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_oI~ção das relações étnlco-raclals'
Erisvaldo Pereira dos Santos
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tema da resistência negra na história do Brasil é muito caro a
_..",.-''-& militante do movimento negro, que até o início da década de
obrigado a ouvir uma aula de História do Brasil, cujo enfoque
ore o/a êsCrãVôfa e não sobre o/a africano/a. Nesse sentido, ao
~==s;::::;;;z::~a experiência de resistência do negro à escravidão, estamos
.::IIlS:::I:::ndo duplo movimento de afirmação da luta dos antepassados
•. opressão do sistema escravista e também de valorização do patri-
cnlcural e histórico dos descendentes de africanos. Por um lado,
l:Ç:::::x:::2: a:ânnar que os africanos escravizados não aceitaram passivamente
--' .••••~-u que lhes foi imposta pelas potências europeias da época dó
:::::::;:::::;)amsmoeuropeu no processo de passagem do mercantilismo para
.:::Ii!~;ili:5nlO comercial. Por outro lado, esse movimento valoriza outra
.m::;~:%:l ce africanos e seus descendentes no contexto escravista, em que,
vezes são apresentados dentro do navio negreiro, chicoteados no
- pelourinho, marcados a ferro e fogo, carregando instrumentos
.::.:;~-:oscorporais, nos pés e no pescoço, conforme gravuras de artistas
..••• s:::I:tl5 europeus - como Debret, Rugendas e Ângelo Agostini - que
:s:::::::a::I! no Brasil, no século XIX.
rrapondo-se a essas imagens, as narrativas sobre a resistência
O!!:::=:=.::~ outra leitura sobre o protagonismo histórico de africanos e seus
.-::::o...J::l •.••...•Cl res na história colonial e imperial do Brasil, tanto do ponto de
- ico e cultual quanto do ponto de vista econômico. Pois, a esse
"lII!!::C:~=üIlO, acrescentam-se ainda os importantes papéis desempenhados
- cicsenvolvida com base na disciplina Resistência negra no Brasil, ministrada para a segunda
=no de Pós-Graduação História e Culturas Afro-Brasileiras do LASEB, na Faculdade de
- :::..liFMG. Aceitamos críticas e sugestões. erisvaldosanto@yahoo.com.br
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nos campos da arte e da música erudita", nem sempre registrados nos
manuais escolares que tratam da história do negro no Brasil, quase sempre
na perspectiva do sofrimento causado pela escravidão. Em algumas abor-
dagens, o fato de o/a negro/a ser tratado/a como uma coisa dentro do
sistema econômico escravista é reafirmado como se essa fosse a forma de
o/a próprio/a negro/a se compreender no sistema e não a forma como
o sistema o compreendia, em virtude de sua dupla condição de valoroso
objeto de trocas econômicas e produtor de riqueza, pelo seu trabalho.
Ao inscrever a noção de resistência negra como um conteúdo da
educação das relações étnico-raciais, precisamos realizar um esforço epis-
temológico para operar o deslocamento da categoria de resistência dos
dois campos de conhecimento em que ela é mais utilizada e demarcar o
sentido /gg~
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:stá sendo atribuído neste contexto discursivo. Do ponto de
vista d~, resistência é a capacidade de um corpo se opor à passagem
da corrente elétrica pelo mesmo, quando existe uma diferença potencial
aplicada. Do ponto de vista da(:Biolo~a, a resistência se refere a uma capa-
cidade de opor-se diante de agemes patogênicos. Se são esses os sentidos
do conceito de resistência utilizados pelos campos de conhecimento da
Física e da Biologia, qual é o sentido que podemos atribuir à noção de
resistência negra? A que os/ as negros resistiam? É possível pensar outra
forma de resistência que não seja apenas oposição~ sist~ma ;sc";avista?
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O desenvolvimento desse argumento exige que alguns tópicos da
história dos/as africanos/as e sua descendência no Brasil sejam retomados
a fim de que a noção de resistência seja demarcada não apenas como uma
capacidade e um ato de se opor a algo, mas também como uma forma de
reelaborar outro modo de vida como reexistência. Essa categoria, ao ser
utilizada para fazer referência à ação de sujeitos de intenção e expressão,
além de ser uma capacidade, torna-se uma possibilidade de escolha e de
reapropriação do modo de vida e das razões de viver dos colonizadores.
Ou seja, não estaremos diante de algo que seja próprio da condição do
funcionamento de um determinado ente, como é, por exemplo, a condição
escrava, mas algo possível de ser desencadeado em situações variadas.
Isso significa compreender que: a) a resistência como oposição não
foi a única forma de os africanos e seus descendentes se posicionarem
diante do sistema escravista; b) nem todos os africanos e seus descendentes
2 Sobre a música erudita produzida por negros e mulatos, ver "Mestres Mulatos Sinfonistas dos Devotos
de Nossa Senhora dos Prazeres". www.mestresmulatos.com.br.
3 Designação comum a escravos fugitivos de engenhos e organizados em quilombos, como forma ({)
de resistência ao sistema escravista. ~a atualidade, refere-se aos descendentes de escravos negros "Y.:o
organizados em comunidades, qu~ mantêm a posse da terra e diversas tradições culturais. '>t,
4 Durante o período em que vigorou a escravidão, muitos/as negros/as foram alforriados/as através "\ 'n/
de uma concessão do seu senhor ou de compra da "Carta de Alforria". Essa condição poderia
gerar pessoas livres, pois o/a filho/ a doi a alforriado/ a era livre, enquanto o seu genitor continuaria
sendo forro.
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A escravidão como um sistema econômico
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Se a noção de escravidão aparece no discurso do senso comum como
uma condição à qual os negros deveriam se opor no contexto colonial,
seu significado carece então de uma demarcação mais detalhada a fim de
que seja possível compreender sua especificidade. Aqui, não se trata de
simplificar o argumento em torno da ideia de uma escravidão branda,
mas de compreender as distinções fundamentais entre experiências de
escravidão no Brasil, a partir da produção historiográfica mais recente, que
mais do que reforçar alguns lugares comuns sobre a escravidão no Brasil e
em África, apresenta uma série de nuanças resultantes da tensão marcada
por conflitos e negociações na relação entre senhor e escravo e também
entre africanos e colonizadores. Isso significa considerar a capacidade dos
africanos - negro, escravo ou livre, forro e mulato - de não apenas esta-
belecer estratégias de resistência à escravidão, mas também acomodar-se
ao sistema e/ou realizar um processo de reapropriação dos seus valores e
lógicas, como forma de reexistir.
No contexto de uma discussão sobre escravismo, é importante ressaltar
que, embora seja possível identificar dinâmicas e práticas diferenciadas, seu
funcionamento é muito antigo na História da humanidade. Os egípcios,
pelourinho; relações marcadas por rebeliões internas com envenenamento 1(, ").
de senhores e fugas para o quilombo; relações marcadas por negociações "": \
internas que garantiam o tempo dos folguedos e da plantação para o con-
sumo pessoal; relações marcadas por um associativismo que formava redes
de solidariedade, através de irmandades religiosas, onde se cultivavam a
devoção a santos/as negros/as e se organizavam uma forma de previdência
social; relações marcadas por um jogo de sedução e linguagem que permi-
tiam a conquista da carta de alforria e a possibilidade de aquisição de escra-
vos; relações marcadas por um tipo de trabalho realizado na cidade como
"escravos de ganho", que garantiam a subsistência dos próprios senhores;
relações em que os saberes e as práticas terapêuticas trazidas da África eram
utilizadas para cuidar da saúde e do bem-estar de várias pessoas. Em todas
'y ~as relaçõe~, os africanos escravizados e seus descendentes construíram sua
" sociabilidade, reapropriando-se de valores, modos de vida e razões de viver
do colonizador e, assim, reexistindo no sistema econóilliCo escravista ate o
seu colapso, a partir da segunda metade do século XIX.
O colapso do sistema econômico escravista pod;ser considerado como
um dos fatores que contribuiram para o progressivo enfraquecimento do
comércio de africanos e seus descendentes. No contexto dessa reflexão
sobre a resistência, a reexistência negra a esse colapso contribuiu para
uma modalidade de oposição ao escravismo, estruturada pelo movimento
abolicionista. No entanto, as fugas em massa, as invasões de engenho e
as organizações em quilombos foram as formas mais radicais de oposição
ao escravismo. O sistema capitalista _deixou ~e avaliar o comérci~ o
trabalho de escravos como lucrativos. O trabalho livre passou a se impor
co~o mais adequado ao desenvolvimento do -capitalismo industria . De
forma que a pressão exercida pelo grande número de quilombos espalhados
Brasil a fora, o movimento de abolicionistas adeptos de ideias liberais e a
própria pressão do sistema capitalista exercida por uma potência, como
Considerações finais
o objetivo desta reflexão não foi o de substituir as diversas pesquisas sobre
a escravidão de africanos no Brasil, bem como as narrativas sobre a resistência
imposta por africanos/ as ao sistema escravista, presentes em pesquisas como as
de Silveira (1988) Guimarães (1996) e Thornton (2004). O esforço de apresen-
tar as marcas de sociabilidade que contribuíram para o protagonismo histórico
Referências
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Paulo: Edusp, 1982.
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