e seria feliz. Finalmente,
imensamente feliz.
Sim, um dia.
E então matarei o macho que ousou tomar o que é meu.
Os cavalos de repente relincharam e pararam, levantando as pernas da frente e

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chutando em protesto.
— Uou, uou. — Kane disse. Quando tranquilizaram, ele viu a loira da floresta —
Petra — de pé na estrada, suas mãos apoiadas nos quadris.
— Você atirou em mim e asseguro que terei minha vingança. Mas lidaremos
com isto mais tarde. — ela anunciou. — Agora quero a garota.
Entre na fila, fêmea.
— Que pena. Ela é minha.
Pequenas chamas douradas explodiram em seus olhos.
— Por que não fazemos um acordo? Você me dá ela agora. Eu a escravizarei à
maneira do meu povo e poderemos nos considerar quites, então a devolverei daqui a
alguns milhares de anos. Que tal isto?
Kane morreria primeiro.
— Eu a machuquei uma vez. Não me obrigue a fazer isto novamente.
Ela riu com diversão genuína.
— Adoraria vê-lo tentar, guerreiro. Você não me pegará de surpresa uma
segunda vez.
Minha, Desastre disse.
Kane estalou as rédeas, forçando os cavalos a arrancarem adiante. A garota
teve que saltar do caminho para evitar o impacto, mas esperou até o último segundo,
agarrando a roda da parte de trás para ser arrastada junto. Poeira se espalhou pelo ar,
provavelmente sufocando-a.
Garota tola. O que a fez pensar que conseguiria...
Tentáculos de fumaça flutuaram por seu nariz e ele tossiu. Endurecendo, olhou
para trás. A Phoenix caiu da carruagem, mas deixou uma das rodas engolfadas em
chamas. Isto. Depressa. Ele agarrou o punhal escondido em sua bota e soltou os
cavalos. Quando a carruagem balançou para um lado, Kane subiu em direção à
entrada... balançou de modo selvagem... e caiu pelo centro da porta quando o veículo
inteiro se chocou contra o chão.
O choque foi brutal, mas conseguiu embrulhar os braços ao redor de Sininho e
absorver a maior parte do choque. E quando a carruagem finalmente parou, a fumaça
formando uma nuvem impenetrável, percebeu que Sininho estava quieta. Muito
quieta.
Calor extremo lambia-o quando apertou dois dedos na pulsação do pescoço
dela. Um baque lânguido, um baque o saudou e pode lamentar com alívio. Tossindo,
ergueu-a e envolveu seu corpo flácido através da armação da porta. Empurrou-se para
fora, o olhar esquadrinhando quando a ergueu por cima do ombro. Através da espessa
fumaça viu a Phoenix que corria na direção deles, seu corpo uma chama viva,
completamente engolfada, assim como a roda — não, toda a parte inferior da
carruagem agora — e crepitando com ameaça.
Ele esperou ver seus companheiros guerreiros, mas não havia nenhum. Levou
uma fração de segundo para decidir.
Ele tinha que matá-la, mesmo que por pouco tempo. Tal como acontecia com
todas as Phoenix, ela morreria e seu corpo queimaria até as cinzas. Mas existia uma
possibilidade muito real de que elevaria-se novamente, mais poderosa do que antes.
Tanto faz. Kane lançou a lâmina ainda embrenhada em sua mão, e disparou isto
na direção dela, lançando sobre a extremidade final. Ela saltou para cima e para o lado,
tentando sair do caminho do perigo, mas a adaga que tinha tirado do rei Fae possuía

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uma habilidade que ela não previu, mudando de curso, seguindo-a, espantando-o. Tão
alta quanto ela estava, a lâmina achou um lugar em sua barriga, ao invés de sua
medula.
Ela grunhiu, batendo no chão sem qualquer graça.
Ele lançou um segundo punhal, mas não esperou para se certificar se teria
sucesso onde o primeiro falhou. Pulou para o chão, correu para fora da estrada e para
a floresta com Sininho saltando no seu ombro. Ele tentou ser gentil, mas gentileza não
era possível. As árvores espessas cercavam-no, mas empurrou as folhas e galhos,
determinado e com raiva, já planejando seu próximo movimento.
— Eu cuidarei da Phoenix. — ele prometeu à Sininho. Embora não fosse capaz
de fazer mais por ela antes de deixar Séduire, poderia fazer isto.
Encontrou pistas criadas pela guarda do palácio, a impressão de suas botas
oferecendo-lhes distância. Eles claramente pararam e checaram todos os lugares
chamuscados onde a Phoenix queimou um arbusto, ou uma planta, ou um pedaço de
grama. Mas o que não viu foram marcas de mais de uma Phoenix. Apenas a garota.
Ela podia estar sozinha? Simplesmente fazendo parecer que outros estavam
com ela?
Isto... fazia sentido, ele percebeu. Ela deveria pensar que um exército de
Phoenix intimidaria os Fae, tornando-os mais propensos a desistir de Sininho para
salvar sua terra da guerra.
Não sob meu comando. Estourou da proteção da floresta, virou em um canto e
fez o caminho de pedras que levava ao palácio. Claro, a primeira pessoa que Kane
localizou foi Leopold, levando um contingente de guardas armados para fora das
portas da frente.
— Você vai pagar. — o príncipe jurou.
— Pode tentar me machucar mais tarde. — Kane respondeu, jamais diminuindo
a velocidade.
Olhos azuis bateram em Sininho e faiscaram com preocupação, a ira
completamente obliterada.
— O que aconteceu? O que fez com ela? — O príncipe acenou para os guardas
se afastarem. No momento em que Kane estava ao seu alcance, ele estalou. —
Entregue-a pra mim.
— Saia do meu caminho! — Havia fúria suficiente enlouquecida no tom de
Kane para surpreender o homem. Sabiamente o príncipe recuou. Kane afastou-se dele,
passando pelas portas duplas e gritou. — Quero um médico enviado ao meu quarto.
Agora!
Leopold apressou-se para o lado dele, mantendo o passo.
— Ela absorveu as habilidades de alguém, não é? Não, não há necessidade de
negar. Eu a conheço. Ela fez isso. Também sei que nenhum de nossos médicos poderá
ajudá-la. Não com algo assim. Leve-a ao meu quarto e irei...
Kane o ignorou, pisoteando os degraus e entrando em seu próprio quarto. Ele
chutou a extravagante e pouco prática coberta para longe e colocou-a em cima do
colchão. Ela ainda estava muito quieta.
Sua mão tremeu quando alisou o cabelo dela de seu rosto. Gotas de suor
pontilhavam a testa dela, fazendo com que vários fios grudassem. Suas bochechas
estavam brilhantes, febris.
O príncipe aproximou-se do outro lado da cama.

129 | P á g i n a
— Posso prendê-lo pelo que me fez e o que permitiu acontecer para a escrava
de sangue da princesa.
— Planejo partir assim que estiver curada. Se quiser que eu passe meus dias
restantes aqui até o casamento de Synda matando seu pai, assumindo o comando do
reino e ordenando sua tortura, basta me ameaçar novamente. — Realmente este não
era um plano ruim. Era rápido, fácil e efetivo — mas significava estar com alguém que
não fosse Sininho. — Senão, cale a boca.
O príncipe calou a boca.
Kane odiou que um médico não pudesse ajudá-la, odiou que apenas o tempo
pudesse curar esta mulher que, sorrateiramente passou suas defesas — se existisse
mesmo uma cura. Mas odiava ainda mais o sentimento de desamparo, de não fazer
nada além de esperar que ela acordasse... ou morresse.

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CAPÍTULO 17

Josephina caiu através de um mundo de escuridão, cada canto oferecendo uma


nova câmara de horrores. Gritos de agonia aqui. O pior tipo de silêncio lá. Grandes
insetos gordos em todos os lugares zumbindo ao redor dela, mordendo-a. A pungência
da mais intensa fome penetrando em seus ossos como jamais experimentou,
queimando, corroendo em seu interior. E raiva, tanta raiva enchendo-a; queria lutar
com alguém, qualquer um. Queria conquistar e destruir. Mas como podia fazer de
outro modo? Ela estava conquistando a si mesma, já destruída.
Seu sangue estava derretido, chama líquida. Sua garganta doía como se tivesse
sido raspada com uma lâmina bruta. Será que restou alguma pele nela? Sentia-se
descascada... exposta ao mundo.
— Kane. — ela tentou gritar, mas nenhum som emergiu.
Onde ele estava? Onde ela estava? O que aconteceu com ela?
Memórias de uma vida que não viveu a bombardeava. Balançando uma espada,
decapitando um demônio. Permanecendo sobre o corpo agonizante de uma alma
humana, rindo. Observando uma fêmea alada com o desejo elevando-se em suas
veias. Morte... morte... ao redor dela. Dor, sofrimento, remorso. Mais até do que uma
legião poderia aguentar.
Algo suave roçou sua bochecha, vagueando junto ao seu queixo.
— Estou aqui, Sininho. Não irei a lugar nenhum.
A voz dele. Calma, suplicante. Puxando-a pra fora da escuridão, pra fora do
horror, e para uma luz... uma luz crescente... mais e mais brilhante. Um gemido
escapou dela quando lutou para se erguer.
— Deste jeito, menina bonita. Vamos, querida. Você consegue fazer isto.
Suas pálpebras espreitaram separadamente, e logo a seguir estava
perscrutando o rosto bonito de Kane. Estou a salvo agora. Ele me manterá segura.
Seus olhares se enroscaram, nenhum dos dois sendo capaz de desviar o olhar, e
alívio suavizou a expressão dele. Mesmo assim, apesar do alívio, linhas de tensão
enquadravam seus olhos e boca. Sua pele estava pálida e sua roupa amarrotada. Seu
cabelo estava eriçado como se tivesse enfiado os dedos em uma tomada elétrica.
— Você voltou.
— Onde eu iria? — Sua voz era um mero coaxar. Ela tentou estender a mão
para massagear a dor em sua garganta, mas seu braço revelou-se muito pesado para
erguê-lo. — Onde estou?
As pestanas dele estavam fundidas, escondendo qualquer emoção que as
palavras dela produziram.
— Eu a trouxe ao meu quarto.
Ela olhou pasma, a única coisa que podia movimentar no momento, varrendo
ao redor para encontrar... sim, o quarto de Kane. Reconheceu-o imediatamente —
enquanto o seu era pequeno, simples e cheio com oito camas e sete outras fêmeas, o
dele era luxo total. Um candelabro de ouro e cristal pendurado no teto. As paredes
eram salpicadas com molduras em ouro pintadas por artistas famosos dos Fae que
morreram ao longo dos séculos.
Josephina espreguiçou na cama enorme e ultramacia de quatro colunas,
vestindo uma camiseta extremamente grande para ela, como também suas luvas, com

131 | P á g i n a
um cobertor aveludado cobrindo a parte de baixo do seu corpo.
— Você se lembra do bar? — Kane perguntou. — A luta? Os três guerreiros que
tocou?
Lembrava... sim. Ela tocou um, então outro e depois outro, e uma onda de
força a dominou, tão bela força. Entretanto... oh, então a escuridão a enclausurou,
arrastando-a pra baixo, pra baixo, em uma caverna de desespero e desamparo.
— Você extraiu o mal deles para dentro de si mesma. Eu te trouxe para o
palácio. — Kane continuou. Ele removeu a mão de seu rosto, tornando-se sua âncora,
a única coisa segurando-a aqui. — Você esteve de cama por quatro dias.
Quatro dias!
A percepção a enjoou. Seu pai estaria bravo com ela — provavelmente tentou
até forçá-la a sair da cama em algum momento. Ela tinha deveres e seria castigada por
não fazê-los. Mas a verdadeira razão a apavorou. O casamento de Kane agora estava
mais próximo.
— Não se preocupe. — ele disse. — Vou lidar com seu pai.
Seus magníficos olhos castanhos ainda estavam colados nela, parecendo bebê-
la, memorizando todas suas características. Ela apenas piscou, apanhada na
intensidade dele, cativada pela majestade dele... confusa pelo número de lesões nele.
— O que aconteceu com você? — Ela perguntou. — Meu pai? Irmão?
Ele esfregou os raivosos cortes em sua testa.
— Desastre.
Ela sempre odiou o demônio de Synda e sempre odiou os demônios dos
Senhores. Eles causavam estragos em seus guardiões e arruinavam... tudo. Mas o que
sentiu antes não podia se comparar ao que sentia agora. Ela queria Desastre morto.
— Bem, obrigada por cuidar de mim. — Além de sua mãe, ele foi o primeiro
que fez isso.
Ele suavemente sorriu... ternamente.
— Pensei que me amaldiçoaria.
Por muitas coisas, sim. Mas isto? Nunca.
— Por quê?
— Não esqueci de seu desejo de morrer, Sininho. — ele disse, sua voz uma
baixa e ameaçadora arranhadura.
— Não desse jeito. — ela sussurrou. Nunca daquele jeito. O mal que alojou a
teria arrastado diretamente para o inferno, condenando-a a um destino pior do que
vivia agora.
Kane brincou com as pontas de seu cabelo, e o contato, por mais leve que
fosse, despertou as mesmas angústias que batalhou na loja da costureira. Ânsia — por
ele. Necessidade — por seu toque. Desejo — por muito mais.
— Você já falou com as Moiras? — Ele perguntou.
Até o nome manchava a atmosfera ao redor ela.
— Não.
— Já ouviu falar delas?
— Claro. Elas alegam tecerem os destinos.
— Alegam? — Ele soltou-a para erguer um copo de água da cabeceira. — Acha
que isto é mentira?
— Absolutamente. — Até aquele momento, Josephina não percebeu o quão
sedenta estava. Todo o resto foi esquecido.

132 | P á g i n a
Ele colocou um canudo em seus lábios e ela chupou e chupou e chupou, o
líquido fresco acalmando sua garganta.
Kane observou sua boca... sua garganta.
Quando o copo estava vazio, recostou-se lambendo os lábios.
Ele observou isto, também.
— Mais? — Ele perguntou, um calor escurecendo seus olhos.
— Sim, por favor. — Mas não estava certa do que queria — mais água ou mais
Kane.
Ele ergueu um jarro e despejou mais divina água no copo. No momento em que
o canudo retornou aos seus lábios, a parte inferior do copo quebrou. O líquido frio
espirrou em cima dela, e ela ofegou.
— Sinto muito. — Kane murmurou, pulando para agarrar algo para ajudar. Ele
começou a secá-la amaldiçoando, então entregou-lhe o pano.
Quando ela terminou, ele indecisamente ofereceu-lhe outro copo.
— Não se preocupe com isto. — ela disse. — Provavelmente preciso de um
banho.
Os lábios dele torceram-se em uma linha mais exposta de diversão.
— Tenho certeza que ficou limpa.
Suas bochechas aqueceram e ela terminou com a água. Afinal a força começou
a retornar para ela através de suas veias, faiscando seus órgãos à vida.
— Por que acha que as Moiras são mentirosas? — Kane perguntou.
— Bem, pra começar, as pessoas têm livre arbítrio. O destino não decide em
que direção eles irão definitivamente.
Os dedos dele retornaram aos seus cabelos como se escovando um fio invisível.
— William disse algo semelhante.
— William é bastante sábio.
Ele revirou os olhos.
— Continue.
— O destino diz que tudo se destina a ser. Mas não posso acreditar que minha
mãe estava destinada a suportar tal miséria. Não posso acreditar que eu estava
destinada a ser uma escrava.
— Explique.
Uma frase exigente nunca tinha sido tão... sensual. Tremendo, ela disse.
— Meu pai decidiu que queria minha mãe, então a tomou. Foi decisão dela
ficar aqui. Eu nasci e disse que tinha um propósito, e foi minha escolha acreditar ou
rejeitar isso.
Ele perscrutou-a, mudo... pensando?
— E a respeito de casamentos? Acredita que existe alguém destinado para
todos?
— Oh sim, mas nem todos seguem este destino. — Esperou que ouvisse o que
ela não estava dizendo — que precisava ser cuidadoso sobre Synda e White. —
Consequentemente, o livre arbítrio pode ficar no caminho.
— Então, está dizendo que escolhas e destino formam o curso de nossas vidas?
— Eu penso assim, sim. É apenas mais fácil culpar o destino por todos os erros.
Ele passou o polegar ao longo da curva de seu queixo, atraindo arrepios para a
superfície.
— Você foi ferida pelas escolhas de outras pessoas.

133 | P á g i n a
Apanhada pela intimidade do momento, ela se inclinou ao toque.
— Você também foi.
— Sim. — Uma pausa, como se ele lutasse com suas próximas palavras. — A
Moira disse que estou destinado a começar o apocalipse.
Durante o casamento da garota, White? Ele acreditava nelas?
O feitiço foi quebrado.
— Aquelas vagabas não são todo-poderosas, Kane.
— Vagabas? — Ele sorriu ironicamente.
Como podia fazê-lo entender?
— Elas simplesmente prosperam com o caos, plantam suas ideias em nossas
cabeças. Nós pensamos nisso, nós ficamos obcecamos com isto, finalmente, agimos de
forma condizente com o que foi dito, causando assim o que disseram que aconteceria.
— Como uma profecia autorrealizável. — Ele arqueou uma sobrancelha. —
Sabia de tudo isto e ainda assim nunca falou com elas?
Toque-me novamente. Tome-me em seus braços. Diga-me que não deseja
White.
— Bem, nunca disse que elas não falaram comigo.
Ele endureceu.
— Então você realmente encontrou com elas?
— Sim. — E a reunião deixou-a furiosa.
Anos atrás, as três bruxas disseram que estava destinada a causar a morte de
sua mãe. Tudo o que conseguiu foi alguns suspiros antes delas a enxotarem, mas a
partir daquele momento, Josephina começou a temer machucar sua amada mãe de
alguma forma e tinha analisado exageradamente cada palavra e ação sua.
Josephina parou de comer, parou de dormir. Parou de visitar sua mãe com
muito medo do dano que poderia fazer. Depois de um tempo, o medo ficou infeccioso.
Sua mãe começou a se preocupar com a saúde de Josephina e lamentou sobre a
distinta percepção de Josephina. Glorika perdeu peso, energia e vitalidade — e logo, o
favorecimento do rei. Ela foi expulsa de seu quarto e de volta aos aposentos dos
criados.
Lá, ela foi tratada mais vergonhosamente do que nunca. Era evitada pelas
mulheres e secretamente hostilizada por muitos dos homens. A rainha teve grande
prazer em humilhá-la a cada momento.
No fim, Glorika se matou. Tudo porque Josephina afastou-se dela. Então, sim.
Josephina ajudou a destruí-la. Se não tivesse se preocupado, nada ruim teria
acontecido para qualquer uma delas. Sua mãe ainda estaria viva.
— A melhor decisão que você pode tomar é esquecer o que as Moiras te
disseram. — ela disse.
Ele acenou, cachos de cabelos escuros caindo sobre sua sobrancelha.
— Carrego o demônio do Desastre. Como não causarei um apocalipse?
Ela ouviu o medo em sua voz, o tormento.
— Pense sobre isto. Está fazendo tudo em seu poder para impedir a si mesmo
de causar um apocalipse, não é? E assim mesmo, tudo que fez só exacerbou o
problema.
— Então não devo fazer nada?
— Não. Você deve viver. Viver de verdade. Pare de olhar por cima do ombro
esperando o desastre. Pare de planejar seu próximo passo baseado nas ações do

134 | P á g i n a
demônio.
Ele suspirou irritado.
— Não estou certo se você é sábia como presumi ou a mulher mais idiota do
planeta.
Idiota? Idiota!
— Bem, você definitivamente não é o homem mais doce.
— Nunca afirmei ser.
— Porque ninguém teria acreditado em você! — Certamente que não era ela
gritando para ele?
Ele massageou a parte de trás de seu pescoço, não parecendo notar sua
explosão.
— As Moiras me disseram outra coisa. Disseram que estou destinado a me
casar com a guardiã da Irresponsabilidade... ou White, a garota que você encontrou no
clube.
O que não disse, mas ela ouviu: ele ficaria afastado de um escravo de sangue
Fae.
— Não deixe as bruxas decidirem sua noiva, Kane. Você decide. Case por amor
ou não case mesmo.
Kane se inclinou, ficando nariz-com-nariz. Ele sussurrou.
— Eu costumava ser, sabe.
Ele estava tão perto, seu cheiro limpo de sabão espesso no nariz dela. Calor
irradiando dele, envolvendo-a e os tremores dentro dela aumentaram.
— Costumava ser o que?
— Doce.
Ela estendeu a mão, deslocando os fios dos cabelos dele por entre seus dedos
enluvados. O quanto queria pele com pele.
— Você ainda tem seus momentos. Mas o que mudou?
— Eu. Tudo. — Seu olhar caiu nos lábios dela e permaneceram ali, suas pupilas
dilatando. — Não devia querer beijá-la novamente, mas quero. Quero isto. Não por
causa das Moiras, mas por sua causa. O que está fazendo comigo?
O coração dela disparou traiçoeiro.
— Não estou fazendo nada.
— Oh, você está fazendo algo. — Lentamente ele abaixou a cabeça... chegando
mais perto... ainda mais perto. — Já roubei seu primeiro beijo e não deveria roubar o
segundo.
E se eu der?
— Você tem medo?
— Sim. — ele admitiu. — Nunca quis uma mulher do modo como a quero.
— Nem mesmo Synda? — Ela conseguiu responder, ofegante.
— Entendo por que está tão insegura sobre ela. Sua família sempre a escolheu
acima de você. Mas esse não é o meu caso. Eu a quis desde o primeiro momento.
Nunca quis realmente Synda. Ela é um meio para um fim, nada mais.
Um meio para um fim — não uma noiva. Ele não se casaria com a garota. E
queria Josephina desde o primeiro momento.
Ela.
Subjugada, Josephina lançou seus braços ao redor dele e pressionou os lábios
contra os dele. Ele gemeu, impelindo sua língua na boca dela, exigindo uma resposta

135 | P á g i n a
que ela mesma desejava dar. Ele era um mestre sublimemente qualificado, cada golpe
impulsionando sua necessidade mais alta e talvez ela tenha dado tanto quanto
recebeu, porque o controle dele pareceu estar enfraquecendo nas extremidades,
pequenos grunhidos elevando-se dele, sua língua empurrando mais forte, mais rápido.
Então ele se endireitou, um olhar esquisito no seu rosto quando passou a ponta
do dedo acima dos lábios agora inchados e formigando de sua posse.
— Você me faz queimar, Fada Sininho.
— Kane. — ela disse, então tragou.
— Sim.
— Não sou eu. Você está realmente queimando.
Franzindo o cenho, ele olhou para baixo de seu ombro. As pontas dos seus
cabelos estavam em chamas que saltaram da luminária da mesa de cabeceira.
Josephina bateu levemente nas mechas, apagando o fogo.
— Estúpido Desastre.
— Não tenho medo dele.
Ele brincou com a gola da camiseta dela, fazendo sua pele formigar.
— Ainda me quer?
— Mais do que qualquer coisa. — ela admitiu suavemente.
Hesitante, ele lambeu a junção dos lábios dela. Quando nada terrível
aconteceu, deu-lhe um sorriso malicioso.
— Vou fazê-la tão feliz como você afirmou.
Ele arrastou a coberta, puxando-as para baixo, abaixo de seu corpo, expondo
suas pernas, os olhos dele flamejando, nunca se afastando dos dela... mesmo quando
agarrou a barra da camiseta. Ele rastejou sobre a cama gracioso como uma pantera e
escarranchou-se na cintura dela.
Respirar ficou impossível, suas entranhas tão travadas e prontas para o que
quer ele planejasse, ela pôde apenas arquejar quando ele continuou a erguer sua
camiseta, expondo seus seios para sua visão.
Ele parou para cobri-la com suas mãos, as pupilas tão grandes que suas íris
estavam destituídas de cor.
— Você é tão bonita.
Ela tremeu quando ele estendeu a mão e cobriu-a, amassando-a.
— Tão perfeita.
Ela estava tremendo muito para responder.
Os dedos dele deslizaram abaixo por sua barriga, parando no topo de sua
calcinha. Ele traçou a faixa e ela estremeceu.
Ele parou, franzindo a testa. Suas orelhas se contraíram.
— Alguém está vindo.
Não! Isto estava ficando tão bom!
Kane pôs-se de pé e Josephina se sentou, alisando suas roupas no lugar,
tentando não xingar decepcionada. Já não era mais seu guerreiro vibrando com
excitação. Estava estranhamente quieto, uma lâmina viva, pronta para cortar.
Quatro guardas irromperam para dentro do quarto, Leopold no comando.
O príncipe fez uma careta quando os percebeu.
— Josephina Aisling. A princesa foi acusada de expor seu corpo a estranhos.
Agora que está acordada, será levada para a sala do trono para ouvir seu castigo.

136 | P á g i n a
CAPÍTULO 18

Quando os guardas se aproximaram da cama, Kane soltou um rosnado do


fundo do seu peito. Um som feroz. Um primitivo aviso de perigo descontrolado
esperando. Os machos não se aproximaram da garota. Se insistissem, morreriam. Ele
cuidou dela todos os quatro dias. Deixou o lado dela apenas uma vez, para visitar o rei.
Banhou-a. Despejou água em sua garganta. E fez tudo aquilo que precisava ser feito
para assegurar que ela sobrevivesse.
Ela pertencia a ele, e cuidava do que era seu. Embora tenha decidido deixá-la
para salvá-la de Desastre.
Este ainda era o plano. Tinha que ser o plano. Mas ela acordou, olhou para ele
com aqueles assombrosos olhos de cristal, suas bochechas encovadas, o rubor da
febre finalmente deixando sua pele, aquela massa de cabelos escuros emaranhados ao
redor de seus ombros delicados e todos os seus instintos possessivos elevaram-se com
fúria inegável.
Minha, pensou, inclusive quando Desastre gritou em negação.
Kane retirou um punhal manchado de sangue.
Os guardas parados de olho no príncipe, pedindo silenciosamente por uma
direção.
O príncipe o observou, desafiando-o a agir. Com apenas uma palavra, o homem
podia ter Kane de joelhos, a dor consumindo-o, deixando-o impotente. Exatamente o
que o macho devia querer. Kane podia ser jogado no calabouço, deixando Sininho para
enfrentar o castigo sozinha.
O único recurso seria levar este assunto ao rei. Juntos.
A última vez que visitou o rei, ele solicitou permissão para medicar Sininho.
Tiberius relutantemente concordou, mas em troca Kane teve que prometer que seus
amigos participariam do casamento.
— Eu a escoltarei. — Kane disse o mais calmo que pode. Consertaria esta
situação e então partiria. Tinha chegado o momento. — Diga-me, entretanto. Como
soube que ela acordou?
— Ouviram vozes.
— Não irei a lugar nenhum. — Sininho disse, medo vitrificando os olhos que
estavam cheios de paixão há apenas alguns minutos atrás. — Vou ficar aqui.
— Josephina. — o príncipe começou, suas feições abrandando com um desejo
que não tinha nenhum direito de sentir. — Sinto muito, sinto mesmo, mas tenho que
fazer isto.
Kane ofereceu a mão a Sininho.
— Confie em mim, querida. Não deixarei nada te acontecer.
O tremor dela chacoalhou a cama inteira. Ela fechou os olhos, inspirando...
prendendo, segurando... então exalando. Quando o enfrentou, podia dizer que estava
lutando com as lágrimas. Ainda quieta, corajosamente colocou a mão na dele, a
espessura de sua luva escondendo a temperatura de sua pele.
— Preciso colocar meu uniforme. — ela disse.
Ele o limpou. Estava dobrado e esperando sobre a mesinha de cabeceira por
ela. Colocou o traje por cima da cabeça dela, encaixando-o sobre a camiseta que tinha

137 | P á g i n a
vestido nela, nunca deixando ninguém ver nada que não devia.
Ele arrastou-a de pé e ela bufou quando caiu para o lado dele. Ele serpenteou
seu braço ao redor da cintura dela, segurando-a.
— Siga-me. — duro como um pau, Leopold virou-se e marchou do quarto. Os
guardas rapidamente o seguiram.
Kane praticamente teve que carregar a debilitada Sininho. Ele perguntou-se
onde William estava. Ainda estava na cidade? Kane poderia usar sua ajuda neste
momento.
Synda aproximou-se de Kane para pedir sua opinião sobre padrões e tecidos, e
outras coisas da qual não se lembrava, e ele perguntou-lhe como William chegou na
casa dela, o que o guerreiro disse, mas ela alegou ter esquecido.
Enquanto caminhava pelo corredor, notou que as servas estavam pressionadas
contra as paredes. Elas sorriram e acenaram quando o avistaram, algumas até mesmo
timidamente enrolando as pontas de seus cabelos.
Solte a menina e escolha uma destas, Desastre comandou.
Morra, Kane devolveu.
Sua bota desamarrou e ele tropeçou.
Ele endireitou-se, parando no meio do caminho quando viu um retrato de — de
jeito nenhum, apenas de jeito nenhum — mas era ele e estava pendurado ao lado de
um de Synda.
— O que você está... — O olhar de Sininho seguiu a direção do seu e ela quase
sufocou com uma risada súbita. — Oh, uau. Você parece tão...
— Não diga. — ele rangeu.
— Dizer se você não parece feliz?
Se a situação não fosse tão medonha, Kane levaria um momento arrancando os
olhos de todos que caminhavam por este corredor. Aparentemente, William rondou
pelo palácio depois de entregar a princesa. Não havia nenhum outro modo de que a
família real Fae pudesse ter conseguido uma das monstruosidades que Anya tinha
encomendado.
Ele mordeu o lado de sua bochecha. Queria que as pessoas deste reino
respeitassem sua força; estariam menos propensos a agir contra ele. Mas ninguém
olhando a tela com ele inclinado sobre uma espreguiçadeira estampada de zebra
vestindo apenas um boá de penas azuis, enquanto segurava uma rosa entre os dentes,
assumiria que ele era...
Tinha vapor ondulando de seu nariz.
Não admirava que Leopold não se importasse com a ordem direta do rei para
deixar Sininho aos cuidados de Kane. Não admirava que o príncipe não buscasse
secreta vingança por ser cortado na garganta e ameaçado. Isto era castigo suficiente.
Vou rasgar William em pedaços.
No momento em que o grupo alcançou a sala do trono, o ar estava espesso
com odores florais e enjoativos como sempre. Seu nariz enrugou com desgosto; ele
não se acostumava ao cheiro e duvidava que um dia aquilo acontecesse.
O rei empoleirava-se em seu trono dourado e assim como antes, Synda
ocupava o trono à sua esquerda. A rainha não estava em nenhum lugar à vista.
— Senhor Kane. — a princesa disse com um aceno de saudação. — Serva
Josephina. É tão bom ver que está de pé e pronta.
Sininho enrijeceu, permanecendo quieta.

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Synda nunca parava de surpreender Kane. Sua noção de realidade era
inexistente, como era sua habilidade de pegar pistas emocionais ou compreender por
que uma pessoa poderia ficar brava com ela.
— Senhor Kane. — o rei reconheceu. — Antes dos processos começarem,
precisamos dizer o quão emocionados estamos de atender seus SPM.
Ah...
— Meus o que?
— Seus Secretários Pessoais Machos. Eles escoltaram a princesa para casa no
dia de sua viagem de compras. Demos a eles um quarto no mesmo corredor que o seu.
Bem, isso respondia tudo.
— Muito... generoso de sua parte.
— Nós queremos que seja feliz aqui, Senhor Kane.
— Então faça um decreto de que Josephina não será ferida.
O rei apertou os lábios em uma linha teimosa.
— Como sabe, foi concedida a você a custódia da Serva Josephina durante sua
enfermidade. Já que ela se recuperou, devemos agora ver seus deveres.
Sininho tremeu e ele aconchegou-a. Avaliou o resto da sala e todos nela,
planejando qualquer eventualidade. Fuga. Um ataque. Batalha.
Ele encontrou Red, Black e Green que estavam à margem, em frente à multidão
crescente da alta classe dos Fae. Pedaços de gelo cristalizaram em suas veias, dando
novo significado ao termo sangue frio. Eles estavam aqui por vingança contra Sininho?
Ou Kane?
— Sabe quem são aqueles homens? — Ele perguntou, apontando para os
guerreiros.
— Claro. — o rei respondeu. — São seus servos. Chegaram esta manhã.
Eles eram, certo?
— Meus servos têm um pequeno problema com roubo. Certifique-se de que
seus guardas os acompanhem onde quer que forem.
O rei estalou e guardas apressaram-se a ocupar novos postos atrás dos
guerreiros.
Nenhum dos três pareceu notar ou se importar. Eles mantinham seus olhares
em Sininho, suas expressões brilhantes com fascinação. Kane de repente percebeu por
que — e não tinha nada a ver com vingança. Eles queriam que ela puxasse a escuridão
deles, mais uma vez e para sempre. Queriam estar inteiros, imaculados. Normais. Ela
era a única maneira de conseguir tal feito.
A raiva liquefez o gelo. Raiva dirigida aos guerreiros — e a si mesmo. Ele trouxe
isto para Sininho. Ele. Ninguém mais. Agora ela tinha que enfrentar mais outro
desastre.
— É hora da sentença da serva Josephina ser revelada. — o rei anunciou. Pum!
Pum! Pum! Ele bateu com seu cetro no chão.
Kane focou-se. Uma batalha de cada vez, ele pensou.
— Porque a Princesa Synda foi pega despindo-se em público, a serva Josephina
será forçada a despir-se aqui, ser marcada a ferro no peito com a marca da vergonha.
Sininho clamou com alarme.
Kane rugiu uma maldição.
— Mas... — Leopold começou, apenas para emudecer quando Tiberius atirou-
lhe um olhar estreitado.

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Quatro guardas a agarraram. Kane jogou-a para trás dele, usando seu corpo
como proteção e retirou dois punhais. Os homens pararam, inseguros de como
prosseguir e sobreviver.
Os garotos de William endureceram, como se estivessem se preparando para
marchar para o lado de Kane e ajudá-lo a proteger Sininho; mas permaneceram no
lugar e ele entendeu por que. Os três precisavam de Sininho viva e incólume para
conseguir o que queriam dela, e perceberam que Kane não permitiria que nada ruim
acontecesse com ela. Esperavam que lutasse por ela, embora o resultado desta luta
não tivesse importância para eles. No meio do caos, poderiam arrastar Sininho. Não
ficaria surpreso se não tivesse sido eles que fofocaram para o rei sobre o que Synda fez
na taverna, apenas para criar este pequeno cenário.
— Vou tomar o castigo. — Kane disse. Uma briga seria evitada e ele poderia
forçar Sininho a ficar ao seu lado.
Os guerreiros nunca tentariam levá-la tão abertamente.
— Ele vai tirar a camisa. — uma fêmea entoou.
— Eu sei! Vai ser glorioso!
As mãos de Sininho achataram em suas costas.
— Não, Kane. Você não pode. — Sua voz tremeu com medo e chateada.
Ignorando-a, o rei ponderou a sugestão por um momento.
— Você não é sangue do sangue da Princesa Synda. — ele disse para Kane. —
Então a troca não seria aceitável.
— Dê Josephina para mim, então. Ela toda. Agora e para sempre. Este tipo de
laço é tão forte quanto o sangue, se não mais forte.
Olhos azuis o fulminaram, diretos e penetrantes.
— Você terá minha filha e nenhum outra. Ela é a única fêmea digna de você.
Um dia cortarei sua língua.
— Se a princesa é minha fêmea, ela é minha responsabilidade. Portanto sou eu
a decidir seus castigos, correto? Eu levei-as às compras.
O rei endureceu. Ele sabia que foi apanhado na teia de suas próprias regras.
— Muito bem. — ele finalmente disse. — Pode ter a escrava de sangue
também e usá-la como bem entender.
Saber que Sininho estava sendo colocada aos seus cuidados encheu-o com a
maior satisfação que jamais conheceu. Suficiente para obscurecer o único problema:
não poderia salvar Sininho do abuso adicional sem o casamento com Synda.
— Obrigado. — ele disse.
Um aceno de concordância.
— Conheço melhor do que ninguém o poder de uma atração por uma fêmea
errada — e é isso o que sente pela serva Josephina, não é? Se eu te tirar a garota, vai
querê-la ainda mais. Se eu machucá-la, você me culpará. Mas se eu a der pra você, a
ânsia morrerá rapidamente.
Kane conteve uma risada sem graça pela ignorância do rei. Uma ânsia tão forte
não podia morrer.
— Ele quer uma serva? Uma serva? — Carrancuda, com brilhantes olhos
avermelhados, Synda removeu um de seus sapatos e atirou a coisa na cabeça de Kane.
Ele desviou-se pouco antes do contato. — Você não me merece!
— Vamos, vamos, querida. — o rei acalmou. — Você não me ouviu? A ânsia
morrerá.

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Ele podia ficar tempo suficiente para se casar com a princesa, Kane pensou,
então colocar Sininho aos cuidados de seus amigos. Eles a protegeriam tão ferozmente
quanto ele mesmo, sabendo o que significava para ele. O Fae a abandonaria. A Phoenix
a deixaria em paz tão logo Kane cuidasse dela — o que ainda planejava fazer — e todos
os problemas de Sininho seriam resolvidos agora, em vez de mais tarde.
Depois do casamento Sininho não ia querer nada com ele, claro, e não poderia
culpá-la. Mas estaria segura, lembrou a si mesmo.
Ela também estaria confinada nos aposentos com Torin. E Paris.
Fúria sombria raspou em seu peito.
E o que dizer de Synda? O que deveria fazer com ela? Amava demais seus
amigos para torná-los responsáveis por uma pirralha tão temperamental. Mas
definitivamente não tinha nenhum desejo de mantê-la com ele, onde quer que fosse.
— Por favor, não faça isto. — Sininho sussurrou. Seus dedos embrenhados na
camisa dele em um esforço de puxá-lo para baixo até sua altura. — Não quero que se
machuque por mim.
A preocupação dela tocou-o profundamente, colocou-o muito mais sob seu
feitiço.
— Eu disse que não permitiria que fosse machucada e falei sério.
— Kane. — ela disse, soando desesperada agora. — Se fizer isto, ficarei brava
com você.
— Mas ainda me beijará mais. — Ele ainda não estava casado.
Kane avançou e puxou a camisa por cima de sua cabeça. Gorjeios femininos
elevaram-se ao longo da sala e ele revirou os olhos. Virou-se de costas e puxou Sininho
para perto dele o máximo possível. Um fogareiro portátil foi rolado pela porta lateral e
deixado no centro da sala. Entrando a passos largos, um macho segurando um ferro
em brasa. Ele meteu a haste nos carvões em brasas, permitindo que o metal
aquecesse. Guardas se aproximaram de Kane pelos lados pretendendo prendê-lo no
lugar. Ele os afastou e estendeu os braços.
— Não me moverei. — ele proclamou.
Um aceno do rei fez os machos recuarem. Tiberius, Synda e Leopold se
inclinaram para frente, cada um observando, talvez curiosos para saber se manteria
sua palavra.
— Kane. — Sininho disse, as palmas trêmulas pressionando suas omoplatas.
Medo irradiava dela. — Por favor, não.
Silencioso, alcançou suas costas e envolveu seus braços ao redor dela,
entrelaçando seus dedos, prendendo-a contra suas costas rígidas. Ela descansou a
testa contra ele e pareceu sentir o calor úmido de uma lágrima descer por sua espinha.
A suspeita o balançou. Destruiu. Porque significava que ela se importava com
ele. Um cuidado que era mais profundo do que o desejo.
Não sei se poderei deixá-la partir.
O homem ergueu a haste e vapor enrolou da ponta — uma grande ponta em
forma de dragão. Ele se aproximou de Kane com passos hesitantes.
— Faça isto. — Kane comandou.
— Não. — Sininho chorou, sacudindo violentamente a cabeça.
Depois de uma pequena pausa, o homem apontou o dragão para o centro do
peito de Kane e segurou firme. A carne chiou imediatamente e derreteu. Muito mais
dor do que esperava atravessou-o, o cheiro de carne queimada ofuscou a fragrância de

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flores. Ele queria vomitar. Ao invés disso, ferveu. Estas pessoas pensaram em fazer isto
no delicado e bonito corpo de Sininho. Teriam feito isto com ela.
Desastre riu quando o homem tentou remover o atiçador — e falhou.
O metal se fundiu no esterno de Kane.
Por mais forte que o homem continuasse a puxar, o dragão recusava-se a
ceder.
Cerrando os dentes, Kane agarrou o eixo da haste e puxou com toda sua força.
A separação foi finalmente alcançada — mas a haste levou pedaços de osso com ela.
Ele soltou a coisa com uma pancada. Inspirou e expirou, tentando recuperar seu
fôlego. A primeira coisa que notou — foi o absoluto silêncio que enchia a sala do
trono. Todos estavam esperando por sua reação.
Acostumando-se com a dor, ele ergueu o queixo e disse.
— Próxima ordem do dia. Gostaria de passar um tempo com a princesa para
conhecer minha futura... noiva. — Ele tinha que mantê-la longe de problemas. Tinha
que fazer algo para garantir que estivesse instalada na cama sem mais punições
lançadas no caminho — de Sininho — ou dele.
— Oh, papai, você estava certo! — Uma sorridente Synda levantou-se antes
que seu pai pudesse responder e saltou para o lado de Kane, como se nunca tivesse
ficado brava, nunca tivesse jogado seu sapato.
Sininho afastou-se do alcance dele.
Ele virou, tentado agarrá-la.
— Você virá conosco.
Seus olhares se enroscaram em um flamejante confronto. Mágoa chamejava
dela e ele se sentiu marcado pela haste mais uma vez.
— Sininho...
— Absolutamente não. Com licença, por favor. — ela disse, abrindo caminho
pela multidão, deixando a sala.
Ele moveu-se para segui-la, mas Synda o agarrou pelo pulso.
— Deixe-a ir. Ela não é nada para nós.
A raiva o fez virar-se em sua direção, os dentes dele à mostra.
— Você nunca mais falará assim novamente. Você me entendeu?
Ela empalideceu sob a ferocidade da atenção dele.
O Rei Tiberius levantou-se.
E Kane percebeu que tinha que jogar bem. Ele suavizou a voz, dizendo.
— Não quero meus... servos em qualquer lugar próximo de Josephina.
O aceno do rei foi duro. Ele estalou os dedos e os guardas cercaram os três
guerreiros, impedindo-os de quaisquer movimentos que pudessem fazer.
— Sua vez, Senhor Kane. Não quero minha filha chateada.
Para Synda, Kane rangeu.
— Vamos fazer um passeio pelos jardins. Sem... servos.
Ela fez um pequeno beicinho.
— Você não quer voltar para o meu quarto?
— Não. — Ele percebeu o quão insultante isto provavelmente soou,
considerando tudo o que fez e disse este dia. — Como disse, quero conhecê-la melhor
primeiro.
Synda irradiou e Kane fez seu melhor para não fazer uma careta.
— Vá com eles. — o rei disse para um dos guardas. — Cuide da proteção deles.

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A única que precisava de proteção era Synda. De Kane. Ela inconscientemente
ajudou Sininho a cair fora. Uma ofensa mortal.
Apenas passe as próximas horas e poderá caçar sua Fae.
Uma vez que a encontrasse, não a deixaria fora de sua vista. Não a deixaria
também, percebeu. Ele não podia. Não enquanto a prole de William estivesse aqui.
Além disso, Kane poderia ser um ímã para o desastre, mas para ele não existia
nada mais magnético do que Sininho, e não podia aguentar o pensamento de deixá-la
ir.

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CAPÍTULO 19

Josephina saiu correndo corredor abaixo, lágrimas queimando atrás de seus


olhos. Kane quis passar mais tempo com Synda, supõe-se que significa um fim. Que
fim, exatamente? Supostamente a razão para ele estar aqui era salvar Josephina —
sim, tudo bem, havia uma boa possibilidade de que estivesse atendendo a princesa
por causa de Josephina.
Talvez não devesse ter deixado uma súbita explosão de ciúme e mágoa afastá-
la do lado de Kane. O homem acabou de sofrer dor terrível em seu lugar, tomando
um castigo designado a ela. Mas... se ele sofreu algo assim, só para manter sua
palavra e poupar Josephina de ser ferida, estaria disposto a se casar com Synda
para mantê-la segura também.
Outra bênção. Outra maldição.
Ele podia até desejar tal resultado, pelo menos em algum nível. Afinal, as
Moiras disseram a ele que Synda poderia muito bem ser a garota para ele.
Um som abafado escapou. Kane era dela. Dela! E não queria compartilhá-lo.
Seus obscuros e tentadores beijos fizeram algo com ela. Mudaram-na. Agora
ansiava o calor, a dor e a necessidade enlouquecedora que só ele podia trazer. Ela
desejava... mais.
Uma mão dura trancou a parte superior de seu braço, detendo seu progresso e
a balançando. Ela ficou cara-a-cara com Leopold e experimentou uma pontada de
medo.
Quando ele percebeu a umidade em suas bochechas, fez uma careta.
— O que há de errado com você? Acabou de escapar da punição.
— Deixe-me ir, irmão. — um lembrete de vergonha para ele.
Ele não prestou atenção.
— A mim, você nega. Por ele, você chora. Sua besta possuída do demônio vai se
casar com a princesa e fazer de você sua amante. Você percebe isto, não é?
Eu não serei amante de ninguém. Nem mesmo de Kane.
— Quem é você para atirar pedras?
O príncipe estudou-a por um longo momento, sondando suas feições em busca
de qualquer sinal de fraqueza.
— Não importa o que eu diga, você ainda vai querê-lo. Eu posso dizer. — Ele a
arrastou para a janela e abriu as cortinas. — Olhe lá fora. Veja-o como realmente é.
Kane e Synda estavam no jardim que Josephina e sua mãe uma vez cuidaram.
Ele ainda estava sem camisa, seu lindo e musculoso tórax estava uma bagunça, o
ferimento no centro aberto e fresco. Ele abaixou e pegou uma pedra, então a
lançou a uma boa distância. Synda disparou em uma corrida procurando pela
pedra. Quando a achou, levantou-a e saltou de volta para Kane.
Ele a lançou novamente.
Ela a perseguiu novamente.
Ele estava... brincando com ela?

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Oh, sim, pensou. Ele estava definitivamente fazendo isso para o benefício de
Josephina. Um sorriso ergueu os cantos de seus lábios, só para cair um segundo
mais tarde. A revelação não mudava o curso que ele definiu.
Leopold estacou atrás dela, apertando-a contra a dureza do vidro pressionando
a suavidade. Ela tentou se esquivar, mas ele plantou as mãos ao lado dela,
engaiolando-a, prendendo-a. Medo despertou à repugnante vida.
— Vou tratar você melhor que ele jamais poderia. — ele sussurrou.
— Deixe-me ir, Leopold. Agora.
— Eu não devia querer você. — ele continuou como se ela não tivesse falado.
— Todos ficariam horrorizados se soubessem. Mas olho para você e eu não posso
evitar. O desejo está lá.
— Resista.
— Você acha que eu não tentei?
— Continue tentando.
Ele riu sem humor e era um som torturado.
— Não, estou cansado de tentar. Estou cansado de esperar. Você é tudo o que
eu preciso. Eu sei que me entende de um modo que ninguém mais pode. Você está
sozinha, admita. Precisa de alguém para se apoiar e confiar, assim como eu. Eu sei
que você finalmente será a única a me satisfazer... do jeito que eu vou satisfazê-la.
— Não. Não! — Ela disse, intensificando a luta.
— Fique quieta. Só pretendo tomar um pouco, mostrar a você o quanto pode
ser bom.
Um pouco era demais. Apesar de não ter tido nenhum tipo de treinamento, o
instinto contribuiu e deu-lhe uma acotovelada no estômago, pisou no seu pé e deu
uma cabeçada no seu queixo. Ele era tão poderoso, mas não teve nenhuma reação.
Ele beijou o lado de seu pescoço.
— Resigne-se e aceite isto. Vai acontecer.
Não faça isto. Por favor, não faça isto...
Como se ouvisse seu apelo mudo do jardim, Kane endureceu e olhou para cima.
Seu olhar encontrou a janela e estreitou. Raiva escureceu seus traços e ele sacudiu
em um salto mortal, explodindo no guarda, jogando-o no chão. Synda tentou segui-
lo, mas era muito rápido para ela. A princesa parou e se curvou, lutando para
respirar.
Se Leopold notou as atividades abaixo, não esboçou nenhuma reação. Ele
mordiscou o lóbulo da orelha de Josephina.
— Você vai gostar do que posso fazer pra você. Eu prometo. — ele disse, então
girou em torno dela.
Tentou colar seus lábios nos dela. Ela virou a cabeça, tentando empurrá-lo. Ele
agarrou seus pulsos e alfinetou seus braços de lado.
Pânico sufocou o ar de seus pulmões, mas conseguiu empurrar seu joelho pra
cima, apontando para sua virilha. Mas ele angulou seu corpo mais baixo como se
esperasse tal movimento, e ela acabou se esfregando nele.
Ele gemeu de prazer e ela choramingou de angústia.
Kane voou vindo do canto e agarrou o príncipe, levando-o ao chão. Leopold
estava muito chocado para lutar ou usar sua habilidade quando Kane martelou
punho após punho em seu rosto.
— Não a toque! Nunca! Ouviu? — Kane cuspiu as palavras entre socos. Sangue

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espalhou em todas as direções, chovendo nas paredes. O som de ossos quebrados
ecoava. Um dente deslizou pelo chão. — Não toque nela e nem em mim, não toque
em ninguém. Entendeu? Não toque!
O corpo de Leopold começou a baquear com a força dos socos, mas nem uma
vez ele tentou se proteger — não podia. Estava muito ocupado estando
inconsciente... talvez morrendo.
Tremendo, agitando os braços, Josephina tentou entrar no meio.
— Kane!
Tão depressa quanto a batalha unilateral começou, parou. Kane balançou ao
redor, seu olhar estreitado aterrissou nela. Suas íris estavam vermelho vivo,
brilhante. Ele estava ofegante.
— Você está bem?
Ela movimentou a cabeça e mordeu o lábio.
— Você tem que parar. — Embora estivesse chateada com ele, não podia
suportar o pensamento de Kane suportando qualquer dor adicional. — Qualquer
mal contra o príncipe será castigado e seu único escravo de sangue é...
— Não. Nunca.
Eu, ela terminou silenciosamente.
Ele se endireitou e cobriu a distância entre eles. Suas mãos gotejavam
vermelhas quando estendeu a mão e acariciou seu rosto. Ele corou no momento
em que percebeu as manchas molhadas que deixou para trás, e se lançou para ela,
ergueu a bainha de sua saia e enxugou seu rosto.
— Desculpe. — ele murmurou, claramente envergonhado. Então corou
novamente, amaldiçoando. — Seu vestido novo está arruinado.
— Tudo bem. Eu posso...
— Eu arruinei isso. — continuou ele, oco.
— Realmente Kane, não é grande coisa. Não me importo com o vestido.
— Vou comprar mais cem para você. Mais agradáveis e nada mais de
uniformes. Você pertence a mim agora. Eu decido.
— Escute. Você tem que deixar o palácio antes de alguém ver o que fez. Certo?
Seu olhar encontrou o dela, procurou profundamente. Tudo o que viu fez o
vermelho enfraquecer de seus olhos e sua expressão suavizar.
— Nenhum de nós será castigado. O príncipe não vai admitir o que aconteceu.
Você vai? — Ele gritou para o macho que estava no processo de se contorcer. —
Porque sabe que isto era só o aperitivo. Sou capaz de algo muito pior.
Um gemido de agonia foi a única resposta.
Passos de botas encheram a pequena alcova e o guarda que Kane derrubou no
jardim veio correndo pela esquina. Ele viu o príncipe no chão e parou para agarrar
uma arma.
Josephina jogou um braço protetor na frente de Kane e correu.
— Ele realmente estava assim quando chegamos aqui. — ao mesmo tempo
Kane disse.
— Ele caiu.
Nenhum deles mentiu.
— Leve-o ao seu quarto e chame o medico. — Kane adicionou. — E diga ao
Príncipe Leopold para ter mais cuidado de agora em diante. O próximo incidente
poderá matá-lo.

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O guarda engoliu em seco e acenou com a cabeça.
Kane pegou Josephina nos braços e saiu pisando duro. Ela não ofereceu
nenhum protesto.
— Senhor Kane. — o guarda chamou. — Acho que eu deveria segui-lo.
— Não há necessidade. Estou indo para o meu quarto.
Alguns minutos mais tarde chegaram ao seu destino. Kane parou no banheiro
privado e colocou-a em cima da tampa do vaso.
— Fique. — ele comandou.
Ela levantou uma sobrancelha.
— Tratando-me como um cachorro agora?
Seu sorriso era doce e típico e até um pouco triste.
— Provavelmente é melhor que a alternativa.
— Que é?
Ele deu-lhe seu olhar mais nu.
— Amante.
O calor corporal que Leopold tentou — e falhou — em atingir agora veio à vida.
Simplesmente assim. Com apenas duas palavras.
— Tenho que tirar esse sangue de mim — ele disse — e quero você ao meu
alcance. Então... como eu disse, fique. Por favor. — Ele mexeu confuso nos botões
do chuveiro até a água começar a jorrar. Então enganchou os dedos na cintura da
calça, parou como se tentando decidir o que fazer em seguida. Finalmente suspirou
fortemente e retirou o material.
A calça caiu no chão e ele saiu de cima dela.
Sua beleza roubou o fôlego dela. Suas pernas eram longas e musculosas, com a
mais leve camada de pelo. Sexy... perfeito.
Ele olhou para ela quando enganchou o dedo polegar na cintura da cueca.
Doce misericórdia, finalmente vou morrer. Terei um ataque cardíaco. Com toda
a certeza.
— Então, uh, como soube ao olhar para a janela? — Boa. Mantenha isto casual.
Talvez ele não perceba que você está olhando fixamente.
Ele parou, dizendo.
— É estranho. Senti como se existisse uma corda presa ao meu olhar,
arrastando-o para cima.
Ela engoliu em seco. Por que ele estava enrolando?
— Alguma coisa assim já aconteceu com você antes?
— Não.
Eles se... conectaram de alguma maneira?
Finalmente ele empurrou a roupa íntima suas pernas abaixo.
Oh.
Oh, meu.
Kane, guardião do Desastre, era totalmente magnífico. Seu corpo era beijado
pelo sol e cinzelado com força, da cabeça até o dedão do pé. As asas da tatuagem
da borboleta apareciam mais evidentes que antes, estendendo mais e mais perto
do seu... seu... lá.
Oh, meu, oh, meu, oh, meu.
O calor em suas bochechas intensificou e sua boca ficou seca. Ele não era um
homem, mas um guerreiro. Construído para a batalha, afiado por fogo e aço.

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Poderoso de um modo que poucos saberiam ou entenderiam.
— Eu quero saber: o que está pensando? — Ele perguntou, sua voz profunda
soando rouca.
Ela forçou o olhar a se erguer e encontrou o olhar fixo dele. O ar ao redor deles
imediatamente chiou com a consciência que ela não poderia escapar. Eles estavam
às sós. Estava nu.
Oh, as coisas que quero fazer com ele...
— Eu não sei. — ela disse, a rouquidão em sua voz surpreendendo-a. — Você
quer?
Seu olhar fixo a aqueceu.
— Será mais seguro para nós dois se eu negar a verdade.
Clang. Clang. Clang.
Arma após arma bateu no chão. Logo havia uma pilha de punhais, armas de
fogo e estrelas aos seus pés.
— Dê-me seu vestido. Vou lavá-lo.
— Eu… hmph.
Ele fechou a distância e forçou-a a permanecer de pé, estendo a mão ao redor
dela para desabotoar a parte de trás do seu vestido. Ele teve o material empurrado
abaixo em seus braços, passando pela cintura e para seus pés antes dela perceber
o que estava acontecendo.
Ele estava tão perto. Ele estava tão nu. Ela estava tão excitada... doce
misericórdia, seu sangue aqueceu a um grau perigoso, e cada polegada de sua pele
formigava, desejando mais dele. Só ele, sempre. Seus membros começaram a
tremer. E sua... sua... sua tatuagem estava ficando maior, porque uma das asas da
borboleta montou o comprimento do seu...
Seriamente morrendo, ela pensou.
Cresceu e ele engrossou, e endureceu, e hipnotizou-a.
— Oh, meu Deus. — ela disse com um gemido.
— Saia do vestido, querida.
Sim.
Para se equilibrar, pôs suas mãos nos ombros dele antes de fazer o que
mandou. O contato a fez ofegar. Mesmo quente quanto ela já estava, ele era
quente suficiente para queimá-la — e descobriu que gostaria de ser queimada.
Seus músculos estavam duros e intratáveis, ainda cobertos pela seda.
Ele se endireitou, mas não saiu do alcance imediatamente. Olhou para ela, sua
respiração rápida e superficial, um jogo para ela. O ar ainda escaldante, espesso
com o vapor... com desejo... com mil outras coisas que não podia nomear.
— Eu... você... — Ela sussurrou. Faça alguma coisa.
Ele piscou e sacudiu sua cabeça. Endurecendo, girou e entrou no chuveiro,
então empurrou a cortina no suporte, bloqueando sua visão. Dentro de segundos,
a barra da cortina estava curvando no meio, quase desmoronando. Ela ouviu o
esfregar de pele contra porcelana, como se Kane tivesse deslizado. Ele xingou.
Seus joelhos desabaram e ela sentou na tampa do vaso. Logo o cheiro de sabão
flutuou até ela. Ela respirou profundamente, deixando isto atravessá-la,
subjugando sua tremedeira.
— Kane?
Só a pausa mais leve antes dele dizer.

148 | P á g i n a
— Sim, Sininho...
— Obrigada. — Não eram as palavras que queria dizer, mas no momento
seriam essas. — Por tudo. Eu quero dizer.
Houve um estrondo como se ele tivesse lançado seu punho no azulejo.
— Eu não devia ter deixado você sozinha.
Ela ouviu a autorrecriminação em seu tom, e suspirou.
— Eu fugi de você, lembra? E, além disso, não pode estar comigo cada segundo
de cada dia.
— Quer apostar?
Não me tente.
— Então... em quantas lutas você esteve?
— Você quer dizer que seus livros de história não deram uma contagem exata?
— Não. E queria que eles tivessem. Você é muito bom.
— Você será também. Eu vou treiná-la.
— Sério?
— Sim, realmente.
— Mas outros homens rirão de você se descobrirem.
— Por que se importariam?
— Mulheres não deveriam aprender a lutar — ela disse —, e qualquer um que
ouse nos ensinar é evitado.
— Isto é estúpido.
Concordou. No reino Fae, homens deveriam ser seus protetores, mas como
Leopold provou, proteção estava frequentemente omitida em favor de luxúria e
cobiça.
— Você não se importa em ser evitado?
— Por essas pessoas? Eu consideraria uma bênção.
Ela girou uma mecha de cabelo em volta do dedo.
— Eu tenho que fazer uma pergunta a você.
— Qualquer coisa.
— Você vai mesmo se casar com Synda? — Ela queria perguntar sobre esse
assunto com naturalidade, como perguntaria sobre qualquer outro, mas não foi
exatamente o que aconteceu. Ela sussurrou ao invés disso, todas as suas
esperanças se infiltrando de sua voz.
E em vez de responder, ele começou a assobiar.
Bem, isso foi resposta suficiente, não foi?
Decepção, frustração e raiva agruparam-se na boca do seu estômago. Ela
estava certa. Seus sentimentos não mudariam seu curso.
— Em dias como este, queria ter a querida Heloise na discagem rápida. Existe
sangue no vestido da minha garota. — ele murmurou. — Eu deveria usar club soda
ou vinagre?
Vestido da minha garota, ele disse. Minha garota. Josephina.
Argh! Você não pode ter mais de uma, Kane, ela quase gritou.
A água foi desligada.
— Jogue-me uma toalha.
Josephina puxou um pano branco do armário, então colocou o material acima
da barra.
— Obrigado.

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— De nada. — ela disse, com mais acidez que pretendeu.
A cortina foi posta de lado, e ela teve uma realização breve de que não havia
nenhum vapor — por quê? — antes de sua mente... completamente... descarrilar.
Kane estava ainda nu, claro que estava, mas agora estava brilhando. Seu cabelo era
mais escuro quando estava molhado, e gotejava pelo seu rosto. A marca de dragão
no seu tórax não estava mais vermelha, mas já escarificada e negra. A toalha estava
enrolada em volta dos seus quadris, sua tatuagem de borboleta — e outras coisas.
A respiração ficou presa em sua garganta quando ele enganchou seu vestido no
suporte. As extremidades embebidas do algodão estavam grudadas.
— Eu preciso de algo para vestir. Preciso deixar o quarto. — ela conseguiu
dizer. — Eu tenho deveres. — E preciso ficar longe de você. Antes que eu esqueça
que não gosto de compartilhar.
— Vou ver seus deveres. Você vai ficar aqui e descansar.
Seus olhos se arregalaram com perplexidade.
— Você não pode. Eu não posso.
— Eu adoraria ver você tentar e me deter. Ou deixar esse quarto. Agora faça
uma lista do que tem a fazer.
Se ele quisesse fazer suas tarefas, tudo bem. Opulens o veriam e dariam risada.
Até os empregados ririam silenciosamente. Josephina finalmente teria um tempo
longe dele — tempo de paz. Os sentimentos que ele mexia... ela estava começando
a odiá-los. A sua intensidade.
Sorrindo com doçura em demasia, ela caminhou para o quarto e tirou uma
caneta e um bloco de papel do criado-mudo. Então escreveu. E escreveu. E
escreveu. Ele usou os minutos de silêncio para amarrar com correia suas armas,
esvaziou o conteúdo do armário e vestiu as roupas que o rei forneceu-lhe. Seu
pulso doía quando terminou a lista.
Ele se aproximou dela, vestindo camisa e calças pretas e parecendo
absolutamente comível, apesar de ter coberto seu magnífico corpo. Ela deu a lista.
Ele olhou, fazendo careta.
— Você consegue fazer tudo isso?
— Quase todos os dias.
Ele leu do início ao fim a lista uma segunda vez.
— Eu deveria matar seu pai e irmão agora mesmo.
— E ser caçado pelos Fae pelo resto de sua vida?
— Isso não me preocupa. — ele disse e soou sincero.
— Deveria. Eu sei que Tiberius permitiu a você muitas liberdades, e
provavelmente acha que minha raça inteira é uma piada — caso contrário, você
não seria tão arrogante — mas não viu que todos aceleraram para uma vingança de
sangue. Eu vi.
— Ainda não estou preocupado.
Ela apoiou as mãos nos quadris.
— Se os Fae quiserem você morto e falharem em encontrá-lo, eles encontrarão
seus amigos mais próximos e torturarão para forçá-lo a sair do seu esconderijo. Até
os famosos Senhores do Submundo.
— E se eu já estiver morto?
— Eles farão isso só por diversão.

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CAPÍTULO 20

Em Segundo Kane trancou a porta do quarto, mantendo Sininho dentro e todos


os outros do lado de fora. Laços de culpa ameaçavam puxá-lo sob um rio de vergonha,
o que era ridículo. Ele estava fazendo-lhe um favor. Ela precisava descansar e precisava
ter certeza de que estava a salvo e, prisioneira ou não, esta era a única maneira de
garantir essas coisas. Talvez um dia ela ainda agradecesse.
Lutando contra um sentimento de urgência, agrupou um punhado de servos e
emitiu uma série de ordens. Os humanos apressaram-se por toda parte para cuidar dos
vinte e nove itens da lista de Sininho, evitando as consequências do fracasso. Logo as
rugas foram vaporizadas das cortinas, os pisos estavam sendo limpos, os corrimões
estavam sendo polidos e o banheiro da rainha estava sendo limpo.
A última era uma tarefa que tinha a pretensão de humilhar Sininho, nada mais,
ele apostava. No café da manhã testemunhou a forma como a rainha olhou para ela,
com ressentimento naqueles olhos azuis reais. E não precisava adivinhar por que.
Sininho era a prova viva da traição do rei, e a rainha Penélope estava atacando da
única maneira que podia. Mas aquela besteira terminaria hoje. Nada mais de Sininho
servir a qualquer membro da família real.
Ela estava sob os cuidados de Kane. E iria servi-lo, e a ninguém mais.
Ele sorriu. Sininho ficaria contrariada se ouvisse seus pensamentos.
Depois de falar com um dos guardas soube que Synda, sua outra
responsabilidade, decidiu dar outro passeio no jardim sem proteção, apesar da
infestação dos Phoenix.
Quando pisou do lado de fora, um vento brutal de repente impeliu para cima,
fazendo uma enxada levantar do chão acertando-o. Quando Kane não conseguiu
encontrar a garota no jardim, vagou pela floresta. Uma hora se passou, depois duas,
mas não encontrou pistas que sugerissem que Synda ou mesmo Petra — estivessem lá
fora. Apostava que Synda tinha encontrado alguém, teve relações sexuais e voltou
para o palácio. Parecia certo. Quanto à Petra... ele não tinha certeza. Sabia apenas que
não era do tipo que desistia.
Frustrado, voltou ao palácio.
Que confusão.
Desastre lançou uma risada enlouquecida.
Kane moveu-se pelos corredores mantendo-se nas sombras, observando,
ouvindo. Este tornara-se seu ritual noturno. Gostava de fazer com que todos
estivessem no lugar onde deveriam estar, ficando fora de problemas e não fazer
planos para chegar depois de Sininho. O rei serpenteava por um canto afastado,
levando sua nova amante para sua suíte. O homem estava bufando com ânsia, suas
mãos já vagando embaixo do vestido dela. A garota murmurava um incentivo sem
nenhuma inflexão em sua voz. Ela parecia morta.
Eles desapareceram pela porta e Kane seguiu em frente. Synda agora estava em
seu quarto, jogando strip poker com Red, Green e Black. Nenhuma surpresa aqui,
embora Kane estivesse aliviado que estivesse de volta ao palácio, pelo menos. Onde
estava White? Na sala de bilhar descobriu um surpreendentemente saudável Leopold
151 | P á g i n a
jogando com três criadas humanas. Todas as três tinham cabelos longos e negros.
Como Sininho.
Kane pressionou os calcanhares mais firmemente no chão. Não podia matá-lo
sem causar problemas a Sininho.
— Você perdeu sua chance. — disse Leopold segurando o taco. — Vai ter que
pagar uma penalidade.
A garota torceu seu dedo para ele.
— Estou mais do que disposta.
Leopold avançou para ela, dobrando-a sobre a mesa, esmagando seus lábios
nos dela. As outras fêmeas observavam, rindo.
Kane ouvira as fofocas. Sabia que o rei desprezara o filho desde seu
nascimento, já Synda, a mais velha, aquela com o distorcido transtorno mental, ele
adorava. Embora Kane não soubesse o porquê.
Ele saiu da sala. No corredor fez uma pausa, passos de botas chamando sua
atenção.
—... deveriam ter perseguido a horda de Phoenix para fora do reino. — um
guarda disse quando passou marchando.
Nem ele, nem seu companheiro notaram Kane nas sombras.
— Covardes. — o outro cuspiu.
Na sala ao lado, um grupo de criadas estava tirando pó e arrumando a sala de
estar com um sofá rosa, uma namoradeira rosa e várias cadeiras rosa.
—... assim como sua mãe.
— Eu sei! Ouvi dizer que ela está dormindo no quarto dele.
Um suspiro sonhador flutuou no ar.
— Adoraria dormir no quarto dele.
Um músculo se contraiu debaixo de seu olho. Elas estavam falando de Sininho,
insinuando que era uma... que era sua... ele não podia sequer pensar em mais uma
palavra sem querer matar alguém. Dolorosamente. Saiu da sala — e correu para
White.
— Você está me seguindo? — Ele exigiu.
Ela deu de ombros, imperturbável.
Deu um passo em volta dela, mas ela agarrou seu pulso. Ele afastou seu
contato, enquanto Desastre ronronava.
— Estou confusa a seu respeito, Kane, e não gosto de ser confundida.
— Isso não é problema meu.
Um sorridente William cambaleou do quarto da rainha e White saiu correndo
pelo corredor.
— Volte depressa, meu sombrio. — a rainha disse, alheia à sua audiência.
— Como se algo pudesse me manter afastado por muito tempo, minha
estimada. — o guerreiro gorjeou.
Kane parou à espera com as mãos em punhos.
No momento em que William fechou a porta, Kane estava enfrentando-o
exigindo baixinho:
— O que acha que está fazendo?
O sorriso desapareceu, revelando uma careta de irritação.
— Além de combater a ânsia de vômito? Estou procurando respostas. Por quê?
Acha que estava te traindo?

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— Diz isso como se eu estivesse louco por pensar que sim, mas nós dois
sabemos que você uma vez esfaqueou Lucien no peito.
— Ah, memórias. — o guerreiro disse com um sorriso. — Mas você não está
tentando me roubar do jeito que Lucien estava. E por falar nisso, nunca pego “titias”
gratuitamente. Então você me deve por isso.
Ele abrandou, mas apenas ligeiramente.
— O que descobriu?
— Vou contar quando tiver certeza que estamos sozinhos. Não quero que
ninguém ouça e pense que realmente gosto de ajudar meus amigos. — William levou-
o pelo corredor e virando em um canto, em seguida empurrou uma parte da parede
que se abriu, revelando uma passagem secreta que Kane ainda não tinha descoberto.
Eles entraram no espaço iluminado por tochas e desceram por um lance de degraus
rangendo.
— Bem — começou o guerreiro como prometera —, o rei recentemente
descobriu que nosso bom amigo Paris está enroscado com Sienna, a nova governante
dos Titãs. Também soube que Sabin e Strider foram chicoteados por Harpias e que
Lucien teve suas bolas removidas por Anarquia. Ele teme por sua família e quer ser
uma parte disso, custe o que custar.
— Uau, tão informativo. Obrigado pela notícia antiga.
Mas, ao ouvir os fatos confirmados tão claramente, perguntava-se quão
profundamente era o desejo do rei de fugir. O suficiente para finalmente reivindicar
uma conexão com Sininho, permitindo que Kane se casasse com ela, em vez de com
aquela princesa?
Casar... com Sininho, pensou. Sininho. Sua noiva. Sua esposa.
Sua. Para sempre.
Felicidade floresceu, tão quente e brilhante quanto um raio de sol.
Não! Desastre gritou, e o chão debaixo dos pés de Kane rachou. Vou matá-la!
Acabar com sua vida!
Kane tropeçou, batendo os joelhos em um dos degraus. Ele poderia realmente
sujeitar Sininho à fúria do demônio para sempre?
Não. Não podia.
Mas poderia realmente se casar com Synda?
Talvez devesse chamar seus amigos. Eles viriam. Sienna comandava uma legião
de soldados imortais. Harpias podiam triturar um exército com ambas as mãos atadas
atrás das costas e as pernas amarradas. Anarquia poderia destruir o mundo e rir ao
fazê-lo. Guerra poderia ser travada contra os Fae e Kane seria capaz de libertar Sininho
sem ter que se casar com ninguém.
Mas, e se alguém que amava ficasse ferido? Como seria capaz de viver consigo
mesmo? Pior, mais uma vez provaria a si mesmo ser um fracasso, incapaz de alcançar
o sucesso por conta própria.
Então, não. Tinha tão pouco orgulho. Ele não iria por esse caminho, a menos
que fosse absolutamente necessário.
— Ok, você passou de ligado para irritado, depois para abatido em três
segundos. É muito divertido e estou lisonjeado — sempre soube que você tinha uma
quedinha por mim — mas agora quero saber. O que está planejando? — William
perguntou.
— Eu gostaria de saber.

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— Bem, resolva isto. Quanto mais cedo fizer, mais cedo poderemos sair. Se eu
tiver que cair em cima da rainha mais uma vez... — Ele estremeceu. — Não me leve a
mal, geralmente é um dos meus passatempos favoritos, mas ela está congelando
minha língua.
— Acha que não estou tentando resolver isso? — Ele retrucou. Seja qual for o
caminho que escolhesse, viria com consequências terríveis, e estava ficando lesionado
de decidir sobre uma rota, em seguida mudar de ideia, então mudar de ideia
novamente.
— Você não quer saber o que penso.
— Você está certo. Se não está pensando em ter relações sexuais, está
pensando em fazer sexo.
— Gosto que me conheça tão bem. A propósito, a rainha e a princesa estarão
jogando algum tipo de jogo nos jardins amanhã de manhã, e sua "Foda" Sininho estará
envolvida de alguma maneira. Sugiro que faça uma aparição.
Outra tentativa de humilhar a serva Josephina — e se ouvisse aquele título mais
uma vez, explodiria.
— Eu vou. E você, faça-me um favor, mantenha sua prole fora do meu caminho.
Eles alegam serem meus assistentes só pra chegarem perto de Sininho.
— Sim. Foi ideia minha. Gostaram do que ela fez com eles e querem mais.
Kane empurrou-o contra a parede com a mão em torno da traqueia do homem
e apertando.
— Ideia sua?
Eletricidade azul brilhou com divertimento.
— Sim, e este é o agradecimento que recebo? Eu fiz um favor a você. Deveria
gostar de ter seu inimigo ao seu alcance. Eu faria isso.
Pouco a pouco Kane aliviou seu aperto.
— Eles não podem tê-la. Vou matá-los se tentarem. — Ele poderia, de qualquer
maneira.
— Você foi atingido na cabeça? É claro que sei disso. É por isso que avisei os
garotos sobre Senhores Comandados por Boceta da Mansão e suas mulheres. —
William apontou para a porta fechada em frente. — E agora, nossa pequena conversa
acabou. Esta é a porta para o seu corredor. Temos que ir, Doce Kane.
Kane saiu sem outra palavra. Felizmente não havia guardas na área, poupando-
o da complicação de se esgueirar. Todos pensavam que estava lá dentro — com sua
amante.
O mais silenciosamente possível fixou sua trava e entrou no quarto.
Perguntando-se o que Sininho estava fazendo, se estava brava com ele. Não gostava
da ideia de sua raiva, ele a queria relaxada, feliz.
Encontrou-a na cama enterrada debaixo das cobertas. Quando se adiantou na
ponta dos pés, algo em seu peito suavizou. Chegou ao lado do colchão e empurrou as
cobertas, desesperado para ver o rosto dela, talvez roçar os dedos pela sua bochecha.
E viu... um amontoado de travesseiros?
Quando sua mente estalou calculando o que isso significava — Sininho fez isso
ou alguém fez isso por ela? Estava segura? Ele ouviu o farfalhar de roupas atrás de si.
Ao seu lado, uma sombra se moveu. Em seguida, um assobio silencioso chamou sua
atenção — vidro sendo deslocado pelo ar. Kane virou e agarrou seu suposto agressor.
Uma estrutura óssea delicada registrando-se primeiro, seguido pelo cheiro

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reconfortante de alecrim e hortelã. Pele quente e macia. Um suspiro feminino.
Percebeu que era Sininho depois de tê-la jogado na cama. Ela saltou para cima e para
baixo, e quando se acalmou, ergueu-se para pressionar-se contra a cabeceira da cama,
o cabelo despenteado caindo pelos ombros.
O vaso que ela segurava estava quebrado no chão. Vários pedaços encontrando
seu caminho até sua canela.
Ele ficou ali, olhando-a.
— Eu poderia tê-la matado.
— Bem, o que você sabe? Quase manteve a primeira promessa que nunca me
fez. — Olhos tão escuros quanto safiras perfurando-o como adagas.
Adagas que traspassavam sua alma profundamente. Ele sempre experimentou
algum tipo de dor perto dela, mas isso era diferente. Isso afetava todas as células de
seu corpo, rasgando-o em pedaços.
— É isso que ainda quer? Morrer?
— Agora quero que você morra! — Ela bufou.
— Então é isso? — ele perguntou em voz baixa.
A raiva drenou dela e seu olhar caiu em direção ao chão.
— Não. Ok. Não. Desculpe-me por dizer isso. Mas acho que precisava aprender
uma lição. Você me prendeu aqui, você... você... argh! Não sei um nome terrível o
suficiente.
— Eu te fiz um favor. Vê-la em minhas roupas teria comprovado o que todo
mundo já pensa.
— O que todo mundo pensa?
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Eu sabia! Eles não apenas acham que sou sua propriedade, acham que sou
sua puta! — Ela bateu seus pequenos punhos contra as cobertas. Quando se acalmou,
ela disse: — Mas não importa. Não teria importância. Ninguém teria me visto. Poderia
ter escapado para meu quarto e ficado lá.
— Você não é exatamente uma garota que passaria despercebida, Sininho. — E
ele teria destruído totalmente qualquer homem que conseguisse um vislumbre dela.
Assim como partes do corpo e órgãos estariam espalhados pelo chão.
— Não seja ridículo. Tenho passado despercebida toda a minha vida.
— Não por Leopold.
— Sim, bem, ele está fora do páreo agora, não é?
— Na verdade, não. Ele já está curado. — Kane relaxou ao lado da cama,
tentando não permitir que a proximidade dela afetasse seu corpo desta vez —
falhando, como sempre. — Não me diga que está preocupada com o que fiz com seu
irmão?
— Eu não estou. Sou grata. É só que tenho...
— Tarefas. Eu sei. Elas foram terceirizadas.
Ela piscou com incredulidade.
— Você disse aos outros criados para fazê-las e eles obedeceram?
— Sim. — Secamente, acrescentou: — Algumas pessoas realmente temem a
minha ira.
Seus lábios curvaram para baixo nos cantos. Tais lindos lábios exuberantes,
mesmo quando ela estava franzindo a testa.
— Está dizendo que eu deveria?

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Senhor, salve-me.
— Não, Sininho. Você não deve nunca. — Ele apertou seu pulso e levantou seu
braço, sabendo que o que estava prestes a fazer era perigoso, especialmente agora
quando a adrenalina de seu confronto queimava a correia segurando seu desejo. —
Agora que colocamos as brincadeiras fora do caminho, vamos testar o que pode fazer
com suas mãos.
Ela tentou soltar-se das garras dele.
— De jeito nenhum. Eu poderia machucá-lo.
— Isso deveria excitá-la.
— Bem, não excita.
— Você não tem que soar tão derrotada a respeito disso. — Ele removeu uma
luva, então a outra.
Ele nunca viu suas mãos antes, percebeu. Elas deveriam ter sido suaves, mas
agora estavam feridas e com cicatrizes. Apesar da barreira que sempre usava, calos
enchiam suas palmas e suas unhas estavam lascadas.
Novamente ela tentou soltar-se.
Novamente ele segurou firme.
— Pare de encarar. — ela disse, movendo-se desconfortável.
— Por quê? Gosto do que estou vendo.
— Certo, porque elas são tão bonitas.
— Elas são. Realmente são mais do que bonitas. — E isso era verdade. Suas
mãos falavam de trabalho duro e uma força de caráter que poucos possuíam. Ele
colocou um beijo em cada uma de suas juntas, percebeu que deveria esperar até que
soubesse se ela drenaria sua força ou não, então a libertaria.
Ela o observava com olhos arregalados.
— Toque-me. — ele comandou.
— Você... você confiaria que eu não tire propositalmente de você, apenas para
escapar de seu quarto?
— Confio.
— Mas por quê? Acabei de tentar bater na sua cabeça com um vaso. E se eu
tirar de você acidentalmente, heim? E então o que?
Ele deu de ombros.
— O que acontecer aconteceu. Temos que saber com o que estamos lidando.
Ainda mais inflexível, ela sacudiu a cabeça.
— Não. Não vou arriscar com você.
Será que ela tinha alguma ideia de como foi dizer aquelas palavras?
— Ou me toca ou a deixarei neste quarto e irei encontrar Synda. Estou certo de
que ela não se importaria...
Com um grito agudo de raiva, Sininho saltou de joelhos e estalou as mãos nas
suas bochechas.
— Você é tão idiota e merece qualquer coisa que acontecer.
Ele quis rir. Mas não podia. Eles estavam pele com pele, calor com calor e tudo
o que teve que fazer para consegui-la debaixo dele foi inclinar-se. Ela caiu para trás,
incapaz de manter o equilíbrio e ele se esticou. Levaria dois segundos para despi-la.
Mais dois para despir a si mesmo.
Mais um para se enfiar nela.
A pintura acima da cabeceira da cama balançou e caiu. A armação quebrou.

156 | P á g i n a
— Você está bem? — Sininho perguntou, muito atenta para notar a destruição.
Desastre cuspiu uma série de maldições odiosas, muito alto como sempre.
— Estou.
— Tem certeza?
— Tenho. — ele repetiu. — Pode parar agora.
Aliviada, ela abaixou os braços — mas o alívio não durou muito. Ele arrancou
sua camisa por cima da cabeça.
— O que está fazendo? — Ela exigiu, seus olhos imediatamente fixos em seu
tórax.
— Agora vamos ver o que acontece quando for distraída.
— O que? Não! Coloque a camisa de volta. Você é... você é... tão sexy. — Este
último saiu com um suspiro sonhador. — Ah, quero dizer... ah...
— Nada de voltar atrás. — Ele sorriu maliciosamente enquanto pegava as mãos
dela e colocava em seu tórax. A sensação era quase demais. Ele gemeu. Ela gemeu. —
Pronta para a fase dois?
— Existe mais? — Ela suspirou.
— Ah, sim. — Muito mais.
Ele deveria resistir, mas não conseguiu. Cada segundo na presença dela era
uma tortura com apenas uma cura. Aqui, agora, com o odor dela em seu nariz, uma
óbvia ânsia nos olhos dela, ela podia dar-lhe isto.
Minha. Ele abaixou a cabeça lentamente, sem se apressar, saboreando cada
momento antes de pressionar seus lábios nela. A boca dela abriu imediatamente,
dando-lhe boas-vindas e ele varreu a língua pelo lado de dentro. O intoxicante gosto
dela invadiu seus sentidos e todos os pensamentos de lazer foram abandonados. A
necessidade que negou por tanto tempo rugiu à superfície. Era um homem faminto,
desesperado para devorar.
Dirigido pelo instinto, debruçou-se e ela se ergueu do colchão, exatamente da
maneira que imaginou. Apertou seu peso na suavidade do doce corpo dela e sujeitou-a
abaixo. Nesta posição, nenhuma parte deles permanecia desconectada.
— Kane. — ela ofegou.
— Fada Sininho.
Forçou a cabeça dela inclinada, tomando mais. Dando mais. Neste momento
memórias ruins foram mantidas à distância. E não existia nenhuma dor na ação —
nenhuma dor afinal, ele percebeu, não que teria se importado. Esta mulher... ela
afugentava a escuridão, mostrava prazer e luz. Beleza.
Minha. Ela é minha. E mantenho o que é meu.
Eles começaram isto por uma razão — por que começaram?
As pontas dos dedos dela deslizaram abaixo pelo comprimento de sua espinha;
as unhas dela arranhando suas costas acima, enviando ondas de prazer através —
esperando, sim, suas mãos.
— Você deve ter instintivamente construído barreiras mentais. Não está me
drenando.
— Mantenha o controle. Apenas para ter certeza. — Palavras distraídas. Ela
abriu as pernas para ele, fornecendo um berço para sua seta aflita — querendo-a,
querendo-a tanto — e ele caiu nisto, apertando intimamente contra ela. Silvando com
o prazer absoluto. Tão perfeito. Não conseguia ficar parado, já estava movendo-se
contra ela, esfregando, buscando.

157 | P á g i n a
Ela gemeu com ofegante excitação e apertando-se nele. Inocente, ele lembrou-
se. Ela nunca teve isto. Tinha que ser cuidadoso com ela.
Mas não foi cuidadoso quando amassou seus seios ou quando estendeu a mão
entre seus corpos para aconchegá-la entre as pernas e esfregar, duro, mais forte,
porque ela não parecia querer cuidado. Quanto mais exigente era seu toque, mais
altos eram seus gritos de abandono. Ele perdeu a sutileza, era nada além de um animal
mordendo e apalpando-a.
Ele mordeu a lateral de seu pescoço e ela estremeceu.
— Sim! De novo. — ela exigiu.
Ele obedeceu. Todos os nervos de seu corpo gritando por satisfação — para
dar-lhe satisfação. Esta mulher... ah, esta mulher. Ela foi feita para ele, apenas pra ele.
Ela arqueou-se contra ele. Arranhou suas costas mais uma vez. Apertou os
quadris dele com seus joelhos. Então... apalpou sua extensão.
Perdendo alguma coisa...
— Isto está certo? — Ela perguntou.
— Melhor impossível.
Isto devia parar, antes dele empurrar ambos, passando do ponto sem volta.
Pare.
Não, ele ainda não podia parar.
Ele quis isto por tanto tempo... muito tempo. Para ir embora agora… não,
preferia morrer.
— Por favor. — ela murmurou. — Faça mais por mim.
— Sim. — Seus dedos tremiam quando ele empurrou a bainha de sua camiseta.
Tinha que desnudá-la. Tinha que saborear cada centímetro dela. Tinha que provar-lhe
que ela pertencia a ele, que pertenciam um ao outro, e ninguém e nada poderia jamais
separá-los.
A cavidade do estômago dela... perfeição. Seus seios... primorosos, exatamente
como se lembrava. Estava totalmente enlaçado, não conseguia desviar seu olhar.
Então ela moveu as pernas, plantando os pés ao lado dele e curvando seus
joelhos.
A calcinha tinha que sair.
Desastre sacudiu as paredes do quarto, talvez do palácio inteiro. De repente a
mobília estava chacoalhando e uma cadeira tombou. Kane estava muito perdido para
se importar. Tão luxuriante, amadurecida fêmea. Perfeita em todos os sentidos.
E se você tomá-la, então casar-se com sua irmã?
O pensamento atravessou sua mente, originando-se de uma consciência que
pensou que tinha matado. Varreu isto de lado. Teria certeza de que ela gostasse de
tudo o que aconteceria, que nunca tivesse nenhum remorso, que ela...
Sofresse com a vergonha e a culpa.
Aquele pensamento estava muito estilhaçado para ignorar. Não podia tomá-la,
percebeu como um bofetão duro na cara. Não aqui. Não agora. Não deste jeito, com as
coisas que não foram ditas e nem planejadas.
Frustrado, abaixou a camiseta dela e ergueu-se. Seu corpo gritando um
protesto, cada célula dele rejeitando a separação dela. Ele esmurrou a cabeceira.
Fragmentos de madeira choveram.
Sininho ofegou com surpresa.
— K-Kane? O que está errado?

158 | P á g i n a
Sua vergonha aumentou.
— Desculpe. Não quis assustá-la.
Pelo menos o tremor parou, Desastre acalmou-se.
— Drenei você e não percebi? — Ela perguntou.
— Não. — Descansando ao seu lado, encarando-a, ele anunciou. — O demônio
estava ficando nervoso. — Apesar da dor da luxúria insatisfeita, não existia nenhuma
dor mais profunda — mas existia uma surpreendente onda mais abaixo de satisfação.
— Quero ir para o meu quarto agora. — ela disse inexpressiva.
Ou talvez não.
— Você vai ficar aqui. Vai dormir aqui. Isto não está em discussão.
— Você não decide o que está em discussão e o que não está. — Sua voz tinha
uma irritação nela.
— Irei amarrá-la na cama se sequer pensar em partir.
Ela fechou os olhos, escondendo a angústia que tinha acabado de vislumbrar
dentro de suas profundezas.
— Você é tão confuso! Um segundo está por toda parte em cima de mim, no
outro está se afastando. Não devia tê-lo beijado, admito. Ultimamente sua situação
não mudou. De fato, está pior. Perguntei se planejava casar com Synda e você se
recusou a responder.
Se a situação fosse diferente — se ele planejasse casar com Synda por qualquer
outra razão além de salvar Sininho — teria concordado.
— Pensei que poderia ser necessário. — Sim, cogitou a noção de um casamento
com Synda, e sim, ainda era uma opção, mas só então com o gosto de Sininho em sua
boca e seu calor envolvendo-o, soube que não era uma opção que sequer pudesse
tomar. — Estava errado.
Pensaria em alguma outra coisa. Ele iria.
Um dos fragmentos de madeira que cravou na grade da cama agora caiu em
seu olho. Ele silvou.
Kane inclinou a cabeça para trás e cutucou ao redor até que achou e removeu a
minúscula lasca.
Ódio por Desastre queimou ainda mais fundo.
— Há alguma coisa que você tenha certeza? — Sininho perguntou calmamente.
Tinha certeza de que estava cansado de fingir. Cansado dos pensamentos,
memórias, medos e indecisão e... tudo menos desta garota.
— Estou certo que ambos precisamos de um pouco de descanso. — Antes que
Desastre a prejudicasse. — Conversaremos sobre isto mais tarde.

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CAPÍTULO 21

— Adivinhe? É tarde.
Kane olhou ao redor. Josephina estava ao lado da cama, cercada pela mesma
reluzente névoa branca que viu no beco escuro ao lado do clube.
— Você projetou-se em minha mente novamente? Embora esteja bem ao meu
lado?
Espere. Ela estava ao seu lado, não é?
Ele bateu levemente no espaço ao lado dele, e com certeza o calor dela
acariciou suas mãos.
Ela levantou o queixo, provavelmente tentando parecer arrogante, mas apenas
conseguindo ser adorável.
— Ficaria bravo se me declarar culpada?
— Você já estaria em cima do meu joelho se eu estivesse bravo.
Um brilho divertido dançou nos olhos dela. —
Você não me espancaria.
— Tem certeza de que quer me desafiar neste tópico?
Ela levantou as palmas e afastou-se dele.
— Não, não. Eu não. Nunca faria algo assim.
Ele riu e acenou de volta, a sensação de estar despreocupado o surpreendeu.
— Por que simplesmente não conversa comigo pessoalmente?
— Três razões. Estou impaciente. Nossos verdadeiros corpos estão claramente
exaustos, neste momento. E Desastre não pode me machucar aqui.
— Uma maneira de enterrar a liderança. — ele disse com um sorriso. — Quem
mais você invadiu assim?
— Minha mãe. — Ela ofereceu um sorrisinho triste. — Antes dela me dar a
habilidade pela eternidade, acidentalmente tomei-a algumas vezes.
Curioso, ele disse.
— Por que não usa com os outros?
— Não há ninguém neste reino com quem eu queira conversar e ninguém que
queira conversar comigo.
Sempre partindo meu coração.
— Bem, não invada mais ninguém. — Ele não gostou da ideia dela estar
intimamente envolvida com outro.
Ela mostrou-lhe a língua.
— O que você disser, papai.
Ele estalou a língua, sentando-se.
— Cuidado. Isto é um convite para um cara como eu.
— Qual? A ação ou o insulto?
— Ambos.
Ela abriu a boca, e ele suspeitou — esperando — que ela quisesse emitir um
convite verbal. Mas tudo que disse foi.
— Kane?
Os músculos de seu estômago saltaram como se ela o acariciasse.
— Sim. — Ele lançou as pernas para a beirada da cama.

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— Tem algo que estou querendo perguntar a você. — Ela andou de um lado
para o outro na frente dele. — É um tanto quanto pessoal.
O medo rolou por ele.
— Eu disse que pode perguntar qualquer coisa.
Ela parou, apontando para o quadril dele.
— Por que uma borboleta?
Certo, aquilo era fácil. Ele se levantou — mas de alguma forma deixou seu
corpo para trás.
Ele franziu o cenho.
— O que acabou de acontecer?
— Uh, acho que você apenas projetou sua imagem. Como estou fazendo.
— Como?
— Não sei.
Eles estavam unidos em algum nível profundo, primitivo? As habilidades dela
tornando-se dele? Ou ela deixou um pedaço dela mesma para trás quando tomou
Desastre dele?
Ela estendeu a mão, traçando os dedos ao longo da curva da asa que se
estendia acima da cintura de suas calças.
— Assim, posso sentiiir você.
Instantaneamente. Endureceu.
— E eu posso senti-la. — ele resmungou.
— Uma borboleta... — Ela incitou com um estremecimento.
Certo.
— Meus amigos e eu temos nossas teorias, e nenhuma é igual.
— Quero ouvir a sua. — Suas juntas roçaram o umbigo dele e teve que lutar
com o desejo de agarrar a mão dela... para forçá-la a ir mais abaixo.
— Dentro de uma crisálida, uma lagarta divide-se em células imaginárias. Essas
células as põem de volta juntos em uma nova forma e a criatura emerge como uma
borboleta. Uma vez fui um guerreiro. Então o demônio veio, dividiu e remodelou em
alguma outra coisa. Algo sombrio e distorcido.
Seu olhar encontrou o dele.
— Mas você e o demônio não são um único ser. Você é independente.
— Não ainda, mas seremos. — ele disse, incapaz de esconder sua
determinação. Antes que pudesse questioná-lo ainda mais, ele ofereceu-lhe a mão.
— O que? — Ela perguntou, confusa.
— Tome-a.
Um momento se passou antes dela entrelaçar os dedos nos dele.
Ele permaneceu quieto, adiantando-se em um passo lento em torno do quarto.
Ela manteve o passo ao lado dele, uma névoa constantemente rodando e dançando
com os seus movimentos. Ele apreciou a paz e a tranquilidade.
— Como esta sua habilidade funciona? Você projeta sua imagem na minha
mente, mas controla tudo que vejo?
— Na maior parte, sim.
— Mostre-me.
— O que gostaria de ver?
— O melhor que conseguir.
Ela cortou-o com um olhar determinado de satisfação.

161 | P á g i n a
— Prepare-se para se surpreender com minhas maravilhas. — Esfregando as
mãos, fechou os olhos. Um momento depois uma floresta de árvores verdejantes
tomou o lugar do quarto. Um híbrido de cão-macaco mutante se materializou em um
dos galhos, balançando na direção dele e lançou uma maçã na sua cabeça.
Ele desviou, mas não rápido o suficiente. A fruta vermelha bateu no seu ombro,
fazendo Sininho rir.
— Você está em apuros agora. — ele disse.
— Oh, querido, oh, não. Você vai me dar aquela surra? — Ela ofegou com um
falso medo — e outra maçã bateu no seu ombro. — Ou o guerreiro malvado vai me
dar um duro sermão?
Kane lançou um grunhido baixo, tão falso quanto o medo dela.
— Darei a você um sermão corretamente.
Ela deu uma risadinha enquanto corria para frente, atirando sobre seu ombro.
—Terá que me pegar primeiro.
Aquela risadinha... tanto quanto queria beijar e tocá-la novamente, queria
ouvir aquela risadinha de novo. Ele arremessou-se atrás dela, perseguindo-a ao redor
de troncos espessos e outros animais mutantes que ela imaginava. O gato-cervo. A
vespa-esquilo. A zebra-elefante. Ele quase a pegou e ela deu uma risadinha
novamente; e ele riu.
Não tinha certeza se eram ou não espectros através das paredes ou ainda
dentro do seu quarto, e não se importava. Nunca agiu como uma criança. Nunca foi
uma criança. Ele veio a este mundo completamente formado, um recipiente designado
para a guerra e a vingança. Então depois do fracasso da Caixa de Pandora, tornou-se
um recipiente para o mal e as semanas dentro do inferno apenas aumentaram a
escuridão dentro dele. Até Sininho, nunca foi nada de mais; nunca conheceu a luz.
— Você não pode me pegar, eu sou o homem bolinho. — ela gritou.
— Bolinho de gengibre.
— Estamos dizendo alimentos aleatórios agora? Cupcakes.
Ele estava sacudindo de tanto rir quando em seguida ele a pegou, e ela
conseguiu escapar.
— Pobre Kane. — ela gritou e ele podia dizer que estava lutando para não
arquejar de esforço. — Muito velho para acompanhar uma Fae tão jovem?
Lançando seus braços e pernas mais rápidos, aumentou o ritmo até que
praticamente estava respirando no pescoço dela. Ela soltou um grito de riso quando
ele a agarrou pela cintura e girou ao redor dela.
— Acha que sou muito velho agora? — Ele perguntou.
— Você tem milhares de anos agora. Claro que é velho demais.
— Sim, mas sou velho demais para você?
— Não tenho problemas com o papai. Ninguém é velho demais para mim.
Ele sufocou outra risada.
— Você é a mais estranha mistura de inocência e moderno atrevimento.
Uma pausa quando insegurança encheu os olhos dela então.
— Muito estranha para você? — Ela perguntou indecisamente.
— Absolutamente perfeita para mim. — ele admitiu. Um homem poderia se
acostumar a isso. Um homem poderia ficar viciado nisso.
Pena que não fosse durar. Não para Kane.
Ele a colocou no chão e esticou-se ao lado dela, perguntando-se se a dor

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apareceria de novo. Sabia que Desastre não desistiria, então por que a ausência?
— Obrigado, Fada Sininho. — ele disse.
— Pelo que?
— Por... ser você.

***

Kane acrodou gradualmente, sua mente chegando a uma lenta percepção de


que existia algo suave e morno entrelaçado em seus membros — e não foi
atormentado por pesadelos, mas tinha realmente dormido. O cheiro de alecrim o
envolveu. Ele piscou abrindo os olhos rompendo a névoa, e espiou o culpado. Sua boca
ergueu com um sorriso vagaroso.
Esta era a vida que ele almejou para si mesmo. Uma mulher bonita que
admirasse, respeitasse — ansiasse — embrulhada ao redor dele, sua cabeça
descansando no seu braço, suas mãos nuas em seu tórax e uma das pernas escoradas
em seu quadril.
As feições de Sininho estavam incrivelmente relaxadas e tinha uma cor suave,
rosada em suas bochechas. Ele não estava certo de como ela acabou em seus braços,
mas adoraria saber.
Alisou o cabelo de seu rosto. Ela se inclinou ao toque e estalou os lábios. Lábios
que saboreou na noite passada.
Lábios que queria saborear novamente...
Ele se inclinou sobre ela, preparando-se para fazer exatamente isso. No
momento em que percebeu onde isto levaria, ele congelou. Ontem parou, sabendo
que Sininho se odiaria se fizesse sexo com um homem atualmente comprometido com
outra mulher.
Mas ele iria desde que percebeu a verdade. Não podia se casar com Synda. Por
motivo algum.
Ficaria com Sininho.
Ele poderia lamentar isto. Ela definitivamente lamentaria isto. Um homem
amável iria embora agora.
Ele não era um homem amável.
Fechou o resto da distância. No momento do contato um gemido escapou dele.
Os lábios dela... tão maravilhosamente macios. As mulheres do clube quiseram seus
beijos, mas ele recusou. O pensamento até mesmo o repugnava. Mas com Sininho as
coisas sempre foram diferentes. Ele queria mais dela do que jamais quis de outra — e
teria.
As pestanas dela tremularam, abrindo. O cobalto encontrou seu olhar
penetrante e esperou que a confusão evaporasse — e a percepção tomasse seu lugar.
— Mais? — Ele disse, uma pergunta e uma exigência. O desejo queimando
escaldante, chiando por suas veias.
Ela arqueou, roçando seu corpo necessitado contra o dele, criando a mais
deliciosa fricção.
— Com certeza.
Ele mergulhou para outro gosto. A língua dele lambeu sua boca e ela gemeu, já
completamente perdida como estava em um lugar onde nada importava, apenas o
prazer. Estava hesitante a princípio, tão gentil quanto era capaz de ser. Ela hesitou,

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insegura neste início de manhã com o quarto repleto com luz solar, mas quanto mais
tempo ele a levava, mais profundo ela permitia que tomasse posse de sua boca.
Quanto mais profunda sua posse, mais se derretia contra ele. Logo suas línguas
encontravam-se pressionando com um impulso acalorado.
A cama sacudiu. Um grunhido soou na cabeça dele.
Kane deslizou a mão debaixo de sua camiseta e apalpou seu seio. As costas dela
se curvaram e ele começou a apertar. Um ajuste tão delicioso. Ela choramingou, um
barulho decadente que o deixou selvagem.
— Gosta quando a toco deste modo?
— Sim.
— Posso fazer mais. — Ele deslizou os dedos abaixo em seu estômago para o
ápice de suas coxas. — E posso fazer isto aqui.
— Por favor.
Uma palavra em resposta como se ela não pudesse focar na voz dele, apenas
seu toque.
— Quero suas roupas fora do caminho. Todas elas.
— Siiim.
Ele rasgou o colarinho de sua camiseta e pôs a boca onde suas mãos estavam.
Enquanto a chupava, trabalhava no zíper de suas calças. Em seguida finalmente
então...
— Espere. — ela disse, parecendo piscar através da névoa sensual. — Espere.
Talvez devêssemos pensar sobre isto.
Ele não xingaria.
— Podemos pensar mais tarde.
— Mas... não estou certa... talvez isto seja um erro...
Ele ouviu passos e um macho assoviando do outro lado da porta.
Não. Estava acontecendo. Não novamente. Especialmente agora quando estava
desesperado para descobrir por que Sininho pensava que estavam cometendo um
erro.
Um golpe soou na porta.
— Ei. Guerreiro. É hora de jardinagem. — William chamou. — Não vai querer
deixar sua majestade esperando. Ela já está enviando um guarda para caçar sua "Foda"
Sininho.
Ele rugiu.
— Vá embora.
Uma pausa foi seguida por uma risada.
— Uma má hora?
— Tudo bem — Sininho disse ofegante, mas insegura —, se a rainha me quer
no jardim, ela tem um jogo de cricket enfileirado. Preciso ir.
Ele. Odiava. William.
Pelo menos a cama parou de sacudir.
— Vista-se. — ele disse. — Vou com você.

***

— É simples. — A rainha explicava usando seu tom esnobe. — A serva


Josephina amarrará sua pequena vadia...

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— Este não é mais seu título. — Kane rugiu, fazendo Josephina ofegar.
A rainha empalideceu.
— Bem, ela deve permanecer com suas promíscuas pernas separadas... quero
dizer suas pernas — corrigiu quando Kane deu um passo ameaçador em sua direção,
— e vamos nos revezar derrubando as bolas pela abertura com nossas marretas.
Um calor encheu as bochechas de Josephina quando prendeu o pulso de Kane
para segurá-lo no lugar. Assim que percebeu que não atacaria a mulher, ela o soltou
com toda a intenção de entrar na clareira para assumir sua posição.
Ele quem a agarrou pelo braço desta vez, detendo-a. Ele retrucou.
— Ela não vai fazer isto.
A rainha xingou e bufou, e Josephina escutou quando os dois apressaram-se em
uma acalorada disputa sobre seu propósito no jogo.
— Vou buscar o rei e permitir que ele resolva isto. — Kane disse. — A garota é
minha, e decido o que ela faz ou não.
O olhar de Penélope desviou para William.
— A discórdia é um desperdício de tempo. Dê-lhe o que quer. — o guerreiro
disse. — E mais tarde farei o mesmo por você.
Havia uma mistura estranha de enfado e rouquidão em seu tom.
— Tudo bem. — a rainha bufou, ou com muito medo de contrariar o rei ou
muito ávida para ter o que William estava oferecendo. — Jogaremos sem a serva…
quero dizer, a garota.
— Melhor. — Kane afagou Josephina na bunda antes de juntar-se ao grupo na
clareira. Ela teve que apertar seus lábios para não rir.
Da próxima vez enfrentarei sozinha. Kane já a chamara de valente e ele não era
um mentiroso, então estava na hora de desempenhar o papel. Haveria consequências,
consequências que uma vez temeu mais do que qualquer coisa. Mas não era uma
escrava, essa não era sua sina na vida, não era algo que toleraria mais, pensou.
Escolhas. Elas eram suas para fazer. Suas para ver através delas.
O sol estava mais brilhante que o habitual, lançando raios dourados acima das
linhas das multicoloridas flores e estátuas de alabastro que Tiberius encomendou de si
mesmo, Synda, a Rainha Penélope e Leopold. Entretanto a de Leopold estava
danificada pelo tempo, mas nunca foi consertada. O ar estava morno e isto era uma
coisa boa também. Seu vestido estava ainda um pouco úmido da lavagem que Kane
deu nele.
Synda saltou para sua bola, olhando para Kane e mordiscou seu lábio inferior.
— Você virá me ajudar, Senhor Kane? Estou extremamente fraca para bater
minha bola muito longe.
Aquilo foi... um flerte?
Kane parou só um momento antes de ir em passos largos na direção dela.
Sim. Aquilo era um flerte.
Synda tremulou suas pestanas e se envaideceu quando ele posicionou suas
mãos na marreta dela. A raiva estufando, borbulhando. Josephina odiou ver o
guerreiro — seu guerreiro — em qualquer lugar próximo à princesa.
— Isto ainda está se provando tedioso. — William disse para a rainha em um
sussurro que todos puderam ouvir. — Por que não vai lá pra cima e espera por mim?
Em alguns minutos eu a seguirei, então ninguém suspeitará que estamos juntos, e
brincaremos de um tipo de jogo diferente.

165 | P á g i n a
— Bem... — A rainha Penélope perscrutou sua filha, sua mente claramente
rodopiando. Então acenou com a cabeça.
— Esta é uma boa garota.
Desligada ela correu sem um adeus, indo em direção ao palácio como se seus
pés estivessem queimando.
Eles eram amantes?
Josephina sabia que a rainha levava outros homens para sua cama. Homens
que o rei matou, entretanto Tiberius nunca admitiu qual era o motivo.
Pobre William. Ele não sobreviveria também.
Ele se aproximou dela como se não estivesse preocupado.
— Sua amizade com Kane não a salvará. — ela disse. — Se o rei descobrir o que
você está fazendo com a rainha, e irá descobrir, ele vai...
— Tentando me salvar, fêmea? — Ele abriu um sorriso branco perfeito. —
Quão adorável é isto? Mas está desperdiçando seu tempo. Seu pai não é nada além de
uma mosca.
— Por que não o desafia, então?
— E roubar o momento de Kane?
Ela revirou os olhos.
— Desculpas, desculpas.
Ele deu de ombros.
— A propósito, sua madrasta é péssima de cama. Sério, estive com garotas
mortas que tem mais vida.
Ok. Muita informação. Ela cobriu as orelhas.
William forçou suas mãos para os lados.
— Estou distraindo-a, e olhe, isto é trabalhoso.
— Bem, então por que não distrai a princesa também?
— Eu tenho apenas um Grande Willy e ele atualmente está emprestado para a
rainha.
Synda deu uma risadinha e Josephina olhou para cima. A princesa estava agora
esmagada contra Kane, seus braços embrulhados ao redor do pescoço dele. Ela era
minúscula e delicada em comparação, perscrutando-o na expectativa de um beijo, e
apesar dele estar duro, não estava exatamente lutando com ela. As mãos de Josephina
cerraram firmemente. Se ele fizesse isto, se permitisse que seus lábios encontrassem
os da princesa, ela iria... ela iria... oh! Não existia nenhuma ação violenta suficiente.
— Ele possui muita escuridão dentro dele, sabe? — William disse. — Você está
ajudando, eu vou te conceder isto, mas se não pode aguentar até que tudo se vá,
afaste-se. É melhor vocês se afastarem.
Seus ombros se endireitaram em um estalo.
— Que tal você se afastar? Estou lidando, mas isso não significa que ele possa
fazer o que quiser, com quem quiser, a qualquer hora que desejar.
— E eu aqui pensando que você fosse inteligente. Ele não quer aquela garota
de jeito nenhum.
— Eu sei, ele me disse, mas isso não significa que não se casará com ela se
pensar que é o melhor curso de ação. — E se ele não fizer? Se escolhesse Josephina,
como pareceu fazer esta manhã? E aí?
A resposta era simples: guerra.
William debruçou-se, arrancou uma rosa azulada dos arbustos e enfiou o botão

166 | P á g i n a
atrás da orelha dela.
— Estou surpreso que ele tenha te contado tanto. Porém você não pode ficar
brava com ele por causa do seu plano. A única razão pela qual ele se casaria com essa
megera seria para salvá-la. Esperemos que, no entanto, não chegue a este ponto.
Esperemos, ele disse, como se houvesse uma grande chance de Kane ter que
fazer isto.
— Está tentando melhorar suas chances comigo ou queimá-las?
Ele a ignorou, dizendo.
— Ouça, e escute bem. O que Kane atravessou teria matado a maioria das
pessoas. Ele acha que estou ficando com ele para mantê-lo longe de White, mas está
errado. Estou tentando ajudá-lo a se curar. Posso dizer que ficar com ele não vai ser
fácil.
Ele estava referindo-se ao tempo de Kane em inferno?
— Eu sei pelo que ele passou. — ela disse.
William ancorou dois dedos debaixo de seu queixo e a forçou a olhá-lo.
— Ele contou?
— Parte disso, sim. Também o vi logo depois disso acontecer.
— Surpreendente. Em ambos os casos. Ele falou e deixou-a viver com o
conhecimento. — Ele deu de ombros e disse. — Dê-lhe tempo. Ele vai descobrir o
melhor curso de ação, isto vai agradá-la, as coisas suavizarão e você vai viver para
sempre. E estarei bastante desgostoso, tenho certeza.
Tempo? Ele estava falando sério?
— O baile é amanhã e o casamento é no dia seguinte. Quanto tempo acha que
deveria dar? — E o quão egoísta ela era realmente, por ter posto Kane nesta posição?
Para ter que casar com sua horrível irmã, apenas para salvá-la ou casar-se com ela, e
viver com a matança que se seguiria?
William sorriu, e não era um sorriso agradável.
— Você está planejando fugir se as coisas não forem do seu modo, fadinha? Eu
repensaria isto se fosse você. Ele a perseguirá. Não poderá castigá-la quando a
encontrar, mas eu posso. Farei coisas com você, que leu sobre isto apenas em histórias
de horror. Não gosto de ser incomodado, e não gosto de ver meus amigos sofrerem.
Combine os dois e receio que ficarei um pouco irritado.
— Poupe-me de suas ameaças. Eu não sou... — Uma lufada de fumaça deu-lhe
um acesso de tosse. Ela procurou na área e achou um grande incêndio espalhando-se
pelas flores.
Ela ouviu Kane xingar baixinho.
— A Phoenix está aqui. — ele lançou para William antes de decolar em uma
corrida. De repente parou depois de apenas alguns metros e virou. Seu olhar estreitou
bloqueado no guerreiro que ainda tinha os dedos debaixo de queixo de Josephina,
então começou a correr novamente — na direção oposta, voando diretamente em
direção aos dois.
Ele se lançou em William, gritando.
— Ninguém toca nela, somente eu!

167 | P á g i n a
CAPÍTULO 22

Ele tinha que se controlar.


Kane avançou sobre seu único aliado apenas por tocar sua fêmea escolhida,
permitindo que um inimigo mortal escapasse.
Agora aquela fêmea escolhida não estava em lugar nenhum onde pudesse ser
encontrada. Ela correu para o palácio durante a briga com William e Kane não
conseguiu localizá-la desde então. Foi obrigado a dormir sozinho — não que dormisse
muito. Sem Sininho em sua cama, ele não podia relaxar.
Pela manhã, o palácio estava agitado com a atividade. Servos corriam de lá pra
cá, limpando e mudando os móveis para acomodar três compridas mesas de buffet.
Ele pegou uma das servas pelo braço, fazendo-a parar.
— Onde está Josephina?
A fêmea sorriu para ele, deleitada com sua atenção.
— Eu a vi pela última vez na cozinha, Senhor Kane. Vou buscá-la se quiser. Farei
qualquer coisa que pedir. — ela deu um passo mais perto dele. — Qualquer coisa.
Minha, disse Desastre.
— Obrigado, mas eu mesmo vou buscá-la. — ele partiu em direção à cozinha, e
perdeu por questão de segundos.
Ele pegou uma tigela, segurando tão apertado que o cristal instantaneamente
estilhaçou. Não queria Sininho trabalhando. Ele a queria fora de perigo. Queria beijá-la
e terminar o que começaram ontem pela manhã. Então quando seu corpo se
acalmasse; enfim extasiadamente saciado, poderia pensar no seu próximo movimento.
Ele deixou a cozinha e correu até o quarto de Synda.
— Senhor Kane!
Minha, gritou Desastre.
O sorriso alegre dela se desvaneceu lentamente.
— Diga-me que não está usando estas roupas horríveis para o baile.
Ele estava usando as roupas com que tinha chegado lá, porém elas foram
limpas. —
Você cancelará o baile se eu usá-las?
Ela acariciou sua bochecha, e ele deu um passo para fora de alcance.
— Você é tão fofo quando espera o pior, mas é ainda mais fofo em trajes
adequados, então certifique-se de se trocar ou ficarei muito infeliz. — com isso, ela se
afastou.
Tanto faz. Com Sininho evitando-o, ele podia muito bem tentar cuidar do seu
problema com a Phoenix. Escapuliu do palácio e foi para a floresta, satisfeito por Petra
ter deixado rastros naquele dia. Rastros ridiculamente óbvios, notou com um franzir da
testa. Ela queria ser capturada?
Sim, ele pensou um momento depois. Ela queria.
Há um longo tempo, ele fizera algo parecido. Plantara rastros, permitindo que
seu inimigo o encontrasse e levasse até seu acampamento. Uma vez lá Kane
disseminou a absoluta e total destruição.
—... Irá sofrer pelo que sua gente fez. — uma voz masculina disse.
168 | P á g i n a
Kane empurrou através de um véu de arbustos e encontrou quatro soldados
Fae segurando Petra no chão e amarrando suas mãos nas costas. Ela estava lutando,
mas seus esforços eram débeis, no máximo.
— Soltem-na e se afastem. — Kane ordenou, puxando a arma que não
devolveu para William e mirando na cabeça dela.
Todos os olhares fixaram-se nele.
Os homens franziram o cenho. Petra praguejou.
— Mas Senhor Kane, os outros Phoenix fugiram. Quando voltarem poderemos
usar essa garota para ameaçá-los. — exclamou o mais baixo.
Kane mostrou os dentes, carrancudo.
— Eu disse, deixe-a ir.
Os quatro imediatamente se afastaram dela. Petra saltou em pé e a corda que
usaram caiu, as extremidades chamuscadas.
— Você sempre estraga tudo! — ela gritou, batendo o pé.
Minha, ronronou Desastre.
Cale-se!
— Vamos resolver isso. — disse Kane — Eu e você. O vencedor fica com a
garota.
Ela enrijeceu, examinando-o intrigada.
— Brigaria com uma fêmea?
— Já fiz coisa pior. — ele já não tinha provado isso?
Ela tripudiou dizendo:
— Mate-me e só irá me fortalecer. Irei me reerguer das cinzas e escravizá-lo.
— Talvez sim. Talvez não.
Ela empalideceu, lembrando-se que a eternidade não era garantida para
nenhum Phoenix. Em algum momento, todos morriam finalmente.
— Para ser honesto... — ele disse — No quero realmente matá-la. Quero te
devolver ao seu povo. Afinal de contas, ouvi dizer que seu rei gostaria de... falar com
você.
Medo escureceu os olhos dela, que deu um passo atrás. Kane sorriu — e
apertou o gatilho uma, duas vezes. Gritando de dor e surpresa, ela caiu. O sangue
derramava de ambos os ferimentos.
— Entretanto... — ele continuou. — Farei o que tiver que ser feito.
— Assim como eu. — servilmente ela se voltou para os soldados boquiabertos.
No momento em que os dedos dela tocaram o macho, ele queimou em chamas,
debatendo-se, gritando de agonia. Kane perdeu a garota de vista enquanto acalmava o
homem. Quando as chamas foram extinguidas, Petra havia sumido.
Ele caçou por uma hora... duas... seis... determinação dirigia cada movimento
seu. Encontrou diversas trilhas com o sangue dela, mas nada além disso. Ela
continuava muito bem escondida.
Seu humor estava negro e atordoado quando retornou ao palácio. Pode ouvir o
murmúrio da multidão e lembrou-se da festa. Sininho estaria servindo. Ainda em suas
roupas “horríveis”, ele se esgueirou por uma das passagens secretas, e depois de pedir
um copo de whisky, alojou-se num canto nas sombras.
O salão de baile foi redecorado. Os lustres cascateavam com diamantes
grandes como seu punho e dragões fazendo às vezes de pilares foram colocados ali
dentro. As cabeças se mexiam, os olhos rubis analisando a multidão, línguas bifurcadas

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dardejando dentre os lábios escurecidos e soltando fumaça.
Os machos Fae vestiam ternos afeminados e esquisitos com laços e rendas, e as
mulheres usavam vestidos grandes e estufados com seus cabelos penteados de modo
bizarro, com nós e espetos imitando a cabeça de animais. Ali estava um leão. Uma
águia. Um antílope. O clima era muito... Era Vitoriana encontra Jogos Vorazes no País
das Maravilhas, classificado só para maiores. Os homens alimentavam as mulheres
com as mãos, então iam em frente, para saborearem um pouco um do outro. Na pista
de dança corpos rodopiavam juntos, mãos perambulando, roupas sendo deixadas de
lado.
Kane observou Synda ir de um grupo a o outro, respingando champanhe e
rindo alegremente. O rei deixara o trono e “agraciava” a assembleia com uma dança.
Leopold aguardava na entrada, cumprimentando os convidados que iam chegando. A
rainha estava empoleirada numa namoradeira, dez de suas amigas sentavam-se aos
seus pés, observando os procedimentos com olhos de falcão.
William — meu SMP —conseguiu um convite para sua prole estúpida e o grupo
estava na residência bem no canto em frente ao de Kane, eles o viram observando-os,
tentando intimidá-lo. Tudo o que conseguiram foi irritá-lo.
Ignorando-os, procurou por Sininho. Ela tinha que estar ali. Ela... tinha acabado
de entrar.
O fôlego prendeu-se em sua garganta. A cascata de cabelos negros de Sininho
estava amarrada num simples coque atrás da nuca, no entanto vários cachos
escaparam do confinamento e emolduravam a elegância incomparável de seu rosto.
Ela era cativante, e enlouquecedora, e totalmente encantadora. Ela era... tudo.
Ele terminou seu whisky e largou o copo num vaso de planta. Seu sangue
aqueceu, praticamente fervendo em suas veias enquanto se afastava da parede e
atravessava o salão. Seu olhar permaneceu nela, estudando-a mais atentamente. Ela
usava o agora limpo uniforme que ele tinha comprado, conseguindo ofuscar qualquer
outra mulher no salão.
Ela carregava uma bandeja e pegava copos vazios, olhando furtivamente de um
lado a o outro, procurando alguém. Por ele?
Uma fêmea entrou no caminho de Kane e deteve-se para evitar ceifá-la.
— Você é o Senhor Kane. — uma risadinha preencheu a diminuta porção de ar
entre os dois, sobressaindo-se ao soar suave da música de fundo. Ela trilhou os dedos
pelo centro do peito dele. — Estava muito ansiosa para conhecê-lo.
Ele reprimiu uma resposta raivosa e a deixou de lado.
Outra garota colocou-se em seu caminho, e esta trouxe algumas amigas junto.
As fêmeas o circundaram, lobos caçando a presa, e comentários eram rapidamente
disparados sobre ele.
— Tire-me para dançar, Senhor Kane. Por favor.
— Adiemos a dança indo para a varanda. Tenho um presente que adoraria ver
você desembrulhar. Adivinhe... sou eu.
— Meu marido está passando a noite com a amante. Adoraria se você me
fizesse companhia. Prometo não usar nenhuma roupa.
— A única coisa que me disponho a fazer é soltar o inferno vivo que as fez
abordar um estranho. — ele disse — Este é meu baile de noivado e vocês pensam que
está certo dar em cima de mim?
Assim como ele achava certo perseguir Sininho? Tanto faz.

170 | P á g i n a
Ele mal passou pelas fêmeas. Finalmente alcançou Sininho e a tensão nele
aliviou.
— Precisa de ajuda?
Ela lhe deu o mais rápido dos olhares.
— Não deveria estar falando comigo. — suas mãos tremeram enquanto pegava
os copos que os convidados descartavam nos lugares mais estranhos; e ele se
amaldiçoou por ter feito a mesma coisa.
— Quando foi que eu fiz o que deveria fazer? — ele perguntou.
— Anotado. Agora saia.
Desastre ronronou sua aprovação.
A raiva faiscou.
— Por que está agindo assim?
— Por que ainda está aqui?
Ele rangeu os dentes.
— Você me quer, Sininho. Não tente fingir o contrário.
— Está tão desesperado por elogios? — ela tentou manobrar para longe dele,
mas Kane a levou em outra direção, distante da multidão e dentro das sombras. — O
que está fazendo? Pare. Não vou fazer nenhum elogio.
— Não é um elogio que quero de você, Sininho. É informação. Por que fugiu de
mim hoje?
Ela enxugou umas gotas de líquido espirradas na parede antes de pressionar a
testa na mão.
— Porque sim! O que quer que queira de mim Kane, não posso te dar.
Por causa de Synda. Porque ele ainda não tinha rompido com tudo. Culpa o fez
desviar o olhar. Ele localizou Red determinado a se aproximar e notou que era só
questão de tempo até que Green e Black decidissem se juntar a ele. Kane agarrou o
braço de Sininho e arrastou-a até a passagem secreta que tinha usado.
Ele a colocou para dentro num piscar de olhos. Qualquer um que estivesse
olhando teria problemas para rastrear o movimento.
— O que está fazendo? — ela exigiu — Tenho um trabalho a fazer.
Ele passou a mão pelos cabelos. Um espelho de dois lados cobria a parede,
permitindo que eles observassem dentro do salão.
— Você vê os guerreiros parados bem onde estávamos? — ele apontou. —
Aqueles do bar?
Ela olhou e gemeu.
— Sim. Eu me lembro deles.
— Eles querem você. Querem usar sua habilidade para remover a guerra, a
fome e a morte de seus corpos.
— Mais inimigos. — ela murmurou. — Ótimo. Simplesmente ótimo! — ela se
voltou para Kane, os olhos semicerrados, mas não menos brilhantes. — Sabe o que
isso significa?
— Sim. Eu sou um desastre. — ele disse de modo surdo. — Eu sei.
Ela o olhou por um longo tempo, e o que quer que tenha visto na expressão
dele a fez serenar. Seus ombros baixaram.
— Não, não era isso que eu ia falar.
— Por que não? É verdade.
Ela sacudiu a cabeça.

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— Eles são o problema. Outra ameaça contra você.
— E você. — ele deu um passo para frente. Ela deu um passo atrás, ampliando
a distância. Ele deu outro passo, e mais um, e ela fez o mesmo, até não ter um lugar
para ir. A parede atrás dela impediu sua retirada.
Ele se inclinou e esfregou o nariz contra o dela. Contato com ela era tão
necessário quanto respirar.
Ela fechou os olhos, como se sentisse dor.
— Como faz isso comigo, Kane? — ela sussurrou.
— Isso o que?
— Fazer com que eu queira você, apesar de tudo.
Ele ouviu apenas três palavras: eu queira você. Moveu-se rapidamente,
encaixando sua boca na dela. Embora se mantivesse fechada para ele, Kane já podia
sentir seu gosto, e o desejo o atravessou, afogando-o.
Minha, ele pensou.
Nunca, cuspiu Desastre.
— Deixe-me entrar. — pediu Kane, ignorando a besta. Perto assim, podia ver
cada cílio individualmente emoldurando os olhos cristalinos, e eram longos e
maravilhosos, a insígnia da inocência combinada com necessidade desenfreada.
— Não, eu...
Dessa vez quando mergulhou atrás do seu gosto, sua boca já estava aberta. Ele
aproveitou toda a vantagem, empurrando a língua contra a dela.
Gemendo, ela desistiu de qualquer pretensão de resistência. Os braços dela o
envolveram enquanto ela o beijava de volta com o fervor de uma mulher faminta.
Ele tentou desacelerar as coisas, mas ela começou a se contorcer contra ele,
perdida em sensações, todas as inibições esquecidas. Mordiscou sua boca e ela
mordiscou a dele, e foi isso. Eles se tornaram animais.
Ele rosnou e ela rosnou, e se devoraram. Ele apertou o seio dela com uma mão,
apertando forte, muito forte, mas assim como antes, ela não parecia se importar. Ele
prendeu-lhe os punhos com a outra mão e trancou os braços dela sobre a cabeça.
As costas dela arquearam, pressionando o corpo mais firmemente contra o
dele.
— Mais?
— Por favor. — ela esganiçou.
— Eu gosto dessa palavra nos seus lábios. — com o sangue em chamas, ele
ergueu a bainha do vestido dela. Suas juntas roçaram contra a pele quente e tenra da
parte interna da coxa, e estremeceu com a intensidade do prazer. Então ele a
suspendeu, forçando-a a envolver sua cintura com as pernas, como fizera na loja de
roupas, encontrando um meio de alívio e necessidade mais profunda com sua ereção
contra ela.
Os dedos dele circularam na parte baixa das costas dela, passando pela
calcinha, procurando por contato mais íntimo.
— Uau! — ela disse, de repente lutando para se afastar dele.
Preocupação substituiu o desejo instantaneamente, e ele a colocou de pé.
— O que tem de errado?
Ela alisou a manga do vestido. Chamas de uma das tochas derramavam-se
sobre ela.
Com uma careta, ele se afastou. Enquanto tentava reprimir sua necessidade

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furiosa, garantiu manter uma distância segura. Desastre viraria de cabeça pra baixo se
Kane continuasse o que tinha começado.
Não seria sempre assim, lembrou a si mesmo.
Ela suspirou, olhando-o dolorosamente.
— Apenas prova que não devíamos estar fazendo isso.
— Fomos feitos um para o outro e você sabe disso.
Ela ergueu o braço com a manga chamuscada.
— Kane, você viu o que...
— Você pensou em mim hoje? — ele interpôs, precisando que afirmasse que
havia sentimentos ali, não importa o que ela dizia. — Desejou que eu estivesse com
você?
Ela abaixou o braço.
— Mais vezes do que eu gostaria.
— Eu penso em você também. — ele disse.
— Por quê? — ela sussurrou, a cabeça baixa, mas o olhar ainda nele. — Por que
estamos pensando um no outro? Seria muito melhor para ambos se nos afastássemos.
— Eu tentei. Não posso. — o olhar dele era penetrante. — Posso me casar com
você. — ele disse suavemente.
Ela fechou os olhos por um momento, parecendo como se fosse cair no choro.
Então aproximou-se, a expressão mais determinada a cada passo. Antes que ele
pudesse sair, ela pousou as mãos nos ombros dele. Kane enrijeceu temendo por ela,
pelo que Desastre poderia fazer, mas não a dissuadiu. Ansiava tanto por algum tipo de
contato com ela, mesmo esse.
— Eu gosto dos seus beijos. — ela disse — Eu gosto. Muito.
— Gostar é uma palavra muito fraca para como eu me sinto em relação a você.
— E gosto de quando você me toca. E gosto de você, apesar do animal
rabugento que pode ser às vezes. — o queixo dela tremeu. — É por isso que me dói
dizer... não. Não, eu... não quero me casar com você.
Ele recuou como se ela o tivesse acertado com um martelo.
— Porque o demônio queimou você? — ele resmungou — Eu não o terei para
sempre. Planejo matá-lo.
— Eu poderia mentir e dizer que este é o por que. Posso dizer que quero outra
pessoa e você está no caminho. Mas a verdade é que não acho que você possa me
ajudar. Não sem se machucar.
Ele sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. Como seus amigos, ela
duvidava dele. Não tinha fé em suas habilidades.
Desastre riu com alegria concentrada, enfim apaziguado.
— Quero que você deixe este reino. — ela disse com um tremor. — Esta noite.
Agora.
Kane era um homem bem familiarizado com a dor. Pelo menos, era o que
pensava. Agora entendia os erros de seus caminhos. Aquilo era dor verdadeira. Ser
rejeitado pela fêmea que desejava.
Ele estava indo bem construindo muros dentro de si e agora usando essa
habilidade. Com a expressão em branco, como se não se importasse, ele falou:
— Muito bem. — com toda a calma de um homem falando do tempo. — Não
vou mais incomodá-la. — ele se virou e saiu do anexo.
Quando destrambelhou no hall, correu até William.

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— Qual o problema? — perguntou William depois de lhe dar uma olhada.
— Não é da sua conta. — ele disse. — Só mantenha seus garotos longe de
Sininho. Não estarei por perto para protegê-la.
— Aloooou. Nós conversamos sobre isso. Ela é sua e não vou deixá-los...
— Ela não é minha. — ele retrucou asperamente — E mantenha seus garotos
longe de mim também. Se chegarem perto de mim, não serei responsável por minhas
ações.
Ele saiu de perto de William, pegou o primeiro drinque que achou, depois
outro, e mais outro e quase se afogou. Dançou com Synda, girando-a pelo salão.
Dançou com as amigas dela. Elas passaram a mão nele todo e ele precisou engolir o
vômito várias vezes. Então dançou com Synda de novo enquanto o rei assentia,
aprovando.
— Eu tenho que tê-lo, Senhor Kane. — sussurrou Synda, o hálito quente contra
a orelha dele. — Deixe. Por favor. Não vai se arrepender. Farei qualquer coisa que
pedir.
Abriu a boca pra recusar, trocou um olhar com Sininho que o estava
observando com olhos cautelosos enquanto limpava a mesa, e disse:
— Sim, vamos.

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CAPÍTULO 23

O Reino de Sangue e Sombras

Torin estava sentado à sua mesa, dedos golpeando o teclado com tanta força
que quebrou as teclas. De novo. Com uma maldição jogou a coisa para o lado e pegou
um novo de sua caixa de peças reservas.
Havia distúrbios pelo mundo todo. Pessoas brigando, tumultuando e
saqueando. Sem qualquer razão! Cameo e Viola ainda estavam desaparecidas e ele
falhou em encontrar uma única pista que o guiasse ao paradeiro delas. Elas estavam lá
fora, possivelmente feridas.
Ele não tinha nenhuma ideia de quais habilidades de defesa Viola possuía.
Cameo, por outro lado, era uma guerreira até a alma e podia tomar conta de si
mesma. Sabia disso. Já a tinha viu lutar. A garota tinha o estranho hábito de cortar
gargantas. Mas não era infalível.
Um som estranho chamou sua atenção e girou em sua cadeira, engatilhando a
arma que sempre trazia no colo.
Uma jovem estava parada ali com as mãos pra cima, toda inocência.
— Por favor. — ela disse num sussurro cansado. A cor drenada de seu rosto.
— Quem é você e como entrou aqui? — ele exigiu, enquanto a observava.
Ela tinha o cabelo sujo, em algum momento deve ter sido louro, as mechas
embaraçadas e amarradas, penduradas frouxamente até seus cotovelos. Uma camisola
manchada e rasgada ensacava o corpo muito magro, o tecido caindo por todo o chão.
— Você é Torin, certo?
— Eu sou a Morte se você não responder minhas perguntas.
— Não estou disposta a compartilhar meu nome, e posso riscar. — ela ainda
sussurrava. Por quê?
— Bem, então vou chamá-la de Louca, por que só uma pessoa louca entraria
aqui sem um convite.
Ela concordou, sem qualquer inflexão de emoção obscurecendo suas feições.
— Pode me chamar do que quiser.
Muito acomodada ela, não?
— Por quê está aqui, fêmea?
Ela o ignorou dizendo:
— Por favor, posso abaixar minhas mãos?
— Não.
— Meus braços estão tremendo, e não posso... não sou forte o bastante... — os
braços dela abaixaram lentamente, como se enormes pesos tivessem sido amarrados
em seus punhos e puxados. — Sinto muito. Por favor, não atire. Não é assim que quero
morrer.
— Você tem sorte de eu não gostar de sangue no meu quarto. — ele também
abaixou a arma lentamente, colocando-a sobre a coxa, assegurando-se de manter o
cano mirado no estômago dela. — Eu não gosto, mas posso lidar com isso. Esta é a
última vez que vou perguntar. Por quê você está aqui?
Tensa, ela torceu o tecido da camisola.
— Cronus veio a mim várias semanas atrás e me disse para conceder à você
vinte e quatro horas do meu tempo.
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De novo isso. Sussurrando. Ele não gostava disso. Lembrou-se de todas as
noites que passou com seus amigos na estrada, quando encontravam mulheres e as
levavam para a tenda, exceto ele. Os casais tentaram ser silenciosos, mas sempre
falhavam.
Eu te quero, as fêmeas sussurravam. Eu preciso de você.
Aquela garota.
A reclamação dela finalmente registrada. Cronus era o rei original dos Titãs.
Sienna, a garota de Paris, matara-o e tomara o reino Titã nos céus. Mas bem antes de
sua morte Cronus fez um acordo com Torin. Em troca de guardar a Chave, uma relíquia
espiritual capaz de livrar seu possuidor de qualquer tranca, Torin receberia um dia
inteiro com uma mulher que pudesse tocar sem causar doença.
Apesar da morte do rei, o acordo ainda estava de pé.
E isso podia explicar porquê da Haste de Partir não ter engolido-o. Por causa da
Chave, a haste não pôde pegá-lo. Uma percepção impressionante que de repente
empalidecia em comparação à ciência de que ele podia tocar... tocar ela.
A umidade em sua boca secou enquanto estreitava seu exame sobre ela,
pegando os pequenos detalhes. Apesar do estado desgrenhado ela era bonita, de um
jeito suave e tênue. Seus olhos eram grandes e castanhos... e assombrados. Havia
segredos dentro dela. Segredos obscuros. O nariz era pequeno e arredondado na
ponta, de um jeito fofo. Seu lábio superior era mais cheio do que o inferior e tinha o
formato de coração.
As mãos dela tinham cascas de feridas e estavam cobertas de sujeira. Havia um
hematoma na lateral do pescoço, e não foi feito por um chupão. Era muito comprido,
muito fino e se alongava por baixo do tecido da camisola.
Ela permaneceu absolutamente parada, quieta, permitindo que ele a
esquadrinhasse livremente. O olhar dela permanecia desviado, colado na parede
lateral. Era preciso coragem de guerreiro para aparecer ali, e mesmo assim não podia
encará-lo de cabeça erguida enquanto ele observava suas vestes?
Toque nela, ele pensou novamente.
— Quem é você? — Torin perguntou mais gentilmente — Por favor. Preciso
saber.
— Eu te falei. Não quero dar meu nome.
Por quê? Que motivo ela teria para negar isso a ele?
— Pode me dizer por quê está sussurrando? — ele perguntou, num sussurro.
Brilhantes manchas vermelhas cresceram nas bochechas dela.
— Essa é minha voz. Não posso falar de outra maneira ou mais alto.
Por quê? E quantas vezes mais seria forçado a fazer essa pergunta?
— Posso... sentar? — ela perguntou.
O olhar dele varreu o quarto no qual tão poucas pessoas tinham entrado. Suas
roupas sujas estavam no chão. A cama desfeita. Garrafas de cerveja vazias aninhavam-
se na mesa e no criado mudo. Saltou em pé e correu pelo cômodo espaçoso pegando
roupas, jogando fora as garrafas. Ele também fez a cama.
— Sim. — ele respondeu — Sente-se. Está com fome? Com sede?
Hesitante, ela descansou no chão, ao invés de numa das cadeiras ou na cama.
— Eu... sim. — ela disse. — Por favor.
Ele não conseguia afastar a si mesmo dela, então fez algo que nunca fez antes.
Sacou o celular e ligou para Reyes, o guardião da Dor e disse:

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— Traga uns dois sanduíches. E batata frita. E brownies. E refrigerantes. E
qualquer outra coisa que tivermos. Tudo bem?
— Fico feliz que tenha ligado. — o guerreiro falou. —Danika tem...
— E rápido. — ele desligou antes que Reyes pudesse responder.
— Você tem servos? — a garota perguntou, finalmente encontrando seu olhar.
As mãos de Torin começaram a suar. Ugh. Ele não podia tocá-la com mãos
suadas.
— Eu tenho amigos. — ele se moveu para a cama, o braço trêmulo. — Não
prefere se sentar em um lugar mais confortável?
— Aqui está bom. Estou tão suja. E sei que devo estar fedendo, e...
— Doçura, você está bem exatamente do jeito que está.
Ela olhou para as mãos, mais uma vez torcendo o tecido da camisola.
— Disseram para mim que você é a Peste.
— Eu não sou a Peste. Sou apenas o hospedeiro. — e queria o demônio fora.
Tanto que tinha até passado um tempinho com os anjos. Ou melhor, com os Enviados,
liderados pelo "frio como gelo" Zacharel. Aprendeu que demônios podiam entrar num
corpo, criar uma fortaleza e produzir uma terrível toxina que destruía o possuído de
dentro pra fora. Medo fortalecia a toxina, bem como o demônio, e a alegria
enfraquecia.
Mas ele não tinha nenhum motivo para acalentar a alegria. Até agora.
— Por quê está nessa situação? — ele perguntou gentilmente.
— Eu... prefiro não falar a respeito, também.
Tantos segredos.
— Como Cronus a fez concordar com isso?
— Prefiro não falar.
— Esqueça. Entendi. — nenhuma informação pessoal seria compartilhada. Ele
não gostava disso, mas não forçaria a barra. Ela podia riscar pra fora e não seria capaz
de persegui-la. — Você sabe meu nome e sabe sobre meu demônio, mas sabe alguma
coisa mais sobre mim?
Ela pensou por um momento e sacudiu a cabeça.
— Bom, espero que já tenha percebido que não vou te machucar. — apesar das
ameaças.
Uma batida soou na porta.
— É a comida. — Torin correu para abri-la e ficou frente a frente com um Reyes
carrancudo. O guerreiro era alto e escuro e intenso, e carregava um pacote de
guloseimas numa mão e uma pequena pintura na outra. — Obrigado, cara. Fico te
devendo. Só deixe tudo no chão.
— O que está acontecendo? — exigiu Reyes. — Você nunca... — ele estava no
processo de esclarecimento quando seu olhar percorreu o quarto por força do hábito.
Um guerreiro sabia checar suas cercanias. Ele localizou a garota e titubeou. — Você
tem uma fêmea aí?
Os músculos da mandíbula de Torin enrijeceram.
— Não é o que está pensando.
Olhos castanhos encontraram os dele e imploraram.
— Torin, cara. Cameo e Viola estão desaparecidas. Não precisamos de uma
praga nas mãos também.
— Eu não a toquei, mas ainda que tivesse, não precisaria se preocupar. Ela é

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imune.
— Bom, isso é bom, mas ainda pode se tornar uma portadora, né? Deixe-me
escoltá-la para fora da fortaleza antes que mais dano seja feito. Ela...
— Bem. Ela está bem. — Ela poderia tornar-se uma portadora? Cronus não
disse nada.
— Ela está em risco direto...
— Apenas confie em mim, certo? — Torin inclinou-se e pegou os pacotes.
— Espere... — Reyes empurrou a pintura para ele, obrigando-o a pegá-la.
Ele o fez. Relutante. Ele não queria conhecer o futuro. Não queria saber se só
maldição o esperava.
Reyes esfregou dois dedos por seu queixo mal barbeado e disse:
— Danika pintou a tela na noite passada, e pensei que você acharia o resultado
final interessante. Vai querer dar uma olhada. Confie em mim. — o guerreiro girou os
calcanhares e bateu em retirada. Sem dúvida para informar ao restante da gangue
sobre o que estava acontecendo.
Fofocas!
Torin fechou a porta com os ombros e encarou a garota. O olhar dela estava
fixado sobre os pacotes. Desde quando não comia?
Pousou a pintura e virou-a, a face pintada voltada para a parede. Um dia teria
que olhar. Mas não hoje. Parecia que esperava por aquele dia desde sempre.
Ele moveu-se para a frente, agachou em frente à garota e ajeitou um banquete.
Ela não reagiu imediatamente, estava muito ocupada assimilando tudo aquilo.
— Vá em frente. — ele disse. — É seu. O que quiser.
Ela esticou uma mão trêmula e pegou um dos sanduíches. Os olhos se fecharam
enquanto mordia o pão e mastigou lentamente, como se apreciando os sabores. Então
dirigida por uma necessidade que não podia controlar, lançou-se sobre a comida com
abandono.
— Devagar. — ele disse. — Não quero que fique doente.
Ela agiu como se não tivesse ouvido devorando cada migalha, sugando cada
gota de refrigerante. Ele só pode olhar, fascinado. E espetacularmente bravo. Ela
claramente estava passando fome.
— Onde você mora? — ele perguntou. O que realmente queria saber: quem era
o responsável por aquilo?
— Não quero falar sobre isso.
— Pelo menos me diga que tem mais de dezoito anos. — ela parecia tão jovem.
— Eu... não tenho. Sinto muito. Tenho dezessete anos.
Decepção o atingiu, e atingiu forte. Ela posou a mão no peito, aqueles olhos
azuis da cor do mar se arregalando. Um gemido de dor escapou dela.
Ele arqueou a sobrancelha.
— Demais e muito rápido?
Ela ficou em pé, cuspindo.
— Socorro.
— O banheiro é à esquerda.
Ela correu para o pequeno anexo e Torin ficou bem atrás dela. Quando se
curvou sobre a privada, ele fez algo que nunca tinha feito, ainda que, como agora,
sempre usasse luvas. Ele segurou os cabelos dela e os manteve para trás. E bem na
hora em que ela vomitou o conteúdo de seu estômago.

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Quando ela terminou ele a soltou e deu um passo atrás.
— Por quê não toma um banho? Tudo o que precisa está nesse cômodo,
inclusive uma muda de roupa. — Ele mantinha algumas camisetas e calças de moletom
ali. Mantinha camisetas e calças de moletom em todo lugar, na verdade sempre
querendo estar coberto, nunca querendo o risco de expor sua pele ao toque alheio.
Uma fêmea nunca usara suas roupas antes, e ele meio que gostava da ideia.
Mas ela só tem dezessete anos e você não é um ladrão de berços.
Cronus idiota, encontrando para ele uma garota jovem demais para ser tocada.
Pelo menos por enquanto. Ela permaneceu caída no chão e não olhou para ele.
— Você se sentirá melhor e então poderá tentar comer de novo.
— Está bem.
— Precisa da minha ajuda?
— Não. Não. — ela reiterou.
Graças ao Altíssimo. Ele não tinha certeza de como reagiria.
— Quando terminar conversaremos, certo? — ele bateu a porta, fechando-a lá
dentro.
Muitos minutos se passaram antes de ouvir a água sendo ligada. Enquanto ela
tomava banho, ele andava de um lado para o outro, esperando. Pensando. Vinte e
quatro horas, ela disse. Este era o tempo que tinha com ela. Não era o suficiente.
Queria perguntar quando ela faria dezoito anos. Queria cair de joelhos e rezar
para que isso acontecesse durante seu tempo juntos.
Muito assustador?
Certamente ela não se tornaria uma portadora da doença dele. Cronus não
enviaria uma portadora. No momento em que se tornasse adulta, Torin se permitiria
tocá-la. Não precisava ser sexual, tampouco. Eles podiam dar as mãos.
Para experimentar o calor de outra pele, a maciez, a sensação de conexão, o
conhecimento tátil de que não estava sozinho...
Ele gemeu ante o pensamento inebriante.
Um bom tempo depois ela emergiu, uma nuvem de vapor a seguindo.
Molhados, os cabelos dela eram escuros, quase castanhos. Ela os tinha escovado, mas
as mechas decidiram encaracolar. Com seu rosto limpo da sujeira, pode ver a pureza
da pele dela. Pálida, como porcelana, com um leve traço de veias. Perfeita.
Ela usava as roupas dele, o tecido tão largo que a engolia.
— Obrigada. — ela disse com a voz sussurrante.
— De nada.
Ele a observou mexer-se desconfortavelmente, ainda não olhando para ele.
— Eu sei que tenho vinte e quatro horas com você. — ele falou. — Mas prefiro
não tê-las consecutivamente. Prefiro dividi-las. Uma hora por dia durante vinte e
quatro dias. Está bem para você? — ele podia usar esse tempo para ganhar a confiança
dela, fazê-la falar e relaxar. Feliz por vê-lo. E talvez, se sua sorte ajudasse, ela iria
querer continuar a vê-lo.
O olhar surpreso azul bebê pousou nele.
— Mas pensei...
— O que?
— Esqueça. — ela mordeu o lábio inferior, assentindo. — As condições
permitem isso, então sim, eu preferiria vir uma hora por dia durante vinte e quatro
dias.

179 | P á g i n a
Os joelhos dele quase cederam.
— Obrigado.
Ela assentiu, dizendo:
— Até amanhã. — com um riscar, ela se foi.

180 | P á g i n a
CAPÍTULO 24

Josephina rapidamente arrumou suas parcas posses numa mochila. Um maço


de dinheiro que tinha economizado. Uma muda de roupas. O medalhão de sua mãe
que nunca tinha usado com receio de alguém arrancá-lo do seu pescoço.
Kane não partiu. Seu casamento era hoje e ela não ficaria por ali para assistir.
Talvez ele fosse fazer aquilo. Talvez não. Tinha a sensação de que ficaria imaginando
para o resto de sua vida e chorando.
Enquanto fechava a mochila de roupas, seu estômago apertou. Lágrimas
gotejavam de seus olhos e fungou frustrada. Lágrimas estúpidas! Elas vinham muito
frequentemente agora. Desde que conheceu Kane.
Eu não devia tê-lo beijado aquela última vez.
Mas perdeu-se nas sensações prazerosas e desenfreadas, e o calor, a pressão e
a necessidade de... tudo. O passado desapareceu. O desejo de morrer silenciado pela
transformação de seu último suspiro. Kane tornara-se seu mundo e não queria nunca
ser encontrada.
E ele tinha desejado ficar com ela, também. Mas... sim. Mas: o mundo tinha
arruinado tudo. Ela tivera uma escolha. Ficar com ele e arriscar a ira do rei ou ficar sem
ele, protegendo-o.
Protegê-lo parecia mais importante do que o desejo dela, porém apenas por
um triz.
Um dia Kane talvez a agradecesse. Droga, ele já estava feliz sem ela. Deixou o
baile com Synda, e apesar de Josephina ter procurado, não o encontrou desde então.
Não tinha nenhuma ideia do que aconteceu entre o par, mas rumores espalhavam-se
descontroladamente. Kane passou a noite no quarto de Synda.
Uma das lágrimas caiu e enxugou-a com as costas da mão.
Tanto faz. Sozinha na ala dos servos, Josephina foi até o corredor na ponta dos
pés e espiou fora da janela que dava para a garagem. Uma linha de carruagens se
alongava rua abaixo, cada uma com um Opulens provavelmente estourando de
ansiedade para chegar ao portão real. O casamento estava pronto para começar a
qualquer minuto.
Não havia melhor hora para escapar. Os servos estavam ocupados lá embaixo.
O rei e a rainha estavam distraídos. Os guardas tinham que vigiar o terreno para
assegurar que um retorno dos Phoenix fosse mantido longe.
— Sério? — disse uma voz atrás dela. — Você está mesmo fugindo de mim?
Ela girou e ficou frente a frente com um muito bravo Kane. Ele não estava
usando vestes de casamento. De fato parecia... desleixado. Vestia uma camiseta
amarrotada com os dizeres "Texugos não se Importam", o que quer que isso
significasse, e as calças estavam rasgadas em vários lugares. Os olhos dele estavam
vermelhos e finas linhas de tensão ramificavam de sua boca.
— Por quê você não está no reino humano ou melhor ainda, lá embaixo,
preparando-se para suas núpcias? — ela exigiu, odiando-o, odiando a si mesma.
— Está assim tão ansiosa para fazer com que eu me case?
Ela levantou o queixo, recusando-se a revelar o tumulto dentro de si mesma.
— Você dormiu com a princesa, não é? Acho que você anseia o bastante por
nós dois.

181 | P á g i n a
As feições dele suavizaram, fazendo-o parecer um menino esperançoso e tão
adorável que o peito dela doeu.
— Eu detectei um tom de ciúmes, Sininho?
— Certamente que não! Não me importo com o que faz ou onde você se enfia.
Uma mentira. Ela detestava mentiras. O que estava errado com ela? Desde que
o conheceu, não se tornou apenas uma chorona. Virou uma megera.
A suavidade se foi num estalo e os olhos dele semicerraram.
— Tudo bem. Sim. Eu dormi com ela. Dormi com um monte de mulheres antes
mesmo de chegar a Séduire. Mas sabe o que? Synda foi a melhor que já tive.
Foi como um soco no estômago dela, um estouro tão lento que não tinha
certeza de que iria se recuperar. Humilhação queimou seu rosto e talvez estivesse
mesclada com decepção e fúria. Como ele pôde! Como pôde ir dos beijos de Josephina
para a cama de Synda, e depois se gabar disso?
A fúria de repente sobrepôs-se a qualquer outra emoção.
— Parabéns. — ela disse do modo mais indiferente que pode. — Você é
oficialmente como qualquer outro homem neste reino. — ela salvou a vida dele, e ele
salvou a dela. As circunstâncias não permitiram que fossem amantes, mas podiam ser
amigos. Ela sempre desejou ser amiga dele. No entanto, ele tinha arruinado qualquer
esperança que isso acontecesse. — Quero que fique longe de mim. Quero nunca mais
te ver.
As feições dele não mudaram, não dessa vez, mas sua voz tornou-se baixa e
calma, pingando desdém.
— Uma pena. Eu não o fiz, mas você fez, e não tem mais ninguém para culpar
além de si mesma. Deveria ter me deixado no inferno.
— Oh, não se preocupe. Estou prestes a fazer exatamente isso. — ela tentou
dar um passo ao redor dele.
Ele moveu-se com ela, bloqueando o caminho.
— Não vai a lugar nenhum. Synda entrou em problemas a noite passada e
merece uma nova punição.
Josephina congelou.
— O que ela fez?
— Isso importa?
Tinha a ver com ele, não?
— Você está prestes a ser chicoteada.
— Não, não, não. — aquilo significava que o rei estava procurando por
Josephina. Ela o conhecia. Ele adiaria o casamento para encontrá-la, querendo lidar
com a situação antes de colocar Synda, assim como Josephina, sob os cuidados de
outro homem. E se descobrisse que ela planejava fugir... como Kane podia ser tão
cavalheiro sobre isso? Sacudindo a cabeça, afastou-se dele. — Como pode fazer isso
comigo?
— Eu não queria que nada disso acontecesse, Sininho.
— Não me chame assiim! Não pode me chamar pelo apelido mais fofo quando
está a ponto de arruinar minha única chance de liberdade.
— Você quer liberdade? — o volume da voz dele crescia a cada palavra. — Vou
conseguir sua liberdade. Nesse instante. Depois irei deixar o reino, assim como você.
Mas não se preocupe. Não estarei com você, de modo que não precisa temer minha
incapacidade de protegê-la. — ele estendeu os braços na intenção de agarrá-la.

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Ela pulou pra fora do seu alcance.
— Eu acredito que pode me proteger, idiota, só não quero que se machuque
fazendo isso. E se fizer, você vai se machucar. Eles irão caçá-lo. Para sempre.
A borda mais afiada da intensidade dele fraquejou.
— Ser caçada é algo que você está disposta a arriscar, obviamente. Faça-me um
favor e permita-me a mesma opção.
Ela... não tinha qualquer responsabilidade quanto aquilo.
— Eu pensei a respeito e pensei, e estou prestes a me dar um aneurisma
cerebral se pensar um pouco mais, e nessa manhã finalmente pensei num plano e
decidi segui-lo. Você não vai gostar disso, mas honestamente? Não me importa
mesmo. Não gosto de você entre estas paredes e não posso lidar mais com o demônio.
Tenho que dar o fora daqui, e terei que matá-lo ou começarei a machucar pessoas,
talvez até você. De novo.
Ele estava sendo incoerente, sem dar a ela qualquer informação útil.
— Você não pode simplesmente...
— Posso. — ele se lançou sobre ela, agarrando-a antes que pudesse escapar, e
jogando-a sobre o ombro. A posição favorita dele. No momento do contato o fôlego
explodiu em seus pulmões. Ela chutou e bateu nele, mas ele se pôs em movimento
sem perder o ritmo. — Toda mulher com quem eu cruzo se joga pra mim, mas não
você. Continua lutando contra mim.
— Eu nunca vou parar!
— Isso é sábio, provavelmente. — ele a levou pelas passagens secretas que não
devia conhecer, várias escadarias acima, até sair sob o sol do dia. — Por quê ainda está
usando luvas? Sabe que pode controlar sua habilidade agora.
— Porquê minhas mãos são feias. — As pessoas começaram a olhar.
— Ouça-me. Acredite em mim. Elas não são feias.
Ela captou o aroma de grama recém-cortada e flores, e o som de vozes
murmurando... vozes afilando-se para o silêncio. O choque a bombardeou e ela
enrijeceu. Ele não estava se esgueirando. Estava andando no meio da multidão de
convidados para o casamento. Como ele podia... a coragem que tal ato requeria... a
estupidez completa!
— Eu te disse que me casaria com sua filha, e vou. — Kane disse para o rei. —
Isso não vai mudar. Mas quero esta aqui.
O quê! Casar com... Josephina? Apesar da discordância entre ambos? Não, isso
não podia estar certo.
— Têm duas maneiras disso terminar. Ou você me juntará à sua família dando-
me Josephina em casamento ou vou matá-lo aqui e agora. Escolha.
Sim. Ela. Mas... mas...
Não vou deixá-lo fazer isso. Vou parar com tudo.
— Não. — Leopold, atrás do rei que gaguejava, rosnou. — Você não pode.
— Vá de opção dois. — um macho falou com uma risada, interrompendo-o. —
Finalmente darei um bom uso para minha mão alcoviteira.
Ela virou a cabeça e viu William, Red, Black, White e Green entrando no gazebo
onde a família real aguardava a noiva e o noivo. Todos os cinco guerreiros estavam
armados para a guerra. Espadas apontavam sobre seus ombros. Armas estavam
embainhadas em suas cinturas. E havia mais homens atrás deles! Homens que
reconheceu das fotos dos livros que as escribas tinham escrito.

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Oh, doce relâmpago. Os Senhores do Submundo estavam lá. Os temíveis
machos estavam ali com ainda mais armas do que William e sua equipe. Lá estavam o
assustador Lucien, o sombrio Reyes, o sinistro Sabin e o irreverente Strider.
O coração dela ganhou mais velocidade.
— Oi. — ela disse e acenou para Lucien. — Não posso acreditar que isso está
acontecendo. Sonhei com esse dia minha vida inteira.
As feições assustadoras dele eram pálidas e havia cicatrizes sob os olhos. Ele
parecia como se estivesse sem dormir há muitos séculos.
— Seu casamento? — ele perguntou.
— Não. Não vou me casar. Tive esperança de encontrar você. — ela disse, a voz
trêmula.
— Tudo bem, acalme-se. — Kane murmurou. — E sim, você vai se casar.
— Kane...
Ele continuou.
— Eu não queria ajuda, mas percebi que preciso. Não há outro jeito. Mas nunca
confie nos Rejeitados do Arco-íris. Eles apenas estão me ajudando a terem uma chance
mais fácil com você depois.
— William, meu sombrio. — a rainha ofegou. — O que está fazendo? Você
deveria ser meu protetor.
O rei rosnou.
— Sombrio? Está chamando outro homem pelo meu apelido de estimação?
— Calem-se, os dois. — William estalou, todo o humor esvanecido. — Já
ouvimos o suficiente de vocês.
Leopold deu um passo à frente, mas Red o agarrou pelo pescoço e jogou para
trás. No próximo piscar de olhos uma lâmina estava pronta contra o pulso latejando do
príncipe que balbuciava de dor, uma gota de sangue derramando no colarinho
engomado de sua camisa. Ele tentou falar, mas a arma evitou que qualquer som se
formasse.
— Mas e eu? — perguntou Synda correndo para Kane, o vestido de casamento
não deixando que se apressasse. Ela teve que segurar para cima o belo laço Fae. E seu
véu estava torto, quase caindo pelos cachos claros.
— Cale-se mulher. — Kane estalou, imitando William. — Se eu tiver que ouvir
mais um pouco de sua conversa cruel e vazia, cortarei sua língua. Juro que vou.
Synda parou, simplesmente parou. Ninguém nunca a rejeitou antes, bem, não
por muito tempo. Confusão e dor dançaram em seus olhos e Josephina quase se
compadeceu dela. Quase. Estava muito ocupada cambaleando. Kane tinha acabado de
colocar a garota em seu lugar.
Vermelho floresceu nos olhos da princesa e ela marchou pelo mar de
convidados, jogando as pessoas de suas cadeiras. O rei estourou, dizendo:
— Isso não é jeito de fazer as coisas, Senhor Kane. Nós devemos...
— Escolha. — Kane gritou. — Eu não pedi comentários.
O silêncio rolou através das massas, cada olhar em cima de Tiberius. O rei
mudava sua atenção entre Kane e seus amigos.
— Muito bem. — ele finalmente ralhou.
— Boa escolha. — Kane colocou Josephina de pé e olhou para ela.
— Devo fazer uma reverência a seus amigos? — ela perguntou, ocultando o
nervosismo. — Sinto como se devesse fazer uma reverência.

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Ele se inclinou até que ficassem nariz com nariz.
— Você vai aceitar isso. O que quer que sinta a meu respeito, quer acredite ou
não em mim, essa é a melhor escolha para você agora.
Uma onda de tontura a tomou.
— Não posso deixá-lo fazer isso. — ela precisava contar a ele sobre algumas
coisas, mas... o que? Não se lembrava.
— Ao contrário do seu pai, não vou te dar uma chance. — ele voltou-se para o
macho que oficializaria a cerimônia. — O que está esperando? Comece.
O padre obedeceu, mas ela não ouviu uma palavra do que disse. Os
pensamentos dela estavam altos demais. É claro que não podia se casar com o mesmo
guerreiro que dormiu com sua meia-irmã na noite passada. É claro que não podia
permitir que ele desse as boas-vindas à uma vida de guerra. É claro que não podia atar
sua vida à dele, entregar-se a ele enquanto vestia um uniforme de empregada, em seu
pior visual.
Ainda que ele fosse o homem mais incrível que já tinha conhecido... ainda que
cada centímetro de seu corpo berrasse "sim"!
Mas alguma vez seria fiel? Ele a queria ou só estava tentando protegê-la, como
achava que devia?
O olhar dela desviou-se para os amigos de Kane. O que pensaram dela na
primeira olhada? Estava pendurada no ombro de Kane, então... Provavelmente não
muita coisa.
— Estou mesmo maravilhada. — ela murmurou.
— Eu sei. Você me disse. — Kane falou. — Agora, responda ao padre.
— Eu responderei assim que me disser o que ele perguntou.
O mesmo vermelho assassino que acabara de ver nos olhos de Synda pulsaram
nos de Kane.
— Só diga sim. — ele estalou.
Uma viga na cobertura sobre eles estalou e caiu, e Kane teve que puxá-la fora
do caminho de se ferir.
— Diga. — ele ordenou.
— Eu direi se a pergunta foi se Kane me aborrece. Porquê sim, ele me aborrece.
— ela disse, a atenção voltando para os outros Senhores.
— Diga a resposta para aquela pergunta novamente. — Kane exigiu, mas não
soou ofendido.
— Sim. — ela atirou.
Ele assentiu, satisfeito.
Lucien piscou para ela, e não pode evitar oferecer o maior sorriso que
conseguiu dar no momento. Reyes assentiu em reconhecimento. Strider ergueu o
dedão, fazendo sinal de "joia". Sabin continuou olhando. Ela queria que os amigos de
Kane gostassem dela, embora no momento não gostasse de Kane.
— Isso é um erro. — ela sussurrou. Sim! Aquelas eram as palavras que queria
dizer a ele. — Não devemos fazer isso. Vamos parar antes que seja tarde demais.
Ele apertou tanto sua mão que ela gemeu, mas mesmo assim Kane não aliviou
o aperto. Ele deslizou um anel no seu dedo, o metal pesado com uma pedra enorme
brilhando no centro. Uma pedra que não reconhecia. A cor ficava entre o vermelho
rubi e o azul safira.
— Já é tarde demais. Nunca recue nisso, entendeu? — disse Kane.

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Tarde demais? Eles estavam... eles estavam... de jeito nenhum.
Rígida. Olhos arregalados, ela concordou.
— Oh, e aqui está o anel do grande cara. — falou William, dando-lhe um anel
plano, quente, que vibrava.
Trêmula, ela deslizou o anel no dedo de Kane e ele finalmente a soltou.
— Está feito. — ele disse, e lá estava um bocado de satisfação na voz dele.
Josephina pode apenas concordar, atordoada.
Um grito quase dividiu a luz do dia.
— Você não vai tirá-la de mim!
Não Synda. Mas... a Phoenix.
Definitivamente. O fundo inteiro do jardim explodiu em chamas. Kane jogou
Josephina sobre os ombros.
— Não novamente. — ela disse.
Lucien segurou os braços dele.
— Vou levá-la agora. E vou cuidar bem dela, tem minha palavra.
— Mudança de planos. — falou Kane. — Ela vai comigo. Pelo menos por
enquanto. Leve os outros para um lugar seguro e obrigado por vir, cara. — ele saiu em
disparada mortal. Fumaça flutuou até o nariz dela, fazendo-a tossir. Gritos de medo
surgiram através da multidão.
— Como planeja deixar o reino? — ela perguntou, tentando não entrar em
pânico. Apenas um seleto grupo de Faes possuía a chave entre o reino humano e
aquele. Kane não era um deles, sequer era um Fae. Ela planejara roubar a de Leopold
para a própria fuga, mas isso agora era impossível.
— Assim. — Kane tirou uma luva cor da pele do bolso: uma chave. — Antes de
perguntar, sim, eu a roubei. E não, não estou envergonhado e não vou devolver.
— Não quero castigá-lo, seu tolo. Quero cumprimentá-lo. Agora, você sabe
como usar?
— Sim. — Ele apressou o passo.
Ela esperava que alguns dos guardas os perseguissem, independente do que
disse seu pai, e esperava que convidados tentassem ultrapassá-los, desesperados para
escapar dos fogos, mas ele estava se movendo muito rápido para qualquer um
apanhá-los. Em segundos, estava no portão da frente e nem mesmo perdeu o fôlego.
Ele colocou a luva e gesticulou de cima para baixo, de um lado para o outro, no
formato de uma porta. Um retalho da paisagem caiu de cada local que tocou, deixando
um buraco negro.
— Pense aonde quer ir e dê um passo à frente. — ela se apressou a explicar,
mesmo ele tendo dito saber o que fazer.
Ele avançou para a escuridão, e então de repente estavam fora do reino dos
Fae e dentro do reino dos humanos. Prédios altos cortavam nas duas laterais. Pessoas
apressadas caminhavam em calçadas estreitas. O aroma de café e de exaustor de
carro, e até mesmo de urina, encheu seu nariz.
— Feche a porta. — ela falou e ele obedeceu, mais uma vez gesticulando no ar.
Ele a colocou de pé, pegou pela cintura e puxou-a para frente.
— Vamos. A porta pode estar fechada, mas quero você o mais longe possível.
— Onde estamos?
— Nova York. Quero mascará-la na multidão.
Ela pensou que devia ter adivinhado. Esteve ali antes e não havia lugar como

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aquele.
— E seus amigos? — ela perguntou.
— Ficarão bem.
— Vai me deixar sob os cuidados deles?
— Por um tempo sim.
Um tempo. Quanto era um tempo? Provavelmente melhor não saber.
Eles andaram por horas, e quanto mais andavam, mais ocupadas as ruas e
calçadas se tornavam. Em qualquer outra hora a multidão a teria chateado, mas
naquele momento sua mente estava atordoada. Estava fora do reino Fae. Estava com
Kane. Talvez até casada com ele. Eles realmente terminaram a cerimônia? Não tinham
se beijado.
Não importava, ela supôs. Por um tempinho estaria a salvo de sua família. Não
teria que se preocupar em ser punida. Não teria que se importar com o rei caçando-a
por dias, no mínimo. Ele precisaria de tempo para planejar uma estratégia contra um
homem como Kane.
Pela primeira na sua vida, ela estava livre.
Alegria explodiu nela, e com a alegria veio o desejo inquestionável de
verdadeiramente viver. De fazer todas as coisas que nunca sonhou serem possíveis. De
se apaixonar, casar e espere... Ela já estava casada. Talvez. teria que conversar com
Kane a respeito. Ele provavelmente não tinha desejado os votos. Se fez qualquer voto,
aliás. Ela podia se estapear por não ter prestado atenção. Pelo que sabia podia ter se
comprometido a ser a escrava dele.
Tanto faz. Ainda não importava. Com esse primeiro gosto de liberdade, todo o
mundo dela tinha mudado. Ela já decidiu não mais aceitar o abuso ao qual era
submetida. Mas agora se recusava a deixar o medo mantê-la cativa. O futuro era dela
para abraçar, e o faria o mais apertado possível.
Kane deu uma olhada em sua direção, titubeou. Ele parou e seus olhos
arregalaram.
— O que? — ela perguntou, quase trombando com ele.
— Você está sorrindo. — havia um tom reverente na voz dele, um que nunca
tinha usado antes.
— Estou? — ela tocou os próprios lábios e estava sorrindo.
Pela segunda vez naquele dia, as feições dele suavizaram.
— Você está feliz e isso lhe cai bem. — mas um segundo depois as bochechas
dele coraram e ele se virou. — Vamos. Eu não durmo há dias e estou prestes a
desmoronar. Precisamos de um lugar para ficar.

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CAPÍTULO 25

Nova York

Esposa.
A palavra ecoou pela mente de Kane a noite inteira. Ele brincava com o anel
que William lhe deu, uma simples banda de ouro que deveria ser fria ao toque, mas
não era; o metal o queimava, e não tinha certeza sobre o porquê.
Esposa.
Ele tinha uma esposa. Uma mulher para sempre ligada a ele. Ela era dele, e ele
era dela. Não apenas instintivamente, mas legalmente. Saber disso fazia algo com ele.
Algo poderoso. Antes tinha apenas arranhado a superfície da posse. Agora a sensação
o dominava. Sininho. Era. Dele.
O desejo e a necessidade combinavam-se, criando um fogo inflamável. Ele
queimava. Doía. Ansiava. Finalmente ele a teria.
A mão de Kane tremeu quando a estendeu e acariciou uma mecha de cabelo
sobre o rosto dela. O comprimento dos cílios longos e grossos se abriu, e encontrou-se
espiando em meio a um lindo olhar azul bebê.
Após alugar o quarto, subiu na cama e puxou-a para a curva de seu corpo. Ela
não protestou. Ele deixou as luzes acesas e agora a luz dourada cascateava sobre ela.
Ela estava de lado, curvada, encarando-o. Mechas de cabelo escuro esparramavam-se
sobre os travesseiros e os lençóis.
Ele devia tê-la entregue a Lucien, conforme o combinado. O guerreiro a levaria
para o Reino de Sangue e Sombras, e Kane teria ido atrás de encontrar um meio de
matar o demônio. Mas a chegada da Phoenix mudou tudo. Ele queria — precisava —
de Sininho debaixo dos olhos para protegê-la contra as chamas.
Mesmo que ela não quisesse se casar com ele. Agora estava feito e não havia
nada que ela pudesse fazer sobre isso.
— Eu sou seu marido. — ele disse quase bravo. Não afastou a mão.
— Talvez. — ela sussurrou.
— O que quer dizer com “talvez”?
Ela passou a ponta do dedo pelos próprios lábios, como se lembrando de
alguma coisa — ou desejando.
— Bem, não me lembro exatamente de quais votos foram trocados.
— Você concordou em ser minha esposa e eu concordei em ser seu marido. É o
bastante. Está feito. Não há como mudar.
— Nós podemos, não sei, conseguir uma anulação, talvez. Ambos éramos
prisioneiros, Kane, e não quero ser sua nova jaula.
— Você não é uma jaula. Você é meu tudo. — movendo-se com a rapidez que
geralmente guardava para o campo de batalha, espalmou a nuca dela e puxou contra
si. A suavidade do corpo dela colidiu contra a dureza do dele, e precisou apertar os
dentes para silenciar um silvo de prazer. — Sem anulação. E depois, sem divórcio. A
morte é a única coisa que pode nos separar.
Os olhos dela dilataram-se esperançosos, apenas para rapidamente

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estreitarem-se com suspeita.
— Você vai ficar com outra mulher enquanto estivermos juntos?
— Não. — e essa era a verdade — Eu não dormi com Synda. Não deveria ter
mentido. Não sou um mentiroso e não vou fazer isso de novo. Por razão nenhuma. Eu
estava magoado com o que você disse, e quis dar o troco.
Uma pausa, como se ela não ousasse acreditar que ele falava sinceramente.
— Sério? — os olhos dela semicerraram levemente. — Isso foi muito baixo.
— Eu sei. Mas não tão baixo quanto seria ter realmente dormido com ela. —
ele acrescentou, esperando que concordasse.
Lentamente, ela anuiu.
— Tudo bem. Vou deixar essa passar.
Ele ficou devastado com a rejeição dela e saiu daquele salão de baile tão mal
que escorregou na primeira oportunidade. Dormir com Synda nunca foi considerado.
— Eu a levei para a cama, então fiquei sentado no sofá do quarto adjacente
pela maior parte da noite, assegurando que ela permanecesse longe de problemas. Por
fim, pensei que estava me assegurando. Mas ela usou uma passagem secreta que eu
não conhecia e fugiu para transar com Red no jardim.
Sininho deslizou a mão pelo pequeno espaço entre os dois e passou os dedos
sobre o peito dele, onde a marca do dragão estivera. O prazer... era tanto e não o
suficiente. Ele enganchou uma das pernas dela em sua cintura, enlaçando seus corpos
o máximo possível enquanto ainda estavam vestidos.
Ele mal podia respirar, mas não podia fazer nada até contar a ela a verdade
sobre si mesmo. Ele cometera erros demais com ela para errar de novo. Isso o
diminuiria perante os olhos dela, sim. Como não? Mas ficaria com ela. Ali. Nesta noite.
Queria aquele casamento cimentado. E se teve uma reação negativa a algo que ela fez,
não queria preocupá-la sobre o motivo ou pensando que ele não a queria.
— As outras mulheres que mencionei... é verdade. Estive com elas antes de
encontrar você. Achava que o sexo com elas me faria esquecer o que aconteceu no
inferno, a sensação de desamparo, mas só me fazia sentir pior. As lembranças me
provocavam e eu... vomitava depois de cada encontro.
— Oh, Kane. — ela disse, passando os dedos pelos cabelos dele. — Sinto muito.
Sem julgamentos. Apenas compaixão.
Houve uma época em que pensou odiar a compaixão, a prima da pena. Não
hoje.
— Você me faz desejar coisas que nunca pensei que desejaria novamente. —
brincou com a lateral do pescoço dela. — Quero estar com você, Fada Sininho. — ele
queria tudo que ela desse.
— Eu... quero estar com você também, Kane. Quero fazer sumir
definitivamente as suas lembranças ruins. Quero ser tudo que você conhece, tudo o
que vê. — tão suavemente admitido. — O que eu disse no baile, no cômodo secreto...
Kane, acredito em você. Você é o macho mais forte e valente que eu conheço, mas não
posso suportar o pensamento de ser a razão de sua vida ser jogada em outra guerra.
Qualquer mágoa remanescente estava curada.
Guerra, riu Desastre. Eu darei guerra a ela. Vou me assegurar de partir seu
coração antes de matá-la.
Ele não partiria o coração dela. Não a deixaria ser machucada... nunca.
— Vale a pena lutar por algumas coisas Sininho, e vou provar. Dê-me um

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minuto.
Kane a deixou na cama e perambulou pelo quarto, empilhando todas as
lâmpadas no banheiro, fechando a porta e girando a tranca. A suave luz da lua
derramava-se no lugar quando ele mergulhou de volta pra cama.
Sininho se ajeitou contra ele, quente e receptiva. Agora... agora ele finalmente
a teria.
— Eu te quero. — ele disse, a fome o perturbando. — Você todinha.
Um momento passou antes que ela assentisse.
— Vire-se.
Desta vez não houve hesitação. Ela obedeceu.
— Quero ser tudo o que você precisa. — ela falou. — Da forma como você é
tudo o que eu preciso.
O coração que pensou estar endurecido além da redenção se arrepiou.
— Você já é. — ele ergueu-se em um cotovelo e desabotoou as costas do
uniforme dela. Na medida em que o tecido se separava, os olhos dele se ajustavam à
escuridão e foi capaz de ver a roupa íntima totalmente branca que ela usava. Adorável.
Pura.
Cada centímetro... dele.
— Tudo bem. De costas.
Ela obedeceu novamente.
Enquanto ele descia o vestido pelos ombros, cintura e pelos pés, ela
estremecia. As roupas íntimas, o anel e as luvas receberam o mesmo tratamento,
enfim a deixando nua. Lindamente, maravilhosamente nua.
Ele a observou mais lentamente. Estava deitada, absolutamente parada,
permitindo que olhasse o quanto quisesse. Podia apenas se maravilhar. Cada
centímetro foi feito especificamente para atender aos gostos dele. Exuberante, mas
esbelta. No ponto da colheita, mas ainda deliciosamente inocente. Ela acabou com ele.
Destruiu. Arruinou para todas as outras fêmeas.
Minha mulher é perfeita.
— Espere, meu anel. — ela disse, tentando sair do abraço dele.
Ele segurou o objeto, fora de alcance.
— Não até que você prometa que as luvas se foram para sempre.
— Não sei por que isso é tão importante para você, mas tudo bem.
— Nós seremos o que é conhecido como um casal repugnantemente meloso.
Eu quero pele, não couro.
Os lábios dela se ergueram num sorriso leeeeento. Como o de uma raposa.
— Agora é hora de você tirar alguma coisa. É o justo.
— Eu quero ser justo. — uma febre obscura o guiou enquanto tirava as próprias
roupas. Os olhos de Sininho o devoravam com a mesma ganância que ele tinha
demonstrado. Desejava ter paciência para deixá-la analisá-lo como ela teve, mas a
necessidade não podia ser mais negada. Esticou sobre ela, lembrando-se no último
segundo de apoiar seu peso nos cotovelos e, oh, a agonia. A agonia de estar tão perto
dela e não estar dentro dela.
Tenho que estar dentro dela.
— Abra as pernas. — ele exigiu, e ela obedeceu.
Subitamente, pode senti-la contra si, a parte mais pessoal dela, livre de todas as
barreiras; o maravilhoso calor molhado quase o tirando do controle.

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— Oh, Kane. É... é... — com as unhas nas costas dele, arqueou contra Kane.
Quando ele a beijou, a cama começou a tremer, fazendo-o parar ainda que se
apertando contra ela com muito mais força.
Ele silvou. Ela gemeu.
— Demônio tolo. — ela disse num murmúrio. — Isso é realmente... Oh... Oh!
Não pare, Kane. Por favor, não pare.
Desastre praguejou. A cama parou de tremer.
Rosnando, Kane esmagou a boca contra a dela. Ele tinha a intenção de ser
gentil, mas... dane-se a gentileza. Ela não tinha pedido por isso nenhuma vez antes.
Abriu-se para ele imediatamente, recebendo-o, gemendo de prazer; ele engoliu
o som. Beijou-a mais forte, mais profundo, a cada segundo mais tenso do que no
anterior. As mãos dele moveram-se até os seios dela, seu estômago, entre as pernas,
ela ganhou vida.
Um estalo ecoou. Captou o cheiro de reboco no ar. A parede estava suportando
o impacto da fúria do demônio.
Sininho se assustou.
— Esqueça-o. — Kane disse. Encaixou a mão entre as costas dela e o colchão e
a levantou, puxando-a mais firmemente contra si, encaixando-os até que nem mesmo
um suspiro pudesse separá-los.
Ela arquejou. Passou os dedos pelos cabelos dele, puxando os fios.
— Feito. Agora me dê mais.
— Sempre. — os lábios dele retomaram os dela num encontro furioso de bocas,
um duelo de línguas e dentes mordiscando. A paixão... o arroubo completo. O êxtase.
— Quero tocá-lo também.
— Sim.
As mãos dela vagaram sobre ele, explorando-o, conhecendo-o, sentindo seu
tamanho, e isso o teria incomodado, mas estava aliviado demais por estar com ela
para vislumbrar qualquer tipo de reserva. O passado caiu. Havia apenas Sininho e
aquele momento e o prazer e a luz. Aqui, nos braços dela, cercado por ela, aceito por
ela, desejado por ela, as feridas em sua alma começavam a se curar. Força injetou em
seus ossos, enchendo seus músculos. O sangue em suas veias começou a queimar, sua
necessidade dela muito intensa para ser negada alguma vez mais.
— Eu gosto disso. — ela falou num gemido.
— Bom.
— Eu quero... o resto... — as palavras terminavam num suspiro. — Fazer o
resto.
— Logo. — ele assumiu o controle. Admirado por ela... Minha, ela é minha, e eu
posso tê-la, posso ter isso, quantas vezes quiser... Ele fez tudo ao seu alcance para
prepará-la para sua invasão. Sua boca no corpo dela. Todinho, vagarosamente. O sabor
dela descendo por sua garganta. Como mel. Seus dedos entre as pernas dela.
Esfregando, brincando. Ela gemeu, inúmeras vezes, e os sons eram como música.
Ele lambeeeeeeu. Sugou. Amassou. Brincou novamente. Trabalhou com os
dedos leeeeentamente… ganhando velocidade… mais e mais rápido… todo o tempo
sussurrando para ela, elogiando sua doçura.
— Eu vou... alguma coisa está acontecendo...
— Deixe vir, querida. Estou com você.
Ela explodiu, o prazer a atingindo, fazendo-a ter espasmos e suspirar. E quando

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voltou para a terra alguns minutos depois, ele começou tudo de novo.
Ofegando, ela disse:
— Isso foi... isso foi...
— Na próxima vez vou estar em você, e será ainda melhor.
— Sim... — ela disse, um pedido quase indistinguível. — Por favor. Se você
não... eu vou... Oh, preciso disso de novo… por favor.
Sim. Agora. Sem mais delongas. Ela era dele. Ele precisava reclamá-la. Marcá-la
de dentro para fora.
Vestiu uma camisinha e posicionou-se, ajeitando-se entre as ansiosas pernas
abertas dela. A preocupação com ela foi o único poder forte o suficiente para impedi-
lo de entrar em casa imediatamente.
— Vai doer no começo. Não posso fazer nada quanto a isso, mas vai melhorar.
Eu prometo que vai melhorar. Mas ficarei parado até que esteja pronta, certo?
— Dói agora. Apenas. Faça. Algo.
Ele se avolumou para dentro dela, rosnando, as rédeas de seu controle
instantaneamente esfarrapadas, o poder da união completa o arrebatando.
Ela gemeu, o som, uma mistura de dor e prazer.
Minha. Ela é minha agora. Reclamada. Possuída.
Ele permaneceu parado, conforme o prometido. Suor brotava dele. Seu coração
retumbava ante a inacreditável pressão dentro dele. Pressão ao qual resistiu com toda
a força. A qualquer segundo, ele cederia.
— Quer que eu... tire? — ele ofegou. Por favor, não queira que eu tire.
— Não. Faça! Finalmente faça... o que… eu preciso.
Ele quase riu. Quase.
Deslizou para trás e ela se apertou contra ele, tentando mantê-lo dentro. Então
golpeou para frente, dando mais a ela, mais forte, toda a esperança de recuperar o
controle desvanecida. Ele a invadiu completamente. Sua necessidade por ela era tão
grande, e ela gostava, ainda agarrada a ele, de novo implorando por mais, mais e mais.
— Você é tão gostosa. — gemeu. Contou o quanto a queria, precisava dela,
tinha que tê-la, e ela respondeu com gemidos suaves. — Não pense que um dia vou ter
o bastante.
— Kane.
— Sininho, minha Sininho.
O ritmo já frenético aumentou, e quando ela gemeu mais uma vez, desta vez de
modo mais agudo e quebrado, um testemunho de seu alívio, o prazer o consumiu
totalmente. Ele rosnou com a sublime satisfação.
Quando estremeceu pela última vez, caiu sobre ela. Drenado. Saciado.
Maravilhado.
Gemendo, ela disse:
— Isso foi... isso foi...
— Maravilhoso e incrível. — ele rolou para o lado, liberando-a de seu peso. —
Como você.
Ela beijou o pulsar acelerado na base do pescoço dele.
— Não é de se admirar que tenha feito isso tantas vezes antes de me
encontrar.
Sem condenação. Ainda sem julgamentos. Haveria alguma outra mulher como
ela?

192 | P á g i n a
— Querida, nada é comparável a isso.
Ela se aconchegou contra ele, uma gatinha satisfeita, esfregando a bochecha
contra o peito dele.
— Marido?
Oh, ele gostava de como soava.
— Sim. Esposa.
— Vamos fazer de novo.

***

Quando a manhã raiou, Josephina estava mais uma vez aninhada no calor do
corpo de Kane. Ela não tinha dormido, muito ocupada em maravilhar-se. O homem
desejado por todas a queria. O homem que não tolerava o toque de outras tinha
ansiado pelo dela. Agora ele se segurava nela como se não pudesse suportar deixá-la.
Como se ela significasse algo para ele.
Que vida maravilhosa vivia agora.
E que homem maravilhoso tinha ao seu lado. Ele provou do pior que a vida
tinha para oferecer, ainda estava machucado por dentro, talvez carregasse para
sempre as cicatrizes, mas se voltou para ela. Encontrou um pouco de paz com ela; ela
o estimaria para o resto da vida.
Uma vibração estranha tocou a pele de sua bochecha, e ela franziu o cenho.
— O que está acontecendo...
— É o meu anel. — Kane disse num tom ressoante de sono. — Está me
incomodando a noite toda, sacudindo meu braço, criando algum tipo de calor.
— Esse não é exatamente o comportamento normal de um anel.
— Eu sei. Aparentemente William é algum tipo de colecionador e estava
querendo trocar isso por um saco de Skittles. Não me pergunte onde ele achou. Eu não
sei.
— Huuumm, Skittles. — ela disse com um gemido de anseio.
Ele riu.
— Você trocaria sua pedra pelo doce, não é? Não importa. Não me responda.
Eu só vou querer colar a coisa com super cola no seu dedo.
Ela segurou o anel contra a luz, a joia cintilava regiamente.
— Mesmo sendo de tamanho gigante, eu não quero tirá-la. — era um símbolo
do compromisso deles um com o outro.
Ele beijou sua têmpora, gentil e doce, quase juvenil.
— Está com fome, esposa?
Esposa. Havia palavra mais bela?
— Estou faminta, na verdade. Marido. — Oh, sim. Esta palavra. Provavelmente
nunca se cansaria de dizê-la.
— Eu também. — ele falou, a voz abaixando. — Mas duvido que estamos
falando sobre a mesma coisa.
— Bem, estamos falando sobre sexo?
Ele gargalhou.
— Sim, mas seu corpo precisa sarar antes que este apetite em particular seja
saciado. Pela quarta vez. — ele a abraçou apertado e rolou, para depois levantar da
cama. — Cubra essas curvas perigosas, mulher, e eu a levarei para comer no

193 | P á g i n a
restaurante ao lado.
— Sim, senhor. — longas mechas de cabelo caíram pelos ombros quando ela
sentou-se. Seu corpo ainda doía e seu coração... bem, seu coração ainda tinha que se
acalmar. De todos os futuros que imaginara para si mesma, nunca vislumbrou um
assim.
Os músculos flexionavam enquanto Kane reunia as armas, a cueca, calça e
camisa. Os cabelos dele estavam bagunçados, as pálpebras pesadas e sensuais. Nu, de
pés descalços, ele foi até o banheiro e tomou um banho com a porta aberta.
Quando voltou numa nuvem de vapor usando a mesma roupa que tinha levado,
ele apontou o dedo para ela.
— Sua vez.
A tensão que tinha ostentado por toda a semana sumiu por completo.
Sorrindo, Josephina passou por ele — nua. Ele gemeu com os olhos nela como
se sentisse dor. Ela escovou os dentes e tomou banho, vestiu o odiado uniforme de
empregada.
— Preferiria usar as cortinas. — resmungou quando se juntou a ele na porta.
— Iremos às compras depois de comer.
Pouco tempo depois ela deslizava numa mesa nos fundos do restaurante, Kane
à sua frente. O lugar era decorado no estilo velha guarda, com chão de azulejos preto e
branco e paredes cobertas de lembranças dos anos cinquenta.
— Você tem dinheiro suficiente para pagar seu café da manhã? — Kane
perguntou enquanto estudava o menu.
— Não. — ele tinha deixado a mala dela em Séduire.
— Acho que terá de encontrar um jeito de me pagar. Waffles não são de graça.
— Ei. Nós somos casados. Você insistiu. Isso significa que tudo o que é seu, é
meu.
Os lábios dele repuxaram para cima.
— Então agora você concorda que estamos casados?
— Responda uma coisa antes. — ela falou, querendo provocá-lo como ele a
provocava. — Você é rico? Quero dizer, as histórias dizem que você é, mas só quero
ter certeza antes de prometer minha vida a você.
— Sou mais do que rico. Torin pode transformar qualquer um em bilionário.
— Sabia que havia uma razão para eu gostar dele. Mas, respondendo à sua
pergunta, sim, eu concordo. Seu dinheiro e eu somos um.
Ele parou de tentar esconder o sorriso e a deslumbrou com um conjunto de
dentes brancos como pérolas. Estou tão apaixonada por esse homem.
Uma garçonete usando uma saia bufante se aproximou da mesa fazendo
Josephina sentir-se menos notória em seu vestido. A mulher tinha uma caderneta e
uma caneta a postos.
— Posso anotar seu... uh... — ela olhou para Kane e suas palavras sumiram. Ela
arrumou o cabelo. — O-oi. Sou Claudia. Meus amigos me chamam de Claude.
Desconfortável, ele cutucou o colarinho da camisa.
— Nós queremos...
O prédio começou a sacudir e os fregueses arfaram. A garrafa de ketchup na
lateral da mesa estilhaçou, todos os cacos afiados voltados para Josephina, muitos até
mesmo cortando seu braço. Sangue derramou dos machucados.
Kane murmurou um palavrão, baixou o menu e levantou, puxando Josephina.

194 | P á g i n a
— Vamos. Precisamos ir.
— Desastre? — ela perguntou.
— Sim.
— Espere. — a garçonete chamou.
Ele ignorou. No momento em que pisaram fora, um carro bateu em outro bem
na frente deles. O impacto torceu um pedaço de metal destroçado que foi lançado na
cabeça de Josephina. Se Kane não a tivesse empurrado para o chão, teria sido
decapitada. Mas ele o fez, e o pedaço cortou pela janela do restaurante.
Vidro estilhaçou. Carros frearam. Pessoas gritaram obscenidades. Passos
batiam na medida em que os transeuntes corriam para longe.
Kane forçou que ela se levantasse, aumentando seu aperto, a pressão quase
quebrando seus ossos.
— Do que precisa? — ela perguntou — Como posso ajudar?
Silenciosamente ele a guiou para dentro do hotel. O prédio era alto e bem
cuidado, com carpetes felpudos e belos quadros nas paredes. Havia um lustre acima,
apesar de nada tão grandioso quanto os do palácio Fae.
— Kane?
Ele continuou em silêncio enquanto entravam no elevador, saíram para o
corredor e finalmente entravam no quarto.
— Fale comigo Kane. Por favor.
— Você vai ficar aqui. — havia algo de sombrio na voz dele, e não a olhava nos
olhos. — Saia e irá se arrepender. E não abra a porta para ninguém. Aliás... — ele disse,
tirando uma arma da cintura da calça. — Você sabe como usar uma dessa?
— Não. As mulheres Fae são proibidas de aprenderem como se defender.
A expressão dele obscureceu.
— Eu deveria ter começado a treiná-la como prometi, sinto muito por não tê-lo
feito. Mas não se preocupe. A arma já está preparada, completa com o silenciador.
Tudo o que precisa fazer é mirar e apertar o gatilho. — colocou a arma sobre o criado
mudo, as mãos trêmulas.
— Onde você vai?
Um momento se passou em silêncio.
— Planejo alimentar o demônio para que ele pare de tentar machucar você.
Pelo menos por algum tempo.

195 | P á g i n a
CAPÍTULO 26

Josephina caminhou em frente à cama maciça que tinha compartilhado com


seu marido há apenas uma hora, suas mãos espremidas juntas. A mudança em Kane a
assustou. Em segundos ele foi de afável e paquerador para o totalmente malvado. E
havia culpa nos olhos dele… tanta culpa tornava tudo ainda pior, pois estava ligada a
uma tóxica mistura de auto desprezo e vergonha.
Como ele planejava alimentar um demônio tão terrível? Se ele se colocasse em
perigo...
Com dificuldade para respirar, sentou-se na cama escorada nos travesseiros e
fechou os olhos. O máximo que já fez foi projetar sua imagem na mente de outras
pessoas; nunca tentou ver o mundo pelos olhos de outrem. Aqui e agora ela precisava
tentar.
Kane precisava dela, ele sabendo ou não. Se pudesse imaginar onde ele estava
poderia rastreá-lo e resgatá-lo. Ele não precisava mais lutar contra o mal sozinho, e ela
provaria isto.

***

— Você quer um desastre. — Kane murmurou. — Vou te dar um.


Quero a garota morta, era o que demônio rosnava sem parar. Morta, morta,
morta.
— Bom, você não vai conseguir essa. — ele morreria primeiro. Mas isso não
ajudaria ou ele o teria feito.
Ele se distanciaria de Sininho, iria tão longe dela que o demônio não seria
capaz de alcançá-la. Depois de ver aqueles cortes em seus braços... a gota vermelha…
Sim, distância era o necessário.
Para onde poderia ir?
Não. Não ele, Kane se deu conta. Ela. Ela tinha que ir. Ele ligaria para Lucien.
Mandaria o guerreiro vir buscá-la e escoltá-la até o Reino de Sangue e Sombras, como
o originalmente planejado. Kane ficaria longe dela e ela estaria segura.
O demônio ficaria satisfeito.
Ele pressionou o polegar na sua aliança, girando o metal. Logo o anel seria sua
única ligação com Sininho. Ele socou o edifício ao seu lado e o tijolo quebrou. Nunca
deveria ter tentado ter uma vida normal com ela. Não até que o demônio estivesse
morto.
Desastre riu.
Kane virou a esquina. Uma janela estilhaçou quando ele passou. As pessoas
gritaram assustadas e se esquivaram do mar de cacos.
— O que está fazendo agora? — ele rilhou, — Estou dando o que quer.
Você dá mesmo enquanto planeja minha morte. Talvez seja hora de eu acabar

196 | P á g i n a
com você e me libertar.
— Você ficaria louco, insano.
E já não estou assim?
Kane não entraria em pânico. Um veículo utilitário bateu em um poste de luz.
Uma bicicleta desviou e atingiu o meio-fio. A bicicleta capotou e caiu sobre Kane.
Rangendo os dentes, ele seguiu em frente.
— Você está machucando inocentes.
Eu sei. Não é incrível?
— Pare.
Vamos fazer um trato. Eu não tentarei te matar ou aos demais, se...
— Se?
Vê aquela mulher ali? Eu a quero. Dê ela para mim.
Do outro lado da rua uma mulher bonita estava parada do lado de fora de
uma loja, observando o caos no caminho.
— Não. — Kane estalou.
Um duto de água estourou, líquido de repente atirando para o céu. Dois
carros colidiram.
— Não. — ele repetiu, enxugando gotas frias de sua testa.
Um pássaro preto adernou do céu, batendo no peito de Kane antes de cair no
chão. Deu um grito doloroso enquanto penas voavam para todos os lados. Lutando
para respirar, debruçou-se para checar os danos causados ao pássaro. Tinha morrido
antes de ter feito contato.
A garota. Dê-me a garota.
Kane se endireitou, fechou os olhos por um momento. Sabia o que Desastre
realmente queria — que Kane traísse sua esposa, que arruinasse a confiança que
acabaram de construir e destruir qualquer esperança de um futuro. Então quando
Lucien levasse Sininho embora, a distância entre marido e mulher seria mais do que
física. Seria mental, emocional. E não importaria se Desastre estivesse morto ou não. O
dano já teria sido feito, qualquer esperança queimada. A vida de Kane arruinada.
Que catástrofe era melhor do que aquela?
Não posso fazer isso, pensou Kane. Não vou fazer isso.
E, no entanto, um segundo depois, quando um outdoor caiu da lateral de um
prédio e humanos correram para evitar serem esmagados, com a palavra apocalipse
reverberando em sua cabeça, ele se viu atravessando a rua e se aproximando da
mulher.
Talvez sua Fae nunca descubra. Desastre disse, com alegria na entonação.
Pode ser o nosso segredinho.
Não. Não haveria segredos. A verdade tinha meios de aparecer. Mais do que
isso, nunca esconderia algo assim dela. No fundo de sua mente, de repente sentiu
outra presença. Alguém gentil e suave, doce e inocente. Alguém que cheirava a pão
recém assado.
Sininho? Ele franziu o cenho, procurando na área por algum sinal dela sem
encontrar nenhum. Sua culpa devia estar pregando peças. Ou a culpa ou Desastre.
— Não vou fazer o que você quer. — ele disse.
Beije essa mulher e vou deixar você e sua Josephina em paz.
Sininho. Segura.
— Senhorita... — ele disse, ácido queimando sua garganta acima.

197 | P á g i n a
A mulher olhou para ele. Medo brilhava em seus olhos.
— O que está acontecendo aqui?
— Um monte de coisas perigosas. — ele falou. — Por que não me deixa
escoltá-la até um local seguro?
A janela atrás dela estilhaçou. Gritando, ela se jogou nos braços dele.
Uma mão aqui... uma boca ali... tão indefeso…
Lembranças o atingiram, rápida e duramente. Enquanto lutava contra a
urgência de se esquivar da mulher, do passado, de se esfregar da cabeça aos pés com
bucha de aço, gentilmente se desfez do aperto dela.
BEIJE-A!
Suor umedeceu sua testa. Atrás dele, o telhado de um prédio desabou.
A mulher estremeceu.
— É o fim do mundo. — ela sussurrou.
Como um... apocalipse.
Urgência correu por ele, juntando forças com o medo e o pânico.
— Jure. — ele falou para Desastre. — Jure que deixará Sininho em paz.
— Quem? — perguntou a mulher.
Eu juro.
Antes de se convencer a sair dali, Kane se inclinou e beijou-a. Ela enrijeceu,
mas não o afastou; a vontade de vomitar o atingiu e ele se endireitou. Num instante a
presença o deixou.
Desastre riu. Eu estava mentindo, é claro. Você é tão bobo por confiar em
mim.
Kane socou a parede de tijolos, sem se importar se suas juntas se quebrariam
com o impacto. Ele devia saber. O demônio faria de tudo para arruinar seu
relacionamento mais prezado — e provavelmente foi bem sucedido. E eu caí nessa,
tudo por uma mentira. Ele socou a parede novamente.
— E-está tudo bem? — a mulher gaguejou.
— Estive procurando por você. — uma voz masculina falou atrás dele.
O poder que soprava daquela voz o assustou. A Desastre também. O demônio
ganiu num medo repentino e se escondeu no canto mais distante de sua mente. Kane
girou e encontrou o olhar de um Enviado. O guerreiro não era alguém que ele
conhecesse pessoalmente, mas reconheceu o olhar verde de águia, as feições asiáticas,
as vestes branco brilhantes e, oh sim, as impressionantes asas branco-douradas
arqueadas largamente sobre os ombros musculosos, varrendo tudo no caminho.
— Quem é você e por que está aqui? — Kane gostava dos Enviados. Mesmo.
Eles ajudaram seu amigo Amun, o guardião de Segredos, no pior momento de sua vida.
Estavam treinando a esposa de Paris para guiar os Titãs para a luz. Não mataram
Aeron; não de modo permanente, pelo menos; quando ele se casou com uma da
família. Mas aquele não era um bom momento.
— Ah... com quem você está falando? — a mulher perguntou.
— Eu sou Malcom. — o guerreiro falou, agindo como se ela não estivesse ali.
— Estou aqui para checar você. Sabemos que esteve no inferno, mas escapou. Fui
mandado para encontrá-lo e verificar se estava mesmo bem e vivo.
— Estou vivo. — mas longe de estar bem. — É tudo?
— O-ok. — a mulher falou. — Eu não me importo se você pode me salvar do
fim do mundo ou não. Vou cair fora.

198 | P á g i n a
Passos soaram, mas Kane não tirou os olhos do Enviado à sua frente. Malcom
cruzou os braços na frente de seu peitoral sólido.
— Não, não é tudo. Seis demônios mataram a Divindade que era nosso rei e
estes demônios estão agora vivendo na terra, desesperados para possuir o máximo de
humanos possível. Se você está bem, pode nos ajudar a encontrá-los.
Sim. Ele ouviu falar sobre a morte do rei e sabia que haveria algumas
mudanças de gerência nos céus.
— Não posso ajudá-los agora. Desculpe. Olhe em volta. Vai notar que eu
mesmo estou tendo alguns problemas.
Uma pausa. Então...
— Acabei de vir do reino dos Faes. Onde você se casou?
— Sim. — Kane ergueu a mão esquerda e agitou os dedos, fazendo luzir
vergonhosamente, o símbolo que carregava. — E?
— E a mulher que estava beijando era humana. — o olhar do guerreiro se
afastou, apenas para retornar num estalo e cair sobre o anel. — Onde conseguiu isso?
— a pergunta foi completamente serena, mas ainda assim, atirada como um chicote.
Com as terminações nervosas à flor da pele, Kane disse:
— E como isso pode ser da sua conta?
Algo sombrio atravessou as feições do macho. Ele ignorou a pergunta,
exigindo:
— O que está fazendo aqui fora, sem sua mulher?
Destruindo minha vida. Ele fechou os olhos por um momento, desesperado
para escapar da realidade dura daquelas palavras.
— Observe-me enquanto não falo sobre isso com você.
O guerreiro bateu dois incisivos enquanto olhava para o anel, para Kane, para
o anel e finalmente para Kane.
— Posso adivinhar. Você carrega Desastre e está tentando alimentar a besta
para mantê-la calma.
Ouvir aquilo conseguiu irritá-lo plenamente.
— Se sabia, por que perguntou?
— Imaginei se você sabia.
— Bem, agora que esclarecemos tudo, você pode ir.
Malcom inclinou a cabeça para o lado.
— Você planeja matar o demônio?
— Sim.
— Você vai morrer também.
— Talvez não. Aeron era o guardião da Ira, mas agora está livre do demônio e
vivendo muito bem.
— Aeron ganhou um corpo novo.
— Então vou arranjar um corpo novo também. — Kane falou. Talvez houvesse
uma loja em algum lugar.
— Não é assim que funciona.
— Olha. O demônio já me deixou antes... — quando Sininho o sugou para
fora. — E fiquei bem.
— Você só ficou sozinho por um curto período de tempo.
E ele sabia disso como?
— Sim. E?

199 | P á g i n a
— E que a saída da criatura o esvaziará. Eventualmente, você teria morrido.
A descrença não perdeu tempo. Os Enviados não podiam mentir. Frustrado,
Kane esfregou uma mão pelo rosto.
— Explique.
— Pense num copo cheio de óleo. Quando o copo transborda, o óleo vaza.
Logo, não restará nada além de vazio.
E o corpo de Kane era o copo.
— Homens não podem viver no vazio. — Malcom fez uma pausa antes de
dizer. — Diga-me. Você odeia sua esposa?
O momento de camaradagem foi arruinado. Ele enrijeceu, pronto para atacar.
— Para trás, guerreiro. Não hesitarei em te dar um pé na bunda.
— Vou entender como se não, você não a odeia. Então por que estava
beijando outra mulher para acalmar o demônio? Isso não é necessário.
Kane segurou uma adaga. Como se atrevia aquele pedaço de… as palavras
“isso não é necessário” foram registradas, e ele parou.
— O que quer dizer com “não é necessário”?
— Vocês Senhores do Submundo... — Malcom disse balançando a cabeça —
estão lidando com o mal há tanto tempo que simplesmente o aceitaram. Vocês
pararam de lutar contra isso.
— Eu luto contra isso todo dia.
— Mesmo?
Ele prendeu o fôlego.
— Você está em terreno perigoso de novo, meu amigo.
Sem se afetar, Malcom olhou para o anel.
— O que você alimenta cresce mais forte. O que você deixa faminto morre
com o tempo.
Certo.
— Eu me perdi.
— Você é sempre tão obtuso?
— Você é sempre tão rude?
— Sim.
Enviados eram homens honestos.
— Estou alimentando o demônio para acalmá-lo. Ele está vindo à tona e
colocando minha mulher em perigo.
— Não, alimentar o demônio é o que coloca sua mulher em perigo.
— Não entendo o que diz. Ajude-me a entender. — Ele faria tudo para sair
daquele dia com Sininho ao seu lado. — Se deixo o demônio faminto, ele vai fazer
birra.
Malcom reclinou e cruzou os braços.
— Tanto faz. Quando você priva seu corpo de comida, seu estômago começa
a doer e a roncar alto em protesto. O demônio faz o mesmo. Quando fica com fome,
faz birra. Negue a satisfação e o poder dele vai enfraquecer.
Alimentar e passar fome. Vida e morte.
— Posso matar o demônio dessa maneira. — Kane falou, uma luz descendo
em sua mente. — Posso matá-lo de fome.
— Exato.
— Esvaziando-me.

200 | P á g i n a
O Enviado deu de ombros.
— Sim, isso também.
Matando Kane, portanto.
A realidade bateu duro, mas de verdade. Para manter Sininho segura para
sempre, ele teria que morrer. E se morresse, nunca teria sua vingança contra Desastre.
Como poderia? Eles teriam o mesmo destino.
Não haveria um felizes para sempre para ele.
Queria protestar. Lutar contra isso. Tinha que ter outro meio. Um jeito que o
deixasse vivo com sua esposa para sempre, para ver Desastre perecer e finalmente dar
a última risada. Mas bem ali, com o Enviado observando-o com óbvia pena, soube que
não tinha. E no final preferiria morrer e saber que Sininho ficaria segura, do que viver
sabendo que a punha em risco.
Ela era mais importante para ele do que... tudo. Mesmo a vingança.
Com o coração acelerado, Kane disse:
— Tenho que ir. — mas parou alguns passos depois, uma lembrança cruzando
a mente. — Não sei como ajudá-lo com seu problema demoníaco, mas sei que você
tem um amigo desaparecido. — ele falou, lembrando do que ouviu sobre o Enviado
Thane, de Taliyah. Malcom enrijeceu. — Ouvi falar que ele apareceu num dos campos
Phoenix. Aquele com um novo rei. Creio que o estão mantendo preso.
A esperança voou no olhar de Malcom.
Kane se colocou em movimento. Ele faria isso. Mataria o demônio de fome e
depois morreria. Não tinha certeza de quanto tempo levaria. Seria melhor ligar para
Lucien e colocar Sininho numa área segura antes que Desastre começasse a fazer
pirraça com as dores da fome, mas queria passar cada um de seus segundos restantes
com ela.
Quando o demônio emergisse novamente — e ele o faria — Kane
simplesmente acharia um jeito de protegê-la. Por que se ele morreria com um sorriso
no rosto, precisava dela ao seu lado.

201 | P á g i n a
CAPÍTULO
CAPÍTULO 27

No momento que Kane invadiu o quarto de hotel, Josephina lançou um


travesseiro na sua cabeça. Ele parou no meio do caminho, e ela lançou outro.
— Sua cobra! — Ela gritou. — Sua cobra horrível e desprezível!
A porta fechou com um ruído surdo. Ele levantou as mãos, todo inocência.
Como se ele não fosse um mentiroso e enganador escória que a traiu um dia depois do
seu casamento.
— Sininho, sou eu.
— Eu sei! — Ela arrancou o anel do dedo e lançou-o nele. A monstruosidade
bateu em seu peito antes de tombar no chão. Zangada desmedidamente, levantou a
arma que ele deu a ela e apontou o cano para o seu peito. Suas mãos estavam
tremendo, seu sangue tão quente quanto fogo. — Eu disse não só para salvá-lo, mas
insistiu para se casar comigo.
Escuridão desceu sobre sua expressão.
— Você planeja me assassinar para se livrar de mim? — perguntou tão
suavemente.
Rasgando-a por dentro.
Lágrimas rolaram dos olhos dela. O cabelo dele estava bagunçado, seus olhos
injetados de sangue e sua pele pálida. Obviamente, prazer demais com a loira da
calçada acabaram com ele. Sua roupa estava amassada e rasgada — a fêmea foi muito
áspera com ele? Seu estômago se revoltou.
— Sim! Eu vi você com ela. — ela disse com voz rouca. — Vi você beijando-a.
Depois que fez sexo comigo e prometeu ser fiel. — Algumas horas atrás teria chamado
de fazer amor.
Mas nunca mais.
Um músculo saltou em seu maxilar, o catalisador de uma frieza profunda e
sombria que começou a cair em suas feições.
— Você invadiu minha mente.
Plantando os pés no chão, ela levantou o queixo.
— Com certeza. — A princípio, ficou tão excitada pelo seu sucesso. Estava
vinculada a Kane de um modo que nunca esteve com outro, então é claro que podia
alcançá-lo de um modo que nunca poderia alcançar outra pessoa. Mas aí percebeu que
havia uma mulher bonita de pé diante dele, e ele não conseguia tirar os olhos dos
lábios dela.
Josephina quis morrer.
Ela também queria matar!
— Sininho. — ele disse.
— Não me chame de Sininho! Não sou sua Sininho. Não mais.
— Abaixe a arma e explicarei tudo que aconteceu.
— Não quero os malditos detalhes.

202 | P á g i n a
Ele passou uma mão pelo cabelo, fazendo com que as mechas ficassem em pé.
— Dê-me uma chance. Por favor.
— Eu dei! E você me traiu na primeira oportunidade.
— Odiei cada momento disto, juro. Desastre a quis, não eu. Ele estava
destruindo tudo ao meu redor. Eu quis acalmá-lo, isso foi tudo. Ele prometeu deixar
você em paz se eu a beijasse, e eu queria tanto que ele a deixasse em paz.
Ela não pôde ouvir Desastre enquanto estava na sua mente, mas certamente
ouviu Kane. Jure, lembrou-se dele dizendo. Jure que você deixará Sininho em paz.
Uma das lágrimas escapou, deslizando por sua bochecha.
— O que você faria se a situação invertesse e eu esmagasse minha boca na de
algum homem estranho, só para te salvar?
Seus olhos estreitaram.
— Eu o teria rasgado em pedaços, juntado de volta e então rasgado aos
pedaços novamente. — Ele se aproximou dela, agressão em cada passo. — Eu cometi
um erro terrível. Mas prometo a você, não teria feito nada mais.
— Não importa. Ainda dói.
— Nunca mais vou fazer isso, você tem minha palavra. — Outro passo mais
perto. — Um Enviado veio...
— Um Enviado? E fique onde está!
Ele congelou, sua boca curvou-se em uma careta torturada.
— Um Enviado é um guerreiro alado encarregado de lutar contra o mal, como
um anjo, só que... não é. Ele disse para que eu matasse o demônio de fome, não
importa o que Desastre fizer, e finalmente você estará segura.
— Oh, estarei muito bem segura. — ela disse baixinho. — Estarei segura longe
de você.
— Sininho. — Ele deu outro passo em direção a ela.
— Eu disse para ficar atrás!
Ele não fez. Aumentou sua velocidade. O instinto chutou e seu dedo dobrou no
gatilho. Pop. A arma de fogo recuou, fumaça saindo do cano. O horror a encheu.
Kane estava na frente dela um segundo mais tarde, roubando a arma de sua
mão e lançando-a em cima da cama. Antes que ela terminasse de quicar, o peso dele
bateu nela, prendendo-a.
— Vamos trabalhar em sua pontaria. Mais tarde.
— Solte-me! — Josephina lutou contra ele com toda sua força, batendo seus
punhos no rosto dele, no tórax, tentando derrubá-lo com seu corpo. Nenhuma vez ele
tentou desviar dos seus golpes.
— Sinto muito. — ele disse com voz áspera. — Eu sinto tanto. Não quis fazer
isto. Odiei a mim mesmo. Odiei estar lá. Odiei a mulher. Eu estava doente a respeito
disso. Só não via outra maneira, mas devia ter feito alguma coisa, qualquer outra coisa.
— Fique longe de mim! Deixe-me ir!
— Eu não posso. Não posso deixar você ir. Não sei quanto tempo temos juntos
e quero saborear cada segundo.
Ela se acalmou tempo suficiente para olhar para ele e ofegar.
— Você tem alguma ideia de como se sente ao ver seu marido beijando outra
mulher?
O silêncio se cobriu com vergonha.

203 | P á g i n a
Silêncio que a levou para uma loucura mais profunda. Ela explodiu, batendo
nele até que suas mãos estavam latejando e seus pulmões estavam queimando com a
potência das calças dele... até que tudo que pôde fazer foi desmoronar no colchão e
soluçar pela preciosa confiança que ele rasgou em pedaços.
Kane rolou de lado e abraçou-a bem apertado. Ele murmurou palavras
carinhosas para ela, afastando o cabelo de seu rosto. A respiração dele ventilou por
cima de sua bochecha, e ela odiou a sensação — porque adorava isto.
Finalmente, os soluços se aquietaram. Seus olhos estavam praticamente
fechados de tão inchados, e seu nariz estava entupido. Cada gota de energia que
possuía foi drenada dela, e ainda assim tentou se sentar.
— Eu não quero...
— Apenas me deixe segurar você. — ele implorou. — Por favor.
Ela relaxou contra ele porque não tinha nenhuma outra escolha. A vertigem
criou raízes e se recusou a partir.
As mãos dele abaixaram para seu pescoço e massageou-a, e ela pensou que ele
estava... trêmulas?
— Eu te magoei e desonrei, e sinto tanto, Sininho. Eu sinto tanto. Eu fui
estúpido.
Ela não ia responder. Não ia. Mas as palavras:
— Por que você a escolheu? — Escaparam dela, e ela se encolheu. A mulher era
tudo que Josephina não era: loira, tão delicada quanto a família real Fae, com mãos
suaves e pele pálida.
Ele enterrou o rosto no vão do pescoço de Josephina, dizendo.
— Eu não escolhi. Desastre é que fez.
Isso não deveria ter feito com que se sentisse melhor. Nada deveria ter feito ela
se sentir melhor. Mas... fez, ela percebeu.
— Eu sei que você está arrependido, Kane. Eu sei. Acredito que não estava
agindo por desejo. Mas não posso fazer isso. Não posso viver assim, sempre me
perguntando se você terá que fazer com outras mulheres para satisfazer o demônio.
— Vou matar o demônio de fome. Não farei nada para satisfazê-lo novamente.
— Você diz isto agora. Mas o que acontece quando sua fome se tornar demais
para suportar? Como posso confiar em você?
— O que está tentando dizer? — Ele disse com voz áspera.
Ela se armou de coragem.
— Eu não sabia que era uma pessoa tão ciumenta, mas sou e não acho que vai
mudar, e não acho que posso esquecer o que eu testemunhei. Então... estou...
deixando você, Kane. Não quero mais ficar contigo.
Líquido quente escorreu pela sua pele, como se... como se... Kane estivesse
chorando.
— Por favor, não me deixe. Eu preciso de você. Vou fazer dar certo, eu juro.
Nem sequer olharei para outra mulher, Sininho. Antes disso cortarei meus olhos.
Nunca vou tocar em outra mulher. Antes disso cortarei minhas mãos. — Seus braços
apertaram ao redor dela. — Por favor. Por favor. Preciso de você. Estarei no inferno
sem você.
Neste exato momento, ela estava no inferno com ele.
— Você não vai ter que me aturar por muito tempo, prometo. Por favor,
Sininho. Por favor.

204 | P á g i n a
Ele beijou sua nuca. Beijou a linha do seu queixo. Beijou sua orelha, sua
bochecha e sua sobrancelha, seus olhos e a ponta do nariz. Sua mente tentou
computar o que ele acabou de dizer. Algo em suas palavras a incomodou. Algo sobre
não ter que aturá-lo... por... Oh, meu... Ele lambeu a costura de seus lábios e ela
automaticamente abriu, seu corpo recém-despertado ansiando o que só ele podia dar.
Suas línguas se esfregaram juntas, e ela sentiu gosto de... sal. Ele tinha chorado.
Porque não podia suportar a ideia de ficar sem ela.
Desejo floresceu, urgente, insistente, traidor. Seu sangue aqueceu, e não tinha
nada a ver com raiva. Ela tentou permanecer quieta e imóvel, mas quanto mais ele a
beijava, mais profundamente ele a beijava, e mais profundamente ele a beijava, mais
ela gemia e gemia e se contorcia contra ele, desesperada por mais.
Quando ela tentou lutar com a resposta do seu corpo, ele arrancou sua roupa,
em seguida a dele, mas de alguma maneira seus lábios jamais deixaram os dela, não
lhe deu um momento para pensar além do prazer. Ele roubava o ar de seus pulmões,
fornecendo-lhe seu próprio ar. Sem ele, ela não podia respirar. Não queria respirar.
Pele contra pele. Calor contra calor. Suavidade contra o aço mais rígido. Ele a
rodeava. Estava duro, completamente excitado, e hiperfocado nela. Seu olhar a
observava medindo cada reação, sua mente calculando sua próxima jogada. Seus
dedos se moveram sobre dela, dentro dela, alimentando sua necessidade ainda mais.
Sua boca seguia.
— Deixe-me mostrar o quanto você significa pra mim. — ele suplicou enquanto
se levantava, colocando-se em seu núcleo. — Deixe-me fazer amor com você.
— T-tudo bem. — ela conseguiu dizer. — Uma última vez.
Seu olhar encontrou o dela, e oh, a dor que viu era devastadora. Quis pegar
suas palavras de volta, mas sua própria dor a sufocou antes que elas pudessem se
formar.
— Vou ganhar você de volta, Sininho. Ganharei sua confiança e você vai querer
ficar comigo.
Ele cobriu sua volumosa extensão com um preservativo e afundou nela.
Ela clamou, arqueando-se para levá-lo mais fundo.
Ele não se moveu por um longo tempo, simplesmente permaneceu nela até o
cabo, enchendo-a, fazendo-a ficar mais desesperada a cada segundo. Seus seios
doíam, tão necessitados. A fenda entre suas pernas latejava, praticamente chorando.
Sua pele ardia, tão febril. Seu corpo era uma zona de guerra, e ele era um soldado
determinado a vencê-la.
— Kane. — ela disse com um gemido. — Eu quero... preciso...
— De mim, Sininho. Você precisa de mim. — Ele deslizou pra fora... fora...
então de volta para dentro dela, e desta vez ele golpeou duro, fazendo-a ver estrelas.
— Vou te dar tudo.

***

Josephina despertou gradualmente, tornando-se lentamente consciente da


piscina aquecida em torno dela. Piscina aquecida?
Ela piscou abrindo os olhos, papel de parede ficando à vista. Estava no quarto
de hotel que compartilhava com Kane, ela percebeu, e na cama. Kane estava atrás
dela, seus braços embrulhados firmemente ao seu redor como se temesse que ela

205 | P á g i n a
fosse embora. Depois de fazer amor — uh, fazer sexo, eles devem ter adormecido.
Quantas horas passaram?
Cautelosamente ela se sentou, e o corpo dolorido da paixão da noite girou para
enfrentar seu mari... — o cara com quem estava dormindo. Ela se encheu de horror.
— Kane. Você está sangrando. — Seu pobre ombro... havia um ferimento
aberto expondo músculo, talvez até osso, e um fluxo vermelho escorrendo para o
lençol.
— O que está errado? — Ele perguntou sonolento, meio grogue.
— Você está sangrando. Atirei em você e nós dois pensamos que eu errei, mas
estávamos errados, porque agora você está sangrando.
Como ela, ele piscou abrindo seus olhos. Um sorriso lento ergueu os cantos de
sua boca.
— Você passou a noite inteira comigo.
— Escute. Você está ferido. Eu atirei em você.
— Não, você errou. Desastre de alguma maneira tirou a bala da parede e deu
outra tentativa para ela. Foi bem sucedido. Felizmente, a coisa atravessou. Agora, você
ouviu a parte sobre passar a noite inteira comigo?
— Você foi baleado enquanto eu estava dormindo, e não me acordou?
— Você precisava descansar. Como se eu fosse perturbá-la...
Como ele podia agir tão casual enquanto sangrava até morrer? Ela pulou da
cama e correu para o banheiro para reunir um copo d’água e panos limpos. Quando
retornou, ele rolou de costas e recostou nos travesseiros, a própria imagem da
satisfação masculina. Ela limpou-o da melhor maneira possível e aplicou pressão para
conter a hemorragia.
— Você deveria ter me contado. — ela repreendeu.
— Eu estava satisfeito e não queria que nada mudasse.
— Sim, bem. Sinto muito por ter tentado matar você. — ela disse com um
suspiro.
— Não sinta. Eu mereci.
— Não, não mereceu. — Ela cortou em pedaços a extremidade limpa do lençol
e envolveu o material ao redor do seu ombro, usando-o como bandagem. — O que
você fez com aquela mulher, Kane...
— Eu sei, Sininho Pequenina. — ele disse tristemente. — Eu sei.
Sininho Pequenina. Um novo apelido. Seu coração apertou dolorosamente.
— Você fez isto comigo e eu entendo, mas ainda dói.
— Nunca mais acontecerá de novo, eu juro, não importa o que Desastre faça ou
diga. Você é a única que eu quero, a única que terei. — Uma pausa pesada. — Vai ficar
comigo? — Ele perguntou baixinho.
Ela iria? A dor ainda nadava por suas veias. Kane era dela. Ele a escolheu acima
de todas as outras. Finalmente, ela importava para alguém que não fosse sua mãe.
Não era mais um zero a esquerda. Uma criada e escrava de sangue tornara-se a inveja
de cada fêmea Fae e provavelmente até de alguns dos homens. Mas quem invejaria
uma cornuda?
Ele disse que não faria isso de novo, como milhares de homens disseram para
milhares de mulheres ao longo dos anos.

206 | P á g i n a
Talvez ontem à noite ela pudesse ter se afastado dele. Mas o que o demônio
quis dizer de forma tão prejudicial — a bala — realmente a suavizou. Vendo Kane em
uma pequena poça de sangue, percebendo o quanto esteve próxima de perdê-lo...
Não estou pronta para perdê-lo.
Se — quando — o demônio agisse novamente, eles poderiam voltar a examinar
este tópico. Até lá...
— Vou ficar.

207 | P á g i n a
CAPÍTULO 28

Kane solicitou serviço de quarto. Depois que ele e Sininho comeram seu peso
em hambúrgueres e batatas fritas, ele passou o resto do dia ensinando-a como lutar
contra a maior e a pior das ameaças com seus punhos, lâminas e balas. Seu ombro deu
a ele um pouco de dificuldade, mas forçou a barra. Ela era uma aluna excelente,
natural — o que não era surpreendente, considerando que lutou seu caminho pra fora
do inferno sem qualquer treinamento. Ela ouvia atentamente, colocava seu coração
inteiro na prática, e o que lhe faltava em força ela compensava em velocidade e
astúcia.
Ele estava feliz. Queria prepará-la para a vida sem ele.
Quanto tempo levaria para matar Desastre de fome?
Você vai mudar de ideia, o demônio disse, mas não estava mais rindo.
Desastre não podia imaginar passar fome porque nunca experimentou isso;
inclusive agora, seu apetite estava saciado. Vendo a borda afiada de dor ainda
pairando nos olhos da Sininho... sim, Desastre tinha festejado. Mas isso não duraria.
Kane não deixaria.
Seja o que for que o demônio lançou nele, qualquer que seja o perigo que ele
encontrasse, agiu como um tolo e sucumbiu à própria natureza que ele desprezava.
Sininho estava conseguindo o melhor dele, e nada menos.
Quando sentiu que a forçou demais por um dia, deu-lhe um gentil empurrão
para frente.
— Tome banho. Nós precisamos partir. Não quero ficar no mesmo local por
muito tempo.
— Certo. — Arquejando e úmida de suor, ela desapareceu dentro do banheiro.
Ele quis se juntar a ela, mas não se atreveu. Não até que o convidasse.
Ela saiu um pouco mais tarde com uma toalha enrolada ao redor do seu
delicioso corpo miúdo. Cabelos tão negros quanto a noite gotejavam nas pontas.
— Sua vez.
Ele meio que esperava que ela tivesse ido embora quando terminou, por isso se
apressou e ainda assim encontrou-a de pé diante da cama, parecendo
surpreendentemente doce em um corselete de couro preto com laços roxos na parte
inferior e uma saia longa bufante com renda escura.
— Onde conseguiu essas roupas? — Ele xingou a si mesmo por ainda não tê-la
levado às compras, como prometido.
Ela se mexeu desconfortavelmente.
— Um cara com asas e com cabelos escuros e uma mecha verde espigada no
meio da cabeça apareceu, deixou cair um saco, piscou pra mim e sumiu.
Malcolm, o Enviado, percebeu com um pingo de aborrecimento. Ele deu um
passo fora do reino espiritual para o natural, estava claro.
— Você devia ter me pedido. — No momento em que seu tom brusco foi
registrado, ele se encolheu. Discagem de volta pra raiva. Pelo que lhe dizia respeito,
ela estava em um estado frágil, e ele tinha que pisar com cuidado.
Os olhos dela estreitaram.
— Não houve tempo.

208 | P á g i n a
Pelo menos ela não tinha gritado. Muito gentilmente ele disse.
— Da próxima vez, se alguém aparecer, não importa quem ou o que eles sejam,
não importa a rapidez com que eles apareçam e desapareçam, ou se achar que é meu
melhor amigo, me chame. Certo? Por favor. Só no caso de eu precisar intervir.
Ela acenou com a cabeça firmemente.
— Obrigado. — Ele vasculhou a bolsa e achou uma camiseta e calças simples,
largou a toalha e se vestiu.
Sininho deu as costas e ele teve que afastar a centelha de tristeza de lado. As
coisas nem sempre seriam tão tensas.
— Vamos cair fora. — ele disse. — Temos uma longa jornada adiante.
— Aonde estamos indo?
— Você sempre quis passar um tempo com os Senhores do Submundo, e eu
quero...
— Me descartar? — Ela interrompeu secamente.
— Não. Vou ficar com você.
Ele a levou para fora no calor e na luz do dia e esquadrinhou a multidão e
edifícios procurando por qualquer coisa suspeita. Ali perto da Times Square, onde
havia luzes piscando e lojas em todos os lugares, oferecia uma grande cobertura.
Ele ligou para Lucien, mas caiu na caixa postal. Em seguida, tentou Torin. O
guerreiro respondeu no terceiro toque com um tom cortante.
— O que?
O-kay. Um Torin não muito receptivo. Enquanto Kane conduzia Sininho por
uma esquina até um quiosque de café, ele disse.
— Estou em Manhattan. Preciso que Lucien me recolha. — Lucien podia riscar
de um local até o outro com apenas um pensamento, mesmo entre reinos. — Eu e
minha esposa.
No balcão, ele levantou dois dedos.
Torin deixou escapar com muita indignação.
— Esposa?
— Os rapazes não te contaram? Lucien, Reyes, Strider e Sabin estavam no
casamento.
— Eles estão um pouco ocupados inventando maneiras de achar Viola e
Cameo.
— Cameo? — Ele ficou tenso. — O que aconteceu com ela?
— A mesma coisa que aconteceu com Viola. Ela tocou a Haste de Partir e
desapareceu.
Uma inundação imediata de preocupação ameaçou sufocá-lo.
— O que está sendo feito?
— Anya conversou com um cara que ela conheceu quando estava na prisão. —
Torin disse. — Ele ajudou criar a Haste e assegurou que as fêmeas ainda estavam vivas.
Só estão presas.
Ele soltou um suspiro de alívio.
— Me dê os detalhes sobre a sua garota.
—O nome dela é Sininho...
— Josephina. — ela interrompeu em voz alta.
—... e é meio Fae. Uma da realeza, uma das filhas do rei deles. Espere até vê-la.
Ela é a mulher mais bonita que já foi criada. Mas tem tantos inimigos quanto nós.

209 | P á g i n a
— Ei. — ela disse. — Eu não tenho muitos, apenas um foi minha culpa. Na
verdade, não. A Phoenix é culpa sua também. Mas obrigada por dizer que sou bonita.
Duas xícaras fumegantes foram colocadas diante dele. Ele deu um passo ao
lado para acrescentar creme e açúcar nas duas, então deu uma para Sininho. Lembrou-
se do olhar de desejo que ela deu a um bule de café durante seu desjejum com a
família real.
Ele assistiu enquanto ela bebericava, fechando os olhos para saborear, e seu
peito se apertou com seu próprio desejo.
—... hora e lugar. — Torin estava dizendo.
— Espere. Desculpe. O que é que foi?
— Pare de cobiçar depois da bola e da corrente e escolha uma hora e um lugar
para se encontrar. — o guerreiro repetiu. — Vou me certificar que Lucien esteja lá.
— Duas horas. O antigo apartamento do Sabin.
— Deixa comigo.
Ele cortou a conexão. Então, aproveitando qualquer desculpa para tocar sua
mulher, deslizou o telefone dentro do bolso da saia dela.
— Guarde isso pra mim. — ele disse.
— Você acha que seus amigos vão gostar de mim? — Ela perguntou e
mordiscou a parte inferior dos seus lábios. — Os poucos que eu realmente encontrei
só me viram no meu pior.
Ele ouviu a incerteza no seu tom.
— O casamento foi seu pior? Querida, seu pior é o melhor da maioria das
pessoas. Meus amigos vão te amar. — Se não gostassem Kane daria algumas surras de
verdade. — Eles protegerão você com suas vidas.
— Sim, mas e se acharem que sou toda errada pra você?
— Impossível. Você é perfeita para mim. Além disso, espere até conhecer as
esposas deles. Ou já ouviu histórias?
Ela sacudiu a cabeça.
— Novos relatórios de suas façanhas mais recentes ainda não chegaram para as
massas.
Era humilhante saber que nunca perceberam que estavam sendo espionados.
— Bem, Sabin e Strider são consortes das sanguinárias Harpias. Lucien está
comprometido com a Anarquia. Todas as três fêmeas são irritantes, estão sempre
roubando armas do meu quarto, mas como elas diriam, são simplesmente
megaincríveis — e você também.
Um sorriso — pequeno, mas lá.
— Obrigada.
Ele disparou.
— Existe alguma coisa que gostaria de comprar antes de eu levá-la pra fora da
cidade? Qualquer coisa mesmo. Pretendo conseguir algumas roupas para você, mas
também podemos pegar sapatos, bolsas, joias, qualquer coisa que quiser. — Se tivesse
que comprar seu afeto, ele iria. Não se importava do quanto aquilo o tornava patético.
Só queria fazê-la feliz.
— Não. Realmente, estou bem.
As vibrações em seu anel de casamento se intensificaram significativamente,
surpreendendo-o. Franzindo o cenho, segurou a banda de metal contra a luz. No

210 | P á g i n a
centro, como se a banda fosse uma tela de cinema, assistiu Red abrir caminho pela
multidão.
Kane levantou o olhar — e viu Red, abrindo caminho pela multidão
empurrando, aproximando-se dele. O anel sabia, ele estava... avisando-o?
— Algo está errado? — Sininho perguntou.
— Sim. Já pegaram nosso rastro. — Ele jogou seu café na lixeira e fez o mesmo
com o de Sininho.
— Ei. — ela resmungou. — Eu não tinha acabado.
— Desculpe. Não quero que você se queime. — Ele avançou, saiu empurrando
os humanos, arrastando Sininho com ele. Com a mão livre sacou um punhal.
— Quem está nos seguindo?
— Um dos filhos do William. — Não. Apague isto. Todos os filhos do William
provavelmente estão aqui. Aqueles quatro eram como formigas: nunca estavam
sozinhos.
— O que eles são, afinal?
— Problemas. — E não chegariam perto de Sininho. Ele os mataria primeiro.
Sim. Estava na hora de matar, decidiu. Ele avisou os Rejeitados do Arco-íris
sobre o que aconteceria se viessem atrás de Sininho. O aviso foi uma cortesia para
William. Sua última cortesia. Os garotos não escutaram. Agora Kane seguiria adiante.
— Vou te esconder em uma das lojas, certo? Preciso ter uma conversa com os
garotos e não quero que você...
— Kane! — Sininho desapareceu.
Não, não foi Sininho. Kane. Não estava mais correndo pela calçada com sua
mulher atrás dele. Estava parado em um corredor estreito com névoa branca
flutuando ao seu redor. Um grito de negação dividiu seus lábios quando virou-se pra
direita e pra esquerda, procurando por Sininho.
Ele enfiava as garras pela névoa, só para descobrir — mais névoa. Verificou seu
anel, mas não havia mais um reflexo. Pânico se instalou. Onde estava? O que
aconteceu? Não eram muitos os seres que tinham o poder de riscar outra pessoa sem
tocá-la. Somente a realeza grega e os Titãs, e...
As Moiras, percebeu com um medo doentio. Elas usaram seus poderes para
transportá-lo de Nova York até sua casa no nível mais baixo dos céus.
Ele se apressou pelo corredor. Esteve aqui antes, conhecia o caminho e não
precisava olhar para saber que as paredes eram compostas de milhares e milhares de
fios trançados. Aqueles fios vibravam, ganhando vida, jogando cenas de sua vida —
passado, presente, e talvez até futuro — mas não se permitiu parar e estudá-las.
Ele teve o cuidado de respirar o mínimo possível. O ar era misturado com algum
tipo de droga, algo para mantê-lo flexível e talvez até mesmo sugestionável. Sininho
pensava que as Moiras operavam dessa forma, que não eram realmente controladoras
do destino, mas sim massageadores dele, empurrando e amassando, enganando, até
que suas vítimas estivessem maleáveis em suas mãos, seguindo cegamente onde quer
que os levassem.
Não eu. Não mais.
Chegou ao fim do corredor e entrou no quarto de tecelagem. As três bruxas
estavam sentadas em banquinhos de madeira, cada fêmea curvada sobre o tear com
seu cabelo longo, branco e crespo por cima dos ombros.
Klotho tinha as mãos manchadas e girava os fios.

211 | P á g i n a
Lachesis tinha dedos nodosos e tecia aqueles fios juntos.
Átropos tinha olhos sem pupilas e cortava as pontas dos novelos.
— Enviem-me de volta. Agora. — Na última vez que esteve aqui, ele mostrara o
maior respeito. Manteve seu tom no nível, seu olhar desviado. Desta vez ele puxou
suas exigências, seu olhar direto. O resultado era muito importante.
— Você tomou um caminho errado. — Klotho gargalhou.
— Um caminho tão errado. — Lachesis reiterou.
— Caminhos ruins levam a fins ruins. — Átropos disse sem qualquer inflexão. —
Você devia ter casado com uma outra. Ou duas.
Não. Não, ele não acreditaria nisso. Sininho pertencia a ele, e ele pertencia a
ela. Não queria mais ninguém — não teria mais ninguém.
— Ainda há tempo para mudar de rumo. — Klotho acrescentou.
— Oh, sim, ainda há tempo. — Lachesis reiterou.
— Esta é a única maneira de você sobreviver à dor. — Átropos disse.
Kane avançou com toda a intenção de sacudir as fêmeas até a submissão.
— Me. Enviem. De. Volta.
Klotho olhou pra cima e franziu o cenho.
— Você está arruinando nossa tapeçaria, guerreiro. As cenas que você está
criando não são tão coloridas quanto as que queremos criar.
Elas predisseram seu futuro pelas cores que suas ações dariam ao cobertor
delas? Inconcebível!
Rugindo, Kane cortou com seu punhal os fios mais perto dele. Avançou e saiu
cortando mais. Todas as três bruxas ofegaram com horror.
— Vocês vão me enviar de volta para minha esposa ou suas gargantas serão as
próximas.
— Você não iria! — A do meio ofegou.
— Se você já viu meu passado e obteve um vislumbre do meu futuro, sabe que
eu farei muito pior do que isto. — Determinado, ele espreitou adiante.

***

Num segundo Josephina estava sendo arrastada por Kane, no outro estava
sozinha no meio de uma calçada lotada. O choque a fez tropeçar em uma parada, mas
rapidamente se endireitou. Onde ele foi?
Ela deu meia volta procurando a área, tentando não entrar em pânico. Pessoas,
pessoas, tanta gente, cada uma em uma missão, marchando em todas as direções. Um
edifício aqui, um edifício ali. Pássaros na calçada bicando o lixo.
— Kane. — ela gritou.
A senhora ao lado saltou para trás como se ela fosse louca.
— Kane. — ela gritou novamente. Não houve resposta.
Ele a... abandonou? Decidiu que ela era problema demais?
— Alguém deve ter riscado com ele para longe. — uma voz disse atrás dela. —
Isso é perfeito. Estivemos procurando por você, fêmea.
Tentando não gritar, ela deu a volta de repente e encarou o macho de seus
pesadelos. O belo Red, capaz de se transformar no monstro que ela atraiu pra si
mesma.

212 | P á g i n a
Primeira regra na luta, pensou, recordando as regras do Kane. Aja de modo
casual.
— Eu não sei por que. Não quero nada com você.
— Queremos passar um tempo com você.
Raiva queimou por ela.
— Eu te aconselho a reconsiderar. Eu mordo.
Seus irmãos deram um passo ao lado dele, flanqueando-o, e todos os três
olharam fixamente para ela com absorta fascinação.
— Por você, não me importarei com marcas de dentes. — Black respondeu.
Os humanos continuaram a caminhar ao redor dela, as mulheres parando para
dar aos guerreiros uma segunda e uma terceira olhada, como se estivessem
interessadas em trocar números de telefone antes de perceber que os machos não
eram do tipo de brincar e sair correndo.
Recusando-se a recuar, ela disse.
— Eu sei o que você realmente quer e minha resposta é não. Minha habilidade
só funciona com o meu consentimento.
Red ofereceu a ela um sorriso lento.
— Conseguir seu consentimento não será um problema.
Se ele esperava intimidá-la, bem, acabou de fazer um ótimo trabalho. Ela
estava certa que nunca existiu um sorriso mais frio.
Segunda regra da luta. Não tenha medo de exibir suas armas. Às vezes o medo
afasta as pessoas.
— Estou disposta a lutar pela minha liberdade. — ela disse, orgulhosa de sua
falta de tremor. Ela retirou a lâmina que Kane deu a ela. Onde ele estava?
— Você vai perder. — Red respondeu a questão com naturalidade. — Mas não
se preocupe. Teremos cuidado com você.
Black e Green acenaram com a cabeça.
O medo quase a derrubou.
Eles se aproximaram.

***

Kane apareceu no lugar exato que ele partiu. Só que Sininho não estava lá.
Correu para o apartamento de Sabin, o olhar constantemente esquadrinhando,
procurando por qualquer sinal dela. Cada segundo era uma agonia. Quando chegou ao
seu destino, ele irrompeu pelas portas.
Lucien deu um pulo do sofá franzindo o cenho.
— Onde está a garota?
— Eu não sei. — Prestes a hiperventilar, Kane passou uma mão por seu cabelo.
— Eu tenho que achá-la.
Os Rejeitados do Arco-íris não a matariam, ele sabia muito bem, mas oh, ela
poderia querer morrer quando eles terminassem com ela. Podia estar sentindo dor
naquele exato momento, e o pensamento o torturou.
— Coloque Torin no telefone. — ele disse numa voz rouca e áspera. — Preciso
saber o que aconteceu, e não me importo quantos bancos de dados e sistemas de
segurança ele tenha que invadir para descobrir.

213 | P á g i n a
CAPÍTULO 29

O Reino de Sangue e Sombras

Torin não levou muito tempo para desencavar o vídeo que Lucien solicitou para
Kane.
— Eu sinto muito. Só mais um segundo. — ele disse, então enviou uma
mensagem com a filmagem para os dois. Feito isso, ele fez sua cadeira rodar.
Primeiro, seu olhar bateu na pintura ainda descansando ao lado da sua porta.
Ele não tinha espiado.
Segundo, a fêmea que estava sentada na beirada da sua cama.
O mistério do nome dela ainda não fora resolvido, mesmo ela vindo todos os
dias, conforme o prometido. Em um esforço para relaxá-la ele não forçou a barra para
obter informações, mas permitiu que ela observasse como pesquisava sobre a Haste
de Partir, procurando por respostas sobre Cameo e Viola, o tempo todo começando a
conhecer seus maneirismos, seus hábitos. Ele a tinha alimentado. Permitiu que ela
vagasse no confinamento do quarto.
O que racharia sua concha dura?
— Você é muito bom para seus amigos. — ela disse.
— Eles também são muito bons para mim.
— Você os ama.
— Muito.
Ela mordiscou o final de um morango que ele deu e lambeu o suco dos seus
dedos.
— Eu tenho uma amiga. — Um minuto de silêncio. — Eu sinto saudade dela.
Finalmente. Informações pessoais. Fácil. Não force a barra muito rápido nem
muito duro.
— Ela... morreu?
— Não. Eu a vejo todo dia e falo com ela, mas sempre há olhos e ouvidos à
espreita, então nossas conversas são limitadas.
— Quem espreita? — Ele perguntou, pisando leve.
— Os outros.
O que não lhe dizia nada — mas já era um começo.
— Os outros escutam você e sua amiga... — Ele apoiou os cotovelos nos
joelhos, tentando parecer relaxado em vez de ansioso espumando pela boca. — Qual é
o nome dela?
— Provavelmente seria melhor se não soubesse. — ela disse. — Mas... vou te
contar o meu.
— Por favor. — ele disse correndo.
— Eu sou... Mari.
Entusiasmado ao saber este novo detalhe, ele quase disparou pra fora de sua
cadeira para bater o punho no teto.
— De onde você vem, Mari?
— Do... passado. — ela sussurrou, olhando para seus pés nus.
— Eu não entendo. Passado?

214 | P á g i n a
— Cronus me arrancou do passado e me aprisionou em uma de suas casas. Eu
não sei quantos anos se passaram antes de minha amiga ser colocada na cela de frente
à minha. Eu não posso visitá-la e nem ela pode me visitar. Podemos apenas conversar
uma com a outra através das barras.
Uma prisão? Ele retirou os arquivos mentais que mantinha sobre ela e
comparou com aqueles que via agora. Seu cabelo claro estava embaraçado a cada
novo dia, sua pele riscada com sujeira, apesar dos banhos que tomou aqui. Mas o
medo lentamente desapareceu dos olhos dela, e a comida que comeu fez com que
suas bochechas ficassem cheias.
— Cronus está morto. — ele disse. — Você não tem que retornar. Pode ficar
aqui sem medo.
— Você ainda não entende. Ficamos presos ali, amarrados de alguma maneira.
Não temos água, nem comida e mal conseguimos sobreviver... não sei como. Ele deve
ter feito alguma coisa conosco.
Sim. Existiam maneiras de manter prisioneiros nutridos sem realmente
alimentá-los. Maneiras que mantinham os prisioneiros dóceis e fracos.
— Tentamos cavar nosso caminho pra liberdade, mas até agora não tivemos
sorte. Posso riscar pra dentro e pra fora para encontrar com você, porque Cronus
providenciou isso antes de morrer, mas ninguém mais pode partir, nem mesmo
riscando.
Raiva iniciou pequenas fogueiras na sua circulação sanguínea. Ele ainda não
tinha ideia do que significava “vindo do passado” — viagem em tempo real? Ou ela era
uma imortal que Cronus encontrou, digamos, na Idade Média e o monarca a manteve
encarcerada por todos estes séculos?
— Você devia ter me contado mais cedo. — ele disse, ainda tentando um tom
gentil.
— Eu não conhecia você. Não sabia o que eu... queria com isso.
— Eu posso te ajudar. As casas do Cronus foram entregues a uma de minhas
amigas — Sienna Blackstone. Esta amiga também tem as habilidades e poderes do
antigo rei Titã. — A maior parte deles, de qualquer forma. — Se você contar a ela tudo
que sabe sobre a casa, ela vai encontrá-la e libertar você e sua amiga.
Esperança brilhou nos olhos que ficaram escuros.
— Sério?
— Sério. — E então você pode ficar comigo.
Com a mão tremendo acima do seu coração, ela se levantou de um pulo.
— Eu não sei o que dizer.
— Diga obrigado. — No momento, isso seria suficiente.
— Obrigada, obrigada, mil vezes obrigada. — ela disse com um sorriso.
— De nada.
Ele ficou de pé.
— Vou chamar Sienna. — Ela dividia seu tempo entre o treinamento com os
Enviados e caçando os Tácitos, monstros que agora estavam livres. — Ela virá te
conhecer e poderemos iniciar nossa busca. Concorda? — Ele estendeu sua mão.
Ela olhou para a luva, depois para seus olhos, então novamente para a luva.
Lentamente ela removeu o material, e... ele deixou. Não teve coragem de detê-la.
Então ela estudou a mão que não viu o sol em décadas e engoliu em seco.
— Mari?

215 | P á g i n a
— Concordo. — Ela colocou sua palma na dele, entrelaçou seus dedos e
tremeu.
Sua resposta deixou-o embaraçado. Seu corpo imediatamente reagiu, como se
estivesse se preparando para o tipo mais sujo de sexo. Sua pele formigou como se
chamuscada por uma chama viva, e seu sangue fundiu-se.
Devia. Ter. Mais.

***

Cameo andou de um lado a outro nos limites do escritório. Isso era esquisito.
Visualmente, nenhuma parte da sala estava fora dos limites. Ela podia ver tudo. A
escrivaninha, a cadeira, as estantes de livros, as prateleiras de vidro. Mas não podia
andar por toda parte.
Sempre que se aproximava das prateleiras experimentava um momento de
vertigem, piscava e achava seu nariz no canto mais distante da sala.
O mesmo tinha acontecido com Lazarus, mas apenas uma vez. Depois disso, ele
desistiu. Agora estava encostado na parede mais distante, observando-a com diversão
irônica.
— Será que o cara ainda está lá? — Ela perguntou. — E você nunca me disse
quem ele é.
— Sim, ainda está lá. Mas é mais monstro do que homem. E seu nome? Não.
Não vou falar.
Por que não?
— O que ele está fazendo?
— Observando você.
O pensamento a irritou em cada nível.
— Por que não posso vê-lo? Por que não posso chegar até ele? — E onde
estava Viola? O que aconteceu com ela? Ainda estava presa dentro da Haste? — Você
me levou a acreditar que eu estaria envolvida em uma batalha perigosa.
Ele fez um gesto de desdém ante as suas palavras.
— Eu estava errado. Isso já aconteceu antes.
— Bem, pare de ficar sem fazer nada e me ajude a encontrar uma solução.
— Não. Eu entendo por que o monstro está se divertindo tanto. Ver você usar
os mesmos métodos toda vez e falhar do mesmo modo, só para tentar alcançá-lo é
altamente divertido.
E daí? Irritante.
— Espero que você sufoque com sua própria língua.
— Por quê? Pra que você possa desenterrá-la com a sua?
Argh!
— Você está me paquerando?
— Que gracinha. — Ele olhou além dela. — A bela guerreira não sabe a
diferença entre uma questão informada e uma paquera.
Ele estava falando com a besta invisível? Seu suposto inimigo?
Ela marchou para a parede onde ele se sentou e afundou ao lado dele.
— Terminei sendo o entretenimento da noite.
— É uma pena. — Seu olhar escuro varreu-a vagarosamente. — Você é
bastante atraente, fêmea, mas sua voz precisa ser trabalhada. Muito trabalhada.

216 | P á g i n a
— Insultos de você? — Ela tamborilou suas unhas nas coxas. — Eu me lembro
de você, sabe? Alguns meses atrás você assistiu os Jogos das Harpias com Strider e
Sabin. Você é o consorte da Harpia no comando.
Fogo crepitou em seu seus olhos — fogo literal.
— Não sou consorte de ninguém.
Ela atingiu um nervo, não é?
— Eu me pergunto o que sua consorte diria sobre isto. Eu a conheci. O nome
dela é Juliette, né?
Suas narinas inflaram, uma prova da fúria efervescendo dentro dele.
— Quando eu sair deste escritório, e eu vou, ela estará muito ocupada sendo
morta para dizer qualquer coisa.
— Porque você planeja matá-la?
— Sim. — Simplesmente declarou, não deixando nenhuma dúvida que ele
estava falando sério. — Certa vez eu escolhi a morte acima da companhia dela. Farei
novamente, sem problema — só que desta vez, farei em sentido inverso.
— Talvez eu mate você e a presenteie com a sua cabeça. — ela respondeu
agradavelmente.
— Talvez eu corte sua língua e faça um favor ao mundo.
Ela rangeu os dentes.
— Talvez eu estripe você só de brincadeira.
— Talvez eu tire sua vida com uma punhalada a faça a mim mesmo um favor.
Chega! Cameo se levantou de um salto e gesticulou para ele.
— Você quer fazer isto, guerreiro? Porque estou pronta. A qualquer hora. Em
qualquer lugar.
Lazarus desdobrou seu corpanzil e se endireitou.
— Você não quer me desafiar, menina. Vai perder.
Ela ficou peito a peito com ele.
— Penso diferente. Em ambos os casos.
Ele enquadrou a ampla largura de seus ombros, permanecendo de pé, nem um
pouco intimidado. Um erro que muitos homens cometeram.
— Faça seu pior então. Mas não tenha dúvidas, em seguida farei o meu.
Não. Ela não faria o seu pior. Era isso que ele esperava, talvez até quisesse. Ela
simplesmente iria por outra rota e o surpreenderia.
Como uma criança, ela forçou a barra com ele o máximo que pôde. Sua
expressão de espanto foi impagável quando ele tropeçou para trás e na parede — não,
através da parede?
Ofegando, Cameo correu para o espaço que ele ocupou por último. Em um
segundo ela estava de pé dentro do escritório, no outro estava do lado de fora.
Árvores balançavam em uma brisa suave. Um rio corria e infiltrava-se sobre as pedras
lisas. Pássaros cantavam enquanto voavam pelo céu ensolarado. Nuvens brancas
flutuavam, serenas e perfeitas.
— O que você fez comigo? — Lazarus exigiu, caminhando a passos largos da
sombra de uma das árvores para encará-la.
— Eu? Você atravessou a parede, e eu devo ter seguido.
Ele deu meia volta, parecendo entender tudo de uma vez. Ele endureceu.

217 | P á g i n a
— Acho que estamos nos movendo entre as dimensões. — ele murmurou,
claramente falando consigo mesmo. — Isso significaria que a Haste cuspiu a gente em
outra dimensão, o escritório era uma, e esta é outra.
Esta foi a primeira vez que ouviu falar de dimensões diferentes.
— Importa-se de explicar o que quer dizer para o resto da classe?
Ele esfregou uma mão pelo rosto.
— Existem dois reinos. Natural e espiritual. Entre os reinos há dimensões —
bolsões de vidas presos entre o natural e o espiritual.
O medo envolveu dedos rígidos ao redor do seu coração.
— O que isso significa para nós?
Os olhos dele estavam mortos quando disse.
— Nós nunca vamos voltar para casa.

218 | P á g i n a
CAPÍTULO 30

Nova York

A fúria de Kane provou não ter limites. O rapto de Sininho foi captado por uma
câmera de segurança nas proximidades, o que permitiu a ele assistir a maneira que
Red, Black e Green a encurralaram e agarraram. Ela lutou do modo que Kane a
ensinou, acertando Red no olho, mas não era páreo para a força dos imortais e eles a
puseram para dormir com pressão em sua carótida, levando-a para longe, logo
desaparecendo de vista. Ele caçou como se sua vida dependesse desse sucesso, pior, a
vida de Sininho, mas os três cobriram seus rastros muito bem.
Eu devia ter matado aqueles cães de caça do inferno quando tive a chance.
Kane jogou-se e virou na cama irregular de motel. Precisava relaxar e se
concentrar. Planejou chamar Sininho de alguma maneira através de seu vínculo,
forçando-a a projetar sua imagem na mente dele. Eles conversariam. Ela diria onde
estava.
Ele se obrigou a fechar os olhos. Lucien se recusou a sair do seu lado e estava
agora descansando confortavelmente na outra cama, Anya se envolveu no seu corpo.
— Eu sou um selo de carta ambulante. — ela disse sorrindo, antes de se
afastar.
Lucien não queria passar a noite sem ela. Realmente, Lucien não podia
funcionar algumas horas sem ela. Era repugnante. Era embaraçoso.
É isso que eu sinto com Sininho.
Desastre riu. Pena que você nunca mais vai vê-la novamente.
O demônio estava no melhor humor de sua existência. Apesar de Kane ter
esperança de não fornecer nutrição nenhuma, ele inconscientemente preparou outro
banquete — e ainda estava esperando. A escuridão de suas emoções se tornou uma IV
interna para o demônio, oferecendo força e contentamento, não importa o que
acontecesse ao redor dele.
— Sininho. — Kane gritou por dentro. — Sininho, preciso de você. Preciso tanto
de você. — Mesmo quando ela foi conferida a ele, nunca foi capaz de resistir,
ajudando-o.
Não houve nenhuma resposta.
Hora para outra tática...
— Fada Sininho. Josephina. Esposa! Você tem cinco segundos para aparecer ou
da próxima vez que eu encontrá-la eu a porei nos meus joelhos.
Ainda nenhuma resposta.
— Um. Dois. Estou falando sério, eu quero dizer isto. Três. Quatro. Última
chance de se poupar da humilhação de minha ira. En...
Névoa chegou, cercando sua cama. Então Sininho estava de pé acima dele.
— Você não vai me colocar nos seus joelhos, seu... seu... homem das cavernas!
Cada célula de seu corpo gritou de alívio. Tinha funcionado.
— Você está bem?— Ele exigiu. — Os guerreiros machucaram você?— Não
existia nenhuma contusão em sua pele e as roupas que Malcolm deu a ela estavam
ainda intactas, sem dano.
Se Lucien e Anya o ouviram, eles o ignoraram.

219 | P á g i n a
— Eu estou bem. — ela disse. — Os caras têm realmente sido gentis, fazendo o
melhor que podem para me conquistar, de forma que eu decida viver com eles para
sempre, e imagino, fazê-los meus maridos. — Ela examinou Kane, e o que permaneceu
da ambivalência deixou-a em um piscar de olhos. — E quanto a você? Disse que
precisava de mim. Há algo errado?
— Claro que há algo errado. Você não está ao meu lado. E o que quer dizer que
você me ouviu? Por que não respondeu imediatamente? — Ele exigiu, mas já sabia a
resposta. Ele ainda estava na casinha do cachorro.
Com o queixo tremendo, como se de repente estivesse lutando com as
lágrimas, ela disse:
— Eu não sou impotente. Não mais. Estou lidando com as coisas.
— Eu sei, Sininho Pequenina. Eu sei. Mas sinto sua falta. Quero você comigo
todos os dias da minha vida. Não sou completo sem você. Deixe-me ir para você.

***

Josephina perscrutou Kane, suas palavras doces ecoando em sua mente. Não
sou completo sem você. Ela tinha que perdoá-lo pelo beijo, não é? Ela teve a tocha da
amargura tentando muito diligentemente crescer raízes profundas em seu coração ou
estaria presa neste estado para o resto de sua vida. Ele fez o que fez por desespero e
pelo desejo de protegê-la. Prometeu nunca mais fazer isso e ela acreditou.
Ele quis fazer as coisas darem certo entre eles, mas até agora ela não deu uma
chance. Ele pediu, sua voz batendo através de uma porta que eles de alguma maneira
abriram entre suas mentes — eu preciso de você — e seu coração acelerou em uma
batida selvagem de excitação, ela ignorou o desejo de responder a ele. Pelo menos por
enquanto.
Ela somente... não queria que ele a visse assim. Derrotada. Não novamente. Ao
contrário dos Fae, ele valorizava a força de uma mulher. Então ela quis se provar digna
e livre, surpreendendo-o.
Ela seria tudo. Tcharam! Aqui estou eu. Olhe o que fiz por mim mesma. Eu não
sou espetacular?
Ele nunca mais pensaria em beijar outra mulher só para protegê-la.
Mas, neste ritmo, Josephina não podia jamais ficar livre.
Então teve que fazer algumas escolhas. Ou acreditava que Kane a queria, não
importa o que, ou teria que deixá-lo ir. Ou ela o perdoava completamente e ficava com
ele ou mantinha sua dor e amargura e permanecia sozinha. Não podia ter ambos. Se
não pudesse confiar, se não pudesse perdoar, mas ficar com ele de qualquer maneira,
ela continuaria a dar coices nele, e conhecia muito bem o que tal tratamento cruel
podia fazer a uma pessoa.
— Kane. — ela disse.
Ele afastou o olhar dela.
— Sim, Sininho.
Ele pensou que ela iria rejeitá-lo, percebeu.
— Projete-se para mim.
Ele sabia o que ela quis dizer, e um segundo mais tarde estava de pé diante
dela, olhando-a com esperança.

220 | P á g i n a
Seu coração apertou quando ela colocou os braços ao redor do seu pescoço e
segurou firme.
— Estou realmente feliz por que você me chamou.
Ele enterrou o rosto no vão do seu pescoço.
— Está?
— Estou. — As lágrimas voltaram, mas desta vez, elas se originaram de um
poço de alegria. — Eu posso te perguntar uma coisa?
— Qualquer coisa. A qualquer hora. Sempre. — Ele se endireitou limpando os
cantos dos olhos com os polegares.
Ela engoliu em seco, quase incapaz de aguentar sua ternura.
— Você teria me escolhido acima de todas as mulheres? Se não tivesse sido
forçado a se casar comigo, eu quero dizer.
— Eu teria. Eu escolho. E nunca fui forçado, Fada Sininho. Eu quis você e teria
achado um modo de ter você. Seu pai acabou tornando as coisas mais fáceis pra mim.
Sua boca curvou para cima por sua própria iniciativa.
— Então... acha que sou especial.
— A mais especial.
Uma risada borbulhou.
— Eu sei que não parece no momento, mas eu teria escolhido você acima de
todos os homens.
— Inclusive Torin e Paris?
— Especialmente Torin e Paris. Você é, sem dúvida, o homem mais sexy já
criado. Não queria que você lamentasse o que nós estávamos fazendo.
— Nunca lamentarei meu tempo com você. — Ele a beijou, uma reunião doce
de lábios, mais com conforto do que paixão. Mas oh, a paixão estava lá também.
Sempre estava lá. — O que você disse... obrigado, Sininho. Sempre fui o guerreiro
deixado pra trás. Meus amigos não quiseram arriscar com os problemas que Desastre
causaria e eu não poderia culpá-los. É bom ser querido.
Ele entendia sua dor, ela percebeu. Suas circunstâncias podem ter sido
diferentes, mas o resultado era o mesmo: uma sensação profunda de rejeição. Ele
provavelmente ansiaria aceitação todos os dias de sua vida. Provavelmente esperara e
sonhara em ajudar seus amigos, só para ser esmagado outra vez quando eles omitiram
suas habilidades surpreendentes em batalha.
— Não há ninguém mais que eu prefira lutando por mim. — ela disse com
sinceridade.
Ele presenteou-a com outro beijo.
— Você é um tesouro. Espero que você saiba isto.
Ela sorriu para nele. Um elogio que não faria a si mesma. Havia outra coisa mais
doce?
— Onde você foi quando estávamos fugindo dos Irmãos Maridos?
— As Moiras me chamaram.
— Oh. — Oh, não. — O que aconteceu?
— Eu fiz o que era necessário e as bruxas poderão levar alguns anos para se
recuperarem. — ele disse de modo plano. — Onde estão os Irmãos Maridos? É assim
que os chamaremos agora? Onde estão mantendo você?
— Eu não sei. — ela disse.
— O que lembra ter visto?

221 | P á g i n a
— Bem, eu me lembro de estar na rua, então encontrei os rapazes, então...
nada, até que acordei dentro de uma tenda. Não sei o que há do lado de fora — eu
teria olhado, mas estou grudada a um poste.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Você considera estar grudada a um poste a melhor maneira deles cortejarem
você?
— Eles só me amarraram depois que eu lancei na cara de Green a comida
especialmente preparada — pela quarta vez. Enfim. O ar é quente e tem cheiro de
patchouli. Existem quatro camas de pele no chão, e acho que ouço gritos no fundo.
Uma cortina escura caiu nas feições de Kane.
— Eu sei onde você está. Estarei aí antes de amanhecer.

***

Ele teria que voltar para o inferno.


No momento em que a névoa desapareceu levando Sininho com ele, Kane
parou, projetando sua imagem e se levantou da cama. Suas pernas tremiam. Seu
estômago revirou.
Uma mão aqui... Uma boca lá... Tão impotente...
Um chicote cruzando suas pernas. Um punhal junto às suas costelas.
Respiração quente em sua pele ferida... Beijos...
Pânico ameaçou derrubá-lo. Ele não permitiria. Independente da reação de seu
corpo, ele tinha que fazer isso. Não podia deixar Sininho no inferno. Não a deixaria. Ele
sabia sobre as coisas que aconteciam lá. Oh, sim, ele sabia, e agora teve que correr
para o banheiro para esvaziar o conteúdo do seu estômago.
Ele enxaguou a boca e olhou fixamente para seu reflexo assombrado. Sininho
poderia ter sido roubada dos Rejeitados do Arco-íris e torturada pelos asseclas. Se isso
acontecer, ela deixaria de querer viver e uma vez mais começar a querer morrer. Ela
nunca sorriria ou riria novamente. Ele não podia viver sem seu sorriso. Ela precisava
dele e ele jurou protegê-la, não importa como, ainda que tenha que enfrentar seu pior
pesadelo para fazer isso.
Obrigou-se a ir ao lado da cama de Lucien e, com uma mão trêmula sacudiu o
guerreiro, acordando-o.
— Preciso que você me risque para... o inferno. — Descreveu o acampamento
para Lucien entender, fazendo o melhor que podia para não vomitar. Tinha que ser
feito.
A dupla não perguntou. Eles ficaram quietos. Lucien colocou Anya ao seu lado
direito e estendeu os braços em volta dos ombros de Kane. Ele costumava poder riscar
apenas uma pessoa de cada vez, mas seu poder estava aumentando.
Kane lutou com o desejo de se afastar. Ignorou o pensamento de que preferiria
morrer a retornar. Por Sininho, sofreria qualquer coisa.
Lucien riscou para a entrada rochosa. Então mais profundo até o interior. Os
gritos de agonia encheram o ar quente com aroma de enxofre. Desastre cantarolava
com aprovação, amando o quanto estava perto de seus asseclas.
Kane quase lutou para sair de perto de seu amigo. Suas piores memórias
tocadas por sua mente, flash de imagens, flash de uma, depois outra imagens de dor e

222 | P á g i n a
sofrimento, de alguma maneira ainda pior porque agora viu em branco e preto — com
exceção do sangue. Escarlate gotejando de seus muitos ferimentos.
Mais profundo dentro da caverna. Ainda mais profundo...
Da próxima vez que Lucien fez uma pausa, Kane se curvou e empertigou. O
guerreiro não o lançou, talvez soubesse que Kane seria preso. Quando terminou,
endireitou-se e enxugou a umidade da boca com as costas da mão.
— Só um pouco mais adiante, eu acho. — disse Lucien e riscou novamente.
— Eu posso fazer isso. — Talvez.
O guerreiro parou no topo de um precipício cheio de fumaça.
Kane resmungou.
— Aqui. — Patchouli saturava o ar, um odor que conhecia extremamente bem.
Ainda batalhando com o desejo de fugir, agachou e olhou para baixo em uma
terra cheia de pedras irregulares e sujeira preta. Existiam árvores, mas eram retorcidas
e sem qualquer sinal de vida. No centro estava a tenda que Sininho mencionou, grande
e colorida — Kane sabia que os Rejeitados do Arco-íris esfolaram pessoas para fazer
isto.
Sininho estava lá dentro. Amarrada a um poste. Impotente.
Fúria obscureceu o pior de sua repulsa. Os próprios homens se sentaram ao
redor uma fogueira, assando marshmallows, totalmente à vontade. Talvez elaborando
a melhor estratégia para cortejarem romanticamente Sininho.
Minha Sininho. Nada de romance a não ser comigo.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Uma voz familiar exigia atrás.
Kane virou enquanto segurava um punhal. Ele ficou cara a cara com William.
— Willy, Willy, Catatau! — Anya disse com um sorriso. Seu rosto bonito estava
iluminado com deleite. — Senti uma saudade louca de você.
— Bem, não senti a sua, pirralha.
— Sentiu sim.
— Eu não.
A luta estourou.
Normalmente Kane teria se divertido. Neste momento? Seus nervos estavam
muito desgastados.
— Chega. — Lucien disse e a briga ridícula de gatos parou.
— Vou matar seus garotos. — Kane disse. E rápido. Ele queria sair deste lugar.
— Engraçado, mas vou matar meus garotos. — William apertou, tomando o
lugar ao lado dele. — Eles realmente me deixaram para morrer em Séduire. E boa coisa
também, porque a Phoenix queimou totalmente os jardins do rei e alguém tem que
encarar a punição. Ele escolheu sua "Foda" Sininho porque, aparentemente, ela é
culpada de tudo. Ele estará enviando um contingente de soldados atrás dela.
Kane estudou a área, conspirando o melhor curso de ação contra os Rejeitados
do Arco-íris, dizendo distraidamente:
— Muito ruim ela pertencer a mim agora, não a ele. — Se descesse o precipício,
seria facilmente flagrado. Os Rejeitados seriam distraídos, deixariam seus postos para
lutar. Lucien podia riscar na barraca e mover Sininho rapidamente para a segurança.
— Ele tem certeza que você está cansado de sua Sininho agora. Está esperando
um abraço de agradecimento.
Isso era porque, para Tiberius, ela não tinha valor.
O homem precisava aprender.

223 | P á g i n a
— Esqueça o Fae. Onde está White? — Ele perguntou. Se necessário, lutaria
com ela também.
— Ela ajudou seus irmãos a me emboscar, mas pelo menos voltou para me
medicar. — William disse. — Então, só deixei-a em um intervalo.
William uma vez pôs um Caçador em intervalo. O macho mastigou seus
próprios pulsos em uma tentativa para escapar da dor que o guerreiro causou.
— A propósito. — o guerreiro adicionou. — Você notou qualquer coisa
incomum no seu anel de casamento? Eu sempre ouvi que tinha poderes estranhos,
mas nunca quis arriscar minha preciosa vida com ele.
Kane calculou a distância da parte inferior do precipício para a fogueira do
acampamento.
— Então você arriscou minha preciosa vida ao invés disso? — Se os Rejeitados
optarem por não lutar com ele, podem ter tempo suficiente para chegar a Sininho
antes de Lucien conseguir riscar e libertá-la.
Era a chance que ele teria que tomar.
— Uh, sim. — William disse. — Alooou. Olha como sou esperto.
— O anel me mostra quando um inimigo está próximo.
— O quê? —Olhos azuis elétricos estreitaram com aberturas minúsculas. —
Devolva-o.
Kane o ignorou dizendo.
— Eu cuidarei dos Rejeitados do Arco-íris. Lucien, você cuidará de Sininho.
— E eu? — Anya exigiu.
— Você começa nos alegrando. — Lucien nunca o perdoaria se algo
acontecesse à sua preciosa.
— Um momento. — William disse. — Se conheço meus garotos, e eu conheço,
eles usarão em sua Foda Sininho correntes especiais. Lucien não vai conseguir libertá-
la, e se ela não estiver solta, não poderá riscá-la. Vai precisar de uma chave.
Uma complicação, mas não uma insuperável.
— Você tem uma chave?
— Tenho. — William não ofereceu mais.
Kane massageou sua nuca.
— Consiga a chave e darei o anel a você.
— Estava esperando que dissesse isso. Vai me dar algum tempo, pode ser,
então eu verei você quando eu vir você. — Um sorridente William desapareceu.
Kane não esperaria. Não aqui. Não com Sininho tão perto.
— Plano B. Vocês dois permaneçam aqui até William voltar, então mergulhem e
agarrem Sininho. Eu vou tirar os Rejeitados da área.
Ele não esperou por resposta. E não perderia tempo subindo. Com o senso de
urgência crescendo, levantou e pulou, caindo... pra baixo... pra baixo e aterrissando de
pé. O choque dividindo os ossos em suas canelas, mas não se importou, sua adrenalina
muito alta para deixá-lo sentir tanta dor. Uma carranca arruinou suas feições à medida
que se endireitou.
Os rapazes olharam para cima. No momento em que o viram, saltaram de pé.
Mas não correram.
— Devo admitir, esperava você mais cedo. — Red disse imperturbável.
— Esse é nosso território. — Black disse. — Você deveria ter ficado longe.
Green esfregou as mãos de contentamento.

224 | P á g i n a
— Sininho é minha e eu nunca a compartilharei.
Kane e os Rejeitados se lançaram em direção ao outro, encontrando-se no
meio. Uma névoa negra imediatamente se formando ao redor deles, fechando os
quatro em um círculo ameaçador. Ele esperava por isso e estava pronto para usar o
punhal e um machado, cortando seus oponentes. Os machos se curvaram para
absorver o impacto, então quando se endireitaram o cortaram com suas garras
crescentes. Talvez tenham feito contato. Talvez não. Ainda assim, sentiu só as bordas
de sua raiva e determinação.
Ele olhou para Red, sorrindo — mas lançou o machado em Black.
Este não estava preparado e não teve nenhum tempo para reagir. O metal
embutiu em sua garganta, dividindo sua traqueia. Bateu no chão e ficou caído.
Red rugiu, um testamento de sua Raiva. Green mostrou os dentes em uma
terrível carranca cheia de presas. Kane espalmou a mão em um segundo punhal e
atacou com mais vigor. Permaneceu em movimento constante, cortando, esquivando,
cortando novamente, cortando o par em tiras.
— Vou matá-lo. — Red rosnou, passando por baixo e golpeando nos tornozelos
juntos de Kane.
Ele bateu no chão, mas foi rolando até a tenda, antes de qualquer outro macho
alfinetá-lo.
Silencioso, espreitou para frente, golpeando-os com força renovada, dirigindo o
par para trás. Mas Green trabalhava à sua maneira atrás dele e atingiu, provavelmente
perfurando um buraco atrás de seu crânio com o estrondo de seu punho.
Kane quase desmaiou, mas não deixou isso atrasá-lo. Ele se abaixou girando,
chutando a perna, batendo em Green... subindo, cravando Red no ombro.
Os guerreiros se recuperaram depressa batendo nele, que teve que cruzar seus
braços novamente, seu corpo arqueando de uma maneira e então de outra, a fim de
evitar ser esmurrado e aterrissar no chão.
Percebendo que isto não os estava levando a nenhum lugar, permitiu a Red
acertá-lo, porque não podia se esquivar dele e atacar Green. Ele acertou o punho no
tórax de Green, fazendo o guerreiro tropeçar. Kane o seguiu. No momento em que
Green se endireitou, Kane apresentou um duro golpe em sua mandíbula, seguido por
um segundo pontapé. O guerreiro caiu aturdido. Kane estava lá quando ele aterrissou,
torcendo seu pescoço — quebrando sua espinha.
Green ficou caído também.
Red saltou nas costas de Kane, embrulhou seus braços ao redor de seu pescoço
e tentou fazer o mesmo com ele, exatamente como Kane esperava. Ele rolou no
movimento e acabou cara a cara com o sujeito, como se estivessem se abraçando. Não
desperdiçou tempo, afundando um punhal em Red em linha reta diretamente em um
rim.
Grunhindo, o guerreiro tropeçou para longe dele. Kane lançou o segundo
punhal e cortou a coxa do macho, forçando-o a cair de joelhos. Então, por fim,
determinado de uma vez por todas, Kane chutou seu rosto, quebrando seu nariz e
fazendo-o voar de volta. Agarrou mais dois punhais e quando Red rolou de pé
empurrando-se na vertical, empurrou as lâminas em seus ombros, prendendo-o.
Desastre gritou dentro de sua cabeça, e um segundo mais tarde uma pedra caiu
do precipício e foi em direção a Kane. Correu para fora do caminho um segundo antes
do contato. Red não foi tão sortudo.

225 | P á g i n a
A névoa preta se dissipou, porém Kane permaneceu. Ele se sentiu...
destroçado, desesperado, ao mesmo tempo tropeçava adiante, procurando a área,
desejando que estivesse em qualquer lugar menos aqui, seu pânico retornando agora
que a luta tinha acabado. Precisava partir. Tinha que partir. Agora. Onde estava
Sininho? Precisava agarrá-la e tirá-la deste inferno. Primeiro, porém, provavelmente
precisava respirar. Por que não conseguia respirar?
Quando bateu levemente em sua garganta, não achou nenhuma obstrução
externa, viu Lucien, Anya, William e Sininho sentados na frente do fogo. Ele parou. O
cabelo preto de Sininho foi escovado para um brilho lustroso, sua pele estava limpa e
suas roupas estavam em perfeitas condições. Ela estava segura. Alívio e alegria
misturaram, uma combinação potente que conseguia afugentar o pior de seu pânico,
abrindo seus pulmões e permitindo-o puxar uma medida de oxigênio.
William olhou para seus garotos que ainda estavam deitados no chão.
— Eles não estão mortos. Só uma decapitação os matará.
Kane avançou, pretendendo dar o golpe final.
— Não faça. — William disse, detendo-o. — Mudei de ideia. Eles aprenderam a
lição. Nunca abordarão sua mulher novamente. Eu tenho certeza disso.
Muito bem. Kane não precisava vê-los mortos — só precisava garantir que sua
garota estivesse protegida deles.
Ele enfrentou Sininho.
Ela se levantou, enxugando as mãos nas coxas. Nervosa? Ou com medo dele?
Ele estava coberto de sangue, afinal.
— Kane. — ela disse.
Ele deu um passo em direção a ela.
— Você está livre. Isso foi rápido.
William se mexeu.
— Sim, então, eu estava enganado sobre a cadeia e a chave. Anya a pegou. Vai
entender...
— Ela estava apenas amarrada com cordas, nada mais e eu de alguma maneira
consegui cortar e soltá-la. — Anya disse secamente. — Imagine minha surpresa.
William tentou enganá-lo, justamente para ganhar a posse do anel. Kane quis
se importar com isso. Não estava nem aí. Seu olhar permaneceu bloqueado com o de
Sininho. Ela o abordou. Um segundo mais tarde estavam correndo um para o outro. Ela
se lançou em seus braços, e ele a girou ao redor.
— Disse a você que eu estaria aqui pela manhã. — ele sussurrou.
— Obrigada.
— De nada. — Agora podia conseguir tirá-la daqui. Não podia tolerar outro
minuto dentro dessas paredes cheias de reentrâncias. — Precisamos...
— Desastre. — uma fêmea gritou ao longe. — Desastre está aqui!
— Onde? Onde ele está? Eu devo tê-lo!
Cada músculo que Kane possuía retesou. Os asseclas o notaram. Os
seguidores... os asseclas que tinham... tinham... NÃO! Náusea retornou ao seu
estômago, batendo violentamente. As fêmeas desejavam tirar sua roupa. Elas queriam
tocá-lo e saboreá-lo, além de roubar sua semente.
Elas terão você, Desastre disse com uma risada. Inúmeras vezes.
Vou vomitar.

226 | P á g i n a
— E agora é hora da fiança. — William desembainhou uma arma Sig Sauer da
cintura de suas calças. — Só posso riscar a mim mesmo. Lucien, cuide dos outros.
Lucien assentiu e riscou Anya sob protesto até a segurança. Reapareceu alguns
segundos mais tarde, agarrou o agora trêmulo Kane e Sininho, e riscou-os para longe
também. A última coisa que Kane viu foi William correndo adiante, sorrindo com
prazer. E quando piscou estava de pé dentro das paredes da fortaleza que ele nunca
pensou em rever, e uma vez mais apenas foi capaz de respirar.

227 | P á g i n a
CAPÍTULO 31

O Reino de Sangue e Sombras

Josephina captava o máximo da fortaleza quanto era possível enquanto Kane


arrastou-a por um corredor e subiu um lance de escadas.
— Quase não posso acreditar que estou em sua casa. Eu quero dizer, estou
realmente na sua casa. Estou vivendo o sonho de toda mulher Fae.
Os retratos nas paredes chamaram sua atenção. Cada um continha um Senhor
do Submundo nu, sua masculinidade protegida por algo feminino. Uma fita. Um
ursinho de pelúcia. Um pedaço de renda. Também havia retratos de uma loira
delicada, a epítome do que machos Fae achavam atraente. Em um ela usava um
vestido de baile. Em outro um negligê. Em um outro, couro preto.
— Ela é bonita. — Josephina disse, tentando não se comparar com a beleza. —
Ela pertence a um de seus amigos?
— Não.
O tom incisivo em sua voz a surpreendeu. Ela estudou a rigidez de suas costas,
os movimentos bruscos de seus passos largos.
— Kane? Está tudo bem?
Ele a ignorou. Ignorou inclusive as pessoas por quem eles passavam.
— Kane, é realmente você? — Disse um macho com cabelo preto e olhos
violeta. Josephina reconheceu o famigerado guardião da Violência. Ele estava perto o
suficiente para tocar.
Uma bebezinha estava embalada em seus braços. Oh, doce misericórdia, ele
teve um filho? Por que os escribas não emitiram um petisco tão suculento?
Em silêncio, Kane arrastou-a passando pelo par.
— Tão maravilhoso conhecê-lo. — ela disse. — Sou Josephina e absolutamente
amo...
Kane empurrou-a virando a esquina.
— O que você está fazendo aqui? Pensei que estava em sua lua de mel. — disse
Strider saindo de um quarto.
— Adorei vê-lo novamente. — disse Josephina.
Uma encantadora ruiva esguia foi para o lado dele, e ela lhe deu uma
cotovelada no estômago.
— O que eu fiz agora, boneca? — Strider perguntou com uma careta.
— Lua de mel? — A ruiva disse com um pisão no pé dele. — Ele se casou e você
nem pensou em me contar?
— Ei, Paris e Torin estão por aqui, não é? — Josephina perguntou a Strider. —
Eu poderia morrer de um ataque cardíaco, mas valeria a pena...
Kane puxou-a pra frente dele e cobriu sua boca com a mão.
— Já chega.
Ele parou diante de uma porta. Um quarto, ela percebeu quando ele a enfiou
em seu interior. Soltou-a e trancou a ambos dentro. Intimidada, absorveu

228 | P á g i n a
respeitosamente cada canto e greta. A câmara era espaçosa, com desoladas paredes
de pedra e um piso de mármore rachado. A mobília era antiga, gasta, mas chique.
Porém não havia nenhuma foto, nenhum toque pessoal de qualquer tipo.
— Eu preciso... — Kane esfregou uma mão no rosto. — Eu... preciso ir. — ele
disse, seu olhar em qualquer lugar menos nela.
Ela deu meia volta para encará-lo.
— Você está me deixando?
— Eu voltarei. — ele se apressou a acrescentar. — Vou apresentá-la a todo
mundo. Vou fazer um tour com você. O que você quiser.
— Eu quero... você.
Ela não era mais a garota passiva que ele conheceu. Passou por coisas demais,
sobreviveu a muita coisa. Eles sobreviveram. Ela decidiu defender seus direitos, e isso
não mudou. Lutaria por aquilo que queria, até contra o próprio Kane.
— O que está acontecendo, Kane? O que está errado com você? Diga-me. Não
me empurre de lado. Não desta vez.
— Minha cabeça está uma confusão. — ele disse em uma voz torturada. — As
semanas no inferno... os demônios...
— Eu sinto tanto. Eu deveria ter percebido. — Ela diminuiu a distância entre
eles e colocou suas mãos no peito dele. Seu coração martelava rápido e de forma
irregular. Estar ali o lembrava de tudo que ele sofreu, e ainda assim veio por causa
dela. Um homem tão precioso. Meu homem. — Deixe-me te ajudar. Por favor.
— Eu... sim. Certo. — Ele a levantou, levou-a para a cama e deitou-a no
colchão, então se aconchegou ao lado dela.
— Fale comigo. Purgue o veneno.
Um momento passou. Então outro.
E aí então:
— Não sei se você sabe disso — ele disse baixinho —, mas é possível para uma
mulher despertar o corpo de um homem, ainda que ele não a queira. Pois é, quando
eu estava preso no inferno, inúmeros servos puderam... fazer coisas comigo. Foi muito
pior do que levei você a acreditar. Era uma fêmea atrás da outra, suas mãos e bocas
em todos os lugares, como se tentassem roubar meu sêmen. Elas queriam ter meus
bebês, e eu raramente era deixado sozinho. O tempo todo Desastre ria. Ele está rindo
agora. Adora cada segundo da minha dor e humilhação.
— Oh, Kane. — Seu pobre, pobre Kane. — A humilhação não é sua, querido. É
do Desastre. Dos servos. São eles que carregam a vergonha.
— Eu poderia ter lutado mais.
— Será que podia realmente? — Ela perguntou. — Quando você já é mais forte
do que qualquer homem que eu conheço?
— Eu não sou. — ele disse sacudindo a cabeça.
— Sim, você é, e hoje prova isto. Apesar de tudo que suportou, ainda voltou
para mim.
Contra sua bochecha, ela sentiu o coração dele pular uma batida.
— Eu fiz, não é? Mas... quando ouvi os demônios se aproximando de mim,
covardemente senti náuseas. Eu deveria tê-los enfrentado. Deveria tê-los destruído. E
um dia irei. Mas hoje só queria fugir.
E isso envergonhou sua alma de guerreiro, ela percebeu.

229 | P á g i n a
— Oh, Kane. Covardia não tem nada a ver com sentimento, e tudo a ver com ação.
Você agiu apesar de tudo. É corajoso, valente e digno, e tinha mais no que pensar do
que em vingança. Você tinha uma mulher que estava tentando proteger. Sabia do que
os servos eram capazes, e aposto que me queria o mais longe deles possível. Estou
certa?
Somente uma leve hesitação antes dele admitir.
— Sim. — Então rolou de lado e enterrou a cabeça no pescoço dela. Algo
morno pingou na sua pele. Uma... lágrima? Embrulhou seus braços ao redor dela e
apertou firme, e outra gota salpicou, e então outra e mais outra. Logo Kane estava
soluçando, enormes soluços angustiantes, tremores sacudindo seu corpo inteiro.
Seu coração se partiu por ele, Josephina balbuciou palavras incompreensíveis
para ele e correu os dedos pela seda de seu cabelo. Há quanto tempo estas lágrimas
estiveram presas dentro dele? Quanto tempo seus ferimentos internos ficaram
infeccionados?
Alguns momentos depois ele se acalmou, rolou de lado, removeu seu peso de
cima dela e afundou no colchão.
— Eu sinto muito. — ele disse rouco.
— Por que?
— Acabei de agir como um mulherzinha... uh, uma criança.
— Lágrimas não são infantis, seu tolo. E não são reservadas para as mulheres,
muito obrigada. Você sofreu uma injustiça, foi ferido e sofreu muito. Tem permissão
para reagir.
Os dedos dele abriram na linha do queixo dela.
— Sua sabedoria me humilha.
— Sou incrivelmente inteligente.
Ele riu, só para ficar quieto um segundo mais tarde.
— Elas não foram bem sucedidas, sabe? Não deixei nenhuma serva grávida.
Ela ficou contente. Ele não teria sobrevivido a esse tipo de conexão com o
submundo.
Josephina sentou-se sem jamais interromper o contato e deu uma olhada nele.
Seja o que for que quis dizer foi substituído por:
— Não é justo. Quando choro pareço com uma bruxa que acabou de sair de
uma luta de boxe. Você parece tão bonito como sempre.
Ele ofereceu a ela um sorriso lento, preguiçoso.
— Você acha que sou bonito?
— Acho que eu disse que considero você a encarnação do belo. — Ela puxou a
camisa dele por cima da cabeça.
— Não, você me disse que sou sexy. Há uma diferença. E não que eu esteja
reclamando, mas... o que está fazendo?
— Lembra quando eu disse que queria sufocar todas as suas memórias ruins
com as boas? Bem, estamos começando hoje. Agora. — Suas botas foram as próximas
a sair, seguidas por sua calça e cueca, deixando-o total e completamente nu.
Josephina percorreu-o descaradamente. Realmente, bonito e sexy eram
palavras muito aprazíveis para ele. Ele tinha músculo empilhado em cima de músculo e
pele bronzeada impecável, tudo coroado por uma tatuagem de borboleta em seu
quadril.
Ela traçou as bordas irregulares das asas.

230 | P á g i n a
— A obra de arte chama minha atenção toda vez.
— O mal às vezes vem em uma embalagem muito bonita.
Muito verdadeiro.
— Você quer se livrar disto. Dele.
— Mais do que qualquer coisa.
— Então vamos encontrar um modo de fazer isso acontecer. — Ela apertou os
lábios contra os seus, dando-lhe um beijo suave e doce. — Juntos podemos fazer
qualquer coisa. Agora, agarre a cabeceira da cama.
— Sininho... — Ele disse.
— Não farei nada que você não goste. Prometo.
— Faça o que fizer, confie em mim, eu gostarei.
Tremendo, ele esticou os braços e fez o que ela mandou, e quando o beijou a
seguir, aceitou-a sem reservas, encontrando suas estocadas com impulsos suaves,
antes de pressionar com mais firmeza, tomando mais profundamente, mudando o tom
do beijo. Existia paixão, sim. Sempre havia paixão entre eles. Mas também a beijou
com algo mais arrebatador do que reverência, como se ela fosse a parte mais
importante da sua vida. Como se ele fosse querer e sempre precisar dela. Como se não
pudesse suportar o pensamento de algum dia estar sem ela.
Josephina provou e lambeu cada centímetro do seu corpo sem pressa,
aprendendo a agradá-lo conforme ele oferecia instruções, dizendo o que gostava e ela
obedeceu, adorando-o, observando seu rosto em busca de qualquer sinal de incerteza
ou angústia. Ele não se encolheu ou empalideceu. Parecia desfeito. Parecia estar no
limite com a força de seu desejo.
— Estou quase... Sininho, você tem que parar. Quero te tocar, fazer coisas com
você. — disse rouco. — Quero ter você.
Não só queria, mas precisava, ela percebeu. Antes ele esteve amarrado, perdeu
toda a sensação de controle. Poderia nunca ser capaz de renunciar completamente o
poder para ela, e isso estava bem. Adorava o modo como ele dominava seu corpo.
— Eu sou sua — ela disse — pra fazer o que quiser.
Ele tinha um preservativo no minuto seguinte, agarrando seus quadris logo
depois. Ele a ergueu e preencheu, e tudo que ela pôde fazer foi enfiar as unhas no
tórax dele e se segurar para o passeio mais selvagem de sua vida.
Ele era indomável, indisciplinado. Era selvagem. Também era brutalmente
doce. Porque por mais que tomasse, retribuía ainda mais, tocando-a em todos os
lugares certos, dirigindo sua necessidade cada vez mais alto. E quando o prazer atingiu
o ápice, ela simplesmente lançou sua cabeça para trás, as pontas dos seus cabelos
roçando a virilha dele. Ele rugiu, arqueando os quadris, mergulhando muito mais
fundo, propulsando-a a um novo nível de satisfação.
Arquejando, ela desabou no seu peito. Seus braços envolveram-se ao redor
dela e a seguraram com firmeza.
— Nunca me deixe. — disse, beijando sua têmpora úmida de suor.
— Nunca. — ela prometeu.
— É errado de minha parte, sei que é, mas preciso que você fique comigo.
— Errado de sua parte como?
Ele pigarreou.
— Eu... conheço uma maneira.
Levou um instante para perceber que ele retornou à sua conversa anterior.

231 | P á g i n a
— A coisa de matar de fome?
Ele assentiu.
— As coisas poderiam ficar duras durante algum tempo, e provavelmente você
estaria melhor sem mim, mas...
Ah. Era isso que ele quis dizer sobre ser errado da parte dele.
— Não vou a lugar nenhum sem você. — ela disse.
Ele fechou os olhos, como se saboreando suas palavras.
— Não, você não vai a lugar nenhum sem mim.

***

Kane encostou-se no batente da porta e sorriu enquanto observava Sininho


interagir com as outras mulheres na fortaleza. Ele a apresentou para todo mundo
apenas esta manhã, e ela já era parte da família.
Ela só pediu três autógrafos.
Todos estavam tão ocupados caçando detalhes sobre a Haste de Partir e o que
podia ter acontecido com Cameo e Viola que esqueceram de descansar ou comer. Eles
precisavam de uma pausa, uma distração, e Sininho estava agora proporcionando
ambas.
As mulheres amaram Sininho e puxaram o saco dela, e certamente podia ser
porque ele ameaçou assassinar qualquer um que a magoasse, mas achava que não.
Havia algo tão acolhedor nela. Ela sorria, e a diversão iluminava seu rosto inteiro. Ela
falava, e a sabedoria de múltiplas vidas despejavam de seus lábios. Ela incluía todo
mundo na conversa e não mostrava nenhuma parcialidade. Eles eram todos especiais
para ela.
— Conte mais sobre a vida no palácio Fae. — disse Ashlyn enquanto balançava
sua filha para dormir.
Ele devia partir. Tinha que falar com seus amigos sobre o acordo que fez com
Taliyah — e provavelmente eles iriam querer limpar o chão com seu rosto por oferecer
a fortaleza. Seria melhor tirar isso do caminho enquanto Sininho estava distraída. Ele
se virou para sair.
— Bem. — Sininho disse. — Sou agora a mulher mais invejada na face da Terra.
Eu me casei com o famoso guardião do Desastre.
Ele ouviu o orgulho em sua voz e não pôde evitar virar de volta para ela. Viu
isso em seus olhos também, e seu coração disparou. Seus amigos podiam esperar.
Anya sacudiu Urban pra cima e pra baixo e bateu levemente em suas costas,
lutando para fazer com que ele arrotasse.
— Quero ouvir mais sobre Kane espancando seu libidinoso meio-irmão. Aposto
que ele sacudiu sua calcinha! Teria sacudido as minhas se eu usasse alguma.
Haidee, esposa do Amun, balançou a cabeça; uma mistura de cabelo loiro e
rosa balançaram acima dos seus ombros.
— Você tem que perdoá-la. Ela é apenas um pouco doida.
— Uh, tente muito doida. — Anya retrucou, como se estivesse elogiando a si
mesma. Na sua cabeça, provavelmente estava. — Eu deveria estar comprometida
séculos atrás. Oh, espere. Eu estava!

232 | P á g i n a
— Pare de falar, Anarquia. Josephina estava quase nos contando se Kane é o
animal na cama que eu acho que é. — Gwen, esposa de Sabin, fez um gesto para
Sininho, um comando silencioso para continuar.
— Tenho bastante certeza que eu não ia falar sobre isto. — disse Sininho, pega
de surpresa.
— Oh, sim, com toda certeza você ia. E enquanto conta — disse Kaia, consorte
do Strider — vou dar a você uma de minhas famosas reformas das galáxias. Strider me
disse que sua família te tratou como uma serva, e acredito firmemente que a melhor
maneira de se vingar — além de matar os idiotas estúpidos com uma lâmina... ou um
martelo... ou uma serra — é matar os idiotas estúpidos com ciúme.
Sienna, a esposa de Paris, estalou os dedos e um rack de vestidos e um
toucador atulhado com maquiagem apareceu.
— Tcharam! Vamos começar a transformação.
— Belo truque. — disse Sininho batendo palmas.
Gilly, a carga adolescente do William, debruçou em direção a Sininho, sua
expressão séria.
— Ouvi dizer que você passou algum tempo com William. Por acaso notou o
tipo de mulheres que ele... você sabe?
— Meus pobres ouvidos. — Anya disse. — Eles não precisam ouvir sobre Willy
você-sabe.
— Vocês são estranhas. — disse Scarlet. — Eu devia matar todas vocês quando
dormissem. Desse modo eu iria parar de me estressar sobre amigos desaparecidos —
porque não teria amigos. Seria vencer/vencer. — Ela era a guardiã de Pesadelos, a
esposa de Gideon, e não havia ninguém mais assustador. A maioria das pessoas corria
dela na primeira oportunidade.
Mas não Sininho. Sininho bateu levemente no topo da cabeça dela.
— Não se aproxime de Kane ou terei que te machucar.
— E quanto a William? — Gilly iniciou.
— Ela pode se aproximar dele se quiser. — disse Sininho com um aceno de
cabeça.
— Não. — Gilly torceu o tecido de sua camiseta. — As mulheres dele.
— Posso ir para o meu quarto agora? — Legião, a filha adotiva do Aeron,
interrompeu. Ela estava pálida e retraída, e Kane odiou o motivo disso. Como ele, ela
passou algum tempo no inferno.
Hoje cedo ele foi para seu quarto para conversar com ela. Ela não respondeu
quando bateu, então entrou pensando em deixar um bilhete. Encontrou-a amontoada
no canto mais distante, seus joelhos puxados contra o tórax enquanto ela desenhava
na parede. Retratos de Galen, uma vez o segundo no comando dos Caçadores, agora
sob o controle de Sienna.
Galen, que uma vez pensou em escravizar a menina.
— Legião. — ele disse, e ela enrijeceu. Tinha o corpo de uma estrela pornô, e
mesmo assim, naquele momento pareceu ser nada além de uma criança.
De costas para ele, ela disse.
— Odeio esse nome. Não responderei a ele.
— Como gostaria que eu te chamasse? — Ele manteve seu tom gentil.
— Qualquer coisa menos isto.
— Tudo bem, então. Vou te chamar de Querida.

233 | P á g i n a
— Tanto faz. Quero ficar sozinha.
Seu coração se partiu por ela.
— Já vou. Eu apenas queria que soubesse que já estive onde você está, e passei
pelo que você passou, e se quiser falar sobre isso com alguém que entende, venha me
encontrar. Isso não vai fazer você melhorar, mas... ajuda.
Agora, no presente, Olivia, a mulher do Aeron, passou um braço ao redor dos
ombros dela.
— Fique com a gente um pouco mais. Por favor.
Legião — Querida — estremeceu com o contato, mas concordou com
relutância.
— Bem... — Sininho esquadrinhou cada rosto que estava em expectativa, uma
faísca de admiração aparecendo naqueles olhos azuis bebê, como se não conseguisse
acreditar que eles estavam conversando com ela — e gostando realmente dela. Tão
sábios de tantas formas, mas tão inocentes em tantas outras. — Deixe-me resolver um
de cada vez. Primeiro, o palácio Fae é enorme e luxuoso e cheio de tesouros, mas o
tipo de pessoas é uma droga.
Gwen e Kaia sorriram e acenaram com a cabeça.
— Acho que uma caça ao tesouro está no nosso futuro. — disse Kaia.
— Concordo. — Gwen respondeu.
— Segundo — Sininho continuou —, não vou divulgar um único detalhe sobre o
que Kane e eu fazemos no quarto. Exceto dizer que é incrível. Provavelmente sou a
mulher mais satisfeita na fortaleza, senão no mundo.
— De jeito nenhum. Sou eu! — Anya disse.
— Não, eu! — Kaia respondeu.
— Terceiro, uma transformação seria legal. Obrigada. Quarto, William... sim.
Ele passou um tempo com uma loira bonita, mas muito cruel. A rainha, que é como
minha madrasta. Eu sinto muito.
Gilly assentiu, o brilho desvanecendo de seus olhos.
— Uma mulher casada. — ela disse. — Ele não é o homem que eu pensei que
fosse.
Sininho se estendeu e apertou sua mão, um gesto de conforto e compreensão.
Quando percebeu que não estava usando suas luvas, ela puxou seu braço pra longe
com um arranco.
— Eu sinto muito. Não devia ter te tocado — não, espere. Eu posso. Kane se
certificou.
Ele sorriu — o orgulho estava de volta.
Odeie-a! Odeie-os! Desastre se debatia contra seu crânio, rugindo, rosnando,
ameaçando.
Ao lado dele, uma lâmpada incandescente entrou em curto. Aos seus pés uma
rachadura formou no mármore.
Aqui vamos nós, ele pensou, lutando com uma onda de pavor. As dores da fome
começaram.
Todos os olhos dispararam para ele. Ele rangeu os molares e acenou com a
cabeça em reconhecimento.
Uma mão firme em seu ombro chamou sua atenção para o macho atrás dele.
— Está pronto?
Surpreso, ele disse.

234 | P á g i n a
— William. O que está fazendo aqui?
— Essa é a boa-vinda que recebo depois de tudo que fiz por você? Muito
obrigado, cara.
Kane recuou um punho e deixou-o voar, cravando no nariz do guerreiro. O
sangue jorrou imediatamente.
— Não, esse é o agradecimento que você recebe.
William sorriu, seu senso de humor distorcido obviamente saindo pra jogar.
— Melhor.
— Da próxima vez que você tentar me enganar, não vou parar com um soco.
— Eu tenho certeza.
E agora que isso foi resolvido...
— Da última vez que te vi, você estava liderando uma luta com os servos. O que
aconteceu?
— Um massacre, foi isso que aconteceu. Aquelas fêmeas tiveram o que
mereceram, garanto a você. E agora você me deve, tipo, muito, muito, muito. —
Soprou um beijo para as damas e encaminhou-se à biblioteca. Só olhou de volta para
Gilly uma vez.
Kane o seguiu e imitando-o, lançou um último olhar para Sininho. Ela sorriu
para ele, tão doce e bonita, e ele sorriu de volta.
— Não devo nada a você. — ele disse a William. Não estava certo se deveria se
sentir eufórico por seu inimigo estar morto ou assinalar que aquela vingança nunca
seria sua.
Ele iria com assinalar.
— Então, onde conseguiu o meu anel? — Ele perguntou, só para provocar o
guerreiro.
Aqueles azuis elétricos estreitaram-se para minúsculas fendas.
— Você quer dizer meu anel.
— Foi isso que eu disse. Meu anel.
Uma pausa. Um rígido dar de ombros.
— Tudo bem. Fique com ele. Roubei de uma mulher com quem me deitei e
matei. O que? Por que está olhando para mim assim? Enfim. O anel provavelmente
está amaldiçoado, atraindo-o para uma falsa sensação de calma.
Outra lâmpada incandescente entrou em curto, um spray de chamas buscando
Kane como se ele usasse um alvo. Ele permaneceu em silêncio enquanto entrava na
sala. William fechou e trancou a porta, só caso as mulheres decidissem vir procurá-los.
Kane varreu o olhar por cima dos homens espalhados pela sala. Lucien, Sabin, Strider,
Amun, Paris, Gideon, Aeron, Reyes, Maddox e Torin, que permaneceram no canto mais
distante. Semanas se passaram desde que todos estiveram juntos assim.
Juntos eles eram uma força a ser reconhecida.
— Então sua garota está em apuros, hein? — Strider disse. — William nos
contou sobre os planos do pai dela.
— O que podemos fazer para ajudar? — Sabin perguntou.
Ajudar, ele disse. Ele não estava tentando assumir o comando e nem planejou
deixar Kane para trás. Entendeu a necessidade de Kane em participar da liberação da
sua mulher. Um pouco da tensão deixou-o...
Até que outra lâmpada incandescente entrou em curto.

235 | P á g i n a
— Primeiro, tenho que ser direto com você. — ele disse. — Preciso que saiam
da fortaleza, sem perguntas, em pouco menos de três meses.
— O que?
— Por que?
— O que está acontecendo?
Sim. Sem perguntas, ele pensou revirando os olhos. Tanto faz.
— Para encontrar Sininho fiz um trato com alguém. Essa pessoa obteve a
fortaleza.
— Quem? — Sabin exigiu.
— Não é da sua conta. Só faça isso.
Houve resmungos. Claro que houve resmungos. Mas os guerreiros teriam feito
o mesmo pelas suas mulheres, e eles sabiam disso. Não houve debate no final — eles
partiriam.
Em seguida Kane esboçou seu plano para o rei Fae e todos os seus amigos
assentiram com a cabeça, encorajando-o. Era perigoso e requeria um sacrifício enorme
de cada pessoa na fortaleza, mas era o modo mais rápido para provar o valor de
Sininho para seu pai — e cada Fae.
Então, e somente então, Tiberius entenderia que Kane nunca a deixaria ir.
Caçá-la não adiantaria nada. Ela nunca mais seria uma escrava de sangue.
Quando terminou, Sabin coçou seu queixo e ponderou.
— Vai doer? — O guerreiro perguntou.
— Não. — Kane respondeu.
— Vai causar algum dano permanente? — Reyes exigiu.
— Não.
— Tem certeza? — Lucien perguntou.
— Tenho.
— Bem, você tem minha concordância. — Strider disse com um dar de ombros.
— Agora tem apenas que conseguir da Kaia.
Kane acenou com a cabeça. Esperava isto.
— Eu vou. — Ele não falharia.
William pousou a mão sobre seu coração.
— Este plano é tão tortuoso, é quase como se eu tivesse pensado nele. Estou
bastante impressionado.
Kane mostrou-lhe o dedo só por causa disso. E até mesmo com a parede ao
lado dele retumbando e sacudindo como se estivesse se preparando para desmoronar
sobre ele, sentiu-se mais leve do que esteve em semanas. Ele se sentiu... livre. Livre do
passado e da dor, das memórias e do ódio.
Ontem à noite Sininho fez algo para ele. Acalmou a fera interior, talvez. Ou
talvez tenha cauterizado o que restou de suas feridas.
Agora faria o mesmo por ela.
— Saímos pela manhã. — ele disse.

236 | P á g i n a
CAPÍTULO 32

Kane deixou Sininho dormindo no quarto deles e bateu à porta de Reyes e


Danika.
— Vá embora. — gritou Reyes, parecendo sem fôlego.
Não era preciso imaginar o que acontecia lá dentro.
— Preciso falar com Danika. Vou ficar aqui até falar.
Passos firmes. A maçaneta virou com força. Um Reyes de cara fechada
apareceu. Estava sem camisa, com a calça aberta, o cabelo bagunçado.
— Está brincando com a morte.
— E tenho certeza que Lucien me considera adorável. O quadro. — ele disse,
olhando por cima do ombro do amigo para a bela garota que caminhava em sua
direção, amarrando a cintura de um roupão felpudo. — O que pode me dizer sobre
ele?
Ela assentiu, dizendo.
— Eu lutei com a aparência da mulher. Em um segundo vi uma morena que
podia ser Josephina, mas não tenho cem por cento de certeza disso, e no outro vi a
mulher de cabelos claros que acabei pintando.
Quando ele a conheceu pela primeira vez, Sininho mudava de aparência, mas a
habilidade da Phoenix tinha abandonado-a, então não era a loira disfarçada.
— As Moiras me disseram que eu tinha duas possíveis companheiras. William
pensou que uma era sua filha White, e achei que era a meio-irmã de Sininho, Synda. As
duas são loiras.
Ela pensou por um momento e suspirou.
— Devia mostrar o quadro a Josephina. Se é o corpo dela...
— Não é.
—Ela o reconheceria.
— Não vai. — Ele viu e beijou cada pedacinho dela. — Eu conheço o corpo dela
melhor do que ela mesma.
Danika deu outro suspiro.
— Acredito. De qualquer forma, há algo de estranho no quadro. Nunca tive
problema em reconhecer a identidade de alguém, e nunca me equivoquei.
— Sininho está a salvo. — A garantia era para ele, não para Danika. — Não vou
deixar que nada aconteça a ela. — Mesmo que seu plano envolvesse jogá-la aos lobos.
— Não tem mais nada que possa me dizer?
— Não, sinto muito.
— Essa conversa acabou, então. — Reyes fechou a porta na sua cara.

***

Ofegando e suando, Josephina olhou para Kane. Ele estava em cima dela,
ofegando e suando com a mesma intensidade. Ela viu encantada uma gota de suor
escorrer pela testa dele e parar no cabelo.
— Como foi? — perguntou.
— Absolutamente terrível. — Ele fundiu as pálpebras, ocultando o brilho
raivoso daqueles olhos cor de mel. — A pior.

237 | P á g i n a
Honestidade brutal era horrível às vezes.
— Sinto muito.
— E devia sentir.
— Vou melhorar.
— E só vou acreditar quando eu ver.
Ei!
— Você está prestes a levar um tapa!
— Essa seria uma mudança bem-vinda.
Ela o empurrou e ele rolou. Eles estavam treinando por horas, e estava
cansada. Não dormiu a noite passada — mesmo depois que Kane fez amor com ela e a
deixou exausta — sua mente ocupada demais pensando em todas as falhas possíveis
do plano maluco dele. A única briga de verdade em que se meteu foi no inferno, mas
na época possuía as habilidades da Phoenix e simplesmente ateou fogo em tudo que
se aproximou dela. Não tinha aquele luxo no momento.
Ele a ajudou a se levantar, as mãos calejadas fazendo cócegas em sua pele.
— Você tem que usar todas as armas disponíveis. Uma pedra no chão. Seus
joelhos. Qualquer coisa. Não tenha medo de lutar sujo nem de causar danos maiores.
Se o rosto do seu inimigo estiver ao alcance das suas mãos, como o meu estava, espete
os olhos dele com os dedos. Quebre o nariz dele com o punho, fazendo com que a
cartilagem penetre no cérebro dele.
Josephina apoiou as mãos no quadril.
— Até agora eu não quis fazer essas coisas com você, e essa é a única razão de
ter conseguido me derrotar tantas vezes.
— A única razão?
Argh! Ela tirou o tênis com brusquidão e o arremessou nele.
O solado duro do calcanhar bateu no ombro dele e caiu no chão.
— Melhorou. — Ele assentiu com a sua primeira mostra de orgulho. — Esse é
um hábito que deve ter herdado de família.
— Quer que eu jogue o outro?
— Preciso que você derrube seu oponente, Sininho. Não sei o que eu faria se
algo acontecesse com você.
Ok. Tudo bem. Isso ela conseguia entender. O plano dependia dela e do que
podia fazer. Estaria em meio ao perigo e ele estava aflito com isso.
Ela estava aflita, mas não deixaria que isso a impedisse. Estou mais forte do que
já estive. Sou determinada. Conheço os riscos.
Mereço viver e amar. E é o que farei.
— Kane. — ela disse, caminhando até ele. — Você não me deixou escolha. Eu
tenho que fazer isso.
Ela o socou na boca. Dor explodiu em seus dedos e braços, e a cabeça dele caiu
para o lado. Lentamente ele a encarou. Uma cascata de sangue escorria pelo canto do
seu lábio, uma cor obscena contrastando com o bronze de sua pele. Ele sorriu, o
sangue manchou até seus dentes.
— Agora sim, essa é a minha garota. Bom trabalho.
Uma batida ressoou pelo quarto, poupando-a de uma mostra vergonhosa de
autoelogios.
— Estamos prontos. — disse Sabin.
O sorriso de Kane desapareceu.

238 | P á g i n a
— Desceremos em quinze minutos.
Ele puxou Josephina para o banheiro, tirou sua roupa, tirou a roupa do próprio
corpo e abriu o registro do chuveiro para um banho rápido. Mãos ensaboadas vagaram
e mais uma vez Josephina se viu ofegando. Por mais que tenham se tocado, seu corpo
já estava preparado outra vez.
— Só temos alguns minutos. — ela disse.
— É tudo o que eu preciso.
— Sério? — Mas, todas as vezes anteriores demoraram horas. — Tem certeza
que vou gostar? Quero dizer, eu quero você, mas também quero chegar ao topo.
— Considero uma missão pessoal garantir que chegue lá. — Ele colocou uma
camisinha e empurrou-a contra a parede. Estava dentro dela um segundo depois e
oh… oh! O jeito que ele se mexia… com força e rapidez, sem se conter… ele arrancava
um gemido após o outro dela. Ele a beijava com uma pitada de desespero em cada
movimento de sua língua.
— Eu poderia drenar sua vida em segundos. — ela arfou. — Poderia matá-lo.
Ele gemeu com uma excitação sexual elevada pelo prazer.
— Fale mais.
— Nunca saberia o que se passou. Em um momento estaria lúcido e no outro
morto.
Ele se tornou um homem selvagem, qualquer que fosse o cabresto que tinha
em seu autocontrole se partiu. Seus pensamentos se descarrilaram enquanto ele
arremetia dentro dela, o prazer intenso demais, ainda não suficiente e… isso, isso,
isso…
— Kane! — ela gritou, seu corpo desintegrando, voltando a se compor, cada
pedacinho seu marcado a ferro pelo homem em seus braços.
Ele mordeu o músculo entre seu ombro e pescoço enquanto estremecia contra
ela, o prazer de algum modo o impulsionando a um novo nível de êxtase. Por um
minuto… uma eternidade… pontos pretos piscaram atrás dos seus olhos e silêncio
cobriu seus ouvidos. Estava perdida no prazer.
Quando ela retornou do ápice, Kane sorria.
— Disse a você. — ele falou, cheio de satisfação masculina.
A banheira rachou debaixo dos seus pés. Ele escorregou e segurou no suporte
da cortina acima das suas cabeças. Suas pernas ainda estavam presas ao redor da
cintura de Kane, seus pés protegidos das lascas. Mas os dele não. Sangue saía de vários
cortes.
— Isso vai passar. — ela disse.
— Eu sei. — Agora de cara fechada, Kane a levou para longe do entulho. Ele a
colocou de pé e vestiram-se o mais rapidamente possível, saindo para o salão de baile
para se encontrarem com os seus amigos.
As mulheres formavam uma fila no centro, seus homens atrás delas.
— Não gosto disso. — ela murmurou.
— Confie em mim. — Ele deu-lhe um beijo rápido. — Sua família vai cair pra
trás com a surpresa.
E ela tinha que fazer o que era necessário para derrotá-los. Desse modo, eles
jamais poderiam pensar em usá-la novamente.
— Tem certeza que querem fazer isso? — ela perguntou às mulheres. Ela teria
que pegar emprestado o poder de todas menos de Scarlet, que era possuída por um

239 | P á g i n a
demônio, Ashlyn, uma mãe em fase de amamentação, e Danika, cujas visões do futuro
poderiam distraí-la.
Todas as mulheres endireitaram os ombros e levantaram os queixos.
— Muito bem. — Tremendo, Josephina estendeu o braço para tocar Gwen. Ela
parou pouco antes do contato. — Última chance de desistir. Quando eu acabar, vocês
se sentirão fracas. Isso pode durar de algumas horas a algumas semanas.
— Ora bolas. Eu sei dos problemas que certos pais nojentos podem causar.
— O pai dela é Galen, o guardião de Esperança e Inveja. — explicou Kane,
ficando ao seu lado para oferecer apoio moral. — Embora ele não carregue em si o
tipo de esperança que possa pensar. Galen só oferece a falsa esperança. A esperança
verdadeira é essencial… miraculosa. — Ele a olhou, seus brilhantes olhos cor de mel. —
É do tipo da que você me deu.
Do tipo que ele deu a ela.
Ela se derreteu inteira.
— Faça. Me drene. Vai precisar do que tenho. — Gwen acrescentou quando
Sabin se aproximou por trás dela. — Sou incrivelmente forte e mais rápida que a luz.
Sabin colocou as mãos nos ombros da sua esposa.
— Só não machuque a minha boneca favorita, e tudo bem para mim.
Gwen se eriçou ao tocar o peito com o polegar.
— Hoje eu sou a bonequinha dele. — Depois apontou o polegar na direção de
Sabin. — Amanhã ele é a minha.
Boneca. Sim. A palavra perfeita para descrever uma mulher de aparência tão
delicada como ela; Josephina não tinha certeza de quanta força seria capaz de tirar
sem colocar a garota em coma.
— Serei gentil. — prometeu Josephina, passando os dedos em volta do pulso de
Gwen. — E obrigada por isso. Não sei como serei capaz de te pagar.
— Tenho certeza que vou pensar em algum modo.
Ela fechou os olhos, ligou o interruptor mental que sabia que faria com que os
seus poros se abrissem e criassem a sucção… a extração… a extração da força que a
mulher possuía.
Energia borbulhou em suas veias, tão potente como se tivesse enfiado o dedo
numa tomada e ela cambaleou com a sua força, sentindo-se chocada e tonta.
Quando soltou Gwen, a pobre garota caiu nos braços do seu marido.
— Uau! Isso foi incrível.
Kane a apressou para que se virasse para Kaia.
— Vai querer o que tenho mais do que tudo. — disse Kaia. — Sou parte Phoenix
e começo incêndios quando estou com raiva.
No momento em que se tocaram, Josephina experimentou a mesma levada
forte de energia, mas também uma vazão de calor. Calor… muito calor a varreu e
sentiu como se seu corpo fosse explodir em chamas a qualquer segundo. Era uma
sensação familiar, a mesma que vivenciou com a outra Phoenix.
Com Anya, sentiu como se fosse invadida por uma ventania poderosa.
Com Haidee, houve um frio congelante.
Gilly tentou furar a fila.
— Minha vez. — disse a garota.
William apareceu ao lado dela e puxou-a para o canto mais distante da sala,
dizendo.

240 | P á g i n a
— Isso não vai acontecer, Jujuba. — Para Josephina ele disse. — Ela é apenas
uma humana.
— Ser humana não é sinônimo de fraqueza. — disse a garota.
— Sinônimo é uma palavra muito grande para uma criança tão pequena. — ele
retorquiu.
— Ei! Não sou criança. Sou velha o bastante para me virar por aqui.
— Bem, que bom que não é preciso muita coisa para se virar por aqui, então.
Ela apontou um dedo na cara dele.
— Um dia vou te mostrar o quanto sou forte de verdade, William, o Idiota.
Ele deu de ombros como se não se importasse, mas o brilho forte em seus
olhos dizia o contrário.
— Não acho que consigo sorver mais energia. — disse Josephina. Ela poderia
explodir a qualquer segundo. Nunca se sentiu tão forte assim. Tão… invencível. E… e…
não podia ficar ali parada. Tinha que se mexer.
— O que está fazendo? — Kane perguntou depois que começou a se
movimentar como uma louca.
— Correndo pela sala. — Ela estava quente demais… com frio demais… tudo
demais. Podia lutar contra qualquer inimigo. Conquistar o mundo inteiro. E não sairia
nem com uma unha quebrada, pensou com uma risada maníaca. — As mulheres estão
bem? Acha que estão bem? Espero de verdade que estejam. — As palavras se
derramaram dela, saindo cada vez mais rápido. Como seus passos. Estava quase
correndo em alta velocidade — e sem sequer ofegar.
— William. — chamou Kane, observando-a. Os lábios dele se curvaram. —
Estamos prontos.
O guerreiro tirou os olhos da adolescente e disse:
— Só um segundo. — antes de se voltar para a garota outra vez e quase
encostar o rosto no dela. — Vá para o seu quarto e espere por mim. Nós vamos
discutir essa coisa toda de se provar e colocar um fim nisso agora, antes que eu seja
forçado a limpar a bagunça que vou fazer com que você deseje não ter feito.
— Pare de me dizer o que fazer. Você não é o meu pai.
— Quantas vezes tenho que dizer que nunca quis ser o seu pai? — ele gritou,
elevando a voz pela primeira vez desde que Josephina o conheceu. — Eu quero que
fique a salvo e farei o que for necessário para que isso aconteça, até mesmo ferir seus
sentimentos.
Todos os Senhores assistiam a cena com um despudorado choque.
Com as bochechas avermelhadas devido à força da raiva, Gilly deixou o salão.
William a observou até não poder mais. Então passou uma mão pelos cabelos e
encarou os homens, sua expressão ausente de emoção.
— Vamos logo. — Ele caminhou até o centro do aposento e retirou algumas
coisas dos bolsos. Partes de armas?
Ele segurou a — não, não arma — o que quer que aquilo fosse e a soltou, os
pequenos objetos que pareciam brinquedos de bebês mastigarem ao invés de caírem,
permaneceram flutuando no ar.
— Está chegando. — ele gritou e todos no salão deram as costas.
Kane se jogou em Josephina, derrubando-a no chão, absorvendo a maior parte
do impacto. O que...
Boom!

241 | P á g i n a
Um sopro quente de ar os lambeu, depois Kane saiu rolando de cima dela e a
ajudou a ficar de pé. Ou melhor, tentou. Ela acidentalmente o puxou para o chão, e ele
caiu com tanta força que deve ter perfurado um pulmão.
— Desculpe. — ela disse. — Perdão.
Ele riu. Riu de verdade.
— Não se preocupe com isso, coração. — Ele se levantou e indicou que ela
também fizesse o mesmo.
Ela se levantou e viu que William de alguma forma explodiu uma passagem em
seu reino para Séduire. A noite tinha caído — hora da festa. Toda a corte Fae estaria
reunida na sala do trono. A lua estava no céu, um pedaço vermelho carmim na
escuridão do céu. Havia um caminho iluminado por tochas.
— Talvez devêssemos pensar sobre isso. — ela disse, de repente nervosa.
— Nada de pensar mais.
E que tal se adiássemos um pouco?
— O que aconteceu com a chave?
— Aparentemente, se você não é um Fae, elas param de funcionar. —
respondeu Kane. — A minha parou.
— Tudo bem. Ok. — Se ela não agisse agora, não agiria nunca mais. — Estou
pronta. — Ela correu.
— Não está se esquecendo de nada? — falou Kane, interrompendo-a.
— O quê? — Ah, é. — Desculpe. — Ela recuou e agarrou a mão de Kane. Ele fez
uma careta e ela percebeu que teria que manter sua nova força contida ou esmagaria
seus ossos. — Desculpe outra vez!
O sorriso dele voltou, largo e cheio de dentes, em pleno bom humor.
— Eu já disse. Não se preocupe com isso. Agora faça o que é preciso ser feito.
Eles marcharam na direção do reino Fae.
— Eu darei trinta minutos, depois disso irei atrás de vocês. — anunciou William.
— Vai dar tudo certo. — respondeu Kane sem se virar.
Os amigos dele estavam no Reino de Sangue e Sombras para proteger suas
debilitadas mulheres. William era a equipe de apoio deles.
— Vejo vocês daqui a meia hora. — disse William com um aceno.
— Já disse que não precisa.
— Vinte e cinco, então.
— Cara frustrante. — murmurou Kane.
Eles atravessaram a passagem, entraram nos resquícios do jardim queimado do
seu pai. Uma fumaça negra ainda subia no ar.
O coração de Josephina trovejava no peito. E se falhasse, como fez durante
todo o tempo que passou treinando naquele dia? E se Kane se machucasse? Ela
sempre se culparia — e com razão.
É, mas e se você conseguir?
Pelo canto do olho pensou ter avistado o guerreiro com asas brancas e
douradas, aquele que levou suas novas vestimentas. Mas… com certeza não foi o que
viu. Isso significaria que ele estava seguindo-a.
Ela procurou na escuridão, mas não encontrou sinal algum dele.
— Por aqui. — disse Kane.

242 | P á g i n a
Ele a levou na direção do palácio. Sempre que um guarda passava, ele a velava
com o próprio corpo, fazendo o melhor para esconder a ambos. Finalmente eles
alcançaram a porta de uma das passagens secretas.
Lá dentro, Josephina foi na frente. Passou por um corredor. Subiu um lance de
escadas. Desceu outro. Dobrou um canto. Outro. Trocando uma passagem por outra,
movendo-se em um passo tão acelerado, sem jamais se dar tempo para pensar, até
alcançarem seu destino.
Seu coração martelava quando parou. Pelo espelho de duas faces viu que a sala
do trono estava lotada como esperava.
— Está pronta? — Perguntou Kane.
Não. Sim. Era melhor que estivesse.
— Estou.
— Você consegue, coração. Acredito em você.
Agora, acredite em si mesma. Josephina empurrou a porta, e com a cabeça
erguida, entrou na multidão.
Duas garotas a avistaram e ofegaram. Contaram às suas amigas e elas também
ofegaram. Um par de olhos atrás do outro a encontrou.
Josephina caminhava na frente, Kane atrás dela; a multidão se abriu, dando-lhe
passagem. Logo a família real apareceu, cada um dos seus membros sentado em seu
trono.
Leopold a avistou e se levantou. Synda acenou e sorriu, como se Josephina não
tivesse arruinado o seu casamento. A rainha fechou a cara.
— Ora, ora. — disse o rei, esfregando a mandíbula. — Você voltou. — O olhar
dele passou para Kane e se encheu de satisfação. — Já se cansou dela?
Kane passou o braço em volta dela e beijou sua testa.
— Nunca me cansarei dela. Ela é minha. Eu a escolhi na época e escolho agora.
Farei o mesmo amanhã e em todos os dias que virão depois.
Santa paixão. Ninguém nunca… Ele tinha acabado de dizer…
Murmúrios varreram a multidão. Josephina se virou em um círculo,
encontrando os olhares perplexos dos Fae. Aquelas pessoas a ignoraram e
menosprezaram, rindo de seu sofrimento. Ninguém nunca ofereceu ajuda a ela. Agora,
todos a olhavam com inveja.
Em um único momento, Kane desfez anos de rejeição. Valorizou a mulher que
ninguém nunca quis. Aquele homem… ele não era um desastre. Era um salvador.
E ele é meu.
O rei Tiberius franziu o cenho.
— Então por que está aqui, Senhor Kane?
Vá. Coloque um fim nisso.
— Ele ouviu falar que estava me procurando, que viria atrás de mim. — disse
Josephina. — Eu decidi poupá-los do trabalho e resolver tudo logo.
— Você quer resolver tudo? — O rei ficou mais vívido, indicando o espaço aos
seus pés. — Então curve-se perante a mim. Ofereça suas desculpas pela destruição do
jardim e aceite sua sentença quando ela for pronunciada.
— E o que exatamente eu fiz de errado? — ela perguntou, levantando o queixo.
Uma pausa. Depois.
— Igualzinha à sua mãe… em tudo.

243 | P á g i n a
A raiva carbonizou qualquer remorso que poderia ter sentido diante daquilo.
Surrou qualquer tristeza, estrangulou qualquer culpa.
Mas ao mesmo tempo compreendeu uma coisa. Ele a culpava pelo declínio e
morte de sua mãe, e sempre culpou. Sempre culparia.
Ele realmente amou a mulher, do seu próprio jeito deturpado?
— Gostaria de me aproximar de você, sim. — Com os olhos se estreitando, ela
saiu de perto de Kane, e cada pedacinho seu sabia que uma força imensa foi necessária
para se impedir de passar os dedos pelo cabelo dele, apreciando um último toque
antes que Séduire mudasse para sempre. Antes que ela mudasse.
Na plataforma dos tronos o guarda recuou, permitindo que se aproximasse. Em
frente ao rei, ela curvou a cabeça, apresentando uma figura perfeita de submissão.
— Majestade. — ela disse com uma reverência.
A ordem lixou o pedaço do seu coração que ainda esperava que ela finalmente,
depois de toda a sua vida, caísse nas graças dele.
— Que tal isso? — Rápido como um piscar de olhos, ela o agarrou pela
garganta, erguendo-o do trono, assustando-o — e esmagando a traqueia com os
dedos. — Curve-se perante a mim.

244 | P á g i n a
CAPÍTULO 33

Reino de Sangue e Sombras

Frenético, Torin andou de lá pra cá ao lado de sua cama. Mari chegou alguns
minutos atrás — só para desabar completamente sem forças. Ela estava doente. Muito
doente.
E ele era o responsável.
Nunca deveria ter tocado nela, nunca deveria ter permitido que apertasse sua
mão sem luva.
Estava tão preocupado com ela que mal conseguia enxergar direito. Estava
deitada na cama, tossindo pela milésima vez. Sangue borbulhava dos cantos de sua
boca.
Fúria ardeu nas bordas da preocupação de Torin e fez um buraco na parede
com um soco, desesperado por algum tipo de liberação.
— Por que não me disse que eu podia deixá-la doente com meu toque?
— Eu tinha... para morrer.
— Você tinha que morrer? — Ele irrompeu ao seu lado. — E achou que eu
estaria bem em ser a arma responsável? — Como deveria viver bem consigo mesmo
sabendo que matou outra inocente?
— Não... se preocupe. Nenhuma praga. Só eu. Nunca toque... qualquer outra
pessoa.
Oh, ele sabia que ela só tinha permissão de estar em sua prisão e no seu
quarto, mas não tornava isso melhor. Ele caminhou a passos largos para sua porta e
trancou-a, assegurando que nenhum de seus amigos pudesse irromper ali dentro por
qualquer motivo.
— Mesmo assim deveria ter me contado. — ele disse com uma voz rouca. —
Deveria ter sido escolha minha.
— Desculpe. Não quero... morrer. Resisti. Mas. Não há outra maneira. Cronus
disse... minha amiga seria... libertada.
Cronus também disse que Torin não deixaria doente a mulher que enviasse a
ele. Claramente Cronus mentira.
— O rei dos Titãs está morto. Sua amiga não será libertada.
— Últimos votos... mesmo depois da morte.
E Torin não foi inteligente suficiente para obter um voto, ele foi.
Ela tossiu entre cada palavra. Uma tosse seca que sacudiu seu corpo inteiro.
— No momento que eu morrer... ela será libertada.
Mari deu sua vida pela sua amiga. Ele compreendeu o desejo. Ele entendia.
Mas não tornava isso mais fácil. Retornou ao lado dela e examinou-a. Sua pele era de
um branco fantasmagórico, um traçado azul de veias aparentes. Havia olheiras
profundas embaixo dos seus olhos e seus lábios estavam partidos e com crostas por
serem mordidos. A última vez que o visitou, ela parecia saudável e inteira. Agora, vinte
e quatro horas mais tarde, estava reduzida a isso.

245 | P á g i n a
A morte estava batendo na porta dela. Talvez ela respondesse hoje. Talvez
amanhã. De qualquer modo, responderia. Não havia nada que pudesse salvá-la.
Não, pensou em seguida. Não. Ele tinha que tentar. Alguma coisa. Qualquer
coisa. Até agora, falhou em ajudar Cameo e Viola, mas podia ajudar esta mulher.
No banheiro, molhou uma toalhinha com água fria. Correu de volta para o lado
da garota. Luvas cobriam suas mãos, então não hesitou em colocar o pano sobre a
testa dela. Nunca tinha tocado um humano duas vezes, e não tinha certeza do que
aconteceria com Mari se sua pele tocasse a dela uma segunda vez. Será que ficaria
mais doente mais rápido? Provavelmente.
Em seu computador imprimiu a lista que tinha criado recentemente. Aquelas
com medicamentos que poderiam ajudar humanos se alguma vez sua praga escapasse.
Então chamou Lucien.
— Risque para os Estados Unidos, para uma farmácia. Preciso de algumas coisas.
— Ele despejou os nomes.
— Não vou deixar Anya, Tor. Ela precisa de mim agora.
— Vou colocar uma câmera nela. Vou me certificar que ninguém se aproxime
dela, eu juro. Só faça o que pedi. Por favor. — Torin desligou na cara dele e enfiou o
telefone no bolso. Deu uma espiada na garota. — Agora me escute. Você vai lutar
contra isto. Não vai desistir e se permitir morrer. Você quer sua amiga fora, existe
outro modo. Eu te contei sobre Sienna. Bem, ela acabou de chegar na fortaleza esta
manhã. Dê-lhe uma chance.
Lágrimas escorreram dos olhos de Mari e desceram por suas bochechas.
— Por favor. — ele disse.
Ela deu um aceno com a cabeça quase imperceptível. Mas um aceno era um
aceno.
— Pessoas sobreviveram a isto. — Não muitas, mas algumas, e ninguém que
teve contato direto com ele. — Você pode também. — Ela tinha que conseguir. Seu
coração não podia aceitar outra morte.
Toc, toc, toc.
— Deixe as coisas e vá. — Torin gritou, sabendo que Lucien estava na porta.
— O que está acontecendo? — O guerreiro exigiu.
— Apenas... confie em mim. — ele respondeu enquanto Mari tossia.
Silêncio tenso encheu o quarto.
— Reyes me disse a respeito da garota que você tinha aí dentro. Ela está
doente? É ela quem precisa dos remédios? — A voz do Lucien era suave, tranquila, e
ainda assim conseguiu atravessar a madeira da porta.
— Deixe as coisas e vá. — ele repetiu.
Movimento no canto do seu olho. Ele girou — e lá estava Lucien, deixando cair
uma sacola no chão. O guerreiro riscou dentro do quarto. Seus olhos de cores
diferentes esquadrinharam a área e caíram sobre a garota.
Acusação esticou suas feições.
— Você disse que ela era imune.
— Eu estava errado. Agora saia. Não quero que se torne um portador.
— Você deveria ter me contado sobre isso. — A acusação na expressão do
Lucien foi como levar uma facada nas costas. — Preciso levar todos para um novo
local. Especialmente as mulheres e crianças.
Sim. Claro. Ele deveria ter pensado nisso. O quanto Torin podia ser tolo?

246 | P á g i n a
— Preciso da ajuda de Sienna com uma coisa. Libertar outra garota. Ela está em
uma prisão que Cronus possuía. Diga a ela para começar a procurar por isto. Por favor.
— O que você vai fazer? — Lucien perguntou. — E esta garota?
— Não se preocupe conosco.
Lucien beliscou a ponte do seu nariz.
— Não posso acreditar que você fez isto. Achei que tinha aprendido.
— Não é culpa... dele. — Mari disse em uma voz áspera.
— Claro que é minha culpa. — Torin estalou, e ela se encolheu.
Lucien pareceu pronto para chegar até a garota e pegá-la nos braços. Em vez
disso, ele se afastou dizendo:
— Chame se precisar de qualquer outra coisa. — Ele desapareceu.
Torin foi atrás dos remédios, decidindo administrar o antibiótico e o remédio
para tosse. Enquanto esperava por qualquer sinal de recuperação, uma ideia lhe
ocorreu. Ele não se permitiu considerar as muitas ramificações ou perigo para si
mesmo. Correu para o seu armário e agarrou uma bolsa de nylon. Encheu com armas e
qualquer outro equipamento que pensou que pudesse precisar. Cobriu seu cabelo e
testa com uma bandana, empurrou uma máscara de esqui por cima do rosto para
garantir que o resto do corpo estivesse coberto também. Ele adicionou os remédios na
bolsa, escreveu uma nota para seus amigos e então fez algo que esperava adiar para
sempre.
Olhou para a pintura da Danika, esperando ver este momento, esta tragédia —
ou talvez o resultado.
Nela Torin estava reclinado em um sofá de couro preto. Tinha um copo em uma
mão e um cigarro na outra — nenhuma mão estava com luva. Ele estava sorrindo, uma
expressão que não usava há muito tempo, achava que não. Havia pessoas ao redor
dele. Tanta gente. O choque o fez tropeçar para trás. Danika nunca antes mostrou a
ele um final feliz.
Feliz.
Ele podia ser feliz.
A garota tossiu, chamando sua atenção de volta para ela. A esperança abriu
suas asas e voou através dele. Talvez ela sobrevivesse.
Agachou-se ao lado dela.
— Quando você riscar de volta para a prisão, quero que segure em mim e me
leve com você. Okay? Pode fazer isto? Estou coberto. Sua pele nem sequer estará em
contato com a minha e sua condição não vai piorar. — Por favor, não piore.
Ela lambeu os lábios secos e rachados, mas não deixou nenhuma umidade para
trás.
— Por que?
— Não vou deixar você sozinha naquela cela. Sei que tem que voltar e não há
nenhuma maneira que eu possa te deter, então simplesmente terei que ir com você.
Estarei lá para te medicar, e talvez fique melhor. — Você tem que melhorar.
— Você não vai... ser capaz... de partir.
— Tudo bem. Sienna vai nos encontrar e vou te apresentar.
Entre um acesso de tosse, ela respondeu.
— Pode... tentar.
Ele esticou-se ao lado dela e pressionou a máscara que cobria seu rosto contra
o peito dela. Seu coração estava batendo muito forte e muito rápido. Calor irradiava

247 | P á g i n a
através das barreiras materiais entre eles. Ele jogou seu braço por cima do meio dela e
entrelaçou suas pernas com as dela.
A posição era nova para ele. Uma que jamais experimentou antes. Uma que
tinha vergonha de admitir que gostava, apesar das circunstâncias. Nunca esteve tão
perto de uma fêmea. Enquanto isso, ela estava morrendo.
— Estou aqui. — ele balbuciou carinhosamente. — Estou com você.
— Aqui vamos... nós.
Um segundo depois, o mundo ao seu redor desapareceu e um novo se formou.
Funcionou.
Ele viu uma cela pequena com paredes de pedra desmoronando. Não havia
nenhuma janela, e quase nenhuma luz. A única porta era feita de barras de metal. Não
havia cama, nenhum cobertor. O ar era frio e úmido.
Um gemido suave e doloroso escapou dela.
Eles estavam no chão frio e duro, e aquilo tinha que ser doloroso para seus
ossos doloridos. Torin levantou-se de um pulo e arrancou as roupas de sua bolsa para
criar uma barreira, um colchão improvisado. Então a pegou no colo e aliviou seu
desconforto.
— Mari? — Uma bela voz chamou do outro lado. — É você? Está de volta?
Em resposta, Mari tossiu.
— Você está bem? — A menina perguntou, preocupada. — E quem está aí com
você? A sombra que vejo é muito grande para ser a sua.
— Meu nome é Torin. — ele gritou. — Mari está doente e estou aqui para
ajudá-la.
A menina lançou uma série de maldições.
— Você tocou nela. Você tocou nela e agora ela vai morrer.
— Não. — ele disse. — Não vou deixar.
Barras sacudiram.
— É melhor esperar que ela não morra. Se morrer, vou encontrar um jeito de
sair daqui. Destruirei você e todos que ama.

***

A paciência de Cameo acabou enquanto passava empurrando outro


emaranhado de arbustos cheios de espinhos. Sua pele estava cortada em lugares
demais para contar, seus pés estavam latejando e tinha certeza que havia insetos no
seu cabelo.
Ela esteve tão perto da Caixa de Pandora, agora estava tão longe.
— Quero sair desta dimensão, tipo, ontem. — ela disse.
— Estou procurando pela entrada da próxima. — Lazarus fez uma pausa para
mover um galho para fora do caminho. — Muito impaciente?
— Uma garota que eu conheço pode ter ficado presa em outra dimensão
também, e quero encontrá-la. Então sim, estou impaciente. — Ela passou pisando
duro. Ele soltou o galho e riu quando os espinhos bateram nela. Dando meia volta, ela
apontou um dedo na cara dele. — Vou pendurar suas bolas na minha estante de troféu
se fizer isto novamente.
— Bom. Segure-se na sua raiva. Sua voz é insuportável quando está se
queixando. — Ele a rodeou e retomou sua jornada.

248 | P á g i n a
— Eu nunca me queixo. — ela murmurou. — Sou uma guerreira. Sou forte.
Dura. Insuperável. — Ela lutou em guerras, salvou seus amigos. Batalhou sua saída do
território inimigo. — Além disso, é falta de educação apontar minha única falha.
— Única? — Lazarus empurrou outro galho para fora do seu caminho — só
para deixá-lo balançar para trás e esbofetear o rosto dela. — Ops. Foi mal.
Ela estalou os dentes em suas costas.
— Eu vi isto.
— Depois que eu remover suas bolas, vou te amarrar em uma laje de concreto
e obrigá-lo a me ouvir enquanto canto.
— Agora realmente me assustou. — Ele gargalhou. — Você me diverte, fêmea.
Ela o divertia?
— Essa é a primeira vez.
— Mas, porém é verdade. Ao contrário da mulher que tentou me escravizar —
um nome que não falará novamente ou finalmente verá meu lado sombrio — você não
é do tipo que machuca um homem inocente.
— Você não é inocente.
— Eu prejudiquei você?
— Não. — ela admitiu a contragosto.
— Então, com você sou inocente. — Ele lançou um olhar demorado a ela. —
Você é tão minúscula e tão triste, e ainda se considera feroz.
— Eu sou feroz! — E se não precisasse tanto dele, teria demonstrado.
— Claro que é. — ele disse, e se estivesse de frente para ela, tinha certeza que
teria dado um tapinha no topo da cabeça dela.
Seu olhar perfurou as costas dele. Suas costas largas e musculosas. Por causa
do calor, ele tirou sua camisa. O suor escorria em riachos. Sua pele era
maravilhosamente bronzeada, marcada com a mais vibrante tatuagem e...
— Você alguma vez ri? — Ele perguntou, arrancando-a de sua inspeção antes
de seus joelhos começarem a bater.
— Disseram para mim que já.
— Você não lembra?
— Não. Alegria não é algo que marque.
Um rugido alto reverberou atrás dela.
Lazarus parou e deu meia volta, uma estranha luz âmbar brilhando em seus
olhos. Ela esbarrou nele e seus braços a envolveram, segurando-a firme. Ele era forte.
Incrivelmente forte. E eu não deveria achá-lo atraente, pensou. Eu deveria ser imune.
Passei séculos com homens exatamente como ele.
— Fique quieta e tranquila. — ele sussurrou, seu olhar procurando as árvores.
Bem, talvez não exatamente como ele. Seus amigos teriam pedido gentilmente.
As orelhas dela se contraíram enquanto escutava também. À distância podia
ouvir o farfalhar de galhos de árvores sacudindo pelo ar, o barulho das folhas batendo
juntas.
— Corra. — disse Lazarus e irrompeu em alta velocidade, arrastando-a junto
com ele.
— O que é isto?
— Você não quer saber.
Uma criatura horrorosa atravessou a linha das árvores atrás deles. O... que
quer que isso fosse tinha o corpo de um porco selvagem e o rosto de um dragão. Asas

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retorcidas estendiam-se de suas costas, e longos dentes de sabre alargavam-se dentre
seus lábios.
Ela nunca tinha visto nada parecido.
— Está se aproximando. — E ela era o alvo mais próximo, então seria a primeira
a ser comida.
— Eu também. — Lazarus ganhou velocidade. — Achei a entrada.
Depois de mais alguns passos saltou no ar, arrastando Cameo com ele. Eles
voaram em direção a uma parede de folhas. Ela esperou sentir o raspar de galhos
contra sua pele, mas houve apenas uma corrente de ar frio. Então a floresta
desapareceu, e uma nova cena formou-se ao redor dela.
Cameo colidiu em um chão de metal frio. Quando recuperou o fôlego e ficou de
pé, olhou ao redor — e meio que desejou que eles tivessem permanecido na floresta e
enfrentassem a fera.

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CAPÍTULO 34

Séduire

Quando Leopold recuou, Synda aplaudiu, e a rainha deslizou para o chão para
se afastar dela, Josephina lançou seu ofegante pai por cima do ombro. Ele era um
homem grande, e ainda assim pareceu tão leve como uma pluma. Ele deslizou pelo
chão, batendo em Fae após Fae, antes de bater na parede dos fundos. Ele era a bola de
boliche; eles eram os pinos.
Raiva e medo escureciam seus olhos, quando ele saltou de pé.
—Você... você... — Ele rosnou.
— Sim. Eu.
Kane apressou-se pela sala, fechando todas as portas, trancando todas as
fechaduras, lacrando todos do lado de dentro. Ele olhou para Josephina, sorrindo
orgulhosamente, então assentiu para a área logo atrás dela.
— Entrando.
Ela virou e viu um contingente de guardas correndo em sua direção. A
adrenalina surgiu dentro dela, borbulhando em suas veias, fervendo-a. No momento
que os machos a alcançaram, explodiu em um turbilhão de movimentos, quebrando
narizes com a palma de sua mão, estalando braços em dois, dando joelhadas nas
virilhas dos homens, esmurrando, esmurrando, esmurrando do jeito que foi ensinada.
O impacto deveria arder, mas não sentia nenhuma dor.
Ninguém conseguia prendê-la. Seus membros e corpo simplesmente moviam-
se muito rápido.
Lamentando e gemendo, os homens caíram ao redor dela, e quando não havia
mais ninguém para desafiá-la, manobrou sobre o monte de corpos triunfante com a
intenção de enfrentar seu pai de uma vez por todas.
Enquanto a rainha e Leopold batiam nas portas, tentando abrir caminho para
fora da sala e Synda se encolhia atrás do trono, Tiberius observava-a, esperando.
— Você não vencerá. — ele disse.
— Concordo em discordar. — Um violento vento disparou dela, arqueando suas
costas, erguendo-a do chão, empurrando o resto dos corpos pra fora do seu caminho,
contra as paredes, limpando seu trajeto antes dela estabelecer-se.
Suspiros soaram dos Opulens. Kane estava mantendo-os no fundo da sala, mas
o chão estava rachando debaixo de seus pés e pequenas chamas estavam sendo
sugadas das tochas das paredes para seus cabelos. Ele dava pancadinhas no fogo,
enquanto mantinha sua atenção na multidão.
Devo me apressar, ela pensou. Os olhos em seu objetivo: Seu pai. Pés:
Movendo-se adiante.
— Como você faz isto? — Tiberius exigiu.
— Você não é o único capaz de usar seus dons em sua vantagem.
Ela lançou um soco. O rei se abaixou e sua mão atravessou a porta atrás dele.
Pedaços de madeira choveram. Ela puxou com toda sua força e trouxe um pedaço de

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madeira com ela, deixando um buraco. Mas pouco antes dela ganhar sua liberdade,
Tiberius a chutou no estômago. Ela impulsionou para trás, deslizando pelo chão.
O berro furioso de Kane saltou através das paredes.
Ela entendeu a mão ferida, um comando silencioso para ele ficar para trás. Ela
se garantia.
O rei estalou os dedos e sorriu. Josephina levantou-se e devolveu seu sorriso,
sua diversão apagando a dele.
— Eu não vou pegar leve com você. — ele disse.
— Você nunca pegou. — Ela correu para frente, seus pés levando-a através da
sala em menos de um piscar de olhos, os objetos ao seu lado obscurecendo.
Sorrindo largamente, o rei estendeu as mãos quando ela lançou outro soco.
Baque.
Os ossos dela vibraram com a força de colisão, mas não chegou a fazer contato
com ele. O rei usou uma de suas habilidades erguendo um escudo invisível,
protegendo-se.
— Sou imbatível. — ele disse, orgulhoso.
Não! Ela não tinha chegado tão longe para falhar. Tinha que haver uma
maneira de alcançá-lo.
Com a raiva subindo, bateu os punhos contra a barreira. Era sólida. O rei riu. A
raiva dentro dela elevou-se... e elevou-se... queimando por suas veias, chamuscando
músculos e ossos. O suor começou a escorrer dela, o calor insuportável. Seguramente
estava derretendo.
— Pobre Josephina. — Tiberius estalou. — Você já perdeu, só não sabe ainda.
Braços fortes enrolaram ao redor dela, surpreendendo-a. Os úmidos odores,
bolorentos do calabouço a envolveram e soube que o culpado era Leopold.
— Não posso deixá-la fazer isto. — ele rosnou no seu ouvido.
— Você não pode me deter. — Ela bateu a parte de trás de sua cabeça no nariz
dele. Ganindo, ele a soltou. Ela se virou e esmurrou-o no peito com tanta força que ele
voou para trás e chocou-se com o trono, onde Synda estava.
O som de ossos rachando ecoou. Leopold caiu no chão de olhos fechados, seu
corpo mole. Tinha um aro no centro de sua camisa, o material chamuscado nas
extremidades. Ele parecia... queimado?
Josephina chicoteou de volta para o rei, apenas para levar uma pancada no
queixo. Uma forte dor explodiu por sua cabeça. As novas habilidades e força deviam
estar desvanecendo, droga. Ela bateu no chão, seu cérebro batendo contra o crânio.
Tiberius atingiu novamente, chutando-a no estômago.
Tchau, tchau oxigênio. Mesmo enquanto ofegava, ela endireitou-se, não
querendo dar-lhe outra chance de lançar um ataque surpresa.
— Pronta para desistir? — Ele perguntou. — Você nunca poderá ultrapassar
minhas defesas. Ninguém pode.
Ela estendeu a mão para enxugar uma gota morna de sangue de seu rosto, e
percebeu que um dos anéis do rei deixou um corte dentado em sua bochecha.
Ela procurou por Kane e encontrou-o desviando o resto dos guardas. Soldado
após soldado tentava evadir dele pra chegar até ela, determinados a proteger o rei,
mas Kane permanecia em um estado constante de movimento, parando-os.
Finalmente os soldados aceitaram que teriam que vencê-lo. A evasão se tornou
um ataque completo, punhais e espadas batendo.

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Depressa, Depressa.
— Eu sou mais do que ninguém. — Com os ouvidos zumbindo ela se moveu
lentamente, propositalmente, e aplainou as mãos contra a barreira invisível.
Ele a chutou, a perna dele penetrou o escudo sem nenhum problema e ela
cambaleou para trás — mas continuou voltando para mais.
— Desista, Josephina. Não pode ganhar. Lutei com oponentes de longe mais
fortes que você. Muito mais rápidos. Muito mais espertos. E você... você é fraca.
Descartável.
— Não sou! Valho alguma coisa. — A fúria parou de subir e simplesmente
explodiu. Ela bateu no escudo e chamas dispararam dela, dançando juntas, cada vez
mais forte, mais quente, até o ar começar a chiar, criando um buraco na barreira
grande o suficiente para seu punho.
Tiberius empalideceu.
— Como você fez...
Josephina esmurrou pela abertura uma vez, duas vezes, três vezes, movendo
muito mais rapidamente do que ele podia evitar, quebrando seu nariz, nocauteando
dois dentes dele, deslocando sua mandíbula. O sangue espirrou contra o que restava
do escudo, misturando com as chamas.
— Este é pela minha mãe. — ela disse, batendo nele novamente. — Este é por
Kane. Este é por mim. Este é por ter um coração negro. Este é pela... pela minha mãe
novamente.
Os joelhos dele dobraram. No momento que bateu no chão estava apagado.
Ofegante, ela espreitou-o. Ela fez isto. Ela o derrotou.
Deveria se sentir mais triunfante, mas a tristeza que negou encontrou nova
vida, enchendo-a, transbordando. Mas isso não iria impedi-la. Agarrou o rei pelos
cabelos e arrastou-o até Leopold. Então procurou pela sala pela rainha... lá! Ela ainda
estava espreitando na junção das portas, desesperada para escapar.
Josephina simplesmente caminhou atrás dela, juntou seus punhos e socou. A
mulher tombou para o lado e ficou caída.
William apareceu bem em frente ao corpo inconsciente. Red, Green, Black e
White apareceram logo atrás dele, completamente curados.
— Parece que chegamos na hora certa, gangue. — William disse com um
sorriso.
O grupo apressou-se para o meio da batalha, desembainhando as espadas pelo
caminho.
— Não! — Josephina clamou.
Mas eles não atacaram Kane; atacaram as pessoas ao redor dele.
A névoa preta que normalmente acompanhava os Rejeitados do Arco-íris
permaneceu à distância. Talvez isto não fosse preciso. Os garotos não se trasformaram
em suas outras formas, e em apenas alguns minutos posicionaram-se, William e seus
filhos matinham o resto da multidão afastando-se com medo.
— Soube que você estava precisando de nós. — William disse com uma
batidinha no ombro de Kane.
Um Kane sem fôlego e sujo de sangue estalou entre os dentes.
— Tenho o exército exatamente onde queria e estava para fazer meu
movimento final.
— Por favor. Você estava no precipício, prestes a ser chutado.

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— Tanto faz. — Kane caminhou para o lado de Josephina. Gentilmente segurou
seu queixo e inclinou sua cabeça para a esquerda, permitindo que a luz caísse sobre
seu ferimento. — Vai ficar uma cicatriz.
— Sim. — Ao contrário dos imortais puro-sangue, ela manteria seus ferimentos
para sempre. — Ainda estarei bonita para você. — Depois de tudo que este homem fez
por ela, já não duvidava de sua atração por ela.
— Mais do que bonita. Primorosa. — Ele a beijou, suave e doce. — Estou tão
orgulhoso de você.
— E estou orgulhosa de você.
Black içou a rainha por cima de seu ombro, então passou um braço debaixo do
estômago de Synda e a pendurou em seu flanco.
— Levarei estas duas. — Seu olhar moveu-se para William e estreitou. —
Mereço algum tipo de recompensa por jurar nunca tocar em Kane ou na mulher dele.
— Aquele voto o salvou de meu golpe mortal. Isso é recompensa suficiente.
Agora, coloque as fêmeas no calabouço, senão... — William comandou.
Kane sorriu. Para Josephina, ele disse.
— Preciso de uma ajudinha para tirar o lixo. Tem algumas palavras que gostaria
de dizer para seu pai. Você está bem?
— Estou.
Kane beijou a ponta do nariz dela.
— Já volto. — Ele lançou o príncipe sobre o ombro, então agarrou o rei pelos
cabelos. Fez um sinal para Black com um aceno de seu queixo. — Vá na frente.
Black não se preocupou em tentar abrir a porta, apenas atravessou-a, usando a
rainha como um aríete.
Lambendo os lábios, Josephina enfrentou a multidão. Cada olho estava colado
nela, arregalados, expectantes e com raiva.
— Certo. — ela disse. — Vocês viram minha força, minha habilidade. Viram a
força e a habilidade de meus amigos. — Enquanto falava podia sentir o resto da
energia deixando-a, e dentro de alguns segundos um peso estranho estava caindo
sobre seus membros. Para mascarar a debilidade que se aproximava, deixou-se cair
sobre o trono do rei e continuou falando. — Existe mais de onde isso veio se...
Uma sombra saltou do teto, impelindo sua atenção quando pousou sobre os
ombros de White. A garota não teve nem tempo de reagir. Em um segundo ela estava
de pé orgulhosa, no próximo sua cabeça estava no chão — sem seu corpo.
Josephina gritou.
Quando o corpo da garota tombou no chão sem vida, o sangue escorrendo de
seu pescoço cortado, a pessoa responsável aterrizou sobre seus pés e endireitou-se.
— Eu disse que você lamentaria o que me fez. — a Phoenix disse com um
sorriso.
Red percebeu o que havia acontecido com sua irmã e caiu de joelhos.
Green lançou um agonizante.
— Nãooo! — A primeira palavra que falou na presença de Josephina.
Um William pálido apertou seu coração.
O choque abateu-se por Josephina. A natureza horrorosa do que tinha acabado
de acontecer...
Nem sequer era a pior parte.

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Enquanto oscilava, o corpo inteiro de White transformou-se. Sua pele
escureceu, enegreceu... rachou, partindo-se em milhares de minúsculos pedaços
redondos. Desses pedaços brotaram pernas e repartiram-se em outras. Insetos, ela
pensou com uma onda de repulsa. Os assustadores rastejantes aceleraram em ação,
varrendo através da sala, cobrindo o chão, as paredes, perseguindo os Fae e tentando
escavar sob a pele deles.
Gritos e passos em pânico estouram. Punhos batendo nas portas fechadas. As
pessoas estavam pisoteando, enquanto outras lutavam para forçar suas saídas pela
única abertura. Alguém deve ter encontrado uma chave para outro reino porque um
novo portal foi criado nos fundos da sala. Alguns Faes conseguiram correr através disso
— assim como alguns dos insetos.
Os insetos. Oh, misericórdia.
Onde eles estavam indo?
Em meio ao caos, a Phoenix circulou Josephina.
— Você tem apenas que culpar a si mesma por isto. Bem, a si mesma e ao seu
homem. Ele contrariou as Moiras. Elas disseram que ele mudou o próprio destino, e
então elas mudaram o dele. Elas ficaram muito felizes em me usar para castigá-lo — e
que maneira melhor para castigá-lo do que destruindo sua querida esposa?
— Deixe Kane fora disso. Isto é entre você e eu.
— As Moiras me soltaram em sua vida no momento perfeito. Você está
finalmente sem seu protetor — e estou sem paciência. Esta batalha deveria ter
começado há muito tempo.
A Phoenix lançou-se para ela.
Josephina girou para fora do caminho e a garota disparou passando por ela,
amaldiçoando. Instintos, ela pensou — precisava substituí-los. Precisava de contato,
ainda que isto machucasse.
A Phoenix ganhou equilíbrio rapidamente e virou, deslizando uma mão coberta
com garras de metal. Josephina torceu para o lado, recebendo unhadas em seu
antebraço, no entanto sugou um pouco da força da garota. A Phoenix não pareceu
notar — ainda. Quando o sangue morno gotejou abaixo pelo braço de Josephina, a
garota veio para ela novamente, e desta vez sua coxa tomou o ímpeto do abuso. Esta
lesão provou-se pior, mas foi capaz de sugar ainda mais força.
Uma punhalada em seu coração. Silvando, Josephina embrulhou os dedos em
torno dos pulsos da garota no momento do contato. Ela foi varrida para frente quando
a garota recuou para outro golpe, mas conseguiu esperar, tomando cada vez mais
energia.
Fortalecendo.
A Phoenix enfraquecia.
Percebendo o que ela estava fazendo, a garota afastou-se, fora de alcance.
— Você se atreve a tentar me roubar novamente!
— Tentar? — Ela forçou uma risada.
Rosnando, a Phoenix mergulhou para ela. Seus braços cruzados enquanto
tentava fatiar Josephina em pedaços, sem permitir-lhe qualquer contato prolongado.
Josephina esquivou-se, movendo mais rápido do que tinha se movido há alguns
minutos atrás.
— Alguém esteve praticando. Então que tal aproveitarmos este entalhe? —
Sorrindo agora, a Phoenix caminhou em um grande círculo ao redor dela, chamas

255 | P á g i n a
disparando das pontas de seus dedos e para o chão. Aquelas chamas aumentaram,
alcançando em direção ao teto. A fumaça ondulou, fazendo Josephina tossir.
Além do círculo podia ouvir Red xingando. O que William e Green estavam
fazendo, não tinha certeza. Os murmúrios apavorados e passadas frenéticas dos
Opulens tinham desaparecido, mas os restantes ainda estavam em perigo. Eles eram
seu povo agora, pensou. Deixou-os sem um líder e precisavam dela. Eram dela para
proteger.
— Muito bem, então. — ela disse com um aceno de cabeça. — Vamos terminar
isto.
Ding, ding.
Josephina se lançou para um segundo round, conseguindo aterrissar apesar dos
muitos golpes que tomou. Quando a Phoenix tropeçou em uma das rachaduras que
Kane deixou para trás, Josephina correu adiante, caiu de joelhos e deslizou pelo chão,
parando aos pés da garota. Agarrou o tornozelo dela e puxou as pernas debaixo dela.
Assim que a garota caiu, esticou a mão apertando seu braço, absorvendo muito mais
correntes de energia.
A Phoenix empurrou-a para longe, e saltou de pé — apenas para tropeçar com
fraqueza.
— Vou matá-la. — ela ofegou.
Sabendo que tinha que agir agora, mesmo à custa de sua própria vida,
Josephina atacou-a. Elas caíram e chocaram-se contra o chão, a Phoenix tomando o
impacto do choque — mas não todo. Entretanto a vertigem inundava-a, rastejou até o
corpo da garota, escarranchando sobre sua cintura e agarrou-a pelo pescoço. Outra
corrente de energia entrou em Josephina. Outra e outra. A Phoenix tentou afastá-la,
falhando.
— Sininho! — Ela ouviu Kane gritar pouco antes dele correr pelas chamas.
Quando se abaixou ao lado dela, bolhas apareciam em seu rosto, braços e mãos. As
pontas de seu cabelo fumegavam. Ele não desperdiçou tempo fazendo perguntas, mas
bateu seu punho na têmpora da garota, nocauteando-a.
Zumbindo com energia e calor, muito calor, Josephina afastou-se.
Ele levantou a garota e lançou-a para fora do círculo de fogo, dizendo.
— Ela é toda sua, William.
Embora estivesse sobrecarregada por uma avalanche de emoções — pesar,
alívio, tristeza, alegria, medo, aflição — Josephina levantou.
— Preciso apagar o fogo.
— Deixe-me. Eu...
— Não. Isto está me chamando. — ela interrompeu, e aquilo estava. Sentia-se...
conectada com ele, o calor aquecendo-a. — Está querendo estar comigo. — Ela
estendeu as mãos e as chamas imediatamente inclinaram-se em sua direção. No
momento que as pontas roçaram contra sua pele, seus poros abriram, como se
estivessem drenando poder de outra pessoa, e as chamas foram sugadas para dentro
de seu corpo.
— Diga-me que você está bem. — Kane disse, reunindo-a em seus braços. Ele
silvou, como se ela estivesse queimando-o, mas não a soltou.
— Estou... ilesa. E você?
— Também.

256 | P á g i n a
Ela esquadrinhou a sala do trono. Corpos espalhavam-se pelo chão. A maioria
estava morta, alguns estavam contorcendo-se de dor. William, Red, Green e Black se
foram — e a Phoenix também.
— O que aconteceu? — Kane resmungou. — Entrei e William e Red estavam
enlouquecidos, murmurando sobre derrota, morte e destruição. Quando saltei através
das chamas, William exigiu que lhe desse a Phoenix.
Lágrimas brotaram de seus olhos e ela explicou o melhor que pode sobre
White. Kane empalideceu, soltou-a e recuou de cócoras.
— Eu fiz isto. Minhas ações e minhas decisões a mataram. Desencadeando sua
destruição. Neste reino. Em outro reino. O apocalipse chegou. E foi minha culpa. — ele
disse.
— Não, as Moiras são as culpadas. Elas enviaram a Phoenix.
— Por minha causa. Porque falhei em não acatar a previsão delas. Porque as
ataquei na casa delas.
— Kane, não. A única razão da Phoenix vir aqui em primeiro lugar, foi para se
vingar de mim. Se quiser culpar alguém além das Moiras, culpe-me.
— Não. — ele disse com uma sacudida de cabeça. — Nunca você. O ódio de
Petra trouxe-a aqui pela primeira vez. A teimosia dela.
— Bem, então você entende. Não é o culpado.
Os olhos dele se estreitaram.
— E você também não é, tampouco.
Ela deu um tapinha no joelho dele.
— Certo, então. Nós estamos de acordo. As Moiras e Petra levarão a culpa.
Uma expressão de dor passou pelo rosto dele e soube que queria concordar
com ela, mas estava lutando em aceitar. E ela compreendia. As predições das Moiras o
assombraram por tanto tempo que ele apenas esperava levar a culpa.
— Algo terá que ser feito. — ele disse. — A ameaça terá que ser contida.
— Acontece que sei que os Senhores do Submundo estão prontos para o
desafio.
Ele assentiu.
— Você está certa.
— Sempre. — Se alguém pode lutar contra esta nova ameaça, seria os Senhores
— e um dia, seria contida.
Kane deu um beijo rápido em seus lábios e a dor ainda estava lá, no fundo de
seus olhos, mas agora existia também uma medida de determinação.
— Acho que você acabou de me manipular.
— Eu? — Ela disse inocentemente. — Nunca.
Outro beijo.
— Não mude jamais.

257 | P á g i n a
CAPÍTULO 35

Josephina e Kane passaram o resto da noite vendo as defesas do palácio. Os


insetos espalharam-se por toda a terra e as pessoas estavam revoltadas, lutando entre
si pelas coisas mais idiotas, mesmo enquanto eles tentavam invadir a parede exterior
para chegar a Josephina.
Quando os dois terminaram, quando finalmente conseguiram acalmar a todos e
atender os feridos, ela estava tão exausta que mal podia levantar a cabeça. Tanto
sangue... tanta violência...
Kane varreu-a em seus braços e levou-a para seu antigo quarto.
— Eu sinto muito sobre o que seu pai disse a você. Ele estava errado, sabe?
— Eu sei disso. Agora.
— Ele nunca viu seu valor, e esta é a vergonha dele, não sua.
Semelhantes às palavras que ela deu a ele antes. Homem inteligente, usando
seus métodos contra ela, detendo seu argumento no meio do caminho.
Ele beijou sua têmpora.
— Você precisa de uma soneca.
— Não faça isso.
— Bem, então preciso limpar seus ferimentos e não quero que esteja ciente da
dor.
— Eu vou limpá-los.
— E ainda sentirá dor. É isso que estou tentando evitar.
— Posso lidar com a dor.
— Mas não deveria. — Ele deixou-a de pé e pressionou a artéria correndo até
seu pescoço.
— Não ouse... — Com um olhar cheio de raiva ela desmoronou em um sofá
almofadado.
O rosto determinado dele foi a última coisa que viu.
Quando veio a si, não importa quanto tempo mais tarde, ele ainda estava com
ela. Tinha um telefone pressionado na orelha.
— Agora você sabe o mesmo que eu. E sinto muito, cara. Sinto muito isso que
aconteceu. — Uma pausa. — Ainda gostaria muito que você viesse. As circunstâncias
são as mesmas em ambos os reinos, então as mulheres não estarão mais em perigo
aqui.
— Kane. — ela disse asperamente.
Ele virou para enfrentá-la.
— Para mim. — ele disse e desligou a chamada. Aqueles olhos cor de avelã
cheios de culpa. — Estava apenas conversando com Lucien. William e seus filhos são
inacessíveis. Os insetos chegaram ao reino humano. Ninguém sabe exatamente quanto
dano eles causarão.
Enquanto falava ele caminhou em direção a ela e descartou sua camisa.
— As portas estão trancadas. Os soldados que estou disposto a confiar estão
patrulhando. — Ele estendeu a mão para desabotoar a camisa dela. — Você está brava
comigo?

258 | P á g i n a
— Sim.
— Quer que eu pare?
— Não. — Um pouco brava nunca mascararia a intensidade de seu desejo por
ele.
Com as pupilas expandindo, ele deitou em cima dela. Pele quente contra pele
quente deixando-a selvagem.
— Kane, tenho uma confissão a fazer. Eu acho que eu... amo você. — ela disse,
enredando as mãos no seu cabelo. — Como se sente sobre isso?
Ele fechou os olhos por um momento, um olhar de felicidade absoluta
consumindo suas belas feições.
— Não sei como expressar o prazer que o pensamento do seu amor me dá, mas
querida, quero que tenha certeza. É errado de minha parte, mas...
— Errado de sua parte como? Nós somos casados.
Um olhar sombrio se fechou sobre as feições dele. Calado agora, ele curvou a
cabeça e beijou o pulso martelando na base do seu pescoço, um movimento
estratégico feito para distraí-la de sua pergunta, mas ela... não iria... Oh!
A língua acariciou sua clavícula, antes de investir mais abaixo e brincar com
seus seios. Enquanto isso suas mãos habilmente tiraram o resto de sua roupa,
deixando-a completamente nua. E em seguida suas mãos estavam livres para mexer
em outro lugar... em todos os lugares.
Cada toque sedoso e carícia indecente, suave aqui, mais dura ali, lembrava-a de
seu poder inexorável sobre ela. Ele podia levá-la a alturas que jamais sonhou ser
possível.
— Não vou te mostrar nenhuma clemência. — ele prometeu.
— Não quero sua clemência.
— O que você quer?
— Você. Só você.
Ele estava no processo de beijar a parte interna de sua coxa. Com suas palavras,
ele levantou o olhar para ela. O calor encheu seus olhos.
— Você me tem. — Ele mergulhou de volta, entrosando sua boca na dela, sua
língua varrendo dentro, reivindicando, dominando. — Eu sou seu.
Depois disso, ele perdeu seu ritmo calmo. Perdeu a gentileza também.
Ele se atrapalhou com a cintura de suas calças; no segundo que o material abriu
estava dentro dela, as costas dela arqueando quando o prazer a atravessou.
— Diga. — ele ordenou enquanto se movia, linhas de tensão ramificando de
seus olhos.
Ela sabia o que ele queria.
— Eu te amo.
— Tem certeza?
— Muita certeza.
— Mais uma vez.
— Amo você.
Suas palavras eram como combustível para um fogo já furioso. Ele se tornou
um homem possuído pela necessidade, só necessidade, rude e maravilhoso, levando-a
cada vez mais alto, até que tudo que pôde fazer foi gritar seu prazer.
Ele rugiu com o seu.

259 | P á g i n a
Mas mesmo depois que desabou em cima dela, ainda não tinha acabado com
ela. Levantou-se em seus cotovelos e examinou-a. Necessidade ainda ardia nos olhos
dele. Arquejando, ela observou como suor gotejava de sua têmpora.
— Mais. — ele disse, e alimentou seu desejo tudo de novo.

***
— Encontrei um vestido para você. — Kane disse muito tempo mais tarde. Ele
puxou suas calças. — Vai vesti-lo para mim?
Josephina o observou, seu corpo saciado ainda zumbindo de prazer.
— Claro.
— Bom. Encontre-me na sala do trono daqui a uma hora. — Soprou um beijo
para ela antes de deixá-la sozinha.
Só então percebeu que ele não tinha oferecido sua própria declaração de amor.
Porém ele a amava. Ela sabia que amava.
Mas queria sua admissão. Vou ter que acelerar meu jogo.
Caído sobre uma cadeira de canto, achou um belo vestido de gala feito do
tecido azul mais delicado. Nem mesmo Synda nunca vestiu nada tão fino. Josephina
tomou banho e escovou os dentes, então tremeu enquanto se vestia. Tomou um
cuidado especial com os cabelos, prendendo dos lados no alto da cabeça.
A única falha em sua aparência era o corte em sua bochecha. O próprio Kane
tinha costurado e colocou um curativo colorido em cima disto, ficou notável.
Descendo as escadas viu que não havia nenhum guarda ou servos à vista.
Apenas os líderes foram encarcerados no calabouço com a família real. O resto do
exército e do pessoal jurou submissão à Josephina na noite passada.
Ela chegou à sala do trono e encontrou Kane esperando por ela do lado de fora
da porta. Ele trocou de roupa e agora vestia uma calça comprida preta e camisa branca
limpa e bem passada. Seu cabelo estava penteado, os ferimentos que recebeu durante
a batalha já estavam se curando.
Ele sorriu quando a avistou. Um sorriso verdadeiro, cheio de luz e calor.
— Você está linda.
— Obrigada. Mas por que...
Ele empurrou abrindo as portas.
— Sua coroação. E casamento. É dois-por-um na promoção do dia no Chez Fae.
Os membros restantes da alta corte e da plebe foram reunidos e amarrados
pelos pulsos e tornozelos. Embora muitos pareciam como se quisessem gritar com ela,
todos permaneceram calados. Será que foram ameaçados por Kane?
Seu olhar deslizou de volta para ele.
— Espere. Você disse casamento? Porque nós já estamos casados.
— Não foi uma cerimônia que você se lembre ou sequer tenha gostado. Então,
estou te dando outra. — Ele lhe ofereceu o gancho de seu cotovelo. — Pronta?
Este homem tinha que amá-la. Tremendo, ela aceitou e ele a levou adiante.
Foi quando ela viu... Oh, meu, mas eu me casei com um amor de homem. Ali
estava Maddox com a bela Ashlyn. Os bebês estavam... em nenhum lugar que ela
pudesse ver. Estava também Lucien com a vivaz Anya. Reyes com a talentosa Danika. A
jovem Gilly estava ao lado de Danika. Sabin com a baixinha Gwen. Aeron com a
angelical Olivia e o mulherão que era Legião. Estava Gideon com a feroz Scarlet. Amun

260 | P á g i n a
com a brilhante Haidee. Strider com a ardente Kaia. Paris, embora ele estivesse em
desvantagem com a poderosa Sienna.
Cada guerreiro acenou com a cabeça para ela de forma encorajadora. Cada
fêmea sorriu para ela. Alegria atravessou uma represa erguida na sua infância,
inundando-a.
— Não se preocupe com os Opulens. — disse Kane. — O conhecimento deles
do meu passado é realmente bastante útil. Eles temem o que acontecerá se eu ficar
puto.
— Bem, eles me odeiam.
— Eles vão te adorar. Não conseguirão evitar.
Kane parou diante do trono do rei e ficou de frente para Josephina. Ele segurou
seu rosto entre as mãos. Não perdeu tempo, dizendo:
— Eu, Kane, prometo cuidar de você enquanto eu viver. Prometo colocar suas
necessidades acima das minhas e elogiá-la a cada chance que eu tiver. Prometo fazer
você sorrir pelo menos uma vez ao dia. E prometo ser seu. Somente seu, para sempre.
Isto está realmente acontecendo. Com a cabeça leve, ela conseguiu dizer com
uma voz estridente.
— Eu, Josephina — Sininho — Aisling, prometo cuidar de você. Prometo
enfrentar qualquer tempestade causada por demônio, sempre darei valor à sua força.
Quando eu decidir ir para a guerra, você será a primeira pessoa que vou chamar. — Ela
esticou a língua para seus amigos, e cada um dos guerreiros sorriu. — Agora e para
sempre, eu pertenço a você.
Kane inclinou-se e beijou-a, e não foi o beijo doce que ela estava esperando.
Deu sua língua, e calor e paixão, tomando e dando, derramando desejo dentro dela,
bebendo desejo dela.
O mundo desapareceu — até que os gritos altos de seus amigos trouxeram-na
de volta à consciência. Kane ergueu a cabeça e sorriu para ela.
— Ainda está certa sobre como você se sente? — Ele perguntou.
— Sempre.
Ele perscrutou dentro dos olhos dela.
— Bom. Porque você é isto para mim, Fada Sininho, Sininho, Sininho
Pequenina. Minha número um. Só minha. Meu tudo. Toda minha. — Ele esfregou a
ponta do seu nariz contra o dela. — E adivinha o que?
— O que? — Mais uma bondade e ela estouraria.
— A magnitude do que sinto por você drenou a luta diretamente do demônio.
Ele ficou quieto.
Seu coração disparou diante deste pensamento — Kane estava finalmente livre.
Eles dois estavam.
— Oh, Kane. Isto é tão maravilhoso.
— É. — ele disse, porém sorriu tristemente. Ele deu um passo para o lado antes
que pudesse questioná-lo.
Alguém se moveu para trás dela e depositou algo pesado em sua cabeça. Ela
quase olhou pra cima. Quase. Mas a ficha finalmente caiu e conseguiu permanecer
perfeitamente imóvel. A coroa real agora estava na sua cabeça, um símbolo de poder e
posição. E agora, agora era para ela ser a regente destas pessoas, a força motriz de
toda uma raça.

261 | P á g i n a
Ela não era forte suficiente sozinha. Não era sábia o suficiente. E se tomou a
decisão errada? Vidas poderiam ser perdidas. A náusea agitou seu estômago e lutou
contra o impulso de fugir. Ela não foi feita para este tipo de responsabilidade. Não
tinha certeza se poderia levá-lo...
— Sua rainha. — Kane anunciou.
Mas ela tinha que fazer isto, não é?

***
Kane levou um momento para olhar além das coisas negativas que causou e
focar nas positivas. Ele se apaixonou. Casou-se com a melhor mulher já criada. Ajudou-
a a reivindicar seu legítimo lugar.
Ele finalmente derrotou Desastre. Logo o demônio morreria.
E logo depois disso, Kane o seguiria.
Danika finalmente chegou a algo errado. Sua pintura não seria um problema.
White — se White era a loira, e ele pensou agora que era — estava morta.
Isso significava que as Moiras estavam erradas também, exatamente como
Sininho predisse. White não acabaria com o homem que daria início ao apocalipse. Ela
não acabaria com ninguém afinal.
Todas as suas escolhas mudaram o curso de suas vidas.
Mas não pensaria sobre nada disso agora. Nada importava além de Sininho. Por
duas vezes ele a tomou sem um preservativo. Ela podia estar grávida, inclusive agora.
O anseio o fez sentir dor — o melhor tipo de dor. Queria ter filhos com ela.
Queria estar por perto para criá-los.
Outro sonho impossível.
Ele teve que ter certeza que ela estava preparada para qualquer coisa. Tudo.
Os Opulens foram conduzidos para fora do palácio, morte prometida a eles se
pensassem em formar outra revolta. Sininho sentou no trono do meio, seu sorriso
falso ainda congelado no lugar. Ele viu o terror nos olhos dela e soube que o peso de
suas novas responsabilidades estava apenas começando a se tornar claro. No entanto,
ela triunfaria; não tinha dúvidas. Ela finalmente estava começando a perceber o seu
valor.
Anya e as outras mulheres correram para falar com ela. Seus amigos o
abordaram e formaram um círculo ao seu redor.
— Minha rainha é melhor do que a sua rainha. — disse Paris, esmurrando o
braço dele, bem humorado.
Kane revirou os olhos.
— Não existe nenhuma rainha melhor do que a minha.
— Quer apostar?
— Sim. Aposto. — Kane gostava e respeitava Sienna — ela fez coisas boas para
os Titãs desde que assumiu o trono e estava ajudando Torin em uma situação
enquanto eles falavam — mas ela não era Sininho.
— O perdedor tem que usar um vestido no casamento da Anya.
Provavelmente estarei morto. Ainda assim ele disse.
— Apostado.
Maddox o cutucou.
— Você vai ficar aqui, não é?
O grupo ficou quieto.

262 | P á g i n a
Kane acenou com a cabeça.
— Vou ficar. Sininho é necessária aqui e vou ajudá-la a se estabelecer. — Seria
seu último trabalho nesta terra.
Odiou que estaria deixando-a para lidar com a guerra que ele ajudou a
fomentar. Odiou que estaria deixando seus amigos novamente. Disse a si mesmo que
eles todos estariam bem melhor sem ele — mas isso não tornava a despedida mais
fácil.
Reyes expulsou uma pesada exalação.
— É bom que esteja ajudando-a. Família vem em primeiro lugar.
Kane assentiu concordando.
— Obrigado pela compreensão.
— Ei, compreensão é o código para irmão. — Strider disse. — Basta ter um
quarto pronto pra mim. Estarei visitando. Conte com isto.
— Todos nós poderíamos. — disse Sabin. — Nós estamos prestes a ficar sem
teto.
Ele deu a cada guerreiro um abraço, e desejou que Cameo e Torin estivessem
aqui. Inclusive Viola.
As fêmeas seriam encontradas, vivas e bem. Estes homens garantiriam isso. E
seja o que for que estivesse acontecendo com Torin, seria resolvido. Kane não
acreditava no contrário.
Olhou de relance para Sininho, seu olhar sempre atraído para ela. Avistou
Malcolm, o Enviado de cabeleira verde de pé atrás dela, seus braços cruzados no meio
do peito enquanto ouvia sua conversa com as outras fêmeas. Nenhuma das mulheres
pareceu notá-lo.
Aparentemente, ele quis que Sininho o visse no quarto de hotel, mas que Kane
o visse agora. Qual era o seu jogo?
Raiva brotou de raízes que ainda tinham que murchar.
— Você. — Kane gritou. — O que pensa que está fazendo rondando por aqui?
Malcolm encontrou seu olhar e desapareceu.
— Não vou perguntar com quem você estava falando. — disse Maddox. — Só
vou embora. Ashlyn e eu devemos retornar aos nossos bebês. Eles estão com o
Enviado Lysander, e é melhor ele estar fazendo um bom trabalho ou se verá sem uma
cabeça.
Lysander, um dos sete líderes dos sete exércitos dos Enviados. Casado com
Bianka, irmã gêmea da Kaia. Quem sabe Zacharel, amigo do Lysander, tenha enviado
Malcolm, soldado do Zacharel, para guardar Sininho?
Talvez eu devesse ter sido mais agradável.
Kane bateu no ombro de Maddox.
— Vou sentir saudade de vocês.
— Se algum dia precisar de qualquer coisa. — disse Sabin.
— Estamos apenas a um telefonema de distância. — Strider terminou.
— Quando encontrarmos a Caixa de Pandora a gente te avisa. — Reyes disse.
Kane passou séculos de sua vida procurando aquela caixa. Saber que não
estaria vivo quando finalmente fosse encontrada e destruída era um golpe terrível.
Mas tanto faz. Preferia extrair Desastre agora, enquanto a criatura estava fraca demais
para lutar.

263 | P á g i n a
Os homens se juntaram às suas mulheres e Lucien riscou com eles, dois de cada
vez.
Kane andou a passos largos até Sininho.
— Bem. — ele disse.
— Bem. — ela disse.
— Você é oficialmente a pessoa mais poderosa deste reino.
— Não, essa seria você, o novo rei.
Rei? Ele? Ele era seu homem, e isso era suficiente.
— O reino é seu. As pessoas são suas. Você sempre será a autoridade final.
Imediatamente, o terror retornou aos olhos dela.
— Acho que não posso fazer isto. — ela sussurrou.
— Diga que essas palavras não acabaram de brotar da garota que pôs o antigo
rei e rainha em seu lugar — no calabouço.
— Sim, mas fiz com ajuda. — ela disse. — Sua, das garotas que me alimentaram
com suas forças, do William. Dos Rejeitados do Arco-íris. — Seu queixo tremeu. — Eu
não poderia ter feito isto sozinha.
Queria dizer que ela nunca estaria sozinha. Sim. Ele queria.
— Você pode fazer isto, Sininho. Tenho fé em você.
— E eu tenho fé em mim mesma... às vezes.
— Isso aumentará.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Porque você acredita em mim. E me ama. — ela disse. — Eu sei que ama,
quer tenha dito as palavras de verdade ou não.
— Você, Fada Sininho, me possui. Não há nada que eu não faça por você.
Nenhuma linha que eu não cruzaria. Eu te amo tanto que mal consigo enxergar direito.
Sou obcecado por você, viciado em você. Eu respeito e venero você, e mil outras
palavras que não sou eloquente o suficiente para expressar.
Lágrimas rolaram dos olhos dela.
— Bem, você fez um ótimo trabalho agora. Acho que esta é a coisa mais doce
que alguém jamais me disse.
— Então todo mundo é imbecil.
— Oh, Kane... eu não devia deixar você desistir de sua casa para ficar comigo.
Eu deveria forçá-lo a partir. Estou finalmente no controle do meu próprio destino, e
você devia estar no controle do seu.
— Estou no controle. — Ele plantou as palmas das mãos nos braços do trono, e
inclinou-se para o seu rosto. — Meu lugar é com você. Escolho você. Eu sempre
escolherei você. Mas vá em frente. Tente me forçar a partir. Eu te desafio.
Ela levantou o olhar para ele com olhos luminosos.
— Obrigada.
— Como eu disse. Você me tem, todos os dias da minha vida.

264 | P á g i n a
CAPÍTULO 36

Kane permaneceu ao lado do trono de Sininho e observava enquanto ela


resolvia disputas entre os Opulens e os pobres. Ela estabeleceu-se em seu novo papel
bastante bem, tendo se encarregado do pessoal do palácio e atribuiu à alta e baixa
corte da reconstrução do jardim. Houve várias revoltas e um macho até mesmo
esgueirou-se no palácio e tentou assassinar a nova rainha.
Kane e a guarda agora sobre seu comando suprimiram as revoltas e mataram o
macho. Ele não morreu facilmente — porque Kane não permitiu.
Palavras dos feitos de Sininho, do dia em que ela lutou com seu pai se
espalharam, ganhando cada vez mais notoriedade e apoio. Estas pessoas cresceram
sobre as façanhas dos Senhores contra os Caçadores. Eles valorizavam a astúcia, e ela
tinha mostrado o suficiente.
Agora, apenas algumas semanas para o novo regime, as pessoas estavam
começando a estimar Sininho.
— Próximo. — o guarda que controlava a fila gritou.
Dois Opulens subiram o primeiro degrau do estrado.
Sininho mexeu-se desconfortalvelmente no trono. Quão bonita parecia. Ela
vestia um vestido novo de seda rosa com pérolas que caía sobre seus ombros, e rosas
vinho de veludo penduravam de sua cintura.
As mesmas rosas foram tecidas em seus cabelos escuros, fazendo-a parecer
como se tivesse acabado de sair de uma floresta mágica. Até sua maquiagem
adicionava a ilusão. Atrevida, sombras cintilantes formavam pontas felinas em suas
têmporas. Suas bochechas brilhavam coloridas e seus lábios estavam vermelho
sangue.
— Conte-me seu problema. — ela disse ao casal.
A mulher à esquerda levantou o queixo.
— Não. Eu não farei isto. É ruim o suficiente ser arrastada até aqui, mas você
não é nada além de uma serva. Não me importa que seja casada com um Senhor. Não
existe nenhuma razão pelo qual eu deva aguentar seus julgamentos.
Não era a primeira vez que palavras como aquelas foram pronunciadas para
ela, mas de repente Kane estava determinado que fosse a última. Ele marchou adiante,
apenas para parar quando Sininho levantou a mão. Ela se levantou, uma elegância
estudada, e deslizou pelos degraus de mármore abaixo, até que estivesse em frente à
fumegante fêmea.
Ele duvidava que alguém pudesse ver o ligeiro tremor em seus membros, mas
ele podia. Ele a conhecia — cada centímetro delicioso dela — e a obsevava mais
intensamente do que a maioria. Ela estava nervosa, mas com raiva. Triste, mas
determinada.
Os guardas furtivamente aproximaram-se. Foram advertidos. Se qualquer coisa
acontecesse com Sininho enquanto estivessem próximos, eles morreriam.
Dolorosamente. Nenhuma pergunta seria feita. Nenhuma desculpa seria ouvida. E no
entanto, Kane lutou para permanecer no lugar. Ele queria estar lá, ao lado dela,
protegendo-a como seu instinto exigia. Era seu homem. Mas ensinou-a a cuidar de si

265 | P á g i n a
mesma, e agora era rainha de uma nação inteira. Ele não podia avançar para o resgate
sem prejudicar a credibilidade dela.
Em qualquer outro momento, isso poderia não tê-lo parado. Teria matado
qualquer um que questionasse a credibilidade dela, e isso teria sido assim. Mas desta
vez, tinha que saber. Ela podia sobreviver sem ele?
A cada dia, Desastre enfraquecia um pouco mais.
A cada dia, um fato único se tornava mais claro. Para Kane, o fim estava
próximo.
Sininho ergueu as mãos sem luvas e segurou o rosto da agressora.
A mulher ofegou, tentando afastar-se, mas falhou. Sua pele ficou pálida. Sua
boca se debatia abrindo e fechando. Então os joelhos dela dobraram e ela desabou no
chão, inconsciente.
— Não sou nenhuma serva. — Sininho clamou em voz alta. — Sou a rainha, e
serei obedecida.
De cabeça erguida, ela saiu a passos largos da sala. Kane seguiu atrás dela, a
Opulens teve sorte dele não pisoteá-la quando passou por ela. Ele não disse uma
palavra quando se aproximou dela, e ela também não. Entraram no quarto deles e
Kane fechou a porta.
— Não deveria ter feito aquilo. — ela engasgou. — Estava com raiva e exagerei,
poderia tê-la machucado seriamente.
— Você a deixou viva e ensinou-lhe uma lição valiosa no processo. Isto é mais
do que ela merecia. — Mais do que ele teria feito.
— Tudo que ensinei foi me temer. E isso seria maravilhoso se eu quisesse seu
medo. Não quero. Era isso que meu pai tinha. — Ela torceu as mãos e andou de um
lado para outro na frente da cama. — Devia feito com ela o que fiz aos outros.
Enviado-a para longe sem um veredito. Um dia ela voltaria e estaria disposta a escutar
alguém para resolver a disputa. Até mesmo eu.
Ele deu de ombros.
— Talvez você esteja certa.
Ela parou e perscrutou-o.
— Espere. Você não vai defender minhas ações, não importa o quanto fui tola?
Não sorria.
— Dê a si mesma um desconto. Você é nova nisto. E está fazendo melhor do
que eu teria feito. Se eu fosse a rainha, todos teriam recebido uma sentença de morte
em um minuto.
Ela revirou os olhos.
— Porém você seria uma rainha muito sensual, sei que está apenas dizendo
isso para ser amável.
Sua definição de “amável” estava um pouco distorcida. Adorável, mas
distorcida.
— Querida, desde quando fui amável?
Ela pensou para um momento e assentiu.
— Isto é verdade. Você é o homem mais cruel que conheci. Provavelmente
serei conhecida como a Louca — mas Maravilhosa — Rainha em todos os livros de
história, apenas por ficar com você.
Não ria.
— Bem, bem. Alguém está com uma boca esperta hoje. — ele disse,

266 | P á g i n a
adiantando-se. — E este alguém está querendo uma surra.
Ela soltou um guincho e arremessou-se em torno da cama.
— Kane!
— Fae tola. Você não pode fugir de mim.
— Mas posso tentar. — Ela acelerou o passo e a perseguição começou.
Ela correu em torno da cômoda, da penteadeira, pelo banheiro, o armário e a
todo o momento ele conseguia tocá-la, e ela conseguia livrar-se. Logo estavam ambos
rindo sem fôlego, mas ele não desistiria — quando ela seria o prêmio.
Ele a pegou e caíram no chão em um emaranhado de membros. Seu riso
morreu quando apertou os lábios nos dela.
— Kane. — ela suspirou, derretendo-se contra ele.
— Minha Fada Sininho. Eu a desejo.
— Sim. Rápido. Eu desejo você.
— Não, vou saboreá-la. — Ele demorou despindo-a, a cada momento uma nova
revelação de seus sentimentos por ela — porque amava cada centímetro dela. Cada
curva. Cada reentrância. Cada cicatriz.
Ele beijou o caminho abaixo pelo corpo dela, entesourando seus suspiros
ofegantes, seus toques acalorados, a maneira lânguida como se movia, tentando
agarrá-lo, como se tocá-lo fosse algo que tinha nascido para fazer.
Ele nunca conseguiria o suficiente dela.
E nunca a esqueceria, nem mesmo na morte.
De alguma maneira, eles cresceram juntos. Quando se encontraram ambos
estavam em um lugar muito escuro. Não tinham esperança. Seus medos os oprimira.
Juntos escalaram as profundezas do inferno — literalmente e figurativamente.
Encontraram razões para rir. Deixaram de odiar e abraçaram o amor. As debilidades
que tinham foram atingidas pelo fogo e estavam agora fortalecidas com aço. Eles não
quebraram. E não quebrariam.
Não podia nem imaginar o que teria acontecido com ele se nunca voltasse para
ela. Desastre tentaria impedi-lo, e talvez as Moiras também tentariam impedi-lo, mas
existia algo nele que era maior que ambos. Amor. E o amor não podia jamais ser
impedido.
Kane separou as pernas dela e deslizou para dentro delas — lar, este era seu lar
— então começou devagar a encaminhar ambos à loucura. Ela se contorceu contra ele,
perdendo-se no prazer, na paixão, no momento, na conexão inexorável.
Ele era quem implorava por mais. Não conseguia ter o suficiente.
Seu controle começou a desgastar. Ela sempre teve aquele efeito nele. Seus
movimentos ficaram mais rápidos, mais fortes. E quando ele começou a avançar com
mais vigor, a cabeça dela bateu na parede, seus lábios se separaram com um grito de
prazer. Ela arqueou as costas, levando-o muito mais fundo, e ele encontrou-se a
seguindo sobre a borda, rosnando e estremecendo com a força de seu orgasmo.
Não tinha certeza de quanto tempo passou antes de se recuperar o suficiente
para pegá-la e levá-la para a cama. Sabia apenas que não queria deixá-la ir. Tocá-la era
uma necessidade, um requisito. E não saber por quanto tempo mais estaria com ela
fazia o pensamento da separação muito mais difícil.
Mas ele tinha que ir. Ela precisava dormir, e se ele ficasse, a tomaria
novamente.
Ela se aconchegou debaixo das cobertas e olhou para ele com sono.

267 | P á g i n a
— Você ainda me ama? — Ele perguntou.
— Sempre.
— Eu te amo também. — Ele beijou sua testa. — Muito. Você é minha número
um.
— Numero um. — ela disse com um suspiro satisfeito. — O que eu sempre quis
ser.
Quando ele se endireitou, ela já estava adormecida. Vestiu-se, caminhando
para o corredor. Quando avançou pretendendo retornar a sala do trono, Malcolm
apareceu na frente dele, fazendo com que ele parasse.
Surpreso, ele franziu a testa.
— Quer me dizer o que está acontecendo e por que continuo encontrando-o?
— Querer? Não. Será que quero? — Malcolm deu de ombros. — Em um
momento. Primeiro, diga-me por que está tão infeliz.
— Infeliz? Quando fiz tudo o que me propus fazer, dando a Sininho uma nova
vida, uma razão para viver? — Ele tentou ridicularizar. E falhou.
— Sim. — o Enviado disse.
— Por que se importa?
— Chegaremos a isto também.
Ele bateu no queixo e admitiu.
— Não quero nunca mais deixar minha esposa. Retornarei ao modo como as
coisas eram com Desastre, mas também não quero que o demônio seja capaz de
machucá-la. Basicamente, estou fodido se fizer e fodido se não fizer.
— E esse é o ponto crucial de uma maldição como a sua. Mas talvez eu possa
suavizar o golpe.
— O que quer dizer? — Kane exigiu.
Você nunca se livrará de mim, Desastre disse, sua voz baixa e sussurrante
flutuando pela mente de Kane. Determinado como estava a sobreviver, o demônio
perdera o medo de Malcolm.
As mãos de Kane fecharam-se em punhos.
— Matarei Desastre de uma vez por todas. — Malcolm disse. — Queimarei o
mal fora de você. Nenhum demônio pode resistir à espada de fogo. O problema é, isto
vai...
— Me matar também. — Kane disse. Tudo sempre voltava a isso. — Como isto
pode me ajudar a conseguir o que mais quero? Um futuro livre do demônio com minha
esposa?
— Não pode. Mas pelo menos seu espírito viverá.
— Isto é exatamente o que aconteceria sem sua espada de fogo.
— Sim, mas sem o fogo, a essência do mal do demônio permanecerá dentro de
você, e quando morrer, seu espírito afundará em vez de se elevar.
Ou seja, se ele morresse do modo que pretendia, seu espírito iria para o
inferno. Por toda a eternidade. Preso com mais demônios. De repente Kane teve que
lutar para respirar. Não considerou tal consequência.
— Meu amigo Baden foi decapitado enquanto estava possuído. Ele foi para
outro reino.
— Sim, e aquele reino está localizado em um corredor do inferno. As pessoas lá
não sabem disso ainda, mas saberão. Todo os dias as paredes afinam um pouco mais.
Kane passou a mão pelos cabelos. Pobre Baden.

268 | P á g i n a
— Se eu fizer isto — Malcolm continuou —, posso ser chutado dos céus. Matar
um homem é contra as regras.
— Não sou exatamente um homem.
— Perto suficiente. Provavelmente.
— Então o que você quer em troca? — Ele perguntou novamente.
— Seu anel de casamento.
— Meu anel?
O Enviado deu um simples aceno, firme.
— Você ouviu corretamente. E lembre-se, Desastre está prestes a tomar uma
posição final. Ele está fraco, mas não morrerá calmamente. Tenho a sensação de que o
caos que causou em Nova Iorque parecerá brincadeira de criança.
E Sininho estaria no centro disso.
— Então temos um acordo? — Malcolm perguntou. — Você me dará o anel, e
eu o matarei e ao seu demônio antes dele ter a chance de agir pela última vez.
Se dissesse não, Sininho poderia perder seu reino em meio ao caos que
Desastre causaria. Ela poderia ser machucada. Ou pior.
Existia realmente uma escolha aqui?
— Dê-me mais uma noite com minha esposa. Encontrarei você no jardim ao
amanhecer. Então, sim, temos um acordo.

***

Josephina perdeu a conta do número de vezes que Kane fez amor com ela
aquela noite antes dele cair no sono exausto, mas nunca ficaria cansada de seus
avanços — porque sabia o que ele estava planejando fazer. Conectada a ele como
estava, acordava dentro da cabeça dele. Nem sequer tinha que tentar mais. Desta vez,
escutou sua conversa com o Enviado.
Pensou que sabia o quanto seu marido queria Desastre morto. Mas não sabia.
Ele estava disposto a morrer.
Morrer.
Lágrimas encheram seus olhos e seu queixo tremeu. Ele não entendia que ela
estaria perdida sem ele? Que estaria de volta onde começou — rezando pela morte?
Não posso deixá-lo fazer isto.
Mas... mais do que ansiava por tê-lo ao seu lado, ansiava vê-lo feliz. Saber que
estaria vivendo a vida que sempre sonhou.
Ela não podia ter ambos. Não já que o demônio estava dentro dele. Porque o
único modo de mantê-lo aqui com o demônio seria a culpa dele, e isto ela não faria.
Não o prenderia por suas emoções, da forma como os asseclas uma vez o prenderam
com suas correntes.
Ela tinha que deixa-lo ir, não é?
Seu coração acelerou em um ritmo muito rápido. Não. Ela não tinha que deixá-
lo ir, percebeu. Não quando podia salvá-lo e finalmente libertá-lo, dando uma vida por
uma vida.
Sua vida pela dele.
Quase todos os dias de sua existência foi castigada pelos crimes de outras
pessoas. Nas últimas semanas, fez tudo para impedir que isto jamais acontecesse
novamente. Planejou, lutou e conquistou. Mas agora tinha uma chance de acabar com

269 | P á g i n a
a dor de Kane de uma vez por todas.
Se ela levasse o demônio para dentro de si mesma... se ela se encontrasse com
o Enviado...
Ela podia receber o golpe final, salvando Kane.
Ela morreria. Certa vez, uma parte dela estava resignada com tal destino.
Agora? Tudo nela se rebelava. Mas por Kane faria isto. Agiria como uma escrava de
sangue deveria fazer, e de boa vontade tomaria o castigo de outro.
Ele merecia uma chance de ser o homem que sempre sonhou ser. Ele podia
governar essas pessoas melhor do que ela jamais poderia. E ele iria. Não recuaria
diante da obrigação apenas porque ela não estava aqui. Tinha honra demais.
Tenho que agir agora. O que sua mãe costumava dizer? Um cavalo tinha que
ser selado antes de poder ser montado.
Sabendo que tinha apenas algumas horas até que amanhecesse e ele seria
esperado no jardim, deslizou da cama em silêncio para se vestir. Então usando as
passagens secretas que seu pai era tão aficionado, ela caminhou para o calabouço.
Dois guardas permaneciam de sentinela na entrada. Eles acenaram com a cabeça
quando a avistaram e moveram suas espadas cruzadas para fora do caminho. Ela
disparou entrando.
Examinou os casos dos homens e mulheres que seu pai manteve aqui e
descobriu que a maioria não fez nada mais sério que incomodá-lo... ou ter algo que ele
queria. Então libertou os “ofensores” e deu-lhes sacos de ouro do tesouro real. O
dinheiro não poderia compensar a dor que suportaram e os anos que perderam, mas
era um começo.
Ao invés de manter os prisioneiros restantes na frente, seus braços algemados
acima da cabeça para que todos pudessem vir e ver, ela colocou cada indivíduo em
uma cela e certificou-se que estivessem longe o suficiente um do outro, para que não
pudessem conversar e planejar uma fuga.
A primeira cela pertencia ao seu pai.
Ela perscrutou através das grades. Ele andava pra lá e pra cá na parede dos
fundos, murmurando para si mesmo sobre a injustiça de suas circunstâncias. Suas
roupas estavam rasgadas, sujas e seus cabelos embaraçados.
Ele a viu e congelou.
— Você. — ele disse em uma respiração chiada. — Deixe-me sair. Agora.
— Não. — Ela balançou a cabeça. — Você ganhou seu lugar aqui embaixo.
Ainda estou tentando consertar a bagunça que criou para uma raça inteira de pessoas.
— Pessoas que pertencem a mim. Posso fazer o que escolher com eles.
— Não mais.
Seus olhos estreitaram em minúsculas fendas.
— Você veio até aqui com esperança de comprar meu amor? Para me insultar
com o que perdi e prometer me devolver se eu reconhecê-la?
Ela riu sem humor e ele piscou em confusão.
— O tempo para isto passou há muito tempo. E não, não desci até aqui para
insultá-lo.
— Qualquer que seja seu motivo, foi um erro. — Ele correu para as barras e
estendeu as mãos através delas, envolvendo seus dedos ao redor do pescoço dela. Ela
podia ter evitado o contato — mas não queria.
Quando ele apertou, ela enrolou suas mãos sem luvas ao redor do pulso dele e

270 | P á g i n a
drenou-o. Força. As habilidades que ele possuía.
Ele tentou cortar a conexão, mas a sucção era simplesmente muito poderosa.
Quando finalmente ela o lançou, os joelhos dele desmoronaram e ele tombou
no chão.
— Obrigado por isso. — ela disse. Seus músculos zumbindo com energia. Seu
sangue crepitava. — Foi por isto que vim. Veja, não vou sobreviver à manhã e espero
que suas habilidades morram comigo, deixando-o tão impotente quanto as pessoas
que você feriu.
Quando ele rugiu uma negação, ela moveu-se para o próximo corredor de celas
e chegou até os aposentos pessoais da rainha. A fêmea estava tão suja quanto o rei,
mas virou de costas para Josephina, como se ainda não pudesse suportar falar com ela.
— Sou prova da infidelidade dele. Você me odeia. Eu entendo.
Silêncio. Nem mesmo uma respiração irregular.
— Eu era a parte inocente em tudo isto. — Josephina acrescentou,
determinada a dizer sua parte. — Eu era uma criança. Estava sozinha e assustada, e
queria desesperadamente que alguém me amasse. Minha mãe foi uma mulher presa
pelas circunstâncias. Ninguém neste reino nunca disse não ao rei e você sabe disso. Ela
não queria um homem casado, mas em vez de ajudá-la a escapar dele, você a evitou.
Eeeeeee, ainda nada.
Num lugar secreto em seu coração, ela queria um pedido de desculpas. Um
reconhecimento. Entretanto nunca conseguiria isto, e não passaria outro segundo
esperando por isto, desperdiçando esta energia preciosa.
Suspirando, partiu para a cela de Synda. A garota ouviu-a e estava esperando
por ela, os dedos enroscados em torno das barras.
— Solte-me. — a princesa implorou. — Por favor.
Josephina abriu a boca para despejar toda a mágoa que esta garota causou,
verbalizando tudo de errado que teve que suportar, mas conteve-se. Synda escutaria,
mas não ouviria. Ela assentiria, mas não entenderia verdadeiramente. Ela diria a
Josephina tudo o que queria que fosse dito para Josephina libertá-la, e Synda
esqueceria o que prometeu. Ao contrário de Kane, a garota nunca lutou com o mal
dentro dela.
— Deixarei Kane decidir o que fazer com você. — Estendeu as mãos pelas
barras e segurou o rosto de sua irmã. — Você precisa de ajuda. Não sei quem é sem o
demônio e talvez você não saiba também, mas é possível lutar com os caprichos do
demônio.
Lágrimas cascatearam pelos cantos dos olhos de Synda.
— Eu sei. Apenas não sei como fazer isto.
— Converse com Kane. Ele pode não gostar de você a princípio, mas se for
honrada com ele, se for sincera sobre querer ajuda, ele ajudará. Adeus, Synda. — Com
isto, Josephina soltou-a e caminhou para a cela de seu irmão.
Ele estava sentado no canto perto das barras e a encarou. Seus joelhos estavam
separados e sua cabeça escorada contra a parede.
— Você parece bem. — ele disse.
Ela ignorou o elogio, dizendo.
— Você não vai implorar para soltá-lo?
— Por que deveria? Pela primeira vez não estou olhando por cima do ombro,
esperando a morte.

271 | P á g i n a
— Oh, por favor. — Ele teve uma mimada vida privilegiada que ela sempre
invejou.
— É verdade, Josephina. Todo dia esperei a morte chegar.
— Não vejo por que... a menos que tenha tratado as outras garotas do modo
como me tratou. Devia ter sido meu amigo.
Ele deu de ombros.
— Eu queria ser mais. E ainda quero.
— Você é meu irmão.
— Não sou.
Ela franziu o cenho.
— Claro que é.
Ele riu amargamente.
— Você acha que foi a única criança que nasceu fora do casamento? Pensa que
o rei foi o único a ter casos ao longo do seu casamento? Ele me deixou saber em
termos inequívocos que não era seu filho, eu era da rainha, mas me aceitou porque
precisava de um herdeiro.
Ela... acreditava realmente nele, pequenos fatos que se encaixaram em sua
mente. Ele não parecia nada com Tiberius e nunca pareceu. O rei sempre foi distante
com ele. Sempre escolheu Synda acima dele. Por que ela nunca suspeitou?
O choque sacudiu seus joelhos.
— Por que não me disse?
— Se alguém descobrisse, eu estaria morto. — Outra risada amarga. — Na
verdade, se algumas das mulheres dele tivesse um menino, eu teria sido morto. Vivia
dia a dia. Sabia que você entenderia isto e pensei que isto nos uniria.
Teria. Se ela soubesse.
— Eu teria mantido seu segredo se apenas tivesse sido meu amigo. Precisava
de seu apoio, não de sua luxúria.
Ele traçou um símbolo no chão.
— Será que seu... marido a trata bem?
— Ele trata.
— E você gosta dele?
— Eu o amo.
Tristeza escureceu as feições dele.
— Se você o quiser morto, venha me ver. Cuidarei disso pra você.
Ela ficou lá por um momento, pensando sobre o que podia ter acontecido entre
eles. Não um romance. Nunca foi, mesmo sem o laço de sangue. Mas companheirismo.
Afeto. Apoio.
— Diga a Kane o que me disse. Não estou certa se mostrará clemência. Você
forçou suas atenções sobre mim afinal, mas ele poderá deixá-lo viver. Uma parte
minha gosta de pensar que você finalmente encontrou paz.
Ele sorriu tristemente.
— Nunca a teria forçado, você sabe. Queria apenas a chance de provar o
quanto poderíamos ser bons, apenas se você acreditasse em nós.
Talvez fosse ingenuidade sua, mas acreditou nisto também.
— Adeus, Leopold.
Ele gritou quando ela foi embora, sua voz cheia de preocupação — isto soa
como um adeus permanente, Josephina — mas ela continuou caminhando.

272 | P á g i n a
De volta ao seu quarto, encontrou Kane dormindo profundamente na cama. Ela
estendeu a mão e removeu o anel do dedo dele, a chave para o futuro dele, então
passou a mão sobre sua testa, a necessidade de tocá-lo forte demais para ser ignorada.
Ele se inclinou para ela, seus lábios se curvando nos cantos.
Adeus, meu amor.
Como se tivesse ouvido o grito dilacerante de seu coração dentro dela, ele
abriu as pálpebras.
— Sininho. Volte para a cama, querida. Deixe-me abraçá-la.
— Durma, querido. — ela disse.
— Humm.
Para garantir que ele permanecesse, usou o mesmo movimento que ele tinha
usado com ela, apertando sua carótida até que ele voltou aos seus sonhos.
Depois colocou os dedos em torno do seu pulso, fechou os olhos e chamou a
escuridão para fora dele e para dentro dela, assim como fizera naquela noite na
floresta. Antes o demônio tinha entrado nela como uma vingança. Desta vez estava
fraco demais para gritar obscenidades. Ele era apenas um peso morto no interior dela,
uma presença no fundo de sua mente.
Ela soltou Kane no momento em que soube que o demônio estava com ela, não
queria tirar a força dele também.
Seus traços suavizaram e ele sorriu de novo, tão calmo que o peito dela doía.
Ele deve ter sentido, em algum nível, que agora estava sozinho.
Sem dúvida ela tomou a decisão certa.
— Eu te amo. — ela disse e beijou sua têmpora. — Nunca se esqueça.

273 | P á g i n a
CAPÍTULO 37

Kane despertou quando a luz solar derramou por entre as cortinas abertas.
Sentou-se com um solavanco.
Manhã.
Ele pulou da cama, então se encolheu, esperando que sua rudeza não tivesse
acordado Sininho. Mas ela não estava na cama, percebeu. Ele se vestiu rapidamente e
saiu do quarto. Ela provavelmente estava na copa.
Foi melhor assim, pensou. Ele já dissera adeus da única maneira que podia. Se
fosse vê-la agora, poderia mudar de ideia. Podia se quebrar e chorar. Se dissesse a
verdade — e ela insistiria na verdade e ele daria, porque era incapaz de negar-lhe
qualquer coisa... ela tentaria impedi-lo. Ele poderia deixá-la. Tudo por mais tempo com
ela.
Para evitar os guardas e servos, usou a passagem secreta para chegar ao jardim,
e por que o seu torso estava queimando? Ele parou tempo suficiente para olhar sob
suas vestes e piscou. A tatuagem de mariposa desapareceu de forma significativa.
Porque o demônio estava morrendo?
No calor e luz do novo dia, sentiu-se estranhamente calmo e livre de fardos,
considerando que estava prestes a morrer. Sentia-se... mais leve.
Quando virou a esquina viu Malcolm e Sininho de pé a vários metros de
distância. Choque deteve seus passos.
— ...o anel, assim como você queria. — Sininho disse, colocando alguma coisa na
mão do guerreiro.
Malcolm olhou para ela.
— Apesar de estar emocionado por tê-lo, meu acordo era com Kane.
— E agora é comigo. Eu absorvi o demônio e agora o levo em meu corpo.
O Enviado franziu a testa.
— Você não parece como se levasse o demônio.
— Isso é porque ele está fraco demais para causar qualquer problema.
A conversa confundiu Kane. Ele tocou o anel em seu... a pele estava nua,
percebeu. O anel tinha desaparecido.
Pavor deslizou por ele.
— Sem o demônio Kane vai morrer, de qualquer maneira. — disse Malcolm. —
Por que eu deveria ajudá-la a alcançar o mesmo destino?
— Ele vai para... não! Eu não acredito nisso.
— No entanto, é verdade.
— Mas... mas... — Ela ficou imóvel, como se não pudesse nem mesmo
simplesmente respirar. — Ele nunca experimentou a vida que sonhou... uma vida livre

274 | P á g i n a
de Desastre. Ele deve saber como é estar em paz antes de morrer, e eu posso dar-lhe
essa chance, mesmo que apenas por um tempo.
— E está disposta a dar sua vida por essa chance? Tome um momento. Pense
nisso. Uma vez que for feito, não pode ser desfeito.
— Eu pensei nisso. Quero fazer isso aqui, agora.
Malcolm assentiu.
— Muito bem. Meu acordo agora é com você. — Ele estendeu a mão e uma
espada de fogo apareceu.
Nesse momento, a compreensão revoltante ocorreu. Sininho tomou o anel e
tomou o demônio, e agora planejava tomar o lugar de Kane.
Morreria em seu lugar, simplesmente para dar-lhe alguns dias, talvez algumas
semanas, sem o demônio.
— Não! — Kane gritou. — Não! Não se atreva!
Mas já era tarde demais.
Malcolm já estava em processo de atingi-la. O fogo perfurou seu peito e seu grito
de dor quebrou todas as passagens de seu coração.
— Não. — ele gritou. — Não!
A espada deslizou para fora dela e Kane viu a fenda do tamanho de seu punho.
Sininho desmoronou. E Malcolm desapareceu.
Kane caiu de joelhos e gritou para o céu.

***

Em transe, quando o choque do que testemunhara tinha passado, mas não o


horror, jamais o horror, Kane se arrastou até sua esposa, recolheu-a nos braços e
embalou o precioso corpo contra seu peito. Ele segurou-a pelo que pareceu uma
eternidade, mas não poderia ter sido mais de uma hora.
Não havia sangue nela ou nele. A espada cauterizou a ferida e isso não estava
certo. Ele devia estar coberto com seu sangue, devia ter provas concretas da dor que
ela sofreu. Ele deveria ter que usá-la, um lembrete constante do desastre que tinha
permitido, mesmo sem o demônio vivo dentro dele. Ele precisava ver a sua vergonha.
Sua tristeza. Seu fracasso. Alguma coisa, qualquer coisa, mas isto... nada.
Nada. Sim. Isso é tudo o que tinha agora.
Sua esposa, seu amor, foi embora. Para nada! Será que não sabia que não
poderia ter paz sem ela?
Lágrimas devem ter sido produzidas na parte de trás de seus olhos, porque de
repente jorraram para fora como rios de angústia. Ele chorou como um bebê e não se
importava quem visse. Guardas e Opulens aproximaram-se dele e tentaram falar com
ele para saber o que tinha acontecido, mas rosnou e os fez fugir.
— Como pôde fazer isso? — Ele exigiu de Sininho. Mas já sabia a resposta, não
é? Ela amava a vida dele mais do que a dela. — Como?

275 | P á g i n a
Ele passou os dedos através da suavidade de seu cabelo dela — seu cabelo loiro?
Sim. Loiro. Mesmo suas feições tinham mudado. Parecia Petra e ele teve um momento
de esperança, pensando que Petra tinha morrido e não sua esposa. Mas aí seu cabelo
e feições mudaram novamente, e viu-se olhando pra baixo a alguém que não conhecia.
Quando ela mudou pela terceira vez e a imagem estranha permaneceu por uma
hora, depois outra, a compreensão acertou-o e toda a esperança secou. Esta era
Sininho, a loira na pintura, e que estava morta.
Ela drenou a Phoenix, adquirindo a capacidade da garota de mudar identidades,
isso era tudo. Porque agora que a mudança tinha parado, qualquer centelha que
tentou acender foi extinta.
Sua Sininho estava morta e nunca voltaria.
Ele gritou para o céu.
Ele tinha sua liberdade agora, mas o preço era muito alto.
Queria atacar, matar alguém, destruir algo, mas não podia suportar soltar sua
Sininho. Então sentou-se ali, mesmo quando o sol desapareceu atrás das nuvens e a
chuva desabou. Sentou-se lá quando o dia virou noite.
Malcolm apareceu a poucos metros de distância, sua pele pálida, os lábios
comprimidos em uma linha dura.
Um rugido subiu da garganta de Kane.
— Eu sei que sou a última pessoa que você deseja ver agora, mas devo contar o
que eu descobri. Eu... fui para o meu líder e disse o que fiz. Ele assegurou-me que você
vai sobreviver a remoção de seu demônio, assim como a garota queria.
Bem, sabe o que? Kane poderia liberar sua esposa, afinal. Ele se levantou, suas
mãos em punhos.
— Eu posso sobreviver, mas você não.
O Enviado levantou o queixo.
— Ouça-me, guerreiro.
— Como pôde matá-la? Você está proibido de tirar a vida humana e ela era
metade humana.
— No momento em que aceitou seu demônio, parei de vê-la desse jeito.
— Isso não muda suas regras.
— Não, nem muda minhas circunstâncias. Eu seria punido de qualquer forma.
Vá... mate...
Mas o guerreiro não tinha terminado.
— Eu estava errado quando disse que você seria esvaziado. Seu copo não foi
esvaziado. A água foi vertida para dentro, deslocando lentamente o óleo. Agora você
está cheio com a água... com amor. Estou... desculpe pela morte de sua esposa.
— Não importa agora. — Ele retirou dois punhais.
O Enviado suspirou.
— Você não quer lutar comigo.
— Você está certo. Eu quero matá-lo. — Ele lançou um dos punhais apontando

276 | P á g i n a
para o pescoço de Malcolm, mas ele desapareceu e a arma atravessou-o, cravando-se
em uma árvore. Então ele reapareceu.
Kane jogou o outro punhal e o Enviado realizou o mesmo movimento.
Ele avançou. Resolveriam isso com as mãos então.
— Sua mulher. — franzindo o cenho, Malcolm inclinou a cabeça de lado quando
olhou além do ombro de Kane. — Ela está pegando fogo.
Kane virou, vendo chamas dançando nas pontas do dedão do pé. Mais uma vez,
a esperança acendeu quando percebeu o que estava acontecendo. Se tivesse mantido
as habilidades de Petra, ela poderia surgir de suas próprias cinzas.
Mas e se Petra estava perto da morte final?
Ele assistiu desesperado quando a chama se espalhou para outros dedos da
Sininho... até os tornozelos. Seus joelhos. Sua cintura. Seus ombros... a cabeça dela.
Até que foi engolida.
Ela começou a murchar. Uma pilha de cinzas se formou.
Então, nada. As chamas desapareceram.
Outra esperança destruída.
Kane explodiu violentamente.
Ele arrancou pedaços de terra. Chutou e socou árvores. Ele...
Ele foi lançado para trás por uma intensa onda de calor. Rolou até parar e saltou
de pé. Ao lado dele Malcolm fez o mesmo. Outro incêndio se alastrava agora, este
crepitando sobre as cinzas, levantando-as, girando-as juntas.
Por favor, pensou. Por favor.
A forma feminina apareceu, flutuando no centro das chamas. O rosto de Sininho
tomou forma, em seguida seu cabelo e corpo, e seu coração quase explodiu no peito.
Ela abriu os olhos e as chamas morreram em um instante. Seu corpo nu caiu no
chão, e ela arfou, perdendo o fôlego.
Respiração. Ela tinha fôlego.
Ela conseguia respirar!
Kane caiu de joelhos, a onda de alívio demais para ele.
Ela ergueu um braço trêmulo, virou-o para a luz, em seguida ergueu o outro.
— Estou realmente aqui. — Seus olhos arregalaram. — Kane, estou aqui!
Ele arrastou-se ficando em pé, cambaleou até ela. Precisava tocá-la. Tipo, agora.
Emoção fechava sua garganta quando caiu aos seus pés e recolheu-a em seus braços.
— Eu nunca estive tão feliz em ver alguém pegar fogo. — disse ele, apertando-a
com força. — Você se regenerou, querida. Você se regenerou.
— Mas só a Phoenix pode fazer... — a compreensão surgiu em seu belo rosto. —
A Phoenix! Tomei dela.
— Sim. — Um milagre de timing perfeito. A escolha... e um destino.
— William deve tê-la matado. — disse Malcolm. — Essa é a única maneira de
Josephina ter mantido a capacidade. O que significa que não se desvaneceu e não vai.
Ela não é mais metade humana. É totalmente imortal, embora pareça que sua

277 | P á g i n a
capacidade é mais fraca do que a dos outros Phoenix. Eles costumam pegar fogo
momentos após serem atingidos pelo golpe mortal.
Kane pensou que seus canais lacrimais tinham secado, e mesmo assim gotículas
choveram em suas bochechas. Sininho. Totalmente imortal. Sua para sempre.
— Obrigado. — disse ele, as palavras para Sininho, para Malcolm e seu líder. —
Muito obrigado.
Malcolm olhou para o céu, fez uma pausa e podia até ter sorrido.
— Disseram-me para dizer a você que o bebê se regenerou com sua mãe.
Embora ele tenha poucos dias de idade, é especialmente talentoso e muito forte. —
Depois de deixar essa bomba, ele desapareceu.
Um bebê. Um garoto.
Saber disso logo...
Kane quase não pôde processar a notícia. Reverentemente sua mão se moveu
para o estômago ainda plano de sua esposa.
Seus olhos estavam arregalados e luminosos. Então ela riu alegre.
— Um bebê, Kane.
— Você está feliz?
— Mais do que jamais imaginei ser possível. Eu sempre pensei que o meu dom e
minha situação eram uma bênção e uma maldição, mas o tempo todo eles foram uma
bênção, jamais uma maldição. Estou viva e vamos ter um bebê, um bebê que será
livre... e você está livre, Kane. Você está livre! O demônio está morto. Ele não é mais
uma parte de você ou de mim.
Ele enterrou o rosto na cavidade de seu pescoço, aspirando-a.
— O que você fez por mim... nunca serei capaz de reembolsá-la. O preço que
você pagou... a dor que acabou de passar... — Ele estremeceu. — Você nunca fará algo
assim novamente. Eu preciso de você. Você é minha. Nós pertencemos um ao outro.
— Agora e pra sempre.
Ele se afastou para olhar em seus olhos. As suturas tinham queimado de seu
rosto e o inchaço tinha diminuído, mas ainda assim uma linha de quinze centímetros
irregular esticava sobre sua pele. O buraco em seu peito estava preenchido, mas havia
uma grande cicatriz enrugada.
— As lesões aconteceram antes de ser totalmente imortal, então a evidência
delas nunca vai embora, aposto. — disse ele.
— Elas são ruins? — ela perguntou, esfregando a cicatriz no seu peito.
— Ruins? Elas são incríveis. Como você. Emblemas da coragem... de seu amor
por mim. — Ele procurou o resto dela, gemeu. — Precisamos cobri-la. — Ele arrancou
sua camisa e puxou-a por cima da cabeça dela, escondendo os seios nus. Ele tirou as
calças e entregou o material a ela, ficando de cueca.
Ela sorriu, um sorriso grande e feliz.
— As mulheres vão estar babando em cima de você.
— Podem babar, mas não podem tocar.

278 | P á g i n a
— Porque você é meu — ela disse, — assim como sou sua.
— Para sempre. — disse ele.
— Para sempre. — ela concordou.
Estaria muito ocupado p eternidade.
— Eu quero este reino em paz antes do nosso filho chegar. Quero Cameo e Viola
encontrados, e minha dívida aos Enviados paga. Vou ter que ajudá-los a encontrar os
demônios que mataram seu rei.
— Juntos podemos fazer qualquer coisa.
Ele beijou-a, suave e doce.
— Por enquanto, só estou interessado em te abraçar, sentir seu coração bater
contra o meu e provar que você realmente está viva.
— Acho que você deseja remover as minhas roupas. — ela respondeu com a voz
rouca.
Ele a beijou novamente, desta vez forte e firme.
— Sim, mas a remoção da roupa é só o primeiro passo.
— E o segundo passo?
— Vem. Vou te mostrar.

Os Enviados continuam esquentando os céus enquanto sua aventura continua. Não


perca Amanhecer em Chamas, o próximo livro de Gena Showalter da cativante
série dos Anjos da Escuridão, em breve!

279 | P á g i n a
Glossário de Termos e Personagens dos Senhores do Submundo

Aeron — Senhor do Submundo; ex-guardião da Ira.

Amun — Senhor do Submundo; guardião de Segredos.

Anya — deusa (menor) da Anarquia; amada de Lucien.

Ashlyn — humana com habilidade sobrenatural; esposa de Maddox.

Átropos — uma Moira.

Baden — antigo Senhor do Submundo; guardião da Desconfiança (falecido).

Bianka Skyhawk — Harpia; irmã de Kaia, Gwen e Taliyah; consorte de Lysander.

Black — um dos quatro guerreiros das sombras (cavaleiros do apocalipse);


Fome.

Caçadores — Inimigos mortais dos Senhores do Submundo.

Caixa de Pandora — feita dos ossos da deusa da Opressão; uma vez alojou os
mais altos Senhores Demônios, agora desaparecida.

Cameo — Senhor do Submundo; guardiã da Miséria.

Chave-
Chave-absoluta — uma relíquia espiritual capaz de livrar o possuidor de qualquer
bloqueio.

Capa da Invisibilidade — artefato com o poder de proteger seu portador de


olhares indiscretos.

Cronus — antigo regente dos Titãs.

Danika Ford — humana; namorada de Reyes; conhecida como o Olho-que-Tudo-


Vê.

Deidade — antigo rei dos Enviados (falecido).

Enviados — guerreiros alados que lutam contra o mal.

Ever — filha de Maddox e Ashlyn.

Fae — raça de imortais que descendem de Titãs.

Galen — ex-segundo-em-comando dos Caçadores; guardião da Esperança e do

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Ciúme.

Gideon — Senhor do Submundo; guardião da Mentira.

Gilly — humana.

Glorika Aisling — mãe de Josephina.

Gorgon — Criatura imortal capaz de transformar qualquer ser vivo em pedra.

Gregos — antigos regentes do Olimpo antes dos Titãs.

Green — um dos quatro guerreiros das sombras (cavaleiros do apocalipse);


Morte.

Gwen Skyhawk — Harpia; irmã de Kaia, Bianka e Taliyah; esposa e consorte de


Sabin.

Haidee — ex-Caçadora; esposa do Amun.

Haste de Partir — artefato com habilidade de rasgar a alma do corpo.

Jaula da Compulsão — artefato com o poder de escravizar qualquer um preso


dentro dela.

Josephina Aisling — metade humana, metade Fae; também conhecida como


Fada Sininho, Foda Sininho, Sininho, Sininho Pequenina

Juliette — uma Harpia.

Kaia Skyhawk — parte Harpia, parte Phoenix; também conhecida como a


Trituradora de Asas; irmã de Gwen, Taliyah e Bianka; consorte de Strider.

Kane — Senhor do Submundo; guardião do Desastre.

Klotho — uma Moira.

Lachesis — uma Moira.

Lazarus — um guerreiro imortal; filho único de Typhon e uma gorgon anônima.

Legião —uma serva demônio em um corpo humano; filha adotiva de Aeron e


Olivia.

Leopold — único príncipe Fae.

Lucien — co-líder dos Senhores do Submundo; guardião da Morte.

281 | P á g i n a
Lysander — Elite dos Enviados.

Maddox — Senhor do Submundo; guardião da Violência.

Malcolm — um Enviado; membro do exército do Zacharel.

Marigold — uma mulher do passado.

Moiras — três bruxas imortais que tecem o destino; também conhecidas como
“As Três Destinos” ou “As Vadias”.

Neeka — Harpia surda; prisioneira da Phoenix.

Olho-
Olho-que-
que-tudo-
tudo-vê — humana com o poder de ver o céu e o inferno, passado e
futuro; Danika Ford.

Olivia — um anjo; amada de Aeron.

Olimpo — antiga cidade dos deuses; agora conhecida como Titânia.

Opulens
Opulens — a alta classe Fae.

Paris — Senhor do Submundo; guardião da Promiscuidade.

Penélope — Rainha Fae

Petra — fêmea Phoenix.

Phoenix — imortais que renascem do fogo, descendentes dos Gregos.

Princesa Fluffykans — diabo da tasmânia de estimação da Viola

Reino de Sangue e Sombras — localização da fortaleza atual dos Senhores do


Submundo.

Red — um dos quatro guerreiros das sombras (cavaleiros do apocalipse); Guerra.

Reyes — Senhor do Submundo; guardião da Dor.

Riscar — transportar-se com apenas um pensamento.

Sabin — co-líder dos Senhores do Submundo; guardião da Dúvida.

Sem fim — um portal para o inferno.

Senhores do Submundo — guerreiros imortais exilados agora hospedando os

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demônios uma vez trancados dentro da Caixa de Pandora.

Scarlet — Guardiã de Pesadelos; esposa de Gideon.

Séduire — o reino dos Fae.

Sienna Blackstone — regente dos Titãs; amada de Paris.

Strider — Senhor do Submundo; guardião da Derrota.

Synda — Princesa Fae; guardiã da Irresponsabilidade.

Taliyah Skyhawk — Harpia; irmã de Bianka, Gwen e Kaia.

Tártaro — uma cela subterrânea mantida para imortais.

Tiberius — Rei dos Fae.

Titânia — a cidade dos deuses; antigamente conhecida como Olimpo.

Titãs — governantes de Titânia; filhos de anjos caídos e humanos.

Torin — Senhor do Submundo; guardião da Doença.

Typhon — uma criatura imortal com a cabeça de um dragão e o corpo de uma


serpente.

Urban — Filho de Maddox e Ashlyn.

Viola — Deusa menor; guardiã do Narcisismo.

White — uma dos quatro guerreiros das sombras (cavaleiros do apocalipse);


Conquista.

William o Sempre Excitado — guerreiro imortal de origem questionável; também


conhecido como Derretedor de Calcinha.

Zacharel — Elite dos Enviados; líder do Exército da Desgraça.

Zeus — Rei dos gregos.

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284 | P á g i n a

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