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Clínica do Social 49
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Hans Füchtner
W erner Kemper was the first training psychoanalyst and founder of the
Psychoanalytical Society of Rio de Janeiro. His role is highly contested for
several reasons, especially in regard to the time he spent living in Nazi Germany.
This essay will discuss the many accusations and suspicions that were brought
1997 por Elisabeth Roudinesco e Michel mesmas, resumimos os seus mais im-
Plon, inclui vários artigos, entre os quais portantes dados biográficos que têm
um de três páginas sobre Kemper, que importância para o que se segue.
o caracteriza de forma ainda mais pro- Werner Walter Kemper nasceu a
blemática. Os autores dessa avaliação se 6.8.1899 em Hilgen, uma cidadezinha na
apóiam nitidamente em Besserman Vian- Westfália. Segundo filho (do total de
na. O que, em vista da pretensão cien- sete) do Pastor da paróquia e sua espo-
tífica do dicionário, é um problema, sa. Foi na juventude “Wandervogel” (um
considerando que o livro de Besserman movimento de jovens excursionistas ale-
Vianna apresenta o seu ponto de vista mães) e membro do “Freideutschen
de forma totalmente subjetiva e não Jugendbewegung” (Movimento da Ju-
científica. ventude Alemã Livre). Fez vestibular em
Como se nota a seguir, os autores não regime de urgência, em 1917, e foi logo
dão importância nessa questão à devida convocado como soldado para a I
exatidão científica. Eles assumem não Guerra Mundial na Frente de Combate
somente afirmações não conferidas de do Ocidente. Depois de dispensado
Besserman Vianna, mas também se ori- (1919), iniciou estudos de medicina e
entam na mesma direção dela com especializou-se em cirurgia ginecológi-
afirmações para as quais não apresen- ca. Desde cedo mostrou interesse por
tam provas. fenômenos psicossomáticos e hipnose e
O dicionário teve por várias razões mui- em suas atividades como médico serviu-
ta repercussão no Brasil. Foi traduzido se de experiências realizadas nessa área.
logo em português e publicado numa Em 1928, iniciou em Berlim a sua for-
edição brasileira aumentada (Roudines- mação de psicanalista num curso
co; Plon, 1997/1998). Dessa forma, esta noturno no “Instituto de Psicanálise de
publicação com certeza deve ter contri- Berlim”. Nesse tempo era “médico-chefe
buído para que as afirmações sobre de um conceituado sanatório particular”
Kemper, que hoje em dia se ouve no (Kemper, 1973b: 265). Foi aprovado
Brasil, lembrem o resultado de uma cor- como candidato à formação de psicana-
rente de informação como no jogo in- lista, após as primeiras entrevistas com
fantil do “telefone sem fio”. Ao fim, ele Eitingon e Simmel em 1927. Fez sua
não foi somente “denunciante”, “nazis- análise didata de 1928 a 1932 com Mül-
ta”, “homem da Gestapo”, mas também ler-Braunschweig num total de 950
“Presidente da DPG”, “chefe do ‘Insti- horas. Iniciou sua formação teórica em
tuto Göring’” e outras coisas mais. 1929, tendo tido como supervisores
Otto Fenichel (1929-1931, 150 horas);
DADOS DA CARREIRA PROFISSIONAL Wilhelm Reich (1930-1932, 110 horas);
DE KEMPER
Ernst Simmel (1931-1932, 30 horas) e
Antes de enumerar as acusações con- Felix Boehm (1931-1932, 25 horas).
tra Kemper e a consistência das Em 1931 tornou-se membro associado
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e em 1932 membro efetivo da DPG. regime nazista. Ele participa, por outro
Kemper foi nomeado nesse mesmo tem- lado, na fundação da nova DPG e é no-
po (novembro de 1933), por assembléia meado como seu terceiro diretor
geral, para o cargo de tesoureiro da (Lockot, 1994; Wunderlich, 1991).
DPG, juntamente com Alexander Met- Kemper foi o único psicanalista de Ber-
te. Em 1934, foi admitido como docente lim a participar na “International
no “Instituto de Psicanálise de Berlim”. Conference on Mental Health”, em Lon-
Nesse mesmo ano, casa com Anna Kat- dres, em agosto de 1948. Nessa época
trin van Wickeren. o bloqueio de Berlim pela União Sovié-
A partir de 1936 torna-se analista dida- tica (de junho de 1948 até maio de
ta. É reeleito tesoureiro e nomeado ter- 1949) impossibilitava viagens para den-
ceiro diretor da DPG (diretor-presidente, tro ou fora da cidade e por isso pode-se
Boehm; vice-presidente, Müller- deduzir que ele deva ter tido a proteção
Braunschweig). de uma autoridade ocidental para poder
Após a fundação em 1936 do “Instituto viajar. Foi a grande oportunidade para
Alemão de Pesquisa Psicológica e Psi- Kemper de falar pessoalmente com Er-
coterapia” (Deutsches Institut für nest Jones sobre a possibilidade de
Psychologische Forschung und Psycho- trabalhar no Rio de Janeiro como ana-
terapie), o chamado “Instituto Göring”, lista didata. Em vista do bloqueio de
Kemper continua ainda sua atividade de Berlim, o seu interesse tornara-se maior
docente na DPG. Após a sua dissolu- ainda. Ele temia uma guerra contra os
ção em 1939, ele continua a ensinar no russos, por causa de informações que
“Instituto Göring” no “Grupo de traba- recebera de um paciente “filho de um
lho A”, que sucedeu a DPG no Instituto, oficial americano do alto escalão”.
e, além disso, trabalha em seu próprio Finalmente, em dezembro de 1948,
consultório. A partir de 1941, ele passa Kemper pôde deixar Berlim de avião
a trabalhar também na Policlínica do Ins- rumo ao Rio de Janeiro, acompanhado
tituto. Primeiro como colaborador e a de sua mulher, seus três filhos, a babá,
partir de 1942 como funcionário fixo. e 10 kg. de bagagem por pessoa (Kem-
(Brecht et alii, 1985; Friedrich, 1987). per, 1973b).
Em 1943, ele passa a dirigir a Policlíni- Ele viveu no Rio de Janeiro de dezem-
ca, como sucessor de John Rittmeister, bro de 1948 até a primavera de 1967.
preso por resistência ao nazismo em se- Retornou sozinho a Berlim por motivos
tembro de 1942 e executado em maio de saúde, pessoais e profissionais. E
de 1943. morreu em Berlim em 27.9.1976.
Após o fim da II Guerra, Kemper tenta
continuar em Berlim, através da criação
ACUSAÇÕES E SUSPEITAS USUAIS
CONTRA KEMPER
de novas instituições, a colaboração en-
tre psicoterapeutas de várias orienta- No Dicionário de psicanálise de Rou-
ções, a que tinham sido forçados pelo dinesco e Plon estão enumeradas as
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acusações mais usuais contra Kemper. litante comunista, John Rittmeister, que
Acrescentaremos mais algumas, que pa- fora seu analisando” (R.P.)
recem dignas de menção: . Kemper não pode ter sido um bom
. Kemper deve sua carreira “... à polí- psicanalista, porque considerava o direi-
tica de salvamento da psicanálise, to do paciente, de calar sobre certos
defendida por Ernest Jones...”. Sob ou- assuntos, acima das regras fundamen-
tras condições, isto é, principalmente se tais da psicanálise. Além disso, ele não
os psicanalistas judeus não tivessem conheceria um inconsciente dinâmico,
sido excluídos do Instituto, Kemper te- somente um inconsciente descritivo.
ria permanecido um “funcionário As acusações acima são evidentemente
obscuro” (R.P.). de diferentes qualidades. Passo a con-
. Kemper teria se declarado “favorável siderar primeiramente as que são
às teses nazistas, por ocasião de toma- obviamente infundadas. Depois, escla-
das de posição do tipo eugenista e recerei as restantes.
quanto a problemas de saúde pública”.
. Kemper teria sido anti-semita. MILITANTE MARXISTA
. Kemper teria participado, como dire- O boato – reproduzido em R.P. – de que
tor do “Instituto Göring”, da elaboração Kemper teria sido durante o nazismo
das diretrizes da Wehrmacht (Forças membro do Partido Comunista vem
Armadas da Alemanha Nazista) em re-
provavelmente do relatório de Rickman.
lação às neuroses de guerra. “Foi assim
O psicanalista inglês, John Rickman, foi
um funcionário zeloso da política de se-
enviado à Alemanha em outubro de
leção inaugurada pela Alemanha Nazista,
1946 por uma organização das Forças
que consistia em enviar para a morte,
Aliadas, com a incumbência de conta-
em batalhões disciplinares, as pessoas
tar pessoas que haviam sido contrárias
que apresentassem anomalias psíquicas.
Entre estas, estavam a angústia, a aste- ao regime nazista e se dispunham a co-
nia e a hipocondria” (R.P.). laborar na reconstrução de uma Alema-
. Kemper “teria sido membro do Parti- nha democrática. Ele deveria descobrir,
através de entrevistas “com os mem-
do Comunista Alemão”, no mesmo
tempo que proclamou a “sua adesão ao bros dirigentes da Sociedade Psicanalí-
Nazismo” (R.P.). tica Alemã”, se havia eventualmente
. Kemper teria virado “militante marxis- entre eles pessoas apropriadas para fu-
turos colaboradores ou pessoas, cujas
ta” após a capitulação da Alemanha
(R.P.). opiniões e capacidades, denotavam a in-
. Kemper nunca falou no Brasil sobre fluência dos 12 anos do regime nazista.
o seu passado na Alemanha Nazista e O parecer de Rickman sobre Kemper é,
principalmente sobre as suas atividades no total, positivo, comparado à maioria
no “Instituto Göring”. dos outros membros. Ele conclui o re-
. Kemper “nunca explicou qual foi o seu latório inclusive com o comentário que,
papel na detenção, pela Gestapo, do mi- se Sodoma e Gomorra pudessem ter
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sido salvas por contarem pelo menos para a política stalinista de rejeição às te-
um justo, no caso de Berlim teriam sido ses freudianas, que iria estender-se a
três: Käthe Dräger, Margarete Steinbach todos os países dominados pelo socia-
e Kemper. Rickman comenta que Kem- lismo de inspiração soviética depois da
per teria sido comunista, citado entre partilha de Yalta”. Esta citação contém
parênteses, numa alusão ao fato que ele mais erros do que frases. Seus autores
conseguira influenciar favoravelmente a não se dão sequer ao trabalho de com-
mulher do chefe do “Instituto Göring”, provar as suas afirmações.
sua analisanda, no interesse do grupo de Quanto ao papel de Kemper na Alema-
psicanalistas do Instituto. nha Nazista, refiro-me mais adiante.
Fora dessa observação de Rickman, não Quanto ao encontro de psiquiatras em
existe nada que prove que Kemper teria Berlim Oriental, R. P. só podem basear-
sido comunista durante o nazismo. Em se em dois acontecimentos: seja no “en-
compensação, passou despercebido a contro profissional” de neurólogos e
Rickman, que Käthe Dräger era comu- psiquiatras da Zona Soviética, realizado
nista. Nesse contexto, o que é espanto- em novembro de 1946, no qual Kem-
so e até irritante em relação a Kemper, per e Schultz-Hencke participaram e
é que apesar dele ter sido ligado a al- pronunciaram palestras. A contribuição
guns colegas e professores socialistas e científica de Kemper tinha como tema
comunistas – antes e depois de 1933 – a relação entre psiquiatria e psicotera-
é como se as idéias políticas dos mes- pia, assunto que o interessava particu-
mos não tivessem tido a menor signifi- larmente e que nesse encontro era tema
cação para ele. de discussão de mais duas palestras.
A afirmação de que Kemper teria sido Kemper avaliou isto como um sinal po-
comunista, se não antes da II Guerra, sitivo (Höck, 1979: 9).
então depois, é considerada como um Seja que os autores se baseiam no “I
fato por R.P. O que fornecem como pro- Encontro Científico de Psiquiatras e
va disso fala por si: “Depois da capitu- Neurólogos” realizado no fim de maio
lação da Alemanha, Kemper se de 1948 na Zona Soviética. Nesse en-
transformou em militante marxista e par- contro participaram mais de 350
ticipou com Schultz-Hencke de uma psiquiatras e neurólogos da Alemanha
reunião de psiquiatras na parte Leste de inteira. No terceiro dia do programa,
Berlim, ocupada pelas tropas soviéticas. dedicado ao tema “Psicoterapia e Me-
Contribuiu assim para a reconstrução na dicina Psicológica”, apresentaram
República Democrática Alemã (DDR) de contribuições, entre outros, Kemper,
uma escola de psicoterapia de tipo pavlo- Schultz-Hencke, Schwidder, Kühnel e
viano, visando liquidar o freudismo. Mette. Nesse dia coube a Kemper a pa-
Depois de colaborar com o nazismo para lavra final.
a destruição da psicanálise por motivo A participação de Kemper nesses acon-
de judeidade, contribuía com igual zelo tecimentos não denota nenhum engaja-
56 Pulsional Revista de Psicanálise
tuou que a cooperação forçada entre os assim, por que Rittmeister não foi pre-
psicoterapeutas de diferentes orientações venido sobre a iminência de sua
dentro do “Instituto Göring” tinha tam- detenção?”
bém o seu lado positivo, porque dessa Na verdade, Kemper relata que aconte-
maneira eles tinham de se confrontar cia que “por exemplo, a Sra. Göring,
com outras posições. com base nas informações que tinha,
Durante todo o seu tempo na Socieda- dava de forma discreta indicações que
de Psicanalítica no Rio de Janeiro foram em si eram insignificantes, mas que
sempre incluídas no ensino também as para quem tinha bons ouvidos, eram su-
teorias de Adler, Jung e Schultz- ficientemente compreensíveis”. Em vista
Hencke, entre outras (Sério, 1998: 230). das relações na ditadura nazista, a per-
O pretenso pavlovismo atribuído a Kem- gunta de R.P. – por que Kemper não
per também não parece plausível a um avisou Rittmeister – pressupõe uma idéia
leitor atento do Dicionário. Num outro ingênua do funcionamento de uma per-
trecho (“Alemanha”) está escrito que feita corrente de informações na base,
Ernest Jones enviou Kemper ao Brasil Gestapo – Hermann Göring – primo
para difundir o “freudismo”. Mathias Göring – sua esposa e analisan-
da Erna Göring – analista Kemper. Os
KEMPER E RITTMEISTER
autores deveriam ter feito mais esforço
A afirmação de que Kemper nunca es- em averiguar a verdade, em se tratando
clareceu o seu papel na detenção de de uma suspeita de denunciação grave.
Rittmeister conduz a uma suspeita sé- Inclusive a afirmação de que Kemper
ria. No artigo “Rittmeister”, de R.P., teria escrito na sua biografia que teria
essa suspeita é formulada de forma ainda “protegido” Rittmeister também não
mais clara: “É difícil saber em que con- confere.
dições Rittmeister foi detido pela A história da “Orquestra Vermelha” está
Gestapo com sua mulher em 26 de se- relativamente bem pesquisada e nesse
tembro de 1942. Teria sido denunciado sentido existe bastante material que con-
por Werner Kemper ou foi simplesmente tradiz esse tipo de especulação, inclusi-
apanhado na diligência policial contra a ve sobre a biografia de Rittmeister. É
Orquestra Vermelha, depois da prisão de conhecido o desenrolar dos aconteci-
Schultze-Boysen um mês antes? O pa- mentos que precederam a prisão de
pel de Werner Kemper neste caso não Rittmeister. Schulze-Boysen, Harnack e
ficou de modo algum esclarecido. Kuckhoff já vinham sendo vigiados e
Kemper analisava tanto Rittmeister seus telefones escutados pela Gestapo
como Erna, mulher de Mathias Heinrich desde a metade de julho de 1942. No fi-
Göring. Em sua biografia, ele afirmou nal de agosto desse ano tiveram início
ter ‘protegido’ Rittmeister, usando com as prisões. Schulze-Boysen foi a primei-
Mathias a influência transferencial que ra vítima. E Liane Berkowitz, que per-
adquirira sobre Erna. Mas se tivesse sido tencia ao grupo de Rittmeister, informou
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John e Eva Rittmeister sobre o ocorri- per eram amigos e os dois casais man-
do. Assim, eles puderam ainda destruir tinham contatos sociais de amizade. Além
quase todos os documentos comprome- disso, Kemper era analista didata de
tedores (Trepper, 1975: 353; Tuchel, Rittmeister e continuou a sua confron-
1992: 95). tação com ele, nesse sentido, na prisão.
Ambos foram presos na própria residên- A análise com Rittmeister foi iniciada em
cia na manhã do dia 26.9.1942, 1938/39. Segundo Kemper, estava pró-
aproximadamente às seis horas. Além do xima do fim, quando ocorreu a sua
mais, está comprovado que Kemper, detenção. Ela já havia sido interrompida
após a prisão de Rittmeister, não se com- várias vezes em 1942. Primeiro devido
portou conforme as instruções de a convocação de Kemper para o servi-
Göring dadas aos membros do Institu- ço de proteção contra os bombardeios,
to. Ele foi o único colega a não romper por causa de doença e finalmente por
o contato com Rittmeister e inclusive a causa do serviço militar.
escrever-lhe à prisão. Parte dos apon- Rittmeister critica em Kemper, de um
tamentos que Rittmeister anotou com lado, tendências junguianas; de outro,
muita dificuldade em papel de embrulho que ele superestimaria a importância dos
na prisão refere-se à sua confrontação problemas sexuais: “... estando estes em
com Kemper como analista. Rittmeister ordem, o resto se arranjaria por si”. E
refere-se a ele em várias observações que desta maneira, “... fantasia, relacio-
muito críticas, mas também no sentido namentos, as aspirações extraordinárias,
positivo, frisando o “testemunho de técnica de trabalho, conhecimento hu-
Kemper” (idem, p. 55). Ele acentua “o mano, normas de vida (disciplina),
muito que espera de Kemper”, isto é, ficam sem ser analisadas”.
“que ele obtenha, tanto junto à Gestapo Que Kemper focalizaria bem “... as ini-
como junto a Göring, compreensão bições e atitudes grosseiras, mas não as
para a sua substancial inocência” (idem, finas, aquelas que têm de ser questio-
p. 65). Kemper menciona que teria ten- nadas e de se nomear para poder
tado sem sucesso uma permissão para corrigi-las”. “Ele não possui um conhe-
visitá-lo ainda à noite, na véspera de sua cimento abstrato de modelos de vida, de
execução, através da mediação do pas- autodisciplina, regulamentos de vida,
tor da prisão. Ele visitou na prisão a apesar de possuir com certeza uma
mulher dele, que havia sido liberada adaptação prática disso para seu uso
logo, mas que depois foi detida nova- doméstico”.
mente e condenada a cinco anos de Rittmeister receava que Kemper tivesse
prisão. Aliás, logo que ela pôde sair da “uma imagem muito otimista dele”.
prisão procurou Kemper em Berlim e Segundo ele, “a análise tinha se torna-
pernoitou na sua casa. do sem sentido e não o atingia na subs-
Este procedimento não é surpreenden- tância. Kemper deveria perguntar mais,
te, considerando que Rittmeister e Kem- criticar, incentivar, dar indicações de
Clínica do Social 59
como agir perante minhas fraquezas dis- me nazista. Ele menciona na sua biogra-
poníveis e que deveriam ser esclareci- fia resumida (Kemper, 1973b), que a sua
das (a sensibilidade, a sugestionabilidade, relação próxima com Rittmeister não se
que há por trás da crítica), a tendência limitava só à colaboração no Instituto.
à fragmentação” (Teller, 1992: 106). Em 1968, ele não deixa passar desper-
Evidentemente essas críticas referem-se cebido o vigésimo quinto aniversário da
ao analista e não ao amigo Kemper. morte de Rittmeister e se empenha por
Nos apontamentos, o “testemunho” de um registro comemorativo na
Kemper não é uma referência precisa. “Psyche”. Publica um necrológio, no
Apesar de Rittmeister ter perdido as es- qual se exprime de forma distanciada
peranças de que Kemper pudesse ajudá- mas sensível. Nota-se que Kemper não
lo, como esperava no início da prisão, faz relação entre as qualidades de cará-
isto não diminuiu no entanto a sua esti- ter de Rittmeister e a sua atitude de re-
ma. No início, na prisão, ele avaliou a sistência contra o regime nazista. Isto
sua situação de forma muito irrealísti- transparece sobretudo quando ele se re-
ca, ou seja, muito otimista. Não parece fere a um ensaio de Rittmeister, no qual
plausível supor que Kemper tivesse po- fala da relação da “função terapêutica e
dido ajudá-lo e podido impedir o pior um novo humanismo”. (Rittmeister,
com o seu “testemunho”, considerando 1936/1985). Kemper menciona que
a importância que tinha para o regime Rittmeister fala do dever da “eliminação
essa parte da resistência; a extensão da da miséria social e do sofrimento dos
destruição da “Orquestra Vermelha” (or- desprotegidos”, mas relaciona a “função
ganização que se atribuía por trás do pe- humanística”, a que Rittmeister se sen-
queno grupo de resistência, do qual tia obrigado, apenas à sua atuação como
fazia parte Rittmeister), com mais de médico, “particularmente como chefe
cem prisões em pouco tempo só na Ale- da antiga Policlínica Psicanalítica de Ber-
manha, e, principalmente, considerando lim”, e não à sua atuação política.
as acusações contra Rittmeister de pre- Todavia Rittmeister visava, além da
paração de alta traição e favorecimento cura mental privada, principalmente o
do inimigo. Em todo caso, o próprio “bem-estar social”. (Veja Bräutigam,
Rittmeister acabou perdendo a esperan- 1992). “O mundo externo não devia ser
ça, mas a sua confiança em Kemper obscurecido subjetivamente, porque isto
continuou inabalável. Na carta de des- leva a aceitar com resignação e humil-
pedida ao irmão, escrita pouco antes de dade as condições sociais de precarie-
sua execução, ele lhe diz para procurar dade de existência das massas e a abrir
o Dr. Kemper “que me conhece tão caminho para outros, com uma “híbri-
bem e as minhas complexidades” (Tel- da compulsão de expansão”, exercerem
ler, 1992: 168). todo tipo de arbitrariedade”. Evidente-
Existem alguns comentários de Kemper mente Rittmeister pensava politicamen-
sobre Rittmeister, após o fim do regi- te e não limitava o seu engajamento
60 Pulsional Revista de Psicanálise
qualquer psicologia analítica de profundi- agem sua e que ele não aproveitara a
dade!) que a psicologia de profundidade ocasião para encontrar-se com ele e
juntou mais tarde, pedrinha por pedrinha, nem para lhe escrever. Posteriormente,
num trabalho minucioso ao longo de anos Fenichel menciona ter recebido “uma
de esforços. notícia indireta” de Kemper, na qual este
À medida que ele tenta comprovar a sa- lhe pede para “manter a confiança nele.
bedoria e a importância da psicologia Que estariam forçados a agir com ex-
de profundidade, relevando a sua con- tremo cuidado”. Fenichel comenta
cordância com as antecipações geniais então: “mas, como diz um velho dita-
de “grandes alemães”, ele faz sem dú- do, ‘em matéria de convicção ninguém
vida uma concessão à argumentação dos nos bate’. Mas apesar desta notícia me
colegas anti-semitas. Mas se ele mesmo alegrar, não muda nada no meu julga-
fosse de fato um anti-semita, não per- mento, de que, neste caso, eu penso que
deria essa ocasião para formular frases o cuidado ultrapassa a medida do neces-
feitas anti-semitas. sário” (circular de 18.5.1936).
Quanto a posição de Kemper no que se Depois que a DPG desligou-se da IPA,
refere à votação para exclusão dos mem- Fenichel lamenta que “infelizmente não
bros judeus da DPG, não dá para tirar vai mais haver oportunidade de falar no
conclusões claras de como ele votou próximo congresso com o próprio Kem-
mesmo na época. A questão da votação per sobre o seu estranho comporta-
foi discutida de forma controversa tam- mento”.
bém entre os membros judeus. Ponde- Esta oportunidade surgiu porém no “En-
rações táticas foram consideradas. contro de quatro países”, em Budapes-
Entretanto, a sua maneira de agir depois te, em maio de 1937, no qual participou
para com os colegas judeus, como Fe- Kemper. Ele relatou então a Fenichel so-
nichel relata numa circular, nos parece bre a situação em Berlim. Pretendeu que
inadmissível e chocante. a suspensão de “todo contato pessoal”
Fenichel escreve que o membro da di- é “verdadeiramente necessária no inte-
retoria Kemper cumpria obviamente de resse da manutenção do Instituto” (cir-
maneira conseqüente a intimação do pre- cular de 1.6.1937). Kemper não
sidente (Boehm) “de não mais freqüentar convenceu porém Fenichel dessa “ne-
colegas judeus”. Ele não só cortou o cessidade”, sobretudo porque ele ficou
contato com Therese Benedek, que pou- sabendo que um outro colega de Ber-
co tempo depois emigrou, mas também lim “continuava membro da Sociedade
com Kamm, que saiu da DPG em soli- de Medicina e da Sociedade de Neuro-
dariedade aos colegas judeus (circular de logia e que somente os psicanalistas o
23.4.1936). Fenichel, que apreciava tinham excluído”. Kemper evidentemen-
muito Kemper, ficou muito decepciona- te entendeu o ceticismo de Fenichel e
do com este seu comportamento, “procurou mostrar que era digno de
principalmente quando soube de uma vi- confiança (...), defendendo Reich e
64 Pulsional Revista de Psicanálise
Edith Jacobson numa sessão pública”. liação, redigidas por Kemper em 1943,
Apesar de Kemper ter decepcionado Fe- passaram a conter a indicação da raça
nichel por essas atitudes e tê-lo inclusive (Cocks, 1985: 181), o que tornava pra-
irritado por causa dos seus relatórios ticamente uma norma psicoterapêutica,
otimistas sobre a situação em Berlim, ele a limitação de ajuda psicoterapêutica a
anota em dezembro de 1938, quando a “arianos”.
DPG desligou-se da IPA: “... não é uma
KEMPER E FENICHEL
pena pela DPG! (...) É uma pena só por
causa do Kemper” (circular de Para avaliar a credibilidade das afirma-
16.4.1939). ções de Kemper durante o nazismo e
Quanto à posição oficial de anti- poder julgar a sua integridade de uma
semitismo e cumprimento das “Leis Ra- forma geral, vale a pena talvez questio-
ciais” durante o nazismo no “Instituto nar-se porque Fenichel ainda lamentou
Göring”, por suposto, houve membros a perda para a IPA do colega Kemper
não tão zelosos disso. Em 1938/39 um na primavera de 1939. Esta apreciação
candidato à formação judia continuava conta muito, considerando a capacida-
ainda em análise didata com Müller- de humana, científica e política de
Braunschweig, após uma interrupção Fenichel, assim como o momento em
devido sua prisão temporária no campo que ela é feita, isto é, após os aconteci-
de concentração de Sachsenhausen mentos problemáticos sucedidos desde
(Brecht et alii, 1985 2: 168). Em 1939/ 1933. Não resta dúvida de que Fenichel
40 e até 41, Göring ainda advertia em apreciava o seu supervisando e colega
circulares para o fato de que havia ain- Kemper. Tendo em vista a inexperiên-
da judeus em tratamento no Instituto cia política de Kemper, é nesse sentido
(Wunderlich, 1991: 41 ss.). Mas depois extraordinário que ele tenha ajudado Fe-
disso, não deve mais ter sido possível nichel no exílio, nos seus esforços de
praticamente. A partir de setembro de organizar uma comunicação clandestina
1941, os judeus foram obrigados a por- dentro do movimento psicanalítico, atra-
tar a estrela judaica também dentro da vés de circulares e assim – pelo menos
Alemanha. Com esse fato, a questão de na intenção – manter a união dos psi-
tratamento ou mesmo formação de can- canalistas progressistas e de esquerda.
didatos judeus deixou de ser um tema Fenichel tinha esperança de que as dis-
no Instituto. E apesar de que os seus cussões desenvolvidas nas circulares se
membros já estavam de todo modo obri- transformassem a longo prazo numa es-
gados a trabalhar “no sentido da visão pécie de “seminário das crianças por
nazista do mundo”, o fato que em 1943 escrito da psicanálise marxista” (circu-
foi estabelecido oficialmente um crité- lar de 12.2.1935). Ele precisava, para
rio racista na admissão dos pacientes, isso, de informantes em vários países
significou uma capitulação adicional do que o mantivessem a par do movimen-
Instituto. As fichas médicas para ava- to. Kemper foi um informante seu
Clínica do Social 65
eugênicas, mas cada vez antes ou de- rapia de choque à base de insulina e car-
pois de ter apresentado o seu ponto de diazol, seguida de uma assistência psico-
vista terapêutico, o que não combinava terapêutica do paciente, pode vir a ter
com as mesmas. Assim ele se refere – grandes e importantes atribuições e pos-
“com respeito à controvérsia entre a psi- sibilidades.
quiatria e a psicoterapia” – à questão que O exemplo seguinte é também típico no
mesmo nos casos de “verdadeira psico- sentido de que, imediatamente após uma
se”, a possibilidade de “tratamento concessão a um elemento da ideologia
psicoterapêutico” é maior do que se nazista, ele faz valer um ponto de vista
pensa (Veja Kemper, 1938). seu de importância. Em 1942, ele se re-
Em seguida ele acrescenta: fere a uma “atitude básica para com a
Isto não deve ser interpretado como uma cultura da sexualidade” nesses termos:
propaganda para uma psicoterapia da psi- Esta “embora também marcada racial-
cose ou como uma tentativa de tornar as mente, só desenvolveu-se gradativamen-
leis eugênicas mais ou menos desneces- te, mas de maneira decisiva e muito
sárias. Ao contrário: todo psicoterapeuta mais do que somos conscientes, atra-
sabe numa detalhada anamnese das famí- vés de fatores históricos das idéias, so-
lias, a alta porcentagem que nelas se en- ciológicos e outros fatores culturais
contra de quadros de psicose ou doenças
(Cristianismo) ao longo do século”.
relacionadas à psicose na ascendência de
seus pacientes neuróticos. E justamente o
Várias vezes Kemper admite que o pon-
psicoterapeuta que tem de combater dia- to de vista “biológico de povo” é sem
riamente a miséria da neurose, só pode dúvida muito importante. Mas cada vez
aprovar essa legislação. Isto porém não relativiza na seqüência a sua concessão.
impede que a psicoterapia, enriquecida Em 1943, ele admite que se conseguiu
pelo saber relatado acima, seja mobilizada com o “ponto de vista biológico” e “em
também para a pesquisa científica da psi- razão do sacrifício de vidas na guerra”,
cose, sem considerar a conseqüência prá- desde “a ascensão ao poder da outra vi-
tica que o emprego de um tão intensificado
são de mundo”, “despertar de novo a
tratamento terapêutico, no caso de um psi-
vontade de procriar perdida” (Kemper,
cótico, que tenha sido uma personalidade
genial excepcional, com certeza valeria a 1943). No final do artigo, ele “se per-
pena, se existe a expectativa de que, com mite” “francamente” apontar para “um
isso, o seu talento extraordinário possa ser perigo” a que ele se refere também em
retribuído em proveito da totalidade. outras publicações (Kemper, 1942/1975:
101):
Ele faz logo em seguida uma concessão
aos psiquiatras, relativa à importância te- O novo tempo ensinou que o indivíduo
rapêutica dos mesmos e lhes oferece a deve ser visto como membro de uma linha-
gem e dessa forma mostrou a responsabi-
sua cooperação:
lidade perante nossos ascendentes e
Além disso, me parece que (no caso de descendentes. Com isso também foi abo-
uma rigorosa seleção dos pacientes) a te- lida a avaliação existente até agora da vida
68 Pulsional Revista de Psicanálise
Não é razoável atribuir-lhe tanta falta de Ele atribui menos importância ao aspec-
habilidade. Ele se referiu várias vezes em to da “salvação” da psicanálise, do que
suas publicações em alemão ao tempo ao proveito da cooperação forçada entre
do nazismo (Kemper, 1965; Kemper, as diversas escolas terapêuticas, o qual
1942/1975; Kemper, 1967; Kemper, 1973). acentuou muitas vezes. Na sua opinião,
Estas publicações comprovam que ele essa cooperação teria possibilitado que
se dedicou algumas vezes a essa parte
... se unissem as posições principais de
de sua biografia. Toca no assunto inclu-
acordo com o seu peso equivalente num
sive quando não há forçosamente razão nível mais completo e mais alto. Não para
para isso (Kemper, 1965). Ele caracte- criar uma ciência da psicoterapia alemã,
riza a época do nazismo sem retoques baseada na psicologia das raças, como o
como uma época de crimes “desuma- regime nazista nos queria forçar.
nos inimagináveis”, “praticados com Mas para criar uma obra que fosse, tanto
como estrutura científica quanto como
sóbria e calculada perfeição técnica”.
método terapêutico, não só mais comple-
Refere-se inclusive aos campos de con- ta e mais efetiva do que as anteriores, mas
centração, às torturas brutais, à elimi- que também pudesse entrar finalmente na
nação sistemática de grupos étnicos e discussão, que há muito já deveria ter sido
doentes mentais etc. (Kemper, 1973b). iniciada, da reconhecida ciência dentro e
Sobretudo, Kemper não contestou que fora do país (Kemper, 1947: 68).
se adaptou ao regime nazista. Ele se jus- Nesta avaliação espantosa para um
tificou nesse sentido referindo-se ao “freudiano ortodoxo”, Kemper se refe-
caráter totalitário do regime: re provavelmente às tendências que
Uma tal adaptação não é certamente uma possibilitaram aos psicoterapeutas de se
atitude heróica. Todavia incentivar e exi- afirmarem como um grupo profissional
bir heroismo numa democracia e em e que foram interpretadas como um pro-
tempos de direitos humanos garantidos cesso de profissionalização dos mesmos
não é difícil (citado em Köhler, 1988: 19). (Cocks,1985).
Como comprovam as citações acima, É óbvio que Kemper diminuiu o seu
pode-se pretender no máximo que Kem- envolvimento no regime nazista na re-
per se manifestou de uma forma limita- trospectiva e não estava a fim de reco-
da, mas não que ele não se tenha nhecer completamente a problemática
manifestado “sobre o seu envolvimento de sua colaboração na época no Insti-
naquelas circunstâncias” porque ele pró- tuto Göring, tanto quanto a própria
prio se via como uma “vítima” do na- adaptação da psicanálise ao regime. Ele
zismo e um membro da “comunidade lamentou “ter sido ingênuo no começo”
dos salvadores da psicanálise” (Lockot, e a cegueira com que durante muito
1985). Certamente sentia-se também ví- tempo avaliou os nazistas.
tima, embora a sua adaptação lhe tenha Porém, nunca mencionou concretamen-
sido proveitosa, pelo menos no que diz te o seu comportamento problemático
respeito às suas condições de vida. de adaptação pessoal na época, como a
Clínica do Social 75
ruptura da relação com os colegas ju- vista das diferenças culturais e das de-
deus, a capitulação moral diante da ideo- siguais dimensões do horror (Kemper,
logia racial dos nazistas, adotando 1965).
critérios racistas nas fichas de diagnós- O seu ensaio “Die Doppelsichtigkeit von
tico médico etc. Ele se referiu apenas Tatbeständen” (A dupla face dos fatos)
em termos gerais às “crescentes pres- é muito revelador no que diz respeito à
sões físicas, e sobretudo psíquicas, vi- sua opinião mais tarde sobre o nazismo
vidas durante os anos de ditadura” (Kemper, 1964b). Ele descreve nele a
(Kemper, 1942/1975). Nas suas lem- sua atividade no Rio de Janeiro como
branças, ele avalia os seus colegas do perito para a “United Restitution
“Göring Institut” conscientemente de Organisation” (URO). Nessa função, ele
uma maneira não crítica, e os caracte- teve de dar um parecer sobre o pedido
riza como “uma série de personalidades de indenização de uma senhora que, na
marcantes”, “mesmo que se tenha algo Alemanha Nazista havia sobrevivido a
contra para criticá-los sob o ponto de trabalhos forçados, gueto, campo de
vista humano ou científico” (Kemper, concentração em Auschwitz e Bergen-
1973b). Belsen e depois de sua libertação, emi-
Defendeu muitas vezes o amigo Schultz- grara em 1946 para o Brasil. Após um
Hencke contra a acusação de oportunis- processo que se estendera durante anos,
ta. Também na maneira como julgava o lhe fora concedida com base num pa-
chefe do Instituto, Mathias Göring, não recer de dois médicos, em vista de seus
considerava o seu papel objetivo no re- distúrbios psicossomáticos e incapaci-
gime criminoso. Kemper julgou com dade de trabalho, uma indenização que
bastante indulgência a sua profissão de cobria apenas os custos do seu trata-
fé ao nazismo e o seu engajamento “na mento. E lhe fora recusado o direito a
missão do regime”, achando que Göring uma aposentadoria ou indenização em
tentava cumprir a sua missão de uma dinheiro “porque a redução de sua ca-
maneira “compatível com suas idéias pacidade de trabalho em decorrência da
nazistas, mas ao mesmo tempo com perseguição sofrida, havia sido avaliada
uma visão cristã, pietista de mundo, a partir de janeiro de 1949 em menos
contrária à visão violenta e fanática dos de 25 por cento”. A maneira como
nazistas”. Kemper, na qualidade de terceiro peri-
Kemper se ocupou da questão do nazis- to, reconstrói com base em entrevistas
mo ainda algumas vezes, principalmente com a requerente a origem do sofrimen-
nos seus últimos anos. Fez compara- to da mesma, e como aponta erros nos
ções entre determinadas seitas fanáticas pareceres anteriores na maneira de pen-
brasileiras que faziam sacrifícios de san- sar e interpretar, comprova como ele, ao
gue e as massas fanatizadas pelo fascis- contrário de muitos colegas nessa fun-
mo de Hitler, embora lhe parecessem ção, possuía uma capacidade de empatia
claros os limites de sua comparação, em para com vítimas
76 Pulsional Revista de Psicanálise
pacientes, que eram obrigados a man- tamento de não se falar sobre segredos
ter sigilo sobre certos assuntos. Ele de um terceiro sem que este o permita
compreendeu o problema que isso re- explicitamente, muito respeitável na vida
presentava para o trabalho terapêutico e particular, pode ser mantido pelo pacien-
tentou então uma solução de emergên- te também na análise como uma exce-
cia. Para que “o curso das idéias ção natural da regra fundamental. O
expressas livremente na hora se manti- terapeuta sempre deve pensar em tais
vesse transparente para ele” (o terapeuta, possibilidades”.
H.F.), ele tinha de saber pelo menos Mattos comenta essa passagem da se-
quando o paciente silenciava sobre algo. guinte maneira: “Ele (Kemper, H.F.)
“Como conseqüência prática resulta que, acaba aceitando explicitamente o silên-
cada vez que o paciente omite no cur- cio em relação a uma terceira pessoa
so de uma hora uma idéia relacionada à ‘como uma exceção natural da regra
sua obrigação de sigilo, então que ele co- fundamental’, utilizando argumentos de
munique expressamente que silenciou ordem moral”. Mattos ignora a obser-
algo” (Kemper, 1948: 506). vação final de Kemper de que “o
Sem dúvida, um método precário mes- terapeuta deve sempre pensar em tais
mo em psicoterapia, mas que só se pode possibilidades”. É compreensível, à me-
desaprovar por princípio, se, em geral, dida que ele tenta provar o contrário do
se acha que pessoas portadoras de se- que Kemper diz. De acordo com a sua
gredos profissionais ou que têm conhe- argumentação, essa frase deveria signi-
cimento de crimes não deveriam ser ficar que o terapeuta deve sempre
tratadas psicoterapeuticamente. pensar que a regra fundamental não pre-
À medida que Mattos não percebe que cisa ser sempre respeitada.
Kemper se refere explicitamente à tera- Mattos separa às vezes trechos de pas-
pia psicanalítica e não a uma “análise sagens para comprovar sua falsa
normal”, ele se envolve em argumenta- premissa e assim divide afirmações de
ções insustentáveis. Na verdade, ele de- Kemper, que não combinam com a in-
veria ter notado que, em várias passa- terpretação do mesmo. Depois, elas
gens em português do ensaio, fala-se de servem para Mattos como prova da con-
“terapeuta” e inclusive se compara “tra- tradição de Kemper, à medida que ele
balho psicoterapêutico-psicanalítico” recorre novamente ao tema.
com “análise normal” (Kemper, 1948: Várias vezes ele atribui a Kemper exa-
505). tamente o contrário do que ele afirma.
Sobretudo, ele deveria ter notado as im- Em várias passagens fica claro que se
plicações curiosas de sua conclusão, trata principalmente de preconceito.
uma vez baseadas numa falsa premis- Um exemplo: Kemper se refere ao pas-
sa. Um exemplo: Kemper cita a seguin- sado nazista e “à obrigatoriedade de si-
te possibilidade entre numerosas gilo sobre certos assuntos profissionais”
variantes de “silêncio” – “Tal compor- que colocava certos pacientes “frente a
78 Pulsional Revista de Psicanálise