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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais


Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia

Guilherme Marcondes dos Santos

ARTE, CRÍTICA E CURADORIA: Diálogos sobre Autoridade e


Legitimidade.

Rio de Janeiro
2014
ii

ARTE, CRÍTICA E CURADORIA: DIÁLOGOS SOBRE AUTORIDADE E


LEGITIMIDADE.

GUILHERME MARCONDES DOS SANTOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos à
obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Kruse


Villas Bôas.
Co-orientarora: Profª. Drª. Sabrina
Marques Parracho Sant’Anna.

Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
iii

S237a Santos, Guilherme Marcondes dos

Arte, crítica e curadoria: diálogos sobre autoridade e legitimidade /


Guilherme Marcondes dos Santos. – 2014.
163 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia – PPGSA, Rio de Janeiro, 2014.
Orientadora: Glaucia Kruse Villas Bôas
Coorientadora: Sabrina Parracho Sant’Anna.
1.Arte Séc. XX – apreciação 2. Arte – Séc. XX - exposições I. Villas
Bôas, Glaucia (orient.) II. Sant’Anna, Sabrina Marques Parracho (coorient.)
III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. VI. Título

CDD 709.05
iv

Arte, Crítica e Curadoria: Diálogos Sobre Autoridade e Legitimidade.

Guilherme Marcondes dos Santos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e


Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Banca Examinadora:

____________________________________________________________
Presidente: Profª. Drª. Glaucia Kruse Villas Bôas.

____________________________________________________________
Profª. Drª. Sabrina Marques Parracho Sant’Anna.

____________________________________________________________
Profª. Drª. Ligia Dabul.

____________________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Ramos.

____________________________________________________________
Profª. Drª. Tatiana Siciliano (Suplente)

____________________________________________________________
Profª. Drª. Renata Bernardes Proença (Suplente)

Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
v

RESUMO

Entendendo que o mundo da arte é permeado por uma lógica própria, sendo composto por um

circuito que envolve inúmeros agentes além dos artistas, o presente trabalho visa compreender

a recente dinâmica que envolve as alterações nas múltiplas relações entre as carreiras de

crítico de arte e curador de exposições, atores que compõem e constroem o mundo da arte

atualmente. Pretende-se pesquisar e entender as possíveis modificações no perfil destes

profissionais, que poderiam implicar em mudanças para o universo artístico de modo geral.

Este trabalho busca entender o atual debate, concernente à esfera da arte, que apregoa um

enfraquecimento da crítica de arte, assim como entender o papel dos curadores de exposições,

categoria que vem se profissionalizando e que, segundo os debates contemporâneos, tem se

tornado cada vez mais relevante para legitimar a arte.

PALAVRAS CHAVES: Arte Contemporânea, Crítica de Arte, Curadoria de Exposições,


Autoridade, Legitimidade.
vi

ABSTRACT

Understanding that the art world is permeated by its own logic, comprising a circuit that

involves many actors, besides the artists, this study aims to understand the dynamics

surrounding the recent changes in multiple relationships between careers of art critic and

curator of exhibitions, actors who comprise and build the art world today. We intend to

research and understand the possible changes in the profile of these professionals, which

could result in changes to the art world in general. This work aims to understand the current

debate concerning the sphere of art, which touts a weakening of art criticism, as well as

understand the role of curators, exhibition category that is becoming professionalized and,

according to contemporary debates, has become increasingly relevant to legitimize the art.

KEYWORDS: Contemporary Art, Criticism of Art, Curating of Exhibitions Authority,


Legitimacy.
vii

AGRADECIMENTOS

Os últimos sete anos foram marcados por mudanças e descobertas. Em termos


profissionais e pessoais, a minha vida passou por inúmeras transformações. Esta dissertação é
fruto deste intenso período em que descobri a sociologia e conheci pessoas extraordinárias.
Sendo assim, este é o momento ideal para agradecer a todos aqueles que entraram no meu
caminho me dando apoio para que eu começasse, e fosse capaz de concluir, tanto a graduação
quanto o curso de mestrado.
Quero agradecer a minha mãe Izabel Cristina, que sempre me deu apoio para que eu
fosse o que eu queria ser, para que eu fizesse o que queria fazer e perseguisse o que desejava.
Se hoje sou capaz de dizer que sei o que significa sociologia, isto se deve também aos
ensinamentos que recebi das professoras e orientadoras Glaucia Kruse Villas Bôas e Sabrina
Parracho Sant’Anna. Pessoas admiráveis, que desde o meu ingresso no Núcleo de Pesquisa
em Sociologia da Cultura (NUSC/UFRJ), no ano de 2008, foram fundamentais em todo o meu
processo de formação. Sua atenção, apoio e dedicação, ao longo destes anos de pesquisa,
foram essenciais para a conclusão desta dissertação. Por toda a minha carreira levarei comigo
os conhecimentos que me transmitiram.
Aproveito esta oportunidade para igualmente agradecer aos amigos e companheiros do
NUSC, pelas leituras generosas e conversas enriquecedoras que tanto contribuíram para a
minha formação e para esta pesquisa de mestrado. De todos os pesquisadores com quem pude
conviver nestes anos de trabalho e pesquisa, agradeço especialmente a Alexandre Ramos, Ana
Miranda, Daniela Stocco, Felipe Magaldi, Julia Polessa, Leonardo Nóbrega, Pérola Mathias,
Tarcila Formiga e Tatiana Siciliano. Dentre estes companheiros de pesquisa, gostaria de
reservar um agradecimento especial para Marcelo Ribeiro Vasconcelos, um grande
pesquisador e amigo.
Esta dissertação jamais teria sido concluída, e talvez iniciada, sem o apoio do grande
amigo Felipe Abdala, um parceiro de todas as horas. Nossos diálogos, lágrimas e risadas são,
de fato, essenciais à minha vida.
Ingressar no curso de mestrado não foi uma tarefa fácil, permanecer menos ainda, mas
se obtive êxito, devo isto às amigas de grupo de estudo, de turma do mestrado e da vida como
um todo, Alice Ewbank, Luna Campos e Rosa Vieira.
A Luna e Abdala, quero agradecer destacadamente pelo trabalho de revisão do texto
desta dissertação. O fato de ambos terem aceitado tal tarefa é apenas uma pequena
demonstração dos amigos dedicados e maravilhosos que são.
viii

Os meus mais sinceros agradecimentos também vão para os queridos amigos Amanda
Migliora, Caio de Figueiredo, Everton Rangel, Paola Almeida e Tássia Áquila. O seu apoio e
carinho incondicionais marcaram minha história, tornando-os sempre presentes, mesmo
quando estivemos longe.
O ano de 2013 foi marcado por belos presentes da vida. Pessoas fantásticas, que
conheci anos atrás, tiveram seu significado alterado. Entraram no meu mundo e o tornaram
mais feliz e coerente. Gabriel Domingues, Lucas Pinheiro e Talita Arruda: obrigado pela
paciência e por tirarem a monotonia do meu cotidiano. Além destes, gostaria de agradecer
imensamente a Érica Sarmet e Rodrigo Coêlho, que sempre estiveram dispostos a me escutar
e ajudar.
Aos amigos queridos do curso de ciências sociais do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ, eu gostaria de deixar o meu carinho e agradecimento. Festas, viagens, aulas,
pátio do IFCS, ruas do Rio de Janeiro: nestes ambientes em que estive com vocês, me tornei
não apenas um sociólogo, mas um indivíduo mais completo. Mariana Koury, Verena
Dolabela, Flora Lucas, Bruna Fleury, Luiza Dias, Nina Marques, Leandro Vieira, Fernando
Casado, Felipe Souto, Bruno Basto, Luiza Tanuri, Georgia Pereira, Alexandre Melo, Ana
Paula Morel, Mayã Martins, Roberta Corôa: encontrá-los é sempre um prazer! Obrigado!
Quero muito agradecer também a Bruna Ramalho, Carolina Dias, Janaina Castro
Alves, Magui Magrini, Mayra Madeira, Melissa de Oliveira, Pamela de Oliveira e Stephanie
Lima. Ora mais de perto, ora mais de longe, não importa! A sua torcida e apoio foram
importantes em todo esse processo, então, muito obrigado!
Agradeço também aos professores do IFCS responsáveis por minha formação inicial
no campo das ciências sociais, assim como aos professores do PPGSA que igualmente
contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual. Em especial, gostaria de agradecer a
professora Beatriz Heredia.
Quero do mesmo modo agradecer aos entrevistados para esta dissertação: Aracy
Amaral, Felipe Scovino, Marcelo Campos, Paulo Venâncio Filho e Raphael Fonseca, que
cederam seu tempo e tornaram possível a realização da presente dissertação.
Agradeço aos professores Alexandre Ramos, Fernando Gerheim, Ligia Dabul, Renata
Proença e Tatiana Siciliano. Àqueles que estiveram em minha banca de qualificação, eu
gostaria de agradecer pelos apontamentos que fizeram e que contribuíram para os rumos que
esta pesquisa tomou. Aos presentes em minha banca examinadora, eu gostaria de agradecer
por aceitarem a tarefa, se dispondo a dialogar e enriquecendo ainda mais a minha pesquisa e a
minha formação.
ix

Gostaria de agradecer as secretárias do PPGSA, em especial a Claudia e Verônica que


sempre foram tão solícitas, me ajudando a lidar com a burocracia da vida acadêmica. Do
mesmo modo, quero agradecer aos funcionários das bibliotecas Marina São Paulo de
Vasconcellos (IFCS/UFRJ) e do CCBB RJ, que nos últimos meses de preparação desta
dissertação estiveram tão presentes em meu cotidiano e não me negaram qualquer ajuda.
Quero agradecer ao CNPq pela bolsa de estudos que me foi concedida e ao PPGSA
pelo financiamento de pesquisa a mim conferido. Este apoio financeiro viabilizou a realização
desta dissertação.
Por fim, quero agradecer a todos aqueles que mesmo não referenciados neste momento
sempre torceram pela realização desta pesquisa. O apoio de todos sempre me foi fundamental.
x

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

CAPÍTULO 1: Curadores e Críticos em Debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8


1.1 O Debate Contemporâneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.2 Os Curadores no Debate Contemporâneo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.3 Os Críticos de Arte no Debate Contemporâneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.4 Perfis Construídos e Autoridades Disputadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

CAPÍTULO 2: Como se Formam os Críticos e os Curadores? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43


2.1 Formação Acadêmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.1.1 Aracy Amaral – Anos 1950 e 1960: Crítica Institucionalizada e o Surgimento da
Curadoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
2.1.2 Paulo Venâncio Filho – Anos de 1970 e 1980: Crítica em Transição e Curadoria
em Ascensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.1.3 Felipe Scovino e Marcelo Campos – Anos 2000: Novas Modalidades da Crítica e
Institucionalização da Curadoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2.1.4 Raphael Fonseca – Os Anos de 2010: Desaparecimento da Crítica e Celebração
da Curadoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.1.5 Não Linearidades Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
2.2 Críticos de Arte e Curadores de Exposições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
2.2.1 Aracy Amaral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
2.2.2 Paulo Venâncio Filho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
2.2.3 Felipe Scovino e Marcelo Campos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
2.2.4 Raphael Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
2.2.5 Iniciação do Campo do Aleatório? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

CAPÍTULO 3: Crítica e Curadoria na Prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87


3.1 O Contexto Vivido e Imaginado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3.2 A Crítica Debatida versus a Crítica Praticada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
3.3 A Curadoria Debatida versus a Curadoria Praticada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
3.4 A “Promiscuidade” Brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
3.5 A Disparidade entre o Debate e a Prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
xi

CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

ANEXO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Anexo I: Formação Acadêmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
1

INTRODUÇÃO

“O que é um curador?” – Leitura guiada Daniel Jablonski

NOVO!
O curso visa oferecer aos alunos, artistas ou não, os instrumentos necessários à
compreensão e crítica do ensaio “O que é um curador?” (2007) da historiadora da
arte inglesa Claire Bishop. De onde veio? Para onde vai? Estas são algumas das
questões provocadoras levantadas acerca desta figura onipresente na arte
contemporânea, tendo em muitos casos substituído o crítico de arte como instância
legitimadora, ou ainda (discutivelmente) em alguns outros, o próprio artista, como
autor de exposições. Propondo uma breve história do métier de curador, Bishop nos
dá a ocasião de retraçar o contexto de seu surgimento, no fim dos anos 1960, e sua
vertiginosa evolução nas décadas seguintes até sua recente cristalização como agente
não-tão-independente da complexa maquinaria do mundo da arte internacional.
Vasto material iconográfico e bibliográfico – abordando exemplos canônicos de
curadorias, tais como as Documentas ‘5’ (1972) e ‘7’ (1982) assim como ‘Les
Magiciens de la Terre’ (1989) – será utilizado como apoio à leitura guiada.
2ªfeira|19h-22h
7, 14 e 21 jan.
R$ 290,001

Durante o mês de dezembro de 2012 era possível encontrar no site da Escola de Artes
Visuais do Parque Lage (EAV) o anúncio de curso acima destacado. Embora nesta primeira
chamada o curso estivesse previsto para acontecer em janeiro de 2013, o mesmo ocorreu de
fato durante o mês de abril de 2013. Com uma turma de 10 alunos, o curso, ministrado por
Daniel Jablonski2, se desenrolou em três aulas que buscavam compreender, através do texto
de Claire Bishop (2007)3, o que seria, quem seria e mesmo o que faria o curador de
exposições.
A Escola de Artes Visuais do Parque Lage, importante escola de arte situada no bairro
do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, foi objeto da etnografia de Ligia Dabul, intitulada Um
Percurso da Pintura – A produção de identidades de artista (2001). Neste trabalho a EAV é
descrita como um lugar de profissionalização de artistas, assim como um ambiente que
“localiza e distingue socialmente seus frequentadores” (2001:28). Deste modo, aqui é
1
O QUE É UM CURADOR? Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Disponível em:
<(http://www.eavparquelage.rj.gov.br/eavList.asp?sMenu=ENSI&sSume=PCURS>. Acesso em: 10 de dez. de
2012.
2
“Artista plástico, crítico e pesquisador, é formado em Filosofia pela PUC-Rio. Estudou na EAV de 2006 a
2008. Em Paris e posteriormente em Nova York, obteve, respectivamente, o título de mestre em Filosofia
contemporânea (Sorbonne-Panthéon) e em História da arte / Estudos de crítica e curadoria (Institut National
d’Histoire de l’Art / Columbia University).” Disponível em:
<http://www.eavparquelage.rj.gov.br/eavProfessores.asp?sMenu=ENSI&sSume=PPROF>. Acesso em: 2 de out.
de 2013.
3
BISHOP, Claire. What Is a Curator? The rise (and fall?) of the auteur curator. Revista IDEA arta+societate,
Romênia, nº 26, 2007. Disponível em: <http://idea.ro/revista/?q=en/node/41&articol=468>. Acesso em: 8 de abr.
de 2013.
2

relevante questionar o porquê de tal escola oferecer um curso (nada barato, vale ressaltar), que
visava o desvendamento de uma carreira profissional. Uma resposta preliminar pode ser: é
porque esta carreira interessa. Os interesses que permeiam tal carreira são objeto desta
dissertação.
Como o anúncio do curso bem explicita, a discussão proposta se deu em torno do
curador, supostamente uma “figura onipresente na arte contemporânea, tendo em muitos casos
substituído o crítico de arte como instância legitimadora, ou ainda (discutivelmente) em
alguns outros, o próprio artista, como autor de exposições” (loc. cit.). De tal modo, no
decorrer das aulas na EAV foram acionados textos de artistas, críticos de arte e curadores de
exposições que questionavam, de forma geral, a questão da autoria, buscando-se compreender
quem seria atualmente o principal responsável pela produção artística, pois, em resumo, há
quem diga que hoje os curadores são os responsáveis por uma nova forma de autoria, a autoria
das exposições, que presentemente seriam o foco principal e não mais o trabalho dos artistas
nelas exibidos. Além disto, os curadores, como anunciado na propaganda destacada,
supostamente estariam tomando o lugar dos críticos de arte na “instância legitimadora” do
mundo da arte4.
Inicialmente as discussões no curso “o que é um curador?”, partiram do texto de Claire
Bishop no qual ela se opõe a outro texto, do crítico de arte e filósofo Boris Groys, para quem
não haveria mais uma autonomia autoral dos artistas e que o papel do curador e do artista
convergiriam, sendo a mesma coisa, em outras palavras, desde Marcel Duchamp: “the roles of
the curator and the artist are one and the same, because the ready-made equated the acts of
creation and selection. Today, authorship is no longer singular, argues Groys, but a ‘multiple
authorship’ more akin to that of a film, a theatrical production or a concert.” (BISHOP,

4
É importante frisar que esta dissertação não se utiliza da expressão mundo da arte como o conceito cunhado por
Howard S. Becker em seu livro Art Worlds (1982), assim como não se utilizam conceitos de outros autores com
a finalidade de definir o conjunto de relações e interações que definem a esfera artística. Esta opção foi feita pois
acredita-se na riqueza e na contribuição de inúmeros autores que estudaram a esfera artística como, por exemplo,
Pierre Bourdieu. Neste sentido, são inúmeras as expressões que aparecem ao longo do texto para se referir à
configuração social que envolve a arte e seus atores. Optar por não escolher um conceito a ser aplicado não
implica que não haja influencias teóricas presentes. Tanto o conceito de mundo da arte, de Becker, quanto o de
campo artístico, de Bourdieu, contribuíram para a construção teórico-metodológica desta pesquisa e para a
análise dos dados recolhidos. Há diferenças entre os conceitos de campo e mundo, enquanto a primeira metáfora
dá maior ênfase a noção de conflito e disputa por poder, a segunda enfatiza o consenso que advém da ação
coletiva. A presente dissertação esta influenciada pelos dois conceitos, pois acredita-se que a esfera da arte,
assim como outras, é composta por um conjunto de relações e interações permeadas por consensos e por
disputas. (BECKER, 1982; BECKER, 2006; BOURDIEU, 1992; BOURDIEU, 1993).
3

2007)5, ao que Bishop se contrapõe veementemente, pois em sua visão haveria uma clara
distinção entre a autoria curatorial e a autoria artística. Toda a discussão trazida pelos autores
lidos no curso tratou da possibilidade dos curadores serem ou não autores de exposições,
como se ali estivesse sendo defendido o espaço dos artistas como os verdadeiros autores da
esfera da arte6 – o que não é estranho já que o curso foi ministrado na EAV e, como
ressaltado, esta escola é um lugar de formação de artistas. Assim, após as três aulas do curso a
questão sobre o que é um curador permaneceu em aberto. Porém, o curso contribuiu para
reforçar as hipóteses desta pesquisa, que partem do princípio de que o curador vem ganhando
cada vez mais espaço, contudo um espaço que ainda vem sendo negociado. Uma negociação
que se dá com os artistas, os críticos de arte, as instituições museológicas, enfim, entre os
agentes que compõem e constroem uma fatia mundo da arte.
Enquanto no curso oferecido pela Escola de Artes visuais do Parque Lage investigava-
se, sobretudo, a tensão entre o curador e os artistas plásticos, em busca de uma resposta em
relação ao papel do curador na produção e exibição do trabalho dos artistas, no livro do
curador Hans Ulrich Obrist7, intitulado Uma Breve História da Curadoria (2010) - que
aparece como mais uma tentativa de discutir o lugar, o papel e a importância dos curadores -,
são expostas outras relações que envolvem os curadores de exposições com outros agentes
que conformam o mundo da arte. Esta publicação de Hans Ulrich Obrist conta com um
posfácio denominado “Arqueologia das Coisas Por Vir”, o qual se trata de uma entrevista
realizada por Daniel Birnbaum com a curadora Suzanne Pagé. Esta entrevista consta do livro
porque Pagé seria uma das influências na formação de Obrist. Na entrevista, Suzanne Pagé
fala sobre o papel dos curadores e o sistema da arte contemporâneo como um todo. Segundo
Pagé alguns curadores tiveram posicionamentos tão inventivos que esgotaram certo modo
convencional de propor exposições, trazendo uma forte necessidade de se pensar sobre novas
formas de se expor arte. Ao refletir sobre a figura do curador de exposições no momento em

5
BISHOP, Claire. What Is a Curator? The rise (and fall?) of the auteur curator. Revista IDEA arta+societate,
Romênia, nº 26, 2007. Disponível em: <http://idea.ro/revista/?q=en/node/41&articol=468>. Acesso em: 8 de abr.
de 2013.
6
Entende-se que a noção de autoria aqui está relacionada com a produção de obras de arte. Os artistas são
aqueles que com sua produção são tomados como responsáveis pela autoria dos objetos de arte. Contudo, o
debate contemporâneo aqui analisado, no capítulo um, trata de uma autoria que vem sendo atribuída ao trabalho
dos curadores, pois as exposições por eles propostas estariam sendo consideradas como as obras de arte máximas
do mundo da arte presentemente.
7
“Hans Ulrich Obrist nasceu em Zurique em 1968. Em 1993, trabalhou como curador de arte contemporânea do
Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, Paris, e desde 2006 atua como Codiretor de Exibições e Programas e
Diretor de Projetos Internacionais da Serpentine Gallery, Kensigton Gardens, em Londres. Em novembro de
2009, ocupou o primeiro lugar no ranking da revista ArtReview das pessoas mais influentes e poderosas no
cenário das artes plásticas, na atualidade. Realizou dezenas de exposições e é autor de vários livros em que
entrevista artistas e teóricos da contemporaneidade.” (REBOUÇAS, 2010:3).
4

que se deveriam forçar os limites de criatividade para se propor novas exposições, Suzanne
Pagé chegou a dizer que,

(…) em consequência de seu distanciamento de todos os esforços museológicos


tradicionais para classificar e ordenar o material cultural, a figura do curador não
podia mais ser considerada como um misto de burocrata e empreendedor cultural.
Ao contrário, ela emergiu como uma espécie de artista ou, como alguém poderia
dizer – talvez, com algum ceticismo em relação à crença genuína de Szeemann de
que as exposições de arte são realizações espirituais com o poder de invocar modos
alternativos de organização da sociedade -, de meta-artista, um pensador utópico, ou
mesmo xamã. (Suzanne Pagé em entrevista a BIRNBAUM, Daniel. 2010:295).

A fala de Suzanne Pagé é importante porque destaca a figura do curador como sendo
uma nova possibilidade de agente criativo ou propositor para o sistema da arte, o que expõe
uma tensão que pode existir na relação entre curadores e artistas plásticos. Além disso, ao
falar do curador como um “espécie de artista”, um “meta-artista”, um “pensador utópico” ou
mesmo um “xamã”, Pagé exibe algumas das imagens do curador de exposições, que seria uma
novo agente para o universo da arte por ser um erudito, um propositor criativo ou mesmo uma
espécie de salvador/guia para o mundo da arte. Estas supostas características dos curadores de
exposições é que fariam com que eles fossem, atualmente, agentes fundamentais para o
mundo da arte. Os quais, com sua capacidade inventiva, teriam feito com que se chegasse, por
exemplo, ao “fim da bienal” como modelo expositivo, o que não significaria a sua morte, mas
a necessidade de ser reinventada a cada dia.
Harald Szeemann8, mencionado na fala de Suzanne Pagé, seria um dos responsáveis
por isto, no momento em que, segundo Pagé, ele “optou por não dirigir um museu e, em vez
disso, inventou uma nova função: a do Austellungsmacher [organizador de exposições]
independente, que traz o próprio museu de obsessões na cabeça” (Suzanne Pagé em entrevista
a BIRNBAUM, Daniel. 2010:295). O comentário de Pagé constrói uma origem do que seria a
curadoria de exposições que se faz hoje em dia, reportando à memória de um pai fundador de
tal categoria profissional. Assim, este contexto de surgimento do curador de exposições

8
A cada cinco anos desde 1955, a cidade de Kassel na Alemanha recebe a Documenta, uma mostra de Arte
Moderna e Arte Contemporânea, que se configura como uma das mais importantes mostras de arte do universo
artístico. Em sua quinta edição, em 1972, o suíço Harald Szeemann foi convidado para estar à frente da mostra,
para atuar como seu diretor artístico. Na história da Arte Contemporânea a Documenta V é descrita como um
divisor de águas para o mundo da arte. Isto porque a frente da mostra, Szeemann buscou trazer a diversidade da
arte para o interior da Documenta. Então, não foram expostas apenas pinturas e esculturas: durante 100 dias,
Happenings, Performances, trabalhos de Arte Conceitual e até trabalhos considerados de não arte estiveram
presentes na Documenta V, ou diriam alguns, na Documenta de Szeemann. A importância desta mostra de 1972
para a história da arte se dá não apenas pela diversidade de trabalhos expostos, mas o seu diretor artístico, Harald
Szeemann é compreendido como alguém que com seu ato “pioneiro”, dando diversidade à mostra, inventou o
que atualmente se compreende como curadoria. Para mais informações consultar: SZEEMANN, Harald -
Entrevista concedida a Hans Ulrich Obrist. In: Uma Breve História da Curadoria. 2010.
5

independente seria um momento de crise definida pela “marginalização de todas as funções


do universo artístico” (Suzanne Pagé em entrevista a BIRNBAUM, Daniel. 2010:295).
Porém, para os fins desta dissertação, é válido destacar uma das frases de Pagé, em
que ela é clara e taxativa ao dizer que: “o crítico foi marginalizado pelo curador” (Suzanne
Pagé em entrevista a BIRNBAUM, Daniel. 2010:296). Embora breve, este comentário de
Pagé condensa um dos problemas debatidos pelos agentes e instituições do mundo da arte: o
curador de exposições é um novo agente do e para o mundo da arte, e seu surgimento tem
implicado mudanças em relação a outros agentes que compõem este mesmo universo da arte.
Logo, dentre as perguntas que neste momento questionam o papel dos curadores podem-se
destacar as seguintes: quem é o curador? Qual o seu papel? Enfim, qual é o seu lugar na esfera
da arte? É válido ressaltar que no comentário de Suzanne Pagé, a figura que está ameaçada
pelo curador não é o artista ou sua autoria, mas sim a existência do crítico de arte, enquanto
um personagem ainda relevante para a esfera artística.
Observando as discussões do curso oferecido na EAV e as reflexões de Suzanne Pagé,
fica mais claro que no mundo da arte há uma questão sendo discutida, que se refere ao
curador de exposições como um novo agente para a arte, cujas funções talvez ainda não
estejam tão claras e precisem ser redefinidas. Ainda assim, seu surgimento tem feito com que
outros agentes da esfera da arte repensem os seus papéis. Os exemplos que abrem este
trabalho tratam de uma crise ou alteração do mundo da arte recaindo sobre duas relações: a
dos curadores com os artistas e a dos curadores com os críticos de arte, porém apenas a
segunda é o objeto desta pesquisa, pois na segunda relação está em jogo a possibilidade de
existência do crítico de arte.
Na primeira relação destacada, percebe-se um debate que já se deu entre os artistas e
outros agentes do mundo da arte, até mesmo com os críticos, quando esteve em pauta quem
era o dono da palavra em relação à interpretação da obra de arte. Não é que a relação entre os
curadores e os artistas não seja importante, mas nela está em pauta quem é o principal
produtor da arte, dito isto de modo bem amplo, o que também é importante para este trabalho,
pois traz à tona uma das possíveis funções dos curadores. Todavia a relação entre os críticos
de arte e os curadores coloca em pauta a estrutura de legitimação do mundo da arte, já que
este novo agente estaria retirando um espaço, na esfera da legitimação, que antes era atribuído
ao crítico, que hoje em dia estaria revendo a sua condição de existência enquanto um agente
relevante.
A abordagem sociológica do debate atual entre os críticos de arte e os curadores de
exposições é um dos objetivos deste trabalho. Tomando este debate como objeto, o objetivo
6

desta dissertação de mestrado é entender qual é o lugar atual da curadoria assim como o da
crítica de arte. Se, realmente, o crítico de arte foi suplantado pelo curador de exposições, quais
são as implicações disto para o universo artístico? Caso tal mudança seja constatada nos
limites dessa pesquisa é preciso ainda perguntar como se configura a atual posição e prestígio
de críticos e curadores no interior do atual mundo da arte. Por enquanto, é possível afirmar
somente que este trabalho persegue o entendimento do que pode ser uma mudança mais
ampla no universo artístico, a qual parece estar refletindo sobre as carreiras de críticos de arte
e curadores de exposições.
É uma das intenções desta pesquisa definir quem são, e foram, os curadores de
exposições e os críticos de arte. Contudo, para facilitar a entrada no universo destes atores
sociais é necessário que seja feito um breve delineamento de seus perfis. Os curadores podem
ser entendidos como aqueles que, relacionados aos museus e às coleções, eram responsáveis
pela salvaguarda e a organização das coleções. Mas, e esta é uma hipótese aqui, a partir dos
anos 1960 os curadores passaram a ter um papel ligado à autoria de exposições, propondo
temáticas e convidando artistas a expor suas obras nas exposições por eles propostas, os
curadores cunham através de suas proposições expográficas um novo modo de criação
artística. Já os críticos de arte surgem com uma função conectada à circulação de ideias, sendo
de início pessoas advindas da crítica literária as que principiaram as discussões sobre artes
plásticas. Com a virada para o século XX, sobretudo em meados desse século, os críticos de
arte passaram a ser, cada vez mais, pessoas especializadas em artes plásticas, indivíduos que
consolidaram vínculos íntimos com artistas visuais e se debruçaram sobre suas obras
buscando trazer uma mediação teórico conceitual entre os objetos de arte, a poética dos
artistas e o público.
Embora outros trabalhos já tenham discutido o enfraquecimento da crítica de arte
(BASBAUM, 1999; SALZSTEIN, 2003; TRINDADE, 2008; FERREIRA, 2006;
REBOUÇAS, 2010) e o surgimento da profissão do curador (CINTRÃO, 1999; CHIARELLI,
1999; OGUIBE, 2004; CONDURU, 2004; BOTALLO, 2004; ALVES, 2010; RAMOS, 2010;
RUPP, 2010; BIRNBAUM, 2010; SANT’ANNA, 2011), este trabalho pretende cruzar os
debates e discuti-los de um ponto de vista sociológico.
A hipótese basilar que motiva a presente dissertação de mestrado é a de que o mundo
da arte, de forma geral, está passando por um processo de transformação. Tal alteração pode
estar gerando negociações (conflitos e consensos) em busca da consolidação de uma nova
faceta para a arte. Aqui tal modificação e as negociações que lhe são inerentes são tomadas
como um fato, e o objeto escolhido para investigar a dimensão destas alterações, no que
7

envolve as noções de autoridade e legitimidade, é o debate contemporâneo que proclama a


morte do crítico de arte e coroa o curador.
Portanto, o capítulo um desta dissertação objetiva desvendar as figuras de crítico de
arte e curador de exposições, que aparecem no debate que será enfocado. Estas construções
são importantes para que também se possa dimensionar o que está em jogo na negociação que
tem sido feita através de tal debate. Inicialmente, é importante frisar que o debate analisado
permitirá reconstruir as categorias “crítico de arte” e “curador” utilizadas. O debate não
oferece uma “verdade absoluta”, no entanto mostra as perspectivas em disputa e o processo de
negociação. Mas negociação pelo quê? Pela possibilidade de se exercer um poder como uma
autoridade legítima para o reconhecimento e a consagração dos objetos artísticos.
Partindo das categorizações feitas no capítulo um e do dimensionamento em relação
ao que vem sendo disputado entre críticos e curadores, outras questões se tornam
imprescindíveis: como se formam os críticos de arte e os curadores de exposições? Quem são
os curadores e os críticos, na prática? Quais são as suas tarefas cotidianas? Estas perguntas
são importantes, pois elas permitem que se entenda melhor a aplicação na prática do quem
vem sendo debatido. Então, os capítulos dois e três têm como objetivo respondê-las. Os
materiais que compõe estes capítulos são entrevistas realizadas, entre junho e outubro de
2013, com críticos de arte e curadores de exposições que atuam no Brasil, presentemente. São
eles: Aracy Amaral, Paulo Venâncio Filho, Felipe Scovino, Marcelo Campos e Raphael
Fonseca. O capítulo dois busca demonstrar como se formam os críticos e os curadores; o
capítulo três persegue a compreensão de seu posicionamento prático em relação ao debate
explicitado no capítulo um.
8

CAPÍTULO 1: CURADORES E CRÍTICOS EM DEBATE.

Esta dissertação visa entender quem são os críticos de arte e os curadores de


exposições, para que seja possível a compreensão de sua legitimidade e autoridade na esfera
da arte. Para tal, analisa o debate contemporâneo indicado na introdução. Em vez de construir
uma história da crítica de arte ou mesmo da curadoria de exposições, optou-se por analisar as
discussões atuais sobre o assunto para definir preliminarmente quem são os agentes sociais
que constituem o objeto desta pesquisa.
Atualmente está em jogo uma disputa para definir quem deve exercer autoridade para
legitimar a arte. Neste sentido, este capítulo procura entender também que autoridade
“legítima” está sendo disputada através das discussões acerca das carreiras de crítico e
curador. O debate aqui apresentado e analisado está constituído dos seguintes materiais: livros
de arte (de autoria de críticos de arte, curadores de exposições e historiadores da arte),
dissertações de mestrado defendidas em cursos de pós-graduação relacionados a área de artes,
dossiês de revistas acadêmicas de artes, artigos de jornais, textos de catálogos de exposições,
assim como artigos acadêmicos de profissionais de artes e sociologia.

1.1 - O Debate Contemporâneo.

A fim de dar início à análise do debate que envolve as atividades de crítico de arte e
curador de exposições, é imprescindível destacar o texto do artista, crítico de arte e curador de
exposições, Olu Oguibe, intitulado “O Fardo da Curadoria” (2004). Neste trabalho o autor
constrói uma espécie de cronologia daqueles que foram sendo sucessivamente tomados como
os principais agentes legitimadores do mundo da arte, no decorrer do século XX. Referindo-se
ao início do século passado, Oguibe fala sobre o papel dos marchands: “um grande feito dos
modernistas radicais, durante o início e meados do século XX, foi arrancar a arte das garras
asfixiantes da máquina cultural, no momento em que os cubistas estavam perdendo sua alma e
independência para o culto à celebridade e para a tirania dos marchands” (OGUIBE,
2004:15).
Em sequência, o autor comenta o que seria a perda de espaço dos marchands em favor dos
críticos de arte e relaciona tal momento com o atual, no qual o crítico de arte estaria perdendo
o seu espaço como agente legitimador para os curadores de exposições. Oguibe adverte que
“nos anos 50 e 60, acadêmicos e críticos tomaram o lugar dos marchands e passaram a
determinar a direção e a validade da prática artística, especialmente nos Estados Unidos,
9

exatamente como se começa a ver hoje no relacionamento entre a arte e a prática curatorial”
(OGUIBE, 2004:15). As palavras de Olu Oguibe são basilares para esta pesquisa, pois ele
constrói uma cronologia e traz uma hipótese, a qual defende que os curadores de exposições
tomaram um espaço na esfera da legitimidade que anteriormente teria pertencido aos críticos
de arte. O que resume o debate contemporâneo em que se apregoa uma morte do crítico e uma
ascensão do curador.
A hipótese trazida por Olu Oguibe tem circulado no mundo da arte, e a mesma não será
aqui tomada como uma “verdade absoluta”. O intuito desta pesquisa é justamente
problematizá-la e entender os limites práticos das atividades de curador e crítico. Será mesmo
que o crítico foi suplantado pelo curador?
Quanto à curadoria de exposições, é relevante trazer um texto da crítica de arte,
curadora e professora Aracy Abreu Amaral, apresentado pela autora no Museu de Arte
Moderna de Nova York, em 1988, e denominado “O Curador como Estrela” (2006). Neste
trabalho de título incisivo, Amaral fala sobre a ascensão da curadoria, e para a autora,

(…) assim como vivemos uma época de cinema de diretores – e não cinema de
histórias e autores -, nas artes visuais também vivemos, ao que parece, um tempo de
exposições de curadores, e não mais de artistas. Os grandes personagens do meio
artístico internacional parecem ser, de fato, os curadores. Parece importar, portanto,
menos a obra de arte em si, e o artista que se coloca como seu autor, mas a
manipulação dos movimentos artísticos pelos curadores que produzem esses eventos
milionários que provocam filas diante de museus, centros culturais, Bienais ou
Documentas. (AMARAL, 2006:51).

Este cenário exposto por Aracy Amaral, em que importaria mais o curador do que o artista,
resume, de certa forma, o contexto em que se situa todo o debate contemporâneo a respeito da
curadoria. Neste momento, os curadores, logo os agentes legitimadores, seriam tomados como
mais fundamentais do que os artistas, responsáveis pela criação dos objetos de arte. Os
curadores seriam agora os responsáveis pela constituição do que seria uma obra de arte: a
exposição proposta pelo curador. Para pensar sobre as implicações deste fato, Amaral lança a
questão: “Mas o que significa a manipulação de obras de arte ou de produtos de artistas por
um curador?”, ao que dá como resposta os seguintes elementos:

Significa que, nas grandes exposições, este profissional [o curador] se porta como
um régisseur do espetáculo, constituído pelas grandes retrospectivas e exposições
internacionais como Kassel, Veneza ou São Paulo. O projeto do evento reflete, desta
forma, “seu” ponto de vista pessoal, a maneira como esse curador pinça um
fragmento ou um enfoque da produção artística a fim de corporificá-la, através de
um grande show, hoje autogerador de renda, lucrativo mesmo. E que se insere, como
10

um entretenimento, entre as múltiplas fontes para a distração do cidadão urbano de


nossa aldeia global. (AMARAL, 2006:51-52).

A posição de Aracy Amaral é clara: vive-se em uma era dos curadores. O que teria
como implicação o fato de que agentes que antes trabalhavam no interior das coleções dos
museus aparecem agora em público, sendo concebidos como as figuras mais importantes da
esfera da arte. Em sua crítica, o que Amaral afirma é que o curador tomou o espaço de todos
os demais agentes legitimadores da esfera artística, até mesmo dos artistas.
Esta mudança observada por Aracy Amaral é corroborada pelas palavras de Roberto
Conduru, em seu texto denominado “Transparência Opaca” (2004), no qual o autor fala sobre
uma transição na esfera da arte no que diz respeito às exposições. Segundo Conduru,

Da transparência à opacidade – em síntese, essa é a trajetória da expografia da arte


na modernidade. De uma condição inicial transparente, quando pouco era visto e
quase nada dito sobre as práticas expositivas, pode-se falar na opacidade atual,
quando as obras de arte pouco interessam diante do que podem render como
elementos de outra obra – a exposição. Meio específico de enunciação crítica da arte
e da cultura, a exposição de arte deve ser pensada não como um simples dispositivo
de amostragem de obras, mas como uma obra em si, unidade construída com
diferentes tipos de objetos, cujos significados estão além de sua mera soma, e que
deve ser analisada em suas particularidades discursivas e rituais. No limite, é
possível falar em “uma arte de expor”. (CONDURU, 2004:31).

Ou seja, no contexto, descrito por Aracy Amaral, em que o curador de exposições se tornou
uma espécie de pop star do mundo da arte, Conduru fala sobre a visibilidade que as
exposições por si só ganham em detrimento dos trabalhos nelas expostos. Assim, o foco de
uma exposição não seria mais o trabalho do artista nela exibido, mas sim a exposição em si,
com sua curadoria e cenografia.
Associando as palavras de Roberto Conduru e de Aracy Amaral é possível aventar
que, de fato, no debate contemporâneo, o curador e o seu trabalho, a exposição, se tornaram o
foco central dos holofotes quando o assunto é artes visuais. Não importa neste momento dizer
se é positivo ou negativo que os curadores de exposições estejam ou não se tornando
celebridades do mundo da arte – este tipo de julgamento não é papel de um trabalho de
sociologia, porém o que se pode apontar é que a situação da curadoria ainda divide opiniões -
para alguns a ascensão do curador é positiva e para outros negativa -, mas é fundamental
entender que os curadores são tomados como agentes sociais legitimadores e que, enquanto
tais, eles também ditam os rumos da produção artística. Os limites dessa suposta e publicizada
ação legitimadora dos curadores de exposições precisam ser investigados e problematizados.
11

Quando o assunto é a crítica de arte as vozes dão corpo a um discurso que apregoa a
morte da crítica. Deste modo, no que tange ao debate acerca da atividade de crítico de arte,
existem cada vez mais defensores de que tal prática profissional vem sofrendo um
"enfraquecimento" em seu caráter, o que faria com que sua influência sobre o universo da arte
fosse cada vez mais depreciada no contexto da arte contemporânea.
Em "Transformações na Esfera da Crítica" (2003), Sônia Salzstein, crítica de arte e
professora do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, argumenta que há uma mudança em relação à crítica de arte. Para
Salzstein, a crítica de arte não é mais aquela que era exercida por autores como Charles
Baudelaire, que, segundo a autora, ligava sua atividade com a formação de um debate público,
pensando sua prática em relação à noção de "experiência", através da qual propunha uma
crítica às situações do cotidiano da vida moderna. Para Sônia Salzstein, a crítica de arte
contemporânea parece ter "dado um passo para trás" em termos de reflexividade. Um sinal
disto é que, em sua percepção, nos últimos anos os textos sobre arte teriam surgido no interior
de catálogos de exposições, subordinados, assim, aos mandos das instituições promotoras de
tais exibições, servindo aos interesses mercadológicos de tais empresas culturais (museus,
centros culturais, etc.). Para Salzstein,

Do ponto de vista da arte, tudo indica que vimos experimentando, (…), uma
modificação profunda no lugar da crítica, que emancipou-se do horizonte (bem ou
mal) público e universalista da produção acadêmica e da produção intelectual em
geral, para vincular-se mais imediatamente às demandas profissionais, setorizadas e
corporativas, do universo das instituições contemporâneas de arte. Ao que parece, o
contexto contemporâneo deixou morrer de inanição o programa moderno de um
espaço público da arte, substituído pelas demandas cada vez mais tópicas tanto da
produção artística como da crítica. (SALZSTEIN, 2003:88).

Esta perspectiva de que a crítica de arte perdeu um espaço público, defendida por
Salzstein, segue o mesmo tipo de argumentação da dissertação de mestrado de Mauro
Trindade, intitulada Transformação: A Crítica de Artes Visuais nos Jornais Cariocas nos
anos 90 (2008). Como bem demonstra o título da dissertação, Trindade escolheu como objeto
de pesquisa a crítica de arte veiculada pelos jornais da cidade do Rio de Janeiro nos anos
1990, e teve como ponto nevrálgico do trabalho demonstrar a alteração do papel, da função e
da atuação da crítica de arte. Deste modo, o autor traz um panorama das mudanças ocorridas
na carreira de crítico de arte, chegando à conclusão de que houve o que seria um
arrefecimento da crítica de arte nos jornais cariocas no período por ele estudado.
12

Para Trindade esse arrefecimento estaria relacionado a alguns fatores: 1) as novas


necessidades do mercado editorial, que passou a valorizar o chamado “jornalismo cultural”,
um jornalismo mais preocupado com descrições do que com uma “crítica militante”; e 2) as
influências das políticas econômicas sobre o mercado e o mundo das artes visuais que
contribuiriam para uma desvalorização da arte na contemporaneidade, fato que também
colaboraria para a desvalorização da crítica de arte.
A modificação do papel da crítica de arte no mundo artístico também foi objeto de
estudo da socióloga Sabrina Parracho Sant’Anna em seu artigo “Musealização, Crítica de Arte
e o Exercício Experimental da Liberdade em Mário Pedrosa”. A autora tem como ponto de
partida de seu trabalho a percepção corrente de que a crítica de arte está passando por um
período de crise. Como contextualização deste período ela traz a ideia de “musealização”,
tendo em vista a importância que vem sendo dada a questão da memória, que tem trazido um
“boom” dos museus e outros tipos de instituições voltadas a exposições 9. Isto contribuiria
para o surgimento de novos agentes para a classificação da arte, dentre eles o curador. Mas
por ora é importante destacar que em seu texto Sant’Anna traz uma comparação entre a crítica
de arte feita atualmente e a que era feita na década de 1950. Neste sentido, a autora pensa
também sobre os atuais suportes de veiculação da crítica de arte. Segundo ela:

Muito tem se falado na crítica de arte sobre as mudanças nos meios de divulgação da
produção e nos espaços institucionais da profissão. Mesmo que O Globo venha
estabelecendo, desde fins de 2010, um espaço semanal para a publicação de crítica
de arte, o lugar dos catálogos de exposição vem sendo amplamente assumido como
espaço da crítica de arte em tempos de musealização (Alves et alii, 2011). O modo
como o espaço da profissão vem sendo percebido e ocupado, modificando e
produzindo novos discursos sobre as instituições, tem repercutido sobre elas.
(SANT’ANNA, 2011:401).

Sônia Salzstein (2003), Mauro Trindade (2008) e Sabrina Sant’Anna (2011),


trabalham com diferentes materiais e perspectivas, mas há um ponto convergente entre eles.
Em suas visões, a crítica de arte perdeu um espaço na esfera pública, quando deixou de gozar

9
Este argumento de Sant’Anna pode ser complementado pelo levantamento feito por Betina Rupp (2010):
“Pode-se perceber no país [Brasil], principalmente nas últimas três décadas, a abertura de diversos centros
culturais, como a Caixa Cultural (Distrito Federal, 1980), o Itaú Cultural (São Paulo, 1987), o Centro Cultural
Banco do Brasil (Rio de Janeiro, 1989), o Instituto Moreira Salles (1990) vinculado ao Unibanco, Centro
Cultural dos Correios (Rio de Janeiro, 1993), a Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, 1995/2008), o Centro
Cultural Banco do Nordeste (Fortaleza, 1998), o Santander Cultural (Porto Alegre, 2001), Instituto Cultural
Inhotim (Brumadinho, 2002/2005), Espaço Furnas Cultural (Rio de Janeiro, 2003) e Oi Futuro (Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, 2007). A maioria deles inaugurados por entidades privadas, quando não criados especificamente
por uma instituição financeira. Também foram inaugurados museus e espaços expositivos decorrentes de verbas
públicas, como o Museu de Arte de Brasília (1985), o Museu de Arte Contemporânea da Prefeitura de Niterói
(1996), o Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães em Recife (1997) e o Museu Oscar Niemeyer em Curitiba
(2002).” (RUPP, 2010:36).
13

de certo lugar que tinha nos jornais, tornando-se uma crítica de arte mais presente em
catálogos de exposições. Isto contribuiria para a perda de uma função básica da crítica de arte,
a circulação e publicização de um discurso sobre artes para um público mais geral. A
alteração do que seria um princípio basal da crítica de arte teria feito com que a crítica tivesse
perdido mais do que um espaço: o seu sentido de existência. Assim, seu poder de legitimação
na esfera da arte estaria enfraquecido, e tendo tal espaço ficado vago, há quem defenda que
esta estância de agente legitimador tenha sido apropriada pela curadoria de exposições. Daí o
debate contemporâneo, que diz respeito à relação entre a crítica de arte e a curadoria, apregoar
que o crítico de arte foi ultrapassado e substituído pelo curador de exposições.
Com a finalidade de exemplificar a questão que vem sendo exposta, é preciso voltar-se
ao trabalho de Júlia Rebouças, intitulado: “Sobre o Enfraquecimento da Crítica de Arte na
Contemporaneidade e sua Relação com Práticas Curatoriais” (2010), no qual a autora busca
analisar “(…) de que maneira uma certa prática curatorial tem contribuído para o
esvaziamento da crítica nas artes plásticas” (REBOUÇAS, 2010:1). Rebouças parte da
percepção “(…) de que a crítica passa por um momento de enfraquecimento e
desmobilização, tornando-se cada vez menos atuante e mais desimportante na constituição e
consolidação do campo artístico e do pensamento contemporâneo.” (REBOUÇAS, 2010:3).
Ao retomar o projeto do curador Hans Ulrich Obrist, denominado Do It10, Júlia Rebouças
afirma que um curador é um propositor. Sendo assim, o pensamento crítico – que sempre teria
sido atrelado à obra de arte -, “já deveria vir embutido desde o momento primeiro em que a
exposição foi concebida” (REBOUÇAS, 2010:8). Júlia Rebouças diz que,

O curador se tornaria o criador, os artistas, os ilustradores. As boas exposições,


aquelas cuja experiência transforma-nos e lançam-nos as bases para uma leitura
crítico-poética do nosso tempo, seriam resultado do bom trabalho de articulação e
discussão promovido pelo curador. Uma obra ruim seria logo esquecida e substituída
por uma outra logo ao lado, mais adequada ao tema, interessando o conjunto final.
Esse tipo de prática curatorial contribuiria, portanto, para o esvaziamento do
pensamento crítico nas artes visuais. (REBOUÇAS, 2010:8).

É interessante pensar este trabalho de Júlia Rebouças juntamente com aqueles


mencionados anteriormente – Amaral (1988); Conduru (2004); Salzstein (2003); Trindade
(2008); Sant’Anna (2011) -, pois sua argumentação reúne e complementa os argumentos dos

10
“Em linhas gerais, trata-se de uma exposição em constante construção, que pode se dar em qualquer parte, a
qualquer tempo e que nunca é finalizada. A convite do curador, artistas elaboram proposições que devem conter
(ou ser, elas mesmas) as instruções de como realizá-las, de modo que os trabalhos possam ser feitos por qualquer
um, em diferentes contextos. O raciocínio é que uma mesma sequência de procedimentos, quando realizada por
pessoas distintas em condições distintas, poderia gerar obras diferentes, a partir da gama de interpretações que se
interporia no processo.”. (REBOUÇAS, 2010:1).
14

outros autores. O trabalho de Rebouças trata: 1) de um curador que se tornou um criador,


tomando o lugar dos artistas plásticos; 2) de um curador que tomou um espaço das mãos dos
críticos de arte, pois a crítica estaria atrelada à sua concepção de exposições; 3) em
consequência do lugar atribuído ao curador, a autora fala sobre um crítico de arte sem voz ou
poder de legitimação, que perdeu sua autoridade; e, 4) o trabalho de Rebouças reitera a ideia
de que o curador se tornou a maior autoridade do mundo da arte.
Neste instante é necessário separar a crítica e a curadoria a fim de construir tais
categorias de acordo com o que vem sendo debatido acerca do que elas são para o mundo da
arte.

1.2 - Os Curadores no Debate Contemporâneo.

“Curadores são tema de livros, mostra e seminário.”11.

“Longe do glamour, nova geração de curadores de museus e galerias tem rotina


árdua.”12.

Atualmente, debate-se amplamente a ascensão e prestígio da curadoria de exposições.


Os títulos de duas reportagens veiculadas, no dia 07 de maio de 2013, na versão online do
jornal Folha de São Paulo, mostram: 1) a visibilidade dada à curadoria hoje; 2) o trabalho
prático do curador como mais braçal do que glamoroso, o que contrariaria algumas opiniões
acerca de tal atividade. De ambas as matérias jornalísticas se deduz que a curadoria vem
sendo debatida com o objetivo de desvendar o que realmente seria esta atividade. Há
depoimentos que buscam desconstruir a imagem do curador como sendo apenas uma
celebridade do mundo da arte, imagem que recorrentemente é atribuída a estes atores sociais.
Porém, as reportagens se distinguem. Enquanto na primeira fala-se apenas sobre a
proliferação de discussões acerca do que seria a curadoria, a segunda traz uma clara tentativa
de construir e desconstruir as imagens profissionais de quem seria o curador. Neste sentido,
observa-se na segunda matéria a tentativa de definir o que seja um curador: “Decifrar,
catalogar, ordenar, exibir, criticar, contextualizar e uma série de outros verbos aplicados à

11
CURADORES SÃO TEMA DE LIVROS, MOSTRA E SEMINÁRIO. Folha de São Paulo, São Paulo, 07 de
mai. de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1274115-curadores-sao-tema-
de-livros-mostra-e-seminario.shtml>. Acesso em: 10 de mai. de 2013.
12
MARTÍ, Silas. Longe do glamour, nova geração de curadores de museus e galerias tem rotina árdua. Folha de
São Paulo, São Paulo, 07 de mai. de 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1274113-longe-do-glamour-nova-geracao-de-curadores-de-
museus-e-galerias-tem-rotina-ardua.shtml>. Acesso em: 10 de mai. de 2013.
15

dissecação de um dos campos que mais cresce nas artes visuais brasileiras, projetando a
imagem do país lá fora”13.
A reportagem da Folha de São Paulo trata de um curador que tem buscado demonstrar
que não é apenas um propositor de exposições que é tomado como celebridade. Há uma clara
tentativa de defesa da atividade de curador como uma função necessária à esfera da arte. Uma
atividade que seria tão fundamental que estaria sendo cada vez mais objeto de demanda do
mercado de trabalho, tanto é assim que a reportagem diz ainda que,

Nos últimos dez anos, houve o que esses jovens curadores chamam de
"desmistificação" da profissão, com a multiplicação de cursos formadores, a maior
inserção da geração nos grandes museus e centros culturais do país e a voracidade de
um mercado de arte que catapultou a demanda por novos nomes. 14

De fato, há uma demanda cada vez mais crescente em relação às informações sobre o
que seria a curadoria, assim como têm surgido meios de formação para o profissional curador.
Os curadores têm sido foco privilegiado de dossiês temáticos em revistas acadêmicas15,
entrevistas com profissionais das artes plásticas16, lançamentos de livros17, trabalhos
artísticos18, congressos profissionais19, fóruns de debate20, criação de associações21,
surgimento de pós-graduações22, entre outros fatores.

13
MARTÍ, Silas. Longe do glamour, nova geração de curadores de museus e galerias tem rotina árdua. Folha de
São Paulo, São Paulo, 07 de mai. de 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1274113-longe-do-glamour-nova-geracao-de-curadores-de-
museus-e-galerias-tem-rotina-ardua.shtml>. Acesso em: 10 de mai. de 2013.
14
MARTÍ, Silas. Longe do glamour, nova geração de curadores de museus e galerias tem rotina árdua. Folha de
São Paulo, São Paulo, 07 de mai. de 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1274113-longe-do-glamour-nova-geracao-de-curadores-de-
museus-e-galerias-tem-rotina-ardua.shtml>. Acesso em: 10 de mai. de 2013.
15
A título de exemplificação é possível destacar o volume 5, edição n° 6, da Revista Conccinitas - Revista do
Instituto de Artes da UERJ. Rio de Janeiro, lançada em julho de 2004 com dossiê temático a curadoria.
16
Um exemplo é que a Revista Select, periódico especializado em artes plásticas, que em sua edição n° 10, de
fevereiro de 2013, na estreia de sua seção intitulada "Fogo Cruzado", lançou a seguinte questão: "Para que serve
o Curador?". Para responder a esta pergunta a publicação convidou dez profissionais (os quais eram artistas,
curadores e diretores de museus), para pensar "o papel desse profissional no meio da arte contemporânea".
17
Três exemplos de livros são: 1) RAMOS, Alexandre Dias (Org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre:
Zouk, 2010; 2) OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI Comunicação, 2010; e,
3) BUENO, Guilherme e REZENDE, Renato (Org.). Conversas com Curadores e Críticos de Arte. Rio de
Janeiro: Circuito, 2013.
18
Pode-se destacar o trabalho “Máquina Curatorial” de Nicolas Guagnini, argentino radicado nos Estados
Unidos, que doou a instalação ao MAM-SP, em 2009. Informações sobre a obra de Guagnini disponíveis em:
<http://www.mam.org.br/acervo_detalhe/?idObra=6272#.UtiH9_RDuzs>. Acesso em 16 de jan. de 2014.
19
Em 2013 ocorreu na cidade do Rio de Janeiro a conferência anual do CIMAM (International Committee
for Museums and Collections of Modern Art ) cujo o tema foi: New Dynamics in Museums:
Curator, Artwork, Public, Governance.
20
Exemplo é disto é o seminário organizado pela Fundação Iberê Camargo, intitulado: “Seminário Internacional
– Curadoria no Século XXI”. Disponível em: <
http://www.canalcontemporaneo.art.br/cursoseseminarios/archives/005718.html>. Acesso em: 25 de set. de
2013.
16

A discussão em relação ao que seria um curador adentrou os muros da academia,


sendo tema desta pesquisa e de outros trabalhos de caráter acadêmico. Para pensar sobre a
imagem construída em respeito aos curadores é interessante trazer de início a dissertação de
mestrado de Betina Rupp intitulada Curadorias na Arte Contemporânea: Precursores,
Conceitos e Relações com o Campo Artístico (2010), pois a autora vai às origens da atividade
curatorial para compreender as mudanças pelas quais a atividade passou e assim ela esboça
um modelo de como teriam sido os curadores antes do que ela denomina ser a “curadoria
contemporânea”.
É necessário frisar que, embora, Betina Rupp fale sobre uma ascensão da carreira de
curador, seu trabalho é diferente do que se busca construir na presente dissertação. Rupp
busca historiar a carreira de curador de exposições, o que não é intencionado aqui. Para esta
pesquisa o trabalho de Rupp é importante porque ela descreve um período de uma transição
do que seria uma “curadoria tradicional” para uma “curadoria contemporânea”. Segundo a
autora a atividade de curador já existia no interior dos Gabinetes de Curiosidades23 e estava
“voltada para as atividades de conservação, organização, pesquisa e exposição das obras de
arte” (RUPP, 2010:VIII). Já a denominada “curadoria contemporânea”, se daria no contexto
atual, após os anos de 1960, e se caracterizaria “pela organização da exposição através da
elaboração de conceitos críticos formulados pelo curador, que desenvolve de forma autoral o
tema da exposição e seleciona quais artistas irão participar da mostra.” (RUPP, 2010:VIII). A
partir das definições cunhadas por Betina Rupp é possível dizer que a curadoria é uma
atividade que existe há tempo, mas que das últimas décadas do século XX para cá teve a sua
função alterada, deixando de lado as tarefas mais administrativas para um fazer que hoje seria
administrativo e autoral.
A “curadoria contemporânea” sobre a qual fala Betina Rupp está em diálogo com as
definições de Olu Oguibe (2004), em texto anteriormente citado, pois este autor distingue

21
Alguns exemplos de associações são: a IKT (International Association of Curators of Contemporary Art), que
foi fundada em 1969; a AGCCPF (Association Générale des Conservateurs des Collections Publique de France),
que existe desde 1922; e, nos EUA existe a AAMC (Association of Art Museum Curators), que surge em 2001.
22
Um exemplo é o surgimento, em 2013, do curso: Museologia, Colecionismo e Curadoria, o qual faz parte do
projeto pedagógico da Pós-Graduação Lato Senso do Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo.
Disponível em: <http://www.belasartes.br/pos-graduacao/?pagina=cursos&curso=museologia-colecionismo-
curadoria>. Acesso em: 15 de mai. de 2013.
23
Estes Gabinetes de Curiosidades tiveram seu início no século XVI nos países da Europa Ocidental (AMORIM
e GONÇALVES, 2012), e se caracterizavam como espaços pertencentes a membros da aristocracia, a artistas e a
cientistas. Estes “gabinetes” eram espaços que abrigavam coleções, as quais compreendiam todo tipo de objetos:
de pinturas e esculturas a garras de crustáceos e chifres de alces. No âmbito destes espaços seus visitantes
endossavam uma cultura aristocrática, e o conhecimento das “curiosidades” e “maravilhas” servia para a
identificação de homens bem sucedidos e cultos; isto porque, “no caso específico dos gabinetes, as instruções ao
público davam conta da importância social de admirar objetos ‘realmente’ curiosos, maravilhosos e, portanto,
raros” (AMORIM e GONÇALVES, 2012:226).
17

quatro papéis possíveis dos curadores, os quais estariam relacionados a “estratégias variáveis
de compromisso com a arte contemporânea e diversas implicações para com o destino da arte
e da prática artística, e das amplas estruturas e manifestações da cultura contemporânea”
(2004:8). Alguns destes perfis construídos por Oguibe, sobre os tipos de curador, são tomados
de um modo mais positivo, sendo assumidos como os perfis ideais a serem seguidos,
enquanto outros mostram certa tirania inerente a alguns curadores, que apenas buscariam uma
projeção de suas imagens já que a curadoria lhes traria fama e dinheiro. De acordo com Olu
Oguibe, atualmente poderiam ser encontrados os seguintes tipos de curadores: 1) o “curador
burocrata”24; 2) o “curador connaisseur”25; 3) o “curador como corretor cultural”26; e ainda, 4)
o “curador facilitador”27.
Assim como para Betina Rupp e Olu Oguibe a curadoria de exposições também foi
objeto de trabalho para a socióloga Sabrina Parracho Sant’Anna, para quem a curadoria vem
ganhando tanto espaço no universo artístico nos últimos anos, que,

24
“Em sua essência, o curador burocrata tem suas obrigações básicas determinadas por exigências institucionais:
ir ao encontro dos interesses do museu, galeria ou coleção; localizar a melhor, mais promissora ou quase sempre
mais popular obra de arte para aquisição pela instituição; montar o mais popular ou mais bem sucedido display
para a instituição e, relacionado a este último ponto, especialmente hoje, atrair o maior público para o museu,
galeria ou coleção e telo “formando filas ao redor do quarteirão” – para citar um funcionário do Brooklym
Museum em Nova York. Em segundo plano em relação a tudo isso, está a lealdade pessoal do curador à obra de
arte, que pode tomar a forma de uma defesa quase clandestina em que o curador burocrata luta para assegurar
que a atenção e os recursos das instituições sejam aplicados em trabalhos e em artistas que são de seu interesse.”
(OGUIBE, 2004:8-9).
25
“O curador connaisseur monta um conjunto de obras conforme seus interesses e dedica-se obstinadamente a
trazer-lhe visibilidade e publicidade a qualquer custo. Nesse caso, a fidelidade do curador é bem definida e situa-
se quase inteiramente na obra e em si próprio; o apoio dirigido do curador ao trabalho e aos artistas é
inextricavelmente ligado a sua própria necessidade de projetar um sentido de bom gosto e manifestar
esclarecimento. Às vezes, este desejo de distinção impulsiona o curador em direção a artistas e obras de arte que
não são populares, bem-sucedidos ou amplamente reconhecidos, mas, apesar disso, são distintos e peculiares, o
que os define como estando à parte em relação aos demais. Tal curador, então, considera sua obrigação e
responsabilidade eternas trazer esclarecimentos aos outros, colocando-os a par dessa área de gosto única e
especial” (OGUIBE, 2004:9).
26
“O curador corretor cultural, portanto, tem o instinto do galerista, a mobilidade e flexibilidade do empresário e
a ousadia do agente publicitário corporativo; sua compreensão das idiossincrasias do gosto e das frivolidades do
patrocínio não apenas ajuda a divinizar aquelas idiossincrasias e frivolidades, mas também a torná-las
vantajosas. Para o curador corretor cultural, diferentemente do curador burocrata ou connaisseur, há pouca ou
quase nenhuma ligação com o trabalho ou com o artista além do interesse fugaz do agente de negócios, que pode
influenciar um pequeno nicho de gosto ou chegar perto de mudar as inclinações culturais de todo um zeitgeist
como conseqüência apenas do potencial de visibilidade. (…) Como um hábil navegador da faixa da cultura, o
curador corretor cultural é uma figura poderosa principalmente entre artistas, que talvez o concebam como uma
inevitável porta de entrada para a visibilidade (…). É por essa razão que o curador corretor cultural tem sido
descrito como o papa da arte contemporânea e mitificado como a figura com a varinha de condão, cujo
reconhecimento pode assegurar sucesso para o artista talentoso e experiente” (OGUIBE, 2004:11-12).
27
“É claro que em todos os papéis descritos até agora o curador é um facilitador que possibilita visibilidade e
reconhecimento, sejam quais forem os propósitos. Entretanto, é no papel do que poderíamos considerar um
facilitador benigno e possibilitador, ao trabalhar com os artistas como um colaborador cujas contribuições
permitem a realização e a efetivação do processo criativo – um defensor cujo apoio é conduzido não por
armações mercantis e egocêntricas, mas por um vínculo genuíno com a obra e com o artista por trás do trabalho -
, que o curador chega mais próximo de seus objetivos” (OGUIBE, 2004:13).
18

No Dicionário Aurélio de 1980, no verbete “curador”, a relação da função com os


museus não é absolutamente mencionada. O conceito se referia, então, a “pessoa que
tem, por incumbência legal ou judicial, a função de zelar pelos bens e pelos
interesses dos que por si não possam fazer (de órfãos, de loucos, de toxonômanos
etc.)”, a “pessoa do Ministério Público que, por efeito de lei, exerce junto as varas
cíveis e especializadas, funções específicas na defesa de incapazes, ou de certas
instituições e pessoas”, ou ainda a “feiticeiro ou rezador”. A mudança no uso do
termo é efetiva e absolutamente reconhecível. Definições mais recentes começam a
ampliar o significado do termo incluindo no verbete, a partir de 2004, o significado
de curador de arte, então definido como “aquele que se encarrega de organizar e
prover a manutenção de obras de arte em museus, galerias” (SANT’ANNA,
2011:386).

Sant’Anna demonstra como o sentido do termo curador foi alterado na linguagem corrente.
Associando as advertências desta autora com a construção histórica feita por Betina Rupp é
possível dizer que esse novo agente, o curador de exposições, não é de fato um novo agente,
mas que na prática de legitimação da esfera da arte, este curador é sim uma novidade. O
curador antes dedicado à função administrativa tornou-se um agente legitimador importante,
ganhando uma definição no dicionário.
Esta nova identidade do curador de exposições vem sendo discutida por artistas
plásticos. Entre textos de artistas destaco os de Daniel Buren. Para o catálogo da Documenta
V, Buren escreveu o texto “Exhibition of an Exhibition”, no qual defende e critica a posição
de que os curadores estavam se tornando super estrelas do mundo da arte e que as exposições
por eles propostas seriam as novas obras de arte28. De seu texto é interessante destacar a
seguinte passagem:

It is true, then, that the exhibition establishes itself as its own subject, and its own
subject as a work of art. The exhibition is the “valorizing receptacle” in which art is
played out and founders, because even if the artwork was formerly revealed thanks
to the museum, it now serves as nothing more than a decorative gimmick for the
survival of the museum as tableau, a tableau whose author is none other than the
exhibition organizer.
And the artist throws her- or himself and her or his work into this trap, because the
artist and her or his work, which are powerless from the force of habit of art, have
no choice but to allow another to be exhibited: the organizer. (BUREN, 2010:211).

28
Não há a intenção de dizer que as exposições deveriam ser compreendidas como novas obras de arte. Contudo,
é interessante fazer referência ao trabalho “Quando há Artficação?” de Nathalie Heinich e Roberta Shapiro, no
qual as autoras através de uma análise pragmática apresentam a noção de que a arte contribui com a mudança
social. Assim, os objetos artísticos, segundo esta perspectiva, estão imersos em um processo de interação
simbólica, material e contextual, um processo dinâmico que pode implicar em mudanças. De tal modo, novos
objetos e práticas podem surgir e criar novos significados do que sejam obras de arte ou transformar relações e
instituições, por exemplo. O conceito de artificação, ajuda a pensar as mudanças inerentes ao mundo da arte que
podem fazer com que algo que não era considerado obra de arte passe por um processo que o leve a ser encarado
de tal maneira. (HEINICH e SHAPIRO, 2013:15).
19

Buren escreveu outro texto, “As Imagens Roubadas”, com um tom mais contundente,
vide seu título. Neste texto Daniel Buren escreveu:

Eu escrevi, há quase vinte anos, que o curador da exposição tinha por função, não
mais coordenar a instalação da exposição mas tornar-se o artista principal, até
mesmo o único digno deste nome, isto é, o que decide sobre a imagem final do
conjunto, ou seja, aquele que assina o quadro acabado e exposto – o autor da
exposição. Sabemos que para alguns, esta proposição pareceu um ponto de vista
falacioso, entretanto para outros tornou-se verdade cotidiana, clichê aceito, e a tal
ponto que a verdade ultrapassou a “ficção” com a ajuda dos artistas convidados, que
na sua grande maioria ajudaram a esta usurpação de poder e ao começo da
inexorável desconsideração. (BUREN, 2001:149).

As fortes palavras de Daniel Buren nos textos citados demonstram que há uma parte
dos artistas contemporâneas que não concordam com o status que vem sendo dado à carreira
de curador de exposições. Contudo, como o próprio Buren sublinhou, há artistas que
colaboraram (e colaboram) para que os curadores tenham assumido um papel que lhes coloca,
talvez, como os profissionais mais importantes do universo da arte. Além disso, é importante
perceber que para Buren há uma transição: no primeiro texto, acima destacado, o artista fala
sobre um exhibition organizer (organizador de exposições), já vinte anos depois ele se refere à
mesma figura como sendo um curador de exposições. Assim, pode-se perceber que a
“curadoria tradicional” tal como definida por Betina Rupp está para a atividade do
organizador de exposições, ou seja, a mudança nas funções atribuídas a estes agentes sociais
fez com que o termo pelo qual eles são identificados fosse alterado, logo eles passaram de
organizadores de exposições para curadores. Estes profissionais passam de uma atividade
mais administrativa, como já destacado, para uma atividade que também une as tarefas
administrativas e uma perspectiva autoral. Denota-se uma alteração no perfil dos curadores,
nas tarefas por eles desempenhadas, como também a conquista de um espaço, por parte destes
profissionais, na esfera de legitimação do mundo da arte. Isto porque, embora suas funções
ainda estejam sendo discutidas, sendo alvo de disputas entre os curadores e deles com os
demais atores sociais da arte (o que se demonstrará em outras partes deste texto), eles já
possuem uma posição de relevância em tal esfera de legitimação.
Outro trabalho que auxilia entender o que seja um curador é “A Curadoria de
Exposições de Arte Moderna e Contemporânea e sua Relação com a Museologia e os
Museus” (2004), no qual a museóloga Marilúcia Bottallo traz um apanhado dos termos que se
referem a curadoria assim como uma definição de qual seria a função do curador. De acordo
com Bottallo:
20

Na verdade, há várias definições do perfil do curador e da atividade curatorial


dependendo do país em que se inscrevem e do tipo de museu em que atuam. Na
França, Suíça e alguns outros países europeus é identificada como a atividade por
excelência do conservateur, e este pode, inclusive, dirigir um departamento ou a
própria instituição. Em países como Estados Unidos e Canadá o curator tem funções
próximas às do conservador europeu. Assim, somente ao longo dos anos 90, surge
uma especificidade da atividade do curador na qual esse profissional passa a ser o
responsável pelo estudo das coleções objetivando a realização de exposições.
Restringindo-nos às atividades de pesquisa e extroversão da arte, via exposição
(museológica), o conjunto de ações que determinam a curadoria define diferentes
tipos de profissionais a partir, de um lado, do caráter de seu vínculo com a
instituição museológica e, de outro, pelas mostras que organiza: temporárias ou de
longa duração; de acervo ou não. (BOTTALLO, 2004:39).

Tanto as reportagens jornalísticas trazidas na abertura deste subitem quanto os


trabalhos acadêmicos e não acadêmicos referenciados contribuem para o entendimento do que
seja um curador segundo o debate contemporâneo e auxiliam a percepção de que a atividade
curatorial não é recente; esta função era atribuída aos organizadores de exposições, cujas
atividades eram de caráter administrativo, mas nas últimas décadas tem se voltado não
somente para a administração das exposições e acervos como também para as proposições de
exposições e seleção de artistas. Assim, os organizadores que tinham funções no interior dos
museus deram lugar aos curadores de exposições que vêm sendo cada vez mais solicitados
pelo mercado enquanto profissionais, fato que tem contribuído para uma demanda em prol de
sua formação através de cursos de caráter profissionalizante, assim como de debates (em
livros, revistas, exposições etc.) que falam sobre este ator social. A partir do que foi dito até
agora, o curador de exposições pode ser preliminarmente definido como um novo agente
social do mundo da arte, ainda que suas funções estejam sendo definidas. Uma vez que tais
funções estão relacionadas ao exercício de uma autoridade são foco de tantas investigações e
discussões.
Até aqui, o que se viu foi a construção de um novo personagem – o curador de
exposições - que está alterando a esfera da arte com sua autoridade, e que pode ser entendido
como tirânico e/ou salvador. Porém como o objetivo neste capítulo é definir quem sejam e o
que fazem os curadores a partir das discussões analisadas, é preciso aprofundar-se um pouco
mais. Neste sentido, é importante voltar ao livro de Hans Ulrich Obrist Uma Breve História
da Curadoria (2010), que busca reconstituir os marcos fundadores do que seria a curadoria,
através de entrevistas com 11 curadores de exposições que, tendo iniciado suas carreiras
enquanto tais nos anos 1960 e 1970, são proclamados como pioneiros do fazer curatorial, logo
seriam as pessoas que com suas ações definiram os rumos iniciais do que seria a curadoria.
21

Este livro de Obrist teve sua “Apresentação” à versão brasileira escrita pela curadora
Nessia Leonzini29, que tenta trazer alguma definição do que fariam os curadores.
Primeiramente, Leonzini foi à semântica para definir o que seria a curadoria, assim como
recorreu as palavras de Walter Hopps, um dos curadores entrevistados por Hans Ulrich Obrist,
no intuito de demonstrar quais seriam as definições ideais do fazer curatorial, ela escreveu:

Muitas vezes, e principalmente no Brasil, me perguntam o que faz um curador.


Walter Hopps, um dos grandes curadores do século XX, compara seu trabalho de
montar uma exposição ao de reger uma orquestra sinfônica. A palavra curador vem
do latim curare, que por sua vez chega à nossa língua como curar – na acepção de
“cuidar” ou “conservar”: tomar conta de obras de arte. Mas a profissão tal como
conhecemos, é moderna, remontando ao século passado apenas. E a história da arte
dos anos 1950 até o presente está intrinsecamente conectada às exposições que
aconteceram no período. (LEONZINI, 2010:9).

Nessia Leonzini fala sobre a curadoria do modo bastante abstrato, relacionando a atividade
com atributos de cuidado e conservação, além de falar sobre um tipo de curadoria que se
tornou independente e relevante para o mundo da arte a partir dos anos de 1950. Até este
ponto, não há qualquer novidade, pois os outros autores aqui trazidos também falaram sobre
estas questões. Contudo, ao buscar um “denominador comum” entre os curadores escolhidos
por Obrist como sendo os pioneiros da curadoria contemporânea, Leonzini fala de atributos
subjetivos que compõem a atividade de curador, já que segundo ela,

Um denominador comum transparece, invariavelmente, em todas as conversas aqui


reunidas: a grande paixão pela arte. Não são raros os episódios em que um
entrevistado narra uma atitude apaixonada necessária a fazer valer uma ideia, um
conceito. Os profissionais que contam suas histórias neste livro foram pioneiros,
corajosos, inventivos, aventurosos; exposição após exposição, em museus, galerias e
instituições alternativas, eles definiram, com seu olhar crítico, a estética das décadas
seguintes. Cada um desses curadores assume uma abordagem pessoal, um método
curatorial distinto, ao lidar com as questões artísticas. Percebe-se como é complexa a
maneira de ver a arte, quão relevante é a curadoria, e como toda perspectiva em
relação à arte é subjetiva. (LEONZINI, 2010:10).

Paixão. Sim, a paixão, este atributo tão abstrato e subjetivo que foi e é tema de inúmeros
profissionais da literatura, do cinema, das artes plásticas etc., foi escolhido por Nessia
Leonzini para falar de um sentimento que envolve os curadores de exposições. Num primeiro
olhar as palavras de Leonzini podem não dizer muita coisa, contudo, ao olhar sociológico, a
autora está distinguindo outra característica dos curadores profissionais. Os curadores seriam

29
Jornalista e curadora de exposições.
22

fundamentais para a esfera da arte porque seriam capazes de se sacrificarem pela realização
de uma exposição por conta da paixão que sentem pelo mundo da arte.
Além disto, a inventividade é, para a curadora, outro atributo distintivo e definidor dos
profissionais curadores, já que não haveria um método curatorial comum. O fazer curatorial
destes “pioneiros” se sobressairia por sua dessemelhança e inventividade. As exposições por
eles propostas foram consideradas fundamentais para a história da arte ocidental. Ou seja,
cada um dos curadores tomados por Hans Ulrich Obrist seria fundamental à construção da
curadoria como um fazer independente e para a história da arte (já que segundo Leonzini eles
“definiram, com seu olhar crítico, a estética das décadas seguintes” (loc. cit.)), porque através
de métodos distintos, pessoais e subjetivos eles teriam agido de modo tão inovador que sua
ação pode ser, de certo modo, compreendida como sendo genial.
A forma como Nesssia Leonzini trata o trabalho do curador como sendo individual e
subjetivo, traçando uma linha divisória entre tais curadores e o restante do mundo da arte, faz
lembrar a noção de genialidade. Ao se falar de genialidade, é impossível não fazer referência
ao trabalho do sociólogo alemão Norbert Elias sobre o compositor austríaco Wolfgang
Amadeus Mozart. Em Mozart – Sociologia de um Gênio (1994), Elias busca as características
psicogenéticas e sociogenéticas que contribuíram para que o status de gênio fosse atribuído a
Mozart, deste modo, seu texto não se trata de uma biografia revisada da vida de Wolfgang
Amadeus Mozart, mas sim de um livro em que o indivíduo Mozart ao ser desvendado,
contribui para o desvendamento daquele que seria o período de transição (de uma sociedade
de corte para uma sociedade burguesa) em que vivia. Elias busca colocar em diálogo os níveis
micro e macro de análise, pensando as características psicológicas de Mozart e as
características da sociedade em que o mesmo vivia, colocando estes níveis em relação. Aqui é
importante destacar o que o autor fala sobre a ideia de gênio, sendo imperativo trazer a
seguinte passagem:

Um pouco do tipo antigo de excessiva reação civilizadora contra o instinto ainda é


perceptível num padrão de pensamento cujos expoentes sempre estão dispostos a
dividir a humanidade em duas categorias abstratas, denotadas por rótulos como
"natureza" e "cultura", ou "corpo" e "mente", sem qualquer tentativa de investigar a
conexão entre os fenômenos a que tais conceitos se referem. O mesmo se aplica à
tendência de traçar uma clara linha divisória entre o artista e o ser humano, o gênio e
a "pessoa comum". Como também à tendência de tratar a arte como algo que flutua
no ar, exterior e independente das vidas sociais das pessoas. (ELIAS, 1994:56).

O trecho acima destacado é relevante neste ponto, pois Elias fala sobre uma forma
corrente de se tratar o universo da arte como algo a parte da sociedade em geral, trazendo-se
23

uma forma de distinção dos agentes que conformam a unidade artística, colocando-os como se
fossem gênios, logo pessoas diferenciadas que tem características subjetivas que lhes dão
destaque. O trabalho de Norbert Elias é justamente uma tentativa de desmistificar esta
assertiva, mostrando que havia características na personalidade e na formação de Mozart que
o diferenciavam, mas que isto não estava descolado da sociedade que o circundava e também
formava.
As afirmações da curadora Nessia Leonzini são uma tentativa de distinguir os
curadores de exposições dentro do universo artístico, como da sociedade em geral, pois estes
curadores teriam “uma abordagem pessoal, um método curatorial distinto para lidar com as
questões artísticas” (loc. cit.), sendo a curadoria relevante para este mundo da arte em que,
segundo Leonzini, “toda perspectiva em relação à arte é subjetiva” (loc. cit.). Nessia Leonzini
parece atribuir aos curadores de exposições a qualidade de gênios, sendo sua genialidade
crucial para o universo artístico contemporâneo. Contudo, este modo de compreender os
curadores de exposições não é adequado, já que estes atores sociais estão envolvidos num
sistema da arte que envolve outros atores (como os críticos de arte e os artistas, por exemplo),
e o mundo da arte, embora deva ser compreendido em suas particularidades, tal compreensão
não pode ser analisada de modo descolado da sociedade em geral. Há uma relação entre as
esferas micro e macro sociais. Por ora, esta noção de genialidade presente no debate que
busca definir quem seriam os curadores deve ser demarcada. Ela auxilia a compreensão de
quem seriam os curadores imaginados e construídos pelo debate, porém é intuito desta
dissertação problematizar esta questão e pôr os curadores em relação com o universo mais
amplo que os envolve – o que será feito nos próximos capítulos.
Voltando ao texto de Nessia Leonzini, é conveniente destacar outro trecho, no qual a
curadora se pergunta objetivamente: “O que fazem os curadores, então?”. Neste ponto,
Leonzini deixa o tom mais abstrato e fala sobre algumas das tarefas ideais dos curadores de
exposições, e de acordo com ela,

O que mais fazem [os curadores] é olhar a arte e pensar sobre a sua relação com o
mundo. Um curador tenta identificar as vertentes e comportamentos do presente para
enriquecer a compreensão da experiência estética. Ele agrupa a informação e cria
conexões. Um curador tenta passar ao público o sentimento de descoberta provocado
pelo encontro face a face com uma obra de arte. A boa exposição é feita com
inteligência e inventividade; com um ponto de vista. O público recebe um produto
pronto, onde tudo está em seu lugar, da iluminação ao prego na parede (quando há
pregos). Para chegar à exposição montada, inúmeras e difíceis decisões foram
tomadas, desde a escolha das obras (quando há obras) à posição e ao conteúdo de
uma simples etiqueta (a etiqueta pode gerar discussões acirradas entre curadores,
artistas, museus e galerias!). (LEONZINI, 2010:10).
24

Neste ponto, o texto de Nessia Leonzini ganha um tom um pouco mais objetivo, para tentar
definir o que fazem os curadores de exposições – aliás, é importante dizer que estas palavras
de Leonzini resumem outros discursos que versam sobre as tarefas dos curadores.
Conforme as afirmações de Leonzini, é possível dizer que o curador: 1) busca
relacionar a obra de arte com o mundo mais geral, criando um diálogo entre a arte e o espaço
público; 2) o curador, ao propor suas exposições, trava uma conexão entre obras de diferentes
períodos e o contexto que lhe é presente, criando novas formas de pensar sobre questões que
concernem ao mundo da arte e ao mundo em geral; 3) o curador procura educar o olhar do
público que frequenta as suas exposições, trazendo assim uma dimensão pública à arte; 4) um
“bom” curador propõe uma “boa exposição”, quando consegue trazer um ponto de vista, logo
uma proposição clara, inteligente e inventiva - estes critérios são subjetivos, mas são definidos
cotidianamente na esfera da arte através de consensos e disputas, sendo os curadores parte do
sistema que definirá o que é uma curadoria clara, inteligente e inventiva; 5) o curador tem que
estar atento à cenografia de sua proposta expográfica, o que denota certa habilidade
administrativa; e, 6) um curador é uma espécie de grande gerente, que tem capacidade
administrativa para lidar com “difíceis decisões”. Neste ponto, a partir das palavras de
Leonzini é interessante destacar que há um anseio em desmistificar a ideia do curador como
sendo apenas uma celebridade, pois falar em “difíceis decisões” pode ser lido como uma
estratégia de defesa do papel do curador e de sua importância enquanto profissional do e para
o mundo da arte30.
Esta tentativa de Nessia Leonzini de definir o trabalho dos curadores de exposições
mais objetivamente é aqui entendida como uma tentativa de defender a curadoria como sendo
parte importante, ou principal, do sistema da arte atualmente. Tanto é assim, que ao fim de
seu texto a curadora diz que

Hoje, muitos profissionais preferem a palavra “organização” ao termo curadoria.


Artistas reclamam que se confere um peso exagerado às exposições e ao papel dos
curadores; curadores reclamam que as instituições não se empenham
suficientemente; e as instituições reclamam da falta de recursos financeiros. E, no
entanto, a arte continua a ser produzida por artistas e a encantar o mundo, a ser
desfrutada em museus, galerias, instituições alternativas e ao ar livre – e o curador

30
Um exemplo interessante destas “difíceis decisões” a serem tomadas pelo curador, se mostra quando ao falar
das etiquetas, que ficam ou não junto as obras de arte nas exposições trazendo, em geral, informações sobre os
trabalhos e os artistas, Nessia Leonzini fala da dificuldade que é conceber tais etiquetas, havendo disputas e
consensos, logo uma negociação entre os curadores, os artistas, as galerias, os museus etc. Tais negociações
seriam necessárias para que tais etiquetas saíssem do papel, já que nelas está implicado um pensamento que
contribui para a definição da obra de arte e do artista, assim como veiculam discursos que definem o curador e as
instituições promotoras das exposições.
25

continua a enriquecer a experiência e a apreciação da arte. (LEONZINI. 2010:10-


11).

Fica claro que a curadora demarca uma posição: a curadoria existe e enriquece o sistema da
arte. Portanto, a curadoria é essencial ao atual momento da arte. As habilidades do curador,
por ela descritas, constroem tal sistema.
Agora é possível, novamente, perguntar: quem é o curador segundo o debate
analisado? Como resposta é possível dizer que o curador difundido pela discussão que se vem
analisando é um novo agente do mundo da arte, o qual tem feito com que outros agentes, que
como ele fazem parte desta esfera, repensem suas funções e posições, visto que o curador tem
sido aclamado como um profissional multifuncional basilar para o mundo da arte, que graças
à sua posição central, e por que não, centralizadora, faz com que o mundo da arte continue
funcionando.

1.3 - Os Críticos de Arte no Debate Contemporâneo.

4. Crítica. Aliás, a mídia publica críticas sobre filmes ou peças teatrais pondo a nu
atores, diretores, cenógrafos… mas a crítica de arte, quando praticada, propõe, quase
sempre, endeusamentos de curadores, galeristas ou artistas. Arte passa a ser
adjetivação e não coisa substantiva, feita de carne e vísceras, tal qual foi exercida
por Mário Pedrosa, Camillo Osorio, Frederico Moraes. (KAZ, 2013)31.

Em matéria publicada, em 11 de novembro de 2013, na versão online do jornal O


Globo, o editor e curador Leonel Kaz discute e repreende a dependência da produção e da
circulação da arte em função do mercado em detrimento de ideias. A matéria traz 10 tópicos
(1. Ruptura; 2. Coleções; 3. Conexões; 4. Crítica; 5. Produção e Circulação; 6. Mercado; 7.
Falsificações; 8. A Arte se Revolta; 9. Novas Mídias e o Novo Ciclo da Pintura; e, 10. Arte e
Ousadia) através dos quais Kaz trata do que seria o contemporâneo estado da arte. Aqui, é
importante voltar o olhar para o item 4 do texto de Leonel Kaz, destacado acima, no qual o
autor fala sobre o seria a nova condição da crítica de arte. As palavras de Kaz são claras: a
crítica de arte dos dias de hoje seria mero exercício de adjetivação e bajulação de curadores,
galeristas e artistas, ou seja, não seria mais uma crítica de arte substantiva e comprometida
com os trabalhos artísticos. Esta análise de Leonel Kaz está em conformidade com o debate
analisado nesta dissertação, no qual os críticos de arte não aparecem em ascensão como os
curadores. As falas mais comuns tratam de uma queda, um declive que afetaria a sua

31
KAZ, Leonel. Estar no Mundo. O Globo, Rio de Janeiro, 11 de nov. de 2013.
<http://oglobo.globo.com/cultura/estar-no-mundo-10740349>. Acesso em: 11 de nov. de 2013.
26

possibilidade de existência, logo uma perda de seu espaço na função de legitimadores no


universo da arte. É importante questionar quais os limites deste discurso, pois se a crítica, de
fato, morreu, porque ainda há pessoas atuando enquanto críticos de arte, ao menos no Rio de
Janeiro? Esta questão permeia esta pesquisa. Neste momento é necessário observar como a
categoria de crítico de arte aparece nos debates contemporâneos.
A crítica de arte não é uma atividade recente e a sua institucionalização é mais antiga
que a da curadoria. Neste trabalho não se tem o intuito de historiar a crítica ao longo dos
séculos, mas entender quem é e o que faz o crítico de arte hoje em dia, se este personagem
ainda tem autoridade para consagrar obras de arte etc. Entretanto, como o debate analisado
retira o lugar de importância da crítica de arte na esfera da legitimação do mundo da arte, é
preciso ao menos tentar definir o que foi a crítica, quem foi o crítico e que tipo de autoridade
exerciam quando lhes era atribuído poder como agente legitimador fundamental na esfera da
arte. Só assim será possível entender as perdas que os críticos tiveram e estão registradas nos
debates. Os trabalhos de Sônia Salzstein (2003), Mauro Trindade (2008), Júlia Rebouças
(2010) e Sabrina Sant’Anna (2011), versam sobre uma crítica de arte que atualmente não goza
de um espaço na esfera pública. Mas qual era dimensão desse espaço? Que crítica era essa?
Que crítico era esse?
Para responder a essas perguntas é importante trazer o trabalho de Lionello Venturi
História da Crítica de Arte (1984), no qual o autor constrói uma história da atividade de
crítico de arte ao longo dos séculos, dos Gregos e Romanos até o Surrealismo do século XX.
Bem, o título da presente dissertação não é: “A História da Crítica de Arte Revisada”, ou seja,
não se tem como intuito revisar a história de tal atividade, mas sim, apenas tomar os
elementos que a compuseram para entender os limites do que se fala sobre a crítica de arte
hoje. Assim como para Sônia Salzstein (2003), para Lionello Venturi a crítica de arte
delineada no século XIX foi fundamental porque neste período, no contexto francês, com
críticos como Charles Baudelaire, a crítica de arte teria voltado o seu olhar para o tempo
presente, para a produção artística que lhe era contemporânea, o que teria permitido que a
crítica de arte deste momento tivesse um maior espaço público, fato que faz com que Charles
Baudelaire seja tomado como uma espécie de modelo referencial de crítico de arte “pioneiro”
a ser seguido. Partindo da figura de Baudelaire, Venturi delineou em seu livro um perfil ideal
para os críticos de arte. Conforme Venturi,

Os críticos de arte franceses do século XIX, e em especial o seu mais alto


representante, Baudelaire, ensinam-nos que a sensibilidade artística, isto é, a
comunhão de experiência com os artistas, é a fonte necessária à intuição crítica.
27

Esses críticos criaram uma consciência da arte atual mais viva do que a que dantes
existira e surpreenderam a arte no seu processo de formação, isto é, na reconstrução
da personalidade do artista. Sem as ideias da estética idealista, não teriam chegado a
tanto; mas sem a comunhão de experiências com os artistas, sem o seu impulso
passional para a arte, as ideias estéticas não teriam frutificado, como se mostrou pelo
juízos dos estetas, do tipo de Hegel, e dos historiadores da arte seus
contemporâneos. De fato, o estetas e os historiadores da arte têm mais familiaridade
com a arte do passado do que com a arte sua contemporânea e por isso não chegam
nunca, ou quase nunca, a colher a arte no seu ato de formação. (VENTURI,
1984:263).

Além do destacado acima, Venturi também aponta em seu livro para uma dimensão de
imparcialidade que seria uma importante característica dos “bons críticos de arte”. Assim,
para o crítico de arte italiano,

Nem a parcialidade do crítico tão-pouco o impede de olhar para muitos horizontes,


ou antes, pelo menos teoricamente, para todos os horizontes. O crítico tem a
parcialidade da eterna criatividade que reaparece todos os dias e a todos os instantes
juntamente com a obra de arte. Se recebeu a força que faz com que uma obra seja de
arte, saberá reconhecer essa força em qualquer obra, qualquer que seja o gosto que o
acompanha. (VENTURI, 1984:264).

As palavras de Lionello Venturi são de extrema riqueza para os fins deste trabalho,
pois em algumas linhas ele define as características dos críticos de arte, dos “primeiros” aos
contemporâneos do Surrealismo. Para Venturi os críticos de arte seriam aqueles que: 1)
travam uma relação entre a sua crítica e a sensibilidade do artista; 2) pensam sobre a arte que
lhes é contemporânea; e, 3) conseguem ser imparciais diante de uma obra de arte.
O livro de Lionello Venturi32 é importante porque confirma o que dizem outros
autores sobre o prestígio que os críticos de arte desfrutaram. Assim como presentemente Hans
Ulrich Obrist publicou o seu livro Uma Breve História da Curadoria (2010), nos anos 2000
reportando-se aos marcos fundantes da curadoria nos anos de 1960 e 1970, Venturi voltou-se
para história da crítica de arte para construir as balizas fundadoras da função de crítico nos
anos de 1980. Iniciativas como estas mostram a relevância do tema deste trabalho
contribuindo para a compreensão das mudanças que estão ocorrendo no mundo da arte.
Publicações assim como a criação de cursos, fóruns de debates etc. são indicativos de disputas
que visam manter ou alterar os status de legitimidade e de autoridade do crítico ou curador de
arte.

32
Um dado importante para pensar sobre o papel da publicação do livro de Lionello Venturi, é que o historiador
da arte italiano esteve, em 1948, entre os profissionais que compareceram ao encontro realizado por iniciativa da
UNESCO que propôs a criação da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA). E, em 1949, Venturi foi
um dos seis escolhidos para assumir a vice-presidência da AICA. Disponível em: <http://www.aica.pt/aica-
internacional/historia/ >. Acesso em: 20 de jul. de 2013.
28

Para se compreender qual crítico e qual crítica, supostamente, têm perdido espaço para
os curadores e a curadoria, vale a pena mencionar o texto “O Público de Arte e o Crítico”
(1975), do curador, crítico de arte e historiador da arte Henry Geldzahler. Diz o autor que,

Foi apenas quando houve um falso passo para a democratização da arte, no século
XIX, que o crítico profissional tornou-se necessário, como uma espécie de
amortecedor, colocado entre o pintor e o público. Estabeleceu-se assim uma nova
profissão, a de intérprete de arte para o grande público. (GELDZAHLER, 1975:76).

Para Geldzahler a crítica de arte após o século XIX necessitou se profissionalizar; segundo as
hipóteses desta dissertação, este processo atingiu seu ponto alto no período dos anos de 1950.
Além disto, Henry Geldzahler afirma que a função da crítica e do crítico profissionais é a
tradução das obras de arte para o público. O crítico e sua crítica estariam entre os artistas e
seus trabalhos e o público, explicando para os últimos as poéticas que perpassariam as obras
de arte. Assim, o crítico estaria em uma posição que lhe permitiria não apenas julgar a
qualidade estética dos trabalhos artísticos, mas também de dar sentido a tais obras de arte.
Além disso, Geldzahler apontou outras questões sobre o assunto. Diz, por exemplo, que

O crítico fala para um público que está à sua frente e aponta para quadros que estão
atrás dele. O crítico é infelizmente um elo necessário para a comunicação entre o
artista e o público. Os bons críticos dos últimos cem anos têm sido o público de arte,
os próprios artistas e seus amigos escritores. Este aspecto da crítica de arte tem
muito de igrejinha, mas tornou-se necessário. Os impressionistas, os cubistas, os
expressionistas abstratos, todos tiveram os seus críticos que, desde os primeiros anos
de cada um destes movimentos, eram íntimos dos artistas. O público, em muitos
casos, ouvia falar a respeito dos artistas e das suas pinturas pelos amigos desses
artistas. Os críticos escreviam e faziam conferências, frequentemente bastante
persuasivas, sobre a espécie de arte que o público tinha dificuldade em aceitar.
(GELDZAHLER, 1975:78).

Das colocações de Henry Geldzahler sobre o papel dos críticos de arte, é possível construir
uma imagem dos críticos de arte em inícios do século XX. Desta forma, os críticos de arte
seriam: 1) responsáveis por estabelecer uma relação entre os artistas e o público; 2) aqueles
que cuidariam da tradução dos significados da obra de arte para o público; e, 3) formados e
autorizados a falar sobre os trabalhos de arte por possuírem um elo com os artistas plásticos.
Assim, cada corrente artística teria carecido de um crítico de arte para que fosse
compreendida, autorizada e legitimada.
Embora a construção de Henry Geldzahler do papel dos críticos de arte confirme o
argumento desta dissertação de que houve um período na história da arte no qual a função de
crítico de arte era crucial para o reconhecimento e legitimação dos objetos artísticos, sua visão
29

do crítico e da crítica de arte não tem unanimidade. Para Glória Ferreira (2006), por exemplo,
Gendzahler não leva em consideração o fato de que a partir dos anos 1960 cada vez mais os
artistas buscaram retirar das mãos da crítica as chaves de construção e interpretação de seus
trabalhos. De acordo com Ferreira, Henry Gendzahler não atentou para o fato de que no
mesmo período em que publicou seu texto, houve um “(…) progressivo ingresso dos textos de
artistas no domínio de discurso da crítica e da história da arte” (FERREIRA, 2006:20) como
também não percebeu “(…) a profunda relação que essa crescente reivindicação de serem os
interpretes de sua própria obra mantém com as transformações de linguagem da produção
contemporânea” (FERREIRA, 2006:20). Esta oposição feita por Glória Ferreira chama à
atenção para a tensão existente entre os críticos e os demais atores que constituíam o universo
da arte, sobretudo, a partir dos anos 1950. Disputas e consensos que também têm ocorrido em
relação a curadoria de exposições e os demais agentes que conformam o mundo da arte,
presentemente.
O que isto pode significar? Entende-se que assim como os curadores vêm se
empenhando para obter um lugar de importância na legitimação da arte (via publicações,
cursos de formação profissional, seminários etc.), os críticos de arte enfrentaram e enfrentam
ainda problemas para manter seu status. Contudo é preciso atentar para os contextos e suas
especificidades. Não é possível confundir as disputas e as lutas dos curadores de exposição e
dos críticos.
Voltando à análise do perfil dos críticos de arte a partir do debate contemporâneo, é
conveniente relembrar que os anos de 1950 são por vezes retomados para se falar sobre um
momento em que a crítica de arte teria desfrutado de um domínio do ato legitimador na esfera
da arte (OGUIBE, 2004; SANT’ANNA, 2011). Portanto, retoma-se aqui a figura do crítico de
arte e militante político de esquerda Mário Pedrosa (1900-1981) a fim de se construir, através
de alguns dados acerca de sua trajetória, qual era a função da crítica e o papel do crítico
naquele momento, no contexto brasileiro. Atualmente a sua atuação é constantemente tomada
no debate contemporâneo como exemplar. Mário Pedrosa seria uma espécie de crítico de arte
modelo encarado como um personagem-guia (BOURDIEU, 1983) – por exemplo, na matéria
do periódico O Globo, que abre este subitem, o nome de Mário Pedrosa é referenciado como
se este fosse um modelo para os críticos de arte. Além disso, vale frisar que o tom que
acompanha as retomadas discursivas da figura de Pedrosa é de pesar, pois a crítica e os
críticos dos dias atuais estariam desaparecendo por não serem como Pedrosa e sua crítica de
arte.
30

O intuito de trazer alguns dados sobre a atuação de Mário Pedrosa é clarificar qual é o
modelo de crítico por quem se chora a perda atualmente, sendo assim, não se entrará aqui em
minúcias acerca da trajetória de Pedrosa33. Em linhas gerais, uma observação da trajetória de
Mário Pedrosa permite dizer que ser crítico de arte, em meados do século XX, implicava em:
1) ter sua iniciação em artes plásticas, em crítica de arte, por volta dos trinta ou quarenta anos
de idade34; 2) ter uma autoeducação em artes plásticas em público, já escrevendo sobre artes
nos jornais, assim, a cada crítica, com o passar do tempo, o que se viu foi a mudança no
linguajar para tratar de artes plásticas35; e, 3) ter as páginas dos jornais como o principal
suporte para suas críticas de arte36. Pensando a partir da trajetória de Mário Pedrosa e dos
pontos destacados, é possível dizer que ser crítico, ao menos no Brasil dos anos de 1950, era
ser alguém que estava em público dialogando com teorias acadêmicas e não acadêmicas, para
a construção de um vocabulário próprio para lidar com a arte e a sua relação com a sociedade,
tendo as páginas dos jornais como receptáculo de tais elucubrações teóricas e críticas. Enfim,
era também atuar em prol da consolidação da institucionalização da crítica de arte.
De acordo com o debate aqui analisado os anos de 1950 foram vivenciados como um
auge da crítica de arte, contudo, este mesmo debate trata de uma virada nesta situação, uma
mudança que teve seu início na década de 1960 e que estaria culminando na atual deposição
do crítico de arte. Sobre este tema há autores, como mencionado acima, que consideram que o
crítico de arte perdeu espaço na esfera de legitimação da arte, não apenas quando seu espaço
33
A trajetória de Mário Pedrosa foi objeto de análise do autor desta dissertação, em artigo intitulado:
“Autoridade e Discurso: Uma análise da trajetória de Mário Pedrosa”, publicado na Revista Habitus: revista
eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais – IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 9, n.º 1, pp.62-79,
agosto 2011. Semestral. Disponível em: <www.habitus.ifcs.ufrj.br>. Acesso em: 10 de ago. de 2011.
34
A atuação de Mário Pedrosa como crítico de arte teve início na década de 1930 ao escrever o texto “As
tendências sociais da arte e Käthe kollwitz”, publicado em 1933. E, “Mário Pedrosa produziu este texto em
virtude da visita da gravurista para expor suas obras em São Paulo. Neste trabalho ele defende a arte realista,
uma arte social e figurativa, que contribuiria para a conscientização das pessoas em prol ao advento da revolução
proletária, o que traria o tão sonhado socialismo para a ordem do dia.” (MARCONDES, 2011:67).
35
Como destacado na nota acima, Mário Pedrosa iniciou sua escrita de crítica de arte com um texto sobre a
gravurista Käthe kollwitz, neste momento a sua militância política estava atrelada aos princípios do trotskismo,
então ao falar das obras de Kollwitz sua preocupação era muito mais com o realismo que aqueles trabalhos
poderiam transmitir, o que poderia trazer uma identificação entre uma classe trabalhadora e sua condição de
oprimidos, o que poderia contribuir para uma revolução política e social. Agora, a década de 1940 marcou um
afastamento de Pedrosa em relação ao trotskismo, embora ele tenha continuado atuando como um militante de
esquerda, e neste momento, ele escreveu e defendeu a tese: “Da natureza afetiva da forma na obra de arte”, que
conseguiu apenas o segundo lugar no concurso para a cátedra de história da arte na Faculdade Nacional de
Arquitetura - tendo o primeiro lugar ficado com Carlos Octávio Flexa Ribeiro, que escreveu a tese “Velazquez e
o Realismo”. Nesta tese Pedrosa emprega a teoria da Gestalt, para pensar sobre a arte e as sua possibilidade
transformadora. Então, é perceptível que nos anos de 1930 Mário Pedrosa, ao escrever sobre Kollwitz, partia de
pressupostos teóricos menos acadêmicos para defender suas ideias sobre a arte e sua capacidade de transformar a
política e a sociedade. Nota-se uma transição no fazer do crítico, seu vocabulário é alterado e seus termos vão
ficando cada vez mais técnicos e acadêmicos, logo, acredita-se em uma autoeducação em público, por parte de
Mário Pedrosa. (MARCONDES, 2011).
36
Mário Pedrosa teve, por exemplo, os periódicos Diário da Noite, Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa,
como receptáculo de suas críticas de arte.
31

nos jornais foi reduzido, mas também quando os artistas plásticos começaram a propor
trabalhos que traziam a construção de uma nova espécie de público. Este não seria mais
composto de meros espectadores passivos. O público teria sido convocado ao status de
coautor das obras propostas pelos artistas e, portanto, seria responsável por dar vida às obras e
construir suas próprias críticas em relação aos trabalhos. Em seu texto “Cica & Sede de
Crítica” (1999), Ricardo Basbaum fala desta mudança:

Quando o espectador, em finais dos anos 50, foi convidado a participar da “obra
aberta” e tornar-se quase co-autor de muitas das propostas apresentadas, não era
somente a mecânica de seu corpo que estava sendo requisitada. Ao contrário,
tratava-se de um reajuste de relações: então o artista reposicionava sua subjetividade
enquanto superfície exteriorizante – mero programa -, deixando espaço para outras
presenças, persuadidas pelo jogo artístico. O fato de uma série de trabalhos
aumentarem cada vez mais a responsabilidade deste espectador participante (ver
Baba Antropofágica, 1973, de Lygia Clarck e Trading Dirt, 1987, de Allan Kaprow;
Espelho com Luz, 1974, de Waltércio Caldas aponta para os excessos deste
processo) tem por conseqüência o “aprimoramento crítico” deste espectador, cada
vez mais convidado a ser um especialista, ou seja, sofisticar seu discurso dominando
conjuntos de termos técnicos e referenciais. Esta é uma situação potencial, que
incrementa o campo discursivo que envolve a obra de arte e redimensiona o papel
tradicionalmente “pedagógico” do crítico de arte junto ao público. Com o advento
das redes mundiais de computadores (internet) a possibilidade de uma intervenção
discursiva multiplica-se exponencialmente, uma vez que a troca de mensagens é
facilitada com a quebra de certos rituais de hierarquia e qualquer um que esteja
conectado pode enviar seu texto instantaneamente para o artista, a galeria, a revista
ou o museu, por exemplo. A declaração de Beuys “todo mundo é um artista” fácil e
ironicamente se desdobra em “todo mundo é um crítico”. (BASBAUM, 1999:89).

Ricardo Basbaum fala sobre o contexto vivenciado pela crítica de arte após os anos
1960: um período em que não seria mais “necessária” a presença de um crítico de arte
(detentor de um conhecimento exclusivo), para o desvendamento de um trabalho de arte e
subsequente tradução para o público. Neste trabalho, Basbaum indaga, de forma geral, “qual
seria realmente a possibilidade de eficiência da crítica, diante de seu suposto
enfraquecimento” (BASBAUM, 1999:80). O autor põe em suspeição a existência de uma
crítica realmente neutra (já que se supunha cúmplice das obras de arte e dos artistas). Um dos
“mal-estares” é justamente que a crítica carrega em sua aura “um duplo sentido positivista-
paternalista, em que transparece o exercício de uma autoridade supostamente performatizada
com isenção e objetividade” (BASBAUM, 1999:83).
Ao concluir, Basbaum convoca os artistas a pensarem e escreverem sobre seus
próprios trabalhos, o que ainda faltaria na arte brasileira. Para o autor é preciso que haja
indivíduos com “disponibilidade investigativa”, com uma “(…) capacidade de constituir-se
como alteridades radicais, em deslocamento constante, mas que não se esquivem do confronto
e do conflito, colocando em questão toda uma ordem de dispositivos sem os quais o trabalho
32

raramente presentifica-se em toda a sua presença” (BASBAUM, 1999:90). Desde modo, para
Basbaum “(…) não precisamos de críticos: a presença de um plantel de personagens, a
esperar, como que de plantão, pela emergência de seu objeto de trabalho nos parece patética”
(BASBAUM, 1999:90).
Os comentários de Ricardo Basbaum se contrapõem aos de autores como Lionello
Venturi (1984), que, como destacado anteriormente, acreditava na figura de um crítico de arte
capaz de produzir uma crítica isenta e objetiva. Além disto, é importante perceber que as
palavras de Basbaum, diferente das de outros autores, não discorrem sobre uma morte da
crítica e do fim da legitimidade do crítico, mas sobre a necessidade de se repensar os limites
da crítica, e do crítico. Para Basbaum, seria necessária a existência de indivíduos ou grupos
que se propusessem a construir novos caminhos de investigação e experimentação no terreno
das artes visuais.
Em seu livro Razões da Crítica (2005), o crítico de arte, professor de estética, teoria e
filosofia da arte e curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM RJ) Luiz
Camillo Osorio – também referenciado na matéria jornalística que abre este subitem como
sendo um crítico de arte modelo -, insere-se no debate aqui analisado, justamente, pensando
sobre novas possibilidades para a crítica, contrariando as vozes que dizem que a crítica está
em crise e não é mais necessária ao mundo da arte. O livro de Camillo Osorio regista duas
posições: uma considera o crítico de arte um agente desnecessário e outra que o coloca como
sendo fundamental para a estrutura do universo artístico. Destarte, há nesta publicação um
diálogo entre a imagem de um crítico que foi assassinado e a figura de um crítico que é mais
necessário do que nunca e precisa ser recuperado. Luiz Camillo Osorio discute quais seriam o
papel e os lugares da crítica de arte nos dias atuais e questiona o argumento – presente, por
exemplo, na dissertação de Mauro Trindade (2008) mencionada acima -, de que a perda de
espaço nos jornais seja a anunciação de um fim para a crítica de arte:

O que mais se ouve (falo do meio das artes visuais) é: “como era boa a época de
Mário Pedrosa”!!! Independentemente de ser ele a maior referência intelectual e
ética da crítica no Brasil, ficar nesta nostalgia não ajuda em nada, e é urgente pensar
sobre seus desdobramentos contemporâneos. Creio que há hoje no Brasil uma
discussão sobre arte bastante intensa e autores qualificados atuando em museus,
curadorias, universidades e, inclusive, na imprensa. (OSORIO, 2005:8).

O trecho acima demonstra que o livro de Osorio é uma clara tentativa de se pensar as novas
possibilidades para a crítica de arte hoje. Seu anseio parece ser de salvar a crítica de quem
33

atenta contra a sua existência. A perspectiva dissonante do curador do MAM-RJ pode ser
resumida no trecho abaixo:

Muito tem sido debatido sobre a crise da crítica. Com a diluição dos jornais e a
pouca reverberação da produção universitária, é razoável que se tema pelo seu
futuro. Esse recuo está relacionado à pulverização do público e ao sentimento de
total desabrigo e desorientação diante da arte contemporânea. Pressionada entre a
desinformação generalizada e o isolamento provocado pela linguagem especializada,
a crítica parece ter perdido o território comum da discussão pública – determinante
para o seu nascimento. (OSORIO, 2005:10).

Como se pode notar, diferente das argumentações de Sônia Salzstein (2003), Mauro
Trindade (2008) e Júlia Rebouças (2010), as palavras de Luiz Camillo Osorio não abordam
uma crítica de arte que perdeu um espaço público, mas trata de uma crítica que supostamente
ainda tem uma dimensão pública, sendo o seu livro uma tentativa de demonstrar que a crítica
ainda tem atuado no sentido de tornar públicos os debates referentes ao mundo da arte. É
nesta linha de reflexão que Osorio procura desconstruir a figura do crítico veiculada e
debatida, presentemente. Ele não se reporta a figuras canônicas; sua argumentação gira em
torno ao conceito de crítica, partindo dos sentidos que lhe foram dados por Immanuel Kant.
Neste sentido, Osorio se opõe a imagem que é tradicionalmente construída em relação aos
críticos:

Para muitos, o crítico não passa de um artista frustrado. Já que não sabe fazer nada,
não tem imaginação nem criatividade, sobrando-lhe a crítica, que seria assim um
exercício de ressentimento. Ou então temos aquele teórico, meio lunático, meio
professor, que divaga na criação de sentidos mirabolantes para as obras analisadas.
Por vezes, também, cria-se a imagem do crítico castrador, cuja função seria apenas
de ajustar seu conhecimento livresco às obras de modo a decidir o que pode ou não
ser feito. É claro que são figuras caricatas, mas eles ainda estão minimamente em
voga, ou seja, a figura social da crítica é acima de tudo a de uma fala pernóstica e
ressentida. (OSORIO, 2005:15).

As considerações de Luiz Camillo Osorio são interessantes porque tratam de definições do


crítico como pejorativas, embora sejam tradicionais. Assim, sua oposição a elas é
contundente, já que o crítico que estaria perdendo espaço seria este dono “de uma fala
pernóstica e ressentida”, e sua defesa é a de outra imagem, portanto, de outras funções para a
crítica e o crítico. Desta maneira, para Osorio, seria preciso “pensar a crítica deslocando-a da
posição de juiz (maneira tradicional de ver o crítico) para a de testemunha, que deve estar
atenta aos fatos para poder trazê-los a público” (OSORIO, 2005:17). Ou seja, o autor destaca
duas funções para os críticos: uma tradicional, que colocaria o crítico como sendo uma
espécie de juiz do gosto, o qual ditaria se um objeto de arte seria bom ou ruim e mesmo se um
34

trabalho proposto poderia ser entendido como arte37; e outra, defendida pelo autor, que seria
uma nova função, que implicaria em uma parceria do crítico com os artistas, o público e etc.,
para a construção e o desvendamento de um trabalho em obra de arte. Este segundo papel do
crítico evitaria que a escrita crítica fosse mais uma “escrita sobre a obra” – em que se buscaria
“representar um sentido da obra analisada” (OSORIO, 2005:16) -, mas uma “escrita com as
obras” – que envolveria uma criatividade crítica, “para se assumir de modo mais exploratório,
participando do processo aberto de criação de sentido” (OSORIO, 2005:16).
É preciso destacar que a noção de que o crítico de arte teria como papel principal a
construção de um debate público sobre arte também está relacionada à imagem do crítico
como um juiz do gosto. Em seu livro Uma Breve História dos Salões de Arte – Da Europa ao
Brasil (2005), Angela Ancora da Luz traz esta dimensão,

Em Diderot já encontramos o texto sobre a obra, com julgamentos pessoais e


inclinações de gosto que são patentes. É uma crítica ainda nascente, onde o autor
expõe sua opinião, estabelecendo o juízo de gosto. Era comum ele identificar “coisas
belas” numa determinada composição, assim como apontar os defeitos. (LUZ,
2005:42).

As palavras de Luz que delineiam a forma do exercício judicativo por parte da crítica de arte
permitem a compreensão de que o exercício judicativo era uma atribuição dos críticos. Não à
toa os críticos de arte sempre estiveram (e ainda estão) presentes em júris de seleção de
artistas ou obras38. Contudo, segundo o debate aqui analisado, este exercício judicativo por

37
A noção de que a tarefa de julgar é uma das funções inerentes ao trabalho dos críticos de arte pode ser
percebida quando atenta-se, por exemplo, que a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) instituiu, com
patrocínio da FUNARTE, em 1978 um prêmio anual a ser concedido a personalidades do meio artístico. De
acordo com o site da instituição,
O Prêmio passou por alterações e acréscimos, ao longo de seus 23 anos de existência. Idealizado,
inicialmente, para colocar em destaque o artista plástico, pouco depois foram definidas duas outras
categorias; hoje, temos dez, quatro delas criadas no ano de 2000 (*) e duas no ano de 2003 (**) – todas
contemplando as artes visuais:
Prêmio Gonzaga Duque – destinado a crítico associado, pela atuação ou publicação de livro.
Prêmio Mário Pedrosa – destinado a artista contemporâneo.
Prêmio Sérgio Milliet – destinado a um pesquisador (associado ou não), por trabalho de pesquisa
publicado.
Prêmio Ciccillo Matarazzo – destinado a personalidade atuante no meio artístico.
Prêmio Mário de Andrade – destinado a crítico de arte, pela trajetória (*).
Prêmio Clarival do Prado Valladares – destinado a artista, pela trajetória (*).
Prêmio Maria Eugênia Franco – destinado a curadoria de exposições (*).
Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade – destinado à instituição por sua programação (*).
Prêmio Antônio Bento (**).
Prêmio Paulo Mendes de Almeida (**). Disponível em: <http://abca.art.br/?page_id=247>. Acesso em:
20 de set. de 2013.
38
Em outro texto de sua autoria, “Salões Oficiais de Arte no Brasil – um tema em questão” (2006), Angela
Ancora da Luz destacou a forte ligação entre a crítica de arte e as comissões julgadoras dos Salões de Arte:
Nos salões, as esferas da crítica, do corpo de jurados e, obviamente, das obras e seus criadores se
movem continuamente, pois, além da emulação entre artistas, a crítica açodará as opiniões e levantará
35

parte da crítica foi caindo em desuso. Acerca deste ponto, é interessante referenciar a
dissertação de Mauro Trindade (2008), que atenta para uma transformação da crítica ligada a
uma incerteza de qual seria o papel do crítico hoje, pois a crítica não poderia mais atuar
exercendo um poder judicativo relacionado à expressão do gosto publicamente:

Essa interdisciplinaridade39 reduziu o poder de fogo do crítico, que perdeu o poder


decisório sobre o valor artístico das obras. O papel do crítico de arte tornou-se
igualmente incerto, passando do juiz dos gostos, balizado por uma atividade
científica, para um leque de definições que revelam o momento de transformação da
crítica. (TRINDADE, 2008:106-107).

Esta conclusão de Trindade está relacionada aquela que seria uma das maiores transformações
da crítica de arte hoje, pois o não exercício de um papel judicativo, por parte dos críticos,
significaria a perda de uma das principais funções da crítica.
O crítico não seria e não poderia mais atuar como o juiz do gosto. Voltando-se ao livro
de Luiz Camillo Osorio (2005) é importante destacar que ele propõe uma alteração necessária
a figura do crítico e as suas funções: “se a arte tem mudado radicalmente, desde pelo menos a
década de 1960, seja do ponto de vista dos procedimentos, seja das expectativas de recepção,
é fundamental que a crítica também se ponha em questão, redefina seus métodos, interesses e
formas de disseminação pública” (OSORIO, 2005:13). Portanto, pensando sobre a perda do
espaço da crítica nos jornais, o autor defende que seria preciso “(…) por um lado, abrir novos
espaços de reflexão, por outro experimentar uma escrita mais ligeira, mas não por isso banal,
que crie novas interlocuções com o público anônimo e plural que ainda não substituiu o jornal
diário.” (OSORIO, 2005:13). Caberia à crítica

(…) acima de tudo, responder às demandas de sua época, adaptando-se sem maiores
temores e com um mínimo de ousadia, aos espaços que lhe são concedidos,
procurando abrir e disseminar, de dentro destas regiões de ressonância, novos
espaços de produção e circulação para a arte. (OSORIO, 2005:13).

Luiz Camillo Osorio tem uma argumentação que se constrói contrariamente a noção
de que o ajuizamento da arte (que seria uma função da crítica) seria uma maneira de impedir a

questões não apenas do material exposto, mas também da faculdade de julgar que se manifesta nas
escolhas do júri e do público. (LUZ, 2006:61).
39
Para Trindade, tal interdisciplinaridade está ligada a uma alteração no aspecto formal das críticas de arte:
Em um universo de objetos desprovidos de uma tradição formal e sem a ancoragem de uma História
central, a crítica passou a procurar auxílio em outras disciplinas para a compreensão do fenômeno
artístico. Mas a variedade de abordagens possíveis também passou a criar dificuldades metodológicas
para a abordagem da crítica da arte. Seja através da semiologia, da psicologia ou da filosofia, a
apreensão da arte pela crítica tornou-se incerta, sem a escolha de um vínculo primordial com o objeto.
Toda a relação torna-se perigosamente subjetiva. (TRINDADE, 2008:106).
36

liberdade de expressão (dita como fundamental a produção artística). Para Osorio a crítica
ainda seria necessária por permitir a diferenciação. Para ele, o dissenso seria o fator causal do
debate público e não o consenso. Então, Luiz Camillo Osorio entende que

A desorientação é que me faz querer tornar público meu juízo, do ponto de vista
tanto profissional quanto amador. Tornar público o juízo é o modo de criar sentido e
fazer distinções. Uma vez que as obras nos tocam, e como isto acontece é
inexplicável, nos vemos dispostos a pensar sobre elas, e analisa-las com mais vagar,
a procurar um vocabulário que ponha em foco e dê mais consistência ao sentimento
inicial. Vai-se criando um círculo virtuoso em que sentir e conhecer se
potencializam. (OSORIO, 2005:51).

Os trechos do livro Razões da Crítica (2005) de Luiz Camillo Osorio foram aqui recuperados
porque o autor é uma voz que destoa dentro do que vem sendo discutido sobre a crítica de
arte. Ele defende a crítica de arte, uma atividade que vem sendo colocada como não sendo
mais necessária. Observam-se assim duas maneiras diferentes de encarar a crítica de arte hoje:
os trabalhos de Salzstein (2003), Trindade (2008) e Rebouças (2010), falam sobre a perda de
uma função pública da crítica de arte. Para estes autores, o crítico de arte teria perdido seu
lugar. Porém, os trabalhos de Basbaum (1999) e Osorio (2005) procuram mostrar que o crítico
de arte que ainda tem um espaço na arte e na esfera pública, caso repense o lugar que a crítica
pode ocupar na atualidade.
Retomando e unindo os trabalhos mencionados, é possível delinear duas imagens do
crítico de arte hoje: uma que está mais de acordo com o posicionamento presente nas
argumentações de Salzstein (2003), Trindade (2008) e Rebouças (2010); e a que estaria em
consonância com os posicionamentos do próprio Osorio e de Ricardo Basbaum (1999). A
primeira, seria a do crítico de arte como o responsável por julgar os artistas e seus trabalhos,
decidindo se tais artistas seriam relevantes e se seus trabalhos poderiam ser considerados
obras de arte. Outra função deste crítico seria a de tradução do trabalho de arte para o público
em geral. Esta figura encarada como tirânica teria se tornado desnecessária ao mundo da arte,
pois suas críticas não dariam conta das novas formas de trabalhos artísticos presentes na arte
contemporânea (como as performances e as instalações). Além disso, suas críticas não
estariam mais sendo veiculadas para o público em geral e não seriam substantivas o suficiente
para tratar das obras que pretendem analisar. Igualmente, haveria a existência de um novo tipo
de público, o qual seria uma espécie de coautor das obras de arte propostas pelos artistas,
sendo estes novos espectadores agentes capazes de produzir opiniões críticas sobre as obras
de arte.
37

O fato de a autoria estar presente na criação do trabalho de arte acarretaria mais um


desdobramento à crítica, pois a função crítica estaria atrelada ao fazer curatorial e, de tal
modo, não haveria mais a necessidade de existência de um crítico de arte, mas sim de um
curador, que estaria junto aos artistas ou não, construindo pensamentos críticos em relação à
arte. Esta primeira imagem de crítico versa sobre um esvaziamento das funções do crítico de
arte e a apropriação de tais tarefas por outros atores do mundo da arte, o que faria com que o
crítico em si não fosse mais relevante.
Outro perfil do crítico de arte que aparece no debate aqui exposto é do crítico de arte
que a partir dos anos de 1960 começou a precisar repensar o seu papel. Sua atuação como
crítico estaria garantida. Sua tarefa principal não seria emitir um juízo sobre as obras para
causar polêmicas, mas de possibilitar a construção de discussões diversas sobre as obras de
arte. Então, este crítico necessitaria repensar suas funções, sua forma de escrita e os meios de
publicização de seus pensamentos críticos. Este crítico seria essencial por permitir a
construção dos debates públicos. Por exemplo, nos jornais embora com menos espaço,
deveriam trazer uma crítica mais ágil, porém profunda. Sem estar nos jornais deveria estar na
internet, nas produções acadêmicas e catálogos de exposições promovendo debates. Precisaria
sair de seu patamar de juiz, para estar junto nas discussões que compõem e constroem o que
seja um objeto de arte. Não deveriam estar acima, mas ao lado de quem faz e cria as obras de
arte. Ou seja, esta segunda figura de crítico estaria se reposicionando e repensando seus
espaços de inserção, mas ainda seria imprescindível para a esfera da arte, justamente, por
ainda ser importante para tornar públicos os discursos sobre arte.

1.4 - Perfis Construídos e Autoridades Disputadas.

The need of authority is basic. Children need authorities to guide and reassure them.
Adults fulfill an essential part of themselves in being authorities; it is one way of
expressing care for others. There is a persistente fear that we will be depreaved of
this experience. The Odyssey, King Lear, Buddenbrooks are all about authority
weakening or breaking down. Today there is another fear about authority as well, a
fear of authority when it exists. We have come to fear the influence of authority as a
threat to our liberties, in the family and in society at large. The very need for
authority redoubles this modern fear: will we give up our liberties, become abjectly
dependente, because we want so much for someone to take care of us? (SENNETT,
1993:15).

Authority (1993) é o primeiro de quatro ensaios em que Richard Sennett procura, de


modo geral, entender como grupos sociais se mantêm unidos. A metodologia de Sennett é
entremeada por questões da psicologia social, da política e da sociologia, dando ênfase à
38

noção de emoção. Tal questão não interessa aqui, contudo este volume que trata do conceito
de autoridade tem algumas ideias que servem de inspiração para a presente pesquisa acerca
dos críticos de arte e os curadores de exposições.
Já de entrada Richard Sennett coloca a autoridade como sendo uma necessidade
básica, sendo voluntária ou não, pois os indivíduos tomam ações que corroboram para a
autoridade de um Outro (indivíduo ou grupo), que será compreendido como estando acima na
hierarquia dos grupos sociais. Nesta dissertação esta perspectiva é retomada, justamente, pela
compreensão de que o debate aqui analisado aborda a necessidade que os indivíduos (no caso,
do mundo da arte) têm de possuir uma autoridade (sejam eles as autoridades ou sendo alguém
que faça este papel e contribua para a sua legitimação). Tal entendimento se dá pois as vozes
dos críticos de arte, dos curadores de exposições, artistas, pesquisadores da arte, historiadores
da arte, diretores de museus etc. que foram explicitadas ao longo deste capítulo fazem coro a
ideia de que no mundo da arte está ocorrendo uma alteração que tem mudado categorias
profissionais que o compõem, o que tem feito com que tais categorias precisem ser
repensadas. Mas repensadas em que sentido? No sentido da posse de uma autoridade,
significando uma busca por tornarem-se (ou elegerem) os agentes sociais mais legítimos para
tratar de questões artísticas.
Na epígrafe que abre este subitem, Richard Sennett atenta para uma das tensões que
perpassam a noção de autoridade. Como já se apontou, a autoridade é percebida como sendo
uma condição básica na vida em grupo, mesmo assim, os indivíduos sentem que suas
liberdades estão em perigo, quando se creem como meras marionetes que obedecem aos
mandos de uma autoridade, já que a “authority is a bond between people who are unequal”
(SENNETT, 1993:10). Tal questionamento acerca da autoridade de um indivíduo, ou grupo,
pode contribuir para que aqueles que estão em posição de desvantagem procurem derrubar os
agentes entendidos como possuidores da autoridade que lhes ameaça. Mas isto não faz com
que a autoridade cesse, novas autoridades surgem e assim o fluxo da vida continua, pois o
laço criado pela relação de autoridade é importante para a manutenção do funcionamento da
sociedade, de forma geral. Dito isto, é valido demarcar que Sennett assinala para a relação
entre o conceito de autoridade e o conceito de legitimidade. Para tanto, retoma as teorias do
sociólogo alemão Max Weber, para quem, segundo Sennet, as pessoas não obedeceriam
aqueles que elas não julgassem como sendo legítimos. É como frisou Weber no volume 1 de
seu livro Economia e Sociedade (1999),
39

Em cada caso individual, a dominação (“autoridade”) assim definida pode basear-se


nos mais diversos motivos de submissão: desde o hábito inconsciente até
considerações puramente racionais, referentes a fins. Certo mínimo de vontade de
obedecer, isto é, de interesse (externo ou interno) na obediência, faz parte de toda
relação autentica de dominação. (WEBER, 1999:139).

Tomando de empréstimo estas ideias de Richard Sennet e Max Weber é possível fazer
um retorno à análise do debate contemporâneo em relação aos críticos e aos curadores. Nos
tópicos acima as falas trazidas que procuraram definir quem seriam os críticos de arte e os
curadores presentemente, no geral, partiam da percepção de que o crítico de arte perdeu um
espaço na esfera da legitimação para os curadores. Quando não iam de acordo com esta
perspectiva, os autores aqui trazidos falavam sobre a possibilidade de a crítica ainda existir,
justamente, por ainda ser considerada como importante na esfera da legitimação artística.
Assumindo que o exercício de uma autoridade esteja vinculado com uma crença na
legitimidade do ator (ou grupo) que exerce tal poder, é razoável admitir que o debate
enfocado procura definir, de certo modo, quem seria hoje em dia a autoridade mais legítima
do mundo da arte: os curadores ou os críticos.
Embora para alguns os críticos já não sejam agentes possuidores de uma legitimidade,
não se pode tomar tal colocação como uma “verdade absoluta”, sendo necessário atentar para
a prática cotidiana que envolve tais atores sociais (o que se buscará fazer nos próximos
capítulos). Então, é importante dizer que, neste trabalho, todas estas vozes que foram trazidas
para inicialmente categorizar quem sejam os críticos e os curadores estão sob suspeita, ou
seja, elas não retratam uma “verdade superior, absoluta e unívoca” sobre tais figuras, elas são
entendidas como vozes em disputa, pois cada agente defende um ponto de vista para legitimar
a categoria que mais lhe interessa (tanto exercer, quanto obedecer).
Assim sendo, mesmo que tal debate auxilie na compreensão inicial de quem sejam e o
que fazem os críticos e os curadores, estas figuras imaginadas e suas funções devem ser
tomadas como modelos, tanto de forma positiva como de modo negativo. A questão
nevrálgica que deve ser retomada a partir deste debate diz respeito ao que está em jogo, a
saber: o domínio de uma posição de autoridade.
Os subitens que antecedem este tiveram como objetivo construir duas categorias:
crítico e curador, a partir das falas de inúmeros agentes do mundo da arte, ou não. Tais textos
analisados versavam sobre uma imagem idealizada de quem seriam os críticos e os curadores,
assim como de suas funções enquanto tais. Agora, partindo do conceito de autoridade
recuperado dos trabalhos de Richard Sennett e Max Weber, é fundamental retomar aquelas
construções categóricas ideais, a fim de clarificar qual é a dimensão da autoridade disputada
40

que está em jogo em tal debate. É importante recuperar o trecho que consta na epígrafe que
abre esta dissertação. Naquele anúncio de curso é possível ler que a “(…) figura [do curador]
onipresente na arte contemporânea, [tem] em muitos casos substituído o crítico de arte como
instância legitimadora, ou ainda (discutivelmente) em alguns outros, o próprio artista, como
autor de exposições.”40 (loc. cit.). Esta frase resume o debate enfocado e, além disso,
dimensiona o que está sendo disputado entre críticos e curadores (e por que não, entre todos
os agentes que conformam o mundo da arte). O que está em jogo é a instância legitimadora,
ou seja, a posição que permitirá julgar, escolher, ordenar, ser o detentor da palavra inicial e
final no que diz respeito às artes visuais. Dito isto, porque na construção inicial que se fez
sobre os críticos e os curadores, suas tarefas e funções perpassavam o julgamento, a escolha e
o domínio da interpretação e tradução das obras de arte.
De tal modo, é possível dizer que, de um lado, se tem os críticos de arte que são, em
geral, tomados como os antigos detentores dos poderes: 1) de escolha e julgamento, em
bancas de seleção ou em seus textos críticos, das obras de arte e dos artistas a serem
considerados relevantes; e, 2) pela interpretação, e posterior tradução para o público, das
poéticas propostas pelos artistas em suas obras. Do outro lado, encontram-se os curadores
que, geralmente, são compreendidos como tendo os poderes: 1) de escolher e julgar a
relevância das obras de arte e dos artistas, isto quando eles escolhem quem serão os artistas
que exporão trabalhos nas mostras por eles propostas, além de escolherem que trabalhos
destes artistas serão exibidos; e, 2) de interpretar e traduzir as poéticas propostas pelos artistas
ao público, isto através do ato de escrita dos textos que apresentam os trabalhos nas
exposições e no momento em que escolhem o tema da mostra em que aqueles trabalhos serão
exibidos. Ou seja, a instância legitimadora a que se refere o anúncio de curso da Escola de
Artes Visuais do Parque Lage diz respeito a possibilidade de julgar e de ser ter a palavra final
que poderá definir um artista e seu trabalho. É como lembra Richard Sennett,

A legitimate personal authority is perceived as able to do two things: judge and


reassure. Because of his or her inner powers, the authority knows about the subject
something the subjetc does not know. We recall that the fears of being seen through,
exposed, shown up, come out of the authority’s capacity to judge others.
(SENNETT, 1993:154-155).

Mais uma vez as palavras de Sennett servem para inspirar a análise que aqui se
procura fazer. Como é possível ler acima, o autor lembra que a legitimidade pessoal de uma
40
O QUE É UM CURADOR? Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Disponível em:
<(http://www.eavparquelage.rj.gov.br/eavList.asp?sMenu=ENSI&sSume=PCURS>. Acesso em: 10 de dez. de
2012.
41

autoridade lhe permite ser capaz de julgar e reafirmar. Deste modo, por ser compreendida
como legitima, uma autoridade (seja um indivíduo ou grupo) é entendida como capacitada
para julgar ou endossar os agentes a ela subordinados, justamente, por que se supõe que esta
autoridade seja dotada de uma competência, a qual lhe diferencia dos demais atores sociais e
confere o status de autoridade. Antes os críticos e agora os curadores seriam dotados destas
competências.
Voltando a falar da autoridade que pode ser atribuída aos críticos de arte e aos
curadores, tal capacidade distintiva de julgar e endossar tem sido alvo de sua disputa. Os
defensores da crítica creem que estas funções ainda são inerentes ao seu fazer, entretanto,
aqueles que advogam que a curadoria é uma instância mais legítima proclamam a morte da
crítica e reportam tais capacidades distintivas aos curadores de exposições.
Resumindo, é possível dizer que o debate aqui enfocado constrói imagens para os
críticos e os curadores, as quais estão imersas na possibilidade de estes atores serem
compreendidos como, de um lado, os ainda legítimos e, de outro, dos novos legítimos agentes
detentores da possibilidade de julgar e endossar na esfera da arte.
Como já ressaltado, estas imagens de crítico e curador construídas a partir do debate
analisado tratam-se de versões de uma prática vivida pelos autores. Como se buscou mostrar
através do presente subitem, tais versões não partem de um lugar isento e objetivo de fala.
Interesses estão envolvidos quando se defende ou crucifica críticos de arte ou curadores de
exposições. Neste sentido, este capítulo um tem como objetivo esclarecer as questões
debatidas atualmente no que envolve a crítica de arte e a curadoria, assim como demonstrar o
perfil de críticos e curadores construídos em tal debate. E, além disso, intentou-se trazer a
dimensão do que está sendo disputado que, conforme as hipóteses deste trabalho, é a
autoridade que do panteão mais alto do mundo da arte legitima os objetos artísticos.
Apesar do que foi dito, não cabe a este trabalho definir se os críticos ou se os
curadores são os agentes mais importantes do mundo da arte, ou se isto é positivo ou negativo
– este tipo de valoração não diz respeito a um trabalho de sociologia. Porém o intuito desta
dissertação é compreender as dimensões práticas do debate analisado, no que tangencia a
questão da autoridade e da legitimidade. Ou seja, compreendendo que a análise do debate
explicitado não é suficiente, procura-se entender quem, na prática, são os críticos e os
curadores, no Rio de Janeiro, neste início de século XXI. Relativa a esta questão está a que
diz respeito a como se formam os críticos e os curadores, já que não se nasce curador ou
crítico, torna-se curador ou crítico. Mas como isto se dá? Muito se discute sobre quem eles
sejam, mas pouco se fala sobre como as pessoas se tornam críticos de arte ou curadores de
42

exposições. Além disso, é imprescindível investigar qual é o posicionamento de tais curadores


de exposições e críticos de arte em relação ao que vem sendo debatido sobre suas carreiras,
como eles se colocam com respeito a este debate aqui especificado. Como se pode notar,
ainda existem muitos fios soltos, então, o objetivo dos capítulos seguintes é esclarecer tais
questionamentos a partir de entrevistas feitas com críticos de arte e curadores de exposições.
43

CAPÍTULO 2: COMO SE FORMAM OS CRÍTICOS E OS CURADORES?

Dando continuidade aos questionamentos explicitados no capítulo anterior,


este capítulo pretende entender como se formam os críticos de arte e os curadores
que vêm sendo objeto de análise desta dissertação. Como discutido
anteriormente, a curadoria tem sido enxergada como uma carreira em ascensão 41
enquanto a crítica de arte tem sido tomada como uma atividade em vias de desaparecimento.
Neste sentido, é imprescindível investigar como, na prática e em prática, pessoas se tornam
curadores e críticos. Isto porque, se existe um senso comum no mundo da arte que propaga
que certificados e diplomas não são, de fato, necessários para tornar alguém um artista, um
curador, um crítico, um galerista ou mesmo um diretor de museu, vale tentar entender o que
permite que eles sejam assumidos como legitimas autoridades para tratar de questões
artísticas.
Analisando o material coletado, pode-se perceber que há uma espécie de segredo no
mundo da arte que vela a formação daqueles atores sociais que o compõem. É como se
houvesse um mistério que não permite que se compreenda de que modo um indivíduo se torna
uma autoridade da e para a esfera da arte. Neste sentido, vale o questionamento: como alguém
se torna um crítico ou um curador?
Não se pretende construir um manual prático que vise o ensinamento de como as
pessoas podem se tornar críticos e/ou curadores. No entanto, como já aclarado, há um debate
em torno de tais atividades, no qual também se busca apontar quem são estes profissionais e o
que eles fazem. Entre críticos e historiadores, tal debate toma as categorias como dadas, o que
não permite o entendimento de como as pessoas ingressam no mundo da arte, se tornam
críticos e/ou curadores, e passam a ser reconhecidos como legítimos para atuarem enquanto
tais.
Neste sentido, dentre os materiais que compõem esta dissertação de mestrado
encontram-se entrevistas realizadas, entre junho e outubro de 2013, com pessoas reconhecidas
no universo da arte e que atuam como críticos e curadores42. Esta pesquisa conta com cinco

41
Em 6 de dezembro de 2010, por exemplo, o jornal U.S News & World Report publicou a matéria: “Curator:
As one of the 50 best careers of 2011, this should have strong growth over the next decade”. Disponível em:
<http//money.usnews.com/money/carrers/articles/2010/12/06/best-carrers-2011-curator>. Acesso em 13 de ago.
de 2012.
42
O texto: “Relatos Orais: Do Dizível ao Indizível” (1988), de Maria Isaura Pereira de Queiroz, traz alguns
apontamentos relevantes para a presente dissertação. A partir das palavras de Queiroz, é possível dizer que as
entrevistas realizadas para esta dissertação têm caráter de depoimentos, não se caracterizam como histórias de
vida, pois relatos maiores sobre as trajetórias levariam esta pesquisa para outro caminho teórico-metodológico e
analítico. Além disso, é preciso dizer que os relatos orais têm suas limitações, visto que, por exemplo, “o
44

entrevistas, que tiveram uma duração média de 1hora e meia, a partir das quais se discutirá a
formação dos críticos de arte e dos curadores de exposições. A fim de compreender possíveis
alterações concernentes ao mundo da arte, procurou-se entrevistar pessoas que tenham
iniciado suas carreiras como críticos e curadores atuando, sobretudo, nas cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo, no Brasil, em diferentes períodos.
Sendo assim, dentre os entrevistados está Aracy Abreu Amaral, crítica de arte,
curadora de exposições e professora acadêmica, que principiou sua atuação como profissional
da crítica e da curadoria na década de 1950. Outro entrevistado foi o também crítico de arte,
curador de exposições e professor acadêmico Paulo Venâncio Filho, que iniciou seu trabalho
como crítico e curador nos anos de 1970. Dando mais um salto no tempo, também foram
entrevistados os críticos de arte, curadores de exposições e professores acadêmicos: Marcelo
Campo e Felipe Scovino. De formação recente, ambos têm sido encarados como profissionais
que têm alterado o modo de se fazer crítica e curadoria, presentemente. Não é à toa que, ao
lado de Daniela Labra, Campos e Scovino, em matéria do jornal O Globo43, foram colocados
como sendo parte da “nova geração” de críticos e curadores que vêm renovando os rumos das
artes plásticas no país. Marcelo Campos e Felipe Scovino fazem parte de um grupo que
começou a atuar com crítica e curadoria em inicios dos anos 2000. Por fim, esta pesquisa
igualmente conta com uma entrevista realizada com o também crítico de arte, curador de
exposições e professor do ensino médio Raphael Fonseca, que ingressou na atividade de
curador e crítico há três anos atrás, ou seja, em princípios da década de 2010.
Antes de partir para uma análise mais minuciosa das entrevistas realizadas, é
conveniente analisar os dados preliminarmente citados relativos a quem foram os
entrevistados desta pesquisa. Sobre eles, é crucial que algumas questões sejam deslindadas,
por dizerem respeito aos procedimentos metodológicos desta pesquisa, suas balizas teóricas e

narrador, (…) quer transmitir sua experiência, que considera digna de ser conservada e, ao fazê-lo, segue o
pendor de sua própria valorização, independentemente de qualquer desejo de auxiliar o pesquisador”
(QUEIROZ, 1988:17). Apesar disto, “através dos séculos, o relato oral constituiu sempre a maior fonte humana
de conservação e difusão do saber, o que equivale a dizer: fora a maior fonte de dados para as ciências em geral”
(QUEIROZ, 1988:17). O que se intenta dizer trazendo as palavras de Queiroz é que pesquisas baseadas em
entrevistas têm limitações, e elas são aqui conhecidas, mas que se optou por fazer um a pesquisa com base em
entrevistas, pela riqueza que elas têm. Destarte, aqui elas são complementadas por outras fontes com a intenção
de relativizar os fatos e tornar esta pesquisa mais objetiva.
43
A matéria em questão possui o sugestivo título de “Novo Olhar sobre a Arte”, e tinha como subtítulo a
seguinte frase: Conheça três jovens cariocas que reforçam a curadoria de exposições no país. Nesta reportagem,
Suzana Velasco aponta: “Se os jovens artistas indicam os novos rumos da arte no país, cresce com eles uma
geração de curadores que refletem sobre esses caminhos. Eles são novos pela idade, mas também por imprimir
um olhar fresco à curadoria de exposições, que são organizadas em espaços antes impensados, como galerias
comerciais”. E Velasco continua: “Entre 30 e poucos e 30 e muitos anos, os cariocas Felipe Scovino, Daniela
Labra e Marcelo Campos são três desses curadores cariocas que se dividem entre a crítica e a produção, entre as
aulas e os editais de exposições — e, nesse vaivém, têm renovado a curadoria no país”. (VELASCO, O Globo,
30 de mai. de 2010).
45

em relação às especificidades do contexto analisado. As questões são: 1) a descrição das áreas


em que atuam profissionalmente os entrevistados nesta pesquisa suscita a percepção de que há
uma fina relação entre a crítica, a curadoria e a docência. O dado é relevante, na medida em
que, como visto no capítulo precedente, o debate no mundo da arte separa as carreiras. Fala-
se, de um lado, sobre o crítico e a crítica e, de outro, sobre o curador e a curadoria, além de
poucas vezes ser apontada a relação com o ofício docente. No entanto, se na prática os atores
agem como críticos, curadores e professores, isto deve ser problematizado; e, 2) o termo
“geração”, que é uma categoria analítica da sociologia, apareceu na pesquisa também como
uma categoria nativa44, assim é preciso tornar claro que os profissionais escolhidos são aqui
entendidos como pertencendo a distintas gerações, tanto por eles mesmos quanto pelo autor
deste trabalho – uma aposta da pesquisa foi a de que tal diferenciação geracional pode
demonstrar dissemelhanças em relação a entrada destes críticos e curadores no mundo da arte,
o que pode vir a indicar singularidades dos variados momentos da configuração da esfera da
arte, podendo evidenciar mudanças que tenham ocorrido em tal configuração social, entre
meados de século XX e agora.
Em relação ao fato de os entrevistados nesta pesquisa atuarem como críticos de arte,
curadores de exposições e professores, é interessante trazer mais uma vez a reportagem, citada
no capítulo anterior, da versão online do periódico Folha de São Paulo: “Curadores são tema
de livros, mostra e seminário”45. Como já apontado no capítulo um, o foco desta matéria é a
questão de os curadores estarem sendo bastante debatidos em inúmeras frentes, dentre os
exemplos trazidos na reportagem, para abordar este fato, há um destaque para o livro
Conversas com Curadores e Críticos de Arte (2013), de Guilherme Bueno e Renato Rezende.
Um livro que de acordo com seus autores,

(…) nasceu da curiosidade – que acreditamos não ser apenas nossa – em


compreender como toda uma “geração” recente (esta talvez não seja a melhor
palavra, mas como continua amplamente adotada, tanto em termos cronológicos
como para indicar afinidades conceituais, a empregamos aqui entre aspas) de críticos
e curadores brasileiros foi formada, e por quais caminhos ela tenta discutir o
momento artístico atual. (BUENO e REZENDE, 2013:7).

44
Categorias nativas são significações de termos sócio culturalmente construídas. Estas categorias nativas são
diferentes das categorias analíticas utilizadas pelos pesquisadores, as quais se baseiam em modelos
epistemológicos.
45
CURADORES SÃO TEMA DE LIVROS, MOSTRA E SEMINÁRIO. Folha de São Paulo, São Paulo, 07 de
mai. de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1274115-curadores-sao-tema-
de-livros-mostra-e-seminario.shtml>. Acesso em: 10 de mai. de 2013.
46

A matéria jornalística, acima apontada, fala um pouco sobre a recepção deste projeto de
Bueno e Rezende, pois “desde que foi lançado, o livro vem provocando debates nas redes
sociais, com alguns críticos apontando como falha do livro uma abordagem que põe no
mesmo saco as figuras do crítico de arte e do curador.”46. Tanto o livro quanto a matéria da
Folha de São Paulo inserem-se no debate explicitado no capítulo anterior, buscando definir
quem sejam e quais são os lugares relativos aos curadores e críticos na esfera da arte. Por isso,
é interessante demarcar a dissonância presente nos discursos de ambos textos – as diferenças
em relação à percepção de quem sejam os críticos e os curadores é uma clara demonstração de
que há uma disputa, e, como explicitado no capítulo anterior, nela está em jogo uma posição
de destaque na esfera da legitimação da arte. Mesmo que, para alguns, como explicitado no
destacado trecho da matéria da Folha de São Paulo, não seja possível dizer que os críticos de
arte são também curadores, o que se percebe através das fontes desta pesquisa é que na
prática, no contexto brasileiro, os críticos de arte também podem atuar como curadores, e
vice-versa. O livro de Guilherme Bueno e Renato Rezende traz a seguinte argumentação:

Do ponto de vista da formação, notou-se a peculiar coexistência e alternância de


situações quase autodidatas e outras nas quais a experiência acadêmica ganha relevo.
Ainda é bastante perceptível como os mecanismos de profissionalização no Brasil
permitem uma frequente e frequentemente afortunada “promiscuidade” entre o papel
de crítico, curador, artista, ou seja, diferentes e simultâneas articulações de pontas do
circuito, rara em outros contextos. (BUENO e REZENDE, 2013:9-10).

Estas palavras contidas na introdução do livro de Bueno e Rezende podem ser unidas a
descrição que se fez acerca das atividades desempenhadas pelos entrevistados para esta
pesquisa, trazendo um dado em respeito ao contexto brasileiro aqui analisado: no Brasil, os
críticos de arte podem ser curadores e os curadores podem ser críticos, mas não só, eles
também podem desempenhar atividades como historiadores da arte, artistas, professores e etc.
Vale demarcar, também, que mesmo que haja profissionais críticos e/ou curadores que não
têm uma relação forte com uma formação acadêmica, coincidentemente todos os
entrevistados para esta pesquisa possuem uma vinculação com o ensino superior. Ou seja, não
foi um critério para a escolha dos entrevistados que eles fossem críticos, curadores e
professores que tinham uma formação acadêmica, mas no desenrolar da pesquisa os atores
entrevistados foram demonstrando este ponto comum em sua trajetória.

46
CURADORES SÃO TEMA DE LIVROS, MOSTRA E SEMINÁRIO. Folha de São Paulo, São Paulo, 07 de
mai. de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1274115-curadores-sao-tema-
de-livros-mostra-e-seminario.shtml>. Acesso em: 10 de mai. de 2013.
47

Neste sentido, os entrevistados são todos críticos de arte, curadores de exposições e


professores, além disso todos possuem doutorado (com exceção de Raphael Fonseca, que
ainda é doutorando), o que denota que os atores aqui analisados possuem uma ligação com a
academia – as formas como o saber acadêmico se relacionam, ou não, com as práticas críticas
e curatoriais dos entrevistados serão abordadas no próximo capítulo, assim como a percepção
destes mesmos entrevistados em respeito ao fato de atuarem em múltiplos papéis.
Do que foi explicitado, o fato que precisa ser demarcado é: mesmo que, no debate
analisado no capítulo anterior, a crítica seja posta de um lado e a curadoria de outro (como se
fossem práticas desempenhadas por distintos atores), no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro
e de São Paulo, os críticos de arte também podem atuar como curadores, valendo também o
contrário. Este é o tipo de curador e crítico aqui pesquisado47.
Outra questão que urge por ser mencionada, como já dito, é a que se dá em torno ao
conceito de “geração”. Como bem apontado no livro de Guilherme Bueno e Renato Rezende,
no mundo da arte esta “palavra (…) continua amplamente adotada, tanto em termos
cronológicos como para indicar afinidades conceituais” (loc. cit.). “Geração” não é apenas
uma palavra. Trata-se mesmo de um conceito sociológico, que embora seja pouco teorizado é
amplamente utilizado em discussões acerca de diferenças de classe, de gênero, étnico-raciais e
geracionais (WELLER, 2010). Contudo, aqui “geração” não é apenas um conceito
sociológico. É também uma categoria nativa, aparecendo correntemente nas falas dos
personagens que compõem a esfera da arte (sejam críticos, curadores, historiadores, artistas
etc.), seja para dar um sentido cronológico que una um grupo de pessoas com datas de

47
A possibilidade de atuação de críticos de arte como curadores de exposições, e vise versa, vem sendo
discutida, havendo quem defenda como também quem se posicione contrariamente. A título de exemplificação, é
importante trazer o que se passou no Seminário Anual da Associação Brasileira de Críticos de Arte, realizado em
junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. O tema do seminário foi: “O Deslocamento da Crítica de Arte: A
Atualidade no Brasil”. Na mesa da abertura do evento a professora da UFRJ e crítica de arte, Angela Ancora da
Luz proferiu um discurso em que tinha a década de 1990 como um marco para o “deslocamento” da crítica de
arte, tomando em conta uma alteração nos interesses editorias dos jornais brasileiros, que teriam retirado de suas
páginas um espaço antes dedicado à crítica de arte. Além disso, Luz propôs que se pensasse sobre as novas e
possíveis relações entre a crítica de arte e a curadoria de exposições, pois esta seria uma nova possibilidade para
o trabalho crítico. Um possível relacionamento entre as atuações como crítico e como curador, não esteve
presente apenas na fala de Angela Luz. Neste sentido, o presidente da Associação Internacional de Críticos de
Arte, Marek Bartelik fez uma conferência intitulada: “Do critics teach art history?”. Bartelik se referiu ao debate
que prega que há uma crise no mundo da arte, em geral. E, pensando esse suposto contexto de crise Marek
Bartelik propôs que se discutisse o atual papel do crítico de arte. Em sua percepção, este não seria um papel
muito otimista, pois os críticos teriam tido que abdicar de sua função de tradutores do gosto, que lhes conferia a
possibilidade de regulamentar a percepção e a recepção da arte, a partir das alianças que eram criadas com outros
críticos e, mesmo, como artistas. Para Marek Bartelik o crítico de arte, então, um personagem erudito, bem
formado e relacionado, foi substituído por uma espécie de “crítico-curador”, que não seria tão bem formado, por
conta da multiplicidade de papéis que deve exercer. Assim, pode-se perceber que há uma tensão quando se fala
na possibilidade de os críticos poderem trabalhar como curadores, enquanto para Luz esta seria uma válida
possibilidade, para Bartelik tal relacionamento não é ainda tão positivo.
48

nascimento próximas, ou mesmo para falar sobre proximidades conceituais entre grupos de
pessoas que atuam contemporaneamente, como indica a fala de Bueno e Rezende.
Sociologicamente falando, para se abordar o conceito de geração é essencial voltar-se
ao trabalho “O Problema Sociológico das Gerações”, de Karl Mannheim, pois esta é uma obra
de referência incontestável quando se trata do tema48. Da conceituação de geração formulada
por Karl Mannheim49, é crucial que se destaquem os seguintes pontos: a) geração não pode
ser compreendida como denotando um grupo concreto, no sentido de um grupo de indivíduos
ligados por laços organicamente desenvolvidos, já que mesmo que os indivíduos de uma
geração estejam sujeitos à alguma vinculação, tais vínculos não necessariamente resultam em
grupos concretos (MANNHEIM, 1993:207)50; b) o fenômeno sociológico das gerações está
baseado pelo ritmo biológico de nascimento e morte, porém estar baseado em algo não é o
mesmo que dizer que o problema seja deduzível a este algo, assim, a sociologia deve atentar
para a relevância dos fatores biológicos, mas é fundamental perceber a geração como uma
situação social (MANNHEIM, 1993:209); c) há uma não-contemporaneidade entre os
contemporâneos, ou seja, deve-se atentar para o fato de que as experiências intelectuais e
emocionais de uma sociedade não são oferecidas e vivenciadas igualmente por todos os seus
membros (MANNHEIM, 1993:210); d) a ideia de geração diz respeito a representação de
uma identidade de situação que versa sobre grupos etários que estão relacionados,
experienciando um mesmo processo histórico-social (MANNHEIM, 1993:210); e, e) denota-
se que para Mannheim as gerações estão em constante interação entre si.
De tal modo, embora os atores sociais entrevistados tenham se referido ao termo
geração de forma dada, sem grandes problematizações, apenas para caracterizar diferenciados
períodos cronológicos e/ou distinções de formação intelectual por grupos de distintos
momentos da história, o termo geração é encarado como um conceito sociológico que
contribui para entender o contexto analisado. Assim, esta pesquisa traz entrevistados que,
vivenciando e participando de díspares momentos da história recente, participaram de

48
Mesmo com a notável relevância deste trabalho de Mannheim para a sociologia, este ainda não conta com uma
tradução muito fiel para a língua portuguesa, ambas as versões disponíveis em português “possuem algumas
incompreensões ou distorções do texto original, sobretudo no que diz respeito à tradução de alguns conceitos
empregados por Mannheim” (WELLER, 2010:206). Sendo as versões em língua inglesa e em espanhol tomadas
como as mais fidedignas ao texto original. (WELLER, 2010).
49
Em seu trabalho Mannheim opõe-se àquela que seria a noção positivista do conceito de geração, que abordaria
o conceito de modo quantitativo e objetivo, e ainda que reconhecendo uma maior afinidade sua com a
perspectiva do pensamento histórico-romântico alemão, que trataria o conceito de modo mais qualitativo e
subjetivo, esta também não é vista pelo autor como suficiente para tratar do assunto. Assim, ele enxerga como
importante uma ação da sociologia formal para fundamentar o problema das gerações.
50
Para Mannheim: “Y es en esa perspectiva donde tan claro parece, de entrada, que la conexión generacional
descansa en el parecido que hay entre los individuos agregados a una generación por su posición en los ámbitos
sociales” (MANNHEIM, 1993:208).
49

diferentes gerações, mas não apenas em um sentido biológico. Os fatores extrabiológicos que
envolvem tais gerações são também importantes, pois as mudanças sociais podem ter trazido
transformações para o interior de tais gerações. Ou seja, atenta-se para a relação entre os
fatores biológicos, culturais e sociais, que envolvem os entrevistados que vivenciaram, se
formaram (e produziram) em distintos processos histórico-sociais.
Portanto, os membros de uma geração são sociologicamente compreendidos aqui
como aqueles que representam um grupo (não necessariamente concreto) que vivenciou e se
apropriou de dados culturais semelhantes em um momento histórico social específico, fato
que lhes constituiu como sendo membros de um grupo, o qual é diferente de outros grupos
que lhe são contemporâneos, como também de grupos que não lhe sejam coetâneos em termos
históricos, sociais e/ou culturais. É conveniente frisar que um estudo que buscasse especificar
as peculiaridades de cada geração deveria ser constituído de mais fontes, deveria contar com
mais entrevistas com membros de distintas gerações, o que não é o caso da presente pesquisa.
Desta forma, as possíveis diferenças que possam surgir a partir das entrevistas que foram
feitas serão sociologicamente generalizadas e consideradas distinções que dizem respeito à
alguma transformação mais ampla na esfera da arte.
Agora sim, após a explicitação destas questões iniciais que constroem as bases teóricas
e metodológicas e, do mesmo modo, que compõem o material de pesquisa a ser analisado, é
possível aprofundar a análise pretendida.
Para obter os fins desejados será adotado o seguinte procedimento: as entrevistas serão
retomadas a partir de dois eixos - 1) Formação Acadêmica; e, 2) Começo como Críticos de
Arte e Curadores de Exposições -, os quais estão divididos como subitens de maneira que
permitam o entendimento de como os entrevistados se formaram curadores e críticos
reconhecidos no mundo da arte como autoridades em tais atividades.

2.1 - Formação Acadêmica.

No momento de elaboração dos roteiros que serviram de guias para cada uma das
entrevistas, foi feita uma busca dos currículos dos entrevistados na Plataforma Lattes51. Todos
os entrevistados possuíam currículos em tal base de dados, porque são professores acadêmicos
ou estudante de pós-graduação, caso de Raphael Fonseca. Atentando para a formação e a
titulação de cada um dos entrevistados, as perguntas que abriram todas as entrevistas foram

51
A Plataforma Lattes é uma base de currículos acadêmicos criada e mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
50

acerca das graduações que fizeram, assim como das pós-graduações, e como tal formação
inicial os levou a trabalhar com crítica de arte e curadoria de exposições (ver anexo I).

2.1.1 - Aracy Amaral – Anos 1950 e 1960: Crítica Institucionalizada e o


Surgimento da Curadoria.

A entrevista com a crítica de arte, curadora de exposições e professora de história da


arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, teve duração de
1h e 20min, e foi realizada em sua casa, no bairro do Trianon, em São Paulo, no dia 14 de
outubro de 2013. Abaixo estão transcritos os trechos da entrevista com Aracy Amaral, que são
relativos a sua formação52. Quando perguntada sobre como se deu o seu ingresso no terreno
das artes plásticas Amaral respondeu:

Na minha época era diferente. Agora eu vejo muitos curadores fazendo pesquisa a
partir do gabinete. Eu como estudante de jornalismo fui entrevistar o diretor do
MoMA [Museu de Arte Moderna de Nova Iorque], em 1951, na primeira Bienal. Eu,
naturalmente, indo para a primeira Bienal, que era aqui onde é o MASP [Museu de
Arte de São Paulo Assis Chateaubriand] hoje - foi ali a Bienal de São Paulo -, eu
conheci artistas, meu irmão já fazia gravura. Aí eu o entrevistei para o jornalzinho
da minha escola. Na segunda Bienal, eu fui monitora da Bienal. Fizemos um curso
rápido, eu e mais outras pessoas, umas 8 pessoas, para ser monitor da Bienal. E, na
segunda Bienal nós éramos monitores. Na II Bienal a gente a conhecia uma porção
de gente, e a gente estava lá. Cada vez que a gente participava de uma Bienal a gente
assistia a montagem, a gente assistia tirar as obras das caixas, assistia a montagem
das salas, acompanhava… entrevistava os artistas que iam expor.
(…) Sabe, então, esse tempo acabou. Realmente, esse tempo não existe mais. E
assim, a gente pertencia ao meio (…).
(…) Na II Bienal a gente entrevistava para a visita guiada que a gente ia fazer. E daí
que a gente conhecia todo mundo. Em todas as Bienais de São Paulo, na década de
1950, vinha um grupo de estudantes de artes da Argentina, de teoria da arte, com o
[Jorge Aníbal] Romero Brest, que era um crítico argentino, e a gente acompanhava
todo o debate deles, assistíamos as polêmicas que haviam na época. Assistia
conferência do Walter Gropius53. Todo mundo que vinha para cá, eles vinham e
participavam, dialogavam com os artistas locais, o que hoje não acontece mais. A
geração de hoje, de artistas, é de um artista que manda o assistente, que monta as
obras. Usualmente, até nem o artista vem para a inauguração da sua sala, é o
assistente que vem, monta e tchau! Vai embora. Naquele tempo não. O artista vinha,
assistia a montagem das obras, dava entrevistas para os jornais, havia uma, se você
quiser, um caráter mais humano de contato dos artistas e de sua arte e de seus
trabalhos com o público ao qual ele se apresentaria. E, eu acho que isso acabou, de
uma certa forma. Talvez, com a entrada do mercado de arte, com a mercantilização
do mercado de arte, que a gente vê que está a cada dia mais terrível, mais compacto,
mais acelerado, eu acho que isso é bem visível, né? (AMARAL, Aracy. Entrevista
ao autor em 14 de out. de 2013).

52
A linguagem coloquial que foi utilizada na realização das entrevistas não foi alterada para a sua transposição
para este texto de dissertação.
53
Walter Gropius é considerado um dos principais nomes da arquitetura do século XX, tendo sido o fundador da
Bauhaus, uma escola que foi um marco importante para o design, a arquitetura e a arte moderna no último
século.
51

O entendimento de Aracy Amaral é de que sua formação se deu em um contexto em que era
valorizada uma formação prática, o que ela não enxerga nos dias de hoje. Para Amaral,
presentemente, a pesquisa e a formação se dariam em um contexto de valorização distantes da
prática cotidiana, sendo uma formação a partir da Academia ou de um gabinete, como
ressaltado por ela acima. Fato que não ocorreria em seu momento de formação, na década de
1950:

(…) Era uma coisa, assim, direta. Tanto que aí eu passo a fazer, já estava fazendo
pesquisa de história da arte, na segunda metade da década de 1960, quando eu fico
sabendo que o [Robert] Rauschenberg está aí. E aí, eu me perguntei: “em que hotel
ele está hospedado?”. Era o Hotel Jaraguá. Telefono para o Hotel Jaraguá: “quero
falar com o senhor [Robert] Rauschenberg”; ele atendeu e eu falei: “o senhor
poderia me dar uma entrevista?”; ele falou: “sim”. Marquei com ele no dia seguinte,
fui lá e entrevistei ele, deu uma entrevista ótima que saiu no Estadão. E todo mundo
perguntou para mim assim: “Mas como é que você conseguiu entrevistar o
[Robert] Rauschenberg”; eu falei: “liguei para o hotel!”. Ele marcou, e no dia
seguinte ele foi embora, e ninguém mais fez. Por causa disso, durante anos a fio, o
marchand dele sempre me mandou cartões de natal, com imagens, até tenho ali do
[Robert] Rauschenberg, está vendo? Não, aquele lá quem me mandou… não, do
[Robert] Rauschenberg… um ano ele me mandou o [Claes] Oldenburg, um ano do
Jasper Johns, e esse cartão de natal aqui é do Andy Warhol. Mas isso, quer dizer,
havia uma outra coisa… isso é década de 1960. (AMARAL, Aracy. Entrevista ao
autor em 14 de out. de 2013).

Há uma frase dos trechos acima destacados da entrevista feita com Aracy Amaral que
merece ser destacada: “Na minha época era diferente, agora eu vejo muitos curadores fazendo
pesquisa a partir do gabinete.” (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).
Nesta frase estão imbricadas questões importantes para esta dissertação. Há uma clara
valorização de seu período de ingresso no mundo da arte, a qual diferencia tal momento do
presente. Este fato permite a compreensão de que Aracy Amaral faz uma distinção geracional
pautada em diferenças contextuais históricas, sociais, econômicas e culturais, que fariam com
que o “tempo de Amaral” fosse positivamente distinto do atual, onde a estrutura da esfera da
arte proporcionaria uma formação menos completa aos seus agentes sociais.
Tomando as palavras de Amaral é possível entender a diferenciação por ela efetuada,
sobretudo, em relação a dois fatores: 1) ao que pode ser compreendido como uma
reestruturação da esfera da arte, graças ao mercado de arte institucionalizado; e, 2) um
desdobramento da alteração na estrutura relacional do mundo da arte, que seria uma
implicação do primeiro fator, e, teria causado mudanças no aspecto de formação dos agentes
que são construídos pelo mundo da arte e o produzem.
52

Embora Amaral fale de sua formação em jornalismo – ela se graduou pela Pontíficia
Universidade Católica de São Paulo, em 1959 -, e que em outros momentos da entrevista
apareça a relevância que ela dá ao trabalho como pesquisadora de história da arte54, não se
percebe que esta formação acadêmica tenha sido crucial para que ela começasse a trabalhar
como crítica de arte e curadora. Ainda que Aracy Amaral dê valor ao trabalho de pesquisa, até
mesmo como sendo algo fundamental para a atuação de críticos de arte e curadores de
exposições, fazer pesquisa foi importante em sua trajetória, mas não apenas isso. Um contato
prático – trabalhando como monitora da II Bienal de São Paulo, entrevistando artistas etc. -
com críticos de arte, artistas, colecionadores, historiadores da arte, curadores etc. é unido por
ela à sua formação de pesquisadora. Esta união entre teoria e prática permite a compreensão
de como Aracy Amaral se formou e veio a se consagrar como uma crítica de arte e curadora
de exposições, além de uma pesquisadora de artes.
De acordo com as palavras de Aracy Amaral, uma formação através de uma prática
cotidiana (em uma interação com outros críticos, artistas, curadores, colecionadores etc.) seria
o que faltaria, hoje em dia, na formação de críticos e curadores. Mas esta também não seria
qualquer prática. O contexto vivenciado por Amaral, segundo ela, seria distinto do presente,
no que envolve toda a estrutura do mundo da arte. Para ela as gerações atuais estariam
envoltas em um contexto artístico mais mercadológico que o de sua formação.
Hodiernamente, haveria uma aceleração nos processos da arte, o que faria, por exemplo, com
que houvesse um distanciamento dos artistas e outros agentes da arte. Em outro ponto da
entrevista, Amaral falou mais sobre a diferença entre seu contexto de formação e o atual. Ao
ser perguntada sobre a ideia de que os ateliês de artistas são um espaço para a formação
prática dos profissionais da arte, ela indicou uma questão que diferenciaria o seu contexto de
formação do atual:

Mais é, naquela época sim. Isso era. A gente ia na casa dos artistas, no ateliê dos
artistas, eles conversavam e tal, hoje não. Inclusive, eu fiz um texto agora, no mês
passado, sobre o colecionismo no Brasil, aspectos gerais do colecionismo no Brasil,
e conversando com uma artista, da geração 80, sobre a situação do artista hoje, ela
falou para mim assim: “a gente não pode receber qualquer pessoa em casa”; eu falei:
“como?”; ela falou: “ah não, se a gente tem contrato com uma galeria, se você
recebe alguém em casa, você precisa participar a galeria, porque se não é cortado o
seu contrato”, os artistas hoje têm contrato, recebem tanto por mês. Eu confesso que
eu não sabia que era tão rígido. (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de
out. de 2013).

54
Aracy Amaral possui o título de mestre e o título de doutora pela Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo, seu mestrado resultou no livro: Artes Plásticas na Semana de 22, e sua tese de
doutorado é o livro: Tarsila – Sua Obra e Seu Tempo.
53

No trecho acima, fica explícito como, na percepção de Aracy Amaral, as novas regras
do mercado de arte têm alterado a estrutura do mundo da arte, de modo que até a formação de
críticos e curadores seja afetada, visto que eles perderiam hoje a possibilidade de um contato
maior com artistas, um fator assinalado por Amaral como fundamental em sua formação.
Estes fatores contribuiriam para que, diferente do contexto de Amaral, os críticos e curadores
se formassem hoje, valorizando uma formação mais acadêmica, justamente, por não terem a
possibilidade de se formar num contato mais próximo com outros agentes da arte, sendo o
meio acadêmico um dos principais meios de entrada para os críticos e os curadores no mundo
da arte. Isto lhes faria produzir “pesquisas de gabinete”, que sem um contato com a prática,
perderiam em termos de qualidade, pois não estariam em conformidade com o exercício
cotidiano e não responderiam a este contexto que lhes é concernente, estando deslocadas da
realidade social e cultural. Este seria um fator negativo.

2.1.2 - Paulo Venâncio Filho – Anos de 1970 e 1980: Crítica em Transição e


Curadoria em Ascensão.

Embora colocada aqui em sequência após a parte que conta com trechos da entrevista
realizada com Aracy Abreu Amaral, a entrevista com Paulo Venâncio foi a última a ser feita
para esta pesquisa. A opção de colocá-la aqui após a parte dedicada à Aracy Amaral se dá
porque Paulo Venâncio se coloca como alguém que faz parte de uma geração que está entre a
de Amaral e as dos demais entrevistados para a presente dissertação. A entrevista com o
crítico de arte, curador de exposições e professor da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Paulo Venâncio Filho, que teve uma duração de 1h e 30min, foi
efetivada em sua casa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, no dia 28 de outubro de
2013.
A primeira pergunta feita a Paulo Venâncio Filho foi sobre sua formação, buscando
entender como ele, graduado em filosofia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
UFRJ, e com mestrado e doutorado em comunicação, pela Escola de Comunicação da UFRJ,
seguiu um caminho que o levou à crítica e à curadoria, ao que ele respondeu:

Olha, foi o contrário até (…). A minha carreira acadêmica não teve nenhum tipo de
participação na minha formação como crítico ou como curador, foram coisas
totalmente à parte. Quando eu entrei para a carreira acadêmica, quando eu entrei
para a UFRJ como professor, eu já tinha, digamos assim, me estabelecido como
crítico e como curador há anos. Então, não foi a carreira acadêmica que me levou à
curadoria e nem à crítica. Talvez eu ainda pertença a uma tradição de críticos
54

independentes ou de críticos não acadêmicos, eu diria assim. Por que a minha


formação foi feita em contato com os artistas e não em contato com acadêmicos.
Então, quer dizer, antes de eu fazer filosofia, eu estudei arquitetura, e foi na
arquitetura que eu conheci o Tunga e depois fui conhecendo vários outros artistas e
eu fui trabalhar no Opinião55, fazendo a parte de artes gráficas, na época que eu
ainda estava na arquitetura. E lá eu conheci o Ronaldo Brito. Então, foi todo esse
contexto que me direcionou. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de
out. de 2013).

O relato de Venâncio Filho trata de uma formação prática, que se deu em parte graças às
visitas aos ateliês dos artistas visuais. Ainda em respeito a este fato, ele continuou sua
narrativa:

Era uma convivência de ateliê direto, convivendo com os artistas, com o processo
dos trabalhos, com montagem de exposições, enfim, eu estava sempre próximo,
presente ou até dando opiniões. Então, foi um processo totalmente, digamos,
autodidata, mas em contato com a produção. E, eu acho, que isso ainda é, a título de
relação, ainda é uma relação que vinha, talvez, de uma tradição do Ferreira Gullar e
de outros críticos que não eram críticos que pertenciam a academia. Aliás, nem
existia, no Brasil, a história da arte como uma disciplina, tanto na graduação quanto
na pós-graduação. Então, você tinha uma formação meio próxima da literatura
também, né? Quer dizer, eu também tive convivência com pessoas da área de
literatura, mas basicamente foi a partir do contato com os artistas e essa relação de
intimidade e de proximidade constante com eles, conversas intensas, assim, durante
alguns anos, quase diárias. (…) Então eu me formei com essa geração, basicamente.
Embora eu ache que sou um pouco mais novo, mas enfim, é a geração que foi com a
qual eu tive contato e foi a geração com a qual eu me formei. Com o Waltércio
[Caldas], o Tunga, especialmente, inicialmente, depois o Cildo [Meireles], depois
uma geração, talvez mais… o Zílio, o Paulo Sérgio Duarte também, o Ronaldo
Brito, foram pessoas… foram pessoas… Iole de Freitas… foram pessoas muito
importantes para a minha formação. Então, quer dizer, a minha formação de
curadoria se formou num contexto muito diferente do que é hoje, eu acho.
(…) Olha, hoje já se tornou ou está se tornando uma disciplina acadêmica também,
né? Há cursos de curadoria, pós-graduações em curadoria em diversos setores, há
diversos setores, aliás, de curadoria, né? Eu recebo, assim, pelo e-mail
informações… sobre curadoria específica de performance, você está entendendo?
Então, é outro contexto totalmente diferente, quer dizer, eu vejo o meu… talvez a
minha prática curatorial envolvida com a crítica de uma certa maneira, e… sem
nenhum tipo de… talvez, de uma prática, que eu diria profissional, no sentido de que
eu fui me tornando curador. Hoje as pessoas decidem ser curadores (…). E vão fazer
cursos. Eu fui me tornando, assim, por influências, por sugestões, por possibilidades,
mas não foi uma carreira… Escolhida. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor
em 28 de out. de 2013).

Os contextos de formação de Paulo Venâncio Filho e de Aracy Amaral são distintos, o


que pode lhes colocar em distintas gerações. Amaral iniciou sua formação quando da
inauguração da primeira edição da Bienal de São Paulo, hoje aclamada como um dos mais
importantes eventos dedicados à arte do mundo, mas que estava apenas iniciando nos anos de
1950. Além disso, um período em que o atual curador de exposições independente ainda era

55
O jornal Opinião foi um periódico que circulou na década de 1970 e estava ligado à chamada imprensa
alternativa.
55

identificado como organizador de exposições – como demonstrado no capítulo um, esta


mudança no termo implicou em importantes diferenças. Ao organizador de exposições era
atribuída uma função mais relacionada a um fazer administrativo. Já o termo curador está
ligado a funções administrativas e propositivas. Paulo Venâncio Filho é de uma geração em
que curador de exposições independente já era uma carreira com visibilidade e notoriedade e
a Bienal de São Paulo já era reconhecida como uma das mostras de arte mais relevantes do
mundo (AMARAL, 1988). Estas informações são importantes para diferenciar as gerações de
Amaral e Venâncio Filho, pois seus contextos de formação são diferentes em relação à
visibilidade e a notoriedade das atividades de crítico e de curador, assim como Brasil como
um país produtor e expositor de arte proeminente diante de outros países. Outro fator que
diferencia as gerações de Venâncio Filho e Amaral reside na possibilidade de ser tomado
como um propositor/autor – atribuída ao papel de curador de exposições independente – que
não estava presente quando da formação de Aracy Amaral, mas já era possível no período de
formação de Paulo Venâncio Filho.
Além de distinguir as gerações de Venâncio Filho e Aracy Amaral, é importante
utilizar as suas próprias palavras através das quais ele diferencia a sua geração da atual.
Assim, para ele, sua geração não seria de críticos e curadores acadêmicos que buscaram uma
formação escolar para se tornarem críticos e/ou curadores, o que se daria no contexto presente
e diferenciaria sua geração da atual.
Mesmo não pertencendo a mesma geração de Aracy Amaral é perceptível que a fala de
Paulo Venâncio Filho, assim como a da crítica e curadora paulista, não enfatiza a formação
acadêmica como sendo fundamental para que ele se direcionasse para uma atuação
profissional como crítico de arte e curador de exposições. Diferenciando o seu contexto de
formação do presente, Venâncio Filho trata da curadoria e da crítica como carreiras que hoje
em dia são escolhidas por quem as quer seguir, o que faz com que as pessoas busquem cursos
de formação em tais práticas.
De acordo com Paulo Venâncio Filho, a curadoria e a crítica não foram carreiras por
ele eleitas, mas o contato cotidiano com artistas e outros críticos e curadores o foram
formando e direcionando para um trabalho como crítico e curador. Paulo Venâncio Filho
chega a tratar sua formação como sendo inversa da que observa presentemente, no que diz
respeito a importância que se dá a formação acadêmica, pois, em sua narrativa, ele primeiro
56

consolidou uma carreira como crítico de arte e curador, e posteriormente cursou o mestrado, o
doutorado e foi seguir uma carreira docente56.
A narrativa de Aracy Amaral relaciona prática e teoria com uma relevância atribuída à
parcela de sua formação que se deu na prática, a partir de relações com artistas e outros
agentes do mundo da arte. Já as palavras de Paulo Venâncio Filho dão conta de uma formação
em crítica e em curadoria que se deu em prática a partir do relacionamento com outros atores
do mundo da arte e um posterior aprofundamento em questões teóricas para lidar com
questões artísticas. Mesmo que com ênfases distintas, um fato deve ser ressaltado: tanto para a
Amaral, quanto para Venâncio Filho, suas formações são diferentes porque, em oposição ao
que observam como sendo comum hoje, o contato com artistas, críticos, curadores etc. foi a
eles fundamental. Um contato prático com a produção artística, que em suas percepções,
atualmente, estaria faltando à formação dos críticos e curadores. Hoje a formação e a posterior
atuação profissional se dariam, sobretudo, via uma formação acadêmica com um viés
profissionalizante.

2.1.3 - Felipe Scovino e Marcelo Campos – Anos 2000: Novas Modalidades da


Crítica e Institucionalização da Curadoria.

Esta parte será dedicada tanto à entrevista realizada com Felipe Scovino quanto à que
foi concedida por Marcelo Campos, uma escolha que se dá porque ambos os entrevistados
fazem parte de um mesma geração. Mesmo que não se intente fazer uma pesquisa geracional,

56
Na entrevista concedida por Paulo Venâncio Filho ele foi questionado sobre sua opção em fazer o mestrado e
o doutorado em comunicação social. O trecho em que o crítico e curador trata desta questão é o seguinte:
GM – Porque como crítico e curador, você foi fazer o doutorado em comunicação?
PV – É porque eu fiz arquitetura, e depois de dois anos, por uma circunstância lá eu acabei largando, daí eu fui
trabalhar nesse jornal que era o Opinião, e depois… ai eu já escrevia e parara e achei que tinha que voltar a ter
um estudo formal e fui fazer filosofia, embora eu não quisesse ser filosofo exatamente, tanto que depois eu não
fiz o mestrado e nem o doutorado em filosofia. Ai quando eu acabei a filosofia, eu me inscrevi para uma bolsa
Fulbright, para ir para os Estados Unidos e eu estava afim de estudar com a Rosalind Krauss, aí eu entrei… bom,
chegou uma hora que esse negócio todo… “ah você tem uma qualificação além, então vamos passar você não
para a Fulbright e você vai para a CAPES, sei lá”, então, foi uma tal complicação que no final eu me dei super
mal, porque não saiu a bolsa. Quer dizer, eu precisava estar inscrito lá onde ela estava dando aula, que era a
Intercollege na época, aí eu disse: “então eu vou pedir inscrição lá para o mestrado”, tinha uma junta que disse:
“não você tem que ir direto para o doutorado”, ai quando eu pedi para o doutorado, me disseram: “não, você não
tem nem mestrado, como é que…?”, ai eu disse: “então o mestrado”, e me disseram: “não, a gente não pode te
aceitar no mestrado, porque você não tem créditos em história da arte”, ai eu disse: “está bom!”, ai a bolsa claro
que não saiu, mas eu fui assim mesmo, e fiz os créditos, e aí fui aceito no mestrado. Ai quando eu pedi a bolsa de
novo, não saiu. Quando eu voltei, eu fiquei meio… sem exatamente… então, eu achei que devia tentar um
mestrado, mas como eu não queria fazer filosofia, a comunicação, a ECO [Escola de Comunicação da UFRJ]
aqui, valia qualquer coisa, então, eu entrei lá e acabei ficando por lá. E, quando eu estava lá ainda, terminando,
ainda não tinha defendido o meu doutorado, surgiu esse concurso na EBA, ai eu fiz o concurso e passei. Embora,
o meu currículo de artes plásticas não tinha nada de acadêmico, mas eu tinha um mestrado. (FILHO, Paulo
Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013).
57

que seja um retrato de cada uma das gerações representadas pelos pesquisados, este viés está
aqui presente. Logo, o fato de Scovino e Campos fazerem parte da mesma geração é
aproveitado para demonstrar mais especificidades do contexto que lhes é relativo.
No dia 27 de setembro de 2013, durante 1h e 28min, foi efetuada a entrevista com o
crítico de arte, curador de exposições e professor da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Felipe Scovino. A entrevista foi realizada na cafeteria do Paço
Imperial, no bairro do Centro, Rio de Janeiro. E, a entrevista com Marcelo Campos, que teve
duração de 1h e 32 min, se deu na cafeteria da EAV, localizada no bairro do Jardim Botânico,
Rio de Janeiro, em 12 de junho de 2013. Campos é crítico de arte, curador de exposições e
professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da
Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Da entrevista realizada com Felipe Scovino é importante, agora, destacar alguns
trechos relativos à sua formação. Scovino é graduado em história pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da UFRJ. Então, uma das perguntas direcionadas a ele procurava entender
como em seu momento de formação ele foi optando pela área. Felipe Scovino deu a seguinte
resposta a tal questionamento:

Eu me formei em história, no IFCS, em 2000. E, em 1998, era chegado o momento


de decidir a minha monografia, e todas as eletivas eu tinha feito ou em história
cultural ou na filosofia, sempre pensando a relação entre a arte e a fenomenologia,
que é um assunto que me interessa bastante, ou o existencialismo, as correntes
filosóficas francesas, na virada da primeira metade do século XX, e a sua articulação
com arte. E em 1998, 1999... chegou o momento de escrever monografia, e sobre o
quê que eu escreveria? Eu não tinha a menor ideia. Estava um pouco desinteressado
também na faculdade de história, já não fazia muito a minha cabeça, apesar de que
depois isso foi importante, principalmente, a ideia de metodologia da história oral, é
importante para o meu trabalho, na concepção de entrevistas. E estava acontecendo
aqui no Paço [Imperial] a exposição da Lygia Clark, em 1998, e eu fiquei
impressionado com a exposição, eu achei maravilhosa e aí fui estudando sobre o
neoconcretismo, sobre o Hélio Oiticica, sobre a Lygia Clark, sobre a Lygia Pape...
E, aí me veio a ideia de como estes artistas, especialmente esses três, lidaram com a
ideia... renovaram a ideia de participação, do objeto de arte, do espectador que se
transforma num participador, do artista que se transforma num propositor. A partir
disso eu escrevi a minha monografia sobre a ideia de participação. Logo em seguida
eu apliquei para o mestrado lá na EBA, passei, daí fiz a minha dissertação sobre arte
participativa focando nos artistas concretos, neoconcretos, especialmente na Lygia
Clark. Também, sei lá, no intervalo de um ano, fiz o meu doutorado sobre ironia na
arte brasileira, defendi em 2007, logo em seguida eu ingressei com a bolsa de recém-
doutor, no PPGAV, na Escola de Belas Artes da UFRJ. E de lá eu continuei até o
momento em que prestei o concurso para professor, e hoje eu sou professor da
Escola de Belas Artes. Então, assim, academicamente foi tudo muito rápido, o meu
interesse veio lá desse período da Lygia Clark, havia o Projeto Hélio Oiticica, estava
tendo a exposição sobre a Lygia Clark aqui o Paço [Imperial] e eu fui lá saber mais
sobre aquele artista, e essa ideia de participação, concretismo, novo modelo de
expectador. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).
58

O crítico e curador Paulo Venâncio Filho foi orientador de Felipe Scovino em seu doutorado,
realizado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ. Assim, outra questão
colocada a Scovino procurava entender se estudar com Venâncio Filho foi importante para
que ele optasse por uma carreira em crítica e curadoria como a de seu orientador. Ao que
Scovino respondeu:

É, não sei se o Paulo foi o grande. Têm nomes importantes. Tem o Ronaldo Brito,
Paulo Sérgio Duarte, Paulo Venâncio, Paulo Herkenhof, foram nomes que... uma
geração seguinte, geração seguinte não, mas duas gerações depois do Mário Pedrosa,
que sedimentaram a ideia de curadoria e crítica no Brasil. O Paulo foi formado na
Escola de Comunicação, então, você não tem ainda uma geração, e nem a minha
geração: minha, do Marcelo [Campos], do Guilherme Bueno, dos nossos colegas de
São Paulo, nós não somos, pensando na graduação, nós não somos formados em
história da arte, nem havia história da arte. O curso de história da arte na UERJ, no
caso do Rio de Janeiro, é mais recente, que deve estar fazendo, sei lá, dez anos
talvez, um pouco mais, por volta disso. Então, esse interesse pela curadoria e pela
crítica foi, primeiro: uma coisa natural, fui estudando arte, você acaba não sendo
artista, mas você acaba querendo botar em prática os seus estudos, e eu acho que
isso é interessante também, no trabalho do curador e do crítico, eles acabam também
se relacionando do ponto de vista da academia, porque você quer transformar o seu
projeto de mestrado, sua dissertação de mestrado, seu projeto de doutorado, numa
exposição, né? Como foi no meu caso, o que aconteceu, eu defendia a dissertação
em 2003, e fiz no ano passado a exposição com o Paulo Sérgio Duarte sobre a Lygia
Clark57. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

Complementando o seu pensamento exposto na pergunta acerca de sua formação


acadêmica, Felipe Scovino falou mais sobre o papel da Academia na formação dos
profissionais da arte, assim como trouxe uma comparação entre o momento atual e o
vivenciado por críticos como Paulo Sérgio Duarte. De acordo com Scovino:

Só, rapidamente, só para complementar, que eu estava falando sobre a Academia na


primeira pergunta, a Academia não é o único meio de formação do artista. Não é um
mestrado ou um doutorado que qualificará aquela pessoa como um excelente artista.
Não é porque ele tem um doutorado em arte, que ele será melhor, é um dado óbvio,
mas... é um modo de você se qualificar, mas isso não dirá que ele é melhor. Poxa, o
Paulo Sérgio Duarte não tem doutorado, porque não existia doutorado na época dele,
quer dizer, na época dele?! (risos), na época em que ele estudava, mas também não
interessa nem a ele, como o Ronaldo [Brito] também não tem. São momentos
diferentes. Hoje você tem, do ponto de vista acadêmico, muito recente. Não só a
academia, é escolar. Por que a gente tem o Parque Lage, por exemplo, no caso do
Rio, com uma formação dos artistas, para uma formação dos artistas, visando uma
formação dos artistas, muito mais qualificada do que anos atrás. Mas isso também
não faz com que o cara se torne melhor, porque ele tem doutorado ou porque ele fez
x cursos no Parque Lage, na Casa do Saber, não importa, seja onde for, do que o
cara que está lá a 20 ou 30 anos construindo o trabalho dele. (SCOVINO, Felipe.
Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

57
A dissertação de mestrado de Felipe Scovino foi: A vontade poética no diálogo com os Bichos: o ponto de
chegada de uma arte participativa no Brasil. E, sua tese de doutorado foi: Táticas, posições e invenções:
dispositivos para um circuito da ironia na arte contemporânea brasileira.
59

Felipe Scovino se formou como crítico e curador em uma geração diferente da de


Paulo Venâncio Filho e da de Aracy Amaral, sendo a sua geração aquela que começou a
trabalhar com crítica e curadoria no início dos anos 2000. Mesmo atentando para o fato de que
o conhecimento acadêmico não necessariamente torna alguém um crítico e/ou curador, ao
narrar a sua formação e os caminhos que o levaram a exercer crítica de arte e curadoria de
exposições, Scovino trata de sua formação acadêmica como sendo o ponto de partida que lhe
fez optar por tais carreiras. É notável que a forma de narrar a importância do ensino
acadêmico em seu processo de formação é distinta da de Amaral e Venâncio Filho. Estes
ainda que pertencendo a diferentes gerações, dão maior peso em suas narrativas ao que seria
uma formação prática. A presença do conhecimento acadêmico é mais enfatizada na fala de
Scovino. Há uma espécie de inversão nas narrativas: quando para Amaral e Venâncio o ensino
acadêmico é posto em segundo plano, na fala de Scovino ele aparece como força motriz de
sua formação e aproximação com a crítica e a curadoria. Por exemplo, enquanto Paulo
Venâncio Filho, ao falar sobre sua formação acadêmica, frisou que esta não teve qualquer
importância para que ele viesse se tornar um crítico de arte e curador, Felipe Scovino fala
sobre sua pesquisa sobre Lygia Clark que inicialmente o aproximou das esferas da crítica e da
curadoria.
A pesquisa para a realização de críticas e curadorias é ressaltada como sendo crucial
por Amaral, Venâncio Filho e Scovino, porém no caso deste último há uma narrativa que dá
mais destaque para uma pesquisa feita a partir da Academia. Fato perceptível no ponto em
que Felipe Scovino, ao tratar de sua formação ainda na graduação, fala de seu interesse pelo
Existencialismo e as correntes filosóficas francesas. Isto permite que se perceba que não só há
uma presença maior da Academia em seu processo de formação, como sua narrativa também,
em comparação com a de Amaral e Venâncio Filho, possui um tom mais acadêmico. É como
se o interesse de Scovino por arte estive mediado e entremeado por questões teórico-
acadêmicas que não apareceram nas entrevistas com Aracy Amaral e Paulo Venâncio Filho.
Sendo assim, nas narrativas destes últimos eles não trazem à tona interesses teóricos que
inicialmente os moveram a trabalhar com crítica e curadoria.
Também é importante perceber que Felipe Scovino se refere a uma geração de críticos
e curadores brasileiros mais recente que a sua. Uma geração que em sua fala tem a
possibilidade de se formar em história da arte, por exemplo, fato que não era possível a sua
geração, ao menos no Rio de Janeiro. Sendo tal geração mais recente referenciada até mesmo
por Paulo Venâncio, quando este comentou a existência de cursos de especialização em crítica
60

e curadoria, presentemente. Neste sentido, para Scovino, no que se refere à formação do


profissional da crítica e da curadoria, sua geração se diferencia desta geração mais recente,
que tem a possibilidade de se formar em uma carreira que supostamente seria mais próxima
do fazer crítico e curatorial.
Da entrevista com Marcelo Campos, também é interessante dar destaque a alguns
trechos. Quando questionado sobre o fato de ter largado o curso de pintura iniciado na Escola
de Belas Artes da UFRJ58, mas ainda assim ter retornado a esta instituição para cursar o
mestrado e o doutorado, fazendo uma espécie de caminho de retorno as artes, Campos
discorreu sobre esta motivação:

O “caminho de volta” na verdade era porque também na faculdade de comunicação


eu produzi uma pesquisa sobre um artista 59. (…) Então, a [Escola de] Belas Artes
[da UFRJ] já tinha um mestrado que era Antropologia da Arte, eu estava interessado
em cultura brasileira, relações de identidade, então eu falei: “vou lá para ver esta
linha de pesquisa como uma possibilidade de junção, teórica onde eu possa estudar a
cultura brasileira e ao mesmo tempo aplicar estes estudos a um artista”. E aí foi
quando eu estudei o Carybé. Eu entrei na EBA ainda, entrei em 1997, voltei em
1997, para fazer o mestrado e a minha turma ainda foi uma turma que fez o mestrado
em quatro anos, um período longo, que não tem mais, agora são só dois anos. E aí eu
percebi ao mesmo tempo que tinha essa área que já me interessava em cultura. Eu já
tinha lido Roberto da Matta, textos sobre Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, tudo
isso na faculdade de comunicação. E, chegando no mestrado eu li os teóricos da
antropologia e da sociologia da arte, eu li vários teóricos, o próprio Bourdieu, eu fui
conhecendo ali como teórico, já no meio daquela história, daquela tarefa que eu
tinha, que era produzir uma dissertação sobre um artista. (CAMPOS, Marcelo.
Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

Marcelo Campos ao ser perguntado se percebia que, no momento de preparação de seu


trabalho sobre o artista Carybé, já estava se encaminhando para um fazer mais crítico,
prosseguiu:

É, eu sempre acho que eu, num primeiro momento, produzia textos acadêmicos,
produzia textos para congressos, para apresentações em seminários que eram feitos
na EBA. Então, o texto cumpria regras, muitas regras, regras de citação, regras de
notas de rodapé. E, de certo modo, aquilo não é o que hoje eu desenvolvo como um
texto crítico, e, nesse sentido, se eu puder pensar sobre isso eu vejo uma diferença,
entre o texto acadêmico e o crítico. Eu vejo, inclusive, uma diferença nos próprios
críticos, os que passaram por esse lugar, da pesquisa e da Academia, e os que não
passaram por esse lugar. Por que há uma espécie de estimulo que você tem, que de
certo modo faz rebater aquilo que você está estudando. Por exemplo, eu estou
estudando uma pintura, e o pintor é o Carybé, e ele trabalha com as tradições afro-
brasileiras, eu estudo a história das tradições afro-brasileiras, ou as próprias
tradições, e eu decodifico essa pintura com aquilo que eu estudei, como as

58
Marcelo Campos chegou a cursar a graduação em pintura na Escola de Belas Artes da UFRJ, mas abandonou
o curso. Tendo se graduado em Comunicação Social pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso. (CAMPOS,
Marcelo. Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).
59
A monografia de conclusão de curso de graduação de Campos foi sobre o artista baiano Carybé.
61

características dos rituais ou coisa parecida. Este é um pouco o diálogo que eu


mantenho até hoje com o objeto de arte, é um diálogo que dura até hoje, que eu
mantenho até hoje. Então, este é um diálogo que até hoje eu percebo, quer dizer,
quando eu sou convidado até hoje para escrever um texto crítico e eu visito o ateliê
do artista ou ele me manda em PDF imagens, eu sempre procuro atuar ali como um
pesquisador. E, eu me controlo muito, e parece uma esquizofrenia também, porque
eu vou percebendo relações, cada hora que você me perguntar, dependendo do texto
que eu estiver produzindo, eu estou estudando teorias diferentes, porque eu nunca
me livro, e não quero me livrar, dessa condição de pesquisador. Então, para mim,
produzir, por exemplo, naquele momento, críticas sobre um artista como o Carybé,
era me obrigar a estudar relações antropológicas, relações de identidade, e que, de
certa maneira, seriam por mim associadas aos trabalhos, e isso acontece até hoje. É
uma postura que eu tenho até hoje. O que modifica muito, é o modo como você vai
produzir esse texto. E uma liberdade que você pode ter. (CAMPOS, Marcelo.
Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

Outra questão colocada a Marcelo Campos diz respeito ao fato de que na entrevista,
que concedeu para o livro de Guilherme Bueno e Renato Resende60, ele ter se referido à
importância dos ateliês para a sua formação. Contudo, foi explicitada a Campos a impressão
de que o acesso a estes ateliês, e também a coleções privadas, não é dado a todos. Então,
Campos foi questionado sobre como se deu a sua inserção em tais ateliês e coleções, e
também se no Brasil a formação do profissional das artes, de modo geral, dependeria das
relações pessoais com artistas e colecionadores. Questionamentos ao quais ele respondeu:

Você tem razão quando diz que o acesso ao ateliê não é dado a todos, mas eu acho
também que aqui ele é facilmente acessível, por exemplo, você é um pesquisador,
está no mestrado ou na graduação, e tem um artista que você quer pesquisar, aí ele
mora no Rio, assim eu comecei. No meu caso eles moravam na Bahia, num primeiro
momento. E, a primeira coisa que eu fiz foi: “eu preciso de um trabalho de campo”;
que é um vício que os estudos de antropologia, de certa maneira, me colocaram esse
vício. Estudar antropologia e sociologia, me colocou o vício do trabalho de campo, o
que eu faço até hoje. Então, nessa busca, eu nunca tive nenhuma, quer dizer, eu tive
poucas, pouquíssimas, recusas. E, este acesso está lá, quer dizer, eu consegui desde a
graduação visitar os ateliês do Carybé, do Mário Cravo, já na Bahia, aquilo de certa
maneira deu uma seriedade para as minhas pesquisas, que eu não tinha. Ou seja, que
eu não imaginava na época, que seria possível, porque eu era um leitor, eu era
alguém que analisava e que era um leitor, e que depois tinha que cumprir algumas
tarefas universitárias, para as disciplinas. E, o ateliê me fornecia informações
privilegiadas, com as entrevistas, com o modo como o trabalho se apresenta no
ateliê, com o que você percebe que o artista mexe ali. (CAMPOS, Marcelo.
Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

Guardadas as devidas diferenças, é nítido que a narrativa de Marcelo Campos acerca


de sua formação é deveras semelhante a de Felipe Scovino. O processo de formação de ambos
passou por uma formação acadêmica que é descrita como relevante para o início de suas
atuações no âmbito da crítica e da curadoria. O fato de pertencerem a um mesmo contexto

60
A referenciada entrevista consta na seguinte referência: BUENO, Guilherme e REZENDE, Renato. Conversas
com Curadores e Críticos de Arte. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2013.
62

social, histórico, artístico e cultural os coloca em uma mesma geração, justamente, pelo fato
de que os processos de formação de ambos, é parecido: advindos de áreas que não
necessariamente são dedicadas aos estudos de artes visuais, Campos e Scovino optaram por
pesquisas acadêmicas que os aproximaram de artistas, críticos, curadores etc., fato que os
encaminhou para as carreiras que seguem presentemente. É possível dizer que em ambos os
casos, de acordo com as narrativas dos entrevistados, fica explícito que foi a pesquisa
acadêmica que lhes aproximou dos fazeres crítico e curatorial.
Uma formação inicial em outra área de pensamento que não estava dedicada ao ensino
de artes visuais não é uma especificidade do contexto da geração de Campos e Scovino.
Amaral graduou-se em jornalismo e Venâncio Filho em filosofia. No entanto, ainda que os
últimos falem do processo de pesquisa como algo importante na formação do crítico e do
curador, a ênfase que dão a uma formação prática (ou seja, em contato com artistas etc.) é
maior do que a dada por Campos e Scovino, que relatam seu processo de formação de modo
mais atrelado a suas formações acadêmicas.
Há que se demarcar também que, do mesmo modo que Scovino, Marcelo Campos
adota um discurso mais teórico ao narrar a sua formação. Ele fala sobre disciplinas
acadêmicas (especialmente, a sociologia e a antropologia) que foram importantes para a sua
formação. Neste sentido, seu discurso como o de Scovino é aqui encarado como sendo mais
mediado e entremeado por um conhecimento acadêmico, o que não aparece nas entrevistas
com Amaral e Venâncio Filho.
Uma hipótese desta pesquisa é que o ensino acadêmico teve sua relevância alterada na
esfera da arte, ao menos no que diz respeito à formação de críticos e curadores no Rio de
Janeiro. O ensino acadêmico aparece com uma nova ênfase na legitimação de críticos e
curadores, que ao saírem da graduação escolheram fazer o mestrado e o doutorado sem
intervalos, ou seja, seu ingresso em cursos de pós-graduação foi imediato à sua saída da
graduação, sendo este ensino superior uma forma encontrada por eles para acessar artistas,
críticos, curadores etc.
Ainda que Scovino tenha atentado para a questão de que um título de mestre ou doutor
não seja importante para tornar um indivíduo uma autoridade artística, seja como artista,
crítico ou curador, isto deve ser relativizado, já que ao se analisar a sua fala (e a de Marcelo
Campos) acerca de seu processo de formação, fica claro que a Academia tornou-se um
paradigma para a sua geração, sendo ela um caminho em direção à legitimação e ao exercício
de uma autoridade em crítica e curadoria. Esse é um fato que distingue o contexto de
63

formação de Felipe Scovino e Marcelo Campos do de Aracy Amaral e como também do de


Paulo Venâncio Filho.

2.1.4 - Raphael Fonseca – Os Anos de 2010: Desaparecimento da Crítica e


Celebração da Curadoria.

A cafeteria localizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no bairro do Jardim


Botânico, no Rio de Janeiro, foi o local escolhido para a realização da entrevista, que durou
1h e 41min, com o crítico de arte, curador de exposições e professor do ensino médio do
Colégio Pedro II, unidade Realengo, Raphael Fonseca. É importante frisar que o contexto de
formação de Fonseca é referenciado nas entrevistas acima destacadas como sendo o
responsável pelo surgimento de uma nova geração, tomada como diferente das dos demais
entrevistados. Uma geração que estaria se formando em um contexto em que os cursos
voltados a um conhecimento para o ensino da arte estão se proliferando (ao menos no Rio de
Janeiro) sendo um momento em que se encontra a possibilidade de se formar através de
cursos de história da arte e mesmo relacionados ao ensino de curadoria e crítica de arte.
Raphael Fonseca é historiador da arte, formado pela UERJ, e cursa atualmente o
doutorado nesta mesma instituição, tendo feito o seu mestrado na UNICAMP. Uma das
perguntas a ele direcionadas procurava o entendimento de como ele relaciona as suas
pesquisas dentro da Academia com a sua prática curatorial e de crítico, ao que ele respondeu:

Eu fiz a UERJ e fui para a UNICAMP… O mestrado em si, foi muito peculiar e
sobre Renascimento61. Não que não tenha a ver, eu acho que tem a ver de certo
modo. Agora, a graduação na UERJ, por ser em história da arte e por ter professores
muito diversos, me fez ter contato com várias e diferentes áreas do campo da arte. E,
de modo meio forçado, muitas pessoas trabalhavam com arte contemporânea, o que
é muito comum no Rio, né? Muita gente faz PUC, UERJ ou UFRJ e trabalha com
arte moderna e contemporânea. Agora, eu acho que a graduação me fez escrever,
querendo ou não, algumas vezes sobre arte contemporânea, e para cair no campo da
crítica foi um passo. E, eu já vinha desenvolvendo um tempo antes alguma
experiência com crítica de cinema. Escrevia para uma revista, a revista lá da
UFSCar, uma revista universitária de audiovisual, A Rua e tal. E ai, quando eu me
peguei escrevendo sobre exposições, não foi um passo propriamente novo. Agora,
como eu relaciono isso com as minhas pesquisas curatoriais? Boa pergunta. Eu acho
que na verdade, eu tenho um anseio de fazer coisas que eu ainda não fiz
curatorialmente, que tem a ver com a minha graduação, e que é pensar exposições,
por exemplo, através de recortes de problemas, então, vou dar um exemplo aqui bem
banal, sei lá, violência, ponto. E conseguir pensar como diferentes momentos da
história articulam a ideia de violência com a imagem. Então, não só trabalhar com
arte contemporânea, mas também com outros momentos da história. Ai quando eu

61
A dissertação defendida por Raphael Fonseca foi: Francisco de Holanda: "Do tirar pelo natural" e a
retratística.
64

conseguir fazer isso de modo concreto, ai sim se esbarre, literalmente, com o meu
tipo de graduação, que é muito transhistórico, que é muito transdisciplinar também,
transgeográfico, enfim. Agora, por outro lado, eu também acho que todo ato
curatorial tem uma relação com uma ideia de você selecionar imagens e pensar as
imagens no espaço, nessa relação com as imagens, e a história da arte tem muito
disso também. (…). Você falou de vida acadêmica, né? E, eu estava pensando esses
dias… eu estudo a preguiça no doutorado, e eu estava realmente a fim de recortar a
tese em cima dessa imagem da rede de dormir, e pensar como essa imagem da rede
aparece em séculos diferentes aqui no Brasil, e eu estou pensando em deixar um dos
capítulos da tese como alguma espécie de conceito curatorial, como um projeto de
exposição a realizar depois. Aí, eu acho que isso esbarra também. Ai fica uma tese
não só na história da arte e da crítica, mais também num fazer curatorial. Então, eu
acho que as coisas se encaixam, mas não de um modo tão “setinha”, né? Não tão
linear. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de 2013).

Uma questão que apareceu nas entrevistas efetivadas para esta dissertação diz respeito
a ideia de que a geração que tem iniciado uma formação em crítica de arte e curadoria hoje,
teria como diferencial a possibilidade de se formar em cursos voltados a arte, que têm se
proliferado no Brasil. Dentre estes cursos há alguns que tem como foco um aperfeiçoamento
profissional em crítica e/ou curadoria. Raphael Fonseca faz parte, justamente, desta geração
que pode se formar em história da arte no Rio de Janeiro e que pode fazer cursos com algum
enfoque em crítica e curadoria, neste mesmo contexto. Em sua trajetória aparecem os cursos
por ele efetivados no CAPACETE entretenimentos62 e na Escola de Artes Visuais do Parque
Lage. Então, Fonseca foi questionado sobre a influência dos cursos, da Universidade de Verão
(oferecido pelo CAPACETE) e de Aprofundamento (realizado na EAV), em sua prática
profissional. De acordo com ele:

Agora assim, o CAPACETE… a Universidade de Verão foi bom, porque foi a


primeira coisa que eu fiz, foi minha primeira tentativa de edital também em arte
contemporânea. Eu tinha começado a fazer exposições em 2011, eu acho, com a
Dani [Daniela Seixas], a Mariana Katona, aquela Objetos e Acontece Que. Mas foi
em janeiro do ano passado o CAPACETE. Foi bom porque? Foi a primeira
experiência de imersão ao lado de artistas contemporâneos e ponto. Todos muito
jovens, mas também com figuras como Renata Lucas. Então, eu acho que o
CAPACETE funcionou como uma espécie de choque, porque era uma seleção para
vinte pessoas, eu acho. E, eu era o único crítico/curador, muito incipiente ainda, fiz
duas exposições, tinha feito mais mostras de cinema, mas é outro processo. Aí
acontece que foi bom para ouvir eles falarem e para ter um contato meio
antropológico mesmo com o modus operandi de artistas. (…) Eu acho que tanto o
CAPACETE e o Aprofundamento, falando sobre isso já, eram muito mais para eu
fazer uma espécie de networking, do que foram coisas que efetivamente mudaram a

62
O CAPACETE Entretenimentos foi fundado em 1998, e conta com uma sede no Rio de Janeiro e outra em São
Paulo. O CAPACETE,
(…) dedica‐se à pesquisa, à organização e à disponibilização
de documentação sobre processos estéticos, culturais, políticos no Brasil, sobre os
projetos realizados localmente por artistas brasileiros e estrangeiros. O CAPACETE recebeu mais
de 250 artistas e curadores (em sua grande maioria profissionais internacionais) dos quais mantemos
um arquivo organizado na sede do CAPACETE na Gloria, Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://174.132.171.153/~cacaca/files/residencia-capacete2015.pdf>. Acesso em: 05 de jan. de 2014.
65

minha trajetória ou… enfim, você aprende sobre tudo e com tudo na vida, você está
no ônibus e você aprende coisas, agora, não eram ambientes que eu posso falar que:
“Ah! Tive aulas ou encontros life changing”, né? Não, não tive. Quer dizer, não tive
encontros com as aulas life changing, mas tive encontros com pessoas incríveis, que
viraram amigas etc. e que de modo não linear também, foram me chamando para
fazer coisas. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de 2013).

Ao ser perguntado sobre a influência da visitação a ateliês de artistas e coleções


privadas para a formação do profissional das artes, se teve tal acesso e como este se deu,
assim como, se no Brasil seria necessária uma rede de contatos pessoais para poder adentrar
em tais ateliês, Fonseca deu a seguinte resposta:

Eu acho que a relação com a arte se dá a partir do contato, seja… enfim, tem que
estar vendo a coisa, não sei se vendo in loco, mas vendo imagens, acho que isso é
um tópico. Agora, a esse respeito dentro do campo da arte contemporânea, que eu
acho que a gente está falando especificamente aqui… no meu caso primeiro, de
coleções privadas, eu não conheço nenhuma, eu tenho amigos que tem coisas ótimas
em casa, mas eu não sou um cara que frequenta coleções privadas, isso é um tópico.
Ateliês vieram depois de algum tempo, e aí tem uma moça, uma moça não, uma
mulher lá de São Paulo, Ana Paula Cohen, que eu assisti uma palestra dela, e ela
falou uma coisa que eu concordo de um certo modo, que ela fala que a figura dos
curadores e dos críticos se cria junto com a dos artistas, e eu acho que sim, que é
uma relação que se tem que ter, é no diálogo direto com o artista, em todos os
sentidos: do não entendi ao elogio, né? É uma troca aí, entendeu? Acho complicado
você se auto definir como crítico ou curador e não ter esse contato com eles. Então,
eu acho que os ateliês entram, inicialmente, de modo muito dos amigos, eram a Dani
[Daniela Seixas], a Mariana [Katona], pessoas assim… até hoje em dia, quando as
vezes que eu estou em São Paulo, tem uma certa espécie de profissionalização da
coisa que me dá um certo medo, que te chamam para ir em ateliês, tem dão cartões,
aí tudo muda, tem que estar lá para trabalhar, tem que estar lá não porque é o seu
amigo que está ali. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de
2013).

Como já destacado, mesmo advindos de distintas gerações e surgindo diferenças entre


os seus contextos de formação entre si, é perceptível que os entrevistados para esta dissertação
tomaram em suas falas o contexto de formação de Raphael Fonseca (o atual) para tecerem
comparações. Esta é uma maneira deles valorizarem e distinguirem seus contextos de
formação do momento presentemente vivenciado no mundo da arte, o qual está sendo
construído por eles e por atores sociais como Fonseca, só que este também está sendo
formado por tal contexto. Isto implica em diferenças em relação a sua formação e ao modo
como ele encara as carreiras profissionais por ele adotadas.
Além disso, é preciso demarcar que as diferenciações e valorizações que os
entrevistados fizeram acerca de seu contextos de formação são tomadas como uma
confirmação de que suas gerações estão em interação, através de conflitos e em busca de
consensos, o que podem lhes trazer um reconhecimento (desejado consciente ou
66

inconscientemente) no papel de especialistas em crítica e curadoria, pois aqueles que são


compreendidos como mais bem formados podem ganhar o título de especialistas que os
possibilitará serem tomados como autoridades em crítica e curadoria.
A partir da fala de Raphael Fonseca é apropriado observar a importância por ele dada a
sua formação acadêmica. Embora em sua formação inicial (no curso de artes visuais da UERJ
e em seu mestrado na UNICAMP) suas pesquisas tenham sido em relação ao Renascimento,
ele atua como um curador e crítico que lida com arte contemporânea, uma vez que esta
questão esteve presente ao longo de sua formação, através do viés “transgeográfico” e
“transhitórico” de sua disciplina acadêmica. Em sua narrativa é perceptível também um
discurso mais mediado por teorias acadêmicas, fato que aproxima a sua geração da de
Campos e Scovino.
Outra questão que merece atenção é o fato de que a geração de Fonseca é tomada,
pelos entrevistados, como uma geração que pode se formar em crítica e curadoria com um
viés acadêmico que pode ser encarado como profissionalizante. É um fato que na trajetória de
Fonseca, além de sua graduação e pós-graduação, estão presentes dois cursos, a Universidade
de Verão do CAPACETE e o Aprofundamento na EAV, os quais demonstram a proliferação
de cursos que permitem uma especialização em questões artísticas, com um viés relacionado
também à crítica e à curadoria. Contudo, é preciso demarcar que esta possibilidade também
está presente nas realidade de Campos e Scovino63, mas não era presente na geração de Aracy
Amaral e estava surgindo no contexto de formação de Paulo Venâncio Filho – não à toa,
como anteriormente destacado em nota de rodapé, este último tentou cursar aulas com
Rosalind Krauss, o que pode ser considerado como uma tentativa de aperfeiçoamento
profissional em crítica e curadoria.
Do que se percebe que ao longo do tempo tais cursos voltados aos profissionais que
buscam trabalhar como críticos e curadores, de fato, foram surgindo e se tornando mais
comuns. Esta possibilidade não era uma realidade no contexto de formação de Amaral, mas
que até chegar no contexto de Fonseca se tornaram cada vez mais viáveis, reais e
consolidados. Pode-se dizer através das palavras de Fonseca que tais cursos complementam a
ação da Academia e possibilitam o contato de críticos e curadores em formação com artistas,
outros críticos, outros curadores etc., sendo eles uma nova possibilidade de formação que leva
atores à uma formação em crítica e curadoria, de modo conceitual e prático, já que contatos

63
Felipe Scovino na entrevista concedida para esta pesquisa relata que fez uma residência instantânea em Paris,
no ano passado, e aqui um curso de residência é considerado como uma forma de aperfeiçoamento profissional,
no caso voltado à crítica e à curadoria. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).
67

práticos com a produção artística podem ser viabilizados através destes cursos, como
destacado por Raphael Fonseca.
Embora a possibilidade de uma formação especializada em crítica e curadoria seja
uma realidade presente na trajetória de Raphael Fonseca, é interessante perceber que assim
como os demais entrevistados, ele não atribui o peso de sua formação em crítica e curadoria
plenamente à tal formação escolar. Como os demais entrevistados, ele fala de outros fatores
que lhe formaram, ou levaram, ou permitiram, se tornar um crítico de arte e um curador de
exposições. Tais fatores podem ser reunidos pela categoria networking, uma categoria nativa,
que diz respeito aos contatos feitos com outros agentes do mundo da arte, só que contatos
efetivados com pessoas reconhecidas como autoridades desta esfera, uma vez que tais
contatos sociais podem se desdobrar em contatos profissionais. Deste modo, é conveniente
perceber que, para Fonseca, a sua formação acadêmica ajudou a que ele se tornasse um crítico
de arte e curador, contudo esta trajetória acadêmica é por ele unida à sua capacidade de fazer
networking, ou seja, de travar contatos sociais que contribuíram para a sua atuação inicial em
crítica e em curadoria.

2.1.5 - Não Linearidades Lineares.

Tomando os trechos acima retirados das entrevistas efetivadas para a presente


pesquisa, é possível dizer algumas coisas sobre as formações dos críticos e curadores
entrevistados. Primeiramente, suas falas em respeito à sua formação não deixam de valorizar
o ensino acadêmico que receberam como sendo algo nevrálgico para as pesquisas que
realizam e auxiliam o seu fazer crítico e curatorial.
Contudo, há que se notar que, conforme suas narrativas, houve uma mudança no
decorrer do tempo: Aracy Amaral se graduou em jornalismo, Paulo Venâncio em filosofia,
Felipe Scovino em história e Marcelo Campos em comunicação social, os quatro, que de
acordo com esta pesquisa, participam de três gerações distintas de críticos e curadores,
partiram para uma especialização em artes apenas na pós-graduação. Enquanto isso, Raphael
Fonseca faz parte de uma geração mais recente, que teve a possibilidade, ao menos no Rio de
Janeiro, de se graduar em história da arte e está imerso em um contexto em que proliferam
cursos voltados à formação em crítica e curadoria. Conforme se lê a sequência das entrevistas,
salta aos olhos como de uma para outra a presença do ensino acadêmico vai ganhando mais
força nas narrativas, de modo que as próprias falas os entrevistados acessam mais teorias
tornando os seus discursos mais acadêmicos.
68

Ainda em relação à proliferação de cursos voltados à formação em crítica e curadoria,


é interessante lembrar o momento em que Felipe Scovino chegou a dizer que a sua geração,
talvez, seja a última de críticos e curadores brasileiros que não se formou em artes visuais,
visto que esta possibilidade é recente no contexto do Rio de Janeiro64. Não é que, atualmente,
para se formarem críticos e curadores, as pessoas apenas possam cursar uma graduação em
artes visuais ou mesmo tenham que fazer um curso específico para se tornarem críticos ou
curadores. Porém como apontou Paulo Venâncio, presentemente, a crítica e curadoria são
carreiras por que se optam, sendo carreiras escolhidas no momento da formação inicial, já que
hoje encontram-se cursos de história da arte, de artes visuais e mesmo cursos específicos que
visam a formação de tais profissionais. Neste sentido, percebe-se que ao longo do tempo o
ensino acadêmico foi sendo considerado mais importante para formar críticos, curadores e
mesmo artistas plásticos. Hoje, a formação e a especialização que visem a construção de uma
carreira em crítica e curadoria são uma realidade mais patente.
Outro ponto que merece atenção, e que já foi destacado, é o discurso teórico
acadêmico que vai se diferenciando de uma geração à outra. No caso de Aracy Amaral,
tomada como representante de uma geração formada nos anos de 1950, sua fala não traz
teóricos ou correntes de pensamento que inicialmente a levaram a trabalhar como crítica e
curadora. O mesmo se percebe na narrativa de Paulo Venâncio Filho. Agora, ao se atentar
para as entrevistas concedidas por Marcelo Campos e Felipe Scovino, ficou explicita a
presença de teóricos acadêmicos que mediaram a sua percepção quando de sua entrada no
campo de atuação da crítica e da curadoria. O mesmo se percebe na fala de Raphael Fonseca
que, embora, não fale de uma corrente ou teórico específico, fala sobre correntes
“transgeográficas” e “transhistóricas” importantes para a sua formação. Destarte, é perceptível
que um discurso mais entremeado por questões teóricas e acadêmicas foi surgindo de uma
geração à outra.
Um terceiro ponto que deve se demarcar sobre as citadas entrevistas, diz respeito ao
fato de que apesar de haver uma mudança na possibilidade de formação inicial do profissional

64
O trecho está anteriormente destacado, mas a título de rememoração é interessante trazê-lo novamente, nele
Felipe Scovino diz:
(…) Tem o Ronaldo Brito, Paulo Sérgio Duarte, Paulo Venâncio, Paulo Herkenhof, foram nomes que...
uma geração seguinte, geração seguinte não, mas duas gerações depois do Mário Pedrosa, que
sedimentaram a ideia de curadoria e crítica no Brasil. O Paulo foi formado na Escola de Comunicação,
então, você não tem ainda uma geração, e nem a minha geração: minha, do Marcelo [Campos], do
Guilherme Bueno, dos nossos colegas de São Paulo, nós não somos, pensando na graduação, nós não
somos formados em história da arte, nem havia história da arte. O curso de história da arte na UERJ, no
caso do Rio de Janeiro, é mais recente, que deve estar fazendo, sei lá, dez anos talvez, um pouco mais,
por volta disso (…). (loc. cit.).
69

da crítica e da curadoria, é conveniente perceber que as falas de todos os entrevistados


indicam a necessidade de um complemento ao ensino acadêmico. Este é visto como apenas
um dos lados da formação dos críticos e dos curadores. O termo networking65, referido por
Raphael Fonseca, dá conta da outra parte que é tomada como fundamental à formação destes
profissionais. Mesmo sem utilizarem o termo, fica explicito que todos os entrevistados
falaram sobre a importância dos contatos sociais que os incentivaram, solicitaram textos
críticos ou projetos curatoriais. Enfim, todos em algum momento de suas entrevistas,
indicaram os contatos sociais como sendo importantes para que eles iniciassem as suas
atuações como críticos e curadores.
É preciso destacar que todos os entrevistados explicitaram o valor que o contato com
artistas plásticos teve em suas formações: 1) Aracy Amaral cita a sua entrevista realizada com
Robert Rauschenberg e com um círculo social que girava em torno das Bienais de São Paulo,
na década de 1950; 2) Paulo Venâncio Filho trouxe à tona a valorização de sua relação com
artistas como Tunga e Waltércio Caldas; 3) Felipe Scovino e Marcelo Campos também falam
desse contato, só que em trechos que não foram citados acima e serão referenciados no
próximo capítulo, neles Scovino trata de sua relação, por exemplo, com Cildo Meireles,
enquanto Campos fala de sua relação com Brígida Baltar e Efrain Almeida. Ainda que não
estejam neste capítulo os trechos em que Campos e Scovino tratam de seus contatos com
artistas plásticos, seus relato acima destacados permitem a percepção de que o ensino
acadêmico dentro de sala de aula não é encarado por eles como sendo a única via de formação
que eles receberam, mas há que se perceber que o ensino acadêmico através de suas pesquisas
acadêmicas também os levou a tais contatos sociais; e, 4) Raphael Fonseca traz as
experiências com Daniela Seixas e Mariana Katona como importantes em sua formação
inicial, além dos contatos travados na Academia e nos cursos de formação por ele feitos.
Não se intenta valorar se tais contatos estabelecidos foram artificiais ou não – este tipo
de julgamento não cabe a esta pesquisa. Contudo, estes contatos aparecem nas narrativas dos

65
Em dado momento da conversa com Felipe Scovino este também se referiu ao termo networking, e para tornar
ainda mais clara a acepção desta categoria nativa tal momento da entrevista está destacado abaixo:
Como dizem os europeus, ano passado eu fiz uma residência instantânea, em Paris, e a palavra era, entre
os curadores lá, e isso está presente em todos os lugares do mundo, era: networking - “Eu vim conhecer
os museus, os curadores, os diretores, os críticos”, e as perguntas eram: “quem é você?”; “o que você
faz?”; “qual exposição você fez?”; “qual instituição você dirige?”. Eu não quero networking, eu quero ir
ao museu, quero ir ao ateliê, quero conversar com o artista, eu quero saber o que os meus alunos estão
pensando, eu quero ter o retorno do público, eu quero ter o retorno da crítica, mas não que falem bem ou
que falem mal da exposição, que divaguem sobre ela, que interpretem a obra de arte, por isso, que a
obra de arte tem que ser o mediador, é por isso, que a gente visita as exposições, não é para ler o texto
da parede e nem para garantir um lugar na próxima exposição daquele curador super famoso, é para ver
a obra de arte, para discutir sobre ela. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).
70

entrevistados, sendo por eles relacionados a parte prática de sua formação: ao irem aos ateliês
de artistas, ao entrevistarem pessoas do mundo da arte e ao desenvolveram suas pesquisas
acadêmicas (visitando arquivos, entrevistando pessoas etc.). Como quer que tenha sido, estes
entrevistados criaram vínculos (duradouros ou não) que foram fundamentais em suas
formações e para o início de suas carreiras como críticos e curadores.
O sociólogo alemão Georg Simmel deu forma a um conceito que precisa ser trazido: o
conceito de Círculos Sociais (SIMMEL, 1977), através do qual ele explicita que as
vinculações sociais em sociedades modernas se complexificou66. Esta noção simmeliana dos
círculos sociais é interessante neste ponto, justamente, porque o que se denota das falas dos
entrevistados é que sua formação acadêmica foi complementada por múltiplos contatos
sociais que os formaram e foram importantes para que eles fossem caminhando para um
trabalho como críticos e curadores.
De um modo ou de outro, todos os entrevistados falam sobre uma certa não
linearidade linear em suas trajetórias, visto que com formações que não eram em artes - no
caso de Raphael Fonseca era em artes, porém voltada para um tipo de arte com a qual ele não
trabalha hoje, em seus críticas e curadorias -, seus caminhos os levaram a ser críticos e
curadores que lidam, sobretudo, com arte contemporânea, através do que por eles é entendido
como uma formação prática, ou seja, uma formação que adveio dos múltiplos contatos sociais
por eles estabelecidos. Em termos nativos pode-se dizer que foram contatos estabelecidos via
networking. E, sociologicamente, aqui compreende-se tais contatos como sendo a constituição
de círculos sociais (SIMMEL, 1977) que fundamentaram, auxiliaram e permitiram a
formação dos entrevistados para que pudessem se tornar críticos de arte e curadores de
exposições.

2.2 - Críticos de Arte e Curadores de Exposições.

Alguns entrevistados, como se pôde perceber no subitem anterior, ao responderem o


questionamento geral sobre a importância e a relação da formação acadêmica para que eles
tenham começado a atuar como críticos e curadores, deram pistas de como iniciaram suas
carreiras como críticos e curadores. Mesmo assim, falaram mais sobre esta questão, sendo

66
Assim, enquanto no período medieval um indivíduo contava com poucos círculos sociais, como a família e
talvez o exército armado, por exemplo, nas sociedades modernas, segundo Simmel, um indivíduo possui
inúmeros outros círculos sociais além do familiar, pode-se pensar no que é formado no ambiente de trabalho,
com o gerente do banco, com o grupo de pesquisa, com a turma da aula de acrobacia aérea etc. Então, em tais
sociedades modernas um indivíduo estabelece múltiplas relações, com outros indivíduos advindos de diferentes
contextos, que serão responsáveis por lhe formar e que serão por ele formados.
71

crucial trazer suas falas mais uma vez, a fim de compreender como se deu este processo em
suas trajetórias.

2.2.1 - Aracy Amaral.

Da entrevista concedida por Aracy Abreu Amaral é interessante trazer alguns pontos,
no que tangencia a sua iniciação como crítica de arte e curadora de exposições. No que diz
respeito ao começo da carreira de Aracy Amaral como crítica de arte, em relação aos suportes
receptores e viabilizadores de suas críticas, sobre as temáticas que ela inicialmente escrevia e
publicava, assim como das relações que possibilitaram sua inserção no campo de atuação da
crítica, é interessante trazer os seguintes trechos:

Eu entro para a pesquisa [sobre a Semana de Arte Moderna de 1922], e através da


pesquisa, eu começo a publicar, digamos assim, fragmentos das pesquisas que eu
estou fazendo sobre o modernismo, já no suplemento cultural do [jornal] Estado de
São Paulo. Aliás, isso me abriu muitas portas, tanto me abria portas para outras
entrevistas que eu queria fazer ou de pesquisas que eu ia fazer, como inclusive me
abriria portas posteriormente para editar os meus trabalhos. Porque ai, as pessoas me
conheciam por eu colaborar no jornal. E, isso me abre as portas também para
escrever sobre arte, não apenas no Estadão, na Folha [de São Paulo], outros jornais,
o Correio da Manhã, enfim, Jornal do Brasil ou Correio da Manhã? Acho que era
Correio da Manhã. E, onde eu colaborava com textos sobre o modernismo, sobre as
minhas pesquisas, porque naquela época, fora o Mário da Silva Brito, pouca gente ia
fazer pesquisa sobre o modernismo de uma maneira regular. E daí, tem outro lado
também, dessa minha vertente, que foi dar aula na USP, porque depois do
doutorado, a USP caçava doutor a laço, entende? Porque não tinha doutor e eles
tinham que abrir, por exemplo, a ECA, a Escola de Comunicação e Artes, então, eu
fui dar aula na ECA, mas no que eu estava na ECA, a FAU [Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo] me buscou, para dar aula de história da arte na FAU,
então, eu passei para a FAU. Mas ai eu já estava fazendo pesquisa sem parar, eu sou
uma adicta de pesquisa, né? Eu adoro pesquisar! Adoro capturar coisas escondidas,
essas coisas. Mas é… e daí eu fiquei dividida entre a pesquisa, a docência e crítica
também, porque eu sempre… eu publiquei sobre quase todas as Bienais de São
Paulo, quase todas as Bienais de São Paulo têm textos meus. E daí, eu já conhecia
todo mundo do meio artístico, que era uma coisa assim… não havia esse
fechamento, assim, dos artistas, era um campo aberto, você era ligado por amizades,
não é porque eu fui casada com um artista, mas ele era chileno, foi embora do
Brasil, onde eu fui com ele para Paris, nós nos separamos lá, eu volto sozinha, mas
aí o meu irmão também é pintor, e eu já conhecia todo mundo daquela geração dos
anos 1960. Então, eu estava no meu campo, não é que eu entrei de uma forma
artificial, era aquilo ali, eram pessoas que eu conhecia. O meu círculo de amizade. O
meu círculo de sociabilidade era esse, o meio cultural e artístico, era natural. E daí,
eu faço um programa de arte pelo rádio, pela Jovem Pan, rádio Pan Americana 67,
que eles me convidam, e aliás, esse programa de rádio, para mim foi uma surpresa,
porque eles me convidaram para falar dois minutos por dia sobre arte, de segunda a
sexta. (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).

67
O programa se chamava: “Vamos falar de arte?”.
72

Neste ponto, é preciso retomar o conceito de círculo social (SIMMEL, 1977), pois o
contato prático destacado por Aracy Amaral em suas falas trazidas no subitem anterior,
aparecem novamente. Agora, fica mais explícita a imbricação entre a formação acadêmica de
pesquisa de Amaral com os contatos sociais por ela desenvolvidos. Mesmo não possuindo
uma formação inicial em uma disciplina acadêmica especificamente ligada às artes visuais,
quando a crítica e curadora paulista partiu para uma pós-graduação em artes visuais, a
pesquisa sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 foi importante, já que seus primeiros
textos críticos publicados também estavam a esta relacionados.
Além disso, não se pode esquecer que Aracy Amaral fala também das entrevistas
realizadas com críticos, curadores, artistas etc. que foram relevantes em sua formação inicial.
Neste sentido, fica claro que a imersão inicial de Aracy Amaral na esfera da crítica foi
viabilizada por suas pesquisas – o que lhe deu material sobre o que tratar e publicar -, assim
como, pelos contatos sociais por ela estabelecidos – o acesso às pessoas que entrevistou, por
exemplo, esteve ligado com tais contatos. É perceptível uma ação em duas vias: uma do
conhecimento acadêmico e outra dos contatos sociais. Não se pode dizer que ao iniciar sua
formação tais caminhos estivessem claros e fossem desejados por ela, mas Amaral
desempenhou tais ações (racionalmente ou não) e isto foi nevrálgico em sua formação, o que
a levou a ser reconhecida como uma legitima autoridade para tratar de questões artísticas.
É possível dizer que, na iniciação de Aracy Amaral como crítica de arte e curadora,
podem ser destacados dois tipos de círculos sociais: de um lado, um círculo social acadêmico
e de pesquisa e, de outro, um círculo social artístico, composto por artistas, críticos, curadores
e etc. Tais círculos sociais devem ser pensados como sendo responsáveis por ações conjuntas
que formaram e habilitaram Aracy Amaral para que ela passasse a atuar como crítica e
curadora.
Como já dito anteriormente, no capítulo um desta dissertação está exposto e analisado
um debate contemporâneo que separa a crítica de arte da curadoria. No entanto, como
explicitado no início deste capítulo dois, o contexto analisado nesta pesquisa de mestrado dá
conta de atores sociais que atuam como críticos, curadores e professores concomitantemente.
Neste sentido, é interessante perceber como os entrevistados aqui tiveram suas iniciações em
crítica e curadoria, por exemplo, se isso se deu paralelamente ou não. Para entender como se
deu este processo na trajetória de Aracy Amaral é conveniente trazer mais alguns trechos da
entrevista realizada com ela. Ao ser perguntada sobre como foi sua inserção no terreno da
crítica e no da curadoria, e sobre como foram a sua primeira crítica e a sua primeira curadoria,
Amaral relatou:
73

Eu fiz a exposição de nipo-brasileiros68, que não está aqui isso também69, de nipo
brasileiros na coleção do MAC SP [Museu de Arte Contemporânea de São Paulo].
Eu era assistente de direção do Walter Zanini, no Museu de Arte Contemporânea [de
São Paulo], e daí começamos a organizar uma exposição de artistas nipo-brasileiros,
e eu fiquei encarregada de procurar os artistas, de escolher as obras, de escrever um
texto. Foi a minha primeira experiência curatorial. Foi em 1967, eu acho, acho que
foi 1967. Eu tenho até o catálogo aí, porque o Adriano [Pedrosa] fotografou todos,
as capas dos catálogos. Aí eu fiz a de Tarsila, individualmente, para o MAM do
Rio70. E essa daí, porque que eu fiz? Porque eu já estava fazendo uma pesquisa sobre
ela, a pesquisa eu tinha começado em 1966, em 1967, 1966. (AMARAL, Aracy.
Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).

Ainda buscando compreender o processo de inserção de Aracy Amaral em curadoria de


exposições, lhe foi perguntado como foi o seu trabalho como assistente de Walter Zanini, que
vem sendo reconhecido como um dos pioneiros do que se compreende atualmente como
curadoria de exposições independente. Amaral ainda relatou um pouco mais sobre como se
deu a sua entrada na esfera da crítica de arte. De acordo com Amaral:

Bom, eu conhecia ele já, porque ele também tinha estudado jornalismo e ele também
trabalhava como jornalista, comentarista de arte, N’A Tribuna da Imprensa. Depois
ele ganhou uma bolsa para a França, foi fazer doutorado lá, levou muito tempo lá,
mas eu acompanhava sempre ele, trocava cartas com ele, quando ele estava em Paris
e tal. E aí quando ele voltou, ele era o primeiro doutor, assim, em história da arte na
USP, aí o reitor convidou ele para dirigir o MAC, e como ele sabia que eu estava
nessa área, que eu fazia crítica de arte, eu escrevia sobre as Bienais e tal. (…) Olha
eles me mandaram, esse [catálogo da exposição] 30 x Bienal, porque ele puseram
três textos meus aqui. (…).
[Aracy Amaral interrompeu sua narrativa e passamos a buscar seus textos no
catálogo da exposição, ao encontrarmos ela continuou falando em relação ao período
em que fez o texto que localizamos]
Então, eu tinha 33 anos. Então, e era num pequeno jornal de esquerda, na época da
ditadura, e a sala do Brasil… então, eu tinha 33 anos e já estava escrevendo. E, nessa
mesma Bienal o Mário Pedrosa escreve sobre crítica, sobre as premiações…
(AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).

Em relação as temáticas de seus primeiros textos críticos, continuou Amaral:

(…) escrevendo sobre artistas em geral, sobre a Bienal, sabe? (…) Publicava em
vários lugares, n’A Tribuna da Imprensa, nesse jornal Brasil Urgente, que se
chamava, e assim vai. Mas ai o Zanini me chama para ser assistente dele, e eu ajudo
ele em curadorias, como essa dos japoneses, que eu te falei dos nipo brasileiros, e
daí vou indo como curadora, né? (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de
out. de 2013).

68
O título da exposição em questão era Artistas Nipo-Brasileiros. E ela foi realizada em 1966.
69
Aracy Amaral se refere a uma lista que me foi dada por ela, a qual contém uma listagem com quase todas as
curadorias feitas por ela. Lista que, de acordo com Amaral, foi feita juntamente com o curador Adriano Pedrosa,
por conta de uma apresentação que Amaral fez na SPArte de 2013.
70
A exposição sobre Tarsila do Amaral foi realizada no MAM RJ, em 1969, e se chamou: Tarsila – 50 Anos de
Pintura.
74

E, ao ser perguntada sobre o que veio primeiro em sua trajetória: a crítica ou a curadoria,
Aracy Amaral respondeu:

Ah! Vêm as duas coisas… vem a crítica, a curadoria e a pesquisa. (…) Tudo junto.
Porque você veja, quando eu estou fazendo a ExpoProjeção, em 1973, eu estou
fazendo um livro a hispanidade em São Paulo, quer dizer a influência da Hispano-
América na arquitetura colonial paulista, na arquitetura e na arte, no século XVII em
São Paulo71. Estou fazendo a ExpoProjeção, que é sobre vanguarda, né? E, estou
dando aulas na FAU. Fazia muita coisa ao mesmo tempo. Ah! E, eu tinha acabado
de fazer a exposição do Volpi. (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out.
de 2013).

É importante voltar a atenção para a seguinte frase: “Vêm as duas coisas… vem a
crítica, a curadoria e a pesquisa” (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de
2013). Nela está exposto o ponto de vista de Aracy Amaral em respeito à sua própria trajetória
de iniciação profissional: para a crítica e curadora paulista seu início em crítica e curadoria se
deu concomitantemente. Contudo, ao se atentar para os dados trazidos pela própria
entrevistada, fica explícito que ela primeiro iniciou a sua carreira como crítica de arte e
pesquisadora, na década de 1950, mas que apenas na década de 1960 que ela passou a atuar
também como curadora de exposições. É interessante perceber que Aracy Amaral começa a
atuar como curadora na década que é tomada (no debate especificado no capítulo um) como
um marco na transição da carreira de organizador de exposições para a atualmente
denominada atividade de curador de exposições independente.
Além do que já foi dito, é preciso destacar que a iniciação de Aracy Amaral se deu
quando esta atuou ao lado de Walter Zanini, que vem tendo a sua memória recuperada
presentemente, como sendo um dos atores sociais que na década de 1960 inaugurou o que
seria a atividade de curador de exposições72. É a partir da década de 1960 que Amaral começa
a trabalhar paralelamente como crítica e curadora. Os dados desta pesquisa não permitem que
se compreenda se antes da década de 1960 havia algum impeditivo, no Brasil, para que
alguém fosse crítico e curador ao mesmo tempo. Logo, dizer que Aracy Amaral passa a
trabalhar simultaneamente em ambas as carreiras a partir daquela década, não implica dizer
que isso se deu por alguma regra da esfera artística de tal momento que só a permitiu tal feito
a partir deste período.

71
O livro A Hispanidade em São Paulo recebeu o Prêmio Jabuti de Ciências Humanas, em 1982.
72
Walter Zanini foi um dos entrevistados do livro Uma Breve História da Curadoria (2010), do curador Hans
Ulrich Obrist, que se propõe a construir um histórico acerca do fazer curatorial a partir de entrevistas com
aqueles que foram eleitos em sua seleção como os responsáveis por inaugurar, no contexto da década de 1960, a
atividade de curador de exposições independente.
75

Ao se atentar para a introdução de Aracy Amaral em crítica de arte, destacou-se


analiticamente a coexistência de dois tipos de círculos sociais distintos e complementares que
auxiliaram sua imersão profissional inicial. Neste ponto, após a leitura dos trechos em que a
crítica e curadora fala sobre sua iniciação em curadoria, é possível perceber que tal começo se
deu de modo semelhante ao de sua introdução em crítica de arte, ao menos no que diz respeito
aos círculos sociais. Isto porque seu trabalho como pesquisadora, de certo modo, demonstrava
algum preparo para que Amaral prosseguisse em pesquisas que resultassem em curadorias –
logo, fala-se aqui de habilidades advindas de sua formação e um contato com um círculo
social acadêmico.
Em acréscimo existia a relação de Amaral com Zanini, com quem ela não trabalhou
por muito tempo, mas que não apenas esteve presente em seu contexto de formação, como foi
quem a convidou para fazer uma de suas primeiras curadorias73 – tratando-se aqui de um
círculo social artístico. É possível dizer que a iniciação de Aracy Amaral como crítica e como
curadora se deu graças aos mesmos tipos de círculos sociais, o que aproxima as referidas
atividades para além do fato de serem exercidas pela mesma pessoa, mas também por elas
demandarem círculos sociais semelhantes que permitiam o reconhecimento de alguém como
autoridade legítima para lidar com crítica, de um lado, e com curadoria, de outro.

2.2.2 - Paulo Venâncio Filho.

Como já aclarado no subitem que trata das formações dos entrevistados para a
presente dissertação de mestrado, de acordo com Paulo Venâncio Filho sua formação
acadêmica veio em segundo plano, não sendo responsável por sua formação em crítica de arte
e em curadoria. No que tange a sua iniciação no trabalho como crítico e como curador,
Venâncio Filho falou mais sobre como se deu este processo. Quando questionado sobre sua
formação acadêmica e a relação desta formação com a sua prática crítica e curatorial, Paulo
Venâncio Filho deu a resposta destacada no item anterior, mas também, neste momento, falou
sobre a sua introdução em crítica e curadoria, sendo importante trazer, aqui, a parte da
resposta que não se colocou anteriormente. Ele disse:

73
Embora Aracy Amaral se refira a exposição Artistas Nipo-Brasileiros, de 1966, como sendo a primeira
curadoria por ela realizada, no site Wikipedia é relacionada à Amaral a curadoria de outra exposição, intitulada
Exposição do Jovem Desenho Nacional, realizada em 1963 em São Paulo e Campinas, e em 1964 em Belo
Horizonte e Curitiba. Referência do site, disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Aracy_Amaral#Curadorias>. Acesso em: 30 de nov. de 2013.
76

Então, é… foi um pouco, digamos assim, assistemática [a trajetória de Venâncio


Filho], por um lado, quer dizer, sem nenhum tipo de projeto, de ideia curatorial, isso
é alguma coisa que hoje está se tornando um tanto corrente. E quanto a experiência
crítica também foi da mesma natureza, quer dizer, quando eu comecei a trabalhar, a
fazer artes gráficas, era no jornal Opinião, que foi onde eu conheci o Ronaldo Brito e
onde eu comecei a escrever sobre música, não sobre artes plásticas, os primeiros
textos que eu escrevi foram sobre música, música popular. E aí os artistas que eu
conhecia começaram a me estimular para escrever sobre artes plásticas, sobre os
trabalhos deles especialmente. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28
de out. de 2013).

Como destacado no subitem anterior, ao falar da ideia de que em sua visão,


atualmente, a curadoria e a crítica são carreiras escolhidas previamente, Venâncio Filho fez
um contraponto com a sua trajetória pois, para ele, em sua formação e a sua geração, não foi
de críticos e curadores que fizeram tal escolha, mas que foram se tornando críticos e
curadores de modo “assistemático”. Neste ponto, Paulo Venâncio também falou sobre a sua
iniciação em crítica e curadoria. De acordo com ele:

Eu não saberia definir a minha prática curatorial, quer dizer, eu acho que a minha
prática curatorial ela se desenvolveu a partir dessa experiência de contato com os
artistas, sabe? Estar próximo das obras, perceber as condições das obras, as
situações das obras, o processo das obras, como essas obras sugeriam espaços ou
posições ou situações, como elas conviviam. Enfim, foi um contexto muito
interessante, porque eram obras nesse período que já escapavam das categorias
muito… né? Então eram instalações e tudo isso, que sugeriam situações espaciais
diversas, então, isso era alguma coisa que me interessava. (FILHO, Paulo Venâncio.
Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013).

Diferente do que retratam os trechos relativos à entrevista realizada com Aracy


Amaral, a conversa que se deu com Paulo Venâncio Filho não indica qualquer papel do
ensino acadêmico para a sua introdução na área da crítica ou da curadoria. O discurso de
Venâncio Filho dá ênfase apenas as relações travadas com artistas que conheceu quando
trabalhava no periódico Opinião. Neste sentido, há que se demarcar que a fala de Paulo
Venâncio Filho dá destaque à sua relação com um círculo social de artistas que o convidaram
para fazer críticas e curadorias, sendo esta conexão social responsável por sua iniciação em
crítica e curadoria.
Outro fator que necessita ser debatido e que aparece na fala de Paulo Venâncio Filho
(e também na de Aracy Amaral) está relacionado ao fato de que ele narra a sua iniciação em
crítica e em curadoria como tendo sido um processo natural. Como apontado no capítulo um
desta dissertação, é comum esta forma de tratar a formação e a iniciação de profissionais das
artes plásticas, de modo geral, como parte de um processo natural ou mesmo como uma
vocação natural, subjetiva e inexplicável. Contudo, como também indicado em tal capítulo, há
77

que se desmistificar este fato, uma vez que é como se não houvessem explicações sociais,
históricas e culturais que as pudessem interpretar, e isto não é verdade. Por ora, é preciso
assinalar que não se nega aqui que Paulo Venâncio Filho tenha aptidões que o permitem ser
reconhecido e legitimado como um crítico de arte e curador, mas é preciso questionar o como
ele se tornou uma autoridade, ao menos no contexto brasileiro, para tratar de questões
relacionadas à crítica e à curadoria. E, em sua fala há uma possível resposta para tal
questionamento, a qual está ligada a sua vinculação com um círculo social artístico, que o
legitimou e reconheceu como alguém que tinha habilidades para construir textos que
versassem sobre obras artísticas, assim como para organizar exposições com os trabalhos de
seus amigos artistas.

2.2.3 - Felipe Scovino e Marcelo Campos.

No início deste capítulo dois fez-se referência à uma reportagem que proclamava que
Marcelo Campos e Felipe Scovino faziam parte de uma nova geração de críticos e curadores
que estariam renovando as artes plásticas brasileiras. Entendendo sociologicamente que estes
entrevistados fazem, de fato, parte de uma mesma geração, é necessário compreender como se
deram as suas introduções em crítica de arte e em curadoria de exposições. Será que o fato de
ser encarada, pelo contexto artístico brasileiro, como uma geração inovadora, fez com que o
começo das carreiras de seus componentes fosse diferente do das gerações de Aracy Amaral e
Paulo Venâncio Filho? A fim de compreender possíveis semelhanças e diferenças entre os
processos de iniciação de tais entrevistados em distintos contextos, ora a atenção será voltada
às entrevistas concedidas por Marcelo Campos e Felipe Scovino.
Começando com a entrevista realizada com Felipe Scovino é preciso ter em mente que
em sua fala destacada em subitem anterior ele atrela a sua formação e iniciação em crítica à
pesquisa que realizou sobre a artista visual Lygia Clark, mas não apenas a isto. Então, é
conveniente trazer o momento da entrevista em que, ao tratar da relevância dos prêmios
destinados aos atores do mundo da arte, ele falou sobre seus primeiros trabalhos críticos
publicados:

São, são altamente relevantes. Eu sou fruto disso, os meus primeiros trabalhos, um
foi um livro que foi produzido mediante um prêmio da FUNARTE [Fundação
Nacional de Artes], e foi fundamental74. Tem coisas nesse livro que eu faria de uma

74
O prêmio em questão é a bolsa de estímulo à produção crítica em artes, concedido pela Funarte, e o livro
publicado por Scovino através deste prêmio foi: Arquivo Contemporâneo.
78

forma diferente hoje, mas foi um laboratório importantíssimo. Para o crítico,


diferentemente do artista, é fundamental a produção da escrita. Não que o cara tenha
que produzir um livro, mas ele tem que escrever, é ali o ofício do crítico, mas do que
o curador, né? É a escrita, né? E, se você pode receber uma bolsa, e ao final dessa
bolsa, publicar os seus escritos, o seu pensamento, melhor ainda. Você consegue
transmitir o seu diálogo e ouvir o outro, ter um retorno sobre isso. Porque é meio
frustrante você escrever e ninguém ler, seria a morte do autor, a morte do autor em
2013, depois de Barthes e Foucault, a morte do autor e do crítico. (SCOVINO,
Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

Trançando uma comparação entre esta fala de Felipe Scovino e a de Aracy Amaral,
em respeito às suas primeiras publicações de textos críticos, salta aos olhos que na narrativa
da crítica e curadora paulista sua iniciação se deu publicando textos relativos à sua pesquisa
de mestrado sobre o modernismo, sobretudo, em jornais75, fato que não apareceu na narrativa
de Scovino, que toma a publicação de um livro seu via um edital público como ponto
fundamental.
Existe uma discussão no mundo da arte que anuncia que presentemente esta esfera
estaria vivenciando uma “era dos editais”. Como explicitado no capítulo um, há um debate
que proclama uma morte da crítica de arte, pois esta teria perdido um espaço na esfera
pública, quando lhe foi negado um lugar nos jornais. Contudo, como observado ainda existem
críticos de arte, então, é importante perceber que outros meios para além dos jornais estão
servindo de suporte para os textos dos críticos de arte. A princípio é possível dizer que se não
estão nas páginas dos jornais, elas estão em livros e catálogos de exposições. Se Aracy
Amaral teve a oportunidade de iniciar sua carreira publicando em jornais de grande
circulação, Scovino teve a possibilidade de começar a publicar suas críticas em livros, para os
quais conseguiu um financiamento público. Ou seja, por mais que a crítica de arte não tenha
mais o mesmo espaço que tinha nos jornais, por exemplo, na década de 1950, ela não
desapareceu de fato, ela está presente, só que em novos e diversificados sustentáculos. Esta
questão será debatida com mais profundidade no próximo capítulo. Assim, por ora, é apenas
necessário atentar para o fato de que a geração de Scovino teve suportes para veiculação de
seus textos que são diferentes que a de Aracy Amaral, que tinha como principal receptáculo as
páginas dos jornais.
A transformação em relação aos sustentáculos das críticas iniciais é um fator aqui
tomado como sendo comum à geração de Scovino, pois essa questão também apareceu na
entrevista realizada com Marcelo Campos. É conveniente trazer o seguinte trecho da

75
Este fato está destacado no trecho retirado da entrevista realizada com Aracy Amaral presente neste subitem.
79

entrevista com Campos, no qual ele fala sobre os receptáculos de seus primeiros textos
críticos:

Folder das exposições, textos de paredes, nesse caso um jornal experimental 76, uma
ou outra produção que eu conseguia também colocar nos encontros, nas revistas, na
própria Arte e Ensaios, quer dizer, era uma espécie de momento onde eu misturava
ali as duas coisas. A própria curadoria era uma curadoria misturada, porque parte de
uma tese. Eu usei um capítulo de uma tese para fazer uma curadoria. Então, é algo
que se mistura aqui. Meu início foi muito assim. Logo em seguida, a gente tinha
uma era dos editais, ou seja, muitos editais para exposição e esses artistas todos que
eu conhecia, que eu já tinha visitado ateliês, eu fiz um esforço de ir para a Paraíba,
de ir para a Bahia, de visitar os ateliês em vários lugares, não só no Rio de Janeiro.
(CAMPOS, Marcelo. Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

Como Scovino, Marcelo Campos relata um começo de carreira que não se deu
propriamente publicando críticas em páginas de jornais, o que não implica no fato de que eles
não se identifiquem como críticos de arte. Há uma diferença em relação ao começo de carreira
de Amaral que publicava em jornais, mas do mesmo modo que ela, Campos e Scovino são
tomados no mundo da arte e por eles mesmos como: críticos de arte.
Outra questão importante de ser assinalada, que aparece na narrativa de Campos e na
de Felipe Scovino, é que, como Venâncio Filho e Aracy Amaral, estes críticos e curadores
que começaram a atuar nos anos 2000 também relatam experiências com círculos sociais
artísticos, que foram importantes no início de suas carreiras. Na parte dedicada à formação
dos entrevistados demarcou-se que há uma diferença entre as geração de Amaral e de
Venâncio Filho e a geração de Campos e Scovino, a qual se dava em relação ao peso do
conhecimento acadêmico em suas trajetórias. Entretanto, como apontado, há uma contribuição
de outros tipos de relação na formação e na iniciação dos críticos e curadores. No caso de
Campos e Scovino, este ponto não difere dos relatos de Amaral e Paulo Venâncio Filho.
Aqueles também narram uma proximidade com artistas que lhes possibilitou começar a
trabalhar com crítica e curadoria. No trecho acima destacado da entrevista com Marcelo
Campos ele já fala um pouco desta relação com artistas. Porém é interessante ler outro
momento em que ele aborda esta questão, num momento em que lhe foi perguntado como foi,
dentro e fora dos muros da Academia, o período em que ele estava começando a escrever e

76
O jornal em questão se trata de um periódico de pequena circulação para o qual Campos produziu um texto
sobre o trabalho de Hélio Oiticica. Marcelo Campos relatou:
(…) eu produzi um texto, também a convite, para um jornal chamado: “o inclassificável” ou
“inclassificáveis”, onde eu fiz um texto questionando a bandeira do Hélio Oiticica, “seja marginal, seja
herói”, e misturando ali também quase como uma ficção, onde eu falava sobre o descobrimento do
Brasil, a carta do descobrimento, a ideia de bom selvagem, e como era uma coisa experimental, eu
carreguei nesse experimentalismo textualmente. E, para mim, aquilo, na época, me fez receber muitos
elogios por conta desse texto. (CAMPOS, Marcelo. Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).
80

publicar suas críticas, cursando o doutorado e fazendo sua primeira curadoria de exposição
(que foi em 2004):

Lá dentro da academia, como eu estava dizendo, eu produzi alguns trabalhos


teóricos, alguns trabalhos para congressos e eu já testava textos, já testava a escrita
de um modo mais poético também. Eu me lembro de um texto que eu escrevi sobre
o Antônio Manuel, que tinha lá uma vontade literária mais ali no texto, e isso eu
apresentava nos congressos, nos encontros de alunos, por exemplo. Em 2003, nas
visitas aos ateliês, e aí a gente já vai entrar em outro momento meu, eu escrevi a
minha dissertação sobre o Carybé, uma dissertação, como a gente falou, onde eu fui
para a Bahia, conheci toda uma cena lá, fiz as entrevistas, defendi a dissertação e um
ano depois fiz a prova e entrei no doutorado. E, no doutorado, eu procurei atualizar o
que eu estava pesquisando, que era a identidade nacional, só que com artistas
contemporâneos. E aí, claro, quase por uma tirania da arte contemporânea, que
existe, de certo modo, uma pressão de você estudar arte contemporânea, os artistas
que eu estudava eram artistas vivos, artistas de uma produção já muito vinculada às
exposições, às feiras, às galerias, e aí eu recebo um convite do Efrain Almeida para
produzir um texto depois de uma visita ao ateliê dele, na época eu fui até com a
Marisa Flórido, minha amiga e companheira de doutorado, e ele me convida para
fazer um texto. Para mim este texto é, de certo modo, um divisor de águas, porque
ali eu tive que fazer um texto de uma ou duas laudas para constar num folder de
exposição. E eu fiz um, literalmente, um texto crítico. Aquilo para mim era um texto
que hoje eu posso pensar como um texto de crítica de arte, mais do que um texto
acadêmico, ou até um texto de teoria da arte. Ali eu estava exercendo a minha
parcela de crítico de arte. E aí, eu tive liberdade total. (…) E, para mim, aquilo, na
época, me fez receber muitos elogios por conta desse texto. E, as pessoas
começaram a me dizer que eu escrevi bem, ali. Como a gente há de convir, quando a
gente escreve texto para congressos ou coisa parecida, a situação é outra, é difícil
alguém pegar num texto de congresso e dizer: “Ah, como você escreve bem!”. (…) e
logo depois eu fiz esse texto para o Efrain também. Quer dizer, foi um momento
onde eu experimentei a literatura, e ao mesmo tempo senti o meu lugar de produção
textual como um possível lugar experimental. E aí, com esse conhecimento dos
ateliês dos artistas contemporâneos, os convites foram surgindo para produzir textos
para curadorias. Minha primeira curadoria foi no Castelinho do Flamengo, ela se
chamava: “Memórias Heterogêneas”, que era um dos capítulos da minha tese. Então,
a minha primeira curadoria foi um capítulo da tese. Eu pensava a memória e a arte
brasileira, e a arte contemporânea, juntando o Efrain Almeida, o José Rufino,
Farnese de Andrade, que são artistas que lidam com a ideia de memória, arquivo e
tal. E aquilo foi a minha experiência de curador. (CAMPOS, Marcelo. Entrevista ao
autor em 12 de jun. de 2013).

É importante perceber que o mesmo processo com uma relação social criada com
artistas também se deu no caso de Felipe Scovino, que, ao ser questionado sobre como se deu
a sua entrada em ateliês de artistas, o que para ele é uma parte importante na formação do
profissional da crítica e da curadoria, Scovino também relatou sua iniciação nestas carreiras:

Mas é a história lá do Bourdieu, né? Você vai construindo esse capital social aos
poucos. E, esse capital social é construído à medida em que você se torna visível
para esse sistema. Ou seja, publicando um artigo, publicando um livro, montando
uma exposição considerada boa, né? Pelo circuito. Então, bourdianamente você vai
construindo o seu capital simbólico. É, Guilherme é como qualquer outro meio, né?
Esse meio não é mais perverso e nem mais legal do que, sei lá, o da economia, da
sociologia, da antropologia, da geografia, é a mesma história. Agora, a sua entrada
81

no sistema vai se dar pela generosidade do outro também, se você parte lá na porta
do artista tal, que já tem uma trajetória consolidada no mercado, e o cara abre as
pernas… abre as pernas?! Abre as portas, abre as pernas é outra história, abre as
portas para você, e você frequenta o ateliê, ótimo! Porque a gente vai construído
esse diálogo. E, esse artista x vai falar para o artista y: “Poxa, Guilherme é legal, um
cara inteligente, veio aqui e a gente conversou…”, “Ah é?! Então, traz ele aqui”. Ai,
você já vai no artista y, daqui a pouco você está no b, no a… E assim que foi [o meu
começo], como é com todo mundo. Pergunta para o Frederico Moraes, ele vai dizer:
“Fui lá, conversei com o Cildo, escrevendo sobre o Cildo”. O Paulo Sérgio, ele não
cansa de dizer isso: “como eu comecei a minha carreira: comecei em Paris, em 1972,
visitando o Vergara, o Waltércio, o Antônio Dias. Não, comecei em Milão, em 1972
visitando a exposição do Antônio Dias”. Depois ele se torna frequente em quatro
artistas: do Antônio Dias, do Vergara, do Tunga e do Waltércio. São artistas que ele
acompanha há 30, 40 anos. E é isso, ele foi lá bater na porta desses caras, a entrada
dele foi permitida, ele escreveu textos, criou essa relação com os artistas e daí…
(SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

E continuou Scovino,

Assim, talvez essa coisa do ateliê tenha funcionado com o Cildo [Meireles], que foi
o artista a quem eu mais me dediquei no meu doutorado, na pesquisa do doutorado.
Eu fui acompanhando o trabalho do Cildo, conversando, fazendo isso que você está
fazendo: entrevistas. Fui criando uma relação entre estudante de doutorado e artista,
entre crítico e artista. Fiquei durante um ano ou um ano e meio trabalhando com o
Cildo esporadicamente. O que resultou nas entrevistas que foram publicadas no
catálogo dele na Tate [Modern]. E foi isso, a partir dali, do Cildo, do livro, da bolsa
da FUNARTE, aí o Guilherme [Bueno] me chamou para fazer duas exposições no
MAC RJ, dali eu já fui com um edital para o Paço das Artes, fiz uma exposição. Ai
não sei quem aqui no Rio me viu, aí eu fui para uma galeria... pá, pá, pá… fui para a
Gentil. Eu fui construindo, sei lá, um caminho, uma trajetória, que começa com
livro. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

Fica claro que nas trajetórias de Marcelo Campos e Felipe Scovino um círculo social
artístico também foi essencial, como o foi para Aracy Amaral e Paulo Venâncio Filho, para
principiar suas carreiras. Guardadas algumas diferenças, uma vez que Venâncio Filho relatou
uma experiência que primeiramente se deu junto aos artistas para um posterior ingresso no
meio acadêmico, é perceptível que participar de um círculo social artístico aparece nas
trajetórias de todos os entrevistados como uma força motriz para as suas primeiras
publicações críticas e realização de seus projetos curatoriais iniciais.
Há também que se demarcar que, como se vem demonstrando, há uma distinção no
que diz respeito aos receptáculos das primeiras críticas e mesmo para a concretização das
mostras, na geração de Campos e Scovino os editais voltados às artes plásticas são, talvez, o
principal meio de efetivação de tais projetos. Obviamente esta forma de financiamento esteve
presente na geração de Amaral e na de Paulo Venâncio Filho, contudo, na de Campos e
Scovino há uma ressignificação no papel destes editais, cada vez mais comuns e cruciais no
cenário das artes plásticas brasileiras.
82

Além disto, é preciso frisar que nas narrativas de Felipe Scovino e de Marcelo Campos
foram as suas pesquisas acadêmicas que os levaram a entrar em contato com artistas, entre
outros, enquanto no relato de Amaral já aparece como sendo algo que se deu por suas relações
intimas e através dos trabalhos que produziu por conta das Bienais de São Paulo na década de
1950, e no discurso de Venâncio Filho este contato se deu por conta de relações pessoais e de
seu trabalho no periódico Opinião. É uma hipótese desta dissertação que o meio acadêmico
foi se configurando ao longo dos anos como, talvez, a forma mais comum de entrada num
círculo social artístico, que é responsável por dar legitimidade e reconhecimento a indivíduos
que queriam atuar como críticos e/ou curadores.

2.2.4 - Raphael Fonseca.

Como já destacado, a geração de Raphael Fonseca é referenciada pelos demais


entrevistados para esta pesquisa de mestrado. Neste sentido, é interessante trazer aqui a fala
de Fonseca no que tangencia o começo de sua carreira como crítico e curador, para que seja
possível perceber se houve mudanças efetivas em relação às demais gerações de críticos e
curadores aqui trazidas, no que diz respeito ao princípio de suas carreiras.
Ao ser perguntado sobre as suas primeiras experiências curatoriais Raphael Fonseca
relatou como se deu este processo inicial. Em suas palavras:

Eu iniciei por um incentivo da Dani, da Daniela Seixas, que fez graduação comigo,
que estava tendo uma visibilidade porque ganhou o prêmio lá do Novíssimos, do…
não, foi antes disso, não… foi no mesmo período… estava tendo uma visibilidade…
ela me chamou antes na verdade, estava produzindo super, entrando no Tomie
Otake, vários salões importantes, e ela me chamou para fazer a curadoria de uma
exposição em Barra Mansa, mas isso também foi uma coisa de paraquedas, uma
exposição que era dela e de uma amiga, que é a Mariana Katona, elas tinham o
contato lá, tinham o lugar, me chamaram para fazer a curadoria, eu falei: “tá, o que é
isso, curadoria?”, aí topei! Ai a gente se reuniu, para conversar sobre os trabalhos,
conversou, ficamos tendo vários papos, pensando o que mostrar, o que não mostrar,
como organizar o espaço. Iniciou por aí, meio do nada! Ela, literalmente, me ligou
um dia, ela sabia do meu interesse em começar discutir sobre arte contemporânea,
então, ela me chamou, eu viajei, a gente abriu a exposição, eu viajei para a
República Tcheca e tal, voltei, e quando eu voltei, por conta de várias coisas
pessoais que rolaram, e também porque já tinha esse tesão de já ter rolado esse
negócio, eu comecei a querer escrever mais, com mais frequência. (…) aí depois eu
comecei a escrever muito, e comecei a ter tesão de outras exposições. Demorou para
acontecer uma outra, né? Mas o tesão surgiu daí, na verdade. Foi uma espécie de
iniciação. Iniciação do campo do aleatório, assim, tudo bem, sabia o que era
curadoria, tinha ideia do que era um curador, óbvio. Mas eu me vi fazendo.
(FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de 2013).
83

Há que se demarcar desta fala de Raphael Fonseca o mesmo que se assinalou acerca
dos processos práticos de iniciação no campo da curadoria que se observou nas trajetórias dos
demais entrevistados: uma relação com um círculo social artístico participando na legitimação
da figura do profissional da crítica e da curadoria. Também da crítica, porque ao relatar suas
primeiras publicações Raphael Fonseca também traz este fato à tona. O sustentáculo inicial
das críticas de Fonseca não foram os jornais de Amaral e Venâncio Filho, foram as páginas da
internet – que também não apareceram na iniciação de Campos e Scovino -, isto porque, os
primeiros textos críticos de Raphael Fonseca foram publicados em seu blog denominado
“Gabinete de Jerônimo”. De acordo com Fonseca, através deste blog sua crítica foi ganhando
visibilidade, sendo reconhecida e trazendo novos convites a que ele escrevesse e publicasse
em outros meios. Sobre este processo de início de carreira como crítico na trajetória de
Fonseca, é imprescindível trazer o seguinte da entrevista por ele concedida:

O Gabinete de Jerônimo surgiu quando eu estava na UNICAMP, (…), aí em 2011 eu


fiz uma viagem e voltei, e me deu vontade de voltar a escrever, não só sobre…
muito por conta da exposição da Dani [Daniela Seixas] e da Mariana Katona, acho
que… escrever não só por causa… acho que foi muito por incentivo da Dani, deu
vontade de não só de organizar os meus textos para as pessoas verem, mas também
responder eu mesmo a uma certa cena de escrita de textos de arte contemporânea
que não me agradava, que eu achava muito ruim, na verdade, eu achava que eram,
geralmente, textos muito ensimesmados e sobre uma ideia de que a arte
contemporânea inaugura questões, quando na minha cabeça, naquela época, não, eu
tinha uma visão mais clássica, etc. e tal, sempre de ecoar o passado frente às obras
do presente. Ai, eu organizei o blog e com o Facebook eu também percebi a
possibilidade de divulgar e de fazer uma espécie de rede de contatos a partir daí, e…
de troca também, assim, me deram várias trocas positivas. Porque depois de algum
momento, por causa do blog, ele deixou de ser um blog, digamos assim, espontâneo,
do tipo: “eu escrevo o que eu quero, aqui, e sai apenas nesse blog aqui”, e começou
a virar… inicialmente… o primeiro lugar que me chamou para escrever foi por
causa do blog e foi o Raimundo Rodrigues, que tinha uma galeria Casa Arte
Contemporânea, na rua dos inválidos eu acho… do Rezende… e aí tinha uma coluna
no Jornal do Comércio, daí por causa do blog me chamaram, fui escrever e aí
começou uma coisa de colocar no blog os textos do jornal e dali começou a surgir
um monte de coisas, as pessoas lerem e me chamarem para escrever, amigos
pedirem para eu escrever, ai eu comecei a ver o blog quase como um portfólio,
então, mudou, eu peguei todos os artigos que eu fiz na minha vida e coloquei lá, ai
tudo que eu publico eu coloco lá. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de
out. de 2013).

Acerca da iniciação de Raphael Fonseca nos terrenos da crítica e da curadoria é


interessante perceber que seu contato com um círculo social artístico se deu no interior da
Academia, ao menos ao que se pode denotar de sua fala, pois a artista que o convidou a fazer
sua primeira curadoria foi sua amiga na graduação. Um fato que é interessante e foi
demarcado pelos outros entrevistados, que apontavam para possíveis diferenciações que
poderiam ter ocorrido com a proliferação de cursos voltados às artes plásticas e mesmo à
84

crítica e à curadoria, no contexto brasileiro. Entretanto, há que se apontar para uma distinção:
o círculo social artístico, crucial para as primeiras publicações e curadorias realizadas nas
trajetórias de todos os entrevistados, foi sendo acessado de diferentes maneiras. Enquanto
Amaral chegou à Bienal de São Paulo como monitora, Venâncio Filho escrevia sobre música
e trabalhava com artes gráficas para um jornal, Scovino e Campos foram fazer entrevistas
para dissertações e teses, Raphael Fonseca recebeu o telefonema de uma amiga da graduação.
Contudo, uma coisa permanece a mesma: a participação em um círculo social artístico é
basilar nas trajetórias de todos os entrevistados, sem este aval para o exercício da crítica e da
curadoria, que adveio do contato em tal círculo, talvez, estes entrevistados não pudessem hoje
ser reconhecidos como legitimas autoridades da esfera da crítica e da curadoria.

2.2.5 - Iniciação do Campo do Aleatório?

Embora exista uma diferença geracional entre os entrevistados, visto que os processos
histórico, social, artístico e cultural em que se formaram são distintos, sendo diferenciada a
oferta de cursos de formação em sua atual prática profissional, por exemplo, como se pôde
perceber anteriormente, no item que discuti a formação destes profissionais, há alguns pontos
na trajetória de tais atores sociais que podem ser aproximados. Assim, percebe-se que há
mudanças na estrutura de funcionamento da esfera da arte, mas ao mesmo tempo existem
questões que constituem esse mundo da arte e, ao menos ainda, não foram modificadas.
Aqui, as conexões sociais com artistas e outros atores do mundo da arte são
compreendidas como sendo a principal característica comum entre os entrevistados para esta
pesquisa, sendo um fato que permitiu e possibilita a entrada dos pesquisados no campo de
atuação da crítica e da curadoria. Ou seja, os círculos sociais (SIMMEL, 1977), aparecem
como algo fundamental na construção das carreiras dos entrevistados, pois através dos
contatos sociais estes atores tiveram acesso a informações que não são dadas a qualquer
pessoa – já que puderam estar no ateliê de artistas, por exemplo, vivenciando o seu processo
de elaboração de suas obras, o que lhes deu a possibilidade de escrever sobre as poéticas
artísticas que viam sendo construídas. Neste sentido, a participação em círculos sociais
artísticos inseriu os entrevistados na estrutura do mundo da arte. As formas como acessaram e
começaram a participar de círculos sociais artísticos é distinta, talvez, em termos geracionais,
mas isto não tira a importância de tais conexões sociais na carreira dos entrevistados. Contatos
com atores sociais da esfera da arte (como artistas, críticos, curadores etc.) é um ponto
comum nas narrativas analisadas, e permite a concepção de que os círculos sociais artísticos
85

são responsáveis por legitimar discursos e práticas que levaram os entrevistados a serem
reconhecidos como pessoas que podem exercer uma autoridade em crítica e curadoria.
Nos relatos analisados, a introdução que tiveram em crítica e curadoria é narrada como
algo aleatório, com eles sempre fazendo diversos trabalhos simultaneamente, até o momento
em que se viram fazendo crítica e curadoria, então, tal começo de carreira é narrado de um
modo que faz com que suas iniciações apareçam como advindo de um “processo natural” – de
um interesse em artes, uma competência inata e o surgimento de convites para que eles
desempenhassem seus trabalhos. No entanto, é preciso relativizar um pouco este discurso e
desmistificar o ingresso e a legitimação dos agentes que compõem a esfera da arte, pois não é
qualquer pessoa que tenha interesse em artes que poderá se tornar um crítico de arte e/ou
curador de exposições, por exemplo. Logo, é preciso dizer que as relações sociais
estabelecidas entre os pesquisados com outras pessoas inerentes ao mundo da arte, foi
importante em seus processos de formação, assim como para que eles começassem a ser
convidados a trabalhar com crítica e com curadoria.
A mística que envolve os processos que constituem (e são constituídos pelos) os
agentes do mundo da arte, relaciona a formação, o reconhecimento e a legitimidade dos
agentes da arte como algo inerente a características inatas, o que, de fato, não explica como
algumas pessoas se tornam autoridades da e para a esfera artística. O trabalho de Norbert
Elias sobre Wolfang Amadeus Mozart (referenciado no capítulo um), versa também sobre esta
questão, e o sociólogo alemão mostra que tratar alguém como um gênio ou um ser com
características inatas não explica os fatores sociais que existem e permitem a que tal figura
possa ser compreendida como uma legítima autoridade do mundo da arte.
A partir das entrevistas efetivadas para a presente pesquisa, também é possível dizer
que a formação do crítico de arte e do curador de exposições contou e conta com o
estabelecimento de relações que permitiram o reconhecimento dos indivíduos perante outros
agentes da esfera artística. Um reconhecimento advindo de autoridades estabelecidas do
mundo da arte, que permitiu que os entrevistados fossem legitimados como novas autoridades
para tratar de questões artísticas. Não se intenta dizer que é apenas o laço social com outros
críticos, curadores ou artistas que faz necessariamente com que alguém se torne um crítico ou
curador, mas compreende-se que esta inserção em um círculo social artístico é responsável
por dar o aval para a atuação na esfera da arte, sendo um fator importante, pois o
86

reconhecimento e a legitimação são entendidos nesta pesquisa como algo que é basal para
apoiar a ação de tais agentes77.
Neste sentido, a formação e a iniciação do trabalho em crítica e curadoria dos
entrevistados partiu de um desejo inicial (racional ou não) de trabalhar com arte, de uma
especialização para tratar de tais questões – haja visto que todos optaram por fazer pós-
graduações voltadas a questões artísticas -, e de estarem inseridos em círculos sociais que
apoiaram tais escolhas profissionais. Agora, como estes profissionais foram provando que
eram legítimos da confiança neles foi sendo depositada por seus pares? Ou seja, como eles se
mantiveram atuando como críticos e curadores? A obtenção de prêmios – para publicações de
livros voltados à crítica ou pesquisas em artes e mesmo à realização de curadorias -, é uma
das maneiras que permite que estes atores venham sendo constantemente reconhecidos e
legitimados como autoridades da e para a esfera da arte. É possível dizer que no mundo da
arte como os diplomas acadêmicos não necessariamente são importantes para o
reconhecimento e a legitimação dos atores sociais que nele atuam, outras formas de dar
reconhecimento e de legitimar tais atores como autoridades são criadas, um exemplo, é a
aprovação em um edital para financiamento de um livro ou de uma exposição. Existe um
sistema de premiações que permite a realização de trabalhos voltados às artes plásticas,
advindos de editais financiados por instituições públicas e privadas, que agem em uma via de
mão dupla: de um lado, eles são a principal forma de realização de programações e
publicações dedicadas às artes visuais, e, de outro, eles são uma maneira de trazer o constante
reconhecimento e legitimação dos agentes que trabalham com artes.
Partindo do entendimento de que há um sistema do mundo da arte que permite o
reconhecimento e a legitimação dos críticos e dos curadores, é importante tentar entender
como os pesquisados se posicionam e vem atuando com crítica e curadoria, presentemente. A
mudança na esfera da arte, narrada pelo debate que separa críticos e curadores, além de dizer
que os críticos têm desaparecido, precisa ser problematizada a partir de uma análise da
compreensão dos entrevistados em relação ao tal debate, assim como do que entendem como
de seu trabalho em termos práticos. Esta problematização será enfocada no capítulo seguinte.

77
De acordo com Richard Sennett (1993), a noção de autoridade está relacionada com a ideia de
reconhecimento, visto que para que alguém exista (no sentido social) este alguém precisa ser conhecido, logo
deve haver o reconhecimento de outrem para que uma existência seja possível. Há que se demarcar que tal
reconhecimento é a demonstração, para Sennett, de que a autoridade se exerce em uma relação desigual. Agora
pensando o universo analisado, este aspecto é fundamental, pois na esfera da arte, como em qualquer outra, para
que um indivíduo seja tomado como um ser que existe para um contexto dado, ele necessita ser reconhecido.
87

CAPÍTULO 3: CRÍTICA E CURADORIA NA PRÁTICA.

Embora o debate analisado no primeiro capítulo desta dissertação apresente


dissonâncias, de modo geral, ele constrói duas imagens: a primeira corresponde a uma crítica
de arte enfraquecida e realizada por um crítico que não seria mais relevante na esfera da
legitimação artística, uma vez que não cumpriria mais o papel de tornar públicas as questões
inerentes ao mundo da arte. Isto teria acontecido porque, especificamente na cidade do Rio de
Janeiro78, o espaço nos jornais que lhe era cativo passou a ser reduzido na década de 1990. Já
a segunda imagem, diferente da primeira, trata de uma carreira em ascensão. Os curadores de
exposições79 seriam tomados, presentemente, como sendo os atores sociais mais importantes
do mundo da arte, pois eles exerceriam o papel de principais agentes legitimadores desta
esfera social. Deste modo, o surgimento dos curadores de exposições independentes estaria
modificando as estruturas do universo da arte, fazendo com que outros agentes que compõem
este universo de relações fossem obrigados a alterar as suas funções. Além disso, à curadoria
estaria se atribuindo uma função que teria sido da crítica de arte em outros momentos da
história da arte; a curadoria seria uma nova forma de pensamento crítico e de disseminação e
popularização das discussões que advém do mundo da arte, e o efeito disso seria que a crítica
de arte estaria desaparecendo em favor da curadoria nos dias de hoje.
Entretanto, apesar das imagens de crítica de arte e curadoria de exposições que vêm
sendo debatidas na esfera artística, a crítica e a curadoria são exercidas por pessoas e, de fato,
suas atuações é que são responsáveis por construir as nuances das carreiras debatidas. São
estas pessoas que disputam e chegam a consensos, criando assim o que deverá ser
compreendido como uma ação legítima, reconhecida e autorizada.
O sociólogo alemão Karl Mannheim, ao contrapor o pensamento francês e o alemão
em relação ao conceito de geração, indica que é crucial perceber que “(…) la forma de
plantear las cuestiones y los modos de pensar cambian con los países, las épocas y las
voluntades políticas dominantes” (MANNHEIM, 1993:198). Atentando para este fato, é

78
Em relação à cidade de São Paulo, há quem defenda que não houve uma perda tão significativa do espaço da
crítica nos jornais. Na entrevista concedida por Felipe Scovino surgiu esta questão: “Eu não sei, eu acho que são
duas propostas diferentes: crítica para o jornal e crítica para o catálogo. Eu acho que não deixou de existir as
duas coisas, no Rio talvez sim, mas em São Paulo continuou havendo crítica na Folha, crítica no Estadão.”
(SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).
79
A curadoria proclamada, de modo geral, vem sendo tomada como uma carreira em ascensão. Contudo, é
preciso destacar que, de acordo com o debate analisado no capítulo um, a chamada curadoria de exposições
independente é que vem sendo tomada como uma carreira inovadora e imersa em maior prestígio. Esta é
efetivada por pessoas que não necessariamente têm cargos em instituições museicas. Assim, a realização dos
trabalhos destes curadores se dá, em geral, via editais públicos de instituições públicas e por convites de trabalho
por contrato em instituições privadas.
88

preciso demarcar que o debate analisado no capítulo um está presente em outros países, do
ocidente e do oriente. Assim, há que se perceber que também é necessário voltar a atenção
para as especificidades contextuais. Deste modo, como se demonstrou no capítulo anterior, no
contexto aqui analisado conta-se com críticos de arte que atuam como curadores de
exposições e professores, o que é tomado por alguns agentes da esfera artística brasileira
como sendo um diferencial em relação a outros países. Este fato deve ser problematizado
diante do debate explicitado, o qual separa a crítica e a curadoria. O que não aparece na
prática dos agentes sociais brasileiros, que como já dito, trabalham concomitantemente como
críticos e curadores (e professores, e artistas e etc.).
Nesse sentido, a intenção deste capítulo três é entender os posicionamentos dos
entrevistados em relação às referidas discussões, assim como compreender como se dá na
prática o trabalho de críticos e curadores no Brasil, e mais nomeadamente no Rio de Janeiro e
em São Paulo. Já que a crítica e a curadoria são, em geral, exercidas pelos mesmos agentes,
como se pode dizer que a crítica desapareceu? A mudança nos suportes de veiculação da
crítica de arte é, de fato, um fator que implica em seu esvaecimento e no apagamento da
carreira de crítico? Será mesmo que o curador de exposições é o único e mais importante ator
social para a legitimação da arte hoje em dia? Enfim, quais os limites práticos do exercício
das funções de crítico e curador? E, porque ser crítico, curador e professor?
Muitas são as questões implicadas nesta pesquisa e, portanto, será preciso dividir o
presente capítulo em cinco subitens. No primeiro, busca-se, de modo geral, compor o contexto
presente do mundo da arte, como também explicitar as especificidades contextuais do Brasil,
país de atuação dos entrevistados. Na segunda parte, são trazidos os depoimentos dos
entrevistados para contrapor seus posicionamentos, em relação ao que seja a crítica de arte
hoje, ao que foi explicitado do debate contemporâneo sobre a mesma questão, no capítulo um.
Na terceira parte do texto, o procedimento é o mesmo da segunda, contudo trata-se dos
posicionamentos acerca do debate que envolve a curadoria de exposições. No quarto subitem,
a discussão volta-se para a especificidade do contexto brasileiro, na qual os críticos são
curadores. Esta parte do trabalho intenciona compreender melhor quem são os críticos e os
curadores brasileiros e mesmo compreender o que tais profissionais realizam em termos
práticos80. Por fim, no último subitem, busca-se a união dos argumentos trazidos ao longo do

80
É preciso frisar que o universo artístico é mais amplo do que o analisado nesta dissertação, assim, os críticos e
curadores que vem sendo aqui discutidos têm um perfil comum: são todos críticos, curadores e professores, que
trabalham no Brasil, especialmente, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Então, o contexto aqui
analisado é específico, o que impossibilita algumas generalizações. Contudo, as fontes coletadas para esta
pesquisa permitem o entendimento de como se dão as relações no contexto do Rio de Janeiro e de São Paulo,
89

capítulo a fim de uma comparação mais geral com os posicionamentos trazidos no capítulo
um.

3.1 - O Contexto Vivido e Imaginado.

Os depoimentos concedidos para esta pesquisa são uma das principais fontes para a
mesma, e para analisá-las, uma vez que se tratam de depoimentos pessoais, é preciso
relativizar este material, pois se trata de uma situação onde o entrevistado seleciona
(conscientemente ou não) todos os fatos que deseja discutir sobre os assuntos que lhe são
perguntados. Neste sentido, há uma limitação que diz respeito à escolha metodológica de
construir uma pesquisa a partir de entrevistas. Além disso, há que se assinalar que os
entrevistados para esta dissertação fazem parte de um contexto mais amplo de atores sociais
que trabalham com crítica, curadoria e em outras posições relativas ao mundo da arte, assim,
suas opiniões são tomadas aqui para entender como se dá na prática a atuação de críticos de
arte e curadores de exposições no âmbito do Rio de Janeiro e São Paulo, assim, elas não
podem ser apreendidas como representando as visões de todos os críticos e curadores
brasileiros. Elas auxiliam a compreensão de um debate que está relacionado com uma disputa
de posições no interior da esfera da arte, e suas percepções também fazem parte de tal disputa,
tendo em vista que críticos e curadores estão agindo cotidianamente para se manterem como
autoridades relevantes do e para o universo artístico.
Após esta nota metodológica, é possível voltar o olhar para o material conseguido
através das entrevistas realizadas, com a finalidade de delinear o contexto atual que envolve a
crítica e a curadoria81. De modo geral, as falas dos entrevistados versam sobre um momento
do mundo artístico (o presente) em que haveria um domínio do mercado (financeiro) da arte,
que estaria alterando as formas de produção e recepção dos trabalhos artísticos. Neste sentido,
é interessante retomar o momento em que Paulo Venâncio Filho abordou esta questão. Em sua
percepção, hoje haveria dois sistemas de arte institucional, que embora distintos se

além de permitirem o entendimento de: 1) como o perfil de entrevistados lida com o debate contemporâneo que
envolve a crítica e a curadoria; e 2) como o perfil de profissionais aqui analisado entende o que sejam as funções
por eles desempenhadas.
81
Em seu conjunto, esta pesquisa, conta com mais dados relativos ao contexto do Rio de Janeiro, no entanto, é
possível trazer dados e questionamentos acerca da atuação de críticos e curadores na cidade de São Paulo, pois
além de uma das entrevistadas ter a sua carreira construída e situada naquela cidade, São Paulo é referenciada
por todos os entrevistados para esta dissertação, justamente, por ser um lugar em que eles também desempenham
suas funções como curadores e críticos. Um exemplo é o fato de Paulo Venâncio Filho foi responsável pela
curadoria da exposição é 30 × Bienal - Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição, realizada no
segundo semestre de 2013 em São Paulo, no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera.
90

tangenciam: de um lado, um sistema tradicional (composto por museus etc.), e de outro, um


sistema paralelo (composto por exposições como as Bienais):

(…) hoje tem uma espécie de… se constituiu dois sistemas, assim eu diria, de
curadoria institucional, quer dizer, um sistema que é o sistema dos museus, que é o
sistema, digamos, mais tradicional, e um sistema paralelo, que as vezes se tocam as
vezes não, que é o dessas grandes exposições: Bienais, que se tornaram cada vez
mais importantes e frequentes, hoje tem, sei lá, todo o mês deve ter uma Bienal ou
mais. Então, esse é um circuito muito importante que eu acho que também mudou,
de uma certa maneira, certos aspectos da produção, têm artistas que quase só
circulam nesse sistema e você não vê no outro. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista
ao autor em 28 de out. de 2013).

A coexistência destes sistemas apontados por Venâncio Filho seria responsável por alterar a
maneira como os atores que compõem a esfera artística se relacionam entre si, porquanto, por
exemplo, alguns artistas estariam mais presentes no chamado sistema paralelo e sua obra seria
praticamente inacessível – porque para vê-la seria necessário ir ao ateliê do artista ou visitar
quase mensalmente feiras de arte ou exposições como as Bienais, o que não é possível para a
grande parte das pessoas interessadas em artes visuais.
Assim como Paulo Venâncio Filho, Aracy Amaral considera que o mercado de arte
financeiro seria responsável por modificar as estruturas do mundo da arte. O domínio do
mercado seria mais presente e forte hoje. Amaral, em uma fala já destacada no capítulo
anterior, deixa clara a sua percepção em relação a esta questão, comparando o contexto em
que iniciou sua carreira com o presente:

A geração hoje de artistas, é de um artista que manda o assistente, que monta as


obras, usualmente até, nem o artista vem para a inauguração da sua sala, é o
assistente que vem, monta e tchau! Vai embora. Naquele tempo não, o artista vinha,
assistia a montagem das obras, dava entrevistas para os jornais, havia uma, se você
quiser, um caráter mais humano de contato dos artistas e de sua arte e de seus
trabalhos com o público ao qual ele se apresentaria. E, eu acho que isso acabou, de
uma certa forma, talvez, com a entrada do mercado de arte, com a mercantilização
do mercado de arte, que a gente vê que está a cada dia mais terrível, mais compacto,
mais acelerado, eu acho que isso é bem visível, né? (AMARAL, Aracy. Entrevista
concedida ao autor em 14 de out. de 2013).

Tanto Aracy Amaral como Paulo Venâncio Filho consideram portanto que há uma
“mercantilização” na esfera artística, modificando as relações entre os atores sociais da arte, o
que implicaria em mudanças na produção, na distribuição e na recepção das obras de arte. É
uma espécie de reação em cadeia, mas não é possível entender tal reação como advinda de
cima, ou seja, da “mercantilização” e do mercado para o restante, as questões são mais
complexas e imbricadas. Destarte, encara-se tal fenômeno agindo lado a lado com os atores
91

que compõem o universo da arte. Se há a “mercantilização”, há os atores sociais que a


corroboram, sejam eles artistas, galeristas, críticos de arte, curadores de exposições,
colecionadores, etc. Não importa, pois cada um, na medida de sua posição relativa à esfera da
arte, age no sentido de endossar tal processo e encontrar novos meios de ação que permitam a
existência do mundo da arte.
Depois destas considerações mais gerais sobre o mundo das artes, é necessário voltar à
abordagem específica desta dissertação, que é o contexto carioca e paulista de hoje. É preciso
entender quais são as peculiaridades socioculturais que delimitam as ações de críticos de arte
e curadores de exposições. Embora percebam que há mudanças ocorrendo no Brasil, em
relação à infraestrutura da arte e à visibilidade da arte brasileira no mundo, um fator apontado
por alguns dos entrevistados seria de que no Brasil, sobretudo, no Rio de Janeiro, o sistema
artístico e cultural, de forma geral, estaria falido. A infraestrutura, o número de museus, o
financiamento voltado para a área das artes visuais entre outros fatores, contribuiriam para
que o contexto brasileiro fosse pouco diversificado e alvo de poucos investimentos. Estes
fatos seriam responsáveis por afetar a produção e a recepção dos trabalhos de arte, assim
como, a formação de seus agentes, já que a formação em artes também depende de visitas a
museus, e a visitação dos espaços museais depende da possibilidade de montar exposições
com novos trabalhos. Seria prejudicial ao contexto brasileiro o fato de haverem espaços
museais públicos que não constroem acervos, ao mesmo tempo em que se conta com
instituições como, por exemplo, o Centro Cultural Banco do Brasil82, que, não tendo acervo
próprio, exibem mostras com curadorias feitas em outras instituições (por vezes instituições
estrangeiras). Destarte, percebe-se que parte do acervo de alguns dos museus brasileiros se
deu pela prática de doações e aquisições por meio de salões e prêmios de arte. Ou seja,

(…) os museus públicos enfrentam uma grande dificuldade na formação de coleções


que contemplem a produção contemporânea internacional. Na verdade, nem mesmo
a produção nacional está bem representada nas coleções públicas. Grande parte das
instituições não consegue estabelecer uma política clara de aquisições, nem possui
recursos suficientes para atuar no mercado internacional. É por meio de exposições
temporárias que tais instituições apresentam a produção internacional, muitas vezes
com projetos curatoriais importados e de custos elevados. (FIALHO, 2012:149).

82
O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) tem sede em três cidades brasileiras: Brasília, Rio de Janeiro e São
Paulo. É importante frisar que os centros culturais, como é o caso do CCBB, encontraram a sua proliferação pelo
mundo após os anos de 1960 e 1970. Em geral, eles se configuram como espaços localizados em regiões
centrais, com políticas educacionais, com grande destaque na mídia, com opções variadas de lazer (exposições
de artes visuais, shows musicais, cinemas, espetáculos teatrais, livrarias, cafeterias etc.). Os centros culturais
tiveram sua disseminação “a partir da década de 1970, estimulada pela construção e criação, em 1975, do Centro
Cultural Georges Pompidou, o Beaubourg, em Paris, com cerca de 25 mil pessoas dirigindo-se a ele diariamente,
um dos lugares mais visitados da França” (DABUL, 2008:259-260).
92

Antes de prosseguir, é preciso dizer que atualmente centros culturais e museus não
possuem grandes diferenças entre si83. Uma característica que poderia diferenciar os museus e
os centros culturais seria a posse de um acervo permanente de obras, entretanto, esta não é
mais considerada uma diferença entre tais instituições (DABUL, 2008). É importante retomar
a entrevista concedida por Paulo Venâncio Filho, no momento em que ele tratou desta
problemática das instituições brasileiras, no que diz respeito a políticas de aquisições de
obras:

(…) o CCBB, ele deformou ainda mais o nosso já deformado sistema, porque é o
único lugar praticamente que financia as exposições. Então, há uma espécie de
canibalização pra entrar lá. O que ocorre também, e o CCBB talvez seja o melhor
exemplo disso, você entra com um pacote lá dentro, com o curador, a iluminação, a
exposição, com a equipe de montagem, etc., quer dizer, e não forma acervo, não tem
museologia. A exposição chega e vai embora, entra uma e sai outra. Então acho que
falta nos museus aqui uma estrutura. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor
em 28 de out. de 2013).

Estes fatores contribuiriam para que o trabalho do curador e do crítico em tal contexto tivesse
que se dar de um modo distinto de outros países. Para ilustrar esta percepção é preciso trazer
outro momento da entrevista realizada com Paulo Venâncio Filho, que pensando sobre a
estrutura das instituições museais brasileiras, relatou:

(…) Então, essa dimensão pública, quer dizer… você vai num museu aqui e é uma
tristeza, porque você chega lá e não tem gente e não tem o que ver. Eu fiz essa
exposição agora na Bienal84, e a Bienal talvez tenha sido ou é o evento que deu ou
dá uma dimensão pública à arte, mas eu acho que ainda é ocasional, sazonal,
digamos assim, né? Então, a gente ainda está construindo… é eu acho que as
coisas… tomaram outra dimensão, porque a arte brasileira se internacionalizou e
tudo isso, então, eu acho que está se começando a prestar atenção. Quer dizer, a
dimensão pública da arte, das artes plásticas nesse contexto geral cultural, da cultura
brasileira, está aumentando, esta percepção, que eu acho que era muito minoritária
em relação a outras áreas: literatura, música, cinema, tudo isso. Eu acho que isso
está aumentando, e também eu acho que isso se justifica, porque a arte brasileira, de
fato, é uma das grandes artes do século XX e do começo do século XXI. Então, isso
é irremediável, inevitável, isto está sendo reconhecido, os museus internacionais
estão comprando. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out. de
2013).

83
“Um conjunto grande de itens que caracterizavam e distinguiam os centros culturais dos museus de arte, como
a diversidade de atividades oferecidas, foram também, com o tempo, incorporados por eles. De outro lado, os
atributos que tradicionalmente singularizavam os museus de arte frente a outros espaços e instituições que
promovem exposições de objetos artísticos, como muitos pesquisadores vêm demonstrando, hoje não os
diferenciam mais.” (DABUL, 2008:259).
84
A exposição em questão é 30 × Bienal - Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição, realizada em
São Paulo no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera.
93

As palavras de Venâncio Filho demonstram que a arte no Brasil teria sido por muito anos
desvalorizada, no sentido de investimentos que elevassem as artes visuais a um status de
necessidade básica e as popularizassem, contudo, ele igualmente assinala que esta situação
estaria sendo transformada, já que a arte brasileira estaria sendo internacionalmente
reconhecida, o que implicaria que o setor, no Brasil, passasse a ser alvo de novos
investimentos. Assim sendo, sua fala indica problemas, mas ao mesmo tempo é esperançosa,
porque as instituições brasileiras voltadas às artes visuais estariam rumando por um caminho
que as pode tornar foco de maiores investimentos, públicos e privados.
Relativamente àquela questão, é relevante trazer a explanação de outro entrevistado,
Felipe Scovino, que embora esperançoso como Venâncio Filho, tem um posicionamento
incisivo no que diz respeito àqueles que seriam os problemas da infraestrutura do mundo da
arte no Brasil. Na entrevista concedida por Scovino, questionou-se se ele enxergaria
diferenças entre o contexto social, cultural e artístico brasileiro e o de fora do país – tendo-se
em mente países da Europa e os Estados Unidos – ao que ele respondeu:

Total, total! Você tem uma institucionalização da arte que é muito maior. Poxa, na
Espanha, que é um país que está ferrado agora economicamente, mas tem uma
proliferação de museus maior do que no Brasil. Um país muito menor que o nosso,
mas que tem um sistema de museus muito mais maduro e ativo do que o nosso. O
nosso sistema de museus é falido! As instituições públicas no Brasil são falidas.
Você não tem dinheiro para comprar obra. Eu estava falando ontem que a nossa
história da arte no Brasil, é fraturada. Você vai ao MAC [Museu de Arte
Contemporânea], em Niterói, para ver neoconcretismo, ai você sai de Niterói, vai
para o Chateaubriand, aqui no MAM [Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro]85,
para ver os anos 1970. Para ver a produção dos anos 2000, você precisa, por
exemplo, ir para São Paulo, para ver a coleção do [Instituto] Itaú [Cultural] ou a
coleção da Pinacoteca. Então, você tem que ir de um museu para o outro, para poder
ter uma visão interessante e completa da história da arte do país. Poxa, você vai aos
Estados Unidos, por exemplo, Minneapolis tem um museu fabuloso, é uma cidade
que não está entre as mais importantes dos Estados Unidos. Vá em qualquer museu
nos Estados Unidos, os caras têm cinco Picasso, três Manet, doze Francis Bacon.
Então, a diferença é radical, porque os Estados Unidos e a Europa veem a arte e a
cultura como um plano de governo, como um plano de ação, como um plano de
alfabetização do povo. Como um plano educacional. E, aqui no Brasil não. Você
tem agora o edital, do Prêmio Marcantonio Vilaça, da FUNARTE, que, se eu não me
engano, está na sexta ou sétima edição, que é uma atitude importantíssima, um
projeto importantíssimo, mas ao mesmo tempo é ridículo! O maior prêmio do
Prêmio Marcantonio Vilaça, são 350 mil reais. Agora não estou me recordando
direito se são quatro ou cinco prêmios de 350 mil reais 86. Com 350 mil reais, você

85
De acordo com o site do MAM RJ: “A coleção Gilberto Chateaubriand, que desde 1993 encontra-se no MAM,
possui cerca de 7.000 obras, sendo uma das mais completas coleções de arte brasileira moderna e
contemporânea.”. Disponível em: <http://mamrio.org.br/colecoes/>. Acesso em: 5 de jan. de 2013.
86
Em 2013 foi realizada a sexta edição do Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça. Conforme o site da
FUNARTE, nesta edição: “Foram contemplados 15 projetos, sendo cinco em cada faixa de premiação – R$ 70
mil, R$ 150 mil e R$ 350 mil. Com recursos do Fundo Nacional de Cultura (Ministério da Cultura), o Prêmio
conta com investimento total de R$ 2,9 milhões.”. Disponível em: <http://www.funarte.gov.br/edital/premio-de-
artes-plasticas-marcantonio-vilaca-%E2%80%93-6%C2%AA-edicao/>. Acesso em: 13 de nov. de 2013.
94

não compra... com muito esforço, você compra um Tunga, você não compra mais
uma Beatriz Milhazes boa, estou falando de trabalho bom! Não é um desenho de
aquarela, né? Por isso que eu falo: a história da arte no Brasil é fraturada, do ponto
de vista institucional. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de
2013).

Tomando a explicação de Scovino é possível dizer que a infraestrutura do mundo da arte no


Brasil seria diferente da de países da Europa ou os Estados Unidos, pois não haveria no
contexto brasileiro um plano de ação governamental que, de fato, investisse no sistema de
museus do país. De tal modo, os museus não seriam capazes de formar, por exemplo, acervos
de arte brasileira, o que levaria as obras dos próprios artistas brasileiros para museus de outros
países, causando uma diminuição da arte brasileira no Brasil. Um caso lembrado por Scovino
foi o da venda da coleção do paulista Adolpho Leirner ao Museum of Fine Arts de Houston87,
um caso que gerou inúmeros protestos por parte dos agentes sociais da arte brasileira. Em
entrevista ao jornal Folha de São Paulo, de 21 de março de 2007, Aracy Amaral se colocou
contra a venda desta coleção, afirmando que: “Falta espírito público por parte das instituições
brasileiras, em nível federal, estadual e municipal, da elite financeira e do próprio
colecionador”88. A venda da coleção Leirner ao Museu de Houston seria um exemplo do quão
fraco seria o investimento público em artes no país. Deste modo, este falido sistema brasileiro
de museus, como encara Scovino, traria dificuldades para a população brasileira a quem seria
negado o acesso à produção artística e a uma educação em artes de qualidade, mas não apenas
isto, já que os atores sociais da arte (artistas, críticos, curadores etc.) vivenciando este
contexto de desvalorização – desvalorização proveniente dos parcos investimentos públicos
no setor -, enfrentariam inúmeras dificuldades para continuar trabalhando com arte.
Um país onde as artes visuais encontrariam uma enorme dificuldade para serem
produzidas, apresentadas, debatidas e mantidas, mas que num período de ao menos 30 ou 40
anos também estaria ganhando visibilidade e notoriedade internacionalmente, através da arte
de seus artistas: este seria o Brasil, para os referenciados entrevistados para esta pesquisa. O
contexto analisado estaria em transição, o que lhe traria peculiaridades que são enfrentadas,
87
Nas palavras de Scovino:
(…) não pode acontecer, o que aconteceu, em 2007, com a coleção Adolfo Leirner, que era uma coleção
privada, maravilhosa! De arte construtiva, de design, de mobiliário, uma das melhores coleções de arte
construtiva do Brasil, que foi oferecida tanto para outros colecionadores privados quanto para
instituições públicas e ninguém quis comprar e foi vendida a preço de banana, entre aspas, para o
Museu de Belas Artes de Houston, isso não pode mais acontecer no Brasil. A gente não pode pegar um
avião daqui para Houston, para ver arte brasileira. Isso é inconcebível. E isso, é um retrato do descaso
do poder público com a cultura no Brasil. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de
2013).
88
CYPRIANO, Fabio. Venda da Coleção Leirner Gera Protesto. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 de mar. de
2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2103200707.htm>. Acesso em: 10 de dez. de
2013.
95

por meio de disputas e acordos, cotidianamente por aqueles que o compõem89. É importante
atentar para o fato de que a reestruturação do mundo da arte, ocasionada pela ação do
mercado financeiro de arte, aparece nas falas dos referenciados entrevistados como algo
negativo. No entanto, ao mesmo tempo em que o mercado de arte é alvo de críticas negativas,
aparece nos discursos citados um anseio por maiores investimentos financeiros no setor de
artes. Este fato é aparentemente contraditório, contudo, é válido frisar que tais investimentos
desejados seriam os de instituições públicas e não de instituições privadas, as quais o mercado
de arte estaria mais relacionado. Assim, os entrevistados parecem, de um lado, almejar
políticas governamentais em prol da expansão e valorização das artes visuais no Brasil e, de
outro, voltar-se contra a suposta tirania de investidores privados. A expansão do setor de artes
advinda de instituições públicas, além de outras possíveis implicações, poderia ter como
desdobramento a estabilidade profissional para carreiras ligadas à arte, como a crítica e a
curadoria.
Neste momento, é possível partir para uma análise das implicações de tal contexto
sobre o trabalho dos críticos e curadores que nele atuam.

3.2 - A Crítica Debatida versus a Crítica Praticada.

No primeiro capítulo desta dissertação está exposto um debate que indica a falência da
crítica de arte, porque esta não estaria cumprindo seu principal papel de disseminar o discurso
do mundo da arte, tornando-o público. Com base nas falas dos entrevistados buscou-se
esboçar qual seria a atual faceta da esfera artística, em nível global e também
especificadamente no Brasil. Atentando para o que foi dito acerca do contexto de trabalho dos
entrevistados para esta pesquisa, será explicitado agora como os entrevistados consideram a
distinção feita entre curadoria nos debates, incluindo o desaparecimento da crítica. Será que
os entrevistados - todos críticos de arte, curadores e professores - corroboram a ideia de que a
crítica de arte morreu? Caso sim, o que os faz atuar como críticos se a crítica faleceu? Que
tipo de crítica de arte é exercida hoje? É proveitoso lembrar o trabalho de Mauro Trindade
(2008), que em sua dissertação de mestrado defende que a crítica de arte perdeu um espaço
nos jornais cariocas a partir dos anos de 1990, fato que afundaria a crítica de arte em uma

89
É preciso frisar que o contexto do mercado de arte, da política de aquisições de obras por instituições públicas,
a infraestrutura das instituições museais brasileiras e de fora do país, não foram abordados por todos os
entrevistados. Neste sentido, o subitem que busca delinear o contexto artístico presente não conta com as falas de
todos os entrevistados para esta pesquisa, apenas com as de Aracy Amaral, Felipe Scovino e Paulo Venâncio
Filho, que abordaram tais temáticas.
96

crise profunda. A proclamada perda de espaço da crítica nas páginas dos jornais e
consequente fim da crítica foi tópico de pergunta em todas as entrevistas realizadas.
Quando o debate contemporâneo em torno da crítica de arte apregoa sua perda de
espaço na esfera pública, o parâmetro comparativo é, sobretudo, o do século XIX – com a
ação de personagens como Charles Baudelaire -, como também a década de 1950, quando
críticos de arte como Mário Pedrosa e Clemente Greenberg – os quais são tomados no mundo
da arte como modelos ideais de críticos de arte -, publicavam seus ensaios críticos,
especialmente, nas páginas dos jornais. A crítica de arte e curadora Aracy Amaral teve o
início de sua formação nestas carreiras justamente nos anos de 1950 – período este que, como
já foi visto no capítulo um, é encarado como o momento auge da crítica, por existir uma
crítica de arte profissionalizada. Ao ser perguntada sobre o suposto enfraquecimento da crítica
de arte hoje em dia, Amaral respondeu:

Ah sim! Porque os jornais, hoje em dia, não dão… por exemplo, na década de 1950,
começo de 1960, escreviam em jornais aqui: o José Geraldo Vieira, o Waldemar
Cordeiro, o Luiz Martins, o Sérgio Milliet… abria uma exposição e havia sempre
uma palavra, uma crítica. Hoje, o que é que existe? Existe reportagens sobre arte.
Então daí, eles fazem a reportagem sobre arte e daí acaba! Ou, aqui em São Paulo
tem, por exemplo, no Estadão, que é o jornal que tem mais peso, assim, tem o
Antônio Gonçalves Filho, a Maria Hirschmann, a Camila Molina, que fazem
grandes reportagens sobre os eventos, inclusive, no exterior costumam ser
representados. E depois, morre! Ninguém mais fala. É como se a exposição tivesse
aberto um dia só e tivesse fechado. Não existe um acompanhamento, não existe uma
coluna com resenhas sobre as exposições, é muito cruel isso, eu acho, para com os
artistas, que preparam as exposições. (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14
de out. de 2013).

A resposta de Aracy Amaral é importante não só porque mostra as diferenças que vê entre a
crítica feita dos anos 1950 e a de hoje, como também porque indica qual seria a alteração
substancial em relação ao conteúdo das críticas. Amaral afirma que a crítica de arte presente
nos jornais se transformou em reportagem sobre eventos artísticos. A crítica continua presente
nos jornais, mas sob a forma de jornalismo cultural, não havendo mais um acompanhamento
das exposições, das obras de arte ou dos artistas. A partir do depoimento de Amaral, é
possível discernir a diferença dos anos de 1950 quando as críticas de arte nos jornais se
voltavam para o desenvolvimento dos artistas e suas obras, acompanhando os caminhos
históricos e conceituais imbricados nos trabalhos expostos; atualmente as notícias sobre arte
não são propriamente uma crítica de arte, mas reportagens informativas, visto que tais textos
não levariam em conta a produção dos artistas, seus conceitos e processos históricos, sendo
apenas meios de informar sobre a programação cultural.
97

A noção de que a crítica de arte hoje não seria crítica, mas jornalismo cultural, é
discutida por Mauro Trindade (2008), contudo, ele toma esta questão para falar em um
arrefecimento e quase um desaparecimento da crítica. As palavras de Amaral, embora tenham
um tom de lástima em relação às alterações no conteúdo da crítica de arte, não chegam a
apregoar a morte de tal atividade, mas sim uma transformação que deve ser enfrentada. Aracy
Amaral chegou a assinalar um possível caminho para a crítica de arte: o trabalho de pesquisa
que poderia enriquecer o trabalho do crítico90. Deste modo, é possível entender que para
Amaral a crítica dos jornais pode ter sido alterada, mas isso não causa sua morte, haveria
outros caminhos viáveis para a ação do crítico e seus textos.
Pensando sobre a mesma questão, o entrevistado Paulo Venâncio Filho entende que a
crise da crítica de arte não seria uma especificidade do contexto brasileiro mas um fenômeno
presente no mundo da arte em nível internacional: “Olha, eu acho que esse fenômeno da crise
da crítica não é um fenômeno brasileiro, eu acho que a crise da crítica está um tanto, como eu
diria, seria difícil hoje caracterizar o que é crítica, em certo sentido.” (FILHO, Paulo
Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013). Ainda que veja uma mudança na esfera
da crítica de arte, Venâncio Filho não crê que esta modificação levaria ao desaparecimento e
morte da crítica de arte no Rio de Janeiro em 2013:

Agora, eu acho que nós temos um nível bom, no Rio de Janeiro, nós temos um nível
bom de pessoas, que eu não sei se são exatamente críticos, mas que atuam também
como críticos. Eu acho que o [Felipe] Scovino, a Marisa Flórido, o Guilherme
Bueno, a Luiza Duarte é de São Paulo, mas… voltando, então, eu acho que o
problema ainda é o problema cultural, quer dizer, o pouco espaço que se dá ou a
pouca dimensão pública das artes plásticas no Brasil. Aos poucos isto está se
ampliando. Hoje a gente tem uma página n’O Globo, mas antes… e, eu ainda acho
que o crítico que opina e tem uma opinião mais forte, isso eu acho que é uma das
coisas que a gente perdeu um pouco. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor
em 28 de out. de 2013).

A alteração de conteúdo da crítica de arte não seria causada apenas pela perda de espaço nas
páginas dos jornais, mas ocorreria por conta da falta de atenção e investimentos para as artes
plásticas no Brasil. Para Venâncio Filho a crise da crítica não seria específica do Brasil, no
entanto, no contexto brasileiro se daria também pela pouca importância que se dá às artes

90
De acordo com Aracy Amaral:
(…) em primeiro lugar, eu não concebo um crítico que não faça pesquisa, para mim o crítico tem que
ser um pesquisador de arte, tem que ser um pesquisador de história da arte, porque ele não pode avaliar
o que se apresenta hoje, o que está sendo feito hoje, sem saber o que foi feito ontem e anteontem.
Porque eu sei que existem muitos artistas, que têm hoje trinta anos e que não sabem, eles ignoram
totalmente que na década de 1970 já existia arte conceitual, e muitas vezes eles fazem uma coisa que já
foi feita anteriormente, e eles pensam que estão sendo os primeiros a fazer. (AMARAL, Aracy.
Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).
98

visuais como um todo. O crítico e curador não aponta para a morte da crítica, mas para uma
alteração atrelada a uma resistência de novos atores sociais estariam contribuindo para manter
a crítica de arte na ordem do dia. E, atentando mais especificamente para o problema do
conteúdo das críticas de hoje, Venâncio Filho indica uma questão que vai além da falta de
pesquisa por parte dos críticos, apontada por Aracy Amaral. Para ele há um problema da arte
contemporânea, de modo mais geral, que não se permitiria ser criticada, impedindo que os
críticos atuem de um modo judicativo em seus textos. É relevante ler este ponto da entrevista
efetuada com Paulo Venâncio Filho na íntegra, ele disse:

(…) acho que a crítica, não sei, eu sinto um pouco a crítica falando… que eu acho
que é um problema que desqualifica a crítica (…), isso você percebe um pouco dos
seus próximos, está entendendo? Porque tem coisas que as vezes deveriam ser
criticadas, não digo no sentido positivo ou negativo, mas parece que há uma escolha
de um certo universo que não é criticado. Eu acho que isso não é bom para a crítica.
(…)
Quer dizer, isso seria um problema estrutural da contemporaneidade, quer dizer, não
é mais possível jogar essas coisas segundo aquele sentido judicativo. Porque as
coisas não se prestam mais a essa estrutura de julgamento, isso seria uma coisa.
Mas, ao mesmo tempo, eu acho que tem reações muito, eu diria, fortes. Quer dizer,
não é que eu concorde com o Ferreira Gullar agora, mas é perfeitamente possível
não gostar de arte contemporânea ou criticar a arte contemporânea, mas parece que
tem uma pré-defesa, assim, resistente à qualquer crítica, como se qualquer crítica à
arte contemporânea fosse reacionária. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor
em 28 de out. de 2013).

No entendimento de Paulo Venâncio, portanto, haveria uma reação a priori à crítica de arte
por parte do que se entende hoje como arte contemporânea, sendo responsável pela queda do
papel judicativo atribuído aos críticos de arte. Neste sentido, o contexto atual não permitiria
um tom judicativo às críticas, o que teria como um desdobramento possível uma aliança entre
artistas e críticos que seria diferente das que ocorreram em outros momentos da história da
arte. Pois, agora, o crítico só poderia utilizar sua palavra para elogiar os artistas e suas obras
de arte. Isto implicaria no fim do debate entre os agentes do mundo da arte, visto que haveria
um consenso a priori - consenso que não adviria de nenhum debate público.
Dentre os entrevistados, o único que ao ser perguntado sobre o suposto falecimento da
crítica de arte respondeu positivamente foi Raphael Fonseca. Ainda assim, seu discurso não
encara a crítica como uma atividade totalmente morta. Fonseca, na entrevista concedida para
esta dissertação, foi taxativo ao afirmar: “Agora, acho que sim, acho que a crítica de jornal, a
meu ver no Brasil, pelo menos no caso do Rio de Janeiro, está falecendo ou já faleceu há
algum tempo.”. Mas ao ser questionado sobre os motivos de atuar como crítico, a defesa do
exercício da crítica de arte apareceu em sua fala:
99

Boa pergunta… acho que o que eu posso falar é que eu continuo fazendo, porque eu
ainda acho que tem muita gente bacana produzindo coisas e que ninguém conhece, e
eu acho bom, eu acho que é uma generosidade, que eu acho que gravita. E eu acho
que eu continuo fazendo também porque eu ainda acho que a maior parte da
abordagem da arte contemporânea são muito limitantes. Acho muito chato ir numa
exposição e ver um texto de um curador, que você sabe que, sei lá, a minha mãe não
vai entender nada daquilo, e quando a obra as vezes é muito boa, entendeu? Então, o
meu esforço é de cada vez mais… por tentar aproximar a arte da existência, e de
coisas banais, supostamente banais. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º
de out. de 2013).

Há uma tensão presente na fala de Fonseca, ele se coloca em favor ao debate que diz que a
crítica de arte dos jornais no Rio de Janeiro faleceu, mas é importante frisar: é a crítica dos
jornais. E ao falar sobre o porquê de atuar como crítico de arte, é igualmente interessante
perceber que há em seu discurso uma defesa da crítica. No sentido de estar em diálogo com
outros agentes do mundo da arte, através de sua ação como crítico, em disputa em favor das
visões artísticas que acha mais legitimas. Isto é, Fonseca fala sobre a falência de certo tipo de
crítica, mas não nega a legitimidade e a autoridade concernentes à atividade de crítico.
Na entrevista realizada com Marcelo Campos, aparecem observações semelhantes às
feitas por Paulo Venâncio Filho sobre uma crítica de arte que não pode exercer poder
judicativo. Campos completa e resume o que foi dito pelos entrevistados ao ser perguntado
sobre o suposto enfraquecimento da crítica de arte:

Eu acho o seguinte, a gente tem historicamente questões a serem pontuadas. Por um


lado, a gente não tem modelos a seguir. Então, eu jamais posso chegar diante de uma
pintura e com a maior cara de pau dizer: “esta pintura é ruim e aquela é boa”. Ainda
que eu consiga intuir, ou ter uma opinião, o lugar da opinião passou a ser um lugar
patrulhado, e eu acho isso muito bom. Porque, na virada do século XIX para o XX, a
gente sabe das histórias, Van Gogh, os impressionistas, os fauvistas, a gente sabe
das aberrações que foram ditas, e que foram aplicadas às obras de arte. Ao mesmo
tempo, no discurso opinativo, e, nesse discurso, que talvez as pessoas queiram ver
de novo e que cobram, você corre os riscos de uma crítica errada. A gente sabe, por
exemplo, do que fez o Monteiro Lobato com a Anita Malfatti. Então, nós temos
exemplos que a gente precisa observar. Que precisa ter quase como um farol. E,
você pode numa crítica errada ou numa crítica preconceituosa, e isso aconteceu
muito, você pode exercer uma autoridade, uma crítica é uma autoridade, é o
exercício de uma autoridade, e essa autoridade está vinculada a questões que daqui a
pouco a história vai rever. Eu poderia dizer, a maioria das carreiras, talvez a maioria
das carreiras dos artistas, elas foram estimuladas de um modo quase que impensado,
claro que há galeria, há feira e tal, mas as estratégias são diferentes. Eu nunca posso
dizer (e sempre no início ouvia muito isso, graças a Deus eu ouço menos hoje):
“não, isso é uma coisa de mercado”; no mercado tem de tudo. Tem o bom e tem o
ruim. Se é bom vai conseguir, e, às vezes, o ruim vai seguir uma estratégia de
disfarce ali, ou de coisa parecida. Ao mesmo tempo, tem trabalhos que você não
sabe explicar, e você não vai dizer que é ruim, porque você não sabe explicar. Esta
crítica mais assertiva, mais evidenciada, num método de análise, é uma crítica que,
de certa maneira, caiu por terra. Quando eu leio o Mário Pedrosa, por exemplo, ou
quando eu leio outros críticos, como Frederico Moraes, se eu quiser uma cobrança
100

também, eu posso cobrar dessa crítica, há dados às vezes jornalísticos, mesmo, do


tipo “Opinião 65”, o texto do Mário Pedrosa sobre o Opinião 65, incrível!
Historicamente importantíssimo. E você percebe mais ou menos o que acontecia ali.
A gente não pode dizer que aquilo é uma produção que se compare a uma crítica que
é feita hoje, essa crítica toda vinculada a textos e conceitos e pensamentos
filosóficos ou coisa parecida. É um outro momento. E naquele momento havia uma
espécie de compromisso duplo, entre dizer e informar e entre discutir. Em
compensação, naquele mesmo momento, você tem teorias como a do “não objeto”
sendo publicadas nos jornais. Eu acho que as pessoas estão nostálgicas desta cena e,
ao mesmo tempo, desta polêmica. Ou seja, eu vou polemizar, vou problematizar, e
eu não serei amante daquele artista. Eu serei aquele que verei a exposição com
outros olhos. (CAMPOS, Marcelo. Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

Neste trecho, Marcelo Campos ao mesmo tempo em que expõe qual seria o tipo de crítica pela
qual se lamenta um enfraquecimento hoje – a saber, em geral: uma crítica relacionada a
teorias, publicada nas páginas dos jornais e na qual o poder judicativo era expresso de modo
que eram criados debates públicos, que geravam polêmicas -, ele delineia o tipo de crítica de
arte produzida hoje – que seria: uma crítica de arte presente em um contexto em que o
exercício da autoridade do crítico não poderia mais ser exercido através de textos em que o
crítico dissesse claramente se gosta ou não do trabalho de um artista. Destarte, as palavras de
Campos indicam uma alteração na forma dos textos dos críticos não por mera perda de espaço
nos jornais, mas uma modificação por conta do contexto em que as relações entre os atores do
mundo da arte estão inseridos. No contexto atual, o formato das relações não permitiria que os
críticos de arte pudessem atuar fazendo críticas que julgassem os trabalhos como bons ou
ruins, já que isto seria visto de forma negativa.
O fato de que a configuração do mundo da arte, presentemente, não permitiria a
existência de textos críticos que expusessem o gosto do crítico explicitamente, também
apareceu na entrevista realizada com Raphael Fonseca, para quem tal contexto seria composto
por atores sociais que não se disporiam a desgastar publicamente sua imagem pessoal. Ao ser
perguntado sobre sua opinião sobre o debate que diz que a crítica de arte saiu dos jornais, está
presente nos catálogos, então, ela estaria morrendo, Fonseca disse:

É, eu acho que sim. Acho que faz todo o sentido. Porque falta justamente… a Luiza
Duarte e a Marisa Flórido, que escrevem n’O Globo, por exemplo, são textos como
os meus talvez, que elas gostam, vão lá e escrevem e gol, né? Faltam textos à lá essa
figura mal interpretada também de Monteiro Lobato, bem mal interpretado na
verdade, que coloca de modo explícito o campo não gostar. Porque também se partir
do princípio de que na arte contemporânea tudo vale, que parâmetros você cria?
Você assume esse seu gosto? Essa sua subjetividade? Me parece que é um caminho,
que tem a ver com um texto que eu fiz ontem, não tem como você negar que tem
algumas coisas que você gosta e outras não. Tem razões aí psicanalíticas, culturais,
sei lá o que, e pode assumir isso, se colocar quanto a isso. Agora, eu acho que
falta… essa vontade de colocar ou tem também muito medo de um desgaste público,
a pessoa se coloca sem inimizades, e como esse é um momento, especialmente aqui
101

no Rio, de que você não quer ferir ninguém, ficar bem com todo mundo, tomando os
seus bons drinks e ser chamado para mais coisas, então assim, falta dar mais a cara a
tapa. Ou então, é preguiça mesmo de não gostar, porque não gostar dá trabalho
também. Fazer um texto elogiando é muito mais fácil do que fazer um texto onde
você diz que não gosta de alguma coisa. Então, eu acho que é um somatório disso
tudo. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de 2013).

Ainda pensando na entrevista realizada com Marcelo Campos, no que tangencia a


ideia de um enfraquecimento da crítica de arte, é interessante trazer mais um dos trechos, pois
Campos falou também sobre a forma como se desenvolveria hoje a crítica de arte. Uma crítica
sim, mais presente nos catálogos das exposições, porém que nem por isso não seria uma
crítica de arte, seria uma crítica na qual o exercício do poder judicativo apareceria
textualmente de um modo indireto. De acordo com Marcelo Campos:

A gente há de convir, que você pode ter, e eu não vou citar exemplos, exposições
muito recentes de grandessíssimos artistas que você pode dizer: “nossa, que
exposição ruim!”. E eu imagino o que poderia acontecer, se chegasse um crítico e
falasse de determinados sujeitos, que já estão mais do que historiografados, já estão
mais do que estabelecidos, e alguém pudesse dizer: “que coisa estranha que o fulano
está fazendo agora!”; “Meu Deus como se repete!”; “Meu Deus como eu já vi esse
filme!”, ou então, aquela sensação que às vezes a gente tem, do cara que era tão
revolucionário numa época e depois passou a ser um formalista chatíssimo. Tudo
isso poderia ser passível de uma crítica que se cobra hoje, mas imagine a gente
chegar nos jornais e criar essa situação. A gente pode se perguntar: “para quê?”, por
um lado. Por outro lado, eu entendo uma cobrança dessa crítica mais incisiva, talvez,
quando você vai ter uma cena que mistura “joios e trigos”, uma cena onde você tem
misturados artistas de vários naipes, de vários graus de qualidade. Assim eu entendo,
essa é uma crítica que seria passível de existir. Questionando não só a obra de arte,
como espaços, instituições, políticas públicas, é uma crítica que poderia existir. Mas,
eu acho, então, que o que se chora hoje, pela perda dessa crítica, eu diria que até os
grandes teóricos não passariam ilesos por essa peneira. Nem os grandes teóricos,
nem os grandes artistas. E a gente poderia fazer uma crítica, de certo modo,
destrutiva, até acusatória, para artistas de um grau de estabelecimento muito maior.
Eu não consigo vislumbrar este espaço hoje. Quando você é convidado para fazer
um texto sobre uma exposição, quando você aceita esse convite, você já aceita
sabendo que você vai atuar em torno do trabalho. Eu nunca enxergo uma crítica
como um aval definitivo também, eu não acho que a crítica seja uma assinatura
definitiva, e procuro não fazer dessa maneira, dizendo adjetivos. Eu pego lá as
minhas experiências de pesquisador, do início, e as minhas regras de pesquisador, as
regras caretas, para não usar os adjetivos, isso tudo eu aprendi a fazer no texto, eu
também crio uma situação, que eu converso com alguns amigos, que não é simples
de entender, eu acredito que um texto crítico possa criar compromisso ao trabalho,
que ele pode colocar o trabalho numa arapuca, numa armadilha, isso é, para quem
escreve, muito simples de fazer, eu posso pegar um artista, sem fazer essa crítica que
as pessoas estão cobrando, eu posso observar o que interessa a esse artista, eu posso
perceber que este interesse historicamente tem os seus pares, tem artistas que
também trabalharam daquela maneira, eu posso perceber, dentro do meu texto, a
vigência desta pesquisa ou a validade desta pesquisa hoje, quase questionando,
quase dizendo: “o que faz ele agora?”, ou seja, “a Pop já trabalhou com isso, fulano
de tal tem interesse Pop, hoje qual é interesse que a Pop pode gerar nessa
sociedade?”. Eu posso fazer isso no texto, sem precisar falar mal de nada, analisando
o trabalho, mas eu comprometi o artista, ou seja, eu coloquei o artista numa esfera,
que é uma esfera, de certo modo, de cobrança, sem precisar cobrar, sem precisar
dizer a frase: “não sei porque fulano de tal trabalha com essa estética Pop?” Eu não
102

preciso dizer essa frase, eu posso complexificar essa frase. Para mim, essa seria a
melhor crítica a ser lida, aquela que complexifica as situações, e as vezes cita os
trabalhos, mas que consegue abrir um grau de complexidade, de questões, de
conceitos, que você percebe que esse trabalho não deu conta do que o crítico está
interessado em analisar. Claro, nessa crítica, em parte, o crítico vai para um lado e o
trabalho vai para o outro. E isso acontece. E isso não é complicado de se fazer. Você
elevar uma discussão num nível que o trabalho não terá condições de cumprir. Isso é
um modo de perceber: “olha, o artista está trabalhando ali com aquelas questões,
mas ainda falta alguma coisa ali, ainda não tem ali”. Isso já aconteceu comigo, já
aconteceu inclusive num texto, onde o artista me devolveu o texto, não o artista,
tinha uma situação mais ampla, de editores, e a galera que estava produzindo o livro,
de eu ter textos devolvidos para que o assunto fosse mais especificado, coisa
parecida. E, é isso, é um grau de dificuldade que você dá para um conceito e que
nem sempre o trabalho vai acompanhar. Então, eu acho que esse, para mim, seria
algo que eu poderia dizer: “você sente falta de alguma coisa nessa crítica que é
feita?”; eu sinto falta disso, do grau de complexidade, mas esse grau, ele é perigoso
quando você faz uma crítica acusatória. Porque quando você acusa, é fácil de você
desmontar. Isso acontece muito. É fácil de você desmontar uma crítica muito direta,
porque inevitavelmente você terá pontos ali, de questões, e dúvidas e ambivalências
que você consegue desmontar. (CAMPOS, Marcelo. Entrevista ao autor em 12 de
jun. de 2013).

Embora longo, este trecho da entrevista realizada com Campos urgia por ser trazido, já que
nele o crítico e curador carioca demonstra novos caminhos e maneiras de realização da crítica
de arte hoje em dia. Ou seja, Campos fala sobre uma modificação na forma da crítica de arte,
como também em sua veiculação, contudo, ele não fala de um enfraquecimento, ela trata de
uma nova configuração da esfera da arte que tem como desdobramento uma nova maneira de
se fazer crítica de arte. É interessante perceber que na fala de Campos o exercício da
autoridade do crítico – o qual estaria sumindo, de acordo com alguns autores trazidos no
capítulo um -, não desapareceu, para ele a autoridade do crítico continua existindo, entretanto,
tal autoridade aparece de outras maneiras, sua realização é passível de outras negociações.
Quando a crítica estava nos jornais, a autoridade do crítico se exerceria através de um poder
judicativo que versaria mais explicitamente sobre o gosto do crítico, porém hoje com uma
crítica mais presente nos livros de arte, nos catálogos de exposições ou mesmo nas paredes
das mostras de arte, o poder do crítico teria que lidar com um jogo de relações que impediria
que a crítica fosse mais direta no sentido de questionar a validade e a qualidade da obra de um
artista. Trazendo novamente o que foi dito por Paulo Venâncio Filho e Aracy Amaral, para
unir a fala de Marcelo Campos, é possível dizer que, talvez, tais relações foram alteradas pela
presença forte e institucionalizada de um mercado de arte nos dias de hoje.
Como ressaltado no capítulo um, uma das facetas da crítica de arte ao longo de sua
história estava atrelada ao poder judicativo, assim, o crítico é tradicionalmente compreendido
como uma espécie de juiz do gosto. Entretanto, ao se tomar o livro Razões da Crítica (2005),
Luiz Camillo Osorio assinala o fato de que atualmente o crítico não é, e não deveria, ser
103

encarado como um juiz do gosto. Os depoimentos de Raphael Fonseca e Marcelo Campos


destacados acima, tratam justamente da não possibilidade de explicitação do gosto pelo crítico
de arte no contexto de atuação por eles vivenciado. É importante trazer também a fala de
Felipe Scovino em relação a esta questão, ele faz uma diferenciação entre o contexto
brasileiro e o de fora do país acerca desta explicitação do gosto:

Isso também é uma coisa interessante, porque nos Estados Unidos você tem uma
tradição, não que aqui não tenha liberdade, mas lá é outra história, lá o cara vai
escrever mal, se a exposição for ruim o cara vai escrever mal sobre a sua exposição.
Aqui no Brasil, adquirindo essa aura, do Sérgio Buarque de Holanda, do “homem
cordial”, porra! Dificilmente eu vejo uma crítica falando mal de uma exposição,
dificilmente. Tem esse “homem cordial” que habita lá o corpo do crítico.
Primeiramente, ele fala mal, sob uma determinada circunstancia da direção, mas
quando ele escreve sobre a exposição, e ele já está elegendo aquela exposição que
ele gosta, é falando bem. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de
2013).

Um dos motivos para a suposta morte da crítica de arte hoje, de acordo com o debate
contemporâneo, como assinalado no capítulo um, seria a sua saída das páginas dos jornais
além de não criar mais debates públicos e exercer um poder judicativo. Contudo, como se
vem demonstrando, os entrevistados não corroboram a ideia da morte da crítica, mas falam
sobre a sua reatualização, com uma alteração em sua forma: não seria mais possível expressar
o juízo de gosto tão claramente através de textos de crítica e seria preciso uma modificação
em seus suportes, pois com pouco espaço nos jornais a crítica estaria presente em revistas
acadêmicas, textos de catálogos e blogs da internet, por exemplo. A ligação entre a crítica de
arte e os catálogos de exposições não é recente, no entanto, atualmente, o debate analisado
trata a crítica como majoritariamente presente nos catálogos, fato que seria prejudicial, já que
não seria possível criticar negativamente um artista e sua obra num texto que o apresenta. Na
entrevista realizada com Felipe Scovino ele tratou desta questão, diferenciando o texto crítico
dos jornais e o dos catálogos e revistas acadêmicas:

São dois modos de escrever muito distintos. A escrita no jornal é diferente da escrita
no catálogo, que é diferente da escrita em uma revista acadêmica. Ali, quando você
escreve para o catálogo, primeiro, que o público está indo para a exposição porque
ele gosta do artista ou ele quer saber mais sobre o artista ou ele já conhecia o artista.
Então, já tem uma proximidade ou ele quer construir uma proximidade com aquela
obra, com aquele artista. No caso do jornal, não. Ele compra o jornal porque ele
queria ler sobre economia, e está lá: cultura. Ai ele passa os olhos, e aquele texto
tem que sequestrar o leitor, ele tem que ser um texto menos acadêmico, com menos
referências, um texto mais… como diz uma amigo meu: “mais leve!”; seja lá o que
isso signifique. E, eu não sei, eu acho que são duas propostas diferentes: crítica para
o jornal e crítica para o catálogo. Eu acho que não deixou de existir as duas coisas,
no Rio talvez sim, mas em São Paulo continuou havendo crítica na Folha, crítica no
Estadão. (…). Então, sempre, as pessoas que escreviam no jornal, eram pessoas que
104

estavam escrevendo no catálogo, que estavam fazendo as exposições. (SCOVINO,


Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

Ao ser perguntado se todos os textos, dos catálogos, das revistas e dos jornais, podem ser
considerados texto de crítica de arte, Scovino prosseguiu:

Sim, com estratégias diferentes. Porque em determinados momentos você tem


jornalistas culturais que se, que colocaram como críticos, foram eleitos como
críticos, foram convidados, sei lá, contratados como críticos. E, dá para perceber
claramente quando é um jornalista e quando é um crítico. Eles têm tomadas,
estratégias diferentes. O jornalista cultural quando escreve tem uma preocupação
com, aquilo que eu falei, de sequestrar, de manter o leitor, de ser um texto, acho que,
menos rigoroso formalmente, menos acadêmico, né? O texto do crítico, do crítico
que é formado na academia, que tem uma… não é que o jornalista não é, é claro que
ele é, mas acho que tem um vínculo maior com a história da arte, que cursou história
da arte, que fez disciplinas de história da arte, que tem essa formação em história da
arte, tem um texto que é radicalmente diferente, ele é um texto que tem uma
profundidade maior, que às vezes evoca um diálogo com a filosofia, com a
antropologia, com a sociologia, com a psicologia, né? Claro que você tem que
domar ali, o crítico que escreve para o jornal, para não ficar um texto muito
hermético e chato, porque só vai ser compreendido por nós acadêmicos ou quem tem
apreço pela arte. E aí, tem que ter uma abrangência maior. Isso, por exemplo, a
gente percebe, deixa eu dar um exemplo mais concreto, um texto da Luiza Duarte e
da Marisa Flórido no jornal O Globo, as críticas, as duas críticas d’O Globo, é um
texto… e da Das Artes, por exemplo, que é a nossa revista de artes [do Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ], são textos completamente diferentes,
totalmente diferentes. Ali você consegue ver um texto mais voltado a um jornalismo
cultural e um texto com um embasamento crítico maior. E aí, cada um dos leitores
que faça o julgamento do que ele acha melhor, pior, e por ai vai. Mas eu acho que
nesses dois exemplos, você consegue ver a diferença. (SCOVINO, Felipe. Entrevista
ao autor em 27 de set. de 2013).

Ainda pensando sobre a modificação dos lugares de publicação das críticas de arte
hoje em dia, é interessante lembrar que Raphael Fonseca, como exposto no capítulo dois,
escreve em um blog da internet denominado “Gabinete de Jerônimo”. Os sites da internet e os
blogs vêm sendo encarados dentre os espaços em que a crítica de arte está mais presente hoje.
Prosseguindo com a atenção voltada para a modificação da forma, do conteúdo e do espaço da
crítica é conveniente trazer outra fala de Felipe Scovino, na qual ele discute o papel dos blogs
direcionados à crítica de arte:

Eu acho ótimo. Acho que esses blogs, por exemplo, seriam uma boa resposta, um
bom exemplo, para aquela pergunta que você me fez sobre os prêmios, sobre
formação… lugar de experimentação do crítico. No blog você não tem censura. Por
exemplo, você não passa por uma comissão de avaliação, para um edital. Você
escreve o que você quiser, no tempo em que você quiser, com a durabilidade que
você quiser, sei lá: “achei uma porcaria o que eu escrevi”, tiro do blog! Ali você
também tem um retorno rápido, como o Facebook, quase com a mesma
temporalidade que o Facebook. Então, eu acho maravilho! Alunos meus têm blogs,
escrevem… de vez em quando eu vou lá divirjo, passo a página. É uma maneira de
ajustar a escrita, acho que o blog… é como eu falei para você também: é na escrita
105

que se faz o trabalho crítico fundamentalmente, do curador também, mas


fundamentalmente do crítico. E quanto mais espaços para leitura e exercício da
escrita, melhor! Tem besteira, como tem… em qualquer blog como em qualquer
livro de vários figurões. É no erro, é no exercício, que se aprende. Eu sou totalmente
a favor e frequento, e leio, e vejo quando me passam. (SCOVINO, Felipe. Entrevista
ao autor em 27 de set. de 2013).

Uma crítica de arte que não morreu, mas que foi alterada em termos de forma e
conteúdo, além de ter uma circulação que não se daria tanto nas páginas dos jornais, mas que
buscou outros espaços para a sua veiculação, esta é a crítica de arte vivenciada pelos
entrevistados para esta pesquisa.
Vale ainda ressaltar que a legitimidade do crítico e o exercício de sua autoridade no
mundo da arte que teriam caído por terra, não é o que enxergam os entrevistados desta
pesquisa, visto que em suas falas é possível perceber quais são as diferentes maneiras que eles
exercem sua autoridade como críticos hoje em dia. Assim, é interessante trazer os trechos em
que alguns dos entrevistados falaram sobre a autoridade do crítico. Para Marcelo Campos:
“(…) uma crítica é uma autoridade, é o exercício de uma autoridade, e essa autoridade está
vinculada a questões que daqui a pouco a história vai rever” (CAMPOS, Marcelo. Entrevista
ao autor em 12 de jun. de 2013). Na visão de Aracy Amaral o trabalho do crítico também
envolve uma autoridade, a qual é construída, e o tamanho desta autoridade é que permitirá ou
não certos posicionamentos por parte de um crítico. Ao ser questionada sobre as distinções e
aproximações entre os textos críticos e os textos curatoriais, ela entrou nesta questão da
autoridade:

Pode ser, pode ser sobre o desenvolvimento do artista ou pode ser crítica, pode ser
as duas coisas. Se bem que você não vai atuar como um crítico, assim, cruel, se você
está apresentando o artista, você tem que apresentar o artista. Você não tem que,
digamos assim, levantar os prós e os contras. Ou você pode fazer também, depende
da sua autoridade, entende? Depende da sua autoridade. (AMARAL, Aracy.
Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).

Do mesmo modo, Paulo Venâncio Filho, ao tratar da crítica de arte e seu suposto
enfraquecimento, foi enfático: “(…) acho que o crítico, isso é uma coisa que não está muito
na ordem do dia, mas o crítico precisa exercer uma certa autoridade, acho que tem uma
espécie de resistência hoje e isso pode parecer autoritário, sei lá, ou criticamente incorreto.”
(FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013). Enfim, percebe-se que
em suas concepções o exercício de uma autoridade ainda é concernente à atividade do crítico
de arte hoje em dia. No entanto, como já ressaltado, tal exercício se dá agora em um contexto
em que não é possível mais fazer críticas em que o conteúdo exponha claramente um não
106

gostar, ou seja, o crítico não poderia chegar e simplesmente dizer que não gostou do trabalho
de um artista em um texto seu, ou até poderia, mas as negociações entre os atores do mundo
da arte seriam diferenciadas hoje (em relação ao contexto de meados do século XX). Assim,
seria difícil se manter presentemente como um crítico de arte legitimo e reconhecido que
exerce uma autoridade no mundo da arte, se este crítico produzisse textos em que o seu não
gostar estivesse claramente expressado.

3.3 - A Curadoria Debatida versus a Curadoria Praticada.

Como já explanado, no capítulo um, o debate contemporâneo também versa sobre a


carreira de curador de exposições. Entretanto, quando o assunto é a curadoria, os discursos
expostos tratam de uma carreira em ascensão, o que não é o caso da crítica de arte. Como
também exposto o debate analisado separa as carreiras de crítico e curador, mas como
observado, no contexto aqui analisado, há pessoas que agem como críticos e curadores
simultaneamente, não sendo possível causar tal separação entre o crítico e o curador tão
facilmente, já que nesta pesquisa eles aparecem unidos pelas mesmas pessoas. Como já foi
salientado, também no capítulo um, os curadores de exposições vêm sendo encarados como os
personagens mais poderosos do universo artístico, sendo aclamados como os responsáveis por
ditar os rumos da arte, porque seriam aqueles com maior autoridade para lidar com as
questões referentes a tal universo. Compreender como os entrevistados para esta pesquisa
entendem este debate, em torno da elevação da curadoria, foi um dos assuntos com eles
discutido.
Antes uma atividade ligada ao trabalho administrativo no interior de instituições
museicas, era conhecida como organização de exposições, e quando, a partir da década de
1960 passou a ser chamada pelo rótulo de curadoria, não houve apenas uma alteração em
relação ao nome, o trabalho dos curadores se tornou alvo de mais visibilidade, pois ao curador
foi atribuída uma função de autoria, a qual teria contribuído para o ganho de sua notoriedade.
A crítica e curadora Aracy Amaral teve o contexto dos anos de 1950 e 1960 como o momento
de sua formação em crítica e curadoria. De tal modo, é importante trazer aqui a sua percepção
em relação à transição pela qual passou a função do curador, assim como a sua apregoada
elevação ao status de carreira mais relevante do mundo da arte. Como referenciado no
capítulo um, em 1988, Aracy Amaral fez uma conferência no Museu de Arte Contemporânea
de Nova Iorque, a qual ela intitulou: “The Curator as Star”, justamente pensando sobre o
momento em que o curador passou a ser encarado como o agente legitimador mais importante
107

para o universo da arte91. Durante a entrevista efetivada com Amaral a crítica e curadora
paulista disse não perceber uma mudança efetiva no trabalho prático do curador de
exposições, mas sim uma mudança em respeito ao status de legitimidade inerente a tal
carreira, com a modificação no nome de organização de exposições para curadoria:

Mas isso é que mudou o nome. Mas a coisa permanece a mesma, porque o
organizador de exposições é a mesma coisa, só que hoje parece que se impõe mais o
ponto de vista do curador e não a obra do artista. Isso eu considero grave. Tanto que
nas Bienais, quando o delegado, o comissário daquele país ia selecionar a obra, ele
ia no ateliê do artista e selecionava, hoje eu tenho impressão que tem a mão da
galeria. O mercado de arte interfere mais, então, eu tenho a impressão de que existe
uma presença do mercado hoje muito poderosa. (AMARAL, Aracy. Entrevista ao
autor em 14 de out. de 2013).

Embora dizendo não enxergar uma mudança efetiva na prática do curador de exposições, a
fala de Aracy Amaral indica mudanças, precisamente, no que diz respeito ao status de agente
legitimador desta figura no interior do universo artístico. Amaral assinala uma alteração que
envolve a curadoria e de uma modificação contextual, visto que o curador seria tomado como
a figura mais importante do mundo da arte e que o mercado (financeiro) da arte seria mais
estabelecido e predominante hoje. Contudo, mesmo que Amaral, no trecho acima destacado,
fale que a mudança em relação à crítica não tenha se dado em termos práticos - já que com a
alteração do nome as tarefas dos curadores seriam as mesmas desempenhadas pelos
organizadores de exposições -, vale trazer outro ponto da entrevista realizada com ela, num
momento em que ao falar sobre a sua atuação prática como curadora, ficou explicitado que
sim, houve modificações no fazer do curador. Falando sobre o fato de hoje a curadoria e a
crítica serem objeto de formação acadêmica, em cursos de pós-graduação, por exemplo,
Amaral disse:

Puramente teórico, puramente teórico. Precisa ver se na prática ele consegue… por
exemplo, eu estou muito assombrada, (…), eles separam a curadoria da produção, e
eu estava tão acostumada sempre, e eu já senti isso ano passado quando eu fiz uma
exposição (…), porque quando eu fui perguntar para o diretor do museu (…): “mas
eu quero ver a abertura das caixas”, ele falou: “essa não é a sua função”, eu falei:
“como? Eu sou a curadora!”, e ele: “isso é função da produção e nós temos

91
O momento da entrevista realizada com Aracy Amaral no qual ela fez referência ao citado texto foi o seguinte:
Bom, naquele tempo não tinha o que se chama curador, a gente era organizador de exposições, nós
éramos organizadores de exposições. Esse negócio… tanto que quando eu participo de uma mesa
redonda no MoMA, em 19 e…89? Eu coloquei o nome da minha intervenção no MoMA, como:
“Curator as Star”, o curador como estrela. Eu acho que eu falei sobre isso… lá fez o maior sucesso. O
diretor para a América Latina até me convidou para ir a um ballet, me convidou para jantar, acharam
bárbaro eu ter falado: “o curador como estrela”, eu falei: “olha, a partir de agora o artista passou para
segundo plano e o curador está aparecendo mais, o que significa isso?”. (AMARAL, Aracy. Entrevista
ao autor em 14 de out. de 2013).
108

museógrafos, aqui do museu, que vão abrir, vão examinar”, eu falei: “mas eu estou
acostumada a fazer isso”, e ele: “ah! Aracy, você é de um outro style, você é a
pessoa que quer ver de prego a prego”, eu falei: “exatamente! Se eu vou escolher a
obra, eu quero ver como a obra é tratada, como a obra é embalada, como a obra é
desembalada, como a obra é colocada na parede”, e ele: “não, não, não! Você pode
vir aqui na hora da iluminação dar os palpites, mas isso não é função para você.
Relaxa!”. Bom… Eu fui formada em acompanhar todas as etapas (…). Então, hoje
há a compartimentação de funções, quando eu estava acostumada, na minha maneira
antiga, digamos, de dominar todo o espectro de atividades relativas à curadoria e
hoje está tudo tão, eu poderia dizer, entre aspas, terceirizado (…). (AMARAL,
Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).

O relato de Aracy Amaral permite a compreensão de que a curadora e crítica de arte enfrentou
o que pode ser considerado como uma alteração do fazer do curador de exposições. Uma
modificação que se dá no que diz respeito à separação entre a produção e a curadoria, ou seja,
as produtoras seriam responsáveis pela execução das ideias dos curadores – ao menos neste
caso de Amaral -, assim, parte do trabalho que seria anteriormente exercido pelos curadores,
hoje já não seria atribuição destes profissionais.
O depoimento de Amaral abarca o que aqui pode ser compreendido como uma
alteração mais global, no que diz respeito à atuação dos curadores de exposições; apesar disso
há diferenças entre o trabalho deste profissional que dizem respeito à especificidades
contextuais, neste sentido, é relevante trazer parte da entrevista realizada com Paulo Venâncio
Filho, num trecho em que ele menciona tais diferenças entre o contexto brasileiro, o europeu e
o norte-americano. Segundo Venâncio Filho:

Eu acho que ainda, voltando ao assunto curadoria, as instituições brasileiras…


porque o que acontece lá fora? O curador é um profissional e ele vai de museu em
museu fazendo a sua carreira e tal, então, tem uma carreira profissional do curador e,
eventualmente, ele chega a diretor de museu. E, é uma carreira profissional, no
sentido, o sujeito lá está, por exemplo, ele está nesse museu, ai dizem para ele:
“você vai fazer uma exposição, sei lá, da Mira Schendel”, não importa se ele gosta
ou não gosta da Mira Schendel (…). Ele vai ter que fazer a exposição da Mira
Schendel. Aqui, por um lado, por exemplo, no meu caso eu tenho essa liberdade, eu
só proponho coisas que me interessam. O que pode ter um lado positivo e pode ter
um lado negativo também. Então, lá tem essa experiência, que é uma experiência
consolidada já há muito tempo. E, mais recentemente, não tão recentemente, mas
nos últimos 30 anos, começou a surgir essa figura do curador independente, né? Que
hoje praticamente é o curador que domina, que são os grandes nomes da curadoria,
que fazem essas grandes exposições, tipo a Documenta, a Bienal de Veneza etc. E
são curadores que meio que circulam pelo mundo etc. e tal, e são curadores que às
vezes não são ligados a instituições ou eventualmente podem ser, mas que têm
grande prestígio. (…). E, sei lá, todo ano tem uma revista que diz qual é a pessoa
mais poderosa no mundo das artes, ano passado foi a curadora da Documenta, ela
passou curadores de museus, diretores de museus, é uma lista de celebridades. Mas
voltando ao Brasil, ocorre uma… o que que ocorre agora? Finalmente nós entramos
num contexto internacional, nossa arte, mas nós não temos uma instituição forte,
tem um ou outro curador que circula e tal, mas as instituições não tem essa força.
Quer dizer, por exemplo, tem exposições que, na minha opinião, deveriam ser feitas
por museus brasileiros e para irem para fora, como eles fazem. Só que é o contrário,
109

eles fazem e mandam para cá. (…). Então, acho que falta nos museus aqui uma
estrutura. Talvez agora alguns, acho que a Pinacoteca [do Estado de São Paulo] é o
museu que todos falam que conseguiu estabelecer todos os níveis de uma instituição
museológica desde segurança, museologia, instalação, conservação, aquisição.
Então, a gente tem essa deficiência grave e, ao mesmo tempo, os acervos estão indo
embora, e as coleções fortes são as coleções privadas. Então, por exemplo, você
fazer uma exposição de arte brasileira está se tornando cada vez mais difícil, as
coisas… algumas já estão fora, já tem uma demanda grande, você precisa saber, é
uma coisa que já está agendada. Bom, os museus fora também. Têm coisas, por
exemplo, que você não sabe onde é que está, têm acervos que você não sabe
exatamente. Então, é um trabalho um pouco individual, eu sei porque tenho
catálogos, fico juntando coisas, fico perguntando, tenho alguns contatos. Quero a
obra de algum artista e falo com alguém. Precisa ter pesquisa também, os museus
precisam ter área de pesquisa, publicações… Está demorando, mas acho que
estamos longe ainda, precisamos de bibliotecas de artes. (FILHO, Paulo Venâncio.
Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013).

Atentando para as distinções estruturais entre o contexto museológico brasileiro e o de fora do


país, Paulo Venâncio Filho teceu uma comparação que explicitou diferenças entre a carreira
de curador no Brasil e fora dele. A partir de sua fala, é possível perceber que pelo fato de não
haver tantos investimentos no setor museal, no Brasil – fato, que como indicado por ele, está
se alterando aos poucos com a visibilidade e a notoriedade atribuídas nos últimos anos à arte
brasileira -, os curadores não teriam a opção de fazer uma carreira dentro das instituições
museicas. Além disso, ele trata da dificuldade que seria trabalhar como curador e organizar
uma exposição no Brasil, pois neste contexto em que não haveria muitos acervos de artes
plásticas em instituições públicas, seria necessário recorrer as coleções privadas para que
fosse possível a realização de uma mostra de artes visuais, fato que não seria simples, já que
as coleções privadas não têm como princípio ser conhecidas publicamente. Isto dificultaria
um mapeamento das obras que poderiam estar disponíveis para uma exposição, e mesmo o
empréstimo de tais obras para a realização das exposições seria mais dificultoso, haja visto
que nem todo colecionador privado tem a vontade ou o interesse de que sua coleção seja vista
por um público que não é o de sua escolha.
Outra questão levantada por Paulo Venâncio Filho que necessita ser demarcada, é que
ao se referir àqueles que seriam os grandes nomes da curadoria, ele fala de pessoas que não
necessariamente são ligadas a instituições como museus, mas são pessoas que, no geral,
organizam mostras esporádicas como as Bienais, eventos que têm enorme visibilidade dentro
e fora do mundo da arte. Portanto, os curadores que seriam as atuais estrelas da cena artística,
seriam aqueles que organizam os eventos que têm maior visibilidade no mundo da arte de
hoje. Deste modo, é possível pensar que os curadores, em geral, são tomados como os agentes
legitimadores mais importantes do universo artístico, mas ao mesmo tempo, dentre os
curadores aqueles que são conhecidos e tomados como celebridades (ou como os grandes
110

nomes da curadoria) seriam aqueles responsáveis por organizar mostras de artes visuais de
visibilidade e notoriedade. Este fato é interessante, porque, como explicitado no capítulo um,
o curador Harald Szeemann, ao organizar a “Documenta V”, na década de 1970, teria
inventado o que hoje é compreendido como uma curadoria de arte contemporânea
independente. Ou seja, o entendimento do que seria hoje a curadoria de exposições teria
nascido com a curadoria que Szeemann fez de um evento de notoriedade e visibilidade dentro
e fora do mundo da arte. Desde então, a curadoria se tornou uma carreira em ascensão, se
espalhando entre museus e no circuito artístico não museal, mas mesmo com a sua
disseminação os curadores que são hoje tomados como os mais relevantes seriam aqueles, que
como Szeemann, organizam mostras de arte de grande visibilidade. Há uma espécie de linha
sucessória de visibilidade e notoriedade aos curadores, quer dizer, para que seja possível ser
tomado como um grande nome da curadoria seria necessário seguir os passos daquele que
teria sido o precursor de tal atividade. Deste modo, o curador notório seria o curador de
exposições independente que chegasse a organizar exposições como a Documenta ou alguma
Bienal, das tantas que ocorrem pelo mundo.
Já que a fala de Paulo Venâncio Filho alude ao trabalho prático do curador, é
conveniente destacar que tal fazer prático dos curadores é um mistério, tanto que ao longo
desta pesquisa, incontáveis foram os momentos em que pessoas, de dentro e de fora do mundo
da arte, perguntaram: “mas o que fazem os curadores?”. Como dito no capítulo um, tal
trabalho prático ainda vem sendo discutido, e ele está atrelado ao status que vem sendo
colocado para a curadoria, pois o trabalho do curador pode ser algo relacionado a um fazer
mais criativo ou mais administrativo, embora hoje envolva as duas vertentes. Fato é que tal
trabalho ainda está em negociação, ou seja, ainda que sejam considerados os principais
agentes legitimadores da arte hoje, os curadores ainda não encontraram o estabelecimento do
seu status e de suas práticas, isto está em disputa no interior do mundo da arte (com artistas,
críticos de arte e também entre os curadores). Ainda assim, é relevante trazer um relato de
Paulo Venâncio Filho em relação a uma das curadorias por ele efetivada, a qual se deu em
São Paulo, em 201392. Neste relato, ele fala sobre os desafios práticos do exercício do
trabalho de curador de exposições. Desta parte do diálogo com Venâncio Filho, é importante
destacar o trecho a seguir:

92
Trata-se da exposição: 30x Bienal - Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição.
111

O catálogo são textos, não é um catálogo de obras, é um catálogo de textos desde a


primeira Bienal. Olha, foi um convite da Fundação Bienal [de São Paulo]93 e isso foi
quando inaugurou a Bienal do ano passado, 2012. E, me convidaram pra fazer essa
exposição já com essa ideia de retrospectiva das 30 Bienais. Então, o que aconteceu,
foi que o processo foi um tanto demorado, porque a Bienal estava com um problema
de inadimplência e tal, e acabou sendo resolvido, e só a partir daí eles puderam me
contratar para captar dinheiro para essa exposição, então, começou na verdade
somente em janeiro desse ano. Foi uma coisa bem corrida. A primeira providência
que eu fiz foi fazer uma preliminar para garantir um número mínimo de obras. A
minha ideia que seria o título, mas que por razões lá acabou não sendo… seria: O
Efeito Bienal. Para pensar o efeito que a Bienal tinha causado e o contra efeito, quer
dizer, seria o que a Bienal causou como efeito e o contra efeito seria como a
produção reagiu a Bienal. Seria esse movimento, que de alguma forma está lá. Mas
eu tive dificuldade de encontrar obras, de identificar obras porque os catálogos não
são assim, sabe… você não tem certeza, diz lá que a obra está lá, mas na verdade
não estava, tem obras sem título, não tem fotografias, então, a identificação é
problemática. A minha escolha foi assim, eu achei que havia duas ou três
possibilidades, uma seria contar a história, digamos, paroquial, quer dizer, os
premiados, isso e aquilo, e tal, que eu acho que pra alguns teve importância, mas
acho que não teve importância pra arte, eu tive problemas depois porque alguns
consideravam que fazer isso era a verdadeira história. A outra seria tentar
reconstituir com fidelidade alguns momentos importantes da Bienal e é uma
tendência curatorial de reconstituir com fidelidade histórica os elementos e tal, e daí
eu teria que setorizar a Bienal, digamos, e etc. Então, a minha escolha final foi essa
de ter um espaço continuo onde houvesse uma certa cronologia, mas que ela se
desenvolvesse sem nenhum tipo de setorização e pudessem haver movimentos
dentro dessa cronologia. Então, é um pouco isso, as obras estão lá colocadas numa
certa sequência histórica, mas nem sempre essa sequência histórica… não é um
movimento interno dos artistas no tempo. Então, é um pouco dessa visão espaço-
temporal de um evento que se desenvolveu sem contatos. O problema é que as vezes
tive que substituir, quer dizer, os artistas todos participaram, as obras eventualmente
não, porque eu não consegui a obra original, porque a obra original… mas eu
procurei… algumas obras marcantes estão lá porque eu consegui reconstituir ou
recuperar ou encontrar. (…) foi um tanto difícil. (…) Então, é uma exposição muito
despojada, eu diria, clara. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de
out. de 2013).

Este depoimento de Paulo Venâncio Filho acerca do processo de curadoria da mostra 30x
Bienal - Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição, é relevante e precisa ser unido
e compreendido à luz de sua fala, acima destacada, em respeito ao contexto específico do
trabalho do curador no Brasil. É interessante acentuar alguns pontos deste processo de
trabalho de Venâncio Filho, os quais são: 1) houve um convite para que ele produzisse a
curadoria de tal mostra, pode-se dizer que houve a encomenda de uma exposição, nem sempre

93
“Criada por iniciativa do empresário Francisco Matarazzo Sobrinho, em 1962, a Fundação Bienal de São
Paulo é uma das mais importantes instituições internacionais de promoção da arte contemporânea, e seu impacto
no desenvolvimento das artes visuais brasileiras é notadamente reconhecido. A Bienal de São Paulo, seu mais
importante evento, não apenas apresenta aos diferentes públicos a produção de artistas brasileiros e estrangeiros,
mas também atrai os olhares do mundo para a arte contemporânea de nosso país. Mais que isso, o evento atua
como um periscópio, na medida em que quebra o isolamento de um país cujas condições socioculturais e
dimensões dificultam o contato com essa ampla produção, e promove a insubstituível aproximação com as obras.
Após a realização da 6ª Bienal de São Paulo, 1961, a Fundação foi criada para levar adiante a mostra, que até
então era promovida pelo Museu de Arte Moderna (MAM-SP). O Pavilhão Bienal, até hoje sua casa, só veio a
abrigar as exposições a partir da sua 4ª edição, 1957.”. Disponível em: <http://www.bienal.org.br/bienal.php>.
Acesso em: 15 de dez. de 2013.
112

os relatos sobre os afazeres dos curadores dão conta de que tal trabalho seja feito por
encomenda, mas isso não é raro, pois no caso de exposições como as Bienais e a Documenta
de Kassel existem fundações que têm seus conselhos administrativos, os quais decidem quem
será o curador convidado a organizar as exposições a cada ano; 2) junto da fundação que o
convidou a fazer tal mostra, Venâncio Filho passou por um processo de negociação até chegar
naquela que deveria ser a temática da exposição, ou seja, através de disputas e consensos o
curador e seus empregadores chegaram ao acordo de como deveria ser a exposição
encomendada; 3) o atraso no início do processo de pesquisa e seleção de obras se deu por
conta de um problema da instituição financiadora da mostra; 4) a seleção das obras foi
prejudicada pelo referido atraso, mas também por conta de que no contexto de trabalho de
Venâncio Filho muitas das obras não foram encontradas, visto que talvez a maior parte dos
donos de tais trabalhos sejam de colecionadores privados, por exemplo, não se sabe ao certo a
quem pertence uma obra que se gostaria de ter na exposição que se intenta fazer; 5) ao que
parece o catálogo da exposição foi uma atribuição do trabalho do curador, que teve que
decidir como este seria, no caso, ele optou por trazer mais textos sobre as Bienais de São
Paulo já realizadas, do que imagens das obras nelas expostas. Este trabalho exige um ponto de
vista do curador, pois definirá o caráter da mostra, assim como, exige um trabalho de
pesquisa, levantamento e negociação de direitos autorais, por exemplo, para que seja possível
a publicação; e, 6) após a realização da exposição o curador teve que lidar com a crítica em
público e no chamado “boca a boca” (de críticos de arte, colecionadores, outros curadores,
artistas etc.) em relação ao seu trabalho curatorial, pois, como ele ressalta, na visão de alguns
tal história das Bienais de São Paulo deveria ser contada de outro modo94. Neste momento, o

94
Para exemplificar as críticas públicas em relação a mostra 30 x Bienal, de curadoria de Paulo Venâncio, é
conveniente fazer referência a dois textos de Fabio Cypriano, crítico do jornal Folha de São Paulo. Em seu texto,
de 27 de abril de 2013, intitulado: “Mostra recupera nomes essenciais da Bienal”, Cypriano apresenta quais
seriam os rumos da exposição e indica o que seria um problema da curadoria de Venâncio Filho, por exemplo, a
opção do curador de não trazer trabalhos de Vik Muniz, que de acordo com Cypriano seria “(…) um dos artistas
brasileiros com maior visibilidade na última década, tanto no mercado de arte quanto em exposições
institucionais.” (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/04/1269186-mostra-recupera-
nomes-essenciais-da-bienal.shtml>. Acesso em: 08 de jan. de 2014). Já na segunda crítica que escreveu sobre
mostra 30 x Bienal, após a abertura da exposição, Fabio Cypriano foi mais contundente e avaliou a exposição
como sendo “péssima”. Neste texto de 8 de outubro de 2013, intitulado: “'30 x Bienal' traz recorte óbvio de sua
história”, Cypriano chegou a escrever:
Contudo, longe de apontar a contribuição da Bienal ao cenário artístico brasileiro, a mostra se resume a
uma seleção de artistas já consagrados na historiografia nacional. E, pior, a maioria das obras expostas
sequer foi vista de fato na Bienal, além de pertencerem a poucos colecionadores.
Assim, "30 x Bienal" é superficial e desnecessária, já que se resume a um percurso óbvio da produção
artística brasileira, que pode ser bastante didático, mas não traz nenhuma pesquisa de fôlego sobre a
importância da instituição. (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1353013-
critica-30-x-bienal-traz-recorte-obvio-de-sua-historia.shtml>. Acesso em: 08 de jan. de 2014).
Além destes textos de Fabio Cypriano, há o posicionamento da artista Maria Bonomi, que segundo o site TV
UOL, em 13 de outubro de 2013, “(…) notificou extrajudicialmente a Fundação Bienal e o seu curador, Paulo
113

diálogo do curador não é mais interno e nem com seus financiadores, nesta hora há a
necessidade de o curador colocar o seu discurso ao público e defender publicamente o seu
ponto de vista, assim, a curadoria envolve um debate público imerso em tensões entre os
agentes que compõem o mundo da arte, seja porque não se sentem representados ou mesmo
porque acham que executariam tal tarefa de um jeito melhor – o seu -. É como se a disputa
presente em todo o processo da curadoria atingisse o seu auge no instante em que o discurso
do curador se torna público, já que nesta ocasião a contenda se dá entre a curadoria e as
demais atividades que compõem o universo artístico – sendo uma disputa entre categorias
profissionais -, como também uma contestação entre curadores – sendo uma disputa intra-
categoria de trabalho. Desse modo, percebe-se que há, de um lado, uma disputa maior no
mundo da arte, em relação àquela que será compreendida como a categoria profissional que
dita as regras, uma disputa por uma autoridade que será partilhada entre aquelas que serão
reconhecidas como as atividades mais legitimadoras de tal esfera – podendo ser os críticos, os
curadores, os artistas etc. De outro lado, há uma disputa interna entre os curadores, a qual
definirá quem será tomado entre eles como sendo o mais poderoso da categoria, aquele que
deve ser reconhecido como uma autoridade máxima em curadoria, pois este seria o detentor
do ponto de vista mais relevante entre aqueles que são os mais legítimos, sendo uma espécie
de “rei dos reis”.
Do que foi exposto através dos depoimentos de Aracy Amaral e Paulo Venâncio Filho
é possível dizer que a curadoria, de fato, se trata de uma carreira recente, já que suas tarefas e
seu status foi (e vem sendo) alterado nas últimas décadas. Assim sendo, há que se perceber a
curadoria como uma carreira em pleno momento de disputa por legitimação com os demais
atores que fazem parte da esfera artística, e também internamente à categoria. Tal disputa se
dá em um nível global, em relação ao papel do curador de modo geral no mundo da arte, mas
é preciso atentar para as especificidades do contexto brasileiro, trazidas neste e também nos
subitens anteriores, que falam sobre um contexto em construção e em falta, mas ao mesmo
tempo um contexto em ascensão e em alteração. De tal modo, é possível compreender que o
contexto brasileiro impõe especificações e peculiaridades à atividade do curador (como
também a do crítico, já que é comum as pessoas serem críticos e curadores), porém este
contexto é do mesmo modo um lugar em busca de equiparação com as situações de outros
países (sobretudo, os Estados Unidos e países europeus), tomados como possuidores de uma

Venâncio Filho, por discordar da seleção da mostra "30 x Bienal" que, além dela, excluiu nomes como Manabu
Mabe e Arcangelo Ianelli.”. (Disponível em: <http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=artista-plastica-maria-
bonomi-critica-curador-da-mostra-30-x-bienal-0402CC983762C4B94326>. Acesso em: 08 de jan. de 2014).
114

infraestrutura museal diferenciada que valorizaria, mais do que no Brasil de agora, o universo
artístico.
Tomando o gancho das disputas que envolvem o trabalho dos curadores de
exposições, é interessante lembrar que uma das questões explicitadas ao longo desta
dissertação é que a carreira do curador de exposições estaria atualmente tomando um espaço
que anteriormente seria atribuído à crítica de arte, assim, a curadoria seria hoje a posição mais
essencial no mundo das artes visuais e os curadores os principais agentes legitimadores de tal
esfera. Bem, como já demonstrado, no contexto aqui analisado através dos entrevistados, não
se conta com críticos de arte e com curadores, mas sim com pessoas que trabalham
concomitantemente exercendo ambas as atividades. Neste sentido, é conveniente entender
como estas pessoas encaram a ideia de que uma das atividades por eles desempenhadas está
desaparecendo em detrimento da outra função que eles igualmente exercem. Esta questão foi
posta para todos os entrevistados, mas aqui serão destacadas apenas algumas das falas, pois
no geral elas trazem consensos em relação a este ponto. Para pensar sobre esta disputa entre as
categorias de crítico e de curador, é relevante trazer agora a fala de Marcelo Campos, que ao
ser perguntado sobre como entende a suposta tomada de um espaço que seria da crítica, pela
curadoria, em termos de legitimidade, respondeu:

Eu acho sim. Eu acho que o curador hoje toma um espaço. Toma um espaço porque
ele precisa produzir culturalmente, ou seja, ele não está ali quase como num
laboratório onde as exposições acontecem, os artistas produzem e ele está num
gabinete, cheio de livros, analisando, dando o aval, a posição não é tão confortável.
Essa é uma posição mais confortável, ainda que seja polêmica na hora que você tem
que criticar negativamente ou pejorativamente um artista. Mas hoje o curador toma
um espaço, porque ele produz cultura, ele produz exposição, ele abre exposições, ele
vai participar dos salões, ele vai ser convidado para julgar trabalhos. Então, esse
curador tem outro tipo de mobilidade. E ai eu acho que ele, de certo modo, tomou o
espaço da crítica de arte. Eu tenho uma única ressalva com relação a isso: é a ideia
de uma produção descolada da pesquisa. Eu não acho que eu consiga formar um
curador com regras de como fazer uma exposição, como lidar com a produtora,
como falar com a transportadora, eu não enxergo isso como uma... eu enxergo isso
como informação e não como uma formação. Eu acho que o que forma um curador é
uma pesquisa. Sempre, é a pesquisa que forma um curador. Conhecimento, e não
necessariamente saber lidar com esta... entende? Saber como discutir a luz de uma
exposição, isso é uma coisa que é importante, você vai aprender, e na verdade, você
precisa ter essa informação, mas não precisa ter uma formação que diga isso para
você como uma receita. Então, eu prefiro pensar no curador como um pesquisador
de arte, mais do que aquele que vai dominar as instituições. (CAMPOS, Marcelo.
Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

“The curator makes the machine work”, esta frase foi dita por um curador que trabalha em
uma instituição em Miami, Estados Unidos, durante um congresso com curadores e diretores
115

de museus realizado em agosto de 201395. Este curador não foi entrevistado para esta
dissertação, mas sua incisiva frase nunca saiu dos materiais obtidos para a sua produção, pois
ela denota parte de um discurso que está imbricado quando o assunto é a curadoria, como já
se argumentou neste texto. A frase supracitada interessa a esta pesquisa pois ao se ler o relato
acima, retirado da entrevista realizada com Marcelo Campos, uma mesma palavra aparece
repetidas vezes, é o termo produzir (e sua flexão produz), Campos utiliza este termo para falar
sobre o espaço da curadoria no que diz respeito à sua legitimidade e também em relação as
tarefas dos curadores. Ora, produzir cultura pode ser lido como fazer a máquina da arte
funcionar, assim, o trabalho do curador seria o de fazer com que a produção artística fosse
produzida (mesmo pelos artistas, através da influência do curador), faria com que tal produção
fosse preparada para consumo (via organização de mostras de artes visuais), e intermediaria o
consumo em si por parte do público de artes (visto que as exposições contam com uma
narrativa que hoje, em geral, é proposta pelo curador). Neste sentido, apesar de Marcelo
Campos não falar que a categoria de crítico de arte sumiu, enfraqueceu ou desapareceu, ele
trata a curadoria como sendo a atividade que hoje é tomada como mais relevante no universo
da arte, mesmo defendendo um posicionamento que não proclama os curadores como os seres
dominantes (ou dominadores) da esfera da arte.
Ainda em relação ao relato de Campos, percebe-se que mesmo que a curadoria seja
encarada como uma atividade, de fato, mais legitimadora dentro da esfera da arte, há um
incômodo, tanto de Campos quanto dos demais entrevistados, ao falarem sobre o que seria um
status de celebridade atribuído aos curadores, pois como se percebeu ao longo desta pesquisa:
o termo celebridade é carregado de uma conotação pejorativa96. É possível entender tal
posicionamento contrário a utilização do termo celebridade como uma forma de defesa por
parte dos curadores, já que estes estão em pleno momento de estabelecimento de seu status de
autoridade e de agente legitimador do mundo da arte. De tal modo, mesmo que as atividades
concernentes ao trabalho do curador ainda não estejam completamente estabelecidas, não
havendo um consenso em relação ao que de fato os curadores fazem, há uma constante
disputa para definir isto e dizer o que eles não são ou não fazem – o que é uma forma de

95
O congresso em questão se trata da Conferência Anual do International Committee for Museums and
Collections of Modern Art (CIMAM), que ocorreu no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, entre os dias 12 e 14 de agosto de 2013, tendo como tema: “ New Dynamics in
Museums: Curator, Artwork, Public, Governance”.
96
No mesmo congresso do CIMAM, anteriormente mencionado, uma curadora inglesa, durante um workshop
em que se discutia a relação entre a curadoria e outras atividades profissionais clarificou que o termo celebridade
é visto de modo pejorativo pelos curadores de exposições, de um modo geral, haja visto que isto foi percebido
mesmo nas falas dos entrevistados para esta pesquisa. A curadora inglesa foi taxativa: “we're not celebrities, who
just ordered, we are also workers! We are curators and workers!”
116

definir o que é por eles feito e quem eles são. Retornando ao depoimento de Campos, é
interessante perceber que ele usa o termo produzir no sentido de dar uma conotação prática ao
trabalho do curador, assim como ele fala sobre um trabalho de pesquisa que seria preciso
desempenhar para que uma curadoria fosse posta em prática. Aqui esta parece uma forma de
defesa da curadoria como uma atividade relevante, ao mesmo tempo em que parece uma
forma de definição do papel do curador.
O trecho retirado da entrevista realizada com Marcelo Campos, acima destacado, é
interessante, mas não trata efetivamente da relação entre o que seria uma queda de prestígio e
legitimidade da crítica em prol a ascensão da função do curador, mas ela dá o mote para que
esta questão seja aprofundada. Neste sentido, é conveniente trazer outro trecho da entrevista
com Paulo Venâncio Filho, no qual ao ser questionado sobre o seu posicionamento em
relação ao fato de a crítica de arte estar perdendo um espaço para a curadoria, em respeito ao
espaço legitimador, ele disse:

É o curador se tornou o… de uma certa maneira, ele exerce, digamos assim, uma
crítica através das obras. Então, parece que cada uma dessas exposições mundiais
quer estabelecer um plus ultra da arte contemporânea. Então, parece que eles querem
ir além da crítica, não sei, como se fosse uma meta crítica. E isso colocou… tem
vários problemas ai, porque agora é mundializado, né? Então entrou problemas
como o multiculturalismo… essas exposições de crise da história arte do Ocidente e
tudo isso, né? Então, entraram uma série de problemas que demandaram… o
[Arthur] Danto é um que pergunta, o [Hans] Belting [também], que se perguntam,
então, eu acho que a curadoria está ai meio que circulando por essas… por esse
conjunto de ideias. E cada um tentando procurar resolver ou dar um paradigma,
qualquer que seja. E também acho que o crítico, isso é uma coisa que não está muito
na ordem do dia, mas o crítico precisa exercer uma certa autoridade, acho que tem
uma espécie de resistência hoje e isso pode parecer autoritário, sei lá, ou
criticamente incorreto. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out.
de 2013).

Ao ser perguntado se tal autoridade, por ele mencionada, estaria hoje sendo exercida pela
curadoria de exposições, Paulo Venâncio Filho prosseguiu: “É. E é uma autoridade que é um
tanto institucional, está entendendo? E o crítico é que está falando dele mesmo, enquanto
esses caras estão falando de uma Bienal de Veneza, ou daqui ou dali.” (FILHO, Paulo
Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013). É interessante perceber que ao falar
sobre o seu posicionamento em relação à questão que lhe foi colocada, Paulo Venâncio Filho
responde, mas ao falar sobre o curador, ele trata como ele/eles, assim, ocorre uma separação
entre a sua posição e a que é apregoada presentemente, por exemplo, nos textos trazidos no
capítulo um desta dissertação. Agora, voltando a atenção ao depoimento de Venâncio Filho,
ele traz à tona uma questão explicitada no primeiro capítulo deste texto, através do trabalho de
117

Júlia Rebouças (2010), no qual esta autora defende que a curadoria tomaria um lugar da
crítica por ser hoje uma nova forma de produzir crítica, no entanto, reportando tal questão à
fala de Venâncio Filho, é perceptível que ele não defende uma morte da crítica por conta do
trabalho curatorial também ser um exercício de um trabalho crítico. Pelo contrário, nas
palavras de Venâncio Filho, a crítica de arte deveria se reposicionar e exercer a autoridade
que lhe é concernente. Neste ponto, aparece o que seria uma dificuldade para a crítica de arte
hoje em dia, pois enquanto o curador, mesmo que independente, falaria através de uma
instituição, o crítico por outro lado, não teria o mesmo suporte e seu posicionamento seria
sustentado apenas por ele, o que tornaria mais difícil o exercício da autoridade pelos críticos
do que pelos curadores, que sempre estariam respaldados institucionalmente, pois mesmo que
criticados por seus trabalhos propositivos um suporte institucional defenderia a sua imagem
de alguma maneira.
Os depoimentos de Venâncio Filho e Campos em relação ao suposto enfraquecimento
da crítica e a tomada de seu espaço na esfera legitimadora da arte pela curadoria, são
interessantes pois demonstram como na prática se dá a disputa por autoridade entre a crítica e
a curadoria. Pensando no contexto de atuação de ambos, é conveniente perceber que mesmo
não negando que presentemente a curadoria seja reconhecida como a função legitimadora
mais importante do mundo da arte, nenhum dos dois versou sobre um falecimento da crítica 97.
Eles tratam e demonstram quais são as dificuldades vivenciadas por ambas as atividades, pois
embora a curadoria esteja gozando de um status mais favorável em relação à crítica, ela
também está em um momento de estabelecimento de seus parâmetros e disputando o seu
lugar.
Outra questão trazida pelo debate contemporâneo e exposta no capítulo um, trata da
curadoria de exposições como a categoria mais poderosa do mundo da arte e que disputa até
mesmo com o trabalho dos artistas. A curadoria tem sido relacionada com a possibilidade de
execução de uma autoria, sendo as exposições por vezes tomadas como obras de arte, mais
importantes até que as obras dos artistas nelas expostas. Os textos de Daniel Buren (2001;
2010), referenciados naquele capítulo, explicitam a tensão existente quando as exposições
começam a ser encaradas como novas formas de obra de arte. Felipe Scovino, na entrevista
com ele realizada, abordou esta questão:

97
No subitem: “A Crítica Debatida versus a Crítica Praticada” está exposto o posicionamento de Campos, que
em momento algum é de que a crítica de arte morreu, mas que de ela está hoje se reatualizando ou
reconfigurando, para continuar existindo no universo artístico.
118

Agora, o curador ser artista ou entender a sua… esse é meu ponto de vista, tem gente
que pensa diferente, né? Que a sua exposição é uma obra de arte, a curadoria não
pode ser maior que a obra de arte, entende? Como a cenografia no CCBB não pode
ser maior do que a obra de arte. Isso tem que ser mediado de uma maneira
inteligente, aonde o meu trabalho, como curador, não pode do Cildo, do Tunga, do
Ernesto Neto, seja lá quem for. O nome deles têm que aparecer primeiro que o meu,
o meu não precisa aparecer ou aparece, sei lá, menorzinho. Os artistas têm que vir na
frente sempre. Essa coisa do curador celebridade, a ArtForum publica, não sei se
ainda publica, mas no final da ArtForum tinha lá: “O curador tal, na festa de fulano,
abraçando cicrano”, sabe? Foda-se! Isso não é importante! O importante é o meu
trabalho nem ser notado, isso é mais legal, isso é mais importante. Eu não vou ver
uma exposição do Felipe Scovino, eu vou ver a exposição do Emanuel Nassar, ver a
exposição do Cao Guimarães. Acho que é isso que tem que ser tornado evidente, ser
tornado claro numa exposição, né? Tem o meu pensamento como intelectual, mas
não como astro, como promovedor, a grande celebridade, né? (SCOVINO, Felipe.
Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

É fundamental compreender este posicionamento de Felipe Scovino contrariamente a ideia de


que a exposição e não as obras de arte, os curadores e não os artistas, deveriam estar sob os
holofotes do mundo da arte. Scovino tem uma compreensão do papel do curador que está em
concordância com as explicitações de Daniel Buren, contudo, enquanto este está apenas
defendendo o papel dos artistas, Felipe Scovino defende o trabalho dos artistas e ao mesmo
tempo salvaguarda as tarefas dos curadores. Há na fala de Scovino uma defesa do trabalho
dos curadores, mas uma contrariedade em relação a esta carreira ser tomada como mais
relevante até do que a atividade dos artistas. Fica expresso um não-contentamento com a
posição que vem sendo dada aos curadores presentemente, porém fica explicito que há um
trabalho curatorial a ser efetuado e que este é importante.
Não fica muito claro como os entrevistados em prática lidam com a separação entre a
crítica e a curadoria, que é produzida no debate contemporâneo, visto que por atuarem em
ambas as frentes eles não parecem conceber tal separação, então, embora eles tratem do
assunto com clareza, tratando da crítica e da curadoria separadamente, o que eles vivem na
prática é a união destas carreiras. Este fato pode ser tomado como um indicativo de mudança
que esteja ocorrendo em relação à crítica e à curadoria, no contexto de atuação dos
entrevistados. Além disso, é fundamental perceber que os depoimentos dos entrevistados
permitem a percepção de que em prática a proclamada morte da crítica de arte não existe, em
seu contexto de atuação. Do mesmo modo, eles contribuem para a compreensão de que a
curadoria, mesmo sendo aclamada como categoria profissional legitimadora por excelência da
arte hoje, em prática a questão não é bem esta, pois embora seja proclamada como mais
relevante, tal status ainda está em disputa, esta carreira ainda está em construção, seu lugar no
mundo da arte ainda não foi plenamente estabelecido. Enquanto isto, mesmo que se conclame
uma morte da crítica de arte com a sua perda de certo espaço público, tal fator também se
119

encontra ainda em disputa, a crítica ainda tem o espaço que lhe é concernente, o espaço da
crítica na esfera pública e a sua ação legitimadora estão sendo alterados, mas a ela ainda é
cativo um espaço na esfera legitimadora da arte.
Enfim, como já foi explicitado a disputa entre a crítica e a curadoria, em um nível
simbólico, se dá em torno de um status de autoridade, uma autoridade que seria responsável
por legitimar os demais atores sociais que serão tomados como relevante para o universo da
arte (acredita-se que: esta autoridade e esta legitimação se dão em conjunto, por uma ação que
unifica os agentes da arte como um todo, mas que há uma disputa para saber quem é o mais
importante na hora de legitimar), contudo, há posicionamentos de que nem o crítico e nem o
curador deveriam ser tomados como estes agentes principais em termos de ação legitimadora
para o mundo da arte, pois isto causaria uma tirania por parte de quem assim fosse
reconhecido98. Dentre os entrevistados para esta pesquisa, há a opinião consensual de que o
curador ou o crítico, em termos gerais, não deveria estar acima ou à frente da obra de arte,
sendo este um posicionamento que vai contra uma suposta tirania da crítica e/ou da curadoria.
Neste sentido, é importante trazer a fala de Raphael Fonseca, na qual ele trata deste exercício
de uma autoridade tanto por parte da crítica como por parte da curadoria:

Então, eu acho que é um debate que está aí, desde que a arte é arte também, né? Os
Papas também eram curadores, né? Os Papas escolhiam… se a gente for pensar a
curadoria como um poder de escolha, de veto, de quem mostra, de quem não mostra,
isso está ai desde o Renascimento, né? Estava na Idade Média desde os projetos de
Catedrais quais entravam e quais não entravam. Acho também que desde o
Renascimento tem um diálogo muito claro entre poderes institucionais… do mesmo
modo que, por exemplo, o [Paulo] Herkenhoff é diretor do MAR [Museu de Arte do
Rio], você tinha o Papa, vou dar um exemplo, sei lá, Leão X… como o Leão X
escolhia e tinha relações ali, com artistas, também, entre aspas, parece subjugado,
mas até hoje é capaz de fazer redes etc. e a pessoa que… como… tanto um teólogo
ou um cara da Igreja, que planejava aquela série de pinturas, a discussão conceitual
da coisa, quanto os críticos que já tinham no Renascimento, tinha o Pietro Aretino,
Pietro Bembo, vários escritores, o [Giorgio] Vasari, que aprovavam uns, elencavam
uns e excluíam outros, então, está aí desde que a arte é arte. Agora, a gente tem
impressão, talvez, também de como os meios de comunicação de massa, o jornal…
especialmente essa ideia de crítica de jornal, à lá século XIX, que se pautou na
figura do crítico, né? Diderot, Baudelaire, o Greenberg nos Estados Unidos, que fala
do que você gosta e do que você não gosta. No Brasil, o Mário de Andrade, que foi
o cara que elogiou o Portinari etc. Mas eu particularmente acho que eles, tudo bem,
incentivavam, contribuíam com, mas eu acho que a relação sempre se dá muito num
viés: artista ↔ poder institucional. As pessoas e os museus é… você pode ver na
cena contemporânea os curadores, os donos de galerias… são relações outras, né?
São relações mais de capital e de espaço do que do texto. Porque assim, sei lá, o
Monteiro Lobato, que eu estudei um pouco, o Monteiro Lobato é um cara que falou
muito bem de umas pessoas e falou muito mal de outras, e as pessoas de quem ele
falou mal produziram horrores, do mesmo jeito e foda-se. Esse é só um exemplo
muito… porque assim, tem umas pessoas de quem ele falou super bem, que nem se

98
No capítulo um foi trazido, por exemplo, o trabalho do artista plástico Daniel Buren (2001; 2010) em relação a
esta questão, assim como o de Olu Oguibe (2004).
120

sabe mais quem é. Então, aonde está o poder nele? Tem uma liberdade de expressão
aí e tinha um projeto Monteiro Lobato de uma arte nacional. Agora, ele não mudou
propriamente o rumo das coisas. Assim, como eu também não acho que o Greenberg
também… contribuiu com o [Jackson] Pollock, mas não era só ele. Então, eu acho
que não é… que nunca foi só o crítico, entendeu? Acho que é muito mais essa troca
com as pessoas que realmente estão nesses poderes. Mas ai concordo que há uma
espécie de excesso de crença, não sei se acontece na prática, na autoridade do
curador hoje em dia. E quem é o curador e o crítico, né? Porque muita gente fala
curador e quer dizer crítico. Tanto por esses prêmios mil, que colocam pessoas que
são supostos curadores e críticos para selecionar as pessoas ou não selecionar
também. Quantas vezes… eu vejo muito isso no Rio… os artistas se botarem numa
posição subjugada para ficarem seguros, então, fazem o que é provado, não têm
segurança do que mostrar ou as vezes não têm uma formação em artes, então, o
curador vira uma espécie de boia, salva-vidas, da pessoa, porque ela não sabe o que
fazer, e daí ela precisa daquela pessoa para ser um trampolim também. Então, acho
que uma coisa existe per se, e é uma coisa que é alimentada pelos próprios artistas
muitas das vezes. É… é um poder de escolha que está aí desde sempre, sabe?
(FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de 2013).

Este longo trecho é relevante por falar de várias questões que estão implicadas nesta pesquisa.
Primeiramente, é preciso destacar o que ele fala sobre o fato de que desde sempre, na história
da arte, alguns atores da esfera artística foram tomados como aqueles que seriam os mais
influentes e legitimadores de tal conjunto social. No capítulo um, há referência ao trabalho de
Olu Oguibe (2004), no qual ele traz uma cronologia em relação aqueles que ao longo do
tempo, no século XX, foram sendo considerados donos do posto de principais agentes
legitimadores da arte; do mesmo modo, Fonseca traz esta questão à tona, mas reporta ao
Renascimento, quando os Papas escolhiam os artistas e os arquitetos que produziriam suas
capelas e nelas representariam a religiosidade que eles encomendavam. É interessante
perceber que presentemente, como assegura o depoimento de Fonseca, os curadores estão
sendo colocados em tal posição.
Outra questão importante levantada por Fonseca diz respeito ao fato de que a ação
legitimadora se dá em um consenso que envolve a esfera da arte como um todo, e é
importante frisar que, embora os curadores exerçam ou sejam tomados como quem exerce
uma autoridade essencial para o mundo da arte, eles não agem sozinhos. Há uma negociação
que envolve todos os agentes do mundo da arte, em prol da legitimação de alguém, seja como
artista, crítico, curador etc. Além disso, é preciso demarcar, aproveitando a fala de Fonseca,
que o lugar da legitimação atribuído aos curadores não foi por eles conquistado ou roubado
em uma batalha, obviamente, a ação que atribui tal lugar aos curadores envolveu (e envolve)
disputas e consensos. É preciso entender que para que os curadores sejam compreendidos em
tal posição, há uma ação que envolve a esfera da arte de modo geral. Este ponto se torna mais
claro no depoimento de Raphael Fonseca, que fala da ação de artistas no sentido de buscar nos
curadores a legitimação de seus trabalhos. E, voltando ao capítulo dois, quando se trata da
121

formação e da iniciação dos entrevistados para esta pesquisa, há a demonstração que a


iniciação de tais profissionais se deu a partir das relações que eles estabeleceram com outras
agentes da esfera da arte. Assim, fica explícito que a legitimação não se dá em apenas uma
via, ela é disputada e para que alguém (pessoa ou categoria de pessoas) seja tomado como
uma autoridade, esta deve lhe ser conferida também por outros atores sociais.

3.4 - A “Promiscuidade” Brasileira.

A todo instante nesta pesquisa uma questão está presente, o fato de que no Brasil há
uma peculiaridade em relação a outros contextos: neste país as atividades de curador e crítico
de arte são desempenhadas simultaneamente pelas mesmas pessoas, ao menos nas cidades do
Rio de Janeiro e São Paulo. Em citação trazida no capítulo dois, retirada do livro de
Guilherme Bueno e Renato Rezende (2013), a situação brasileira relatada é tratada como de
uma “afortunada ‘promiscuidade’” (loc. cit.), isto é, haveria no Brasil uma situação confusa e
desordenada, que permitiria que houvesse um exercício de ambas as atividades pelas mesmas
pessoas. Tal situação é, de certa maneira, vista como negativa, porque existiria uma confusão
de papéis: o crítico (o julgador) não poderia ser aquele que propõe (no caso, o curador). Em
outros contextos que não o brasileiro há pessoas que ao longo de suas carreiras atuaram ora
como críticos ora como curadores, e até mesmo em outras posições relativas ao mundo da
arte. Contudo, tal situação é mais comum no Brasil, onde é raro encontrar alguém que seja
apenas crítico de arte ou curador de exposições (no decorrer desta pesquisa, não apenas entre
os entrevistados, não foi encontrado alguém que não desempenhasse simultaneamente as duas
funções). Esta sobreposição de carreiras, sendo aqui adotada como uma especificidade do
contexto analisado, foi tópico das conversas com críticos e curadores realizadas para esta
pesquisa, neste sentido, é exequível trazer os depoimentos dos entrevistados no que concerne
tal questão. Estes poderão também aludir e clarificar quais são as práticas profissionais
adotadas pelos entrevistados, revelando um pouco quem sejam os críticos e curadores
brasileiros e da mesma maneira o que eles fazem em termos práticos.
A fim de exemplificar como se dá na prática a sobreposição de papéis profissionais
exercidos pelos entrevistados, é fundamental trazer uma fala de Raphael Fonseca, que ao ser
perguntado sobre como se definia profissionalmente, respondeu:

Então, isso é engraçado, porque até pouco tempo atrás eu tinha uma implicância
muito grande em me auto definir como curador e é até interessante falar isso, porque
é até muito recente. Eu não me sentia efetivamente como alguém com alguma
122

estrada para poder me colocar como curador. Daí por muito tempo eu me defini
majoritariamente como historiador da arte, por conta da formação, eu fiz história da
arte, logo eu sou historiador. Depois que eu entrei no [Colégio] Pedro II, eu acho
que eu relutei durante algum tempo para me colocar como professor e historiador,
até que depois comecei a gostar e eu passei a entender o porquê eu estava lá. Mas aí,
eu comecei de modo concomitante escrevendo crítica e fazendo curadoria. Mas eu
geralmente me dizia: “Raphael, historiador, professor e crítico”, mas não botava o
curador. Hoje em dia eu acho que assumo as quatro facetas, digamos assim, são
todas uma coisa só. Mas eu acho que o que eu mais relutei, pelo menos em assumir
publicamente, foi esse termo curador. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em
1º de out. de 2013).

E ao ser perguntado sobre o porquê de sua relutância em se auto definir como curador de
exposições, Fonseca prosseguiu:

(…) Porque? É, uma boa pergunta. Porque eu acho que… não me parecia honesto
ter feito uma curadoria e me dizer curador. Eu me sentia obrigado a me sentir com
alguma estrada, tanto de coisas já feitas quanto de alguma perspectiva futura, e com
alguma suposta consciência de que há uma pesquisa curatorial, digamos assim, para
me assumir enquanto tal. Não que eu ache que tenha isso tal claro agora também,
mas de certo modo, como eu acho que fiz algumas coisas, eu acho que tem uma
espécie de trajetória, eu vejo alguns pontos de ligação, que eu acho que agora
permitem que eu me assuma tranquilamente como curador, entre aspas. Enquanto o
campo da crítica, comparando, foi mais fácil assumir, porque me parecia muito
vinculado a minha formação em história da arte, então, logo eu sou crítico também,
publiquei: bimba! Eu sou crítico, ótimo! Agora, a curadoria não, porque me
incomoda essa clima de que agora qualquer um pode ser curador, né? Então, eu
fiquei pensando que eu precisava de alguma estrada para poder assinar, assim,
melhor. (FONSECA, Raphael. Entrevista ao autor em 1º de out. de 2013).

Este relato de Raphael Fonseca elucida a complexidade que envolve a interligação da crítica,
da curadoria, da ação de pesquisador e da atividade docente em seu contexto de atuação. Ele
se assume como alguém que atua nestas quatro frentes de trabalho, assumindo estas “quatro
facetas” (loc. cit.). Ao mesmo tempo, a narrativa de Fonseca permite a percepção de que a
crítica, a curadoria, a pesquisa e a docência são carreiras que exigem processos distintos. A
docência e a pesquisa estão ligadas à formação acadêmica, mas a atuação como crítico e como
curador, como discutido no capítulo dois, passa por outras exigências, já que os diplomas
acadêmicos não necessariamente levam alguém a ser um crítico de arte ou um curador de
exposições independente. A legitimação dos críticos e curadores que serão compreendidos
como autoridades nestas áreas, como já argumentado, também depende de suas relações em
círculos sociais artísticos (SIMMEL, 1977). No entanto, a fala de Fonseca também aponta
para uma diferença entre a crítica de arte e a curadoria: em relação à sua legitimação para
atuar como curador, o aval para trabalhar como crítico de arte partiu mais de sua formação
acadêmica. Percebe-se uma ação mais forte da Academia para legitimar alguém como um
crítico de arte do que como um curador de exposições, ao menos neste caso de Fonseca. É
123

interessante retomar o capítulo dois, onde se discutiu a formação e o início das carreiras dos
entrevistados, e perceber que, por exemplo, nas falas de Paulo Venâncio Filho lá destacadas, o
ensino acadêmico não aparece como um fator que legitimou sua ação como crítico ou curador.
Há uma transformação. Também é preciso frisar que esta dissertação trata de um processo
social, logo de algo que está sempre em curso, sempre sendo passível de modificações.
Assim, a partir dos dados trazidos neste e nos capítulos anteriores, é possível dizer que
embora a crítica de arte hoje esteja mais ligada a esfera acadêmica, o mesmo pode estar
acontecendo com a curadoria que, como dito anteriormente, tem se tornado uma disciplina
acadêmica99.
Continuando com a tentativa de demonstrar na prática como se dá a auto identificação
dos profissionais entrevistados para esta pesquisa, é importante trazer o depoimento de
Marcelo Campos no momento em que ele trata do desempenho de seus papéis de curador e de
professor, já que ele atua como professor na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e na
Universidade Estadual do Rio de Janeiro:
(…) já que estou numa sala de aula, eu tenho que ter a postura de, na medida do
possível, enxergar a história num sentido alargado, ou seja, eu não vou sempre usar
como exemplo obras que eu gosto ou só os artistas que eu gosto, de jeito nenhum.
Ali, para mim nesse sentido eu sou socialista ali, na sala de aula, eu vou falar dos
trabalhos para esses momentos. Eu não levo o gosto pessoal para a sala de aula. Para
a curadoria se leva. Para a curadoria afinada, você pode levar mais um recorte. E, eu
sempre gosto de pensar também uma coisa que chega a ser engraçada, já aconteceu
mais de uma vez comigo, de eu não dar bola para um trabalho, de olhar o trabalho
entender mais ou menos ou achar que não é tão bom, e, na hora de desenhar uma
curadoria, ter na minha cabeça a imagem daquele trabalho, e eu, sem pestanejar,
ligar ou mandar um e-mail para o artista, para convidá-lo a fazer parte daquela
discussão. Então, você percebe: “Ah! Eu estou produzindo uma curadoria sobre tal
assunto e esse trabalho cabe na minha curadoria”, e eu vou atrás! Vou lá e vou dizer:
“eu sou fulano, estou fazendo uma curadoria sobre isso, você quer ou não
participar?”. E não são artistas, muitas vezes, que eu continue a trabalhar depois.
São artistas que passaram nessas circunstancias, pelo assunto daquela curadoria. Na
aula isso acontece ainda mais, eu vou falar sobre um assunto, e passam vários
artistas por aquele assunto e eu vou lá e vou explicitar, e vou expor essa lógica. Ao
mesmo tempo hoje, eu penso que uma sala de aula é um lugar onde você explicita a
informação, e você deve explicitá-la na melhor das sinceridades, ou na maior das
sinceridades. Explicitar com autores, com fontes, com teorias. Eu gosto de perceber
as contradições, eu digo: “fulano de tal diz isso, e ele chega até aqui na arte”;

99
É conveniente trazer novamente um trecho da entrevista realizada com Paulo Venâncio Filho, que foi citado
no capítulo dois, em que ele expõe claramente o processo pelo qual vem passando a curadoria de exposições, que
hoje está se tornando uma disciplina acadêmica:
(…) Olha, hoje já se tornou ou está se tornando uma disciplina acadêmica também, né? Há cursos de
curadoria, pós-graduações em curadoria em diversos setores, há diversos setores, aliás, de curadoria, né?
Eu recebo, assim, pelo e-mail informações… sobre curadoria específica de performance, você está
entendendo? Então, é outro contexto totalmente diferente, quer dizer, eu vejo o meu… talvez a minha
prática curatorial envolvida com a crítica de uma certa maneira, e… sem nenhum tipo de… talvez, de
uma prática, que eu diria: profissional, no sentido de que eu fui me tornando curador, hoje as pessoas
decidem ser curadores (…). E vão fazer cursos. Eu fui me tornando, assim, por influências, por
sugestões, por possibilidades, mas não foi uma carreira… Escolhida. (FILHO, Paulo Venâncio.
Entrevista ao autor em 28 de out. de 2013).
124

“sicrano vai continuar”; “fulano acha isso, fulano acha aquilo”. Eu gosto de mostrar
as contradições na própria teoria, na própria observação sobre os trabalhos, e o aluno
pode fazer as suas considerações, ou seja, ele pode achar: “também achei antiética
essa postura desse artista”, e o outro pode achar: “Ah! Besteira! Eu não isso”,
concordando com a outra opinião. Então, eu problematizar um trabalho
teoricamente, vai muito além da nossa situação de escolha ou de gosto. E, ao mesmo
tempo, você vai formando sujeitos, você vai formando pessoas, formando olhares e
exibindo obras que as pessoas não conhecem, as pessoas vão lendo os seus textos.
(CAMPOS, Marcelo. Entrevista ao autor em 12 de jun. de 2013).

É interessante perceber como o relato de Campos afasta e aproxima o ensino docente e a


curadoria. Ele trata do ato de escolher, demonstrando como ambas as atividades - a curadoria
e a docência - lidam com a escolha. Como professor, elege os conteúdos que serão tomados
como fundamentais à formação de seus alunos, enquanto na curadoria julgam-se os artistas e
as obras de arte que podem participar de uma exposição. Contudo, este mesmo fator do
julgamento distancia a curadoria e a docência. De acordo com Campos, o professor precisa
ser “socialista”, levando ao conhecimento de seus alunos artistas e obras que por vezes ele
não acredita que sejam bons. Já na curadoria o gosto do curador fica mais explicitado e só
entram nas exposições por eles propostas aqueles artistas e trabalhos que eles julgarem
coerentes para estar em tais mostras. É possível dizer que a explicitação do gosto separa as
práticas curatorial e docente, mesmo que elas sejam efetuadas pelo mesmo indivíduo.
Em respeito à ligação entre a crítica e a prática docente não há, entre os depoimentos
coletados para esta dissertação, algum que lide especificadamente com a relação prática entre
a atuação como crítico e como professor. Entretanto, na entrevista realizada com Paulo
Venâncio Filho ele assinalou a aproximação entre a crítica de arte e a Academia. E tomando-
se a Academia como o lugar por excelência de legitimação e atuação para professores e
pesquisadores, é razoável dizer que a Academia tem sido hoje um dos novos espaços a partir
dos quais a crítica está agindo e exercendo o seu papel:

(…) acho que tem uma resistência crítica da arte contemporânea de ser criticada, e
aceitar a crítica ou ser ver criticamente. Outro lado também é que a coisa ficou meio
acadêmica, todo mundo está na academia hoje. É difícil ter, digamos, um livre
pensador (…). Então, os discursos são muito parecidos, as influencias são muito
parecida… Então, tem certas construções teóricas, a teoria invadiu muito, a filosofia
invadiu muito, então, você vê que são as mesmas figuras que são mencionadas, são
os mesmos filósofos… (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de out.
de 2013).

A partir do que vem sendo debatido e demonstrado, intenta-se dizer que a prática docente,
talvez, seja uma das possibilidades para o exercício do crítico hoje. Pois a Academia, de
acordo com Venâncio Filho, vem sendo o lugar de onde a crítica tem falado e produzido. É
125

até interessante pensar no depoimento de Raphael Fonseca, acima destacado, em que ele trata
a sua legitimação no papel de crítico mais atrelada a sua formação acadêmica, fato
importante, pois é a Academia que legitima o professor e o pesquisador. Assim, a Academia
pode estar agindo em três frentes: 1) formando e legitimando os críticos; 2) sendo um espaço
para o exercício crítico e a publicação das críticas de arte, através de revistas programas de
pós-graduação em artes, por exemplo; e, 3) atrelando os papéis de crítico e professor, pois ao
sair de um curso de graduação um indivíduo formado em história da arte entende sua
formação como algo que lhe dê aval para atuar como professor e também como crítico. É
como se as carreiras não fossem tão distinguíveis.
Neste ponto, é preciso dar destaque ao posicionamento de Paulo Venâncio Filho ao
pensar sobre a dita “promiscuidade” do contexto brasileiro, pois ele apontou para o que seria
uma dificuldade maior, sendo algo presente em outros lugares:

É a mesma coisa, por exemplo, nos Estados Unidos, a geração do Pollock era uma
geração de, sei lá, de boêmios e não sei o que, e a geração do Richard Serra é uma
geração de mestres em arte em Yale e sei lá o que, todos passaram pela Academia.
Então, tem transformações. O Greenberg não tinha nenhum, que eu saiba, ele não
tinha nenhum título universitário, mas a Rosalind Krauss já era professora e parara
em sai lá onde, então, é o caso dela, por exemplo, é professora, crítica,
eventualmente, curadora, porque ela já fez várias curadorias. Então, eu acho que está
havendo esse modelo, que você diz promíscuo, que não dá para definir exatamente
onde é que está o crítico ali. Quer dizer, talvez alguns exerçam predominantemente
ou majoritariamente um ou outro. Eu acho que tem alguns críticos, curadores ou
professores que têm uma contribuição crítica que outros curadores não têm, não têm
nenhuma tradição. Isso também… a gente está falando de um certo contexto ideal,
mas têm aí… relações de mercado, de galerias, que influenciam certamente os
julgamentos… é a coisa se tornou mais complexa, mais… é difícil identificar, né?
Quem é o grande crítico hoje? Difícil! E a mesma coisa é: quem é o grande artista?
Qual é a grande obra? Não dá! (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28
de out. de 2013).

É importante perceber que em sua fala, Venâncio Filho indica e condensa uma série de
questões caras a esta dissertação. Primeiramente, haveria uma “promiscuidade”, que
possibilitaria que críticos atuassem também como curadores e professores, por exemplo. Uma
possibilidade que estaria presente em outros contextos que não apenas o brasileiro. No
entanto, como se vem tentando demonstrar, no contexto aqui analisado, é mais comum que as
pessoas atuem como críticos, curadores e professores, sobrepondo papéis. Este fato estaria
relacionado com a desvalorizada infraestrutura do setor de artes visuais no país, como
explicitado anteriormente através das falas dos entrevistados. Assim, enquanto em países da
Europa ou nos Estados Unidos alguém poderia viver estavelmente, por exemplo, como
curador de um museu, isto não seria possível no Brasil. Em segundo lugar, mesmo com a dita
126

“promiscuidade” entre carreiras, há que se atentar para o fato de que existem especificidades
das trajetórias de cada indivíduo que contribuem para que, por mais que sejam críticos e
curadores, uns atuem mais como críticos e outros mais como curadores. E, por fim, Venâncio
Filho, ao narrar a aproximação entre os atores sociais do mundo da arte e da esfera
Acadêmica, trata de artistas norte-americanos e críticos que, em suas palavras, de uma
geração a outra foram se aproximando do saber acadêmico. Esta questão vem sendo indicada
na presente pesquisa, pois observando-se as trajetórias dos diferentes entrevistados e os seus
contextos de iniciação profissional (no capítulo dois), fica patente que há uma relação mais
forte com a Academia agora do que houve em outros momentos da história recente que
envolve a crítica e a curadoria no Brasil.
Talvez o depoimento de Felipe Scovino em relação a esta sobreposição de funções
seja o mais contundente. Quando questionado sobre os caminhos que o levaram a trabalhar
com crítica de arte e curadoria, Scovino interrompeu a sua resposta e começou a se referir ao
debate contemporâneo que ao tratar da relação entre o crítico e o curador, separa tais figuras.
Em suas palavras:

Indo direto ao ponto, um dos pontos, da sua pesquisa, no Brasil eu acho muito difícil
separar o curador e o crítico. Primeiro, o ponto mais importante, na minha opinião, é
o fator econômico, dificilmente alguém vive como curador no Brasil, né? O
Camillo, por exemplo, Luiz Camillo Osorio, ele é curador do Museu de Arte
Moderna [do Rio de Janeiro], mas ele continua sendo professor, ainda é um
acadêmico. Talvez o Felipe Chaimovich100, lá em São Paulo, eu não tenho tanto essa
proximidade com o Felipe, mas talvez seja um dos poucos curadores que consegue,
Felipe dava aula, não sei se continua dando aula. Mas é muito difícil... O Ivo
Mesquita, da Pinacoteca de São Paulo, é curador da Pinacoteca, mas também dá
aula. Não é apenas uma questão de prazer: dar aula, é uma viabilidade econômica.
Apenas como curador, os cargos são muito poucos, são muito raros, de curador no
Brasil. (SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

A fala de Scovino alude ao já explanado contexto brasileiro onde os investimentos no setor de


artes visuais seriam poucos, o que faria com que seu sistema de museus fosse pequeno e não
fosse capaz de suportar, por exemplo, a oferta de profissionais curadores. E mesmo aqueles
que se dedicam à curadoria institucionalmente (tendo cargos em museus) não seriam capazes
de se manterem apenas como curadores, pois economicamente seria inviável se manter com
os proventos destinados a estes profissionais, o que seria fruto de uma desvalorização das
artes plásticas, em termos de investimentos em instituições e coleções públicas no país. De tal
modo, de acordo com o posicionamento de Scovino, ser crítico, curador e professor seria uma

100
Professor do curso de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), crítico de arte e
curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
127

peculiaridade do contexto brasileiro que teria como razão de ser os baixos investimentos no
setor de artes visuais.
O raciocínio de Felipe Scovino, explicitado acima, teria um desdobramento em
respeito à separação, que é feita no debate contemporâneo, entre o crítico e o curador. Pois
Scovino claramente entende seu contexto de atuação como sendo formado por
críticos/curadores/professores/etc., assim, a separação que é feita e diz que o crítico tem
perdido espaço para o curador, foi por ele refutada em outro ponto da entrevista, neste
momento ele disse:

Bem, como eu te falei no início, no Brasil não há essa distinção, na minha opinião,
entre o curador e o crítico. O Luiz Camillo [Osorio], o Felipe Chaimovich ou o Ivo
Mesquita101 não deixaram de ser críticos, porque assumiram uma posição como
diretor ou curador dessas instituições em que eles estão à frente. Acho que eles
continuam sendo críticos. Uma circunstância política e econômica que é típica da
América Latina. Na Europa e nos Estados Unidos a coisa funciona de um modo
diferente. Tanto que quando um americano ou um europeu vem ao Brasil, fala: “Ué!
Curador, crítico e professor?”; porque até do ponto de vista ético, como enquanto
curador, você fará uma resenha crítica sobre uma determinada exposição? Parece
que você quer tomar o lugar do cara. Você como curador e crítico, quer tomar o
lugar do curador daquele exposição sobre a qual vocês escreveu sobre. No que, eles
não deixam de estar certos, mas… logo, vem esta exposição sobre o fato econômico.
(SCOVINO, Felipe. Entrevista ao autor em 27 de set. de 2013).

De acordo com a explicação de Felipe Scovino, é possível chegar à conclusão de que no


Brasil, mais nomeadamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, as posições e funções de
críticos e curadores seriam tão imbricadas que não seria possível distinguir quem seriam e o
que fariam cada um. Mesmo assim, é válido demarcar que à data de abertura de cada nova
exposição constam em seus créditos (impressos nas paredes, catálogos, flyers etc.), os nomes
seguidos dos cargos, de cada uma das pessoas que trabalhou para a realização de tais mostras.
Nestas ocasiões, não aparece o nome seguido de: curador/crítico/artista/professor/etc., mas
conta-se com o nome da pessoa e sua função especificadamente exercida. Neste sentido, por
mais que no Brasil os curadores sejam críticos, existem diferenças simbólicas e em termos de
tarefas entre as duas atividades. Os críticos de arte, de modo geral, são aqueles que escrevem
sobre artistas, suas obras e exposições, seja em sites, jornais, blogs, periódicos, catálogos de
exposições etc., já os curadores são responsáveis por administrar coleções de instituições
museicas e/ou propor exposições e organizá-las, realizando-as por meio de editais ou convites
de instituições que financiam tais exibições.

101
Ivo Mesquita foi curador-chefe, mas agora atua como diretor-técnico da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
128

A ideia, já mencionada, de que o exercício simultâneo da crítica e da curadoria pelo


mesmo individuo ocasionaria um problema ético surgiu na fala de Scovino, quando ele relata
o estranhamento que tal situação causa em atores sociais que trabalham em contextos que não
o brasileiro. Neste ponto, é conveniente trazer a fala de outra entrevista, pois Aracy Amaral
não vê a existência de um conflito ético no caso de uma atuação simultânea como crítico e
curador, em sua visão o conflito existiria caso outra posição do mundo da arte fosse
desempenhada em concomitância com a crítica ou a curadoria, esta posição seria alguma que
se ligasse ao mercado (financeiro) das artes visuais. Este posicionamento de Amaral aparece
expresso no trecho a seguir:

O que eu acho que pode se configurar como um conflito ético seria, digamos, você
trabalhar no mercado de arte e ser curador e/ou crítico, isso se você trabalha no
mercado de arte, mas não se trata disso que você está perguntando, você está
perguntando outra coisa, entre curador e crítico, não. Você pode ser um crítico e
simultaneamente, paralelamente, desenvolver uma atividade curatorial. (AMARAL,
Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013).

A fala de Amaral é interessante justamente porque ela se volta contrariamente à visão de que
atuar como crítico e curador seria algo conflituoso. Da mesma forma, ela também não partilha
do posicionamento expressado por Scovino, de que no Brasil se é crítico e curador, sobretudo,
por conta de fatores financeiros. Em relação a este segundo fato, é imprescindível trazer outro
trecho da entrevista concedida por Aracy Amaral. Ao ser perguntada sobre sua posição acerca
de uma possível relação entre a sobreposição de papéis de crítico e curador e a conjuntura
econômica do país, Amaral respondeu: “Não, não, mas de qualquer forma, você tem que
batalhar muito.” (AMARAL, Aracy. Entrevista ao autor em 14 de out. de 2013). Esta
destacada fala de Amaral é interessante, porque ela aponta para uma questão fundamental
desta pesquisa, a saber, a necessidade de reconhecimento e legitimidade para que alguém atue
seja como crítico, seja como curador ou em ambas as atividades. Isto porque o sentido de “ter
que batalhar” também está relacionado a tal fator, visto que mesmo que alguém queira muito,
não basta querer, para que um projeto curatorial seja aprovado, por exemplo. É preciso ter um
currículo e ser alguém legitimado como capaz de exercer tal função, e, para isso, é necessário
que os outros agentes relativos ao mundo da arte reconheçam tal indivíduo como legítimo.
Assim, mesmo que a teoria de Felipe Scovino esteja correta – e não se tem o intuito de
comprová-la ou negá-la, já que esta abordagem foge aos limites desta pesquisa -, não se pode
perder de vista esta perspectiva referenciada a partir do depoimento de Aracy Amaral.
129

Outro depoimento que deve ser trazido para pensar sobre esta justaposição de papéis
no universo artístico brasileiro, é o de Paulo Venâncio Filho. Em sua fala há o fortalecimento
do que foi exposto por Felipe Scovino, no que diz respeito a infraestrutura concernente ao
mundo da arte no Brasil. Ao mesmo tempo, ele indica que existe uma flexibilidade trazida
pelo contexto brasileiro, pois o fato de não se trabalhar em uma instituição – o que é mais
comum aos curadores daqui do que aos de fora – permite que o curador escolha mais
livremente os projetos curatoriais que intentará realizar. E, por fim, Venâncio Filho indica a
existência de disputas por posições que estão implicadas em tal sobreposição de papéis. O
trecho da entrevista com Paulo Venâncio Filho, sobre o qual se está versando, é o seguinte:

É provável. Acho que isso mostra essa… como eu diria, essa deficiência estrutural,
quer dizer, o curador não tem um lugar próprio aqui como também o crítico, o
professor, então, tem uma certa “promiscuidade” mesmo aí. Mas eu acho que se
você olhar para cada curador ou cada crítico, você vai perceber certas constâncias,
certas histórias que eu acho que… que eu imagino que… por exemplo, de certos
artistas eu não faria a curadoria. Eu acho que tem que ter uma responsabilidade
cultural também, né? Quer dizer, saber os seus limites, que você não pode fazer
qualquer coisa, que tem coisas que você sabe fazer e coisas que você tem convicção.
Mas eu acho que também rola um pouco isso, se faz de tudo, eu acho que eu não
posso fazer tudo. Acho que se tornou alguma coisa também de vaidade, de disputa,
tem muito isso de posições. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28 de
out. de 2013).

O depoimento de Paulo Venâncio Filho indica inúmeras questões já referenciadas ao longo


desta dissertação, sobretudo, neste capítulo três. É interessante perceber que ele trata do que
seria uma deficiência estrutural do contexto brasileiro como um motivador que une a crítica
de arte e a curadoria através das atuações dos mesmos indivíduos no país. Contudo, sua fala
também aponta para a presente disputa que existe em torno das carreiras de crítico e de
curador, mesmo num contexto como o brasileiro, onde estas funções são desempenhadas
pelos mesmos indivíduos. Neste sentido, é possível perceber que embora sejam carreiras
distintas exercidas simultaneamente pelas mesmas pessoas, a crítica e a curadoria são
diferentes e, assim, há uma peleja simbólica entre as atividades.
Mesmo com a disputa em busca da posição simbólica de agente legitimador mais
importante do mundo da arte, a crítica e a curadoria são exercidas pelos mesmos indivíduos.
Assim, é preciso questionar como se dá esta situação aparentemente contraditória, na prática
dos agentes sociais brasileiros. Ao longo deste capítulo foram especificados os
posicionamentos de críticos/curadores que atuam no Brasil (sobretudo, no Rio de Janeiro e em
São Paulo), e no capítulo dois as formações e iniciações dos entrevistados foram explicitadas.
Unindo as informações trazidas em ambos capítulos é possível dizer que no Brasil a crítica e a
130

curadoria são desempenhadas pelos mesmos indivíduos, também por conta de uma
necessidade de legitimação dos indivíduos que atuam no mundo da arte neste contexto. Ou
seja, atuar como crítico e curador no Brasil é fundamental para a legitimação de uma pessoa
para que esta possa ser reconhecida como uma autoridade do universo da arte. Uma razão
prática indicada para isto seria a deficiência do sistema de instituições artísticas no Brasil, que
impediria uma autonomia para a atuação dos curadores. Ao mesmo tempo o contexto global
da arte contemporânea é assinalado como um impeditivo para a ação dos críticos de arte, que
não poderiam atuar exercendo o seu juízo de gosto de modo incisivo. De tal modo, no Brasil a
crítica e a curadoria enfrentariam dificuldades práticas para os seus exercícios, então, neste
contexto a crítica e a curadoria seriam somadas em termos práticos para que fosse possível o
sustento de profissionais das artes. No entanto, é preciso perceber que não são apenas os
fatores práticos apontados pelos entrevistados que aparecem como motivadores para que no
país as pessoas sejam críticos e curadores, há uma questão simbólica importante: a crítica
somada à curadoria seria responsável pelo reconhecimento de uma pessoa como uma
autoridade em artes visuais. Assim, atuar como crítico e curador simultaneamente eleva uma
pessoa a um status de autoridade. Desta forma, a dita “promiscuidade” brasileira seria, então,
a principal maneira de que alguém se tornasse uma autoridade das artes visuais em tal
contexto.

3.5 – A Disparidade entre o Debate e a Prática.

Tensão. Complexidade. Disparidade. Estes termos expressam a sensação ao se


comparar o debate contemporâneo exposto no capítulo um desta dissertação e os
posicionamentos presentes nos discursos dos curadores, críticos e professores aqui
entrevistados em relação a sua prática profissional. Enquanto no debate exposto a crítica
estaria perdendo espaço para a curadoria de exposições, que seria uma carreira em ascensão,
os depoimentos que compõem este capítulo três demonstram que a crítica ainda não morreu e
que a curadoria ainda está buscando a sua institucionalização. É fundamental perceber que os
entrevistados não abrem mão da crítica de arte, que tal como a curadoria estaria sofrendo uma
transformação, sem que isso implique em seu desaparecimento.
Como se intentou demonstrar há uma especificidade do contexto brasileiro, que une o
crítico, o curador e o professor através da ação dos mesmos indivíduos. Para alguns dos
entrevistados a razão disto seria econômica, pois neste contexto não seria possível manter
uma estabilidade financeira atuando apenas em uma das carreiras. Esta posição não é
131

unânime. Mas não importa. É relevante perceber que há a sobreposição entre as carreiras, o
que não acaba com a crítica e ao mesmo tempo não coloca o curador no patamar mais alto da
esfera da arte.
Há uma disputa por reconhecimento de um papel legitimador do e para o mundo da
arte, entre a crítica e a curadoria, como expresso através do debate do capítulo um. Entretanto,
a partir dos depoimentos coletados perceber-se que a disputa não é tão simples. Há uma
mudança, mas o exercício prático das funções ainda está em disputa. Não à toa, por exemplo,
nas falas destacadas o crítico e o curador, não tão bem separados, encontram-se buscando
espaços de atuação. Outro fator que explicita tal disputa, é que enquanto no debate os
curadores são tomados como grandes estrelas do mundo artístico, nos depoimentos trazidos
há uma refutação de tal papel. Pois agir assim seria tirânico e nem a crítica (que antes exercia
seu poder judicativo de modo mais contundente) e nem a curadoria (que seleciona artistas e
obras exercendo um poder judicativo), poderiam ser encaradas como tirânicas, no sentido de
tomar para si a palavra final do mundo da arte. No entanto, é preciso demarcar que embora
haja este posicionamento contrário à suposta tirania seja da crítica ou da curadoria, ambas as
atividades são defendidas. Os depoimentos demonstram buscas que defendem tanto o papel e
o lugar da crítica quanto da curadoria. De acordo com os entrevistados para esta pesquisa
pode-se dizer que eles exercem autoridades que advém tanto da crítica quanto da curadoria,
daí também a sua defesa de tais atividades. Além disso, não se pode deixar de notar a ação da
Academia, como um lugar de legitimação e autorização de críticos e curadores, que como
pesquisadores acabam sobrepondo mais uma função, mas ganhando também mais uma
instância de legitimação. Portanto, percebe-se uma ação em diversas frentes no sentido de
salvar a crítica e estabelecer a curadoria. Trata-se, portanto, de um processo de transformação
em curso.
132

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

(…) o contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo o escuro do presente,


nele apreende a luz; é também aquele que, dividindo e interpolando o tempo, está à
altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler
de modo inédito a história, de "citá-la" segundo uma necessidade que não provém de
maneira nenhuma do seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode
responder. É como se aquela invisível luz, que é o escuro do presente, projetasse a
sua sombra sobre o passado, e este, tocado por esse facho de sombra, adquirisse a
capacidade de responder às trevas do agora. (AGAMBEN, 2009:72).

Nos termos do filósofo italiano Giorgio Agamben, ser contemporâneo é estar num
constante processo de retomar um momento não-vivido em um momento vivido, é um estar
no presente não se esquecendo do passado, mas com vistas para um futuro. Ser
contemporâneo seria caminhar para frente, com olhos sobre um passado que poderia trazer as
ferramentas para aclarar as questões do presente. Esta dissertação tem como contexto,
justamente, o momento em que o contemporâneo, mais do que fonte de reflexão, tornou-se
uma datação histórica e cronológica. O pano de fundo desta pesquisa é a dita Arte
Contemporânea. Seus processos e alguns dos atores que a constituem são foco desta
investigação. Os curadores de exposições independentes e os críticos de arte que são
debatidos, como explicitado no capítulo um, atuam no contexto em que emergiu a Arte
Contemporânea. Foi a partir das décadas de 1960 e 1970, período de surgimento desse tipo de
arte, que a figura do curador de exposições independente começou a alterar a sua faceta,
deixando o título de organizador de exposições para adotar o de curador. Além disso, é neste
contexto que a crítica de arte, após o auge de sua institucionalização na década de 1950,
passou a ser alvo de fortes oposições, buscando-se tomar o seu lugar na esfera de legitimação
da arte. Há uma relação entre estes fatores.
Arte Contemporânea é uma daquelas denominações amplamente debatidas, mas que
não foram (ainda) “conceitualmente definidas”, devido sua complexidade e, talvez, à
proximidade temporal entre os acontecimentos e o momento da reflexão e escrita sobre ela. É
comum ouvir que: “na arte contemporânea tudo pode!”. Esta frase não indica um consenso,
mas uma dúvida constante na definição do que seja a convencionada Arte Contemporânea.
Inúmeros são os autores que buscam desvendar e definir o que seja este tipo de arte e/ou o seu
contexto. Esta pesquisa não tem a intenção de definir o que seja Arte Contemporânea, no
entanto, ela é uma presença invisível que permeia toda a dissertação, o que torna importante
que se apresentem brevemente alguns comentários sobre ela. De acordo com Charles
Harrison, a Arte Contemporânea surgiu em um período em que ser moderno não seria mais
133

suficiente para as reflexões do mundo da arte. As categorias, produções e instituições


"modernas", passaram a ser objetos de questionamentos. Neste sentido, a Arte Moderna102
dominante em princípios do século XX, passou a ser posta em cheque, o que não significa o
seu desaparecimento, mas sim o nascimento de outras formas de conceber o que é a arte.
Ao pensar sobre o contexto de surgimento da Arte Contemporânea, Michael Archer
defende que neste período houve bastante contestação dos paradigmas vigentes, até então, no
mundo artístico:

A consequência do afrouxamento das categorias e do desmantelamento das


fronteiras interdisciplinares foi uma década, da metade dos anos 60 até meados dos
anos 70, em que a arte assumiu muitas formas e nomes diferentes: Conceitual, Art
Povera, Processo, Anti-forma, Land, Ambiental, Body, Performance e Política. Estes
e outros têm suas raízes no Minimalismo e nas várias ramificações do Pop e do novo
realismo. Durante este período houve também uma crescente facilidade de acesso e
uso das tecnologias de comunicação: não apenas a fotografia e o filme, mas também
o som – com a introdução do cassete de áudio e a disponibilidade mais ampla de
equipamento de gravação – e o vídeo, seguindo o aparecimento no mercado das
primeiras câmeras padronizadas individuais (não para transmissão). (ARCHER,
2001:61).

Como o período analisado neste trabalho é encarado como um momento de transição,


é preciso destacar que, de certo modo, também se trata, aqui, do contexto da Arte Moderna - a
qual, segundo a história da arte, abarca variados movimentos artísticos do início do século
XX, como, por exemplo, o Suprematismo Russo e a Arte Abstrata (WOOD, 2002) -, que
buscava, em linhas gerais, uma “autonomização da arte”, que preconizava um encontro
emocional entre o espectador e a obra de arte. Sua retomada é importante aqui, pois este
período contribuiu para que o crítico de arte alcançasse um status muito semelhante ao do
curador de exposições em tempos atuais. De acordo com Paul Wood (2002), a liberdade
almejada pela Arte Moderna, através da Arte Abstrata,

102
Para uma definição mais profunda do que seria Arte Moderna buscar "Modernismo" de Charles Harrison
(2000). Mas, é interessante trazer aqui uma pequena "definição" encontrada no livro de Harrison, onde se lê:
(…) o modernismo pode ser produtivamente pensado como uma forma de tradição, mas que se mantém
numa espécie de tensão crítica em relação à cultura mais ampla circundante. A tradição em questão é
uma em que o que se leva adiante não é um determinado cânone estilístico, e sim um tipo de disposição
ou tendência. Desse ponto de vista, os artistas de convicções modernistas tenderão a se dissociar e a
dissociar suas práticas de procedimentos legitimados de ver e reproduzir o mundo, embora procurando
manter aquela profundidade independente e aquela intensidade de efeito para as quais somente outra
arte proporciona os parâmetros. Segue-se daí que, enquanto uma forma de arte pode ser identificada
como moderna com base unicamente em seu estilo, chamar de modernista uma obra de arte é
estabelecer uma distinção mais sutil. É registrar o seu surgimento como indicativo de certos
posicionamentos e atitudes críticos adotados pelo artista em relação tanto à cultura mais ampla do
presente quanto à arte do passado recente. (HARRISON, 2000:14).
134

(…) implicava alguns perigos, os quais têm rondado a arte abstrata ao longo da sua
existência. Quem teria a autoridade para dizer se uma específica configuração de
formas e cores constitui uma “harmonia formal”, um “todo estético” – ou se ela é
falha na sua tentativa? Na prática, essa tornou-se uma questão que envolvia aquilo
que o artista afirmava, ou, mais precisamente, aquilo que era afirmado pelo crítico
de arte. (WOOD, 2002:11).

“(…) aquilo que era afirmado pelo crítico de arte” (loc. cit.). Esta perspectiva é
interessante, pois ao longo desta dissertação é possível perceber que após o surgimento da
Arte Contemporânea, negando os paradigmas da Arte Moderna, o status de agente
legitimador fundamental da arte, que era dado ao crítico, passou a ser questionado. O sistema
que fundou a Arte Moderna tinha a crítica de arte como um ponto de apoio e fundamentação.
Quando o sistema da Arte Moderna passou a ser negado, todo o conjunto de relações e atores
sociais que atuavam para a sua consolidação e legitimação passaram a ser igualmente
questionados. Do mesmo modo, percebe-se a intrínseca relação entre a curadoria de
exposições e a Arte Contemporânea, ambas surgidas na década de 1960. Sendo assim, pode-
se pensar sobre a ascensão de um novo sistema de relações e legitimações no mundo da arte,
com o nascimento da Arte Contemporânea103.
Como assinalado no capítulo um, o papel do crítico de arte fortemente valorizado no
contexto da Arte Moderna, momento em que ele era compreendido como uma espécie de juiz
do gosto, contribuiu para que a crítica de arte passasse a conquistar a sua institucionalização.
Destarte, os anos 1950 são por vezes proclamados como um período áureo para a crítica de
arte, uma vez que os críticos eram tomados como os principais agentes legitimadores do
mundo da arte. Como também destacado, é nos anos 1960 com o advento da Arte
Contemporânea que o papel dos críticos de arte passou a ser questionado. Entretanto, é nos
anos de 1960, como anteriormente demarcado, que outra figura do mundo da arte passou a ter
o seu papel alterado. Deste modo, o curador, a quem antes era atribuído um papel mais ligado
à conservação e à manutenção de acervos artísticos, começou a ganhar espaço e assim surgiu
o curador de exposições independente, figura que atualmente estaria ditando as regras do
mundo da arte.
O intuito de se referir à indefinição do que seja Arte Contemporânea é demonstrar,
talvez, a maior dificuldade desta pesquisa. Pois ao mesmo tempo em que esta categoria está

103
Em seu texto introdutório para o livro Sociologia das Artes Visuais no Brasil, Maria Lucia Bueno caracteriza
brevemente o contexto dos anos de 1950 e 1960, que como se busca aqui argumentar foi responsável pela
ascensão da arte contemporânea e seus consequentes desdobramentos. Bueno menciona, “particularmente, a
expansão e a mundialização do mundo da arte e suas novas conexões com a indústria cultural; a crise e as
reformulações das instituições artísticas; e a crescente importância adquirida pelo público e pelos processos de
mediação, entre outros problemas.” (2012:11).
135

presente perpassando todos os dados em que se apoia esta dissertação, não se tem uma
definição do que seja este período, nem teoricamente e nem a partir das percepções dos
entrevistados. Este momento é, portanto, um período de indefinição, tratando-se de um
contexto de mudança. Uma fala de Paulo Venâncio Filho é bastante elucidativa quanto a este
ponto:

(…) a gente está falando de um certo contexto ideal, mas têm aí: relações de
mercado, de galerias, que influenciam certamente os julgamentos. A coisa se tornou
mais complexa, mais difícil identificar, né? Quem é o grande crítico hoje? Difícil! E
a mesma coisa é: quem é o grande artista? Qual é a grande obra? Não dá! Não dá. E
a mesma coisa, qual é o grande museu? Também não dá. Qual é o museu que está
levando a coisa para frente? Há 30 anos ou 40 anos você poderia dizer que era o
Museu de Arte Moderna de Nova York, mas hoje… Qual era o grande artista há 40
anos? Sei lá, o Warhol, mas hoje a coisa se tornou muito mais difícil de se entender
através dessas categorias assim. (FILHO, Paulo Venâncio. Entrevista ao autor em 28
de out. de 2013).

Estas palavras de Paulo Venâncio Filho são essenciais para o que se intenta dizer, uma vez
que ele trata de um sistema em transição. As categorias antes adequadas para tratar de obras
de arte e dos atores sociais do universo artístico, no presente momento estão sendo repensadas
e alteradas. As modificações envolvem conflitos e acordos que não chegaram ao fim.
Contudo, as dificuldades não foram um impeditivo à pesquisa. Na verdade elas demonstram
como se desenrolam os processos de negociação que visam consensos e estabilidade. Esta
dissertação é um retrato deste momento de incertezas e seus processos de negociação.
O surgimento da Arte Contemporânea marca uma indefinição das categorizações no
interior da esfera artística, entretanto, em concomitância com esta imprecisão, há um processo
que vem solidificando um sistema. Como demarcado pelos entrevistados, sobretudo, no
capítulo três, há uma consolidação e uma atuação mais nevrálgica do mercado financeiro de
arte, em tal universo104. Esta ação do mercado, criticada e desejada, tem contribuído para que
novas formas de produzir, expor e consumir objetos de arte venham surgindo. Conta-se
presentemente com feiras de arte, Bienais em diversos países, uma proliferação (ao menos no
Rio de Janeiro) de galerias de arte etc. Para Ana Letícia Fialho, hoje há

(…) uma expansão do campo institucional (espaços de arte contemporânea, bienais e


equivalentes), uma diversificação do pensamento sobre a arte contemporânea
(incluindo práticas curatoriais, publicações, pesquisas acadêmicas) e uma

104
É importante lembrar dos depoimentos, destacados no capítulo três, de Aracy Amaral, que fala sobre uma
ação mais forte do mercado de arte, e de Paulo Venâncio Filho que fala sobre a ação de dois sistemas paralelos
atualmente: um sistema mais tradicional, ligado aos museus, e outro sistema mais relacionado ao mercado
financeiro de arte.
136

diversificação dos agentes que atuam no mercado (galerias e colecionadores de


regiões não centrais passam a participar do jogo internacional). (2012:143).

As ações de instituições mais ligadas ao mercado financeiro de arte têm alterado o universo
artístico. Com isso, a esfera da legitimação da arte, que é objeto desta pesquisa, conta com o
surgimento de novos atores (os curadores, por exemplo) que disputam posições com os
antigos e institucionalizados atores sociais de tal universo (aqui demarca-se a disputa entre a
crítica e a curadoria, mas também há a disputa entre artistas e curadores, por exemplo). Este é
um momento em que os novos e os antigos atores sociais do universo artístico encontram-se
em pleno campo de batalha, a fim de conquistarem/manterem seu status de autoridades
legítimas do mundo artístico. No caso da crítica de arte, observa-se uma ação em prol da
alteração de forma, conteúdo e meios de veiculação dos textos críticos, para que ela se adeque
às novas regras que regem o mundo da arte e, assim, assegure um espaço na esfera de
legitimação da arte105. Em relação à curadoria é perceptível que houve uma ação inicial que
reforçou o papel dos curadores como principais agentes da arte, o que elevou os curadores ao
status de estrelas do mundo da arte. Mas percebe-se hoje, também, uma ação contrária a tal
status e em favor de que se tome a curadoria como fundamental à arte pois os curadores
seriam trabalhadores incansáveis que fariam com que o mundo da arte continuasse
funcionando106.
No contexto brasileiro conta-se com um processo de institucionalização da esfera da
arte, distinto de países da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, como relatado pelos
entrevistados, conta-se com poucos investimentos públicos no setor de artes visuais. Há
museus que não conseguem ter uma política de aquisição de obras 107. Porém, ao mesmo
tempo em que este retrato do meio artístico tem seu lado de verdade, o Brasil encontra-se em

105
No capítulo três desta dissertação há destaque a um dos trechos da entrevista com Marcelo Campos, no qual
ele busca demonstrar como a crítica de arte deveria ser hoje em dia realizada (o trecho em questão encontra-se
nas páginas 101 e 102 desta dissertação). O depoimento de Campos é fundamental pois fala sobre o abandono de
um modo de exercício do poder judicativo em prol de outra forma de atuar em crítica de arte.
106
No capítulo um demonstrou-se que no debate contemporâneo há quem encare o curador como mera
celebridade, mas no capítulo três, a partir das falas dos entrevistados demarcou-se a defesa que eles fazem da
curadoria como uma carreira profissional que envolve um trabalho árduo e sério, voltando-se contrariamente à
ideia de que o curador seria uma celebridade, fato encarado de modo pejorativo.
107
Felipe Scovino e Paulo Venâncio Filho em depoimentos referenciados no capítulo três, falam sobre os
problemas das aquisições de obras por instituições brasileiras, ao que deve ser acrescida pesquisa de Ana Letícia
Fialho, anteriormente citada:
(…) os museus públicos enfrentam uma grande dificuldade na formação de coleções que contemplem a
produção contemporânea internacional. Na verdade, nem mesmo a produção nacional está bem
representada nas coleções públicas. Grande parte das instituições não consegue estabelecer uma política
clara de aquisições, nem possui recursos suficientes para atuar no mercado internacional. É por meio de
exposições temporárias que tais instituições apresentam a produção internacional, muitas vezes com
projetos curatoriais importados e de custos elevados. (FIALHO, 2012:149).
137

transição, havendo novas políticas e investimentos no setor de artes visuais108, além disso, no
contexto internacional a arte brasileira tem sido cada vez mais reconhecida, ganhando
notoriedade109. Fato que reverbera não apenas sobre os artistas, mas sobre todo o conjunto de
atores sociais que compõem o universo artístico brasileiro.
A partir da comparação entre os dados explicitados no capítulo um e os dados
coletados através das entrevistas realizadas para esta dissertação, expostos nos capítulos dois e
três, demonstrou-se que há uma disparidade entre os discursos presentes no debate
contemporâneo - que tira da crítica um espaço na esfera da legitimação artística em favor da
curadoria -, e a prática, ou ao menos os posicionamentos, dos entrevistados. Esta disparidade
tem como uma de suas principais razões o fato de que, no contexto aqui analisado, há uma
especificidade importante que é sobreposição de papéis: os críticos podem atuar como
curadores e professores ou artistas. Tal fato implica em que os depoimentos dos entrevistados
não tomem a crítica como morta e a curadoria como uma carreira celebrizada e meramente
celebrada. Há disputas e consensos ocorrendo na esfera artística, que ora defendem ora
acusam tanto a crítica quanto a curadoria. As vozes analisadas através de textos e entrevistas
são vozes que estão imersas nestas negociações. A maior parte dos agentes que tiveram seus
posicionamentos expostos são atores do mundo da arte, logo estão agindo tomando o partido
daqueles que seriam os melhores rumos para o mundo da arte, de acordo com as suas próprias
visões e interesses. Tratam-se de autoridades disputando legitimidades, seja para si e/ou para a
sua categoria profissional.
Dentre os depoimentos coletados para esta dissertação, neste ponto, é fundamental
destacar uma das falas de Felipe Scovino:

Hoje em dia, o que a gente tem? A gente tem um cara que é super inteligente, ótimo,
que é o Ricardo Basbaum, um exemplo, um sujeito que é crítico, que é professor,
que é artista, que é curador, ele engloba todas essas funções, todos esses agentes. E
isso, passa pelo exercício do artista também. Voltando, a Cindy Shermam vai fazer
agora, na Bienal de Veneza, um projeto curatorial, convidada pelo curador da
Bienal, ela vai fazer uma sala, onde ela se torna curadora, e ali ficam explicitas as

108
A título de exemplificação, é necessário voltar a atenção ao caso da cidade do Rio de Janeiro, e a
inauguração, em 2013, do MAR, Museu de Arte do Rio. Outros projetos de construção de museus na cidades
estão em andamento, são eles: o novo MIS, Museu de Imagem e do Som; e o Museu do Amanhã. Tais
investimentos na construção de novos museus está associado ao momento vivenciado na cidade, que em um
período de nove anos tem estado, e estará, na pauta de discussões não apenas no Brasil. Isto porque em um curto
período de tempo ela tem sediado e sediará grandes eventos esportivos e religiosos: em 2007, ocorreram os
Jogos Pan Americanos; em 2013, realizaram-se a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude;
em 2014 haverá a Copa do Mundo de Futebol da FIFA; e, em 2016, sediará os Jogos Olímpicos. A visibilidade
dada à cidade tem sido cada vez maior, por isso, os investimentos econômicos também têm crescido.
109
“No final dos anos 1980, agentes da cena artística ‘internacional’, centralizada no eixo Europa Ocidental-
Estados Unidos, começam a integrar cada vez mais artistas de regiões periféricas em seus discursos e práticas”.
(FIALHO, 2012:141).
138

referências ao trabalho dela. Sabe, eu acho que é também romper com essas
barreiras do que é crítico, do que é curador, do que é artista, elas estão sendo
rompidas desde esse momento que você coloca (…). (SCOVINO, Felipe. Entrevista
ao autor em 27 de set. de 2013).

Esta fala de Felipe Scovino é elucidativa do que se intenta argumentar. O contexto presente é
um momento de transição e indefinição de categorias, assim como, a sobreposição de papéis
mais do que uma opção momentânea pode significar a indicação de uma tendência que pode
perdurar. Talvez, profissionais multitarefas e interdisciplinares estejam sendo requisitados
para a manutenção e a legitimação das posições e regras do mundo da arte pós-surgimento da
Arte Contemporânea.
Outra tendência do universo artístico atual, como se demonstrou, sobretudo, no
capítulo dois, é a aproximação entre os atores sociais da arte e a Academia. Naquele capítulo
ficou patente que de geração a geração houve uma entrada de profissionais da arte na
Academia, como uma forma de legitimação de sua prática profissional. A estrutura
universitária aparece como a instituição legitimadora dos atores sociais do universo artístico e
que, portanto, faz parte do sistema de legitimação da Arte Contemporânea110. Seja por
motivos simbólicos, busca por prestígio, por exemplo, ou por motivações práticas, como o
próprio sustento, um fato é percebido: a formação e a legitimação de críticos e curadores,
como dos demais agentes sociais da arte, têm estado cada vez mais atreladas ao ambiente
universitário.
Em seu artigo “Do Moderno ao Contemporâneo: Uma Perspectiva Sociológica da
Modernidade nas Artes Plásticas” (2010), Maria Lucia Bueno trata da emergência do artista
moderno, ou seja, ligado à Arte Moderna, e argumenta que o processo de surgimento de tal
tipo de artista foi de uma saída da Academia para o mercado de arte, pois aquela não absorvia
todas as poéticas que apareciam na virada do XIX para o século XX (BUENO, 2010:32-33). É

110
Um exemplo interessante, é o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ, que
(…) tem por objetivo a formação de pesquisadores, docentes e profissionais altamente qualificados na
área de artes visuais. Visa também promover a reflexão crítica, teórica e metodológica sobre o campo
da teoria e do fazer artístico, fomentar a produção científica, artística e sua divulgação, incentivar
práticas de cooperação e intercâmbio acadêmico no ensino e na pesquisa. Disponível em:
<http://www.ppgav.eba.ufrj.br/programa/apresentacao/>. Acesso em: 04 de jan. 2014.
Como é possível ler, dentre os objetivos de tal programa de pós-graduação há o intuito de uma formação crítica
sobre o mundo da arte, a partir de suas duas áreas de pesquisa: 1) História e Teoria da Arte e 2) Teoria e
Experimentações em Artes. Na primeira linha desenvolvem-se pesquisas de acordo com duas temáticas: a)
História e Crítica de Arte, e b) Imagem e Cultura. Já a segunda linha, voltada ao desenvolvimento de projetos de
artistas, desdobra-se em: a) Linguagens Visuais e b) Poéticas Interdisciplinares. Disponível em:
<http://www.ppgav.eba.ufrj.br/programa/linhas-de-pesquisa/>. Acesso em: 04 de jan. de 2014.
Com base neste exemplo percebe-se a ação da Academia como um espaço de absorção de críticos, historiadores
da arte, artistas e etc., que enquanto agentes sociais do mundo da arte têm o ambiente universitário como um
espaço de legitimação de suas pesquisas, seus projetos e posicionamentos, e também de suas ações como
legitimas autoridades do e para o campo da arte.
139

interessante comparar esta argumentação de Bueno com o quem vem sendo demonstrado
aqui, visto que esta dissertação narra a entrada dos atores sociais da arte na Academia,
processo contrário ao que aconteceu na fundação do sistema artístico que deu suporte à Arte
Moderna, de acordo com Bueno. Em tempos de Arte Contemporânea, de acordo com o que se
busca aqui argumentar, há um processo de (re)aproximação entre os agentes do mundo da arte
e a Academia.
Tendências. Processos inconclusos. Em sua maior parte esta dissertação lida com
possibilidades. Porém, como já ressaltado, ela é um retrato deste processo de alteração na
esfera artística.
Neste ponto, as palavras de Richard Sennett e Max Weber, trazidas no capítulo um,
acerca do conceito de autoridade e sua ligação com a noção de legitimidade, devem ser
rememoradas, especialmente a percepção de que um indivíduo (ou grupo) só pode exercer
uma autoridade caso outros indivíduos (ou grupos) o legitimem. Tal entendimento deve ser
unido à perspectiva de Ralf Dahrendorf, que afasta os conceitos de poder e autoridade, e
lembra: “the important difference between power and authority consists in the fact that
whereas power is essentially tied to the personality of individuals, authority is always
associated with social positions or roles.” (DAHRENDORF, 1959:166). Autoridade é sempre
associada a posições ou papéis sociais. Ao longo desta dissertação buscou-se demonstrar que
atualmente há uma evidente transformação no mundo da arte, responsável pela alteração de
papéis e funções do crítico e do curador. Um processo de mudança permeado por conflitos e
acordos que buscam legitimar que categoria será reconhecida como a máxima autoridade da
arte e para a arte.
De um lado está a crítica de arte, de outro a curadoria de exposições. Como
explicitado, há quem separe as duas atividades, no entanto, o contexto artístico brasileiro, aqui
analisado, propõe a união destas duas figuras, sendo o crítico também curador. Mesmo assim,
há distinções entre as carreiras, o que implica em que, presentemente, dentre as disputas que
estão ocorrendo no mundo da arte, possa ser destacada a que envolve críticos e curadores: a
posição de ator legitimador mais essencial da esfera da arte está em jogo. No contexto
focalizado nesta pesquisa, a união entre as carreiras de crítico e curador nas mesmas figuras,
que defendem ambas atividades, parece ser uma saída para a nova configuração do universo
artístico. Ainda assim, fica claro pelos depoimentos expostos ao longo desta dissertação que a
curadoria tem sido, de fato, encarada como a atividade que tomou um espaço da crítica.
Porém à crítica ainda está reservado um espaço na esfera de legitimação da arte. Então,
percebe-se uma união entre papéis sociais que implica em uma junção de legitimidades. Se
140

esta tendência perdurará não se pode argumentar, o que é possível dizer é: o processo de
negociações está aberto e seus resultados serão conhecidos dentro em breve.
141

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Entrevistas:
AMARAL, Aracy. Crítica de Arte, Curadora de Exposições e Professora da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Entrevista concedida ao autor em
São Paulo, 14 de out. de 2013.

BECKER, Howard. A Dialogue on the Ideas of “World” and “Field”. Entrevista concedida a
Alain Pessin. Publicada originalmente em Sociological Forum, nº 21, pp. 275–86, 2006.
Disponível em: <http://home.earthlink.net/~hsbecker/articles/world.html>. Acesso em: 5 de
jan. de 2014.

CAMPOS, Marcelo. Crítico de Arte, Curador de Exposições e Professor da Escola de Artes


Visuais do Parque Lage e do Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Entrevista concedida ao autor no Rio de Janeiro, 12 de jun. de 2013.

FILHO, Paulo Venâncio. Crítico de Arte, Curador de Exposições e Professor da Escola de


Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrevista concedida ao autor no Rio
de Janeiro, 28 de out. de 2013.

FONSECA, Raphael. Crítico de Arte, Curador de Exposições e Professor do Colégio Pedro II,
Unidade Realengo. Entrevista concedida ao autor no Rio de Janeiro, 1º de out. de 2013.
150

PAGÉ, Suzanne. A arqueologia das coisas por vir. Entrevista concedida a Daniel Birnbaum.
In: OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI Comunicação,
2010.

SCOVINO, Felipe. Crítico de Arte, Curador de Exposições e Professor da Escola de Belas


Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrevista concedida ao autor no Rio de
Janeiro, 27 de set. de 2013.

SZEEMANN, Harald. Entrevista concedida a Hans Ulrich Obrist. In: OBRIST, Hans Ulrich.
Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI Comunicação, 2010.

Outras fontes:
CAPACETE Entretenimentos. Disponível em:
<http://174.132.171.153/~cacaca/files/residencia-capacete2015.pdf>. Acesso em: 05 de jan.
de 2014.

MÁQUINA CURATORIAL. Trabalho de Nicolás Guagnini. Informações disponíveis em:


<http://www.mam.org.br/acervo_detalhe/?idObra=6272#.UtiH9_RDuzs>. Acesso em 16 de
jan. de 2014.

MUSEOLOGIA, COLECIONISMO E CURADORIA, o qual faz parte do projeto pedagógico


da Pós-Graduação Lato Senso do Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo.
Disponível em: <http://www.belasartes.br/pos-
graduacao/?pagina=cursos&curso=museologia-colecionismo-curadoria>. Acesso em: 15 de
mai. de 2013.

SEMINÁRIO INTERNACIONAL – CURADORIA NO SÉCULO XXI. Disponível em:


<http://www.canalcontemporaneo.art.br/cursoseseminarios/archives/005718.html>. Acesso
em: 25 de set. de 2013.
151

ANEXO
152

Quadro I – Formação Acadêmica111:

Críticos e Curadores Graduação Mestrado Doutorado Pós-doutorado e Livre Docência


Aracy Abreu Amaral Jornalismo – Concluído em 1959. Curso Mestrado em Artes. Doutorado em Artes. Livre-docência.
realizado na Pontifícia Universidade de Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Universidade de São Paulo, USP,
São Paulo (PUC SP). Título: As artes plásticas na semana de 22. Título: Tarsila - sua obra e seu tempo. Brasil.
Ano de Obtenção: 1970. Ano de obtenção: 1976. Título: A Preocupação Social na
Arte Brasileira - (1930-1970).
Ano de obtenção: 1983.

Paulo Venâncio Filho Arquitetura – Não concluído. Mestrado em Comunicação. Doutorado em Comunicação.
Filosofia – Concluído em 1983. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Curso realizado no Instituto de Filosofia UFRJ, Brasil. UFRJ, Brasil.
e Ciências Sociais da Universidade Título: A crise da pessoalidade e o outro" Título: Sobre alguns temas em Proust e
Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). modernismo: Cornélio Penna, Oswaldo Machado de Assis.
Goeldi e Mário Peixoto. Ano de obtenção: 1998.
Ano de Obtenção: 1992.

Felipe Scovino História – Concluído em 2000. Mestrado em Artes Visuais. Doutorado em Artes Visuais. Pós-Doutorado.
Curso realizado no Instituto de Filosofia Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de
e Ciências Sociais da Universidade UFRJ, Brasil. UFRJ, Brasil. Janeiro, UFRJ, Brasil.
Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Título: A vontade poética no diálogo com os Com período sanduíche em Chelsea Período: 2008 – 2010.
Monografia Defendida: Neoconcretismo Bichos: o ponto de chegada de uma arte College Of Art And Design).
como propositor nas artes plásticas participativa no Brasil. Título: Táticas, posições e invenções:
brasileiras. Ano de Obtenção: 2003. dispositivos para um circuito da ironia na
arte contemporânea brasileira.
Ano de obtenção: 2007.

Marcelo Campos Pintura – Não Concluído. Mestrado em Artes Visuais. Doutorado em Artes Visuais.
Comunicação Social – Concluído em Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
1994. UFRJ, Brasil. UFRJ, Brasil.
Curso realizado nas Faculdades Título: Carybé e a construção da brasilidade: Título: Brasilidades Contemporâneas:
Integradas Hélio Alonso. arte e etnografia para uma análise além das hibridismos culturais na arte brasileira.
Monografia Defendida: Carybé, Obra e representações. Ano de obtenção: 2005.
Tradição. Ano de Obtenção: 2001.

Raphael Fonseca Artes Visuais – Bacharelado concluído Mestrado em História. Doutorado em andamento em Arte.
em 2007 Universidade Estadual de Campinas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
História da Arte - Licenciatura concluída UNICAMP, Brasil. UERJ, Brasil.
em 2009. Título: Francisco de Holanda: "Do tirar pelo Título: "Deitado eternamente em berço
Curso realizado na Universidade natural" e a retratística. esplendido": imagens da preguiça no
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ano de Obtenção: 2010. Brasil.

111
Fontes: Plataforma de currículos lattes e entrevistas realizadas para esta pesquisa.

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