Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
O INFERNO ATÔMICO
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
500 mil homens aguardam —
Será que o chefe está morto?
***
***
As naves não apareciam nas telas de visão global. Mas as telas foscas verde-escuras
dos instrumentos de localização as mostravam como pontos de interseção de uma rede
uniforme de malha fina.
Pensativo, o General Deringhouse lançou um olhar para o quadro. Estavam todas
reunidas: eram vários milhares de naves, prontas para incutir ao computador-regente de
Árcon algum respeito por seu “aliado” terrano.
Pelos padrões terranos, era uma frota gigantesca. À medida que contemplava o
quadro, Deringhouse teve a impressão de ter uma sensação física de força incorporada
nestas naves. Sabia até onde chegava o poder das mesmas. Estava perfeitamente ciente de
que o potencial energético da frota, manipulado por um indivíduo irresponsável, seria
capaz de desagregar e destruir vários sistemas solares...
Bem, o sistema de Árcon também era um sistema solar. Não havia dúvida de que era
rodeado por um gigantesco anel de fortificações, mas continuava a ser apenas um sistema
solar.
“A dificuldade consiste em avançar rápida e profundamente”, pensou. “Se
conseguíssemos isso, o regente perderia a guerra antes que a mesma tivesse começado.”
Desviou os olhos do quadro.
“O golpe será bem sucedido”, voltou a refletir Deringhouse. “Quando estivermos
sobre Árcon, o computador-regente ainda estará ocupado com o problema dos druufs.
Depois disso, as coisas serão diferentes na Galáxia. Teremos liberdade de movimentos.
Já não precisaremos realizar acrobacias mentais para manter em segredo a posição
galáctica da Terra e das nossas principais bases.
“Já deveríamos tê-lo feito há muito tempo”, continuou a pensar, prosseguindo no
seu raciocínio. “Sabemos perfeitamente que, nos últimos dezessete anos, o regente não
realizou nenhum progresso técnico. Já o excedemos em qualidade, e faremos tudo para
que a quantidade não venha a ser o fator decisivo.”
Deringhouse tinha certeza de que os oficiais superiores pensavam da mesma forma.
O golpe contra Árcon estava no ar há dois anos. Nos últimos meses tiveram, por assim
dizer, que prender o ar para não pôr tudo por água abaixo.
Deringhouse voltou a examinar a tela. Quinhentos mil homens aguardavam
ansiosamente o momento em que pudessem dar provas de seu valor.
— Cuide-se, Árcon! — balbuciou.
Às onze e trinta e seis, hora de Terrânia, o posto de observação da nave capitania
captou um ligeiro impulso, causado pela transição de uma espaçonave desconhecida.
Essa transição foi realizada a quinhentos anos-luz de distância.
Mesmo depois de cientificado, o General Deringhouse não atribuiu maior
importância ao impulso. A quinhentos anos-luz do lugar em que se encontravam, a frota
de bloqueio arcônida aguardava outra investida dos druufs. Provavelmente uma de suas
unidades realizara uma transição a curta distância, dando origem ao impulso.
Não valia a pena quebrar a cabeça sobre isso.
***
Paul Brackett recebeu ordens para afastar-se do sistema de Fera Cinzenta o mais
rápido possível. O comandante da base tomou essa decisão sem consultar Perry Rhodan.
Era evidente que a decisão deste não seria outra. Devia-se impedir que os arcônidas
descobrissem Fera Cinzenta. E, para isso, a Rigel não deveria prosseguir diretamente em
direção à base, mas afastar-se do sistema.
O Major Brackett prontamente iniciou outra transição. Já sabia que seu
neutralizador de vibrações entrara em pane, motivo por que os arcônidas seriam capazes
de medir também esse novo salto. Esperava que assim pudesse confundi-los, muito
embora no fundo essa esperança fosse um tanto suicida. Se os confundisse, faria com que
a Rigel fosse perseguida, e só mesmo o deus de pele escamada e cabeça de dragão dos
tópsidas seria capaz de dizer o que os arcônidas fariam com uma nave terrana isolada, se
conseguissem encontrá-la.
A transição afastou a Rigel cerca de trinta anos-luz de Fera Cinzenta, e isso numa
direção diversa da Terra e da concentração das naves de guerra comandadas pelo General
Deringhouse.
Os tripulantes continuaram a guarnecer as posições de artilharia. Paul Brackett
anunciava que, se atacada, a Rigel se defenderia, por maior que fosse a superioridade do
inimigo.
Mas o ataque não se verificou.
O que se seguiu foi uma série de impulsos, produzida por centenas de transições
realizadas em seqüência rápida num trecho de alguns poucos anos-luz.
Não podia haver a menor dúvida sobre o significado desse fato.
Paul Brackett sentiu a boca seca.
***
O intercomunicador chamou.
Perry Rhodan olhou para o relógio.
Eram onze e trinta e quatro.
O rosto do Tenente Judson dizia mais que um discurso de cem palavras. Os olhos de
Judson estavam arregalados de medo e os pingos de suor brilhavam em sua testa.
— Alarma, Sir! — gritou. — Uma frota arcônida está atacando a base. Ainda
temos...
Perry Rhodan interrompeu-o. Sua reação foi a de uma máquina. Não se via o menor
sinal de surpresa, susto ou medo. Numa fração de segundo, avaliou a situação.
— Por que aconteceu isso? — perguntou.
— Foi a Rigel — respondeu Judson com a voz triste. — O neutralizador falhou;
localizaram-na imediatamente.
Perry Rhodan não levou mais de um segundo para avaliar todas as chances que lhe
restavam. Não eram muitas.
— Procure rechaçar os arcônidas! — ordenou. — Mande guarnecer todas as
posições de defesa. As naves deverão ficar no solo. A partir deste momento, as
decolagens estão suspensas. Ainda existe uma chance pequenina de os arcônidas
passarem por Fera Cinzenta e descarregarem sua raiva contra Peep. Quanto tempo ainda
nos resta?
— Dez minutos, Sir — respondeu Judson em tom apressado. — Se até lá não
mudarem de rota, poderão reconhecer a base a olho nu.
Rhodan confirmou com um gesto.
— O que está fazendo a Rigel?
— Seguiu as instruções que lhe foram ministradas, afastando-se do planeta. Achei
preferível afastar a nave quanto antes de nosso sistema.
Perry Rhodan rememorou rapidamente...
A Rigel era comandada pelo Major Brackett. E Brackett não seria capaz de levar
uma nave, cujo neutralizador estivesse avariado, para a Terra ou qualquer outro lugar
onde houvesse segredos importantes. Quanto a isso, não precisaria preocupar-se.
— Está bem — disse Perry Rhodan, encerrando a palestra. — Mantenha-nos
informados.
Antes que Judson desligasse, virou-se. Atlan, Bell e o mutante Fellmer Lloyd
fitaram-no.
— As coisas estão ruins — disse Rhodan em tom tranqüilo.
O arcônida suspirou.
— Sabia que haveria um problema.
Perry Rhodan esboçou um sorriso amargo.
— Não havia nenhum problema que razoavelmente pudesse ser previsto —
retrucou. — De qualquer maneira, você tem razão. Mas isso não altera nada.
Mantiveram-se calados por algum tempo. Finalmente Rhodan levantou-se e foi a
uma das portas que davam para os corredores situados entre a sala de computação e os
outros recintos do abrigo subterrâneo. Ao se aproximar da porta, virou-se.
— Acabo de me lembrar de uma coisa — sua voz não revelava a menor comoção.
— É possível que os arcônidas acreditem que Fera Cinzenta seja a Terra. Isso não
acontecerá, se ficarem com os olhos bem abertos. Mas acho que estão muito nervosos...
Nesse caso será altamente provável que lancem algumas bombas muito perigosas, como
por exemplo, bombas de Árcon, que desencadeiam incêndios atômicos inextinguíveis. Eu
lhes recomendaria que colocassem os trajes protetores.
Saiu. Aos poucos, seus passos firmes foram se afastando pelo corredor.
Já durante a palestra com Judson, havia avaliado corretamente a situação. Agora
podia concentrar sua atenção inteiramente sobre aquilo que tinha pela frente, era claro
que os arcônidas encontrariam Fera Cinzenta. Seria inútil convocar Deringhouse e sua
frota. Não havia dúvida de que a mesma seria capaz de rechaçar os atacantes. Porém,
nesse caso, sofreria pesadas perdas. E a Terra não podia dispensar uma única das suas
naves. E, o que era o principal, havia uma coisa que Deringhouse não conseguiria fazer:
impedir que os arcônidas lançassem bombas. Chegaria tarde. Portanto, era preferível que
continuasse onde se encontrava.
Afinal, o que estava em jogo aqui era apenas o destino de uma base. E essa base não
era muito importante. Além das vinte e três naves ali estacionadas — tratava-se de
veículos pequenos, destinados apenas ao transporte — não havia muita coisa a perder em
Fera Cinzenta. O grosso da frota encontrava-se, sem que os arcônidas o soubessem, a
quinhentos anos-luz de distância. Não havia nenhum perigo para a Terra e a
Humanidade...
A não ser que, provavelmente, dali a cinco horas, Perry Rhodan estaria morto...
***
***
***
Quando o primeiro impulso isolado foi seguido, poucos minutos depois, por uma
série de mais de mil outros, captados pelos receptores da nave capitania Drusus, até
mesmo o General Deringhouse se sentiu perplexo. O primeiro impulso não o deixara
preocupado, mas a série seguinte significava que, naquela área, uma verdadeira frota
estava em movimento. E a frota não poderia ser composta de naves terranas, pois o
planeta Terra não dispunha de mil naves além daquelas que se mantinham silenciosas no
espaço.
Eram naves arcônidas. Naturalmente era possível que o regente tivesse resolvido
retirar parte da sua frota de bloqueio ou reforçá-la, mas Deringhouse teve a impressão de
que havia algo de errado. Talvez o primeiro impulso lhe infundisse a idéia de que uma
nave isolada estava sendo perseguida por um grupo de unidades arcônidas.
Refletiu por um instante e mandou enviar uma mensagem condensada para Fera
Cinzenta. Não recebeu resposta e logo compreendeu que acontecera algo não previsto nos
planos da frota terrana.
Fera Cinzenta não estava respondendo. General Deringhouse agiu imediatamente.
Passou o comando da frota ao oficial que lhe seguia em graduação e mandou que a
Drusus se preparasse para a transição. O setor de astronavegação recebeu ordens de
percorrer num único salto a distância que separava a nave de Fera Cinzenta. Quinze
minutos antes da transição, Deringhouse deu o alarma. Gastou cinco minutos para
explicar aos tripulantes que a Drusus provavelmente pararia no meio de uma frota
arcônida. À tripulação caberia destruir o maior número possível de unidades inimigas, e
não deixar que a nave terrana fosse atingida. Também não ocultou o fato de que
provavelmente a base de Fera Cinzenta estava perdida.
Apenas guardou para si um detalhe: no momento do ataque — se é que realmente
houvera um ataque — Perry Rhodan se encontrava em Fera Cinzenta. Se os demais
prognósticos eram corretos, nesse caso também ter-se-ia de admitir que Perry Rhodan
estivesse morto.
A Drusus se pôs em movimento às doze e cinqüenta, hora de Terrânia. Às treze
horas e um minuto, atingiu a velocidade mínima para a transição e desapareceu do espaço
einsteiniano. No mesmo instante, emergiu do hiperespaço a poucas unidades
astronômicas do sol Mirta. O salto fora muito bem calculado. Fera Cinzenta estava tão
próximo que com os supertelescópios se reconheciam detalhes na superfície do planeta.
Viram o cogumelo de uma gigantesca explosão nuclear, a superfície amarela da fogueira
atômica a as extensas nuvens de fumaça que começavam a envolver toda a face diurna do
planeta.
E observaram mais uma coisa! Viram centenas de pontos reluzentes. Cada ponto
representava uma das naves. Achavam-se espalhadas e a uma distância segura sobre toda
a superfície do planeta. Pareciam esperar, até que a fogueira nuclear tivesse destruído
Fera Cinzenta.
Conrad Deringhouse deu ordem de atacar. Sabia que nem mesmo uma nave como a
Drusus teria qualquer chance de êxito j numa luta contra mais de mil naves robotizadas
da frota arcônida. Mas sentia uma espécie de necessidade psicológica de, num ataque
fulminante, fazer o inimigo pagar ao menos pequena parte daquilo que fizera em Fera
Cinzenta. Ainda acontecia que, em Fera Cinzenta, talvez pudesse haver sobreviventes, e
que o ataque-relâmpago desfechado pela Drusus fosse capaz de infundir-lhes novas
esperanças, convencendo-os de que a Terra ainda não os abandonara.
Quando deu ordem de avançar, Conrad Deringhouse sentiu uma tensão quase
insuportável.
Só ele e os oficiais de patente mais elevada da nave capitania sabiam que, quando a
frota terrana se reunira no lugar convencionado, para desferir seu golpe contra Árcon,
Perry Rhodan ficara em Fera Cinzenta. Mas houve uma fonte secreta que criou um boato
entre os tripulantes. Segundo o disse-me-disse, em Fera Cinzenta se perdera muito mais
que uma simples base espacial. E o ataque desfechado contra a unidade mais próxima da
frota arcônida foi interpretado como confirmação do boato.
Os arcônidas não deram mostras se já haviam ou não percebido a aproximação da
nave terrana. Mantiveram-se em posição de espera. Ao que parecia, só estavam
interessados numa coisa: aguardar que o planeta se transformasse por completo numa
bola de fogo.
Mas a calma era enganadora. Assim que a Drusus se aproximara, em alta
velocidade, a menos de dois mil quilômetros da nave que se encontrava mais perto, seus
campos defensivos entraram em incandescência sob a ação dos disparos das naves
arcônidas. Ao precipitar-se sobre a nave, estava transformada numa bola chamejante de
energia concentrada. Sacudiu o fogo de vinte canhões inimigos como quem espanta uma
mosca incômoda. Só começou a disparar quando a distância que a separava da nave
inimiga estava reduzida ao mínimo.
A nave arcônida, que era um veículo de dimensões médias, estava em posição
nitidamente inferior face a Drusus. Seus campos defensivos fizeram um esforço
desesperado para repelir as tremendas energias disparadas pelos canhões térmicos e
desintegradores. Dentro de três segundos, entraram em colapso. A nave desapareceu em
meio à incandescência branca de uma explosão nuclear.
Quando viu a nave arcônida explodir, o General Deringhouse sentiu satisfação e
raiva. Agindo com a frieza e a reflexão de quem executa um exercício tático, fez a Drusus
passar uns dez mil quilômetros além do alvo. Acelerando sempre, a nave não demorou a
entrar em transição e subtrair-se à ação da frota arcônida. Mas a satisfação não durou
muito. Afinal, a vida de Rhodan valia mais que cem mil naves! Ainda mais que,
provavelmente, a nave derrubada era robotizada...
Conrad Deringhouse nem sequer tinha motivo de orgulhar-se com o êxito alcançado.
A nave era infinitamente inferior à Drusus e, ao escolhê-la em meio a uma poderosa
formação arcônida, na verdade havia antes cometido uma tolice que realizado algo de
notável.
Deringhouse obrigou-se a manter a calma. Teve de realizar algum esforço para
compreender que a situação com que se defrontava não podia ser contemplada sob o
ângulo sentimental. Era bem verdade que, segundo tudo indicava, Perry Rhodan estava
morto, e a morte de um amigo é um motivo de tristeza para qualquer pessoa.
Mas o que estava em jogo aqui não era a pessoa de Perry Rhodan ou a tristeza de
Conrad Deringhouse. O que realmente importava era a segurança da Terra. Novas
medidas teriam de ser adotadas. Por enquanto não se poderia cogitar do ataque a Árcon.
Talvez então se deveria considerar um ataque maciço contra a frota que cercava Fera
Cinzenta...
Por quê? Para vingar-se? Será que a vingança poderia ajudar uma única das pessoas
mortas em Fera Cinzenta?
Não!
Deringhouse logo abandonou a idéia. Em meio às reflexões, deu-se conta de um fato
de que quase se esquecera. Daqui em diante, seria o único responsável pela frota terrana.
Não havia mais ninguém a quem pudesse recorrer para pedir um conselho, e nenhuma
pessoa dotada de uma genialidade inata estaria em condições de retificar os erros que ele,
Deringhouse, viesse a cometer.
Dependia única e exclusivamente de si mesmo. Ao menos até que houvesse um
novo governo na Terra.
Por enquanto só poderia fazer uma coisa: numa distância segura ficar aguardando,
para ver se alguém tinha sobrevivido ao ataque traiçoeiro desfechado contra Fera
Cinzenta, e agora estava esperando que alguém viesse buscá-lo antes do planeta
transformar-se numa nuvem incandescente. Se o sobrevivente possuísse um
minicomunicador ou um hiper-rádio de maior potência, não deixaria de irradiar o pedido
de socorro.
A cinco horas-luz de Fera Cinzenta, a Drusus entrou em posição de espera. O boato
de que um homem muito importante — talvez o próprio Perry Rhodan — ficara no
planeta, ganhou corpo, transformando-se quase em certeza.
A cada hora que passava, o nervosismo de Conrad Deringhouse crescia. Não “viu” o
menor sinal de vida. Fera Cinzenta manteve-se em silêncio.
Deringhouse sabia que seria inútil esperar mais de três dias. Se até então não
houvesse nenhum chamado, as esperanças estariam perdidas. O incêndio nuclear não
levaria mais de três dias para completar sua obra de destruição.
***
Os pesados trajes quase os esmagavam, mas eram a única proteção contra a furiosa
tempestade que ameaçava tangê-los como folhas secas.
Os trajes estavam equipados com geradores antigravitacionais, que permitiam
reduzir em determinada proporção o peso do homem e do equipamento. Reginald Bell
desligou o gerador por um instante, quando pareceu-lhe que o traje o esmagaria. A
tempestade levantou-o e o arrastou uns cinqüenta metros. Ficou inconsciente durante
quinze minutos e levou outros trinta para reencontrar os companheiros em meio à
escuridão quase impenetrável.
Perry rastejava na ponta do pequeno grupo. Em pleno meio-dia, as densas nuvens de
fumaça vindas do oeste provocavam tamanha escuridão que Rhodan mal conseguia
enxergar um metro. Com grande esforço, conseguiu orientar-se por meio dos detalhes do
terreno de que ainda se lembrava. Mas, à medida que se afastavam da base, esses sinais
iam diminuindo. Depois de algum tempo, Rhodan apenas pôde avançar em linha reta, não
em curva ou em círculo.
Assim mesmo talvez tivessem errado o caminho. Mas quando tinham percorrido
cerca de metade do trajeto, aconteceu alguma coisa com que Rhodan não contara!
Alcançaram uma estrada que ligava a cidade colonial de Greenwich com o
espaçoporto. Essa estrada corria quase em ângulo reto em relação ao sentido em que
Rhodan e seus companheiros de sofrimento se deslocavam. Dali se concluía que, apesar
de todos os esforços, se haviam desviado bastante do caminho. Logo se defrontaram com
um problema: deviam seguir para a esquerda ou para a direita? Perry Rhodan resolveu
tomar a direita e, dali a algumas horas, viu que sua escolha fora acertada.
A escuridão cedeu a uma penumbra vermelho-amarelada. O incêndio nuclear vindo
do oeste avançava com uma rapidez cada vez maior. Já não se via mais nada da bola
incandescente gerada pela explosão do foguete. Em compensação, a parede de fogo
amarela começou a brilhar por entre a fumaça, desenhando no horizonte, a oeste, um
traço finíssimo de perigo mortal.
Teriam de agir depressa. O fogo avançava a uma velocidade aproximada de cinco
quilômetros por hora, isso de maneira uniforme, em todas as direções. Dentro de muito
pouco tempo, em duas horas no máximo, chegaria a Greenwich.
Os medidores revelavam que o teor de radiatividade alcançara uma tal intensidade
que qualquer pessoa desprotegida seria morta num tempo extremamente curto. A
temperatura exterior era de setenta graus centígrados, e a tempestade se tornara tão forte
que já não podia ser medida com os instrumentos usuais.
Rastejando sempre e agarrando-se ao solo com as mãos enluvadas, Perry Rhodan e
seus companheiros penetraram na cidade-fantasma.
As casas não estavam mais de pé. A tempestade as derrubara e as arrastara. Os
alicerces quebrados assinalavam o lugar em que antes existiam as pequenas e primitivas
casas pré-fabricadas dos colonos. A rua estava coberta de cacos de plástico transparente.
Protegendo-se atrás dos escombros, Perry Rhodan parou e olhou cautelosamente em
torno. Não se atreveu a levantar a cabeça mais de um palmo acima dos alicerces. Teve a
impressão de que, se o fizesse, a tempestade a arrancaria.
— Se por aqui ainda existe algum veículo — gritou Rhodan — deve estar onde
ficava a Prefeitura, ou na parte norte da cidade, junto à saída e na margem do rio. Lloyd,
vá até o rio com Atlan. Cuidado para não se perderem.
Lloyd e o arcônida mal apareciam em meio à semi-escuridão. Confirmaram com um
ligeiro “sim” e desapareceram.
Perry Rhodan e Reginald Bell seguiram em direção ao centro da cidade; o destino
deles era o lugar em que, há algum tempo, os colonos haviam reunido as peças de duas
casas para fazer uma, à qual deram o nome de Prefeitura.
O caminho a ser percorrido não ultrapassava cem metros. Apesar disso, levaram
quinze minutos. A força da tempestade era crescente. E isso constituía prova da tremenda
velocidade com que se aproximava o incêndio nuclear.
Perry Rhodan procurou lembrar-se em que lugar se encontrara a Prefeitura. Estivera
poucas vezes em Greenwich e agora, que as casas tinham desaparecido, sentiu certa
dificuldade em orientar-se.
“Tomara que a tempestade não tenha carregado os veículos”, pensou.
Agachou-se atrás dos alicerces de uma casa e ergueu ligeiramente o corpo. A seguir,
tentou acender a lâmpada embutida na parte da frente de seu capacete.
O potente feixe de luz recortou uma faixa branca em meio à penumbra. Do outro
lado da rua viam-se restos branco-acinzentados de plástico, sobressaindo em meio à
escuridão. A luz da lâmpada continuou a deslizar, e foi refletida pelos cacos de plástico
transparente, espalhados pelo solo. Depois desapareceu em meio à poeira, turbilhonante,
assim que Rhodan a fez girar, procurando olhar rua acima. Não viu nenhum veículo. —
Talvez tenhamos de andar mais um pedaço — disse Bell.
— É possível — confirmou Rhodan. — Vamos.
Desligou a lâmpada e deixou-se cair para a frente. Saiu cautelosamente detrás dos
alicerces. Foi então que viu...
Talvez fosse apenas uma sombra irreal em meio à semi-escuridão poeirenta.
Chamava a atenção pela rapidez com que se deslocava e pelo sentido em que ia. Seguia
contra a tempestade. Mas tão rápida como surgiu, a sombra desapareceu.
Perry Rhodan estirou-se no solo e ficou parado. Reginald Bell apareceu a seu lado.
Não vira a sombra.
— Há alguém indo por ali — cochichou Rhodan.
— Será Atlan ou Lloyd? — perguntou Bell em voz baixa.
— Não pode ser. Estão lá no rio.
Subitamente a voz de Atlan se fez ouvir.
— O que houve por aí? — perguntou o arcônida. — Ouvi meu nome.
— Santo Deus, onde está você? — perguntou Rhodan.
— Perto do rio — respondeu o arcônida. — Mas o rio não existe mais; secou.
— Lloyd está com você?
Ao que parecia, o arcônida teve de procurá-lo antes de responder.
— Lloyd! O senhor está aqui? Está, sim. Por enquanto...
— Prestem atenção! — interrompeu-o Rhodan em tom apressado. — Há mais
alguém na cidade, além de nós. Vi uma sombra. Tomem cuidado. Se fosse um dos nossos,
teria ouvido nossa palestra e dado um sinal de sua presença.
— Desde que use traje protetor.
— Se não usasse, já estaria morto. Só pode ser um estranho.
Atlan ficou calado por um instante.
— Está bem; e agora? — perguntou em tom tranqüilo.
— Vamos continuar a procurar — disse Rhodan. — Fiquem de arma na mão e assim
que virem alguma coisa, atirem.
— Está bem — respondeu o arcônida. Nesse momento, Fellmer Lloyd se fez ouvir.
— Acontece que não sinto nada, Sir — afirmou. — Se houvesse alguém na cidade,
eu deveria ser capaz de constatar sua presença.
— A não ser que seja um robô — ponderou Rhodan. — Não confie demais nos seus
dotes.
— Compreendo, Sir — respondeu Fellmer Lloyd. — É melhor confiar na minha
pontaria.
Perry Rhodan suspirou aliviado. Se os homens ainda sabiam responder com sangue-
frio, nem tudo estava perdido.
Procurou olhar para Reginald Bell e levou um tremendo susto ao descobrir que seu
amigo desaparecera.
“Que estúpido! Como foi que ele pôde sair na situação em que nos encontramos?”,
pensou irritado.
— Bell, seu idiota! — gritou Rhodan. — Volte imediatamente.
Algum tempo se passou sem que houvesse qualquer resposta. O pânico começou a
dominar Rhodan.
Será que a sombra levara Reginald Bell?
— Bell! — voltou a gritar. — Onde está você?
De repente, ouviu a resposta proferida em voz débil:
— Perry! Estou aqui. Ajude-me!
A voz veio quase num cochicho. Perry Rhodan pôs-se em movimento. Nos poucos
segundos em que conversara com Atlan e Lloyd, Bell não poderia ter-se afastado mais de
dez metros. Portanto, bastaria procurar nas imediações.
— Socorro! — ouviu Perry novamente, em voz abafada.
“É a tempestade”, pensou Rhodan. “Deve tê-lo arrastado e atirado contra uma
parede.”
Saiu rastejando em direção ao lado oposto da rua. Na pressa ergueu-se demais. Foi
quando a tempestade o agarrou e o atirou de cabeça contra uma parede baixa.
Instintivamente levantou os braços para amortecer o choque. Uma dor cruciante
subiu do pulso esquerdo, tomando conta de todo o braço.
O incidente desorientou Perry Rhodan.
— Bell! — gritou.
— Aqui! — disse uma voz débil. — Ajude-me!
— Já vou! — respondeu Rhodan. — Agüente firme, Bell.
Passou por cima do muro contra o qual fora atirado pelo vento e teve de cuidar-se
para não ser arrastado de novo. As dores no braço esquerdo eram quase insuportáveis.
Mas o sofrimento atiçou-lhe a raiva, e esta deu-lhe novas forças.
— Aqui! Ajude-me! — cochichou a voz e estimulou Perry Rhodan a dar mais de si.
Encontrava-se atrás do muro e, ao menos por alguns segundos, não teve de
preocupar-se com a tempestade. Esteve a ponto de levantar e acender a lanterna, quando a
voz chamou de novo:
— Perry! Estou aqui! Socorro!
Rhodan aguçou o ouvido. A voz parecia ter se aproximado. Reginald Bell
deslocava-se na direção em que se encontrava...
E, caso estivesse em condições de locomover-se, teria motivo para pedir socorro de
forma tão lamentosa?
— Bell — chamou Rhodan em tom impaciente. — O que houve?
A única resposta foram as mesmas palavras de sempre:
— Perry! Aqui. Ajude-me!
Rhodan continuou deitado. Depois de algum tempo, pôs-se de joelhos sob a
proteção do muro.
Alguma coisa moveu-se na escuridão.
— Bell, é você?
A única resposta foi um gemido abafado. Perry Rhodan abaixou-se. Viu que a
sombra à sua frente crescia. Pelo microfone externo, ligado ao volume mínimo, ouvia o
uivo da tempestade que investia contra outro obstáculo.
Naquele instante, Perry Rhodan percebeu que caíra numa armadilha. O que vinha
em sua direção não era Bell. Era um monstro que não “se importava” em andar ereto em
meio à tormenta escaldante de fim de mundo. Mantinha-se de pé sem a menor
dificuldade. Rhodan apenas viu uma sombra confusa de mais de dois metros e meio de
altura. Foi o suficiente. A arma de radiações térmicas praticamente “escorregou” para
dentro de sua mão. Bastou girar o cano ligeiramente para cima e comprimir o gatilho.
Perry superestimara a distância. Bem à sua frente, alguma coisa explodiu com um
forte estrondo.
Perry Rhodan viu um raio ofuscante e sentiu os golpes provocados pelos fragmentos
da explosão. Foi atirado para trás. Sem proteção, a tempestade agarrou-o e tangeu-o mais
um pedaço.
Foi a salvação!
Seu crânio bateu com tanta força contra os restos dos alicerces de uma construção
que o deixou inconsciente por alguns minutos. Mas só assim escapou ao calor mortífero
irradiado pelos destroços do monstro.
Uma voz angustiada chamou-o de volta à realidade.
— Perry! Responda! O que houve, Perry? Que barulho foi esse?
Era a voz de Atlan. Perry Rhodan ergueu-se cautelosamente e olhou em torno. A dez
metros do lugar em que se encontrava, uma fogueira vermelha brilhava em meio à
escuridão. Assustado e ainda meio confuso, acreditou ser o incêndio nuclear que já havia
chegado à cidade. Mas logo se lembrou do monstro contra o qual disparara. Suspirou
aliviado. Além da dor no braço esquerdo, sentia um zumbido na cabeça. Mas o medo pelo
destino de Bell fê-lo esquecer as dores.
Virou-se cautelosamente e saiu rastejando em direção ao lugar em que havia a
incandescência cada vez mais fraca. Enquanto rastejava, respondeu ao chamado de Atlan.
— Por aqui tudo em ordem — disse. — Parece que os arcônidas desembarcaram
robôs em Fera Cinzenta. Um deles quis atrair-me a uma armadilha, mas eu o reconheci no
último instante. Foi este o barulho que vocês ouviram. Mas há uma coisa muito pior. Bell
desapareceu. Acho que os culpados sejam os robôs.
Ouviu a respiração ofegante do arcônida em meio ao uivo abafado da tempestade.
— Sei que não conseguirei convencê-lo, bárbaro — respondeu Atlan em tom sério.
— Acontece que o incêndio nuclear atingirá a cidade dentro de vinte minutos, muito
mais cedo do que pensávamos. Daqui o vemos perfeitamente e se você quiser dar-se ao
trabalho de olhar para o termômetro, acreditará no que estou dizendo. Encontramos um
veículo de múltiplas finalidades, que resistiu à tempestade e está em condições de voar.
Possui um potente estabilizador, e o aparelho lhe permite resistir à tempestade.
Poderemos buscá-lo e tratar de sair quanto antes, mas...
— É isso mesmo, almirante; mas... — respondeu Perry Rhodan em tom zangado
— ...não sairei daqui antes de encontrar Bell. Ele deve estar nas proximidades. Esperem
mais dez minutos. Se até lá não o tiver encontrado, dêem o fora. Ninguém lhes levará a
mal se agirem assim.
— Levará, sim — respondeu Fellmer Lloyd prontamente. — Eu mesmo me levaria
a mal — de repente sua voz parecia zangada. — Irei até aí, Sir. Se Mr. Bell não estiver
morto, eu o encontrarei dez vezes mais depressa que o senhor. Afinal, para que serve o
veículo?
Subitamente ouviu-se uma risada que parecia vir de longe.
— Está bem, bárbaro — disse Atlan em voz baixa. — Todos por um. Daqui a dois
minutos estaremos aí.
Perry Rhodan suspirou aliviado. A idéia de Fellmer Lloyd era a mais acertada. Caso
Reginald Bell estivesse vivo e se encontrasse por perto, Fellmer Lloyd, o telepata,
registraria as vibrações de seu cérebro e o localizaria.
Continuou a rastejar. A incandescência vermelha do robô destruído já se apagara.
Rhodan olhou para o termômetro. A temperatura era pouco inferior a duzentos graus.
Por várias vezes chamou Reginald Bell. Mas não houve resposta. Talvez estivesse
inconsciente. Dali se concluía que o pedido de socorro não fora feito por Bell. E sim pelo
robô!
Era um robô especial, cuja programação abrangia o conhecimento da língua inglesa.
Não haviam esquecido nada.
Passou perto do robô, ou melhor, do que sobrara dele depois da explosão. Mais
adiante havia um pedaço de muro. Rhodan aproveitou-o para erguer-se e examinar a
penumbra com o raio de sua lanterna.
Naquele instante ouviu a voz de Fellmer Lloyd:
— Já chegaremos aí, Sir. Dentro de cinco minutos encontraremos Mr. Bell.
Aquelas palavras eram bastante reconfortadoras. Perry Rhodan sorriu. Dirigiu a luz
da lanterna para um lugar cintilante, que se destacava dos arredores.
— Não é necessário — respondeu. — Acabo de encontrar Bell. Do jeito que está
deitado conclui-se que o robô lhe aplicou um choque...
***
Depois de dez horas de espera, durante as quais não aconteceu nada, o Major
Brackett expediu o sinal de emergência. Era um único sinal modulado e condensado em
alguns nanossegundos. Só os receptores terranos reagiriam automaticamente ao sinal. Um
receptor estranho só o faria se por coincidência um operador ouvisse o chamado e lhe
atribuísse um significado especial.
É claro que Paul Brackett sabia que esse perigo existia. Algumas dezenas de
milhares de naves arcônidas estavam reunidas nesse setor da Galáxia, e a bordo de cada
uma delas havia pelo menos um operador de rádio, destacado para ouvir sinais suspeitos.
Paul Brackett se arriscou a irradiar o sinal, pois estava convencido de que o inferno
já estava a solta em Fera Cinzenta e achava que não valia a pena continuar inativo com a
Rigel.
O sinal foi captado em vários pontos. As naves da frota terrana registraram o pedido
de socorro com a maior atenção. A Drusus também o ouviu. E alguns operadores de rádio
das naves arcônidas também o captaram. Procuraram determinar o código utilizado na
feitura do sinal e ampliá-lo ao comprimento originário. Depois passaram à localização
goniométrica do local em que o sinal foi expedido. Tudo isso era muito complicado e
levaria algumas horas.
A Drusus não saiu do lugar em que se encontrava, pois pretendia continuar
aguardando eventuais pedidos de socorro, vindos de Fera Cinzenta. No entanto, dois
cruzadores pesados saíram da formação de naves terranas que aguardava ordem de atacar
e, com uma transição rápida, transportaram-se ao ponto onde achava-se a Rigel.
Pelo rádio comum Paul Brackett transmitiu um relato ligeiro da situação. Sugeriu
que os tripulantes de sua nave fossem transferidos para os dois cruzadores, e que a
própria Rigel fosse destruída. Face à movimentação que se verificava nesse setor espacial
e à circunstância de que a qualquer momento poderiam surgir naves arcônidas que
também tinham captado o pedido de socorro, não havia idéia mais razoável que esta. A
bordo da nave não existiam recursos que permitissem o reparo do neutralizador avariado.
E a montagem de outro aparelho demoraria pelo menos cinco horas. Já o transbordo dos
oitocentos tripulantes, muito bem treinados nesse tipo de ação, não demoraria mais de
uma hora e meia.
Paul Brackett transmitiu as respectivas instruções. Foi o último a sair da Rigel.
Preparou os explosivos nucleares que não deixariam que a preciosa nave caísse nas mãos
do inimigo. Suas mãos estavam encharcadas de suor e sentia um nó na garganta.
Comandava a nave há apenas seis meses...
Quando sua pequena nave auxiliar foi acolhida a bordo da Bilbao, Brackett não
conseguiu dizer uma palavra. O Tenente Huyghens, comandante da Bilbao, teve bastante
inteligência para compreender sua dor; limitou-se a apertar a mão de Brackett.
Brackett não testemunhou o fim da Rigel. Assim que subiu a bordo da Bilbao, os
dois cruzadores partiram.
O que aconteceu com a Rigel foi uma coisa incrível!
Mal os dois cruzadores terranos desapareceram, um grupo de naves arcônidas
emergiu do hiperespaço. Uma das espaçonaves arcônidas ainda teve tempo de colocar-se
junto ao costado da Rigel e lançar uma série de naves auxiliares tripuladas por robôs, a
fim de ocupar a nave terrana.
Enquanto os robôs se esforçavam para abrir a grande comporta da nave, as bombas
explodiram. A Rigel, os robôs e a nave arcônida desmancharam-se numa gigantesca bola
de fogo branco-azulada.
***
Reginald Bell estava vivo; não havia a menor dúvida. Mas achava-se paralisado,
inerte. Foi muito difícil colocá-lo dentro do veículo. A tempestade atingira uma violência
inacreditável.
A clareza em torno deles crescia rápida e constantemente. A oeste, o céu era uma
única luminosidade, contra a qual se destacavam tristemente os restos das casas, as
muralhas esfaceladas e os alicerces arrancados. A temperatura exterior havia se elevado a
quatrocentos e trinta graus e subiu à razão de aproximadamente quatro graus a cada dez
segundos. Os potentes mecanismos de refrigeração dos trajes espaciais passaram a
funcionar a toda potência.
O uivo da tempestade estava sendo superado por um trovejar, que parecia vir das
profundezas de Fera Cinzenta e fazia tremer o chão. Esperavam que a qualquer momento
a terra se rompesse e soltasse torrentes de lava incandescente. Sabiam que uma catástrofe
desse tipo era perfeitamente possível. O incêndio nuclear desenvolvia temperaturas de
vários milhões de graus e fazia fundir os núcleos dos átomos. E a energia liberada, em
virtude do desarranjo dos núcleos atômicos, fazia a temperatura subir cada vez mais, não
permitindo que o incêndio se extinguisse.
A fusão dos núcleos atômicos admitia uma série de variantes. As funções da bomba
de Árcon não se restringiam à fusão do silício com os núcleos do próprio silício ou do
sódio com os núcleos dos átomos do cálcio. Embora isso fosse menos provável, também
poderia ocorrer a fusão de dois núcleos atômicos diferentes, como por exemplo a de um
núcleo de silício com um núcleo de sódio.
De qualquer maneira, a propagação da fogueira atômica se verificava com maior
rapidez na direção em que a massa de fusão era mais homogênea, ou seja, mais uniforme,
formada de um só elemento. Se, por exemplo, a oeste o fogo atingisse uma veia de cobre
que surgisse à luz do dia e que se estendesse embaixo do solo em direção ao leste, nesse
caso o fogo prosseguiria com maior rapidez subterraneamente, seguindo a porção de
matéria homogênea.
Já na superfície, onde teria de atingir a massa heterogênea de vários elementos, sua
propagação seria mais lenta. Não havia nenhum sinal pelo qual se pudesse saber se,
naquele instante, o fogo já ardia sob os pés dos homens, ou melhor, sob os alicerces da
antiga cidade de Greenwich. Só no momento em que o incêndio se alastrasse a uma
camada de solo menos estável, o tremendo calor abriria caminho para cima, racharia o
solo e atiraria para a superfície todos os produtos incrivelmente quentes do processo de
fusão subterrânea.
O veículo encontrava-se na rua. Tiveram de reunir as últimas forças para erguer
Reginald Bell por cima do muro atrás do qual estivera deitado. Quinze minutos pareciam
passar num instante. A oeste, a parede de fogo continuava a crescer inexoravelmente. A
escuridão já havia cedido lugar a uma claridade radiante. E o vento se tornara maligno.
Toda vez que acreditavam dispor de uma pequena pausa, voltava a golpeá-los, atirando-
os para trás.
Do outro lado da rua, os alicerces de uma casa explodiram ruidosamente. Uma
chuva de fagulhas espalhou-se por todos os lados. Fellmer Lloyd abrigou-se
instintivamente. Com isso, soltou Reginald Bell, que sob a força da tempestade voltou a
escorregar para junto da muralha sobre a qual o haviam passado.
Tiveram de fazer o mesmo esforço outra vez!
Perry Rhodan sentiu que a dor de cabeça ameaçava estourar-lhe o crânio. O braço
esquerdo, destroncado ao bater contra o muro, estava sendo inundado por verdadeiras
ondas de dor. Mas, mesmo assim, continuou avançando banhado em suor. O ato da
respiração havia ficado difícil. Sempre que abria a boca, como alguém que morre
sufocado, e procurava encher os pulmões de ar, sentia uma pontada no peito que quase o
deixava louco.
Gritava, dizia que Fellmer Lloyd era um idiota por ter soltado Bell e o recriminava
por andar muito devagar. Mas Lloyd não ouvia nada, pois também gritava
ininterruptamente. Até mesmo Atlan, o arcônida, já perdera a calma. Com palavrões
arcônidas respondeu à sensação de medo que lhe oprimia a garganta.
Finalmente conseguiram. A parede de fogo já havia chegado à periferia da cidade.
As peças de plástico que haviam resistido à tormenta derreteram-se e estouraram. O
veículo começou a balançar. Reunindo as ultimas forças, arrastaram o corpo imóvel de
Reginald Bell para cima e enfiaram-no pela escotilha da pequena comporta. Depois disso,
mal lhes restava energia para penetrar na comporta, comprimir-se no reduzido espaço da
cabina e fechar a escotilha.
O ar quente foi expelido muito devagar e substituído por ar puro e fresco, vindo do
reservatório do veículo. No momento em que a luz verde se acendeu, Perry Rhodan
deixou-se cair para o lado e bateu com o ombro direito contra a escotilha interna. A
escotilha abriu-se. Rhodan entrou aos tropeções na cabina de passageiros, segurou-se na
poltrona do piloto e jogou-se de encontro aos comandos.
Com alguns movimentos automáticos, acionou o motor.
De um instante para outro, os contornos chamejantes dos restos dos edifícios foram
diminuindo. Depois de algum tempo, desapareceram sob o tapete do incêndio nuclear.
Agindo como uma máquina, Perry Rhodan regulou a rota do veículo. Altitude: máxima.
Velocidade: máxima. Direção: leste.
O estabilizador trabalhava a plena potência. À medida que o veículo subia, a
velocidade da tormenta ia diminuindo. Em compensação, surgiram os componentes
verticais da velocidade do vento. As superfícies aquecidas pelo incêndio nuclear faziam
as massas de ar subirem na vertical, e sua influência tinha de ser neutralizada. Rhodan o
fez apenas na medida em que isso se tornava necessário, para que o veiculo obedecesse
ao comando. Aproveitou o resto da componente vertical, a fim de subir mais depressa do
que o propulsor teria conseguido.
Dali a dez minutos, percebeu que estavam em segurança. A superfície incandescente
do incêndio nuclear afastou-se para oeste. O veículo atingira uma altitude de quinze
quilômetros e, nesse setor, a temperatura do ar era pouco superior ao normal.
Mas o sol não apareceu mais. As energias nucleares desencadeadas haviam atirado a
fumaça e as nuvens de pó para as camadas superiores da atmosfera, impedindo, a partir
de agora, que Fera Cinzenta visse a face do sol... a partir de agora e para sempre, pois,
dentro de três ou quatro dias, o planeta deixaria de existir.
Pela primeira vez Rhodan teve tempo para olhar os colegas. Reginald Bell e Fellmer
Lloyd jaziam imóveis no solo. Ao que parecia, o choque provocado pela aceleração, que
o débil campo antigravitacional do veículo não conseguira neutralizar inteiramente, fizera
com que Lloyd tombasse. O destino de Atlan fora idêntico. Mas agora o arcônida já
começava a erguer-se entre dois bancos. Perry Rhodan o viu sorrir por entre a sujeira que
cobria o visor de seu capacete. Era um sorriso cansado. E os olhos injetados de sangue e
profundamente encovados completavam o quadro do esgotamento total.
— Conseguimos, bárbaro? — perguntou o arcônida em voz baixa.
Perry Rhodan fez que sim. Pretendia responder alguma coisa, mas sua voz não
obedecia. Teve de engolir fortemente por algumas vezes. Os pulmões martirizados
libertaram-se por meio de um acesso de tosse, que durou vários minutos. O processo foi
doloroso, mas as palavras foram perfeitamente inteligíveis:
— Por enquanto sim, almirante. Você sabe que só estaremos a salvo, quando
conseguirmos sair deste planeta.
Empurrando-se nos bancos, Atlan foi chegando para a frente e tomou lugar ao lado
de Rhodan.
— Fiquei refletindo sobre o robô arcônida — disse. — Tenho certeza de que não
estava só.
— Também tenho certeza — confirmou Rhodan.
Estava tão cansado que não conseguia sentir-se curioso para saber onde o arcônida
pretendia chegar.
— Devem ter vindo num barco espacial, que os trouxe de uma das naves arcônidas,
não é?
— Sem dúvida. Mas não tivemos tempo para procurar sua nave auxiliar. Além disso,
devem ter dado o fora antes de nós.
— Pois é. Mas é possível que voltem a procurar-nos, num lugar ainda distante da
fogueira nuclear.
Perry Rhodan olhou para o lado e conseguiu esboçar um débil sorriso.
— Nesse caso, almirante — respondeu em tom enfático — vamos cuidar o quanto
antes de sua nave auxiliar.
Atlan acenou com a cabeça; parecia pensativo. Dali a alguns segundos, quando
voltou a falar, o timbre de sua voz era diferente.
— O que vamos fazer?
— Muita coisa — respondeu Perry Rhodan. — Antes de mais nada precisamos
procurar um lugar mais ou menos seguro onde possamos descansar algumas horas.
— Numa ilha — sugeriu Atlan.
— Fico satisfeito em notar que também neste ponto nossas opiniões coincidem —
respondeu Perry Rhodan numa amável ironia. — O incêndio nuclear não atingiu a
atmosfera de Fera Cinzenta. Por isso podemos admitir com toda segurança que as bombas
de Árcon, lançadas no planeta, não (oram ajustadas para os elementos cujo número de
ordem é sete e oito, ou seja, para o nitrogênio e o oxigênio. Uma das ajustagens mais
comuns das bombas é a do número dez. Quando todos os elementos cujo número de
ordem é superior a dez entram na reação, o núcleo sólido do planeta não escapa à
destruição. E a destruição da atmosfera é por assim dizer automática.
Olhou para Atlan, que confirmou com um gesto.
— Dali se conclui — disse este — que a água, composta dos elementos oxigênio e
hidrogênio, originariamente não será atingida pelo fenômeno.
— Originariamente — repetiu Perry Rhodan, enfatizando a palavra. — O incêndio
nuclear não é detido na margem de um oceano. O calor que se desenvolve na periferia da
área de incêndio não será suficiente para evaporar a água e deixar descoberto o fundo do
mar. Mas o processo sofre um retardamento. A propagação através do fundo do mar é dez
vezes mais lenta que na terra firme. É bem verdade que, para uma pessoa que se encontre
numa ilha, existe outro perigo. O incêndio pode propagar-se embaixo do leito do oceano,
avançando até a ilha, fazendo com que o homem insulado, que se acreditava em
segurança, realmente esteja sentado sobre a cratera de um vulcão.
— É verdade — disse Atlan. — De qualquer maneira, temos de aproveitar todas as
chances, por menores, que sejam. Por isso pousaremos numa ilha.
— Vamos trabalhar com o equipamento de localização — prosseguiu Rhodan —
para verificar se os arcônidas ainda estão por aí. Em caso negativo emitiremos pedidos de
socorro. Assim virão buscar-nos, dentro de poucas horas.
— E depois?
Por algum tempo a pergunta parecia oprimi-los. Apesar do cansaço, Perry Rhodan
não deixou de perceber o tom estranho que vibrava na voz de Atlan.
— Depois — respondeu tranqüilamente — prosseguiremos nos preparativos para o
ataque contra Árcon. Não se trata de um assunto puramente pessoal entre mim e o regente
de Árcon. O que está em jogo é a existência da Terra. Perdemos uma base e alguns
homens muito bons. Foi isso que mudou nestas últimas horas. Mas o que não mudou é a
necessidade de obrigar o regente de Árcon a agir razoavelmente.
Atlan refletiu. Depois de alguns minutos, respondeu:
— Acho que você tem razão, bárbaro. Admiro sua persistência.
***
***
Vista de cima, a ilha apresentou-se nas telas de luz infravermelha com um péssimo
aspecto. Quando o veículo desceu, seus ocupantes perceberam que esse péssimo aspecto
era devido a uma cadeia de montanhas de cerca de dois mil metros de altura que rodeava
toda a ilha. Os quatro ocupantes do veículo nunca haviam visto uma ilha como aquela.
De qualquer maneira, porém, era um ótimo abrigo para quem quisesse permanecer
em Fera Cinzenta durante as últimas horas que antecediam o fim do planeta. A cordilheira
litorânea deteria os maremotos, que quisessem investir contra a ilha.
Enquanto descia sobre a ilha, o veículo balançava assustadoramente. Durante as dez
horas ou mais de vôo, consumira vinte vezes mais energia na estabilização da rota que na
propulsão. Segundo se concluía das indicações constantes do painel à frente de Perry
Rhodan, nas condições atuais, as reservas dariam no máximo para cinqüenta quilômetros.
No entanto, os ocupantes do veículo sentiam-se muito melhor do que corresponderia
às circunstâncias. Uma observação espacial, realizada há duas horas, revelara que, ao
menos sobre a parte do planeta abrangida, não havia nenhuma nave arcônida. Era bem
verdade que também não existia qualquer nave terrana.
Quer dizer que o inimigo se retirara. Estava convencido do êxito alcançado com o
bombardeio. O mundo de Fera Cinzenta já não representava qualquer elemento de risco.
Fellmer Lloyd esvaziara a caixa de medicamentos e encontrara uma coisa para cada
ocupante do aparelho. Para si mesmo, Atlan e Perry Rhodan encontrou um analgésico e,
para Reginald Bell, um preparado que expelia do sangue os restos do choque nervoso.
Aguardavam febrilmente o momento em que, uma vez atingido um ponto fixo na
superfície, pudessem expedir seu pedido de socorro e aguardar a chegada de uma nave
terrana.
Perry Rhodan pousou bem no centro da ilha. Ficou sentado por um instante, deixou
os olhos vagarem sobre a savana que enchia a bacia da ilha. Depois observou os
instrumentos que registravam o teor de radiatividade fora do veículo. Esse teor chegava a
sessenta rens por hora. Nenhum homem sensato se disporia a agüentar por alguns
minutos tal índice de radiatividade.
Com um suspiro, Rhodan desligou as lâmpadas infravermelhas. A tela apagou-se. A
pequena cabina do veículo estava totalmente isolada da escuridão, onde rugia o fim do
mundo.
— Ficaremos aqui! — decidiu Rhodan. — Não adianta pôr o nariz para fora.
Fez um sinal para Fellmer Lloyd. O mutante pegou a pequena bolsa, onde estava o
transmissor, e colocou-a sobre o painel, ao lado de Perry. Rhodan levantou a tampa de
plástico e fitou por alguns segundos o pequeno painel que surgiu sob a mesma.
“O que acontecerá se o transmissor não estiver funcionando?”, pensou Rhodan
martirizado.
Finalmente levantou a mão num gesto decidido e comprimiu o pequeno botão
vermelho que ficava no canto inferior esquerdo do painel. No mesmo instante, a luz, de
controle, embutida no botão, acendeu-se. O aparelho emitiu um zumbido agudo que, para
os ocupantes do veículo, foi o ruído mais agradável ouvido nas últimas vinte e quatro
horas.
Não havia praticamente mais nada a fazer. Como a bordo do veículo não existissem
meios que permitissem fazer da antena do microcomunicador uma antena direcional,
apontando-a para o lugar em que a frota terrana se reunira para o ataque contra Árcon,
Perry Rhodan não teve outra alternativa senão irradiar um sinal difuso. O pedido de
socorro estava codificado e especialmente programado no interior do transmissor.
Bastaria comprimir um segundo botão para emitir e irradiar a mensagem.
Ouviu-se um ligeiro clique, quando Rhodan comprimiu o botão, e mais um quando
o botão voltou à posição inicial.
— Trinta a oitenta minutos a partir de agora — disse. — Depois disso, deverão
aparecer.
***
Agora que segurava o resultado na mão e via que essa era a notícia que todos
aguardavam, André Larchalle foi a calma em pessoa. Olhou em torno, e os homens que o
fitavam atentamente viram que seus olhos brilhavam.
— Nós os encontramos, gente! — exclamou em tom exultante. — Ainda existe
gente viva em Fera Cinzenta!
Depois disso, voltou à sua poltrona e avisou a sala de comando.
***
O chão tremia.
Mas, no interior da cadeia circular de montanhas, a tempestade apenas tinha uma
fração da força que lá fora causava tamanha desgraça.
Saíram do veículo e andaram pela escuridão. Quando a nave chegasse, esta seria
alcançada mais depressa a pé do que com o veículo, pois este teria de ser introduzido pela
comporta. Desde a emissão do sinal, já se haviam passado 20 minutos. Dali a mais dez, a
nave salvadora poderia chegar. Deveriam sentir-se felizes com a salvação que estava
prestes a vir, mas o tremor do solo constituía sinal de que o incêndio nuclear já havia
chegado ao subsolo da ilha. Não sabiam se a desgraça os pouparia por mais dez minutos.
Perry Rhodan pendurou o microcomunicador ao pescoço e ligou o receptor a um
contato de seu capacete. Esperava uma resposta, embora soubesse que não a obteria, a
não ser que o comandante da nave que viesse em seu auxílio fosse um idiota. Na situação
em que se encontravam, qualquer tráfego de rádio, por menor que fosse, representava um
perigo.
Apesar disso, Rhodan esperava.
Falavam muito pouco. Sentados sobre pedras espalhadas pela savana, apoiavam os
pés firmemente no chão e prestavam atenção ao rugido vindo das profundezas da terra. A
temperatura exterior era pouco inferior a cem graus centígrados. Rhodan olhou para o
relógio; vinte e cinco minutos já se haviam passado. Dentro de cinco minutos,
transmitiria mais um sinal goniométrico, a fim de que a nave pudesse orientar-se.
Deixou cair o braço e começou a contar os segundos. Quando chegou ao número
trinta e dois, alguma coisa vinda de baixo agarrou a pedra na qual estava sentado e atirou-
a para o alto. Perry Rhodan foi junto!
Viu confusamente os contornos dos arbustos, que se aproximavam
vertiginosamente. Abriu os braços para amortecer a queda. Com um estrondo imenso,
caiu em meio a uma confusão de galhos e folhas duras. A queda foi então amortecida. O
impacto do corpo de Rhodan dividiu em dois o arbusto sobre o qual caíra. Estava apenas
um tanto confuso. Dali a dois segundos, pôs-se de pé e procurou descobrir a direção da
qual viera.
Naquele instante, sentiu-se ofuscado por um forte raio de luz. Segundos depois, o
ribombo de uma enorme explosão soou nos alto-falantes e fez seus ouvidos zumbirem.
Pôs a mão no capacete e reduziu o volume dos microfones externos. Uma violenta onda
de pressão aproximou-se do lugar em que estava. Na ofuscante luz amarela, viu os
arbustos ondularem que nem a água de um lago. Abrigou-se antes que a onda o atingisse.
Pedras e blocos de pedra foram atirados contra ele, cobrindo-o. Os espinhos
arranharam seu traje. Alguma coisa atingiu-o violentamente no ombro, fazendo-o sentir
dores.
Perry Rhodan levantou-se com grande esforço e pôs-se a gritar. Chamou os nomes
dos companheiros e, de algum lugar, veio uma resposta. Não entendeu o que diziam.
À sua direita, a menos de um quilômetro do lugar em que se encontrava, uma coluna
incandescente subiu ao céu. Bramindo e roncando, os gases e a lava tangidos pela força
de centenas de milhares de graus de calor subiam e continuavam a dilacerar a terra,
abrindo sempre novas passagens para os fluxos chamejantes.
O incêndio nuclear atingira a ilha, que se esfacelava.
Perry Rhodan continuou no mesmo lugar. Não adiantava mais. Não havia salvação.
“É o fim, seu idiota”, pensou numa disposição zangada. “Você pensou que, dentro
de setenta anos, pudesse transformar a Terra na potência dominante da Via Láctea.
Agora estão apresentando a conta, e você não poderá deixar de pagá-la. Não há saída.”
Olhou em torno, em atitude tranqüila, quase relaxada, conforme fizera durante toda
a vida.
A coluna de lava, que dera início à destruição da ilha, transformou-se em vinte,
quarenta, cem...
No centro da ilha, havia uma área estreita e alongada ainda não atingida pelo
desastre. Os arbustos ardiam, mas o chão parecia firme.
“Será que devo correr para lá a fim de prolongar minha vida por alguns
segundos?”, refletiu.
Viu um vulto agachado que corria em meio à vegetação. Movia-se de forma
grotesca, planando uns quatro metros a cada salto que dava. Era Bell, Atlan ou Lloyd.
Ligara o gerador antigravitacional para diminuir o peso do corpo. Corria em direção ao
lugar ainda não atingido pelo caos.
Perry Rhodan ficou espantado.
O que adiantava correr para salvar uma vida que, de qualquer maneira, estava
perdida?
Estreitou os olhos, evitando que a claridade o perturbasse. Foi então que viu. Era um
vulto reluzente e gigante, pouco nítido. A iluminação vinha de baixo.
Era a espaçonave!
***
Não foi necessário despertar o General Deringhouse. Ele jurara a si mesmo que,
enquanto houvesse uma esperança de salvar alguém que se encontrasse em Fera
Cinzenta, não dormiria.
Quando André Larchalle transmitiu sua informação, o próprio Conrad Deringhouse
achava-se junto ao intercomunicador. Com a rapidez inimitável que os tripulantes
admiravam em sua pessoa, preparou a Drusus para entrar em ação.
A nave passou a deslocar-se à velocidade máxima. Os instrumentos de observação
mantinham-se em silêncio. Ao que parecia, não havia mais naves arcônidas por perto. Era
bem verdade que Conrad Deringhouse envelhecera demais no exercício da profissão, para
dar um excessivo valor às aparências.
Recomendou aos homens dos postos de observação que mantivessem um máximo
de atenção. Sabia perfeitamente que era muito difícil localizar, a partir de uma nave em
movimento, outro veículo espacial que se encontrava a alguns milhões de quilômetros de
distância, mantendo-se em silêncio e com os propulsores desligados, sem transmitir
qualquer mensagem pelo rádio.
E foi a desconfiança de Deringhouse que salvou a Drusus da destruição...
Quando a gigantesca nave se havia aproximado a dois milhões de quilômetros de
Fera Cinzenta, o negrume do espaço começou a cuspir naves arcônidas. Os observadores
constataram a presença do inimigo, quando as naves passaram a acelerar em direção à
Drusus. Dali a mais alguns minutos, aproximaram-se à distância de um tiro.
Era uma frota composta de cerca de cem unidades. Conrad Deringhouse cerrou os
dentes e deu ordem de abrir fogo. Por maior que fosse o número de arcônidas que se
interpunham em seu caminho, teria de chegar a Fera Cinzenta.
***
Perry Rhodan corria sem parar. Ligou o pequeno gerador antigravitacional e logo
sentiu seu peso diminuir. Empurrou-se com toda força do chão, passou por cima da fenda
do solo que se abria naquele instante e parou a uns cinco metros de distância. Deu um
segundo pulo e um terceiro. Quando estava preparando o quarto, a espaçonave
escamoteou as colunas de apoio telescópicas e as comprimiu fortemente contra o chão
balouçante.
À sua direita e à sua esquerda, viu mais dois vultos que tropeçavam e corriam.
Chegaram ao mesmo tempo que Rhodan no lugar oval de pouco menos de cem metros de
comprimento que fora poupado pela desgraça. A nave pousara no centro dessa área. Uma
escotilha da comporta do pé da nave abriu-se. Era uma abertura de apenas dois metros
por dois metros, mas esta representava a salvação. Ficava cinco metros acima do solo.
Era demais para que pudesse ser alcançada num único salto. O homem, que Perry Rhodan
vira correr em primeiro lugar, colocou-se embaixo da comporta, com os braços abertos, e
olhou para cima. A extremidade de uma fita rolante surgiu na abertura, saiu pela mesma e
desceu ao chão.
No momento em que a fita tocou o solo, os quatro estavam lado a lado: Perry
Rhodan, Atlan, Reginald Bell e Fellmer Lloyd. Depois de tanta correria, finalmente
tiveram tempo para lançar um olhar de estímulo uns aos outros.
Pisaram um após o outro na fita estreita que os levou para cima. Ela os levou pela
abertura da comporta e colocou-os do lado de dentro. Logo subiu e escorregou para
dentro da nave. Desapareceu na fenda do soalho que era o lugar em que ficava guardada.
A escotilha externa da comporta fechou-se.
Abraçaram-se e balbuciaram palavras desconexas.
No último instante, ainda haviam enganado a morte.
Depois de alguns minutos, a tormenta de alegria amainou e os quatro amigos deram-
se conta de que não poderiam permanecer na comporta, durante todo o tempo de vôo.
Resolveram dirigir-se à sala de comando. Iriam transmitir seus agradecimentos ao
comandante, fosse ele quem fosse.
Caminharam em direção à escotilha interna. Antes que a atingissem, ela abriu-se...
Na abertura surgiu um monstro, um robô. Tinha dois metros de altura.
Perry Rhodan, que caminhava à frente do grupo, estacou. Como que num sonho viu
o robô abrir sua boca repugnante. Ouviu as palavras proferidas pela voz mecânica e
impessoal:
— Sejam bem-vindos a bordo da Lan-Zour, uma das naves de Sua Alteza, o regente
de Árcon.
***
***
***
O robô anotou os nomes e não apareceu mais, embora os guardas garantissem que se
mantinha constantemente nas proximidades. Naturalmente deram nomes errados. Perry
Rhodan passou a ser George Barrimore, Reginald Bell usou o nome Frederick
O’Lannigan e Fellmer Lloyd passou a chamar-se de Walter Highman, enquanto Atlan
transformou-se em Talan-Nuur. O robô registrou os sons numa ficha, por meio de
impulsos, o que bastava para satisfazer às exigências do comando da nave.
Os prisioneiros foram alojados em três camarotes interligados. Um deles servia de
dormitório, outro de sala de estar, enquanto no terceiro se encontrava o banheiro e os
aparelhos de ginástica. Com isso, os prisioneiros não poderiam queixar-se de falta de
conforto, muito embora as comodidades que lhes foram concedidas fossem de valor
apenas simbólico, pois não sabiam como utilizar as excelências da cultura habitacional
arcônida nas vinte horas que, segundo a informação do comandante, deveria demorar o
vôo.
Logo constataram que era altamente provável que o quarto e a sala não continham
qualquer aparelho de escuta.
Mas, para evitar qualquer risco, os prisioneiros conversaram sempre em voz baixa, a
fim de que os microfones — caso existissem — só pudessem transmitir um murmúrio
incompreensível.
Subitamente Fellmer Lloyd desmaiou. O médico chamado às pressas aplicou duas
injeções contra a febre gama. Face à difícil situação, Atlan disse:
— Precisamos fazer alguma coisa. Acho que ninguém duvida de que o ekhônida nos
levará para Árcon pelo caminho mais rápido. O tempo de vôo combina com esta
suposição. Uma nave comum leva de quinze a vinte e cinco horas para percorrer a
distância que separa Fera Cinzenta de Árcon. Quando estivermos em Árcon, não haverá
mais salvação para nós. O regente tomará todas as providências para que seus
prisioneiros não lhe escapem mais.
A única resposta às palavras de Atlan foi um aceno de cabeça. Perry Rhodan sabia
tão bem quanto Reginald Bell que Atlan não estava exagerando. Depois de chegarem a
Árcon, seriam submetidos a um interrogatório psicológico que destruiria seu corpo e sua
mente. Se quisessem fazer alguma coisa para salvar-se teriam de fazê-lo agora, enquanto
se encontravam a bordo da nave ekhônida.
Fossem quais fossem as idéias concebidas nos minutos ou horas que se seguiriam,
uma coisa parecia certa: seria inútil lutar contra a tripulação da nave, ainda mais que o
grupo de terranos tinha entre si um enfermo. Perry Rhodan apenas encontrou uma
circunstância que favorecia a ele e a seus amigos. O regente de Árcon fazia questão de
que os prisioneiros lhe fossem entregues vivos.
Por isso, no momento decisivo, os ekhônidas hesitariam muito antes de empregar
outras armas que não as pistolas de choque. E para alguém que se vê diante de um
importante empreendimento, a esperança de que, se as coisas correrem mal,
provavelmente continuará vivo, já representa um grande consolo.
***
***
***
***
***
Atlan conhecia a nave como a palma da mão. Era do mesmo tipo da que comandara
há vários milênios, quando instalou uma colônia no sistema de Larsaf. Sabia qual era a
ligação entre a abertura dos bocais e a potência do empuxo. E também sabia que na parte
externa da nave, junto às saídas dos jatos, havia pequenos mecanismos manuais, capazes
de alterar a abertura de cada bocal.
Às vezes os mecanismos manipulados a partir da sala de comando falhavam. E uma
nave não podia ser manobrada, caso não se pudesse regular a abertura dos bocais e, com
isso, a potência do empuxo. Para tanto, havia dispositivos manuais, destinados a controlar
os bocais.
Era mais ou menos a mesma coisa que acontecia com os velhos automóveis dos
terranos. Além do motor de arranque elétrico, tinham uma manivela capaz de pôr o
veículo em movimento quando o arranque falhasse. Atlan lembrou-se desses veículos e
não pôde deixar de pensar nos mesmos, enquanto se deslocava ao longo da protuberância
equatorial, em direção aos raios de partículas...
Agora, poucos metros o separavam do primeiro mecanismo de regulagem manual.
Puxou rapidamente a corda e percebeu a resistência que oferecia. Precisaria da corda
assim que começasse a trabalhar. Teria necessidade também do retropropulsor e do
campo antigravitacional.
É que os mecanismos de regulagem manual não estavam acoplados aos mecanismos
neutralizadores de pressão da nave. Assim que modificasse a largura dos bocais, a
Keenial empinaria que nem um potro selvagem!
***
Chollar estava muito nervoso, mas não teve tempo de descarregar sua raiva sobre os
prisioneiros.
Perry Rhodan sentiu a inquietação reinante na sala de comando. Um dos prisioneiros
desaparecera por um caminho estranho, raras vezes trilhado. Abandonara a nave. Naquele
instante vagava em algum lugar do espaço.
Por quê?
Chollar mandou que seus homens fossem procurá-lo. Os corredores principais da
nave estavam fortemente vigiados. Era possível que o prisioneiro tentasse entrar por uma
das comportas.
Metade dos tripulantes preparou-se para sair da nave. Naquele instante, Chollar
ainda não conseguia imaginar que tipo de prejuízo um prisioneiro desarmado, que se
encontrasse do lado de fora, poderia causar à nave. Porém tinha de contar com todas as
possibilidades, e até com aquelas que no momento não lhe ocorriam...
Os três prisioneiros mantiveram-se nos fundos da grande sala. Estavam sendo
vigiados pelos dois guardas.
Perry Rhodan contou os ocupantes da sala de comando. Incluídos os dois guardas,
eram dezessete pessoas. O número de ekhônidas não lhe causava incômodo. Só no
momento adequado veria como esses homens reagiriam à surpresa que os aguardava.
Perry Rhodan levantou cautelosamente o braço. Olthaur reagiu imediatamente,
entortando o dedo junto ao gatilho. Com um sorriso amável, Rhodan sacudiu a cabeça e
apontou para o relógio. Queria apenas saber das horas.
Eram dezoito horas e cinqüenta e três minutos. Em Terrânia, a noite principiava.
Mas não era isso que importava. O importante era que, às dezoito horas e cinqüenta e
cinco minutos, Atlan começaria a agir.
***
***
***
***
***
***
**
*
Até parece que a morte de Thora deu início a uma fase negra
na história da Humanidade.
Perry Rhodan e alguns homens mais importantes do Império
Solar são dados como mortos...
Em Nas Cavernas dos Druufs, título do próximo volume, os
medidores de gravitação de Hades dão um sinal, transmitindo um
S.O.S., e novas emoções acontecem.