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ESCRAVOS E ESCRAVIDÃO NA IBOLÂNDIA, NIGÉRIA

UCHENDU, Victor C. Slaves and Slavery in Igboland, Nigeria. In: MIERS, Suzanne;
KOPYTOFF, Igor. Slavery in Africa: Historical and Anthropological Perspectives.
Madison (Wisconsin): The University of Wisconsin Press, 1979, chap. 4, p. 121-132.
Tradução de Geraldo José Medeiros Fernandes. Revisão técnica e científica de Elaine
Ribeiro da Silva dos Santos.

Os conceitos ocidentais de escravidão tendem a ter um importante aspecto em


comum: escravos são legalmente tratados como se fossem uma “simples mercadoria”, seu
status envolvendo uma simples transação. Uma amostra de definições de escravidão por
escritores ocidentais assinalará esse ponto. Para Ingram, “a característica essencial da
escravidão pode ser considerada como assentada no fato de que o senhor era o dono da
pessoa do escravo, portanto, os direitos manifestos por esse domínio poderiam ser
variadamente limitados” (1895, p. 262). Nieboer, que vê a escravidão como um sistema
industrial, define escravo como “um homem que é propriedade ou está sob a posse de
outro homem e [que é] forçado a trabalhar para ele: [enquanto] escravidão é o fato de um
homem ser propriedade ou estar sob posse de outro” (1900, p. 8-9). Por outro lado,
Westermarck vê ‘a natureza compulsória da relação senhor-escravo’ como a principal
característica da escravidão (1906, 1, p.671). Na visão de Bohannan, escravidão é uma
relação servil que “não deriva de obrigações contratuais nem de parentesco.” Escravos,
portanto, “são essencialmente pessoas sem parentes; a falta de parentesco é indispensável
para a escravidão, onde quer que seja encontrada, e independe de qualquer outro elemento
que possa acompanhá-la ou determiná-la” (1963, p. 179-180).
O sistema de escravidão praticado na Ibolândia até o século XIX fornece suporte
etnográfico para uma tese diferente – a saber, que há um conjunto de “direitos de
mercadoria” sobre uma pessoa e que esses direitos são capazes de diferentes combinações
numa transação mercantil. Cada uma das combinações desses “direitos de mercadoria”,
embora culturalmente definidos, podem ser institucionalizados diferentemente pela
sociedade e, consequentemente, resultar em variadas deficiências de status numa dada
estrutura social. A escravidão, portanto, constitui uma série de deficiências de status e as
deficiências podem variar com o número de “direitos de mercadoria” que são adquiridos
por uma pessoa. Visto desta maneira, torna-se claro que o que as sociedades ocidentais
reconhecem, ao menos legalmente, como escravidão é a aquisição de todos os “direitos

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de mercadoria” sobre uma pessoa e isso permite aos ocidentais tratarem os escravos como
se neles estivesse incorporada uma única mercadoria, ao invés de um conjunto de
mercadorias. O contraste entre a forma extrema de escravidão nas grandes plantações
(plantations) nos Estados Unidos da América e o tratamento dos escravos na América do
Sul (ELKINS, 1959) parece refletir esse tipo de distinção, uma distinção que se torna
ainda mais aparente quando se considera os sistemas africanos de escravidão.

A ÁREA ETNOGRÁFICA
Atrás da turbulenta costa oriental da Nigéria há cerca de 30.000 milhas quadradas
de pântanos deltaicos, florestas virgens e secundárias e a alta savana. Nessa área encontra-
se um expressivo número de grupos étnicos – os Ijo, os Ndoni, os Ogoni, os Ibo,1 os Ibibio
e os Yakö. Os povos que falam Ibo, cujas tradições de escravidão examinaremos neste
capítulo, são numericamente o grupo étnico predominante nesta região. Geograficamente,
a área se situa em duas extensas zonas ecológicas: o delta, com uma economia pesqueira
especializada, e o interior, do qual a Ibolândia faz parte, que produz muitos dos gêneros
alimentícios consumidos nesta área. Desde que nem o delta nem o interior eram
economicamente auto-suficientes, um sistema altamente desenvolvido de comércio de
trocas cresceu nesta região, um fator que corrobora sua alta homogeneidade cultural. O
sal e o peixe defumado do delta eram trocados por inhame, inhame-coco (taro), óleo de
palma e banana-da-terra do interior. No período pré-colonial, assim como em tempos
modernos, o trabalho migratório suplementava o comércio, e o país Ibo era uma
importante área de migração. Experientes artesãos e artífices (como curandeiros,
sacerdotes, ferreiros, entalhadores e limadores de dentes) e trabalhadores não qualificados
(como lavradores e construtores de casas) e, nos séculos XVIII e XIX também escravos,
eram de grande importância neste trânsito (JONES, 1963, p.13-16).

A ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DOS IBO


Embora tenha havido, e ainda existam, algumas variações regionais, os Ibo
exibiram muitas similaridades nas suas estruturas políticas e de parentesco (UCHENDU,
1965). A unidade de parentesco mais duradoura, que tinha importantes funções sociais e
políticas, era a linhagem patrilinear. A unidade de ação política era a aldeia, um grupo
corporativo de linhagens patrilineares de descendência comum, habitando um mesmo

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A língua-mãe representada pela palavra; Ibo é uma versão inglesa.

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território. O governo da aldeia era republicano na índole. Uma reunião geral de todos os
adultos nascidos livres decidia sobre os temas maiores, embora os anciãos e importantes
chefes de família tendessem a ter uma autoridade maior. Idade, descendência pela
linhagem paterna, riqueza e perícia eram importantes critérios para a liderança. Posição
política sem perícia tinha reconhecimento acordado, mas não era muito respeitada
(GREEN, 1947, p. 124). Ao contrário da difundida e falsa concepção, os Ibo atingiram
um nível de integração política mais alto que a aldeia. A constituição política de uma
aldeia estava integrada com o grupo de aldeias, uma unidade mais extensa e com
autoridade política maior.
Dando suporte à autoridade dos anciãos e de todo o sistema político havia
divindades tutelares e oráculos (Igwe, Ozuzu, Agbara), que funcionavam como uma corte
de apelação final, e a divindade da terra e outros espíritos naturais e de fertilidade
impunham obediência às leis e mantinham o tom de moralidade da aldeia. Associações
baseadas na classe de idade serviam para restringir o poder dos anciãos, possibilitando à
juventude a participação ativa nos processos políticos.
A posição na sociedade era medida por múltiplos critérios de idade, riqueza e
perícia. O prestígio era atingido por aqueles que podiam converter suas riquezas em
símbolos menos tangíveis, “comprando” posições em associações exclusivas e sociedades
secretas. Para os muitos que não possuíam riquezas, o prestígio era alcançável em outros
campos: a sociedade dos “caçadores de homens” ou a sociedade dos “caçadores de feras”
eram abertas a jovens que se distinguissem matando um inimigo ou um inimigo potencial
da aldeia – um caçador de cabeça perdido ou um leopardo, por exemplo. A posição social
se expressava pela posse de riquezas e por outros indicadores objetivos, como o número
de escravos (ohu – em alguns dialetos, oru) e o número de esposas. O comando sobre a
lealdade de um grande número de pessoas – crianças, esposas, parentes, amigos,
agregados e escravos – era uma medida de posição social. O sustento de uma grande
comitiva também significava poder econômico e político. Necessitava-se de poder
econômico para manter um controle político efetivo e, num sistema agrícola de trabalho
pesado, é uma grande força de trabalho que sustenta o poder econômico.
Economicamente, o trabalho podia ser requisitado para a lavoura e o comércio e,
politicamente, os homens podiam ser mobilizados para a guerra e a rapinagem. Muitas
pessoas aspiravam essas metas, mas poucas as alcançavam. Escravos, em particular, eram
posse de poucas pessoas. Seu número era limitado pelas realidades econômicas da época.
Embora os Ibo fossem uma sociedade que possuísse escravos, a escravidão nunca foi a

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base do sistema social, não obstante o fato de que escravos formavam uma importante
parte dela. Isso tem importantes implicações na definição do papel dos escravos e sua
mobilidade social na sociedade Ibo.

MÉTODOS DE RECRUTAMENTO DE ESCRAVOS


Havia seis métodos principais de recrutamento de escravos. Quatro deles –
captura, rapto, compra e trama política – não davam à vítima escolha quanto a seu destino.
Os outros dois métodos – penhora e dedicação ao serviço de divindades – permitiam aos
escravos alguma escolha do senhorio. De acordo com os anciãos Ibo, “a distância entre o
status de diala (livre) e de ohu (escravo) é muito curta.” Este provérbio torna-se mais
significativo quando consideramos a captura como um método de recrutamento de
escravos. Embora a guerra não fosse uma característica predominante da sociedade Ibo,
há sólidas evidências de que a escravidão tornou-se um negócio rentável; como resultado
da demanda por escravos no Novo Mundo, a incidência de guerras e ataques para capturar
escravos cresceu. Antes disso, havia ataques de surpresa entre aldeias para captura de
escravos, mas não há evidências de que a conquista política ou a dominação fosse uma
meta importante e que a solidariedade aldeã, uma característica da sociedade Ibo,
parecesse ter sido sustentada por estes conflitos. Tanto quanto os informantes Ibo podem
relatar atualmente, a tradição antes do século XVIII era de capturar homens e mulheres,
mas poupar as crianças. Nos séculos XVIII e XIX, entretanto, apareceram mercenários
especializados, recrutados de regiões particulares da Ibolândia, que eram contratados para
saquear e capturar escravos. Os Abam e os Ekumeku eram tais mercenários.
O rapto, distinto da captura na guerra, era uma operação mais individual. Seus
alvos eram, geralmente, estranhos desprotegidos e crianças. O rapto fez surgir uma
profissão especializada no “roubo de homens”, que continuou na Nigéria muito depois do
término do tráfico de escravos. Relatos jornalísticos na Nigéria indicam que essa
atividade, embora não tão comum atualmente, ainda não está extinta. A técnica usual é
raptar crianças em dias de mercado, quando os pais e outros adultos estão ausentes. As
crianças são, em geral, amordaçadas, colocadas num grande cesto de vime e levadas em
bicicletas.
Direitos sobre escravos eram frequentemente adquiridos por meio de compra
direta. Essa era uma transação comercial geralmente precedida por um ritual que separava
os escravos potenciais de seus parentes. Antes que uma pessoa fosse vendida desta
maneira, seus congêneres e os congêneres de sua mãe tinham que concordar com o fato,

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e as razões usuais para essas vendas eram “delinquência ou anormalidades, como por
exemplo, meninos incorrigíveis, devedores persistentes e crianças anormais” (FORDE;
JONES, 1962, p. 23).
Os preços pagos pelos escravos variavam de acordo com a oferta e a demanda,
assim como idade e sexo. Nas transações de escravos entre os Ibo, meninas jovens tinham
o maior preço. A despeito de variações regionais, anciãos Ibo instruídos fixavam o preço
padrão de uma menina escrava em uma vez e meia um dote médio de noiva; para meninos,
o preço era dois terços do preço das meninas. A razão do preço mais baixo era porque os
meninos eram mais propensos a fugir para a liberdade que as meninas; além disso, eles
tinham um valor de troca limitado na escravidão doméstica que predominava. O
pagamento era feito em itens como roupas, pólvora, armas e facões. Talbot fez a
equivalência monetária das mercadorias trocadas como pagamento por um escravo nos
anos 1880: sete peças de roupa, valendo 35 shillings; um barrilete de pólvora, 5 shillings;
uma arma, 15 shillings; um facão, 1 shilling, num total de 56 shillings. Nas primeiras
décadas deste século, um escravo entre os Ekoi custava de 150 a 200 shillings – o
equivalente a uma vaca ou trinta peças de roupa (TALBOT, 1912, p. 327).
Também importante na aquisição de escravos era a trama política, expressa por
meio dos oráculos. Entre os Ibo, oráculos importantes como o Ibinokpabi, Ozuzu, Agbara
e Kamalu, que atuavam como corte de apelação final em matéria jurídica, sentenciavam
suas vítimas a serem vendidas como escravos. Guiados por um serviço de inteligência
bem informado, esses oráculos eram capazes de sentir a expectativa das opiniões locais e
transmitir julgamentos de acordo. Era desta maneira que o sistema político Ibo desviava
a responsabilidade de tomar uma decisão difícil, mas necessária, do domínio humano para
o domínio espiritual (UCHENDU, 1965, p. 100; OTTENBERG, 1958, p. 295-317).
Servir a uma divindade era outro método de escravização. São relatados, por
informantes, casos de crianças que enganaram a tentativa de seus pais de as venderem
como escravas refugiando-se nos santuários de divindades locais. Elegendo-se
voluntariamente como servidoras dessas divindades, elas e seus descendentes tornavam-
se escravos culturais, ou osu, por toda a vida.
Algumas vezes, os escravos eram obtidos por meio da instituição da penhora de
pessoas. Um penhorado, estritamente falando, não é um escravo, embora o termo
“escravos por dívidas” tem sido usado algumas vezes para penhorados. A distinção entre
os dois é verbalizada pelos Ibo ao se referir aos penhorados como nvunvu ego, em
oposição a ohu. Diferentemente daqueles vendidos para a escravidão ou dedicados ao

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serviço de divindades, os penhorados não perdiam sua filiação de linhagem. Os senhores
não tinham direito de vida ou morte sobre seus penhorados, cujos serviços durante o
período de penhora constituíam um retorno do desembolso do senhor. A morte do
penhorado deixava a dívida pendente. A penhora era contratada como o último recurso
para fazer frente a uma dívida premente ou levantar um dinheiro necessário. Então, um
homem precisando de dinheiro para pagamento do dote da noiva ou para a taxa inicial de
uma sociedade titular ou de um membro exclusivo de associação poderia penhorar seus
filhos ou um irmão mais novo ou irmã como garantia do empréstimo, ou poderia
penhorar-se pessoalmente. A conexão da penhora com a escravidão está no fato de que a
falta em pagar a dívida resultante da penhora tornava o penhorado um escravo de pleno
direito do credor. Também, “uma menina que foi penhorada poderia se tornar a esposa de
um membro da família do senhor, a diferença entre o pagamento do casamento e o
montante do empréstimo sendo ajustada” (FORDE; JONES, 1962, p. 24). Em certas
partes do país dos Ibo, meninas eram penhoradas para casamento, uma prática que ainda
não pereceu; as comunidades vizinhas dos Yakö e Okrika ainda fornecem a seus clientes
Ibo os melhores mercados de penhoras para casamento.
Resumindo, o recrutamento de escravos era conseguido por meio de muitos
canais, sendo os principais a captura na guerra, o rapto por “caçadores de homens”
profissionais, compra direta, trama política por meio dos oráculos, dedicação voluntária
a certas divindades e penhora.

O PAPEL DOS ESCRAVOS


Qualquer avaliação do papel dos escravos na sociedade deve levar em
consideração a base econômica desta, o número de escravos em relação ao de homens
livres, e os deveres específicos que distinguem homens livres de escravos. Numa
sociedade Ibo tradicional, as atividades econômicas primariamente serviam às
necessidades de subsistência e, secundariamente, a propósitos de prestígio. Lavoura e
pesca, as ocupações tradicionais, não eram consideradas como “negócio”. Os escravos
preenchiam a demanda por tarefas domésticas, incluindo lavoura e pesca. Nas atividades
domésticas, nenhuma tarefa era estritamente reservada aos escravos. Nem todas as
famílias podiam pagar para manter escravos, e algumas famílias vendiam alguns de seus
próprios membros ou os punham em “escravidão por dívidas”. É geralmente aceito que
escravos “trabalhavam mais” que os membros livres da família. “Ele faz de mim um
escravo” era uma queixa popular de trabalhadores contra empregadores exigentes.

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Falando de maneira genérica, escravos tinham que se adaptar ao papel estrutural
na sociedade. Sexo, idade, e o tempo de residência na família eram importantes fatores
para se moldar o papel dos escravos. Quando crianças, os escravos realizavam tarefas
apropriadas às crianças nascidas livres da família: buscavam água e lenha, e se fossem
meninas, cozinhavam e negociavam. Nas fazendas, elas cumpriam as tarefas requeridas
das crianças nascidas livres da mesma idade e sexo. Escravos homens adultos realizavam
tarefas masculinas na fazenda, colhiam noz de palma, e reparavam casas – tarefas que
eles dividiam com outros homens adultos da família.
Os escravos deviam completa obediência ao senhor. Suas relações com ele
direcionavam as relações com outros membros da família e com a comunidade mais
ampla. Assim, o escravo de um senhor poderoso estava socialmente acima de um cujo
senhor era pobre. Os escravos eram considerados como sendo filhos adotivos de seus
donos. Por conveniência doméstica, eles eram “adotados” nas unidades matricêntricas da
família polígina, independente de sua idade e sexo. As unidades matricêntricas tornaram-
se as unidades de trabalho, cozimento e alimentação para os escravos filiados, até que os
homens casassem e estabelecessem unidades domésticas independentes e as mulheres
fossem dadas em casamento ou tomadas como esposas por seu senhor. A qualidade da
relação senhor-escravo era algumas vezes determinada pela influência da “mãe adotiva”
do escravo (isto é, a esposa do senhor) sobre seu marido. Numa família polígina, isso
criava rivalidade e ciúmes, uma extensão da típica rivalidade entre irmãos para os
membros escravos da família. A sorte dos escravos parece ter sido melhor se eles fossem
adotados por “mães” ricas, que não tinham crianças nas suas unidades domésticas. Por
causa da dependência que maridos tinham da fortuna de suas esposas por ocasionais
empréstimos e favores, e desde que eles deviam tratá-las com especial atenção se elas não
tivessem filhos homens, a posição de barganha dessas esposas em nome de seus
dependentes escravos filiados pode facilmente ser imaginada.
Embora os escravos fossem geralmente bem tratados, eles ainda tinham suas
deficiências sociais. A este respeito, devemos fazer uma distinção entre a teoria popular
dessas deficiências e as realidades socioeconômicas da vida em escravidão. Há uma
concordância geral entre os Ibo de que escravos não podiam celebrar nos santuários da
divindade da terra, aparentemente em reconhecimento do fato de que eram estranhos à
comunidade, mas alguns escravos eram necessários para desempenhar papéis específicos
nos rituais. De acordo com teorias populares, os escravos não podiam ser admitidos em
certas sociedades secretas e associações exclusivas, mas essas corporações eram muito

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custosas e, com exceção dos ritos do segundo sepultamento, a principal causa simples
para a penhora. Do ponto de vista do escravo, sua exclusão dessas sociedades era uma
matéria hipotética, mesmo porque ele não poderia pagar a taxa de filiação. É revelador
que informantes idosos admitem que se um escravo fosse capaz de pagar a taxa de
filiação, ele não mais seria considerado um escravo!
Teoricamente, escravos tinham certos direitos. Desde que eles não podiam fazer
cumprir esses direitos, é mais certo afirmar que a eles eram concedidos certos privilégios.
Era dever de o senhor alimentar e vestir seus escravos. Ele estava destinado, por um
código de honra imposto por sua posição social, a fornecer-lhes esposas. Como regra
geral, aos escravos era dada a oportunidade de ganhar uma renda independente para
sustentar suas famílias. Um escravo trabalhava para si ou se alugava para seu senhor ou
para outros empregadores um dia para cada quatro dias na semana. O pagamento era
efetuado em espécie (gêneros de colheita, acesso a terreno de plantio em bases de
usufruto) ou em dinheiro. Se o pagamento fosse feito em dinheiro, o salário usual era
geralmente pago.

A MOBILIDADE SOCIAL DOS ESCRAVOS


A despeito de sua aparente clareza, a dicotomia entre escravos e homens livres é
fraca por muitas razões. Ela trata cada categoria como um grupo de status homogêneo,
quando de fato há muita diferenciação dentro desse grupo, e por criar uma antítese ilusória
que simplifica a posição social dos escravos.
A mobilidade social entre escravos na Ibolândia era gradual, mas certamente
ocorria. Uma distinção folclórica, com importantes implicações de posicionamento
social, é a de escravo “velho”, “novo” e “em trânsito”. Escravos “velhos” eram aqueles
que tinham um longo tempo de residência na família e tinham se reconciliado plenamente
com seus status, preferindo trabalhar livremente através dos canais aceitos. Escravos
“novos” eram aqueles cujo destino na família era incerto e que ainda tinham que passar
por muitos “testes” antes que sua residência na família fosse confirmada. É desse grupo
que escravos poderiam ser dirigidos para sacrifícios e, no caso da morte do senhor, alguns
seriam mortos para “acompanhar o seu espírito” – um destino, saliente-se, que não estava
restrito aos escravos. Escravos “em trânsito” não tinham ligação com a família do senhor
e não eram mais do que mercadoria de troca. Esse tipo de escravo era encontrado entre
os grandes negociantes de escravos, retirados da aldeia e de cidades-estados – uma
inovação associada com a resposta à demanda de escravos no Novo Mundo.

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Dada a característica corporativa da linhagem entre os Ibo, a efetiva mobilidade
social dos escravos dependia do grau de sua incorporação no sistema de linhagem.
Nascidos livres e escravos “eram ambos igualmente propriedade destas [linhagens] e, em
caso de necessidade, ambos poderiam ser vendidos para fazer frente a [certos]
compromissos sociais” (JONES, 1963, p. 58). Mas um escravo era um estranho a essa
unidade corporativa, pertencendo a ela em virtude de compra. No decurso do tempo, uma
longa residência torná-lo-ia um membro da unidade. Um escravo nascido dentro do
grupo, entretanto, tinha um apelo maior para a filiação do que aquele que havia sido
trazido por compra. Uma diferenciação de escravos por posição social tornou-se
institucionalizada, escravos de alta posição sendo aqueles nascidos na família do senhor,
e escravos de baixa posição sendo “escravos comprados”. Dentro da posição social de
escravos “comprados”, havia outra distinção, de escravos “velhos” e “novos”. Por meio
desse processo de incorporação social, “um escravo tornava-se o companheiro de seu
senhor e [era] posto numa posição que requeria grande fidelidade” (BASDEN, 1921, p.
109).

A NATUREZA DA MANUMISSÃO
A transição do status de escravo para o de homem livre era lenta. Era mais fácil
para algumas categorias de escravos do que para outras e para uma determinada classe de
escravos a liberdade estava teoricamente fora de questão. Escravos de três categorias
diferentemente institucionalizadas seguiam vias diferentes para a liberdade.
Primeiro, havia escravos “comprados” que eram, adotando-se o dizer de
Bohannan, pessoas que haviam sido “tornadas sem parentes” (1963, p. 180). Para eles, a
manumissão significava um processo de “absorção linhageira”, isto é, sua incorporação
à linhagem do senhor. Isso demorava mais que uma vida para se alcançar e poderia
requerer várias gerações. Diversos passos eram seguidos no processo de incorporação à
linhagem. Um menino escravo poderia estar ligado à família de uma das esposas de seu
senhor, onde ele reforçaria sua força de trabalho e, portanto, ganharia sua subsistência.
Ao se aproximar da idade adulta, ele era autorizado a perceber uma renda independente,
alugando-se um dia para cada quatro dias na semana. Ele poderia investir sua renda em
reprodução de gado (UCHENDU, 1964, p. 89-94). Esta aquisição de riqueza, que era
reconhecida pelos Ibo como um importante índice de status social, parecia completar o
processo. No caso das mulheres, o casamento apressava o processo de manumissão, desde
que esta fosse uma união entre uma mulher escrava e seu senhor ou outro homem livre.

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Pelo contrário, casamentos entre escravos tendiam a perpetuar a linhagem escrava, com
todos os estigmas a ela devidos.
Para outra categoria de pessoas servis, aquela dos penhorados (nvunvu ego), o
período de servidão dependia do tempo que levava seus “donos” primários, os devedores,
para redimir as dívidas. Para as meninas, o casamento frequentemente eliminava o status
de penhorada. Uma interessante característica do sistema de posição social dos Ibo era
que uma pessoa que se penhorava no esforço para conseguir o pagamento do dote da
noiva era considerada em posição superior a de um homem livre, porém solteiro.
Os osu eram escravos culturais. Eles eram voluntários para o papel, a fim de evitar
serem vendidos para a escravidão, ou eram dedicados pelo seu senhor, que poderia ser
um indivíduo ou uma linhagem. Esse tipo de escravidão era peculiar das comunidades
dos Orfu, Okigwi e Owerri da Ibolândia central. Os osu eram pessoas muito odiadas e
temidas, constituindo uma das mais embaraçosas características da estrutura social Ibo
(LEITH-ROSS, 1937, p. 206-20; GREEN, 1947, p. 23-24, 49-51; UCHENDU, 1965, p.
89-90). Meek descreve-os como pessoas que tinham sido “compradas e dedicadas ao
serviço do culto do dono ou dos descendentes dessa pessoa” (1950, p. 203). Seu principal
dever público era oferecer certos tipos de sacrifícios em nome de seus senhores e velar
pelos santuários de sua divindade.
Diferentemente dos “escravos comprados” e penhorados, os osu não eram
explorados economicamente. Como outros Ibo livres, eles cultivavam por sua própria
conta e possuíam propriedade de direito, mas suas conquistas sociais, culturais e
econômicas eram subestimadas pela sociedade. Eles eram excluídos da principal fonte de
instituições dos Ibo. Na hierarquia do status servil, tinham a posição social mais baixa,
não obstante sua frequente riqueza expressa. Para eles, a mobilidade social era quase
impossível. Eles formavam uma estrutura social compartimentalizada, paralela, não
complementar, afastada da sociedade Ibo livre e possuíam diferentes conjuntos de
instituições sociais. Eles não se casavam com outras pessoas livres ou escravos. Qualquer
casamento deste tipo tornaria suas esposas e descendentes osu. A principal ligação entre
os osu e os demais membros da comunidade, quer fossem livres ou escravos, era
ritualística, os osu funcionando como um tipo especial de sacerdotes. Paradoxalmente,
embora a sociedade Ibo conferisse aos sacerdotes uma alta posição social, os osu estavam
condenados ao status mais baixo, realizando atividades ritualísticas consideradas
inferiores para os homens livres. Se os osu sofriam de deficiências sociais, entretanto, seu
status os preservava de serem revendidos para a escravidão, assim como da exploração

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econômica. De sua parte, eles algumas vezes utilizavam sua posição ritualística para
exigir da comunidade um tributo que aparentava chantagem (GREEN, 1947, p. 51).
Finalmente, embora isso não fosse de modo algum comum nessa área, uma classe
de escravos era arregimentada como milícia. Isto ocorria especialmente na área nordeste
do território Ibo, onde comunidades de escravos se desenvolveram a partir de tais campos
militares (HORTON, 1954, p. 311-16). A comunidade Nike do nordeste da Ibolândia era
ímpar entre os Ibo, por causa da quantidade de deficiências sociais e legais que impunha
para os “escravos comprados”. Eles se fixaram numa região fronteiriça, onde a
necessidade de defesa e de trabalho agrícola barato criou uma forte demanda por escravos.
Famílias poderosas alocavam seus escravos em aldeias-satélite, localizadas nas fazendas
mais distantes. Isso resultou em duas comunidades rurais residentes– ani uno, a aldeia-
mãe, onde os Ibo livres (diala ou amadi) viviam com poucos escravos familiares, e ani
agu, a aldeia-satélite, onde a maioria dos escravos ficavam alocados para defender a
aldeia-mãe e para cultivar a terra. Com o passar do tempo, aldeias-satélite se
desenvolveram em comunidades de escravos sujeitas ao controle político e econômico
dos descendentes de seus senhores. Isso requereu a intervenção administrativa do governo
colonial britânico neste século, a fim de que os escravos nesta região readquirissem seus
direitos econômicos, legais e religiosos. Parece que as aldeias de escravos serviam como
“sistemas de guarda avançada” para as aldeias-mãe, mais bem organizadas e mais fortes,
localizadas longe da fronteira.

CONCLUSÃO
Dissemos que a sociedade Ibo não estava baseada na escravidão, embora escravos
fossem mantidos e servissem para certas funções sociais e econômicas. O tráfico interno
de escravos foi um dos fatores que resultou na homogeneidade cultural do leste da Nigéria
como um todo. Há boas evidências que grande parte da população da área do delta era
composta por escravos, muitos deles oriundos do território Ibo (DIKE, 1956).
A diferenciação social baseada na riqueza é uma característica típica da estrutura
social dos Ibo. Os escravos contribuíam com seu trabalho para a lavoura e pesca, o que
por sua vez permitia ao senhor ganhar mais riqueza, e para o grupo corporativo do senhor
alcançar prestígio e fama. Sabe-se que muitos escravos habilidosos conseguiram alçar
posições de poder e influência. Os escravos também atuavam como uma classe especial
de sacerdotes de baixo status. E os escravos eram usados, em alguns casos, como uma
força militar especial. Os direitos do senhor sobre o escravo variavam. Em relação aos

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“escravos comprados”, ele detinha total direito sobre eles – direito de vida e morte. O
direito do senhor sobre um penhorado, às vezes chamado de “escravo por dívidas”, era
limitado ao uso doméstico de seu trabalho, sendo outros direitos detidos pela linhagem
do devedor. No caso dos osu, os escravos culturais, o escravo retinha os direitos sobre
sua vida e poderio econômico enquanto provesse seu dono – uma família individual ou
um grupo social – com serviços ritualísticos.
O fato de combinações variadas de direitos de propriedade sobre uma pessoa
pudesse ser diferentemente institucionalizado para propósitos comerciais coloca uma
questão fundamental sobre a tradicional definição de “escravos”. É o escravo uma
mercadoria simples ou um conjunto de mercadorias? Os dados dos Ibo, aqui apresentados,
indicam que a última é a definição relevante.

GLOSSÁRIO
Agbara: um oráculo.
amadi: uma pessoa livre.
ani agu: uma aldeia-satélite de escravos.
ani uno: uma aldeia que controla uma aldeia-satélite de escravos.
diala: uma pessoa livre.
Ibinokpabi: um oráculo.
Igwe: um oráculo.
Kamalu: um oráculo.
nvunvu ego: escravo por dívidas ou penhorado.
ohu (oru, em alguns dialetos): escravo, escravos.
osu: escravos culturais.
Ozuzu: um oráculo.

REFERÊNCIAS

BASDEN, G. T. 1921. Among the Igbosof Nigeria. London.


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