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Abstract Introdução
1 Faculdade de Saúde A generic drug policy has been implemented in No Brasil, é responsabilidade do Estado a for-
Pública, Universidade de
Brazil since 1999. Several political and admin- mulação e execução de políticas econômicas e
São Paulo, São Paulo, Brasil.
istrative stages transpired between enactment of sociais que visem, entre outros, estabelecer
Correspondência the legislation and the actual marketing and condições que assegurem acesso universal às
N. S. Romano-Lieber
consumption of these drugs. This article describes ações e serviços para promoção, proteção e re-
Departamento de Prática
de Saúde Pública, the policy implementation process and exam- cuperação da saúde 1. Neste contexto, insere-
Faculdade de Saúde Pública, ines the country’s generic drug legislation, ap- se a política nacional de medicamentos, cujo
Universidade de São Paulo.
proved from 1999 to 2002. To contextualize these propósito é garantir o acesso da população aos
Av. Dr. Arnaldo 715,
São Paulo, SP measures, the study compares articles published medicamentos considerados essenciais, bem
01246-904, Brasil. by two national periodicals and interviews with como a sua necessária segurança, eficácia e
nicolina@usp.br
a government representative involved in draft- qualidade 2.
ing the legislation and a representative from the Dentre as estratégias para a promoção do
pharmaceutical industry. Generic drugs quickly acesso a medicamentos, encontra-se a política
gained considerable space in the Brazilian phar- de medicamentos genéricos, que são, em geral,
maceutical market. Ongoing adaptation of the mais baratos que os medicamentos inovadores
legislation, media support, and the government’s devido em grande parte ao fato de não recaí-
involvement in spreading the policy were key rem sobre o genérico os custos relativos ao de-
success factors. The population’s access to medi- senvolvimento da nova molécula e dos estudos
cines did not increase significantly, but people clínicos necessários. Outro fator que contribui
can now purchase medicines at more affordable para um custo mais baixo é o menor investi-
prices and with quality assurance and inter- mento em propaganda para tornar a marca co-
changeability. nhecida. Os medicamentos genéricos são me-
dicamentos similares a um produto de referên-
Generic Drugs; Health Legislation; Comunica- cia ou inovador, que pretende ser com este in-
tions Media tercambiável, geralmente produzido após a ex-
piração ou renúncia da proteção patentária ou
de outros direitos de exclusividade, comprova-
da a sua eficácia, segurança e qualidade 3.
O mercado farmacêutico brasileiro possui
algumas particularidades que auxiliam a com-
vido à ausência do lucro, ou distribuidoras as- avaliou-se que o déficit entre a demanda e a
sociadas a indústrias multinacionais para im- produção não seria resolvido em curto prazo,
pedir a venda de genéricos, ou mesmo médi- porque o aumento da produção não é um pro-
cos que estariam sendo pressionados pelos la- cesso rápido. Diante desse fato e da necessida-
boratórios estrangeiros para não receitá-los 5. de premente de se ter mais genéricos disponí-
É possível, todavia, que nem as farmácias nem veis, o governo tomou uma decisão controver-
os fabricantes estivessem preparados para sa, publicando o Decreto n. 3.675 16, em 28 de
atender à demanda inicial por genéricos, como novembro de 2000. No decreto, foi permitido o
veio a se evidenciar pelos fatos subseqüentes. registro por um ano, por meio de um processo
Na tentativa de regularizar a oferta, suces- simplificado e com trâmite acelerado dentro
sivas medidas foram sendo tomadas pelo go- da ANVISA, de medicamentos genéricos que já
verno para regulação do mercado a cada novo fossem registrados no Canadá, Europa e Esta-
problema observado. Assim, a primeira medi- dos Unidos.
da foi a publicação da Resolução n. 45 13, em 15 Este processo particular de registro teria um
de maio de 2000, tornando obrigatória a afixa- procedimento diferente do convencional. A do-
ção da relação de medicamentos genéricos re- cumentação a ser apresentada seria simplifica-
gistrados na ANVISA nas farmácias e drogarias da e não haveria necessidade de serem apre-
“em local de fácil acesso e visibilidade”. Poste- sentados testes comprobatórios da bioequiva-
riormente, essa resolução foi revogada pela Re- lência e equivalência farmacêutica contra o
solução n. 99 14, de 22 de novembro 2000. Nes- medicamento-referência nacional no ato do
ta, estendia-se o prazo até o 15o dia do mês se- registro. Tais testes deveriam ser apresentados
guinte para que a listagem fosse atualizada. em até um ano após a concessão do registro.
Conforme o representante do governo, o pro- Em contrapartida, a empresa, obrigatoriamen-
pósito da Resolução era melhor informar ao te, colocaria o produto no mercado em até 45
público consumidor. O resultado da medida foi dias após a concessão do registro, sob pena de
questionável, dado que a pesquisa realizada pe- sua perda compulsória. A esse respeito, o en-
la ANVISA mostrou que somente 7,2% dos con- tão ministro da saúde fez declarações, esclare-
sumidores chegaram a consultar a lista de ge- cendo que o motivo da criação do registro es-
néricos nas farmácias ou drogarias 8. pecial era facilitar a importação de genéricos 5.
Rapidamente se avaliou que a colocação da O caráter circunstancial da medida foi enfati-
lista de genéricos registrados não era suficiente zado pelo representante do governo. Para ele:
para normalizar a distribuição, sendo necessá- “Naquele momento, foi um mal necessário. Foi
rio o controle do que era produzido, importa- uma tentativa de aumentar o número de gené-
do, bem como o local de comercialização para ricos no mercado de maneira mais rápida e ti-
que se pudessem conhecer os pontos falhos e vemos que correr riscos” 5 (p. 54).
intervir. Além disso, deixou-se de considerar As indústrias nacionais protestaram porque
que nem todos os medicamentos registrados o decreto tratava os produtos importados de
são comercializados, pois, com freqüência, a forma diferenciada, uma vez que, num primei-
indústria posterga ou desiste do lançamento ro momento, eles não seriam submetidos ao
de um medicamento. Dessa forma, 2,5 meses teste de bioequivalência. Para o representante
após a publicação da Resolução n. 45, foi publi- da indústria farmacêutica o decreto foi “um
cada a Resolução n. 78 15, em 21 de agosto de absurdo” 5 (p. 55), pois havia um procedimento
2000, obrigando as empresas importadoras e regulamentar a ser seguido pelos laboratórios
produtoras de genéricos a entregarem o balan- locais e um procedimento mais facilitado aos
ço mensal de vendas. Deveriam ser informados estrangeiros. Acrescentou, ainda, que o Brasil
a quantidade produzida, a capacidade instala- não criou mecanismos de proteção à indústria
da, o total de lotes fabricados, a quantidade de nacional, na medida em que permitiu a entra-
produto vendido, o local para onde o lote foi da de genéricos de outros países sem algumas
vendido, além de dados sobre o tamanho e par- exigências de reciprocidade lá existentes.
ticipação do mercado. De acordo com o repre- O decreto em pauta, além de fonte de mui-
sentante do governo, o propósito dessa medida tas críticas, apresentava sério problema técni-
era fornecer à ANVISA o acesso aos dados das co, dado que, em sua primeira versão, não exi-
movimentações das empresas. gia nenhum teste comprobatório de equivalên-
Os balanços começaram a ser recebidos a cia farmacêutica. Por mais que o produto pos-
partir de 10 de setembro 2000, e a Resolução suísse o estudo de bioequivalência contra um
determinava que as empresas enviassem tam- medicamento de empresa diferente da deten-
bém balanços retroativos dos meses de junho e tora do produto de referência nacional. Rapi-
julho de 2000. Com o recebimento dos dados, damente, publicou-se o Decreto n. 3.718 17, em
Efeitos dos quatro primeiros anos de vigência sadas, sugerindo a simples migração do mes-
de medicamentos genéricos no Brasil mo consumidor do medicamento de marca pa-
ra o genérico.
A criação dos medicamentos genéricos trouxe Os resultados comerciais refletiram as dife-
exigências que até então eram desconsideradas, rentes ações para agilizar o processo de regis-
como, por exemplo, as validações de limpeza, tro e o genérico já cobria 9,9% das vendas no
de produção e dos métodos analíticos. Os que- mercado, mostrando o padrão de aceitação 30.
sitos relativos ao princípio ativo e à equivalên- Esses números mostram-se superiores ao de al-
cia da ação biológica tornaram necessário o mo- guns países onde existem genéricos há muitos
nitoramento da qualidade, de forma a garantir a anos, como França (2%), Itália (1%), Espanha
bioequivalência nos lotes de produção segundo (1%) e Portugal (1%), alcançando o Japão (8%)
os padrões oferecidos no ato do registro. e a Áustria (6%). Contudo, estão distantes ain-
O impacto da regulamentação dos genéri- da de países como a Grã-Bretanha (65%), Dina-
cos alcançou também os demais procedimen- marca (60%), Estados Unidos (49%), Canadá
tos de registro. A nova legislação para os medi- (40%) e Alemanha (38%) 31.
camentos similares e novos, por exemplo, pas-
sou a ter os mesmos requerimentos de quali-
dade exigidos para os genéricos 27. Conclusões
O crescimento das vendas de medicamen-
tos genéricos nos primeiros 18 meses de sua in- O uso adequado dos recursos da mídia mos-
trodução no mercado foi em torno de 15% ao trou-se fundamental para a implantação da
mês. Entre junho de 2000 e agosto de 2001, a política de medicamentos genéricos no país.
venda de genéricos cresceu 249,42%, chegando No esforço do governo para viabilizar esta
a 7,06 milhões de unidades 28. Desde a Resolu- nova política, cabe destaque para as sucessivas
ção n. 74 de 2 de fevereiro de 2000, o número de correções, sem as quais, dificilmente os genéri-
genéricos registrados e comercializados tem cos estariam implantados. A legislação perti-
crescido. Em abril de 2004 os medicamentos nente foi modificada várias vezes, frente às ne-
genéricos totalizavam 1.124 medicamentos re- cessidades e às situações inesperadas que sur-
gistrados, divididos em 270 fármacos, 57 clas- giram durante o processo. Guardadas as pro-
ses terapêuticas e já atendiam a 60% da neces- porções, foi um atendimento das recomenda-
sidade de prescrição 29. ções expressas pela OMS, ao preconizar a ne-
Conseqüentemente, o perfil de consumo de cessidade de acompanhamento e correção de
medicamentos no mercado brasileiro alterou- rumos na implantação efetiva de uma política
se. Segundo o IMS Health, empresa dedicada ao nacional de medicamentos 30.
acompanhamento do mercado farmacêutico O Brasil atingiu em poucos anos um pata-
global, entre dezembro de 2000 e novembro de mar de vendas de genéricos que outros países
2002, ocorreu uma rápida e grande evolução na demoraram várias décadas para alcançar. O su-
participação dos genéricos no mercado brasi- cesso na implantação dessa política pode ser
leiro, um pequeno declínio das vendas dos me- atribuído a vários fatores, como a contínua
dicamentos de referência e uma forte queda nas adequação da legislação e o respaldo da mídia
vendas de medicamentos similares. A ANVISA que proporcionou ao governo o apoio popular.
também verificou evolução da participação da A implantação da política de genéricos no
quantidade vendida de medicamentos genéri- país, embora não tenha favorecido um aumen-
cos 28. Nos primeiros anos da implantação dos to significativo de acesso aos medicamentos na
genéricos, a mídia impressa, acompanhando população brasileira, foi um ganho. Os consu-
as transformações, noticiava que os remédios midores passam a contar com a oportunidade
de marca estavam vendendo menos 5. Cálculos de comprar medicamentos a preços mais aces-
de algumas multinacionais indicavam uma que- síveis e com garantia de qualidade e intercam-
da de até 30% na venda dos produtos de refe- biamento.
rência em dezembro de 2002 5. Além disso, outra O impacto da regulamentação dos genéri-
pesquisa por amostragem feita pela ANVISA 8 cos alcançou os procedimentos de registro dos
mostrou que a comercialização não havia cres- demais tipos de medicamentos, trazendo avan-
cido em volume em 47% das farmácias pesqui- ços na questão da qualidade destes.
Resumo Colaboradores
A política de medicamentos genéricos foi estabelecida C. R. C. Dias contribuiu na revisão bibliográfica, tra-
no Brasil em 1999. Entre a promulgação da Lei e a efe- balho de campo e na redação do artigo. N. S. Roma-
tiva comercialização e consumo desses medicamentos, no-Lieber colaborou na revisão bibliográfica e reda-
sucederam-se diversas etapas no âmbito político e ad- ção do artigo.
ministrativo. O objetivo deste trabalho foi descrever
este processo ocorrido na época da implantação. Foi
examinada a legislação pertinente aos medicamentos
genéricos no país, publicada entre 1999 e 2002. Para
contextuar tais medidas, confrontaram-se notícias
publicadas em dois jornais de abrangência nacional
com entrevistas de um representante do governo, en-
volvido na elaboração da legislação brasileira de me-
dicamentos, e um representante da indústria farma-
cêutica. Em pouco tempo, os genéricos conquistaram
espaço considerável no mercado farmacêutico brasi-
leiro. A contínua adequação da legislação, o respaldo
da mídia e o envolvimento do governo em sua divul-
gação possibilitaram o sucesso obtido. Não houve au-
mento significativo do acesso da população aos medi-
camentos, entretanto, passou-se a contar com a opor-
tunidade de adquirir medicamentos a preços mais
acessíveis e com garantia de qualidade e intercambia-
mento.
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