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MACACOS

Alcino Leite Neto


Ana Luisa Astiz
Antonio Manuel Teixeira Mendes
Arthur Nestrovski
Carlos Heitor Cony
Gilson Schwartz
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Otávio Frias Filho
Paula Cesarino Costa
FOLHA
EXPLICA

MACACOS
DRAUZIO VARELLA

PUBLIFOLHA
€ 2000 Publifolha - Divisão de Publicações do Empresa Folha da Manhã S.A.
© 2000 Drauzio Varella

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Editor
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Capo e projeto gráfico


Silvia Ribeiro

Assistente de projeto gráfico


Morilisa von Schmaedel

Ilustrações
Libero Malavoglia Junior

Revisão
Mario Vilelo

Editoração eletrônica
Picture

Dados internacionais de Catalogaçao na Publicação (CIP)


(Cámaro Brasileiro do Livro, SP Brasil)

Varella, Drauzio, 1943-


Macocos / Drauzio Varella. - São Paulo Publifolha,
2000 - (Folho explica)

ISBN 85-7402-21 l-X

1 Comportamento socioi dos animais 2 Macacos


I. Titulo. II. Série.

00-2144 CDD-S99 8

índices para catálogo sistemático:


1. M acacos : Comportamento social : Zoologia 599.8

PUBLIFOLHA
Divisão de Publicações do Grupo Folho

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SUMARIO
INTRODUÇÃO.................................................................................. 7

1. ORANGOTANGOS................................................................ 15

2. GORILAS .................................................................................... 29

3. CHIMPANZÉS ........................................................................... 41

4. BONOBOS.................................................................................. 59

EPÍLOGO......................................................................................... 75

LIVROS E VÍDEOS RECOMENDADOS................................... 87


INTRODUÇÃO
A
vida na Terra é um rio que começou a cor­
rer há 3,5 bilhões de anos e chegou até você
e mim. no meio de uma diversidade espeta-
_______ cular: leões, mosquitos, coqueiros, bactérias,
algas marinhas e dezenas de milhões de outras espécies.
Veja o caso dos dinossauros. Dominaram o pla­
neta por mais de 200 milhões de anos e sumiram num
piscar de olhos, varridos por um meteoro que abriu
uma cratera de dez quilômetros, no México. A poeira
levantada e os vulcões que entraram em atividade como
conseqüência do impacto poluíram tanto a atmosfera
que a Terra ficou no escuro e os dinossauros foram
extintos, para azar deles. E sorte nossa: um desvio de
milésimo de grau na órbita do meteoro e eles esta­
riam aí até hoje, enormes, predadores, sem deixar qual­
quer espaço para que surgisse algo parecido com o
homem na face da Terra. Enquanto os dinossauros
existiam, os mamíferos não passavam de uns poucos
roedores noturnos apavorados nas tocas.
Indiferente à tragédia dos desaparecidos, o rio da
vida seguiu seu destino impiedoso de formar novas
espécies e abandoná-las à própria sorte. Estima-se que
as 30 milhões de espécies que existem hoje corres­
pondam a apenas 1% das 3 bilhões que já existiram. O
resto foi extinto.
Há uma tração de minuto evolucionário, na África,
surgiu um primata diferente dos macacos comuns: era gran­
de e não tinha rabo. Esse ancestral teve cinco descenden­
tes: orangotango, gorila, homem, chimpanzé e bonobo.
O orangotango é o mais velho, apareceu há 12
milhões de anos. Depois nasceu o gorila (8 milhões),
seguido pelo homem (5 milhões). Os irmãos mais
novos, chimpanzés e bonobos.são gêmeos não-iguais,
nascidos há 3 milhões de anos.
Veja agora os besouros. Há mais de 300 mil es­
pécies desses insetos (alguns acham que há mais cie 1
milhão), mas, apesar das diferenças de cor. tamanho e
formato do corpo, para nós são todos iguais: besouros.
Em termos genéticos, no entanto, a diferença de uma
espécie de besouro para outra pode ser muito maior
do que a que nos separa dos quatro grandes primatas.
Com os chimpanzés e bonobos, por exemplo, com­
partilhamos mais de 98% dos genes. A explicação para
serem eles quem são e nós o que somos fica por conta
de menos de 2% dos 100 mil genes que constituem
nosso patrimônio genético.
E bem provável que um besouro, ao olhar para
nós e os chimpanzés, conclua que a única diferença
está nas roupas que vestimos. A semelhança é de tal
ordem que, se empregássemos para os primatas o cri­
tério científico usado para classificar os pássaros, por
exemplo, o homem (Homo sapieus) faria parte do gê­
nero Pau, o mesmo dos chimpanzés (Pau troglodytes) e
dos bonobos (Pau pauiscus).
E lógico que níveis de identidade genética
como os que caracterizam os grandes primatas não
se restrinjam à simples aparência física. Boa parte
dos 80 mil a 100 mil genes presentes no organismo
desses animais coordena funções cerebrais mais ele­
vadas, como a capacidade de utilizar instrumentos,
comunicar-se através da linguagem, resolver pro­
blemas de causa e efeito e transmitir ensinamentos
de uma geração para outra, criando condições para
o aparecimento da cultura.
Por essa razão, nos últimos trinta anos, um dos
campos da etologia (ramo da ciência que estuda o
comportamento animal) que mais se desenvolveu foi
o dos grandes primatas. Os trabalhos publicados mos­
tram mais semelhanças comportamentais do que di­
ferenças entre o homem e seus parentes mais
próximos. O uso cia política como estratégia para
manter o poder, os ataques mortais que uma comu­
nidade lança contra outra na disputa de território, o
canibalismo e os infanticídios encontrados entre os
chimpanzés não diferem significativamente das prá­
ticas humanas. Da mesma forma, a energia com a
qual um gorila macho defende seu harém e uma fê­
mea de orangotango luta para não ser estuprada não
é tão diferente da descrita em muitas sociedades.
A luz da evolução, se orangotangos, gorilas, ho­
mens, chimpanzés e bonobos descendem de um an­
cestral tão próximo (o que justifica a identidade ge­
nética)^! análise criteriosa do comportamento dessas
espécies pode desvendar muitos segredos de nossos
ancestrais.
Por exemplo, à medida que se aproximam da
ovulaçào, as fêmeas dos chimpanzés e dos bonobos
experimentam edema e congestão dos grandes lá­
bios e do clitóris. Nessa fase, os genitais chegam a
inchar tanto que as fêmeas só conseguem sentar de
lado. Quando notam a presença do inchaço genital,
os machos abandonam a tradicional indiferença e
passam a disputar a companhia feminina, às vezes
ferozmente, como veremos nos chimpanzés.
No cenário evolutivo, é simples entender como
essa característica feminina se perpetuou na espécie.
No passado, as fêmeas que desenvolveram a capacida­
de de apresentar genitais volumosos no período fértil
tornaram-se mais atraentes e deixaram maior número
de filhas e netas, que herdaram o traço genético.
Será que as fêmeas do ancestral comum que há 5
milhões de anos deu origem aos homens, e há 3 mi­
lhões aos chimpanzés e bonobos, apresentavam genitais
inchados na época da ovulaçào?
Na espécie humana, a ovulaçào não é acompa­
nhada de aumento de volume dos genitais externos.
Se as fêmeas ancestrais das mulheres, chimpanzés e
bonobas apresentassem essa característica sexual, ela
teria obrigatoriamente chegado até nós, favorecida pela
preferência masculina. Certamente, há 5 milhões de
anos nossas avós-ancestrais não inchavam para indicar
receptividade sexual; se o fizessem, teriam levado van­
tagem reprodutiva e as mulheres de hoje precisariam
cie cadeiras especiais para sentar.
Neste livro, vamos discutir as principais caracte­
rísticas do comportamento social dos quatro grandes
primatas. Começaremos pelos orangotangos, primatas
asiáticos adaptados à vida arbórea, os únicos solitários,
errantes, em permanente busca de árvores frutíferas
distantes umas das outras.Veremos que os orangotan­
gos machos lutam ferozmente pela posse das fêmeas
receptivas e que estas se interessam preferencialmente
pelo macho vencedor. Dessa maneira, na evolução da
espécie, os machos fisicamente fortes e as fêmeas que
gostam deles predominaram, porque tiveram filhotes
com características semelhantes às dos pais, capazes de
lhes assegurar maior chance de sobrevivência em cima
cias árvores.
Embora também subam em árvores com habili­
dade, os gorilas foram os primeiros primatas terrestres.
No chão, o risco de ataques predatórios criou a ne­
cessidade de formação do grupo. Os gorilas andam
em tropas formadas geralmente por um macho domi­
nante, quatro ou cinco fêmeas adultas e seus filhotes.
A convivência dentro do grupo é pacífica, como mos­
tram os filmes: o dominante é paciente com os filho­
tes, as fêmeas coçam as costas dele carinhosamente, e
ninguém briga por comida. A trai 1q ii i1ida cie é quebra­
da. no entanto, quando um gorila estranho se aproxi­
ma do grupo. Como característica da espécie, os ma­
chos disputam as fêmeas com extrema ferocidade, e o
infanticídio é prática freqüente nessas batalhas. Quan­
to mais brutal for o macho, maior número de fêmeas
em busca de proteção será agregado ao harém.
Ao contrário das pequenas tropas dos gorilas, os
chimpanzés formam comunidades de dezenas de in­
divíduos. Em grupos tão grandes, a força física deixa
de ser a qualidade fundamental dos dominantes; por
mais forte que um indivíduo seja, jamais poderá en­
frentar sozinho uma coalizão formada contra ele. Di­
ferentemente dos orangotangos e gorilas, o chimpan­
zé dominante não é necessariamente o mais forte, é
aquele capaz de estabelecer alianças mais poderosas. A
luta pelo poder, nesse caso, faz emergir a política como
instrumento de dominância. Por exemplo, quando
morre o dominante, e sua sucessão é disputada por
dois ou três machos com hierarquia mal definida en­
tre eles, é comum vê-los subir nas árvores e atirar as
frutas mais apreciadas para o resto do bando, no chão.
Uma vez eleitos para o posto de comando, jamais re­
petirão o gesto demagógico.
Enquanto nos chimpanzés o macho é infanticida
e domina com brutalidade as fêmeas, seus irmãos
bonobos formam comunidades matriarcais. Nelas, as
coalizões femininas comandam os machos desunidos.
Como conseqiiência, não há descrição de infanticídio
na espécie, e as fêmeas podem prescindir de proteção
masculina. O jogo do poder fica mais sutil; menos
dependente da força bruta. Como parte dele, os
bonobos desenvolveram estratégias sexuais de alta com­
plexidade, muito mais próximas das humanas, como
será explicado.
Por opção didática, deixamos de lado os estudos
sobre a evolução do sistema nervoso central e da inte­
ligência nos grandes primatas, uma das áreas de maior
interesse na ciência atual. Neste livro, vamos discutir o
comportamento social de orangotangos, gorilas, chim­
panzés e bonobos; e, por analogia, chamar a atenção
dt> leitor para a importância dos mecanismos de com­
petição e seleção natural na gênese do comportamen­
to humano.
1. ORANGOTANGOS
orangotango tem o pêlo avermelhado
e o rosto lilás. A mandíbula, protube-
rante, projeta a boca para a frente. O
nariz é pequeno, achatado, e uma pe­
nugem clara cobre as laterais da face e o queixo. O
olhar penetrante tem aparência humana. De fato,
os orangotangos apresentam cerca de 96,3% de iden­
tidade genética com o homem.
São os únicos grandes primatas asiáticos. E pro­
vável que tenham ocupado grande extensão do con­
tinente asiático, mas hoje estão restritos a algumas flo­
restas de Sumatra e Bornéu.
O formato do rosto permite distinguir com
facilidade machos de fêmeas: os machos têm a face
alargada por uma bolsa de tecido fibroso que desce
das têmporas até a mandíbula, coberta por uma barba
clara. Essa não é a única diferença sexual, entretan­
to: na plenitude da maturidade, os machos chegam
a 80 ou 90 quilos; as fêmeas não passam dos 40.
A diferença de tamanho e aparência entre machos e
fêmeas, freqüente em tantos animais, é chamada de
dimorfismo sexual. Numa espécie, a existência de machos
maiores do que as fêmeas mostra que houve competição
pela posse delas: o mais forte subjugou o fraco e teve mais
filhos que herdaram as características genéticas do pai.
Há dimorfismo sexual exuberante em todas as
espécies de grandes primatas: orangotangos, gorilas,
homens, chimpanzés, bonobos.
Nos orangotangos, porém, nem todos os machos
adultos atingem o mesmo tamanho; uma parte perma­
nece com aparência de adolescente e chega até os 40
quilos (o peso das fêmeas). São chamados de subadultos,
mas o nome é impróprio; na verdade, são adultos.
Não se sabe ao certo por que tais machos não
se desenvolvem; talvez a presença de um macho gran­
de, dominante na área, iniba o crescimento deles. Ou
talvez esses subadultos nada mais sejam do que oran­
gotangos com período de adolescência muito pro­
longado. De qualquer forma, como conseguem
reproduzir-se com machos ciumentos na vizinhan­
ça, que são o dobro deles e, para piorar, são os prefe­
ridos das fêmeas? Falaremos disso daqui a pouco.
Os orangotangos são diurnos. A noitinha, cor­
tam galhos e constroem ninhos para dormir nas
forquilhas das árvores; cada dia uma cama nova, em
outro lugar. Têm as mãos e os pés em forma de gan­
cho, pernas curtas e braços longos, características su­
gestivas de longo processo de adaptação à vida arbórea.
De fato, passam o tempo todo nas árvores. Lá
estão seguros, nenhuma ave de rapina ousa atacar ani­
mal de 80 quilos, e os grandes felinos, como o tigre,
que habitam as florestas de Sumatra e Bornéu não
conseguem subir nos troncos lisos e altos, que o oran­
gotango sobe devagar e desengonçado.
Cauteloso, ele sabe que o perigo mora no chão, e
só desce das árvores quando a água empoçada nos tron­
cos termina. Nessa eventualidade, corre para o córrego
e volta rápido para cima.
A segurança que gozam no espaço é responsável
pela característica mais importante da espécie: são os
únicos grandes primatas solitários.Vivem isolados nas
árvores. Passam a vida em longas viagens de galho em
galho, pesadamente, com cuidado para não cair, em
direções variáveis de acordo com a estação do ano e a
disponibilidade de frutas, a base da dieta deles.
Nessa movimentação irregular, passam temporadas
mais fixos numa área e. de repente, somem no meio da
mata. Não se consegue demonstrar a existência de uma
comunidade distribuída no espaço, com solidariedade
entre seus membros, como nos demais grandes primatas.
A solidão só é quebrada quando encontram uma
árvore muito carregada, ocasião em que as fêmeas che­
gam um pouco mais perto umas das outras e os filho­
tes podem brincar. Nessas horas, os machos guardam
distância prudente uns dos outros.
Quando o macho encontra uma fêmea recepti­
va (num pico de produção de estrógeno, o hormônio
feminino), a lua-de-mel dura uns dias, e ele desapare­
ce. Não volta sequer para conhecer o filho.
Por seis a sete anos, até o filhote estar apto a achar
comida por conta própria, a mãe cuida sozinha dele
(longo período de cuidados com a prole é caracterís­
tica de todos os primatas). Como conseqüência, uma
fêmea consegue ter no máximo de quatro a cinco fi­
lhos durante a vida fértil.
As fêmeas demonstram nítida preferência sexual
por certos machos e resistem com violência ao assé­
dio de outros. A resistência provoca agressividade nos
machos desprezados e gera conflitos terríveis na copa
das árvores. Nos grandes primatas, resistência violenta
à copulaçào forçada só ocorre nas mulheres e nas fê­
meas de orangotango.

AS RAZÕES DA VIDA SOLITÁRIA

Nos animais, a opção pela vida em grupo depende de


três fatores:
1. Pressão exercida pelos predadores.
2. Competição por nutrientes.
3. Diferença entre os estilos de alimentação dos
machos e das fêmeas.
Quanto mais próximas as necessidades energéticas
entre os dois sexos, maior a chance de formarem gru­
po. Como nos orangotangos o macho pesa o dobro
da fêmea e é obrigado a gastar muito mais tempo atrás
de comida, cria-se um conflito de interesses que difi­
culta o convívio: a associação macho-fêmea impõe
custo energético alto para o casal.
O orangotango é seletivo em relação aos alimen­
tos, prefere frutas a folhas e cascas, mas vive em florestas
densas, com poucas árvores carregadas de cada vez, dis­
tantes umas das outras. Depois de viagens demoradas, de
galho em galho, quando encontra essas árvores come tudo
o que consegue, até exaurir a área, e vai atrás de outra.

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS FÊMEAS

As fêmeas adultas tendem a permanecer ao redor das


áreas em que nasceram, embora se desloquem bastante.
De acordo com a disponibilidade de alimentos, ocu­
pam áreas que variam de 150 a 600 hectares (um hecta­
re é um terreno de 100 metros de frente por 100 metros
de fundo).
A extensão da área ocupada torna desnecessária
a disputa pela posse de território. Se, por casualidade,
o caminho de duas fêmeas se cruza, o encontro é tran­
sitório e limitado às fases em que carregam os filhos
nas costas. Apesar da vida nômade, existe hierarquia
feminina: na mesma árvore, a dominante e seu filhote
comem antes; a outra aguarda resignada.
Não há evidência de altruísmo recíproco ou co­
operação mútua entre fêmeas, a não ser na relação
màe-filha.

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS MACHOS

Lá pelos oito anos, o filhote se separa da mãe e enve­


reda pela floresta. Não volta mais. Machos adultos quase
nunca são encontrados em áreas próximas àquelas em
que vivem os pais.
Um macho adulto viaja em média 688 metros
por dia, na copa das árvores, devagar para não quebrar
os galhos nos quais se apóia (pesa de 80 a 90 quilos,
como vimos). Alguns observadores calculam que as
viagens masculinas cobrem uma área menor do que a
das fêmeas, enquanto outros acham que a área coberta
é muito maior porque os machos, além de se deslocar
atrás das frutas, consomem boa parte do tempo à pro­
cura de fêmeas receptivas. A área ocupada numa via­
gem tem importância, porque representa a área máxima
que um macho é capaz de defender dos invasores.
Nessas jornadas, os trajetos seguidos por diferen­
tes machos se interseccionam, mas eles evitam aproxi-
imçao: sào extremamente intolerantes uns com os
outros. Nào existe sombra de associação mútua, nem
defesa de comunidade. Quando percebem que o ou­
tro está perto, ambos desviam o caminho, um deles se
retira ou os dois partem para o confronto violento.
No final, o vencedor dá gritos longos, característicos,
que ecoam pela floresta.
As lutas sào ferozes: machos adultos apresentam
incidência alta de cicatrizes no corpo, olhos vazados,
dedos e dentes quebrados. Os subadultos nào exibem
esses sinais de disputa, nem dào gritos longos. Procu­
ram ser discretos, sua estratégia reprodutiva é outra.
Os adultos de tamanho grande, dominantes,
anunciam a chegada com estardalhaço, para atrair
fêmeas e espantar competidores: quebram galhos
secos e emitem gritos longos, audíveis a um qui­
lômetro de distância. A potência do grito depen­
de da presença de uma formação sacular na gar­
ganta e das bolsas fibrosas da face que imprimem
direção ao som.
E possível que as fêmeas reconheçam nas carac­
terísticas do som a configuração física privilegiada do
macho e se desloquem para interceptá-lo. Um macho
bem escolhido gera filhos com maior chance de so­
brevivência, perpetuando a força do pai e o gosto por
machos fortes da mãe.

O ACASALAMENTO

As fêmeas adolescentes brincam com o sexo, mastur­


bam-se e introduzem objetos na vagina. Assim que
engravidam, o interesse sexual desaparece e elas passam
a evitar contato com os machos. O filhote exige aten­
ção permanente, para nào cair da árvore nem se expor
a predadores, durante sete anos. Só então a mãe volta a
menstruar e a se interessar por machos dominantes.
Como poucas fêmeas vivem mais do que 4() anos e
os filhos demoram tanto para desmamar, a vida reprodutiva
de cada uma se limita a quatro ou cinco descendentes. A
seletividade feminina nasce daí: como os descendentes sào
poucos, é preciso escolher um pai que lhe dê filhos viáveis.
A estratégia sexual do orangotango macho é fe­
cundar o maior número de fêmeas e impedir o acesso
de outros machos a elas. O intercurso sexual dura de
dez a 40 minutos e pode ser de dois tipos: consentido
pela fêmea ou forçado pelo macho indesejado. Fê­
meas férteis atraem múltiplos machos e despertam dis­
putas violentas, nas quais o macho dominante desaloja
o subordinado e dá os gritos longos, para todos ouvi­
rem. O subordinado se afasta, mas permanece atento;
a menor distração do dominante pode representar van­
tagem reprodutiva. É questão de paciência: o ciclo
reprodutivo das fêmeas dura várias semanas, e é ne­
cessário vários ciclos para acontecer a fecundação. Além
do mais, a fidelidade feminina não é popular entre as
orangotangas; os machos que se matem, pensam elas,
ao vencedor as chaves do paraíso.
Com exceção das fases reprodutivas, as fêmeas se
desviam da direção dos machos quando escutam os
gritos longos. Assim que entram na fase fértil (aumento
da produção de estrógeno), fazem o oposto: movem-
se na direção do caminho que os gritos indicam. As
mais jovens preferem machos maduros e mais fortes.
Interceptam a passagem deles na floresta e, quando
eles não demonstram interesse, elas, ativamente, intro­
duzem o pênis na vagina e requebram a pélvis em
movimentos rítmicos. Comportamento feminino
incomum entre primatas não-humanos.
A fêmea diante do macho desejado tem aparência
relaxada, e a relação tem qualidade erótica. A manipu­
lação oral ou manual dos genitais do parceiro costuma
preceder a penetração. O intercurso sexual dura em
média 1 1 minutos, mas pode chegar a meia hora.
O macho abandona a fêmea depois da relação,
mas fica por perto para impedir que outro faça o
mesmo. A lua-de-mel dos dominantes é mais curta;
os subalternos procuram ficar mais tempo com a fê­
mea, por via das dúvidas.
Como o risco de predadores é baixo, em cima das
árvores, e o infanticídio praticado por outro macho nos
conflitos de acasalamento não é descrito entre os oran­
gotangos, a proteção paterna é dispensável. Criar filho
é incumbência exclusiva da mãe, caso único entre os
grandes primatas.
Apesar At separação, fêmeas e machos parecem man­
ter certa coordenação espacial que permite o contato
quando necessário. Mas, como a necessidade é pouco
freqüente, tais contatos são raros, limitados quase exclusi­
vamente ao acasalamento e à proteção contra o estupro.

RELACIONAMENTO ENTRE MACHOS


ADULTOS E SUBADULTOS

Os subadultos parecem jovens que estão no início da


adolescência, porém são adultos férteis. Em cativeiro,
foram descritos machos que permaneceram 18 anos
nessa condição. São mais tolerantes entre eles do que
os adultos grandes uns com os outros, mas existe níti­
da hierarquia nos grupos de subadultos.
Na floresta, vivem na periferia das comunidades, à
distância prudente dos dominantes, que ocupam a parte
central, perto das fêmeas. As fêmeas não têm a menor
atração sexual por eles, dão preferência a machos fortes,
protetores, identificados pelos gritos longos que emitem
para anunciar sua presença na área. Como os subadultos
conseguem transmitir seus genes, em circunstâncias tão
desfavoráveis, foi um mistério esclarecido nos anos 70.'
Os subadultos não emitem gritos longos nem que­
bram galhos secos para impressionar, como os machos
fortes. Em silêncio, surpreendem a fêmea desprotegida
e tentam à força o que por bem não lhes seria concedi­
do. As fêmeas reagem como podem: gritos, mordidas,
socos e pontapés. Embora fracos quando comparados
aos dominantes, os subadultos são mais fortes do que
elas. O estupro é a estratégia reprodutiva.
A prática impõe custos aos estupradores: podem
ser machucados pela fêmea ou alcançados pelo domi­
nante, atraído pelos gritos de socorro. Os dominantes
não perdoam o estupro, nada lhes desperta tanta agres­
sividade; são capazes de atirar o pequeno lá de cima.
John MacKinnon, pesquisador inglês, descreveu
assim esses estupros: “As fêmeas mostram medo e ten­
tam escapar dos machos, mas são perseguidas, alcançadas
e às vezes tomam socos e mordidas. As fêmeas gritam e
o lilhote (se estiver junto) grita também, puxa os pêlos,
morde e bate no macho durante todo o ato sexual. [...]
Um dos acasalamentos que presenciei começou na copa
de uma árvore e acabou no chão. As sessões de estupro
duram cerca de dez minutos”.
Durante a ação, o subadulto permanece atento à
chegada do dominante, anunciada pelos gritos longos
e pelo quebra-quebra dos galhos. Precisa calcular bem

J. MacKinnon.“The líehavior and Ecology ofWild Orang-Utan (Pongo pygwaeus)"',


em: Animal Behaviour, 22 (197a); p. 3-74.
a velocidade de aproximação do outro, para tirar van­
tagem máxima do fato de ser menor e mais ágil.
No campo, depois de 7 mil horas de observação
direta, MacKinnon contou 52 acasalamentos (ou ten­
tativas de): cerca de um terço envolveu estupro. John
Mitani, no sul de Bornéu, testemunhou 179 acasala­
mentos: estupro em 88% deles.
O estupro é mais freqüente entre os grandes pri-
matas do que na maioria dos mamíferos. O compor­
tamento dos estupradores lhes dá a oportunidade
reprodutiva que não pode ser conquistada na disputa
direta com os machos fortes. O comportamento, po­
rém, envolve riscos: podem ser machucados pela fê­
mea que reage ou atacados impiedosamente pelo
macho que a protege.

O SISTEMA SOCIAL

Até os anos 70, acreditava-se que os orangotangos vi­


viam isolados na floresta e que os contatos se limita­
vam quase exclusivamente ao acasalamento. Não ha-
veria entre os indivíduos qualquer esboço de vida
social. A partir de então, surgiram os primatologistas
modernos, que passaram a segui-los pela mata com
laptop, binóculos e mochila nas costas.
Com base em milhares de horas de observação e
na metodologia científica atual,2 emergiram dois mo­
delos principais para explicar o sistema social adotado
pela espécie:

: |. Mitani, “Mating Behaviour of Male Orangutans in the Kutai Game Reserve,


Indonésia"; cm: Animal Beltariour, 33 (1974); p. 392-402.
1. Sistema de machos errantes, promíscuos
Os machos viajariam de forma independente, emitin­
do gritos longos para alertar intrusos em seu território
de passagem. Quando os caminhos de dois machos se
cruzam, ambos desviam ou o subalterno se afasta. Sob a
ação dos hormônios sexuais, as fêmeas em fase fértil
reconheceríam atributos tísicos dos machos através das
características do som: tamanho corpóreo, conforma­
ção da face, condições gerais de saúde, dominância etc.
As preferências sexuais femininas representariam
uma expressão da escolha dos melhores genes dispo­
níveis na população. Os machos mais desejados deixa­
riam maior número de descendentes.
Os subadultos tomariam partido do tamanho pe­
queno. que lhes confere agilidade para fugir da retalia­
ção furiosa do mais forte, e se multiplicariam através do
estupro. Seus filhos teriam características físicas e com-
portamentais semelhantes às do pai, perpetuando os
genes herdados e a estratégia sexual para reproduzi-los.
De acordo com esse modelo, de machos errantes
e promíscuos, na sociedade dos orangotangos não exis­
tiríam unidades sociais de organização mais complexa.2
2 . Modelo comunitário
Depois de milhares de horas de observação, alguns
primatologistas concluíram que os orangotangos machos
não têm estilo de vida tào errante quanto se imaginava.
Na verdade, parecem alternar fases mais sedentárias com
outras de existência nômade, provavelmente em resposta
à disponibilidade de frutas na região.
O macho residente em determinado território
nem sempre é dominante em relação ao viajante que
passa, e pode perder para o mais forte a primazia do
acasalamento com as ferneas em sua área de influência.
As fêmeas, por sua vez, seriam atraídas pelos gritos lon­
gos dos machos fortes, capazes de protegê-las contra o
estupro e o infanticídio gerado pelos conflitos de acasa­
lamento, tão freqüentes em gorilas e chimpanzés, por
exemplo. Os machos se deslocariam de acordo com
seus interesses alimentares e reprodutivos, divididos en­
tre as necessidades energéticas e o desejo sexual.
Estão sendo conduzidos diversos estudos sobre a
resposta dos orangotangos aos gritos longos dos ma­
chos dominantes. Os pesquisadores gravam esses gri­
tos para depois repeti-los no gravador e observar a
reação de cada orangotango. Essas pesquisas indicarão
qual dos dois modelos explica melhor a organização
social desses primatas.3
A respeito desses estudos com gravações de gritos
longos, CarevVan Schaik, antropóloga da Universidade
Duke, diz o seguinte:“se o modelo de machos errantes,
promíscuos, estiver certo, as fêmeas em fase reprodutiva
vão se aproximar do som enquanto as outras vão ignorá-
lo ou afastar-se dele. O modelo comunitário prevê, ao
contrário, que não só as fêmeas em fase reprodutiva se
aproximem, mas também as grávidas e as mães com
filhos pequenos. A presença ameaçadora de um
subadulto ou adulto indesejável diante da fêmea solitá­
ria provocaria pedidos de auxílio ao macho protetor” ,4

B. M.F. Claldikas.”Adule Male Sociality and Reproduçtivv Taetics Aniong Orangucans at


IanjungPuting";em: Folia Primatologiat,45 (1985);p.9-24.I.J.A. te Boekhorst."Residential
Suem and Seasonal Movement otWild Orang-Utans in thc Cíunung Leuser Reserve
(Sumatra, Indonésia)"; em: Animal Bchaviottr. 39 (1990); p. 1098-109.T. Micrasetia e S.S.
Uunii."Male Dominance in Orangutan (fíoiigo pyqiihtcits) Sociecy"; em:. Ihtracl, XI th
Congrcis qt thc Intcrtiiitional Primatolqgxal Sodcty, Bali, Indonésia, August 1994.
4C. P. Van Schaik e R.I.M. Dunbar,"The Evolunon ofMonogamv in Large Primates:
a New Hypothesis and Some Crucial Teses”; em: Bchariour. 115 (1990). p. 30-62.
E provável que a solidão dos orangotangos seja
apenas aparente. A estrutura da sociedade poderá ser
muito mais complexa do que se imaginava. Na floresta,
machos e fêmeas talvez controlem permanentemente a
posição dos companheiros, para se aproximar ou se afastar
de acordo com a intenção.
2. GORILAS
s gorilas machos chegam a pesar 200%
O mais do que as fêmeas. Na maturidade
plena, podem atingir 200 quilos, enquan-
_______ to a fêmea adulta nào ultrapassa 70 ou
80. Como vimos, dimorfismo sexual dessa ordem ê
indicador de competição sexual violenta entre os
machos. Os gorilas têm 97,5% de identidade gené­
tica com a espécie humana.
O gorila é o King Kong do filme. Na Europa,
não se sabia da existência desses grandes primatas até
o século 19, quando chegaram as primeiras histórias
dos colonizadores que voltavam da África. Falavam de
feras enormes de pêlos pretos e nariz esborrachado,
capazes de esmigalhar um homem no abraço. Tudo
mentira de caçador; os gorilas vivem tranqüilamente
em grupos de sete ou oito indivíduos, em média; qua­
tro fêmeas adultas, seus filhos imaturos e o macho for­
te. Na relação com o homem são pacíficos, só atacam
em defesa da família. Nos grupos, as relações entre os
gorilas sào cordiais, exceto quando um macho tenta
se aproximar da fêmea do próximo.
No auge da maturidade, as extremidades dos
pêlos do macho adquirem tonalidade prateada, espe­
cialmente nas costas. Por esse detalhe, sào reconheci­
dos e chamados na literatura de silverback: costas-pra-
teadas, os preferidos das fêmeas.
Sào primariamente vegetarianos. Nas refeições,
ingerem grandes quantidades das vegetações rasteiras,
ricas em carboidratos, que atapetam o chào das florestas
das montanhas e terras baixas das regiões em que vi­
vem, na África. A dieta consiste em poucas espécies
dessa vegetação, brotos de bambu e frutas, mas antes de
trepar nas árvores para colhê-las fazem um cálculo teó­
rico para saber se a energia obtida com o alimento com­
pensará o gasto energético da subida. Apesar da agili­
dade para subir nas árvores, os gorilas sào os primeiros
grandes primatas adaptados à vida terrestre.

HÁBITOS AUMENTARES

Os gorilas nâo precisam viajar como os orangotangos


atrás de alimentos. Com exceção das frutas e brotos de
bambu, que eles adoram, os outros vegetais que com­
põem a dieta são encontrados com facilidade. Por isso,
sào sedentários, não andam mais do que 5()() metros num
dia normal. Os machos solitários, embora encontrem
comida com facilidade, no total percorrem distâncias
maiores, à procura de fêmeas para formar seu harém.
Comida farta, disponível nas quatro estações do
ano, traz duas principais conseqüências ecológicas:
1. Torna possível a convivência de machos e fê­
meas, mesmo quando o consumo energético do ma­
cho é muito maior do que o da fêmea (ao contrário
dos orangotangos, obrigados a longas viagens para lo­
calizar as frutas esparsas pela floresta). A associação de
indivíduos não interfere no intervalo de tempo que
cada um leva para se alimentar: enquanto um come, o
outro pode relaxar, que a comida nào acabará.
2. O custo ecológico provocado pela adição
de mais um membro ao grupo é baixo.
Farta disponibilidade de alimentos, associada à
necessidade cie defesa contra predadores que a vida
terrestre impõe a todos os animais, exerceu pressão
ecológica para que os gorilas formassem grupos. Ao
contrário dos orangotangos, espalhados nas árvores em
associações de baixa densidade espacial, os gorilas for­
mam grupos de indivíduos solidários, obedientes a re­
gras de convívio social, parecidas com as nossas.

A DISPERSÃO DOS
GORILAS DAS MONTANHAS

As fêmeas saem de um grupo para juntar-se a outro e


podem voltar ao mesmo grupo e ter filhos em ambos.
Como deixam descendentes (de pais diferentes) em
vários grupos, indivíduos que vivem em áreas próxi­
mas passam cerca de 70% da carreira reprodutiva per­
to de parentes sexualmente ativos. Ainda assim, evi­
tam o incesto, como o fazem todos os grandes primatas
(o tabu do incesto é encontrado em todas as socie­
dades humanas).
Admite-se que a razão de as fêmeas migrarem para
outros grupos está em impedir que iniciem a vida se­
xual 11a presença do pai e irmãos. Na evolução, as fê­
meas fecundadas por machos geneticamente próximos
tiveram filhos menos saudáveis do que as migrantes
engravidadas por machos estranhos. Com o passar das
gerações, esse comportamento gerador de filhos mais
competitivos tornou-se predominante entre as fêmeas.
Ao atingir 14 anos, a maioria dos machos vai
embora do grupo natal.Tornam-se solitários ou for­
mam pequenos bandos de solteiros sempre à espreita
das fêmeas de outros grupos para montar o próprio
harém. Quanto mais forte ele for, mais fêmeas será
capaz de atrair e defender de outros machos.
Uma minoria dos machos adota outra estratégia:
permanecer no grupo natal, tornar-se subordinado ao
costas-prateadas e tentar conseguir favores sexuais cias
fêmeas dele, às escondidas, é claro. Com essa estraté­
gia, esperam um dia assumir a posiçào do chefe e her­
dar o harém.

AS RELAÇÕES ENTRE AS FÊMEAS

As fêmeas prezam bastante o parentesco. Num grupo, as


que sào parentes pelo lado materno tendem a ficar pró­
ximas umas das outras e a interagir com afinidade; agres­
sões físicas são raras entre elas. Quando o parentesco vem
do lado paterno, as relações sào menos fraternas. As nào-
aparentadas, maioria nos grupos, apresentam poucas
interações com afinidade e relações mais agressivas.
Essas interações com afinidade são caracteriza­
das por um comportamento típico dos primatas
grupais: o ato de coçar os pêlos do vizinho e deles
retirar pequenos gravetos e insetos que parasitam a
pele. Na literatura, esse procedimento é conhecido com
o nome de groonting, e os pesquisadores se baseiam
nele para identificar relações afetivas, demonstrações
de dominância, interesse sexual e atitudes reconcilia-
tórias que se seguem aos conflitos.3
Nessas verdadeiras sessões de cafuné,é provável que
o arranhar carinhoso da pele libere endorfinas na circu­
lação, responsáveis pela sensação de paz e bem-estar que
todos nós conhecemos desde a mais tenra idade.
Quando as fêmeas brigam, há apoio agonístico
familiar, isto é, as que têm laços de consagüinidade se
unem contra as outras. A maior parte das reações agres­
sivas, no entanto, termina sem resultado final claro: quan­
to mais a fêmea A agride a B, mais B agride A. As brigas
entre fêmeas nunca terminam em reconciliação, com
uma fêmea coçando carinhosamente a adversária. Aca­
bou, cada uma vai mal-humorada para seu lado. Dessa
maneira, não se estabelecería hierarquia linear de do­
minância entre as fêmeas, segundo alguns autores.
Segundo outros, entretanto, a hierarquia seria
estabelecida por critério temporal de agregação: as fêmeas
recrutadas mais recentemente pelo costas-prateadas seriam
subalternas às mais velhas. Tal hierarquia explicaria as fre-
qüentes migrações das fêmeas de um grupo para outro, à
procura de uma posição mais privilegiada junto ao macho.6
A abundância de áreas ricas em nutrientes gerará
custos ecológicos baixos para as fêmeas, decidam elas per­
manecer ou abandonar o grupo em que nasceram. Estu­
dos realizados com gorilas das montanhas africanas mos­
tram que as fêmeas que emigraram para outro grupo
tiveram o primeiro filho aos 10,1 anos, em média, contra
9,9 anos para aquelas que permaneceram no grupo natal.

' D.P. Watts, "Agonistic Relationships of Feinale Mountain Gorillas”; em: Beluwioml
Híoloíty and Sodobiology, 34 (1994); p. 347-5K.
D.R Watts. “Social Relationships of Residem and Immigrant Female Mountain
Gorillas. II: Rclatedncss.Residcnce.and Relationships Between Feinales”;em:G iikt/iVíii
Journal of Priniatoloyy, 32 {1994);p. 13-30.
AS RELAÇÕES ENTRE OS MACHOS

Nos movimentos em busca de áreas alimentares, os


caminhos dos grupos se interseccionam com tre-
qiiência. Esses encontros muitas vezes fazem desa­
bar o mito da docilidade dos gorilas. O costas-pra-
teadas não é do tipo essencialmente territorial, isto
é, não vive tào preocupado com a defesa de seu
território (ao contrário do homem e do chimpan­
zé), mas ataca com extrema agressividade os ma­
chos que tentam se aproximar de suas fêmeas. Cer­
ca de 80% dos encontros entre machos adultos
provocam ameaças mútuas de violência, e 50% re­
sultam em combates potencialmente mortais.
Nesses combates, o macho intruso muitas ve­
zes mata os filhotes do outro. O infanticídio rende
dividendos imediatos: as fêmeas que perderam seus
filhos tendem a abandonar o macho que nào foi
capaz de protegê-los e seguir o agressor. Nessas con­
dições, sem o filhote para darem de mamar, mens­
truam e voltam à fase fértil na companhia do
infanticida. Os filhos de tal união herdarão caracte­
rísticas genéticas do pai, que aumentarão a proba­
bilidade de perpetuar o comportamento infanticida
11a espécie, no decorrer das gerações.
O risco de combate entre os machos é mais
intenso quanto maior é o número de fêmeas que
migrou recentemente para o grupo. As disputas
agressivas são freqüentes, mesmo quando envolvem
machos adultos e adolescentes que foram criados
juntos 110 mesmo grupo.
Quando a tropa de gorilas contém mais de
um macho, os mais velhos são tolerantes e até pa­
ternais com os filhotes nascidos no grupo. Quan­
do eles atingem a adolescência, porém, os mais
velhos perdem a paciência e passam a agredi-los
com violência crescente, principalmente quando
se aproximam com segundas intenções de uma das
fêmeas.
Nessas circunstâncias, a relação de dominância
é nítida entre os machos. Com freqüência, o do­
minante interrompe as tentativas de acasalamento
dos subordinados, embora estes possam valer-se da
infidelidade disfarçada das fêmeas. Machos mais
velhos toleram melhor o acasalamento de suas fi­
lhas e filhos jovens.
A presença do subordinado no grupo é im­
portante nos momentos de violência, para ajudar o
dominante a defender o harém contra a presença
de intrusos. Como conseqiiência, grupos com mais
de um macho adulto tendem a atrair e reter mais fê­
meas do aqueles constituídos por um único macho.
Nessas condições, o dominante pode permitir acesso
restrito do subalterno a certas fêmeas. A benevo­
lência tem como finalidade garantir ao dominante
um número de fertilizações que não poderia ser
obtido sem cooperação do subordinado 11a defe­
sa do grupo.
A medida que envelhece, o dominante pro­
cura associar-se aos mais jovens para preservar o
harém. Como o risco de infanticídio torna a con­
vivência grupai com estranhos potencialmente
perigosa, a maior parte das associações envolve pai
e filho. Em caso de morte do pai enquanto os fi­
lhos são adolescentes, há competição intensa entre
os irmãos pela herança deixada.
A brutalidade das disputas masculinas explica
por que a maioria dos grupos de gorilas tem ape­
nas um macho adulto.
AS RELAÇÕES ENTRE
MACHOS E FÊMEAS

As fêmeas adultas passam mais tempo ao lado dos


machos do que entre elas mesmas. Todas procuram
fazer grooming com eles, principalmente quando o fi­
lho é pequeno. Quando a fêmea não guarda parentes­
co com as outras que estão há mais tempo no grupo,
aproxima-se do macho com mais determinação.
E comum o macho bater na fêmea, mas a agres­
são costuma ser limitada; fêmeas feridas são raras, a
não ser nas lutas contra machos de outros grupos.
Quando agredidas, elas respondem com gestos nítidos
de submissão e procuram reconciliar-se com o domi­
nante, ao contrário do que fazem quando brigam umas
com as outras.
O macho dominante tolera as brigas das fêmeas,
mas intervém para separá-las de acordo com a escalada
do conflito; muitas vezes, com agressividade. Elas nunca
se unem para revidar. Nas observações de campo, uma
fêmea só é vista atacando o dominante para defender o
filhote ou quando o macho decide espancar um dos
juvenis da tropa, mesmo que não seja filho dela.
Até nos grupos mais comuns, formados por um
costas-prateadas e três ou quatro fêmeas adultas, as
interações entre ele e suas fêmeas são complexas. Há for­
tes indícios de que as favoritas do harém despertam nas
fêmeas colocadas em segundo plano algo semelhante ao
que 11a espécie humana chamamos de ciúmes.
As imigrantes, quando chegam a um grupo for­
mado por mais de um macho, fazem o possível para se
aproximar do dominante. Para compensar o desprezo,
os subalternos procuram manter interações de apoio
e proximidade com elas. E mais comum um macho
subordinado trazer uma fruta ou coçar as costas da
fêmea do que o dominante tazê-lo.
Os especialistas discutem se a fêmea aceita essa apro­
ximação com o subordinado por necessidade de prote­
ção em caso de ataque de um macho estranho, infànticida,
ou como parte da estratégia feminina para despertar o
interesse do dominante, o real objetivo das fêmeas.
Como em outros animais, o nascimento do fi­
lhote torna a fêmea mais dependente da presença
masculina. Nos grupos de gorilas, elas seguem os ma­
chos como sombra; o filho montado nas costas. Eles
são gentis com elas e atenciosos às necessidades do
pequeno, nessa fase. A medida em que o filhote cresce,
aumenta a independência feminina.
O infanticídio é o principal responsável pela sub­
missão feminina. Os combates pela posse das fêmeas
podem ser mortais para os machos e. principalmente,
para os filhotes pequenos. Nessas ocasiões as fêmeas se
juntam ao dominante para agredir o invasor e defen­
der a prole. Se o invasor derrotar o dominante e matar
os filhotes dele, terá, como vimos, acesso sexual às fê­
meas e aumentará sua chance reprodutiva.
O comportamento infanticida poderia ser imagi­
nado contrário ao interesse reprodutivo da espécie: um
macho que mata filhotes dos outros colabora para ex-
tinguir a espécie, não para multiplicá-la. Vale lembrar,
entretanto, que a seleção natural nem sempre caminha
de acordo com os interesses da espécie. A seleção natu­
ral caminha no sentido do sucesso reprodutivo indivi­
dual: é porque os infanticidas se reproduzem que seus
genes persistem e aumentam a probabilidade de nasce­
rem filhos com tendência ao mesmo comportamento.
A seleção natural não toma partido, está interes­
sada apenas na reprodução do mais apto, seja ele quem
for. Para ela tanto faz, a natureza é impiedosa.
DILEMAS SEXUAIS

1. Feminino
Lá pelos 14 anos, ao atingir a adolescência, a fêmea
enfrenta o dilema de permanecer ou deixar o grupo.
Emigrar ê a decisão da maioria (defesa contra o inces­
to). No novo grupo ela se sentirá fortemente atraída
pelo costas-prateadas, mas não será a única, todas as
outras também. Como as que estão lá há mais tempo
levam a vantagem de uma possível hierarquia previa­
mente estabelecida, a recém-chegada precisa de estra­
tégia para galgar uma posição que lhe garanta proxi­
midade ao costas-prateadas.
Se ela tiver parentes dentro do grupo, ficará mais
fácil; se forem irmãos ou irmãs do lado materno, melhor
ainda. Caso contrário, será mais complicado; como disse­
mos, alianças entre fêmeas sem parentesco são raras.
Uma vez dentro do grupo, a fêmea enfrentará o
segundo dilema: valerá a pena permanecer submissa
àquele dominante ou procurar outro melhor? Conti­
nuar com o mesmo traz as vantagens e as desvantagens
da estabilidade; a posição dela pode ser hierarquicamente
inferior à de outras fêmeas do grupo, ou o dominante
estar mais fraco e menos protetor. Se optar por juntar-
se a outro grupo, terá que lutar pela posição no ranking
das fêmeas que fazem parte dele há mais tempo.
O comportamento final estará sujeito á análise
dessas variáveis. Dele dependerá o sucesso reprodutivo.
2 . Masculino
Quando chega a adolescência, o macho também enfren­
ta o dilema de deixar ou permanecer no grupo natal.
Permanecer no grupo tem a vantagem de poder
contar com a força do pai e dos irmãos para a defesa,
mas traz desvantagens reprodutivas: assediar sexualmen­
te as fêmeas do pai pode custar caro. Como vimos, os
machos adultos costumam agredir com violência o
adolescente assediador.A surra pode ser tão forte que
o adolescente daí em diante passa a guardar distância
prudente do pai, na rotina diária.
Nesse caso, a paciência é a estratégia reprodutiva.
£ preciso esperar que o costas-prateadas perca as con­
dições para se manter no poder. Quando isso aconte­
cer, as fêmeas deixarão de se interessar por ele e ado­
tarão uma de três estratégias: aceitar a figura do novo
dominante, emigrar em busca de proteção ou trazer
novos machos para o grupo.
Sair do grupo natal, opção da maioria dos ado­
lescentes, envolve o perigo de andar sozinho pela flo­
resta aos 14 anos, atrás de fêmeas defendidas por ma­
chos violentos, que não costumam entregá-las sem
combate (mortal, às vezes).
O costas-prateadas, por sua vez, precisa calcular
com precisão o risco de agregar mais fêmeas a seu
harém: terá condições de defendê-las (e aos filhotes
que nascerem) sozinho ou será obrigado a aceitar ou­
tros machos no grupo? Valerá a pena envolver-se em
luta corporal com outro costas-prateadas pela posse
da fêmea desejada?
E preciso sabedoria. Uma decisão precipitada
pode custar-lhe a perda do harém e a impossibilidade
de cumprir o mandamento supremo da vida: crescei e
multiplicai-vos.
SBZNVdWIHD '£
s chimpanzés estão mais próximo de nós
do que do gorila: apresentam mais de
o 98% de identidade genética com o ho­
mem.
O dimorfismo sexual é bem menos pronun­
ciado neles: a fêmea pesa em média 40 quilos, e o
macho, 48. Diferença de 20%, praticamente a mes­
ma que existe entre homens e mulheres; muito di­
ferente de orangotangos e gorilas, espécies nas quais
o macho chega a pesar o dobro. O volume craniano
dos machos é maior do que o das fêmeas (404
versus 385 cm3); as dimensões dos membros, da cir­
cunferência do tórax e dos dentes caninos, tam­
bém.
Como nos gorilas e orangotangos, a gravidez
dura oito meses. Os filhotes nascem com a face bran­
ca (que no decorrer da vida escurece) e precisam
de cuidados maternos por cerca de cinco anos.Tanto
tempo ocupadas com os filhos, as mães não conse­
guem produzir mais do que três ou quatro descen­
dentes, em 40 anos de vida média.
Além da inteligência e semelhança física com
os humanos, o que mais impressiona nos chimpan­
zés é a complexidade da organização social.Vivem
num sistema chamado fusão-fissào, isto é, bandos
de indivíduos que se reúnem em grupos e depois se
afastam. Nas fases de fusão, nos bandos, convivem
diversos machos, fêmeas e filhotes numa sociedade
patriarcal. Na busca de destaque social que lhes ga­
ranta maior acesso ãs fêmeas, os machos estabele­
cem alianças com os outros membros do grupo. O
que assume a posição de dominante é chamado de
macho alfa. Ele não é necessariamente o mais forte,
é aquele capaz de formar alianças mais poderosas.
Imediatamente abaixo dele na hierarquia, estão si­
tuados os machos beta e gama.
Como o homem, o chimpanzé consegue reco­
nhecer a própria imagem no espelho (capacidade que
nenhum outro animal possui —exceto outro grande
primata, o bonobo, como veremos mais adiante), uti­
lizar ferramenta, aprender os sinais da linguagem dos
surdos-mudos e resolver problemas novos baseados
na percepção entre causa e efeito, habilidade chama­
da na literatura de “experiência do aluí!” .
A “experiência do aluí!" pode ser demonstrada
quando o observador pendura uma fruta no teto, fora
do alcance do chimpanzé, e espalha no chão algumas
caixas e um cabo de vassoura. Depois de olhar deti­
damente para a fruta e os objetos colocados à dispo­
sição. o chimpanzé pòe uma caixa em cima da outra
e, com o cabo de vassoura, alcança a fruta.
Os chimpanzés e os homens são os únicos ani­
mais que se reúnem em bandos para matar seu seme­
lhante premeditadamente.
ALIMENTAÇÃO

A vegetação rasteira que tanto agrada aos gorilas não


exerce fascínio sobre os chimpanzés: representa me­
nos de 5% da dieta. Os chimpanzés passam de 60% a
80% do tempo gasto em refeições comendo frutas,
trepados nas árvores. A disponibilidade delas tem gran­
de influência na fusão dos bandos: época de fartura, o
bando incha; reservas escassas, o bando de 50 ou 70
indivíduos se fragmenta em grupos de 20 que se divi­
dem em subgrupos de quatro ou cinco chimpanzés.
Sobem nas árvores da floresta com facilidade e an­
dam com desenvoltura nos campos, de quatro, apoiados
nos pés e no dorso das mãos, posição na qual sentem a
coluna em situação mais confortável, mas adotam o
bipedalismo quando estão com as mãos machucadas ou
precisam ter as mãos livres para carregar objetos.
Quando compartilham a mesma área da floresta
com os gorilas, que também se alimentam de frutos,
as duas espécies adotam estratégias diferentes: os gori­
las não ficam muito tempo na mesma árvore, vão
embora deixando muitos frutos para trás e só voltam
semanas depois; os chimpanzés tendem a permanecer
mais tempo no local. Graças a essa diferença de estilo,
quando os gorilas chegam a uma árvore carregada na
qual um bando de chimpanzés se alimenta, são rece­
bidos com indiferença; os chimpanzés provavelmente
sabem que os visitantes não demorarão para partir.
Essa convivência pacífica não existe dentro da
mesma espécie: gorilas reagem com violência á apro­
ximação de outros gorilas no momento das refeições,
e os chimpanzés fazem o mesmo entre eles.
Os chimpanzés não são exclusivamente vegeta­
rianos; ao contrário, têm paixão pela carne e são exí­
mios caçadores. A caça é uma açào orquestrada por
um grupo de machos que encurrala pequenos maca­
cos e pássaros nos galhos das árvores. As vítimas são
devoradas com osso e tudo, às vezes ainda com vida,
divididas em pedaços repartidos entre os caçadores, as
fêmeas e os filhotes em ordem hierárquica e de prefe­
rência sexual: a mais desejada ganha o pedaço maior.
O ritual de divisão da caça reúne os chimpanzés
em grandes grupos, por períodos mais prolongados
do que qualquer outra atividade social. Essas ocasiões
servem para estreitar as interações sociais. Divisão da
carne de forma ritual também é outra característica
comum com os humanos.
A espécie dá valor ao altruísmo recíproco. Quando
um macho se recusa a dividir sua parte com os demais, o
grupo tende a mantê-lo fora da divisão em caçadas futuras.
Além dos animais caçados, os chimpanzés obtêm
proteínas ingerindo formigas e cupins (térmitas), alimentos
disponíveis nas quatro estações do ano. São habilidosos
para caçá-los: enquanto os gorilas arrebentam o cupinzeiro
para ter acesso a seus habitantes, os chimpanzés usam pe­
quenas ferramentas para obtê-los sem danificar a casa em
que vivem. As ferramentas mais utilizadas são estiletes de
madeira esculpidos cuidadosamente com os dentes. A
engenhosidade garante o acesso do estilete às galerias sub­
terrâneas de insetos, inacessíveis aos gorilas.

AGRUPAMENTO SOCIAL

A vida em grupo traz três grandes vantagens para um


animal: defesa contra predadores, proteção das fontes
de alimentos e possibilidade de comportamentos co­
operativos (como a caça).
Como os chimpanzés dedicam grande parte do
tempo à vida terrestre, a pressão exercida pelos preda­
dores tem mais impacto na composição do grupo do
que a disponibilidade de alimentos. Se o animal não
acha comida num dia, pode comer no outro; mas, se
for atacado por uma fera, poderá não existir no dia
seguinte. Leopardos, leòes. hienas e cães selvagens ha­
bitam as mesmas regiões da África que os chimpanzés;
os leopardos são responsáveis pela maioria dos ataques
predatórios.
O sistema de fusão-lissão confere maior flexibi­
lidade para explorar reservas alimentares e proteger o
bando das agressões externas. Risco baixo de predaçào
e pouca disponibilidade de alimentos favorecem a fissão
do grupo. Abundância de carne ou árvores frutíferas
e feras na vizinhança favorecem a incorporação de
mais componentes ao grupo.
Como vimos, as comunidades de chimpanzés
chegam a conter de 50 a 70 indivíduos, que se disper­
sam em grupos de dez a 20 e subgrupos de cinco ou
seis, nas fases de fissão. Na maior parte do tempo, os
grupos são compostos por vários machos adultos e
femeas com filhotes. Subgrupos unissexuais e indiví­
duos completamente solitários são raros.
Embora briguem com mais frequência, os ma­
chos são mais gregários entre eles do que as femeas
umas com as outras. Nos momentos de lazer relaxa­
dos, é comum ver grupos de machos em verdadeiras
sessões coletivas de grooming. As femeas, ao contrário,
costumam ficar separadas das companheiras de bando,
geralmente entretidas com a brincadeira dos filhotes
ao redor delas.
Quando as femeas chimpanzés estão na fase de
estro, isto é, na fase de receptividade sexual, a ação dos
hormônios sexuais faz com que os genitais externos
fiquem congestos e edemaciados, detalhe anatômico
que permite aos pesquisadores identificá-las com fa­
cilidade. Os estudos de campo demonstram que. quanto
maior é o número de fêmeas no estro, mais compo­
nentes são encontrados nos grupos e maior a proxi­
midade dos machos.
As fissões e fusões dos grupos nos chimpanzés
dependeríam então de uma avaliação individual
criteriosa do custo/beneflcio de diversas variáveis: risco
de predação. concentração de árvores frutíferas, opor­
tunidades sexuais e organização para a caça.

A RELAÇÃO FÊMEA-COM-FÊMEA

Quando as fêmeas atingem a adolescência, param de


brincar com os irmãos pequenos e começam a se de­
sentender com as mães. Nessa fase, passam o dia na
periferia do bando, geralmente sentadas num galho
solitário. O isolamento é quebrado apenas nas refei­
ções e rituais de divisão da carne.
A crescente produção de hormônios sexuais ca­
racterística da puberdade começa a provocar conges­
tão e edema anogemtal 11a jovem chimpanzé, que se
repetirão em ciclos pelo resto da vida fértil. Esses pri­
meiros inchaços, entretanto, não significam a entrada
11a fase de fertilidade; a primeira menstruação levará
anos ainda para acontecer. O intervalo de tempo que
separa os dois fenômenos é chamado de “esterilidade
da adolescência”. Ele cria condições para o compor­
tamento que descrevemos abaixo.
Coincidentemente com os inchaços genitais, o iso­
lamento da jovem se intensifica e o relacionamento com
a mãe deteriora. Em silêncio, um dia ela deixará o grupo
natal para viver em outra comunidade. Esse comporta­
mento. como foi visto nos gorilas, é considerado pelos
cientistas como defesa contra o incesto. A permanência
no grupo natal aumentaria a probabilidade de engravidar
com o pai ou os irmãos e ter filhos com chance menor
de sobrevivência, devido à proximidade genética.
Como a fêmea sabe que precisa migrar para evi­
tar o incesto? Ela não sabe, apenas obedece a uma voz
interna: suas ancestrais que permaneceram nos gru­
pos e foram fecundadas por machos consangüíneos
geraram filhos geneticamente menos aptos, que per­
deram na competição travada com os filhos das que
migraram atrás de machos geneticamente díspares. No
decorrer de muitas gerações, a repetição do compor­
tamento migratório capaz de produzir descendentes
mais competitivos foi perpetuada na espécie, no me­
lhor estilo darwiniano de seleção natural.
Na nova comunidade, a recém-chegada encon­
trará um sistema patriarcal e ocupará a periferia do
bando. Precisará ser cautelosa, porque os machos da
comunidade, como veremos, batem nas fêmeas para
subjugá-las, e qualquer macho adulto é dominante em
relação a elas. A sociedade é patriarcal.
As agressões masculinas não são letais, mas po­
dem provocar lesões corporais evidentes. E, pior, no
auge da violência podem se voltar contra os filhotes.
O infanticídio está fartamente documentado nos chim­
panzés; há muitos relatos de machos matando a denta­
das o filhote de uma fêmea.
Seria de supor que nesse ambiente adverso as fê­
meas se associassem de alguma forma para enfrentar o
poder masculino, mas não. Em liberdade, as fêmeas pas­
sam mais de 50% do tempo alimentando-se solitárias
ou entretidas no cuidado com os filhos. Não costuma
haver associação entre elas, e raramente se vê uma fa-
zendo grooming com a outra. Apenas em cativeiro, quan­
do o grupo permanece estável por muito tempo, é
que se estabelecem relações femininas mais solidárias.
Depois de 35 anos de estudos de campo, o grupo
da célebre pesquisadora Jane Goodall conseguiu de­
monstrar que existe entre as fêmeas uma hierarquia su­
til, porém sólida, e que a disputa começa cedo. Ao redor
dos 20 anos, a fêmea provavelmente já atingiu a coloca­
ção que terá no ranking feminino. As que atingem o
topo da hierarquia poderão adquirir e manter áreas
maiores e exclusivas para alimentar-se. As imigrantes
recém-chegadas assumem as posições inferiores, com
acesso à alimentação de menor qualidade. As posições
são obtidas graças ao comportamento agressivo (em que
se inclui o infanticídio), ao suporte dado pela mãe
(quando presente) ou à formação de alianças.
As fêmeas mais velhas e fisicamente mais fortes
tendem a dominar as jovens mais frágeis, porém a or­
dem pode ser subvertida através da formação de
alianças entre as jovens e da cooperação mútua entre
fêmeas com afinidade de parentesco.
Como conseqiiência da posição hierárquica, as
fêmeas dominantes levam três vantagens ecológicas:
1. Vivem mais tempo do que as subalternas.
2. Seus filhos têm maior probabilidade de so­
breviver.
3. Em média, produzem mais filhos que atingem
cinco anos de idade e se tornam independentes da
amamentação (a mortalidade infantil é alta).
4. Suas filhas atingem a maioridade sexual mais
cedo: até quatro anos antes das filhas das fêmeas de
baixo ranking.
A desunião provocada pela disputa por uma po­
sição privilegiada 11a hierarquia, a submissão à força
bruta pelo macho e o infanticídio criam na fêmea uma
necessidade vital de proteção masculina, como nos
gorilas. Quanto mais poderoso e protetor o macho
que ela puder seduzir, maior a probabilidade de so­
brevivência dos filhos, que herdarão as características
da mãe e do pai dominador, brutal, perpetuando o
comportamento.

A RELAÇÃO MACHO-COM-MACHO

Até onde se sabe, os machos não saem dos grupos


natais e disputam agressivamente a dominância.
Se os machos permanecem no grupo, como fica
a questão da defesa contra o incesto, no caso deles? A
teoria mais aceita é a de que com os machos funciona
o mecanismo de “familiaridade precoce", capaz de
inibir o desejo sexual masculino pelas figuras femini­
nas com as quais tiveram contato intenso desde o nas­
cimento.
Os chimpanzés mamam no peito da mãe até os
quatro anos. Desde cedo, os filhotes começam a seguir
os passos e imitar os machos mais velhos. Precisam
tomar cuidado com a aproximação, porque os adultos
batem neles quando se irritam, e algumas dessas surras
podem ser mortais.
A medida que a produção de testosterona. o
hormônio sexual masculino, atinge os níveis caracte­
rísticos da puberdade, os jovens se tornam especial­
mente agressivos e passam a agredir as fêmeas e com­
panheiros mais fracos. É a disputa pela dominância,
obsessão na vida dos chimpanzés.
Os machos passam a maior parte do tempo no
universo masculino: nas viagens, distribuem-se em
pequenos grupos e patrulham aos gritos as fronteiras
do território ocupado pela comunidade. Sào territoriais
ao extremo, com os gritos revelam sua identidade,
atraem amigos e afastam estranhos. Quando brigam,
eriçam os pêlos do corpo para dar a impressão de se­
rem maiores e arreganham os dentes para assustar o
adversário. Se apanham 11a briga, têm o mau gosto de
descontar num mais fraco, fêmea, adulto ou filhote.
Por essa razão, assim que os conflitos começam, as mães
escondem-se com os filhotes nos galhos das árvores.
Na reconciliação que se segue ás agressões, gru­
pos de machos podem ser vistos fazendo grooming uns
nos outros, e as fêmeas descem das árvores para beijar
o rosto e acariciar o dominante em sinal de respeito.
A estratégia de dominância dos gorilas, baseada
na força pessoal do costas-prateadas. é de pouca utili­
dade para o chimpanzé, que vive em comunidades
muito mais complexas, compostas por diversos ma­
chos, fêmeas, adolescentes e filhotes pequenos. Não
basta ser forte, o macho alfa precisa ser capaz de esta­
belecer alianças. Para depô-lo, o desafiante será obri­
gado a recrutar 11111 grupo mais forte.
Como o macho alfa só assumirá o poder se con­
tar com a colaboração de um grupo de companhei­
ros, dos quais dependerá para se manter na posição, é
obrigado a fazer concessões a seus parceiros. Privilegiá-
los nas cerimônias de divisão da carne e garantir-lhes
um mínimo de acesso às fêmeas sexualmente recepti­
vas sào as estratégias mais empregadas.
Abaixo do macho alfa, vêm o beta e o gama,
respectivamente segundo e terceiro colocado 11a hie­
rarquia. Depois, um grupo intermediário, de posição
hierárquica menos definida, e os mais subordinados,
na base da pirâmide. A esses, e aos rivais, está vedado o
acesso sexual às fêmeas. A desobediência provoca re­
taliação imediata dos dominantes.
As alianças que os chimpanzés armam uns com os
outros sào tão complexas que o primatologista Frans
de Waal escreveu um livro chamado Chimpaiizee Politics,
só falando delas. De lato, é impossível falar das coalizões
entre os chimpanzés sem fazer analogia com a política
humana. Por exemplo: quando o macho beta agride
um mais fraco, o alfa imediatamente toma posição ao
lado do fraco e parte para cima do beta. Assim, ganha
apoio dos mais fracos, que sabem poder contar com o
chefe em caso de necessidade, e deixa claro ao beta que
este nem ouse desafiar a autoridade dele.
Nas épocas em que o macho alfa perde a posição
e a disputa por seu lugar fica indefinida entre os ma­
chos beta e gama, os pretendentes chegam a subir nas
árvores mais apreciadas, colher os frutos e atirá-los para
os companheiros do bando no chão. Como já disse­
mos, uma vez eleito, o novo macho alfa jamais repeti­
rá esse gesto magnânimo.
Estudos sobre as características do groomitig entre
os machos demonstram que esse procedimento é mais
freqüente entre os mais velhos, companheiros de mui­
tos anos, e que quase nunca ocorre entre o macho alfa
e o beta. Por mais que o beta insista em aproximar-se
do alfa, o dominante lhe volta as costas, estratégia pro­
vável para intimidá-lo. Atitude oposta o alta tem com
o gama: o alfa não só fiz grooming com ele com fre­
quência, como o faz com mais intensidade.
Em 1974, no Zaire, o grupo de Jane Goodall
acompanhou um bando de chimpanzés numa aven­
tura até então desconhecida. No começo da tarde,
sete machos adultos, um adolescente e uma fêmea
saíram em silêncio pela floresta na direção do terri­
tório ocupado por outra comunidade. Ao ouvir os
gritos dos chimpanzés da comunidade em direção à
qual se dirigiam, o bando não respondeu com os gri­
tos habituais que os chimpanzés dào para demarcar
território. Ao contrário, continuou a marchar em si­
lêncio, estranhamente.
Quando o bando chegou sorrateiro perto da
comunidade vizinha, agrupou-se e permaneceu um
tempo agachado, espionando sem tazer qualquer ruí­
do. De repente, a atenção deles se voltou para Godi,
um macho adulto da comunidade invadida que se ali­
mentava distraído, mais distante dos companheiros.
Erro fatal: o bando se atirou sobre ele aos gritos, com
paus e pedras. Depois de dez minutos, o corpo de
Godi jazia no chão sangrando, e o bando atacante se
retirava excitado, dando gritos intimidatórios. Godi
nunca mais foi visto pelos pesquisadores.
Até a descrição desse evento, a ciência conside­
rava que reides letais premeditados contra indivíduos
da mesma espécie fossem característica exclusivamen­
te humana. Hoje, está demonstrado que existe cani­
balismo entre os chimpanzés e que ataques como o
descrito fazem parte da rotina da vida deles: em algu­
mas comunidades, um terço dos machos morre assim.
Há descrição de comunidades nas quais, um a um,
todos os machos e muitos filhotes foram dizimados.
A agressividade fratricida do grupo vencedor re­
sulta em dupla vantagem ecológica: posse de novas
fêmeas e espaço territorial para criar futuros herdeiros
de seus genes.

A RELAÇÃO DOS
MACHOS COM AS FÊMEAS
Ao atingir a puberdade, o chimpanzé macho muda
radicalmente de atitude em relação ãs fêmeas do gru­
po e começa a provocá-las com agressividade cres­
cente. Na adolescência, quando o tamanho do macho
iguala o de uma fêmea adulta, a agressão se torna bru­
tal. desde que não haja algum macho adulto por perto
para proteger a fêmea. Com essa atitude, o jovem chim­
panzé pretende demonstrar que pode coagir sexual­
mente qualquer fêmea da comunidade.
As fêmeas têm ciclos menstruais todos os meses,
e a fase de inchaço anogenital dura de dez a vinte dias.
A tase fértil, entretanto, é restrita aos dois ou três dias
finais de cada ciclo e coincide com o inchaço genital
máximo. Os machos disputam acirradamente a posse
das fêmeas nessa época.
A intenção de cada macho é manter a fêmea fér­
til separada dos outros machos e passar alguns dias com
ela a sós, na periferia da comunidade. Para tanto, pre­
cisa convencê-la a acompanhá-lo e impedir que os
competidores consigam o mesmo. Para aumentar suas
chances reprodutivas, os machos subdominantes pro­
curam ficar próximos da fêmea preferida nos momen­
tos de lazer, favorecê-la nos rituais de divisão de carne,
demonstrar paciência com os filhotes dela e fazer ses­
sões de grooming prolongado com ela,conjunto de aten­
ções que o macho dominante não costuma ter com
suas fêmeas. Entretanto, quando a estratégia atenciosa
não dá certo, o pretendente simplesmente espanca a
fêmea fértil para obrigá-la a seguir com ele (desde
que o dominante não esteja perto, é lógico).
Mesmo o macho dominante procura afastar a
fêmea do grupo para obter exclusividade de acesso
sexual na fase fértil, demonstrando com tal atitude a
falta de confiança na fidelidade feminina.
Diversos estudos tentaram encontrar o padrão
físico de macho preferido pelas fêmeas, mas esse pa­
drão nunca foi definido; a escolha parece estar sem­
pre condicionada à dominância. Independentemen-
te das características físicas, quanto mais poderoso o
macho, mais as fêmeas se interessam por ele.
Como foi dito, por força das alianças estabele­
cidas o macho alfa é obrigado a conceder aos aliados
certo acesso sexual às fêmeas férteis. O privilégio é
limitado ao macho beta, ao gama e a um seleto gru­
po de associados. Os rivais e subalternos só conse­
guem êxito sexual através da coerção física de fêmeas
desprotegidas ou graças à infidelidade feminina. Na
caçada às fêmeas férteis, os filhotes podem ser grave­
mente feridos pelos machos como forma de intimi­
dar a mãe. Depois que o macho conseguiu fazer a
fêmea acompanhá-lo, a violência termina e viajam
em paz: ele. ela e o filhote. Nessa época, apartados do
grupo, podem ser atacados por machos de comuni­
dades vizinhas.
Estudos genéticos têm demonstrado que parte
significativa dos filhotes de uma comunidade é con­
cebida por machos que não pertencem a ela. Em
certos casos, essa parcela ultrapassa 50% dos nasci­
mentos. Os observadores atribuem essas concepções
extragrupais ao resultado das visitas clandestinas que
as fêmeas fazem às comunidades vizinhas, uma vez
que as invasões de uma comunidade por um grupo
estranho provocam lutas ferozes entre os machos,
sem oferecer oportunidade para acasalamentos.
De fato, a observação cuidadosa dos hábitos dos
chimpanzés em liberdade mostra que as fêmeas, como
são mais solitárias, costumam realmente se afastar de
seus bandos por períodos de um a dois dias. para visi­
tar grupos vizinhos muitas vezes distantes do delas.
A. Pusev.J. Williams e J. Goodall. "The Influence ot'Dominance Rank on the
Reproductive Succe« ot" Female Chimpanzees"; em: Sden(c. 277 ; 1997); p. 828-31.
Assim agindo, podem engravidar de machos estranhos,
mas correm risco:
1. Podem ser consideradas estranhas pelo outro
grupo e sofrer ataque mortal.
2. Podem despertar a fúria infanticida dos machos
ludibriados de sua comunidade, porque os machos cos­
tumam matar filhotes concebidos em outros grupos.
As escapadas femininas, no entanto, trazem duas
vantagens genéticas que favorecem a perpetuação do
comportamento:
1. As chimpanzés adultas tipicamente copulam cen­
tenas de vezes para cada filhote concebido. Apenas pe­
quena fração dessas relações sexuais é mantida nos curtos
períodos de contato com machos estranhos. Portanto,para
nascerem tantos filhos de pais desconhecidos a infidelida­
de deve ocorrer nas fases de fertilidade, coincidentes com
o período ovulatório. Com as visitas secretas, as fêmeas
ganhariam acesso a genes não disponíveis em seus grupos;
estariam “escolhendo genes”, como dizem os cientistas.
2. Quando a fêmea fértil visita outro grupo, é pro­
vável que não consiga selecionar um parceiro específico
e se relacione sexualmente com diversos machos.Tal com­
portamento pode funcionar como defesa contra o
infanticídio, no caso de esses parceiros sexuais um dia
atacarem sua comunidade. Os chimpanzés não costu­
mam agredir filhotes das fêmeas com as quais mantive­
ram relações sexuais.
Até 1997, quando foram publicados os primei­
ros estudos sobre infidelidade feminina entre os
chimpanzés, pensava-se que a reprodução atendia
exclusivamente aos interesses dos machos.* Hoje se

"W.W. Wrangham.“Subclc, Secret Female Chimpanzees":em:Science. 2 77 (1997);


p. 774-5.
sabe que, mesmo quando a interação da tèmea é
pouco freqüente e sutil, a iniciativa feminina pode
ser uma força fundamental na evolução dos siste­
mas sociais. Como diz o primatologista Wrangham:
“o impacto seletivo não corresponde necessariamen­
te ao poder social '.
soaoNoa
inguém sabia que eles existiam, até
1929. Foram um dos últimos grandes
mamíferos descobertos pela ciência. Na
classificação, a espécie dos bonobos é
considerada prima do homem e irmã dos chim­
panzés: os chimpanzés são Part troglodytes, e os
bonobos, Pan paniscus. Os dois surgiram há 3 mi­
lhões de anos e são eqüidistantes do homem, com
quem compartilham mais de 98% dos genes. Ge­
neticamente, as duas espécies apresentam mais se­
melhança com o homem do que com o gorila
ou o orangotango.
Embora sejam esguios, tenham pernas longas,
lábios vermelhos e o cabelo comprido repartido no
meio, parecem tanto com os chimpanzés que foram
chamados de “chimpanzés pigmeus” por muito tem­
po. O nome estava inadequado: um macho adulto pesa
em média 43 quilos, e uma femea, 37, mais do que
muitos chimpanzés.
O diniorfismo sexual é semelhante ao da espécie
humana: uma fêmea atinge 80%-84% do peso do ma­
cho (contra 71%—75% nos chimpanzés e menos de 50%
nos gorilas e orangotangos). O dimorfismo menos acen­
tuado deixa claro que os machos disputaram as fêmeas
com menor competitividade, no decorrer da evolução.
Outra evidência dessa disputa é dada pelo tama­
nho avantajado dos testículos, característica facilmen­
te identificável dos bonobos. Quanto maior a dimen­
são dos testículos numa espécie, maior o número de
espermatozóides produzidos, conferindo vantagem
reprodutiva na disputa da paternidade com machos
portadores de testículos menores.
A gravidez dura oito meses, e a mãe amamenta o
filhote durante quatro anos e continua tomando con­
ta dele por mais dois ou três. Nas bonobas também
ocorre a “esterilidade da adolescência”. Os primeiros
inchaços do clitóris e dos grandes lábios surgem ao
redor dos sete anos, mas é só a partir dos 13 ou 14 que
acontece a ovulação e a possibilidade de gravidez. As
fêmeas conseguem ter de três a quatro filhos, nos 40
ou 50 anos que a espécie pode viver. A mortalidade
infantil também é alta; os bonobos são muito suscetí­
veis a infecções respiratórias.
A distribuição de peso entre os membros e o
tronco dos bonobos é a mais próxima dos seres hu­
manos. Andam de quatro, com a coluna bem ereta, e,
quando ficam de pé para deixar as mãos livres, impos­
sível não compará-los ao homem. De todos os primatas
vivos, são os que apresentam constituição fisica mais
parecida com a de ancestrais humanos pré-históricos,
como o “homem-macaco" (australopitecino) encon­
trado em escavações na África.
Da mesma forma que a dos chimpanzés, a inteli­
gência dos bonobos é surpreendente: aprendem a se co­
municar pela linguagem dos sinais, fazem pose na frente
do espelho e resolvem problemas mais complexos de
causa e efeito (“experiência do aha!” ). Ao contrário de­
les, no entanto, os bonobos se caracterizam pelo controle
da agressividade: lutas corporais são raras e menos vio­
lentas. Curiosamente, a convivência pacífica ê obtida atra­
vés de estratégias sexuais; o comportamento sexual dos
bonobos é único entre os primatas, como será descrito.
Os bonobos são os únicos grandes primatas
não-humanos que vivem em sociedades matriarcais.
As fêmeas formam associações mais poderosas do
que os machos.

ALIMENTAÇÃO

Nos animais, a organização social está relacionada a


diversas variáveis ecológicas. Os bonobos remanes­
centes sobreviveram em regiões pouco acessíveis do
Zaire, na África central, e seu habitat compreende
três tipos de floresta:
1. Beiras dos rios, em áreas alagadas, com árvores
mais baixas inclinadas umas sobre as outras devido à
mobilidade do terreno.
2. Matas primárias (intocadas pelo homem) for­
madas por árvores de até 50 metros, com copas
entrelaçadas que bloqueiam a entrada de luz.
3. Matas secundárias, crescidas em áreas previamente
devastadas, com arborização menos densa e vegetações
rasteiras nas áreas em que os raios solares penetram.
Das áreas descritas acima, os bonobos dão prefe­
rência ãs segundas, as matas primárias; ah encontram
maior concentração de frutas, a base de sua dieta. Nessas
florestas generosas, cujas árvores produzem frutos de
até 20 ou 30 quilos, há espaço amplo para o altruísmo
na divisão dos alimentos. Como ocorria nos gorilas, a
adição de mais um componente não resulta em pre­
juízo energético significativo para o grupo (ao con­
trário dos orangotangos e chimpanzés, que vivem em
locais onde as fontes de alimentos são mais esparsas).
Além das frutas, os bonobos se alimentam dos
brotos e folhas tenras da vegetação rasteira encontrada
no chão das florestas mais ralas, permeáveis aos raios
solares. Como o conteúdo protéico desses vegetais
rasteiros é alto, a espécie é menos dependente de pro­
teína animal.
Quando se alimentam de animais, dão preferên­
cia a insetos, minhocas, peixes, répteis e esquilos que
cruzam o caminho deles. Não organizam grupos para
caçar macacos pequenos, diferentemente dos chimpan­
zés; ao contrário, preferem usá-los como brinquedo.
A exemplo dos orangotangos e chimpanzés, os bonobos
esculpem delicados estiletes de madeira para tirar for­
migas e térmitas de seus esconderijos (utilização de fer­
ramentas).
Embora valorizados, os alimentos de origem ani­
mal constituem apenas 1% da dieta. Apesar disso, em
contraste com a atitude altruísta na divisão de alimen­
tos vegetais, os bonobos adultos são egoístas na hora
de dividir carne.

FORMAÇÃO DE GRUPO

Embora também vivam em sistemas de fusào-fissào,


nos quais os grupos de uma mesma comunidade se
unem e se separam em subgrupos de acordo com os
interesses, os bonobos são os mais gregários dos gran­
des primatas nào-humanos. Em liberdade, viajam em
bandos de até 20 ou mais indivíduos (quatro a cinco
vezes maiores do que os dos chimpanzés),e raramente
sào encontrados indivíduos solitários. Em média, o
tamanho das comunidades varia de 25 a 75 membros,
mas pode chegar a 120 quando existe abundância de
alimentos.
Os chimpanzés machos procuram viajar com fê­
meas que apresentam inchaço genital. Quando ne­
nhuma delas está nessa fase do ciclo, eles perdem o
interesse em acompanhá-las e se juntam a outros ma­
chos. Entre as fêmeas dos bonobos, como veremos,
esse período de inchaço é mais longo, e a companhia
masculina, mais solícita.
Ao cair da tarde, os bonobos, como todos os
primatas nào-humanos, se reúnem para construir ni­
nhos em cima das árvores. Quando os pesquisadores
contam o número desses ninhos, verificam ser ele maior
do que o de indivíduos que passaram o dia juntos,
sugerindo haver fusão de subgrupos.Talvez a presença
de leopardos nas proximidades seja responsável pela
aglutinação noturna.
Nào ocorrem entre bonobos os ataques de
gangues tào letais para os chimpanzés. As relações
sociais entre os bonobos se caracterizam por tole­
rância entre as fêmeas e aversão entre os machos.
Enquanto as fêmeas chimpanzés procuram se afas­
tar quando uma chega perto da outra, nos bonobos
sào os machos que o fazem. Brigas de fêmeas sào
mais raras do que de machos, porém mais violentas
quando ocorrem. Apesar disso, muitos machos adul­
tos apresentam cicatrizes e deformidades, como se-
qiielas de disputas passadas.
As permanentes fissões e fusões de bandos con­
ferem maior flexibilidade às comunidades de bonobos
na defesa contra predadores e no acesso a alimentos e
às fêmeas sexualmente receptivas.

RELAÇÕES ENTRE AS FÊMEAS

Na puberdade, tudo acontece de forma semelhante à


dos chimpanzés: a relação màe-filha deteriora, a jo­
vem se torna introspectiva e procura uma árvore na
periferia do grupo. Aos sete anos, quando surgem os
primeiros inchaços genitais, ela emigra para outra co­
munidade (defesa contra o incesto). Alguns anos mais
tarde, acontecerá a primeira menstruação e a possibi­
lidade de engravidar de um macho geneticamente nào-
aparentado.
A fisiologia do inchaço genital sob a ação dos
hormônios femininos exerce impacto decisivo na
vida social dos bonobos. Embora os números va­
riem, nas fêmeas chimpanzés a média de duração
do ciclo menstruai é de 35 dias e o período de inchaço
ocupa a metade dele (17 a 18 dias). Nos bonobos,
dura em média 45 dias, e os genitais permanecem
inchados 75% desse período (quase 30 dias). Além
disso, as fêmeas de bonobo voltam a apresentar
inchaços um ano depois de dar à luz, fase em que
ainda estão amamentando e não podem engravidar.
Tais características conferem vantagem sexual para
as fêmeas da espécie: enquanto uma chimpanzé passa
5% da vida fértil com os genitais inchados, as bonobas
conseguem ficar atraentes para os machos durante
50% da vida reprodutiva, em média.
Na nova comunidade, a jovem imigrante encon­
tra as outras fêmeas dispostas em hierarquia sutil. No
topo, as residentes mais velhas, mães de vários filhos;
nas posições inferiores, as que se juntaram mais tarde
ao bando. No início, a recém-chegada adota postura
discreta e evita se envolver em conflitos. Depois, com
cuidado, aproxima-se da fêmea mais receptiva, para
através dela ganhar a aceitação do grupo. A estratégia
de aproximação é aquela que carateriza os contatos
entre bonobos: contato fisico (grooming) e sexo
explicito. As bonobas são sexualmente bastante desi­
nibidas e mantém relações homossexuais com a mes­
ma freqiiência com que procuram o sexo oposto.
No relacionamento homossexual, geralmente
uma das fêmeas deita sobre a outra (posição ventro-
ventral) para garantir o contato direto dos clitóris e
grandes lábios, e as duas iniciam movimentos laterais
(2,2 movimentos por segundo, em média). Outras ve­
zes, uma fêmea deita com as costas no chão e a outra
senta sobre ela, com os genitais em contato. Práticas
homossexuais femininas como essas são consideradas
características da espécie; nunca foram descritas em
primatas não-humanos.
A criação dos filhos é responsabilidade exclu­
siva da mãe. Depois de oito meses de gestação, ela
amamenta durante quatro anos e passa mais dois ou
três encaminhando o filho para que se destaque na
hierarquia masculina. O apoio é decisivo; sem cola­
boração materna, dificilmente um bonobo chega a
macho alfa. A sociedade é dominada pelas fêmeas.
As relações homossexuais femininas reduzem
as tensões e fortalecem laços de amizade. Milhares
de horas de observação científica comprovaram que
as fêmeas preferem a companhia umas das outras à
dos machos. Nos momentos de lazer sentam ju n ­
tas, fazem grooming nas costas das companheiras e,
durante as viagens ã procura de árvores frutíferas,
andam com os filhotes nas costas, na parte central
dos grupos, mantendo os machos em posição pe­
riférica.
Nos chimpanzés, as disputas mais ferozes acon­
tecem entre grupos de machos. Quando começam essas
batalhas, as fêmeas carregam seus filhotes para cima
das árvores com o intuito de protegê-los da fúria mas­
culina. Nos bonobos,brigas entre fêmeas são raras, mas
a violência costuma escalar á medida que as aliadas
aderem ao conflito.
Como regra geral, laços fortes de amizade entre
animais do mesmo sexo só se estabelecem entre indi­
víduos que permanecem no grupo natal. Por exem­
plo: ao migrar para outras comunidades, a fêmea chim­
panzé encontra fêmeas estranhas, imigrantes como ela,
e alianças de machos que se conhecem desde peque­
nos. Como resultado, os machos subjugam as fêmeas.
Os bonobos são exceção ã regra: apesar de abandona­
rem o grupo natal, as fêmeas são capazes de formar
alianças femininas na nova comunidade, enquanto os
machos sofrem de aversão mútua em relação aos
companheiros de infância. A conseqüência é o apare­
cimento de uma sociedade matriarcal.

RELAÇÕES ENTRE OS MACHOS

Quando pequenos, os bonobos machos brincam en­


tre eles, como é característico de todos os primatas.
Mais tarde, enquanto nos chimpanzés irmãos de san­
gue formam coalizões para dominar outros machos,
nos bonobos os laços mais fortes são estabelecidos com
a mãe, não com os irmãos. Por essa razão, neles, as
lutas entre machos costumam envolver apenas dois
contendores e terminar rapidamente.
Nos confrontos entre chimpanzés, há nítidas de­
monstrações de status: o dominante fica em pé. eriça
os pêlos do corpo para parecer maior e arreganha os
dentes. Diante dele. o subordinado se curva até o chão
e faz acenos conciliatórios. Nos bonobos, a hierarquia
é demonstrada de forma menos evidente: os machos
alfa e beta são facilmente reconhecíveis, mas os subor­
dinados ocupam posições indefinidas.
Apesar dessa aparência democrática, os do­
minantes fazem uso da violência para manter a su­
bordinação. Envolvem-se em disputas com maior
freqiiência do que as fêmeas, e seus corpos exibem
mais mutilações. Curiosamente, como nos chim­
panzés, a restrição do espaço individual imposta
pelo cativeiro diminui a violência entre os bonobos
machos.
Depois dos conflitos, os machos costumam se
reconciliar. Como nas fêmeas, a estratégia escolhi­
da é a sexual: os machos se aproximam de costas e
esfregam os testículos nos testículos do outro, para
lá e para cá. Ou. então, cruzam os pênis eretos como
se fossem espadas. Procedem da mesma maneira para
aliviar a tensão do encontro com um macho estra­
nho, ou da excitação que antecede a distribuição
de comida em cativeiro.
Apesar desses contatos genitais e de os machos
mais velhos masturbarem os juvenis, penetração ho­
mossexual nunca foi documentada nos bonobos.

RELAÇÕES ENTRE MACHOS E FÊMEAS

A existência de uma sociedade matriarcal nesse tipo


de primata parece um paradoxo, mas não é. De fato. a
espécie tinha tudo para ser machista como os chim­
panzés (fêmeas migratórias e machos que permane­
cem no grupo natal), mas, como as fêmeas sào unidas
e os machos adultos nào se suportam, o poder é exer­
cido por elas. Embora os machos sejam fisicamente
mais fortes, as fêmeas podem ignorar a pressão exercida
por eles. Na rotina da vida diária, é comum várias
fêmeas se unirem para atacar um macho que desafiou
ou agrediu uma delas (a situação oposta jamais ocor­
re). E a dominância exercida pelo mais fraco, exemplo
muito raro no reino animal.
Os machos convivem com a mãe por muitos anos
depois do desmame, e a posição hierárquica que atin­
girão no grupo dependerá diretamente do empenho
materno. Como dissemos, bonobos órtàos dificilmen­
te chegam a macho alfa. Ao contrário, um bonobo
ainda jovem poderá ser guindado à posição se tiver
mãe poderosa.
O poder das fêmeas fica evidenciado com clare­
za nos rituais de divisão dos alimentos, que nos chim­
panzés sào orquestrados pelos machos em função de
seus interesses políticos ou reprodutivos (machos alia­
dos e fêmeas atraentes ganham a melhor porção). Nos
bonobos, mesmo que o macho tenha obtido sozinho
o alimento, quem o monopoliza sào as fêmeas, e os
primeiros a serem servidos sào os filhotes. Os machos
ficam na periferia do grupo, apesar das inúteis demons­
trações de descontentamento. No final, sào obrigados
a contentar-se com um pedaço dado pelos pequenos
ou roubado deles. Por essa razão, quando um macho
consegue carne ou outra comida rara, ele procura
ocultá-la; nào tem razões para dividi-la com as fêmeas,
nem muito menos com outros machos. Os bonobos
não caçam em grupo, nem são seres tão políticos como
os chimpanzés ou o homem.
Outra conseqüência importante da dominância
feminina é a ausência de infanticídio. Nào há casos
descritos de infanticídio entre os bonobos. Isso torna
as fêmeas muito mais independentes do que as gorilas
e chimpanzés, obrigadas a sujeitar-se ao macho forte,
possessivo, para proteger os filhotes.

VIDA SEXUAL

A vida sexual dos bonobos é florida. Não existe práti­


ca sexual entre seres humanos que nào tenha sido cien-
tificamente documentada entre eles: macho-fêmea,
fèmea-femea, macho-macho, fêmea adulta-macho
juvenil, macho adulto-fêmea juvenil, macho adulto-
macho juvenil e os juvenis entre eles/'
E muito provável que as combinações sem finali­
dade reprodutiva, como fêmea-têmea e macho-macho,
visem a aliviar tensões e estabelecer laços fraternos. Os
trabalhos de campo mostram intensa atividade sexual
nos momentos que precedem divisão de comida, en­
contro com estranhos ou reconciliação pós-conflito.
Nas fêmeas, os genitais externos estão situados
entre as pernas, em posição mais ventral do que nos
outros primatas nào-humanos. Esse detalhe anatômico
é responsável por outra característica singular dos
bonobos: copular em posição frontal, o macho deita­
do de frente sobre a fêmea com o ventre para cima
(posição ventroventral, ou de “missionário”), olhos nos

T. Kano. “The Sexual Behavior of Pigmy Chiinpanzees"; em: Understanding


Chimpanzees, ed. P. G. Heltne e L. A. Marquardt: p. 176-83. Cambridge. MA:
Harvard Universitv Press. 1997.
olhos, forma de relacionamento sexual considerada
exclusiva da espécie humana até há pouco tempo.To­
dos os outros primatas se limitam à prática do sexo
dorsoventral, o macho por trás da fêmea.
Como vimos, a fase de estro, caracterizada por
inchaço do clitóris e dos grandes lábios, confere van­
tagem reprodutiva, porque excita os machos. Resu­
midamente, o estro apresenta as seguintes característi­
cas fisiológicas na espécie:
1. O inchaço dos genitais se inicia no começo
do ciclo menstruai, atinge o máximo de volume e de­
clina antes da menstruação seguinte. Os machos ficam
particularmente atraídos pelas fêmeas que estào na fase
de inchaço máximo.
2. A ovulaçao geralmente acontece ao redor do
último dia de inchaço máximo.
3. O estro das bonobas é mais prolongado do
que o das chimpanzés, porque os ciclos menstruais
são mais longos e o inchaço chega a ocupar 75% do
período entre duas menstruações consecutivas. Como
vimos, os cientistas estimam que uma bonoba passe
metade da vida fértil em fase de estro.
4. A maioria das fêmeas apresenta inchaço e man­
tém atividade sexual durante os primeiros meses de
gravidez.
5. Um ano depois de dar à luz, a bonoba volta a
apresentar inchaços em ciclos anovulatórios que du­
ram de três a quatro anos, o que lhes permite retomar
a vida sexual ainda na fase de amamentação, sem risco
de nova gravidez (nas fêmeas de orangotangos, gorilas
e chimpanzés, o estro só retorna quando termina a
amamentação).
Na maioria dos encontros heterossexuais, é o
macho quem toma a iniciativa de procurar a fêmea no
estro. Estudos conduzidos por pesquisadores japone­
ses no Zaire mostraram que 62% a 89% das cópulas
acontecem por iniciativa masculina.1
E provável que a disponibilidade feminina seja
responsável pela menor competitividade entre os ma­
chos bonobos. Os conflitos de acasalamento capazes de
gerar enfrentamentos mortais nos orangotangos e gori­
las, ou batalhas de campo entre machos chimpanzés,
sào mais pacíficos entre os bonobos. A cena de um
macho copulando com a fêmea no estro, enquanto outro
espera com paciência pela vez, relatada por tantos estu­
dos comportamentais entre os bonobos, seria impensável
nos outros grandes primatas nào-humanos.
E precoce o início da vida sexual das fêmeas, na
espécie. As adolescentes apresentam índices copulatórios
mais altos do que os das fêmeas adultas, porque os ma­
chos adultos dão preferência às mais jovens. Fêmeas com
mais idade, mesmo que ainda mantenham inchaços
genitais, têm dificuldade para atrair o sexo oposto.
Embora a posição de macho alfa assegure privi­
légios sexuais, o longo período de receptividade fe­
minina garante acesso aos subalternos. As pesquisas
mostram que os machos dominantes mantêm maior
número de relações sexuais com as fêmeas, mas não
conseguem demonstrar que isso lhes traga vantagem
reprodutiva.
Na reprodução dos animais, as fêmeas costumam
optar por duas linhas estratégicas: escolher o dono dos
“melhores genes" disponíveis na comunidade ou pro­
mover a “guerra do esperma” através do acasalamento
múltiplo. Os bonobos optaram pela segunda estraté-

T. Furuich,“The Prolonged Estrus ofFemales and Factors Influencing Mating in a


Wild Group of Bonobos (Pan paniscus) in Wamba, Zaire”; em: Topics in Prunalology.
vol. 2. Behavior. Etology, aml Conservation, ed. N. Itoigawa.Y. Sugiyama, G.P. Sackett e
R.K..R. Thompson.Tokyo: University ofTokyo Press. 1992; p. 179-90.
gia. Não há dados para corroborar a idéia de que as
fêmeas dêem preferência ao macho alfa ou a outros
machos dominantes para engravidar. A estratégia das
bonobas parece ser a cia multiplicidade de parceiros,
de modo que o espermatozóide mais apto vença a
batalha da fecundação.
Ao confundir os machos em relação à paterni­
dade e formar alianças femininas para compensar a
desvantagem de força física, as fêmeas criaram um
mecanismo eficaz de proteção contra o infanticídio.
E importante ressaltar que as fêmeas não agem
dessa forma pensando 11a qualidade dos genes que
seus filhos herdarão, assim como os machos não se
excitam diante de genitais femininos inchados por
saberem que é maior a chance de ovulação naquele
momento. Além do homem, nenhum animal conhece
a fisiologia cia reprodução. Na evolução, os comporta­
mentos sexuais que geraram mais filhos têm maior
probabilidade cie transmissão aos descendentes. Nos
bonobos, quanto maior a intensidade do inchaço
genital, maior o potencial reprodutivo cia fêmea. Por
outro lado, quanto mais interessado em inchaços
genitais o macho, maior a probabilidade de transmitir
seus genes. Dessa maneira, a evolução privilegiou
bonobas que demonstram extenso período cie
receptividade sexual e machos encantados por elas.
EPÍLOGO
A
té a metade do século 19, a ciência acre­
ditava que todas as espécies existentes
na Terra haviam sido criadas por Deus,
_______ num único dia. Nessa época, os museus
britânicos já contavam com uma coleção razoável
de lósseis recolhidos em vários países. Entre os na­
turalistas, a análise desse material gerou três gran­
des indagações:
1. Que fenômenos teriam provocado a extinção
irreversível dessas espécies?
2. Por que razão muitos fósseis guardavam tanta
semelhança anatômica com espécies ainda vivas?
3. Como explicar o sucesso ecológico de uma
espécie e a extinção de outra?
Os cientistas da época elaboraram diversas teo­
rias para responder a essas questões. Então vieram Alfred
WilliamWallace (1823-1913) e Charles Darwin (1809-
82), dois naturalistas ingleses que imaginaram uma teo­
ria incrivelmente simples: a vida é uma competição
Epihgo ;;

permanente na qual os mais aptos sobrevivem e os


fracos são extintos.
Embora Darwin tenha justificado suas idéias atra­
vés da publicação de uma série de observações meti­
culosas, colhidas numa viagem pelas Américas e Caribe
que incluiu o Brasil, a teoria de Wallace-Darwin nas­
ceu apenas de uma idéia, como costumam surgir as
teorias universais.
Desde sempre, a experiência mostrou que um
fruto maduro cai da árvore sobre o chão. Todos os
animais sabem disso e nós também, mas foi preciso
nascer um homem chamado Isaac Newton para in­
terpretar a queda de forma nunca imaginada: não é
a maçã que cai da árvore, é a Terra que a atrai. Assim,
foi criada a lei da gravitaçào, válida para todos os
corpos celestes. Lei universal, como a teoria da se­
leção natural enunciada por Wallace-Darwin. Se no
futuro alguma forma de vida for descoberta num
planeta distante, ela obedecerá à mesma ordem: com­
petição e seleção natural.
Imagine a Terra há 3,5 bilhões de anos, no ins­
tante em que surgiu a vida. Que instante foi esse? Foi
quando apareceu a molécula de RNA. a primeira
dotada de uma propriedade singular: fazer cópias de si
mesma. A vida nada mais é do que um ato de
replicação eterna: um ser vivo forma dois, dois for­
mam quatro,quatro dão oito. 16,32,64... E uma pro­
gressão exponencial.
Se não existissem limites impostos a esse pro­
cesso de multiplicação, uma molécula replicante
qualquer cobriria a superfície da Terra em cama­
das sucessivas, que se acumulariam geometricamen­
te até preencher o universo inteiro.
A vida, porém, está longe de ser matemática. Para
uma molécula de RNA se formar, ela é obrigada a
retirar os átomos que a constituem do meio em que
se encontra, já que na natureza nada se cria, tudo se
transforma. E claro que as moléculas replicantes capa­
zes de recolher os “nutrientes” com mais eficiência e
se dividir em moléculas-filhas levaram vantagem na
competição e deixaram mais descendentes.
E fácil imaginar que a primeira molécula de RNA
que conseguiu sintetizar uma camada externa prote­
tora ficou menos sujeita às intempéries químicas do
meio e criou uma estrutura mais competente, como a
de certos vírus (o da Aids, por exemplo). Essa forma
primitiva de vida deve ter levado tanta vantagem com­
petitiva que persistiu até nossos dias.
Na competição entre as moléculas replicantes
primordiais, alguns RNA desenvolveram a proprie­
dade de sintetizar uma molécula capaz de armazenar
informações genéticas muito mais complexas. Assim,
a partir do RNA surgiu o DNA, molécula-arquivo
que gerou os primeiros seres unicelulares: as bactérias
arcaicas, habitantes exclusivas do planeta por 3 bilhões
de anos. O sucesso ecológico desses seres, formados
de uma só célula, pode ser medido não só pelo tempo
em que as bactérias constituíram a única forma de
vida existente, mas pelo tato de estarem disseminadas
ubiquamente na Terra até os dias de hoje.
Foi há apenas 600 milhões de anos que o rio da
vida abandonou a monotonia unicelular e deu ori­
gem a agrupamentos rudimentares de várias células
na forma de um corpo. A competição por nutrientes
e condições tísicas favoráveis fez com que essas formas
de vida multicelulares aumentassem rapidamente de
complexidade, originando animais e vegetais que dei­
xaram os mares e se estabeleceram em terra firme.
Caracteristicamente, nós, homens e mulheres,
temos uma visão fantasiosa do processo evolucionário.
Talvez por nossa espécie ser dona do sistema nervoso
central mais complexo de um ser vivo, consideramos
nosso aparecimento na Terra o objetivo final da evo­
lução. E como se a vida tivesse evoluído a partir das
bactérias mais primitivas com o único propósito de
atingir o momento supremo da criação há 5 milhões
de anos, com o nascimento de nossos antepassados
diretos nas savanas da África.
Essa visão centrada no homem (antropocêntrica)
não tem respaldo científico. Se fosse para eleger a for­
ma de vida que deu mais certo entre nós, seríamos
obrigados a escolher as bactérias, seres unicelulares que
estão aí há 3,5 bilhões de anos, enquanto nós mal aca­
bamos de chegar. Diante da natureza, somos apenas
uma das 30 milhões de espécies que povoam o plane­
ta na atualidade. O sucesso ou fracasso ecológico de
uma espécie nada tem a ver com a importância que
ela atribui a si mesma. Se uma hecatombe destruísse
até o último ser humano, que diferença faria para os
fungos, formigas e corais marinhos?
Os estudos sobre o comportamento dos grandes
primatas devem ser interpretados nessa perspectiva
evolucionária. Quando vemos um lobo, onça ou urso
atacar uma presa, aceitamos com facilidade a idéia de
que tal comportamento tenha evoluído da mesma for­
ma nas três espécies: nelas, os caçadores mais habilido­
sos sobreviveram e tiveram mais filhos, transmitindo a
eles o traço hereditário da caça. Ao contrário, os que
não souberam caçar foram caçados e não deixaram
descendentes.
Tiramos conclusões desse tipo baseados no cha­
mado princípio da parcimônia, segundo o qual, se duas
ou mais espécies geneticamente próximas exibem
comportamentos semelhantes, o mecanismo que lhes
deu origem deve ter sido o mesmo. A alternativa seria
altamente improvável: a natureza inventar leis parti­
culares para cada uma das 30 milhões de espécies. Se
fosse assim, como explicar que todos os seres vivos
que enxergam têm dois olhos e um sistema nervoso
central para montar as imagens; todos os que andam
têm membros localizados simetricamente de ambos
os lados do corpo; e todos os que dependem de oxi­
gênio já nascem respirando?
Uma vez que as diferenças genéticas entre lobos,
onças e ursos são bem maiores do que as encontradas
entre orangotangos, gorilas, homens, chimpanzés e
bonobos, por que razão nos grandes primatas a natu­
reza agiria de forma diferente, criando para o homem
uma linha evolutiva especial?
A verdade é que as semelhanças entre os grandes
primatas vão muito além da aparência física:
1. O filhote é dependente de cuidados maternos
durante vários anos: cinco nos chimpanzés, sete nos
orangotangos e até mais no homem.
2. Os chimpanzés, bonobos e homens são carní­
voros. Chimpanzés machos e homens organizam gru­
pos para caçar. Nas duas espécies existe o ritual de
divisão da carne.
3. Como regra geral, nos grandes primatas os ma­
chos disputam as fêmeas em batalhas violentas. Os
bonobos são exceção, e os homens têm comporta­
mento que oscila entre os dois extremos.
4. A defesa do território é menos nítida nos oran­
gotangos e gorilas, mas nos chimpanzés e homens pode
desencadear batalhas mortais entre os membros de
comunidades diferentes.
5. Nas cinco espécies, os machos são mais fortes
do que as fêmeas. Quanto mais acentuado o dimor-
físmo sexual, como nos orangotangos e gorilas, mais
dominadores são eles e mais desunidas as fêmeas. Nos
bonobos e homens, espécies menos dimórficas, com
fêmeas capazes de formar alianças, o poder masculino
foi reduzido significativamente.
6. A estratégia sexual mais usada pelos machos
das cinco espécies é procurar o acasalamento com di­
versas fêmeas e impedir que outros machos façam o
mesmo. Os bonobos são exceção; o homem, um caso
intermediário.
7. A estratégia feminina é escolher o macho que
tenha a maior probabilidade de gerar filhos fortes e
protegê-los durante a infancia. A preferência sexual
costuma recair nos machos que ocupam os postos mais
altos da hierarquia social. A gorila chega a abandonar
o macho, se ele não foi capaz de proteger o filhote, e
acompanhar o invasor infanticida.
8. Através da infidelidade, as fêmeas têm acesso a
genes de indivíduos que vivem em outros grupos.
9. A vida terrestre, que começou com os gorilas,
trouxe a necessidade do grupo. Chimpanzés, bonobos
e homens formam comunidades maiores, nas quais os
indivíduos estabelecem complexas redes de alianças.
São os mais políticos dos animais.
10. O canibalismo é encontrado nos homens e
chimpanzés. Nessas espécies, os machos formam ban­
dos para invadir território alheio e matar o semelhan­
te, premeditadamente. São os dois únicos animais com
essa característica.
11. Como regra geral, os grandes primatas são
capazes de utilizar ferramentas. Chimpanzés e bonobos
reconhecem a própria imagem no espelho, capacida­
de que a criança desenvolve a partir dos 18 meses de
vida. Chimpanzés e bonobos conseguem aprender o
significado dos sinais representados na linguagem dos
surdos-mudos e chegam a interpretar sentenças que
nunca ouviram antes.
Milhares de horas de observação de primatas no
campo e cativeiro permitiram aos primatologistas
modernos estabelecer as bases evolutivas do compor­
tamento humano.
Como já foi dito, a evolução não cria mecanis­
mos especiais para nenhuma espécie. Se admitimos
que o homem tem um lado animal em sua personali­
dade, despótico, sanguinário, herdado de nossos an­
cestrais primitivos, por que não considerar que deve­
mos a eles também o lado mais nobre,“humano”, como
preferimos dizer? Quando um chimpanzé traz comi­
da para o companheiro doente, uma gorila enfrenta o
macho enorme para defender um filhote que não é
dela, uma fêmea de orangotango coça as costas do fi­
lho ou um bonobo cola os lábios nos da fêmea e in­
troduz a língua em sua boca, por que não dizer que
tais atitudes representam altruísmo, solidariedade com
o mais fraco, carinhos maternos e beijo na boca?
O que nos diferencia dos outros primatas não
são as atitudes nobres, muito menos as bestiais, mas o
fato de termos um sistema nervoso central mais com­
plexo do que o deles. O orangotango alfa dá gritos
longos para atrair fêmeas receptivas e assustar subor­
dinados, gorilas e chimpanzés berram para afastar in­
trusos, e os bonobos, quando brigam, gritam alter-
nadamente na direção do adversário, como se
trocassem ofensas num debate. Não há dúvida de que
os grandes primatas nào-humanos conseguem dizer
coisas fundamentais uns para os outros através da fala.
O que eles não são capazes é de recombinar sílabas
sem sentido, de modo a formar milhares de palavras,
que podem ser agrupadas em sentenças com infini­
tos significados. A linguagem, sim, é uma caracterís­
tica tipicamente humana; nada parecido com ela existe
em qualquer espécie.
Nosso cérebro evoluiu passo a passo através de
ancestrais comuns aos dos outros primatas. Não hou­
ve saltos qualitativos nem acrobacias evolutivas, ape­
nas um longo processo de competição e seleção natu­
ral que conduziu aos cinco grandes primatas e seus
97% ou 98% de identidade genética, no meio de 30
milhões de espécies sobreviventes das sucesssivas
extinções em massa ocorridas no planeta.
Num mundo de reservas limitadas, a diferença
genética de 2% ou 3% que surgiu entre nós e os ou­
tros grandes primatas foi decisiva para o homem po­
voar o planeta aos bilhões, número jamais sonhado
por qualquer outro primata, e ainda aventurar-se às
viagens espaciais. Nessa pequena constelação exclusi­
va de genes humanos, estão aqueles que aumentaram
a versatilidade do funcionamento cerebral.
O cérebro humano, comparado com o de oran­
gotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos, não é apenas
mais volumoso e saliente na fronte; também apresenta
maior capacidade computacional. Na evolução, não
ocorreu simplesmente o crescimento volumétrico: hou­
ve na espécie humana o crescimento diferencial de al­
gumas áreas cerebrais, como explicaremos abaixo.
Nosso cérebro é formado de células nervosas, os
neurônios, que se comunicam através de circuitos
computacionais montados pacientemente durante
milhões de anos de competição e seleção natural. Cada
estímulo que atinge o sistema nervoso central percor­
re um circuito particular de neurônios, até chegar às
estações centrais que decodificam os sinais recebidos.
Quando um raio de luz impressiona nossa retina, por
exemplo, o estímulo visual cruza o cérebro até a parte
posterior da cabeça, no lobo occipital, onde se encon­
tra o centro da visão. Dele, novos circuitos de neurônios
fazem a informação trafegar em velocidade vertigi­
nosa aos centros cerebrais que irào situar o estímulo
no domínio do consciente. Em milionésimos de se­
gundo saberemos se aquela luz é de um barco, de um
vagalume ou do automóvel ameaçador.
No caminho da evolução que conduziu ao ho­
mem, houve um crescimento diferencial de alguns
centros cerebrais situados em duas áreas principais:
1. Uma posterior, na regiào que corresponde à
transição dos ossos occipitais (atrás da cabeça),
parietais (em cima) e temporais (do lado). Nessa par­
te posterior, são recebidos e integrados os estímulos
visuais, táteis, olfatórios, acústicos e gustativos. O cres­
cimento dessa área permitiu o aparecimento de um
universo abstrato, desconhecido pelos outros animais.
Num instante, o cheiro de uma flor pode evocar um
perfume de mulher, através dele um vestido branco,
um baile, uma cantata de Bach e a tristeza pela mor­
te de um ente querido. Como no caso da linguagem,
não há evidência de que nossos irmãos primatas se­
jam dotados de uma circuitaria de neurônios capaz
de associações tão complexas.
2. A outra área é o lobo frontal, responsável pela
testa proeminente dos homens. Na linhagem que deu
o homem, houve crescimento progressivo dessa área.
O homem moderno não tem a testa inclinada para
trás como os demais grandes primatas ou mesmo os
homens primitivos. O lobo frontal mais desenvolvido
permitiu colher e processar informações do próprio
corpo e do meio ambiente, ao mesmo tempo, através
de circuitos cerebrais intercomunicantes. Disso resul­
tou uma integração digital do universo interno do
corpo humano com o mundo externo, o que nos per­
mite avaliar simultaneamente o nível de urina presen­
te na bexiga, a velocidade do carro, a chuva que as
nuvens negras trarão, o impacto delas no tráfego e cal­
cular se dá tempo de esvaziá-la antes que o banco
feche, para efetuar o pagamento da conta sem multa.
O desenvolvimento do lobo frontal na espécie
humana colocou as representações internas do corpo
online com as do mundo externo, permanentemente.
Desse universo online resultou um crescimento expo-
nencial da capacidade de elaborar projetos. Como o
de criar colônias em Marte, por exemplo, nos próxi­
mos cem anos.
Nesse ponto, voltemos às moléculas replicantes,
como o DNA e RNA. Na introdução, considera­
mos o início da vida na Terra, o instante em que
surgiu uma molécula que se dividiu em duas, estas
em quatro, oito... etc. Raramente nos detemos a
pensar no potencial explosivo de progressões geo­
métricas desse tipo. Elas são ilimitadas, podem criar
trilhões, quatrilhões de indivíduos, desde que haja
tempo e condições adequadas.
Entre os 3 bilhões de espécies que já habitaram
nosso planeta, surgiu um grande primata muito pare­
cido com os outros, exceto pelo volume computacional
do cérebro, capaz de processar informações como ja­
mais se viu. Em apenas 5 milhões de anos, esse primata
partiu para povoar outros corpos celestes. Certamen­
te, levará com ele algumas espécies exclusivas da Terra,
com seus genes replicantes a gerar novos indivíduos
em progressão geométrica: dois, quatro, oito...
LIVROS E VÍDEOS
RECOMENDADOS
Abaixo segue uma série de indicações para os que
desejarem conhecer melhor o assunto. Infelizmente, a
maioria dos livros publicados está em inglês.

LIVROS

W.W. Wrangham e D. Peterson, Machos Demoníacos.


Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
J. Goodall, The Chimpanzees of Gotnbe. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1996.
W.C. McGrew, L.F. Marchant e T. Nishida, Great Ape
Soáeties. Cambridge: Cambridge University Press. 1997.
F. de Waal, Good Natured: the Origins o/Right and Wrong
in Humans and Other Animais. Cambridge, MA:
Harvard University Press., 1996.
F. de Waal e F. Lanting, Bonobo: the Forgotten Ape.
Berkeley: University of Califórnia Press, 1996.
F. de Waal, Chinipanzee Politics: Power and Sex Atnong
Apes. Baltimore: The Johns Hopkins University
Press, 1989.
M.P. Ghiglieri,The Dark Sidc ojMantTracing the Origins
qfViolence. Reading, MA: Perseus Books, 1999.

VÍDEOS

Orangntans—the Higli Society.Bethesda,MD:Discovery


Communications, 1996.
Gorillas - Tender Giants. Bethesda, MD: Discovery
Communications, 1996.
The l hhan Goritla. (National Geographic Society.)
Warner Home Video, 1991.
People o f the Forest. Bethesda, MD: Discovery
Communications, 1997.
Mysteries of Mankind. (National Geographic Society.)
Warner Home Video, 1998.
SOBRE 0 AUTOR

DrauzioVarella é médico, formado pela USP em 1967.


Trabalhou no Hospital do Câncer de Sào Paulo du­
rante 20 anos e fez estágios em hospitais dos Estados
Unidos, Europa ejapào.
Publicou artigos médicos em várias revistas
científicas nacionais e internacionais; e conduziu di­
versas campanhas educativas em emissoras de rádio e
televisão nos últimos 15 anos. Autor de Estação
Carandiru (São Paulo: Companhia das Letras, 1999), é
também articulista da Folha de S. Paulo e colaborador
da Gazeta Mercantil e da revista CartaCapital.
No momento, além da prática clínica, é médico-
voluntáno da Casa de Detenção e apresenta um pro­
grama médico no Canal Universitário e na TV Sena­
do. Dirige o Centro de Pesquisa e Tecnologia da Unip,
que conduz estudos sobre a atividade farmacológica
de várias espécies de plantas brasileiras, colhidas prin-
cipalmente nas florestas do rio Negro, Amazonas.
FOLHA
EXPLICA

Folha Explica é uma série de livros breves,


abrangendo todas as áreas do conhecimento e cada
um resumindo, em linguagem acessível, o que de
mais importante se sabe hoje sobre determinado
assunto.
Como o nome indica, a série ambiciona expli­
car os assuntos tratados. E fazê-lo num contexto bra­
sileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só
para que fique bem informado, mas para que possa
refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e
consciente das circunstâncias do país.
Voltada para o leitor geral, a série serve também
a quem domina os assuntos, mas tem aqui uma chance
de se atualizar. Cada volume é escrito por um autor
reconhecido na área, que fala com seu próprio estilo.
Essa enciclopédia de temas é, assim, uma enciclopédia
de vozes também: as vozes que pensam, hoje, temas de
todo o mundo e de todos os tempos, neste momento
do Brasil.
i MACACOS Drauzio Varella

2 OS A L IM E N T O S T R A N S G Ê N IC O S M arcelo Leite

3 C A R LO S DRUMMOND DE A N D R A D E Francisco Achcar


4 A A D O L E S C Ê N C IA Contardo Calli§aris
5 N IE T Z S C H E Oswaldo Giacoia Junior

6 0 N A R C O T R Á F IC O Mario Magalhães
Este livro foi composto nas fontes 8embc
e Geometr 41 5 e impresso em junho de
2000 pela Gráfica Circulo, São Paulo,
sobre papel offset 90 g/rrv, com fotolitos
fornecidos oelo Publifoiha-
FOLHA ***
EXPLICA

Esta é u m a via g e m p e lo universo dos g ra n d e s p rim a ta s


n ã o -h u m a n o s : o ra n g o ta n g o s , go rila s, ch im p a n zé s e bon ob o s.
C o n h e c e r os h á b ito s e re la c io n a m e n to s sociais ca ra cte rístico s
dessas espécies é fu n d a m e n ta l p a ra e n te n d e r m e lh o r o c o m p o rta ­
m e n to h u m a n o .
Q u a n d o c h im p a n zé s m a rc h a m e m silê n cio p a ra a ta c a r
a c o m u n id a d e vizinha, o u u m b o n o b o fa z c a re ta d ia n te d a p ró p ria
im a g e m no esp e lho , é im possível resistir à te n ta ç ã o de
c o m p a rá -lo s c o m os h o m e n s. Este livro ensina, c o m discre ta
iron ia , o q u e são as raízes b io ló g ica s d o c o m p o rta m e n to .

Drauzio Varella é medico Autor de Estação Carandiru,


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