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Clínica do Social 49

Clínica do Social 49
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Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, no 138, 49-89

O caso Werner Kemper: psicanalista,


seguidor do nazismo, nazista, homem
da Gestapo, militante marxista?!*

Hans Füchtner

O psicanalista alemão Werner Kemper, analista-didata e fundador da Socie-


dade Psicanalítica do Rio de Janeiro é por vários motivos uma figura controversa
na História da Psicanálise no Brasil. Isto tem a ver sobretudo com o seu passa-
do na Alemanha Nazista. Neste ensaio são discutidas as numerosas acusações e
suspeitas relacionadas a esse contexto, difundidas em diversas publicações no
Brasil e na França. O autor analisa a qualidade científica das mesmas e com
base em numerosos documentos pesquisados em arquivos na Alemanha e algu-
mas novas publicações, concluí que só uma pequena parte da crítica contra
Kemper seria justificada. E que seria necessário esclarecer por que o psicana-
lista Kemper se transformou num “caso” na psicanálise. Ele vê na tendência
muito difundida entre psicanalistas de se psicologizar os procedimentos de ins-
tituições e da sociedade, denominada, por Robert Castel, de “Psicanalismo”,
uma razão importante.
Palavras-chave: Werner Kemper, Alemanha Nazista, História da psicanálise no Brasil

W erner Kemper was the first training psychoanalyst and founder of the
Psychoanalytical Society of Rio de Janeiro. His role is highly contested for
several reasons, especially in regard to the time he spent living in Nazi Germany.
This essay will discuss the many accusations and suspicions that were brought

* Tradução de Jehovanira Chrysóstomo de Sousa.


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forward against Kemper in several Brazilian and French publications. The


critical reevaluation of these accusations is based on numerous documents and
several more recent publications. The author concludes that only a small portion
of the criticism directed against Kemper is justified. Therefore, it would be
necessary to illuminate the reasons why Kemper became a controversial “case”.
According to the author, one of the most important reasons is the widespread
tendency within psychoanalysis to explain institutional and societal facts from
a psychological standpoint. Robert Castel has termed this tendency
“psychoanalysm”.
Key words: Werner Kamper, Nazi Germany, Brazilian psychoanalysis history

“Ah, a análise que vocês têm no Rio de Psicanálise do Rio de Janeiro”


de Janeiro foi feita por um homem da (SBPRJ) – até hoje ela não tem nenhu-
Gestapo”. Com esta observação, o Pre- ma dúvida sobre a integridade pessoal
sidente da “Associação Psicanalítica de Kemper. Correspondentemente, ela
Internacional” (IPA), Robert Wallerstein, também não tem nenhuma dúvida de
irritou bastante sua interlocutora, a psi- que Kemper não cometeu nada de cul-
canalista Inaura Carneiro Leão, numa pável nos anos em que viveu na
conversa à parte por ocasião do 36o Con- Alemanha Nazista e trabalhou no cha-
gresso Internacional da IPA, em 1989, mado “Instituto Göring” (“Instituto
em Roma. Alemão de Pesquisa Psicológica e Psi-
Quando ela conta, nota-se que a sua in- coterapia”). Hoje em dia, esta opinião
dignação perdura até hoje, depois de parece ser compartilhada apenas por uns
anos. poucos psicanalistas no Rio. Sempre que
A caracterização de Wallerstein é alusi- se trata do assunto Kemper e de sua im-
va ao psicanalista Werner Kemper que, portância para a História da Psicanálise
em 1948, por intermediação de Ernest no Rio, alega-se logo que no Brasil não
Jones, seguiu de Berlim para o Rio de se sabia o que ele fez durante o nazis-
Janeiro com a incumbência de fundar mo na Alemanha. Uma vez que o
juntamente com um outro psicanalista próprio Kemper nunca falou sobre esse
uma sociedade psicanalítica. Inaura per- tempo, conclui-se, por suposto, que ele
tence ao grupo de seus primeiros dez tinha algo a esconder.
analisandos e analisandas e é membro- Para esta avaliação de Kemper, contri-
fundadora da “Sociedade Psicanalítica buiu fundamentalmente um livro que tra-
do Rio de Janeiro” (SPRJ). Apesar dela ta de um capítulo particularmente triste
ter se desligado mais tarde da SPRJ em da história das sociedades psicanalíticas
divergência com Kemper e ser filiada do Rio de Janeiro. Nele, a autora, Hele-
desde muitos anos a uma segunda socie- na Besserman Vianna, psicanalista da
dade ligada à IPA – “Sociedade Brasileira SPRJ, relata acontecimentos ocorridos
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nos piores anos da ditadura militar na nazista alemão no qual sobrevivera e


década de 70, nos quais ela teve um pa- “... com as características de ‘homem
pel importante e louvável. único no poder’, como Hitler...”, teria
Após a publicação no jornal clandestino marcado como um “Führer autoritário”
“Voz Operária”, em agosto de 1973, de a psicanálise no Rio. E como Kemper
que o tenente, médico e psicanalista nunca teria falado sobre o seu papel na
Amílcar Lobo Moreira da Silva partici- Alemanha Nazista, o não-dito teria sido
pava na prática de tortura, Besserman inconscientemente passado adiante aos
Vianna envia um exemplar do mesmo à seus analisandos e destes sucessiva-
psicanalista Marie Langer em Buenos Ai- mente aos seus analisandos. Nesta
res. Anota a mão, no próprio exemplar, terceira geração, a culpa teria então res-
que se trata de um “candidato” da SPRJ, surgido em forma de ação e se revelado
em formação com o analista didata Leão no escândalo da tortura.
Cabernite e acrescenta o endereço do Besserman Vianna não afirma literal-
mesmo. Marie Langer envia imediata- mente em nenhuma passagem no seu
mente o artigo ao então Presidente da livro que Kemper era nazista. Para ela,
IPA, Serge Lebovici, e a outras figuras é decisivo que Kemper se teria compro-
importantes do movimento psicanalítico. metido com o regime como membro do
Além disso, relata a ocorrência em no- “Instituto Göring” e assim servido fiel-
vembro do mesmo ano no livro mente aos ideais nazistas, pelos quais
Questionamos 2, editado por ela. o Instituto se orientava. Por isso, na sua
Como Besserman Vianna descreve por- opinião, Kemper teria sido nessa época
menorizadamente no seu livro e impregnado pelo nazismo. A versão
comprova através de numerosos docu- francesa do seu livro afirma que “...
mentos, o desmascaramento de Lobo Werner Kemper trabalhava na Socieda-
como torturador não causou nem a rup- de Psicanalítica de Berlim durante os
tura de sua análise e nem a sua exclusão anos de guerra sob compromisso e
da SPRJ. Em vez disso, ele foi acober- comprometimento com o regime nazis-
tado e inclusive ambas as sociedades ta” e vai mais além, que a sua “cultura”
psicanalíticas empreenderam grandes es- era “sedimentada nas concepções da
forços no sentido de apurar a ideologia hitlerista, que tinha como ini-
denunciante e pressioná-la. Uma reação migos fundamentais marxistas e judeus”
não somente prejudicial em termos pro- (Vianna, 1997a: 197). Sob esse ponto
fissionais à concernida, mas também de vista, ele é para ela não somente um
perigosa à sua vida, e na qual também seguidor do regime, mas também na-
tiveram parte os responsáveis da IPA. zista. Evidentemente seu livro,
Como isto pôde acontecer, Besserman entretempo traduzido em várias línguas,
Vianna explica com a tese que Werner foi interpretado igualmente à sua manei-
Kemper, ao chegar ao Rio após a II ra. Particularmente na França.
Guerra, trazia em si a marca do regime O Dicionário de psicanálise, editado em
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1997 por Elisabeth Roudinesco e Michel mesmas, resumimos os seus mais im-
Plon, inclui vários artigos, entre os quais portantes dados biográficos que têm
um de três páginas sobre Kemper, que importância para o que se segue.
o caracteriza de forma ainda mais pro- Werner Walter Kemper nasceu a
blemática. Os autores dessa avaliação se 6.8.1899 em Hilgen, uma cidadezinha na
apóiam nitidamente em Besserman Vian- Westfália. Segundo filho (do total de
na. O que, em vista da pretensão cien- sete) do Pastor da paróquia e sua espo-
tífica do dicionário, é um problema, sa. Foi na juventude “Wandervogel” (um
considerando que o livro de Besserman movimento de jovens excursionistas ale-
Vianna apresenta o seu ponto de vista mães) e membro do “Freideutschen
de forma totalmente subjetiva e não Jugendbewegung” (Movimento da Ju-
científica. ventude Alemã Livre). Fez vestibular em
Como se nota a seguir, os autores não regime de urgência, em 1917, e foi logo
dão importância nessa questão à devida convocado como soldado para a I
exatidão científica. Eles assumem não Guerra Mundial na Frente de Combate
somente afirmações não conferidas de do Ocidente. Depois de dispensado
Besserman Vianna, mas também se ori- (1919), iniciou estudos de medicina e
entam na mesma direção dela com especializou-se em cirurgia ginecológi-
afirmações para as quais não apresen- ca. Desde cedo mostrou interesse por
tam provas. fenômenos psicossomáticos e hipnose e
O dicionário teve por várias razões mui- em suas atividades como médico serviu-
ta repercussão no Brasil. Foi traduzido se de experiências realizadas nessa área.
logo em português e publicado numa Em 1928, iniciou em Berlim a sua for-
edição brasileira aumentada (Roudines- mação de psicanalista num curso
co; Plon, 1997/1998). Dessa forma, esta noturno no “Instituto de Psicanálise de
publicação com certeza deve ter contri- Berlim”. Nesse tempo era “médico-chefe
buído para que as afirmações sobre de um conceituado sanatório particular”
Kemper, que hoje em dia se ouve no (Kemper, 1973b: 265). Foi aprovado
Brasil, lembrem o resultado de uma cor- como candidato à formação de psicana-
rente de informação como no jogo in- lista, após as primeiras entrevistas com
fantil do “telefone sem fio”. Ao fim, ele Eitingon e Simmel em 1927. Fez sua
não foi somente “denunciante”, “nazis- análise didata de 1928 a 1932 com Mül-
ta”, “homem da Gestapo”, mas também ler-Braunschweig num total de 950
“Presidente da DPG”, “chefe do ‘Insti- horas. Iniciou sua formação teórica em
tuto Göring’” e outras coisas mais. 1929, tendo tido como supervisores
Otto Fenichel (1929-1931, 150 horas);
DADOS DA CARREIRA PROFISSIONAL Wilhelm Reich (1930-1932, 110 horas);
DE KEMPER
Ernst Simmel (1931-1932, 30 horas) e
Antes de enumerar as acusações con- Felix Boehm (1931-1932, 25 horas).
tra Kemper e a consistência das Em 1931 tornou-se membro associado
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e em 1932 membro efetivo da DPG. regime nazista. Ele participa, por outro
Kemper foi nomeado nesse mesmo tem- lado, na fundação da nova DPG e é no-
po (novembro de 1933), por assembléia meado como seu terceiro diretor
geral, para o cargo de tesoureiro da (Lockot, 1994; Wunderlich, 1991).
DPG, juntamente com Alexander Met- Kemper foi o único psicanalista de Ber-
te. Em 1934, foi admitido como docente lim a participar na “International
no “Instituto de Psicanálise de Berlim”. Conference on Mental Health”, em Lon-
Nesse mesmo ano, casa com Anna Kat- dres, em agosto de 1948. Nessa época
trin van Wickeren. o bloqueio de Berlim pela União Sovié-
A partir de 1936 torna-se analista dida- tica (de junho de 1948 até maio de
ta. É reeleito tesoureiro e nomeado ter- 1949) impossibilitava viagens para den-
ceiro diretor da DPG (diretor-presidente, tro ou fora da cidade e por isso pode-se
Boehm; vice-presidente, Müller- deduzir que ele deva ter tido a proteção
Braunschweig). de uma autoridade ocidental para poder
Após a fundação em 1936 do “Instituto viajar. Foi a grande oportunidade para
Alemão de Pesquisa Psicológica e Psi- Kemper de falar pessoalmente com Er-
coterapia” (Deutsches Institut für nest Jones sobre a possibilidade de
Psychologische Forschung und Psycho- trabalhar no Rio de Janeiro como ana-
terapie), o chamado “Instituto Göring”, lista didata. Em vista do bloqueio de
Kemper continua ainda sua atividade de Berlim, o seu interesse tornara-se maior
docente na DPG. Após a sua dissolu- ainda. Ele temia uma guerra contra os
ção em 1939, ele continua a ensinar no russos, por causa de informações que
“Instituto Göring” no “Grupo de traba- recebera de um paciente “filho de um
lho A”, que sucedeu a DPG no Instituto, oficial americano do alto escalão”.
e, além disso, trabalha em seu próprio Finalmente, em dezembro de 1948,
consultório. A partir de 1941, ele passa Kemper pôde deixar Berlim de avião
a trabalhar também na Policlínica do Ins- rumo ao Rio de Janeiro, acompanhado
tituto. Primeiro como colaborador e a de sua mulher, seus três filhos, a babá,
partir de 1942 como funcionário fixo. e 10 kg. de bagagem por pessoa (Kem-
(Brecht et alii, 1985; Friedrich, 1987). per, 1973b).
Em 1943, ele passa a dirigir a Policlíni- Ele viveu no Rio de Janeiro de dezem-
ca, como sucessor de John Rittmeister, bro de 1948 até a primavera de 1967.
preso por resistência ao nazismo em se- Retornou sozinho a Berlim por motivos
tembro de 1942 e executado em maio de saúde, pessoais e profissionais. E
de 1943. morreu em Berlim em 27.9.1976.
Após o fim da II Guerra, Kemper tenta
continuar em Berlim, através da criação
ACUSAÇÕES E SUSPEITAS USUAIS
CONTRA KEMPER
de novas instituições, a colaboração en-
tre psicoterapeutas de várias orienta- No Dicionário de psicanálise de Rou-
ções, a que tinham sido forçados pelo dinesco e Plon estão enumeradas as
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acusações mais usuais contra Kemper. litante comunista, John Rittmeister, que
Acrescentaremos mais algumas, que pa- fora seu analisando” (R.P.)
recem dignas de menção: . Kemper não pode ter sido um bom
. Kemper deve sua carreira “... à polí- psicanalista, porque considerava o direi-
tica de salvamento da psicanálise, to do paciente, de calar sobre certos
defendida por Ernest Jones...”. Sob ou- assuntos, acima das regras fundamen-
tras condições, isto é, principalmente se tais da psicanálise. Além disso, ele não
os psicanalistas judeus não tivessem conheceria um inconsciente dinâmico,
sido excluídos do Instituto, Kemper te- somente um inconsciente descritivo.
ria permanecido um “funcionário As acusações acima são evidentemente
obscuro” (R.P.). de diferentes qualidades. Passo a con-
. Kemper teria se declarado “favorável siderar primeiramente as que são
às teses nazistas, por ocasião de toma- obviamente infundadas. Depois, escla-
das de posição do tipo eugenista e recerei as restantes.
quanto a problemas de saúde pública”.
. Kemper teria sido anti-semita. MILITANTE MARXISTA
. Kemper teria participado, como dire- O boato – reproduzido em R.P. – de que
tor do “Instituto Göring”, da elaboração Kemper teria sido durante o nazismo
das diretrizes da Wehrmacht (Forças membro do Partido Comunista vem
Armadas da Alemanha Nazista) em re-
provavelmente do relatório de Rickman.
lação às neuroses de guerra. “Foi assim
O psicanalista inglês, John Rickman, foi
um funcionário zeloso da política de se-
enviado à Alemanha em outubro de
leção inaugurada pela Alemanha Nazista,
1946 por uma organização das Forças
que consistia em enviar para a morte,
Aliadas, com a incumbência de conta-
em batalhões disciplinares, as pessoas
tar pessoas que haviam sido contrárias
que apresentassem anomalias psíquicas.
Entre estas, estavam a angústia, a aste- ao regime nazista e se dispunham a co-
nia e a hipocondria” (R.P.). laborar na reconstrução de uma Alema-
. Kemper “teria sido membro do Parti- nha democrática. Ele deveria descobrir,
através de entrevistas “com os mem-
do Comunista Alemão”, no mesmo
tempo que proclamou a “sua adesão ao bros dirigentes da Sociedade Psicanalí-
Nazismo” (R.P.). tica Alemã”, se havia eventualmente
. Kemper teria virado “militante marxis- entre eles pessoas apropriadas para fu-
turos colaboradores ou pessoas, cujas
ta” após a capitulação da Alemanha
(R.P.). opiniões e capacidades, denotavam a in-
. Kemper nunca falou no Brasil sobre fluência dos 12 anos do regime nazista.
o seu passado na Alemanha Nazista e O parecer de Rickman sobre Kemper é,
principalmente sobre as suas atividades no total, positivo, comparado à maioria
no “Instituto Göring”. dos outros membros. Ele conclui o re-
. Kemper “nunca explicou qual foi o seu latório inclusive com o comentário que,
papel na detenção, pela Gestapo, do mi- se Sodoma e Gomorra pudessem ter
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sido salvas por contarem pelo menos para a política stalinista de rejeição às te-
um justo, no caso de Berlim teriam sido ses freudianas, que iria estender-se a
três: Käthe Dräger, Margarete Steinbach todos os países dominados pelo socia-
e Kemper. Rickman comenta que Kem- lismo de inspiração soviética depois da
per teria sido comunista, citado entre partilha de Yalta”. Esta citação contém
parênteses, numa alusão ao fato que ele mais erros do que frases. Seus autores
conseguira influenciar favoravelmente a não se dão sequer ao trabalho de com-
mulher do chefe do “Instituto Göring”, provar as suas afirmações.
sua analisanda, no interesse do grupo de Quanto ao papel de Kemper na Alema-
psicanalistas do Instituto. nha Nazista, refiro-me mais adiante.
Fora dessa observação de Rickman, não Quanto ao encontro de psiquiatras em
existe nada que prove que Kemper teria Berlim Oriental, R. P. só podem basear-
sido comunista durante o nazismo. Em se em dois acontecimentos: seja no “en-
compensação, passou despercebido a contro profissional” de neurólogos e
Rickman, que Käthe Dräger era comu- psiquiatras da Zona Soviética, realizado
nista. Nesse contexto, o que é espanto- em novembro de 1946, no qual Kem-
so e até irritante em relação a Kemper, per e Schultz-Hencke participaram e
é que apesar dele ter sido ligado a al- pronunciaram palestras. A contribuição
guns colegas e professores socialistas e científica de Kemper tinha como tema
comunistas – antes e depois de 1933 – a relação entre psiquiatria e psicotera-
é como se as idéias políticas dos mes- pia, assunto que o interessava particu-
mos não tivessem tido a menor signifi- larmente e que nesse encontro era tema
cação para ele. de discussão de mais duas palestras.
A afirmação de que Kemper teria sido Kemper avaliou isto como um sinal po-
comunista, se não antes da II Guerra, sitivo (Höck, 1979: 9).
então depois, é considerada como um Seja que os autores se baseiam no “I
fato por R.P. O que fornecem como pro- Encontro Científico de Psiquiatras e
va disso fala por si: “Depois da capitu- Neurólogos” realizado no fim de maio
lação da Alemanha, Kemper se de 1948 na Zona Soviética. Nesse en-
transformou em militante marxista e par- contro participaram mais de 350
ticipou com Schultz-Hencke de uma psiquiatras e neurólogos da Alemanha
reunião de psiquiatras na parte Leste de inteira. No terceiro dia do programa,
Berlim, ocupada pelas tropas soviéticas. dedicado ao tema “Psicoterapia e Me-
Contribuiu assim para a reconstrução na dicina Psicológica”, apresentaram
República Democrática Alemã (DDR) de contribuições, entre outros, Kemper,
uma escola de psicoterapia de tipo pavlo- Schultz-Hencke, Schwidder, Kühnel e
viano, visando liquidar o freudismo. Mette. Nesse dia coube a Kemper a pa-
Depois de colaborar com o nazismo para lavra final.
a destruição da psicanálise por motivo A participação de Kemper nesses acon-
de judeidade, contribuía com igual zelo tecimentos não denota nenhum engaja-
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mento comunista em si e muito menos per, mas simplesmente com o fato de


um pretenso engajamento de sua parte que nesse tempo Berlim inteira estava
no desenvolvimento de uma psicotera- ainda sob cont r o l e s o v i é t i c o . Em
pia de tipo pavloviano na Alemanha março do ano seguinte, o Instituto
Oriental. foi incorporado por uma instituição
Note-se que o primeiro encontro se rea- de seguro de saúde de Berlim, a VAB
lizou quando a Alemanha era ainda di- (Versicherungsanstalt Berlin) e passou
vidida em quatro zonas de ocupação. O a chamar-se “Instituto Cen tral de
fracasso da política alemã na conjunção D o enças Psicogenéticas da VAB”
das quatro forças aliadas iria assinalar- (Zentralinstitut für Psychogene
se só a partir de 1947. A fundação da Erkrankungen der VAB).
Alemanha Oriental deu-se somente em Kemper fundou também a “Comissão
outubro de 1949. Além do mais, só no de Docentes de Berlim” (Berliner Do-
início da década de cinqüenta é que na zentenausschuß) em 1946, que se
Alemanha Oriental iriam surgir esforços desenvolveu no “Instituto de Psicotera-
no sentido de transformar a psicologia pia”, em 1947.
numa ciência materialista. O trabalho de Sua participação na fundação da nova
Pavlov era pouco conhecido no início “DPG” e a sua eleição como seu terceiro
da década de cinqüenta. diretor, em 1945, já foi mencionada antes.
Independentemente disso, é comprova- É muito estranha a afirmação de R.P.,
do que Kemper imediatamente depois da de que Kemper teria se engajado na re-
Guerra se engajou com todo entusias- construção de uma psicoterapia orien-
mo e dedicação na criação ou tada na Escola de Pavlov com o objetivo
respectivamente no restabelecimento de de acabar com o freudismo, conside-
novos institutos, nos quais exerceu fun- rando a orientação científica de suas
ções de direção. Ele fundou junto com publicações. Nelas, ele se afirma como
Schultz-Hencke, já em 14 de maio de um verdadeiro freudiano.
1945, o “Instituto de Psicopatologia e Aliás, ele próprio se caracterizou como
Psicoterapia”, uma recriação do antigo “um discípulo ortodoxo de Freud”
“Instituto de Pesquisa Psicológica e Psi- (Kemper, 1955: 197). No máximo, po-
coterapia” que, segundo as idéias de der-se-ia acusá-lo de um certo ecletis-
Kemper, deveria se limitar principalmen- mo, uma constante na sua formação.
te a funções policlínicas. Quando era ainda um principiante, ele
A formação psicoterapêutica siste- foi introduzido por Edith Jacobson num
mática deveria ser organizada numa pequeno “círculo interconfessional”
outra instituição. O fato da fundação do de psicoterapeutas de diferentes esco-
Instituto se realizar “... com o incenti- las e psicoterapeutas que não eram
vo e consentimento do comandante rus- ligados a nenhuma escola e no qual par-
so responsável pelo distrito” não tem ticipava também Schultz-Hencke
a ver com a orientação política de Kem- (Kemper, 1973b). Kemper sempre acen-
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tuou que a cooperação forçada entre os assim, por que Rittmeister não foi pre-
psicoterapeutas de diferentes orientações venido sobre a iminência de sua
dentro do “Instituto Göring” tinha tam- detenção?”
bém o seu lado positivo, porque dessa Na verdade, Kemper relata que aconte-
maneira eles tinham de se confrontar cia que “por exemplo, a Sra. Göring,
com outras posições. com base nas informações que tinha,
Durante todo o seu tempo na Socieda- dava de forma discreta indicações que
de Psicanalítica no Rio de Janeiro foram em si eram insignificantes, mas que
sempre incluídas no ensino também as para quem tinha bons ouvidos, eram su-
teorias de Adler, Jung e Schultz- ficientemente compreensíveis”. Em vista
Hencke, entre outras (Sério, 1998: 230). das relações na ditadura nazista, a per-
O pretenso pavlovismo atribuído a Kem- gunta de R.P. – por que Kemper não
per também não parece plausível a um avisou Rittmeister – pressupõe uma idéia
leitor atento do Dicionário. Num outro ingênua do funcionamento de uma per-
trecho (“Alemanha”) está escrito que feita corrente de informações na base,
Ernest Jones enviou Kemper ao Brasil Gestapo – Hermann Göring – primo
para difundir o “freudismo”. Mathias Göring – sua esposa e analisan-
da Erna Göring – analista Kemper. Os
KEMPER E RITTMEISTER
autores deveriam ter feito mais esforço
A afirmação de que Kemper nunca es- em averiguar a verdade, em se tratando
clareceu o seu papel na detenção de de uma suspeita de denunciação grave.
Rittmeister conduz a uma suspeita sé- Inclusive a afirmação de que Kemper
ria. No artigo “Rittmeister”, de R.P., teria escrito na sua biografia que teria
essa suspeita é formulada de forma ainda “protegido” Rittmeister também não
mais clara: “É difícil saber em que con- confere.
dições Rittmeister foi detido pela A história da “Orquestra Vermelha” está
Gestapo com sua mulher em 26 de se- relativamente bem pesquisada e nesse
tembro de 1942. Teria sido denunciado sentido existe bastante material que con-
por Werner Kemper ou foi simplesmente tradiz esse tipo de especulação, inclusi-
apanhado na diligência policial contra a ve sobre a biografia de Rittmeister. É
Orquestra Vermelha, depois da prisão de conhecido o desenrolar dos aconteci-
Schultze-Boysen um mês antes? O pa- mentos que precederam a prisão de
pel de Werner Kemper neste caso não Rittmeister. Schulze-Boysen, Harnack e
ficou de modo algum esclarecido. Kuckhoff já vinham sendo vigiados e
Kemper analisava tanto Rittmeister seus telefones escutados pela Gestapo
como Erna, mulher de Mathias Heinrich desde a metade de julho de 1942. No fi-
Göring. Em sua biografia, ele afirmou nal de agosto desse ano tiveram início
ter ‘protegido’ Rittmeister, usando com as prisões. Schulze-Boysen foi a primei-
Mathias a influência transferencial que ra vítima. E Liane Berkowitz, que per-
adquirira sobre Erna. Mas se tivesse sido tencia ao grupo de Rittmeister, informou
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John e Eva Rittmeister sobre o ocorri- per eram amigos e os dois casais man-
do. Assim, eles puderam ainda destruir tinham contatos sociais de amizade. Além
quase todos os documentos comprome- disso, Kemper era analista didata de
tedores (Trepper, 1975: 353; Tuchel, Rittmeister e continuou a sua confron-
1992: 95). tação com ele, nesse sentido, na prisão.
Ambos foram presos na própria residên- A análise com Rittmeister foi iniciada em
cia na manhã do dia 26.9.1942, 1938/39. Segundo Kemper, estava pró-
aproximadamente às seis horas. Além do xima do fim, quando ocorreu a sua
mais, está comprovado que Kemper, detenção. Ela já havia sido interrompida
após a prisão de Rittmeister, não se com- várias vezes em 1942. Primeiro devido
portou conforme as instruções de a convocação de Kemper para o servi-
Göring dadas aos membros do Institu- ço de proteção contra os bombardeios,
to. Ele foi o único colega a não romper por causa de doença e finalmente por
o contato com Rittmeister e inclusive a causa do serviço militar.
escrever-lhe à prisão. Parte dos apon- Rittmeister critica em Kemper, de um
tamentos que Rittmeister anotou com lado, tendências junguianas; de outro,
muita dificuldade em papel de embrulho que ele superestimaria a importância dos
na prisão refere-se à sua confrontação problemas sexuais: “... estando estes em
com Kemper como analista. Rittmeister ordem, o resto se arranjaria por si”. E
refere-se a ele em várias observações que desta maneira, “... fantasia, relacio-
muito críticas, mas também no sentido namentos, as aspirações extraordinárias,
positivo, frisando o “testemunho de técnica de trabalho, conhecimento hu-
Kemper” (idem, p. 55). Ele acentua “o mano, normas de vida (disciplina),
muito que espera de Kemper”, isto é, ficam sem ser analisadas”.
“que ele obtenha, tanto junto à Gestapo Que Kemper focalizaria bem “... as ini-
como junto a Göring, compreensão bições e atitudes grosseiras, mas não as
para a sua substancial inocência” (idem, finas, aquelas que têm de ser questio-
p. 65). Kemper menciona que teria ten- nadas e de se nomear para poder
tado sem sucesso uma permissão para corrigi-las”. “Ele não possui um conhe-
visitá-lo ainda à noite, na véspera de sua cimento abstrato de modelos de vida, de
execução, através da mediação do pas- autodisciplina, regulamentos de vida,
tor da prisão. Ele visitou na prisão a apesar de possuir com certeza uma
mulher dele, que havia sido liberada adaptação prática disso para seu uso
logo, mas que depois foi detida nova- doméstico”.
mente e condenada a cinco anos de Rittmeister receava que Kemper tivesse
prisão. Aliás, logo que ela pôde sair da “uma imagem muito otimista dele”.
prisão procurou Kemper em Berlim e Segundo ele, “a análise tinha se torna-
pernoitou na sua casa. do sem sentido e não o atingia na subs-
Este procedimento não é surpreenden- tância. Kemper deveria perguntar mais,
te, considerando que Rittmeister e Kem- criticar, incentivar, dar indicações de
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como agir perante minhas fraquezas dis- me nazista. Ele menciona na sua biogra-
poníveis e que deveriam ser esclareci- fia resumida (Kemper, 1973b), que a sua
das (a sensibilidade, a sugestionabilidade, relação próxima com Rittmeister não se
que há por trás da crítica), a tendência limitava só à colaboração no Instituto.
à fragmentação” (Teller, 1992: 106). Em 1968, ele não deixa passar desper-
Evidentemente essas críticas referem-se cebido o vigésimo quinto aniversário da
ao analista e não ao amigo Kemper. morte de Rittmeister e se empenha por
Nos apontamentos, o “testemunho” de um registro comemorativo na
Kemper não é uma referência precisa. “Psyche”. Publica um necrológio, no
Apesar de Rittmeister ter perdido as es- qual se exprime de forma distanciada
peranças de que Kemper pudesse ajudá- mas sensível. Nota-se que Kemper não
lo, como esperava no início da prisão, faz relação entre as qualidades de cará-
isto não diminuiu no entanto a sua esti- ter de Rittmeister e a sua atitude de re-
ma. No início, na prisão, ele avaliou a sistência contra o regime nazista. Isto
sua situação de forma muito irrealísti- transparece sobretudo quando ele se re-
ca, ou seja, muito otimista. Não parece fere a um ensaio de Rittmeister, no qual
plausível supor que Kemper tivesse po- fala da relação da “função terapêutica e
dido ajudá-lo e podido impedir o pior um novo humanismo”. (Rittmeister,
com o seu “testemunho”, considerando 1936/1985). Kemper menciona que
a importância que tinha para o regime Rittmeister fala do dever da “eliminação
essa parte da resistência; a extensão da da miséria social e do sofrimento dos
destruição da “Orquestra Vermelha” (or- desprotegidos”, mas relaciona a “função
ganização que se atribuía por trás do pe- humanística”, a que Rittmeister se sen-
queno grupo de resistência, do qual tia obrigado, apenas à sua atuação como
fazia parte Rittmeister), com mais de médico, “particularmente como chefe
cem prisões em pouco tempo só na Ale- da antiga Policlínica Psicanalítica de Ber-
manha, e, principalmente, considerando lim”, e não à sua atuação política.
as acusações contra Rittmeister de pre- Todavia Rittmeister visava, além da
paração de alta traição e favorecimento cura mental privada, principalmente o
do inimigo. Em todo caso, o próprio “bem-estar social”. (Veja Bräutigam,
Rittmeister acabou perdendo a esperan- 1992). “O mundo externo não devia ser
ça, mas a sua confiança em Kemper obscurecido subjetivamente, porque isto
continuou inabalável. Na carta de des- leva a aceitar com resignação e humil-
pedida ao irmão, escrita pouco antes de dade as condições sociais de precarie-
sua execução, ele lhe diz para procurar dade de existência das massas e a abrir
o Dr. Kemper “que me conhece tão caminho para outros, com uma “híbri-
bem e as minhas complexidades” (Tel- da compulsão de expansão”, exercerem
ler, 1992: 168). todo tipo de arbitrariedade”. Evidente-
Existem alguns comentários de Kemper mente Rittmeister pensava politicamen-
sobre Rittmeister, após o fim do regi- te e não limitava o seu engajamento
60 Pulsional Revista de Psicanálise

humanístico apenas à sua atuação como rio e criminoso. A compreensão de Kem-


médico. Kemper não se estende a essas per para com o engajamento político de
considerações. Suas conclusões con- Rittmeister parece ter sido, de fato, li-
firmam a crítica de Rittmeister ao ana- mitada.
lista.
CARREIRISTA
O próprio Kemper reconhece em carta
datada de 1974 que “não tinha sido ade- A afirmação que Kemper teria permane-
quado” na sua função de analista de cido um “funcionário obscuro”, se não
Rittmeister. E vai além... “não como tivesse feito carreira no regime nazista,
acredito que poderia ser hoje”. “Uma também não parece plausível, em vista
dúvida, que pesa mais ainda quando sur- de sua comprovada produtividade. O ri-
ge a nova dúvida, se teria sido desejável goroso Fenichel, que o conhecia muito
um outro resultado no interesse da boa bem das 150 horas de supervisão e se-
causa que ele representava. Trata-se minários conjuntos, como sobretudo o
sempre de uma escalada íngreme com “seminário das crianças” avaliou o jo-
risco de se cair de um lado e do outro” vem Kemper como “certamente muito
(citado em: Schulz, 1981: 19). talentoso”.
Kemper parece pensar que talvez uma Kemper se revelou um autor muito pro-
análise bem-sucedida teria impedido dutivo ao longo de sua vida.
Rittmeister de se dedicar à “boa causa”, Manifestou-se em numerosas publica-
isto é, o teria impedido de se colocar em ções científicas de forma competente e
perigo de vida por resistência ativa. Ou escreveu vários livros sobre diversos
mais drasticamente formulado: um temas. Inclusive alguns livros seus che-
Rittmeister menos neurótico não teria garam a atingir um grande público. Além
ousado a desejável resistência contra o disso, ele foi um organizador incansá-
regime e assim arriscado e perdido a sua vel tanto na Alemanha como no Brasil.
vida. Paralelamente ao seu trabalho de analista
Note-se, porém, que a questão se um e analista didata, fundou e participou na
engajamento político é certo ou errado, criação de várias instituições psicanalí-
não tem nada a ver primordialmente ticas e também em numerosos trabalhos
com as motivações psíquicas que exis- de cooperação internacional psicanalíti-
tem por trás. ca. No Rio, foi um dos pioneiros da
Eventualmente, secundariamente, no análise de grupo.
sentido, se as condições psíquicas per- A acusação que Kemper teria feito car-
mitem, as exigências e riscos concer- reira no regime nazista é, porém, num
nentes às implicações práticas e a aspecto correta. Ele fez carreira na
pressão psíquica da atividade política. O DPG. E, nesse sentido, tem-se de rela-
que não se pode pretender, é que pes- cionar o fato de que ele, logo após o tér-
soas de mente sadia não arrisquem sua mino de sua formação, em tão pouco
vida na luta contra um regime totalitá- tempo se tornou membro regular e te-
Clínica do Social 61

soureiro da DPG, com a discriminação continuação do trabalho da Policlínica do


e exclusão dos seus membros judeus. Instituto de Berlim e que, devido a isso,
Igualmente sua admissão logo no ano muitos pacientes puderam ser protegi-
seguinte para o Conselho de Ensino. dos da perseguição do regime. Ele ad-
Como membro “ariano”, Kemper preci- mitiu, posteriormente, que a sua “falta
sava apenas dizer sim para continuar a de percepção inicial” da realidade polí-
subir. Nesse sentido, pesa particular- tica, “hoje nos parece dificilmente com-
mente o fato dele ter aceito sua eleição preensível” (Kemper, 1973b: 271).
para a diretoria em 1936, após a exclu- Existe um manuscrito em português,
são dos judeus. Ele facilitou assim, não datado, sobre a biografia de Kem-
substancialmente, o processo de adap- per. A primeira parte é um resumo
tação à ditadura nazista na DPG. Ele po- formulado na terceira pessoa dos três
deria ter evitado essas funções, sem se primeiros capítulos da sua “Apresenta-
arriscar politicamente. Pelo menos nes- ção autobiográfica”. A segunda parte é,
sa altura, já deveria ter percebido, a que na essência, a tradução do quarto capí-
tipo de regime ele e a DPG já estavam tulo da mesma (“América do Sul”). Falta
se adaptando. Mas continuou vendo ain- o quinto capítulo (“Retorno e desfe-
da esse passo “como uma solução pas- cho”). Nota-se que o trecho referente
sageira e necessária de ajuda” (Kemper, à eleição de Kemper, em 1936, como
1973b: 272). Mais tarde, ele viu a alter- terceiro membro da diretoria da DPG,
nativa assim: “... nos calar forçadamente por indicação de Boehm e Müller-
ao risco de deixar cair no esquecimen- Braunschweig, contém uma observação
to público todo o conhecimento cientí- entre parênteses que não está incluída
fico adquirido até então, ou tentar, apesar na minuciosa “Apresentação autobio-
das proibições, mantê-lo vivo e até gráfica” alemã. A observação seguinte:
desenvolvê-lo, não citando explicitamen- “daí as falsas acusações...”. Deduz-se
te em passagens insuspeitas as fontes daí que provavelmente as acusações re-
originais, nem seus autores proibidos e ferentes à carreira de Kemper, quando
nos exprimindo assim numa linguagem, ele ainda vivia, relacionavam-se só, ou
que o público interessado entenda que sobretudo, à sua ascensão na DPG. E
para ele o proibido continua acessível” não, em geral, ao seu trabalho no “Ins-
(Kemper, 1942/1975: XIII). Referiu-se tituto Göring”. A posterior acusação de
mais tarde inclusive ao próprio Freud, carreirismo no Instituto carece de fun-
que esclareceu que para ele não era im- damento considerando os seguintes
portante “que seu nome fosse citado, fatos.
mas que a sua obra fosse representada Kemper sempre pertenceu desde o co-
corretamente” (idem). Se foi esse o meço ao “Instituto Göring”, à medida
caso, na retrospectiva, Kemper já não que continuou a ensinar no Instituto Psi-
parecia mais seguro disso. Para ele o canalítico da DPG, que foi integrado a
mais importante lhe parecia ter sido a ele e, mais tarde, no denominado “Gru-
62 Pulsional Revista de Psicanálise

po de Trabalho A”, e, a partir de 1941, texto. Em 1938, por ocasião de um con-


colaborando na Policlínica. Até 1942 ele gresso da “Allgemeinen Ärztlichen
trabalhou no Instituto sem ser seu fun- Gesellschaft für Psychotherapie” (Socie-
cionário fixo (Friedrich, 1987). Quando dade Médica de Psicoterapia), ele
Kemper sucedeu Rittmeister na direção defende a “psicologia de profundidade”
da Policlínica, ele não era o candidato – (...) “o saber que a psicoterapia es-
favorito do chefe Göring. Este teria pre- pecializada acredita ter adquirido
ferido confiar a direção da Policlínica a legalmente, principalmente por meio da
Scheunert, mas este não fora liberado análise” – contra os ataques dos repre-
do serviço militar, ao contrário de Kem- sentantes da psiquiatria (Kemper, 1938).
per, que era mais velho. Göring nomeou Kemper menciona “duas justificativas
então Kemper, que já trabalhava há mui- diferentes” para esses ataques. A pri-
to tempo na Policlínica do Instituto, em meira, baseada na suposição de que o
vista de sua qualificação. saber da psicologia de profundidade te-
ria sido
ANTI-SEMITA
adquirido por meio de um método que
Não há em nenhuma afirmação de Kem- “não resistiria a uma crítica exata, no
per indício de que ele teria sido sentido dos métodos adotados até ago-
anti-semita. Além do mais, tinha relações ra pela ciência”. A segunda, de maior
de amizade com vários colegas judeus, peso, porque “os criadores e principais
como, por exemplo, Wilhelm Reich, que, representantes dessa psicologia analíti-
segundo informação do próprio Kemper ca de profundidade eram, em geral,
e de sua mulher, ele teria ajudado a fu- judeus (respectivamente sob a influên-
gir da Alemanha. cia judaica), e também as experiências
Ainda no verão de 1939, Kemper encon- decisivas adquiridas em pacientes ju-
trou-se com Reich, num pequeno deus, e por isso não corresponderiam à
balneário nos arredores de Copenhague, essência do alemão e deveriam ser re-
por ocasião da realização de um encon- jeitadas”. Kemper continua: “... de fato,
tro do círculo dinamarquês-norueguês é incontestável a influência de judeus
de trabalho de Reich. Ele deve a esta re- justamente nos primeiros tempos da psi-
lação, o seu primeiro “Carepaket” após coterapia, mas o segundo motivo
o fim da II Guerra. infelizmente não é possível de se discutir
Kemper era ligado também a Edith Ja- aqui”. Assim, ele corta esse tema sem
cobson, desde os primeiros anos em mais justificativas, mas diz ainda o se-
Berlim, por “uma profunda amizade” guinte:
(idem, p. 270) que sobreviveu ao nazis- Que se tenha em mente que grandes ale-
mo. (Veja em seguida). mães como Leibniz, Goethe, Carus e
Existe uma tomada de posição de Kem- sobretudo Nietzsche, cujas concepções
per, durante o nazismo, que parece geniais freqüentemente representaram an-
particularmente interessante nesse con- tecipações intuitivas (e, aliás, antes de
Clínica do Social 63

qualquer psicologia analítica de profundi- agem sua e que ele não aproveitara a
dade!) que a psicologia de profundidade ocasião para encontrar-se com ele e
juntou mais tarde, pedrinha por pedrinha, nem para lhe escrever. Posteriormente,
num trabalho minucioso ao longo de anos Fenichel menciona ter recebido “uma
de esforços. notícia indireta” de Kemper, na qual este
À medida que ele tenta comprovar a sa- lhe pede para “manter a confiança nele.
bedoria e a importância da psicologia Que estariam forçados a agir com ex-
de profundidade, relevando a sua con- tremo cuidado”. Fenichel comenta
cordância com as antecipações geniais então: “mas, como diz um velho dita-
de “grandes alemães”, ele faz sem dú- do, ‘em matéria de convicção ninguém
vida uma concessão à argumentação dos nos bate’. Mas apesar desta notícia me
colegas anti-semitas. Mas se ele mesmo alegrar, não muda nada no meu julga-
fosse de fato um anti-semita, não per- mento, de que, neste caso, eu penso que
deria essa ocasião para formular frases o cuidado ultrapassa a medida do neces-
feitas anti-semitas. sário” (circular de 18.5.1936).
Quanto a posição de Kemper no que se Depois que a DPG desligou-se da IPA,
refere à votação para exclusão dos mem- Fenichel lamenta que “infelizmente não
bros judeus da DPG, não dá para tirar vai mais haver oportunidade de falar no
conclusões claras de como ele votou próximo congresso com o próprio Kem-
mesmo na época. A questão da votação per sobre o seu estranho comporta-
foi discutida de forma controversa tam- mento”.
bém entre os membros judeus. Ponde- Esta oportunidade surgiu porém no “En-
rações táticas foram consideradas. contro de quatro países”, em Budapes-
Entretanto, a sua maneira de agir depois te, em maio de 1937, no qual participou
para com os colegas judeus, como Fe- Kemper. Ele relatou então a Fenichel so-
nichel relata numa circular, nos parece bre a situação em Berlim. Pretendeu que
inadmissível e chocante. a suspensão de “todo contato pessoal”
Fenichel escreve que o membro da di- é “verdadeiramente necessária no inte-
retoria Kemper cumpria obviamente de resse da manutenção do Instituto” (cir-
maneira conseqüente a intimação do pre- cular de 1.6.1937). Kemper não
sidente (Boehm) “de não mais freqüentar convenceu porém Fenichel dessa “ne-
colegas judeus”. Ele não só cortou o cessidade”, sobretudo porque ele ficou
contato com Therese Benedek, que pou- sabendo que um outro colega de Ber-
co tempo depois emigrou, mas também lim “continuava membro da Sociedade
com Kamm, que saiu da DPG em soli- de Medicina e da Sociedade de Neuro-
dariedade aos colegas judeus (circular de logia e que somente os psicanalistas o
23.4.1936). Fenichel, que apreciava tinham excluído”. Kemper evidentemen-
muito Kemper, ficou muito decepciona- te entendeu o ceticismo de Fenichel e
do com este seu comportamento, “procurou mostrar que era digno de
principalmente quando soube de uma vi- confiança (...), defendendo Reich e
64 Pulsional Revista de Psicanálise

Edith Jacobson numa sessão pública”. liação, redigidas por Kemper em 1943,
Apesar de Kemper ter decepcionado Fe- passaram a conter a indicação da raça
nichel por essas atitudes e tê-lo inclusive (Cocks, 1985: 181), o que tornava pra-
irritado por causa dos seus relatórios ticamente uma norma psicoterapêutica,
otimistas sobre a situação em Berlim, ele a limitação de ajuda psicoterapêutica a
anota em dezembro de 1938, quando a “arianos”.
DPG desligou-se da IPA: “... não é uma
KEMPER E FENICHEL
pena pela DPG! (...) É uma pena só por
causa do Kemper” (circular de Para avaliar a credibilidade das afirma-
16.4.1939). ções de Kemper durante o nazismo e
Quanto à posição oficial de anti- poder julgar a sua integridade de uma
semitismo e cumprimento das “Leis Ra- forma geral, vale a pena talvez questio-
ciais” durante o nazismo no “Instituto nar-se porque Fenichel ainda lamentou
Göring”, por suposto, houve membros a perda para a IPA do colega Kemper
não tão zelosos disso. Em 1938/39 um na primavera de 1939. Esta apreciação
candidato à formação judia continuava conta muito, considerando a capacida-
ainda em análise didata com Müller- de humana, científica e política de
Braunschweig, após uma interrupção Fenichel, assim como o momento em
devido sua prisão temporária no campo que ela é feita, isto é, após os aconteci-
de concentração de Sachsenhausen mentos problemáticos sucedidos desde
(Brecht et alii, 1985 2: 168). Em 1939/ 1933. Não resta dúvida de que Fenichel
40 e até 41, Göring ainda advertia em apreciava o seu supervisando e colega
circulares para o fato de que havia ain- Kemper. Tendo em vista a inexperiên-
da judeus em tratamento no Instituto cia política de Kemper, é nesse sentido
(Wunderlich, 1991: 41 ss.). Mas depois extraordinário que ele tenha ajudado Fe-
disso, não deve mais ter sido possível nichel no exílio, nos seus esforços de
praticamente. A partir de setembro de organizar uma comunicação clandestina
1941, os judeus foram obrigados a por- dentro do movimento psicanalítico, atra-
tar a estrela judaica também dentro da vés de circulares e assim – pelo menos
Alemanha. Com esse fato, a questão de na intenção – manter a união dos psi-
tratamento ou mesmo formação de can- canalistas progressistas e de esquerda.
didatos judeus deixou de ser um tema Fenichel tinha esperança de que as dis-
no Instituto. E apesar de que os seus cussões desenvolvidas nas circulares se
membros já estavam de todo modo obri- transformassem a longo prazo numa es-
gados a trabalhar “no sentido da visão pécie de “seminário das crianças por
nazista do mundo”, o fato que em 1943 escrito da psicanálise marxista” (circu-
foi estabelecido oficialmente um crité- lar de 12.2.1935). Ele precisava, para
rio racista na admissão dos pacientes, isso, de informantes em vários países
significou uma capitulação adicional do que o mantivessem a par do movimen-
Instituto. As fichas médicas para ava- to. Kemper foi um informante seu
Clínica do Social 65

durante vários anos. ses países, porque se premia um falso pen-


Tendo em vista os informantes e desti- samento e tudo se faz para manter as pes-
natários de suas circulares, Fenichel soas ignorantes e não inteligentes (circular
distinguia um círculo estreito de amigos de 25.6.1938).
psicanalistas de esquerda, entre os quais A crítica de Fenichel era sem dúvida
Georg Gerö, Nic Hoel, Edith Jacobson, justificada. As suas reflexões sobre as
Annie e (no começo) Wilhelm Reich. relações sociais soavam tão estranhas
Junto a esses, havia no começo um cír- para Kemper, quanto as reflexões de
culo maior, que ele classificava da Rittmeister. Pelo que parece, Kemper
seguinte maneira: nunca chegou a perceber o quanto foi
a) colegas, que deviam ser informados das alto o preço para a forma de sobrevi-
coisas importantes, mas que temporaria- vência, à qual ele se adaptou.
mente, por cautela, não eram informados Na atitude de Fenichel para com Kem-
da forma de colaboração e não assumiam per deve ter contado muito o procedi-
compromisso; b) os verdadeiros simpati- mento deste na fuga de Edith Jacobson.
zantes; c) aqueles que podiam passar Ela foi presa em 1935 por causa de con-
rapidamente a simpatizantes. tato com o grupo social-democrático de
Kemper estava entre os “verdadeiros resistência “Novo começo”. Em 1938,
simpatizantes”, ao lado de colegas como ela conseguiu fugir para Praga, por oca-
Paula Heimann, Edith Buxbaum, Lotte sião de uma hospitalização. Durante a
Liebeck, entre outros (circular de abril sua prisão, a questão mais importante
de 1934: 83). Daí, obviamente, Fenichel para Fenichel era a libertação dela, sua
devia considerá-lo uma pessoa íntegra antiga analisanda, colega do “Kinderse-
e confiável. Os seus relatórios porém minar” (“seminário das crianças”) e par-
ele avaliava como muito otimistas. Por tidária política. As circulares desse tem-
exemplo, no que concernia a sua con- po sempre começam com as mais no-
vicção de poder converter psicoterapeu- vas informações sobre Edith Jacobson.
tas de outras escolas (circular de Na sua “Apresentação autobiográfica”
23.10.1937). Mas sobretudo no que Kemper, porém, menciona apenas que
concernia a falsa avaliação política de ele mesmo a visitou em duas prisões di-
Kemper: ferentes (Kemper, 1973b). Isto merece
um maior esclarecimento. Kemper man-
... não tenho nenhuma confiança nos re-
tinha nesse tempo contato com Fenichel
latórios otimistas que o colega Kemper,
ocasionalmente, nos manda de Berlim; não e existem vários indícios de que ele te-
somente porque os judeus perdem as suas ria tido participação na libertação de Edith
possibilidades de trabalho, ou porque pa- Jacobson. O seu próprio filho, Jochen,
ciente e analista não podem ter uma rela- pretende que ele teria participado. E a
ção de confiança, uma vez que há sempre própria Jacobson teria confirmado isso
a possibilidade de denunciação – mas, por- ao psicanalista brasileiro Flávio Neves
que o espírito está sendo aniquilado nes- (Victor, 1996). Por que então mais tar-
66 Pulsional Revista de Psicanálise

de Kemper e sua mulher confirmaram cogitar também se talvez não se tratas-


que tiveram apenas participação na fuga se de concessões táticas ou seja, da
de Reich e Liebeck, mas não na de Edith boca para fora. Sob essa perspectiva
Jacobson? consideraremos a seguir os respectivos
Um esclarecimento plausível se encon- comentários feitos por Kemper, embo-
tra na entrevista de Elisabeth Gero- ra estejamos cientes de que talvez nem
Heymann, a última sobrevivente do seja possível uma resposta inequívoca
grupo de Praga, que organizou a fuga nesta questão.
de Edith Jacobson, concedida a Thomas Em publicações de autoria de colegas de
Müller. Segundo ela, Fenichel a encar- Kemper do Instituto há freqüentemente
regou na época de falar com Kemper. elogios dirigidos ao “Führer”, comentá-
Ele deveria visitar Edith Jacobson na pri- rios racistas, a ideologia do solo e do
são e combinar com ela a fuga, mas sangue e outros elementos da ideologia
Kemper recusou. A sua mulher estava nazista (Veja as contribuições em:
grávida e tinha medo que acontecesse Göring, 1934).
algo com ele. Gero-Heymann se encar- Em comentários de Kemper não há tais
regou então ela mesma disso. Confor- afirmações generalizadas de princípio
me provam esses acontecimentos, nazista explícitas. Nas partes em que ele
Fenichel sabia portanto que podia con- exprime concordância, esta se relacio-
fiar inteiramente em Kemper e contar na a pontos concretos no contexto de
conspirativamente com ele na prepara- uma reflexão científica. Sobretudo uma
ção da ação para libertar Jacobson. leitura exata dessas formulações permi-
A razão por que Kemper recusou a ta- te reconhecer claramente o contexto
refa era sem dúvida plausível e Fenichel respectivo na sua maneira conseqüente
a aceitou. Quando ele lamentou a perda de argumentar com expressões como
de Kemper por força do desligamento da “sim, mas” – “embora, mesmo assim”.
DPG da IPA, esses acontecimentos ha- Além disso, as concessões às idéias na-
viam se sucedido alguns meses antes. zistas estão geralmente inseridas numa
argumentação tática. Na “permanente
A IDEOLOGIA NAZISTA
controvérsia” entre a psiquiatria e a psi-
Entre as acusações contra Kemper, pe- coterapia, na qual Kemper defendia
sam sobretudo as suspeitas de que ele conscientemente “uma pretensão exage-
teria se pronunciado várias vezes “tam- rada da psicoterapia” (Kemper, 1938),
bém implicitamente de maneira concor- ele tinha de fazer de vez em quando con-
dante com as idéias nazistas” (Friedrich cessões à psiquiatria adaptada ao regime
em Brecht et alii, 1985: 150). Tendo em nazista, de cuja tolerância ele precisava
vista que algumas das suas citações, para defender a sua posição psicotera-
fornecidas como prova disso, foram fei- pêutica.
tas justamente no período da ação de li- Kemper menciona algumas vezes apro-
bertação de Edith Jacobson, poder-se-ia vativamente, por exemplo, as leis
Clínica do Social 67

eugênicas, mas cada vez antes ou de- rapia de choque à base de insulina e car-
pois de ter apresentado o seu ponto de diazol, seguida de uma assistência psico-
vista terapêutico, o que não combinava terapêutica do paciente, pode vir a ter
com as mesmas. Assim ele se refere – grandes e importantes atribuições e pos-
“com respeito à controvérsia entre a psi- sibilidades.
quiatria e a psicoterapia” – à questão que O exemplo seguinte é também típico no
mesmo nos casos de “verdadeira psico- sentido de que, imediatamente após uma
se”, a possibilidade de “tratamento concessão a um elemento da ideologia
psicoterapêutico” é maior do que se nazista, ele faz valer um ponto de vista
pensa (Veja Kemper, 1938). seu de importância. Em 1942, ele se re-
Em seguida ele acrescenta: fere a uma “atitude básica para com a
Isto não deve ser interpretado como uma cultura da sexualidade” nesses termos:
propaganda para uma psicoterapia da psi- Esta “embora também marcada racial-
cose ou como uma tentativa de tornar as mente, só desenvolveu-se gradativamen-
leis eugênicas mais ou menos desneces- te, mas de maneira decisiva e muito
sárias. Ao contrário: todo psicoterapeuta mais do que somos conscientes, atra-
sabe numa detalhada anamnese das famí- vés de fatores históricos das idéias, so-
lias, a alta porcentagem que nelas se en- ciológicos e outros fatores culturais
contra de quadros de psicose ou doenças
(Cristianismo) ao longo do século”.
relacionadas à psicose na ascendência de
seus pacientes neuróticos. E justamente o
Várias vezes Kemper admite que o pon-
psicoterapeuta que tem de combater dia- to de vista “biológico de povo” é sem
riamente a miséria da neurose, só pode dúvida muito importante. Mas cada vez
aprovar essa legislação. Isto porém não relativiza na seqüência a sua concessão.
impede que a psicoterapia, enriquecida Em 1943, ele admite que se conseguiu
pelo saber relatado acima, seja mobilizada com o “ponto de vista biológico” e “em
também para a pesquisa científica da psi- razão do sacrifício de vidas na guerra”,
cose, sem considerar a conseqüência prá- desde “a ascensão ao poder da outra vi-
tica que o emprego de um tão intensificado
são de mundo”, “despertar de novo a
tratamento terapêutico, no caso de um psi-
vontade de procriar perdida” (Kemper,
cótico, que tenha sido uma personalidade
genial excepcional, com certeza valeria a 1943). No final do artigo, ele “se per-
pena, se existe a expectativa de que, com mite” “francamente” apontar para “um
isso, o seu talento extraordinário possa ser perigo” a que ele se refere também em
retribuído em proveito da totalidade. outras publicações (Kemper, 1942/1975:
101):
Ele faz logo em seguida uma concessão
aos psiquiatras, relativa à importância te- O novo tempo ensinou que o indivíduo
rapêutica dos mesmos e lhes oferece a deve ser visto como membro de uma linha-
gem e dessa forma mostrou a responsabi-
sua cooperação:
lidade perante nossos ascendentes e
Além disso, me parece que (no caso de descendentes. Com isso também foi abo-
uma rigorosa seleção dos pacientes) a te- lida a avaliação existente até agora da vida
68 Pulsional Revista de Psicanálise

sexual da perspectiva do indivíduo, vista go especialista em genética é fácil de de-


ainda apenas no contexto dessa função cidir na maioria dos casos de doenças ge-
biológica de povo. Nisso vale evitar exa- néticas, para nós os limites são flutuantes
geros e, junto a essa função seguramente (Kemper, 1942/1975: 82).
muito importante, nela reconhecer a impor-
tância para a manutenção da saúde física Ele fala em seguida da “dificuldade” de
e psíquica do indivíduo (Kemper, 1943: distinguir nos doentes entre os casos de
429). “valiosa originalidade” e “formas dege-
neradas” e menciona o “tipo de moça
Como já foi dito, Kemper pronunciou- frágil” descrito por um colega (Speer,
se também no sentido de que “os gran- 1935) que, por causa de sua constitui-
des métodos terapêuticos” deveriam ção física, deveria ser desaconselhada ao
ser reservados apenas aos doentes, nos casamento e maternidade.
casos que “valesse a pena a utilização Também estas frases soam “conforme
dos mesmos para a totalidade do povo” as idéias nazistas” (Friedrich). Mas se
(Kemper, 1938). Não seria o caso das não se atenta somente ao estilo, mas
“poucas exceções de variações negati-
também ao conteúdo, elas adquirem
vas de tipo constitucional degenerativo
uma outra significação Neste sentido,
no verdadeiro sentido genético” (Kem-
deve-se notar que para os nazistas se
per, 1944). Ele não tinha, porém, crité-
tratava de uma outra “escolha” do que
rios racistas nem eutanásia na mente,
para Kemper. Os nazistas não tinham
como dão a impressão suas formulações
dificuldade quanto a isso e quem era
no estilo nazista, se se considera o con-
“escolhido” não recebia aconselhamen-
texto das relações políticas na época em
to, mas era esterilizado ou morto.
que ele as fez. Achava mais que não era
De fato, Kemper se pronunciou aprova-
conveniente grandes esforços terapêu-
tivamente em relação às teses nazistas
ticos “nos casos raros” relacionados a
sobre as leis eugênicas e à política po-
doenças genéticas.
pulacional. Ele era de fato convencido
Sobre essa questão em que casos vale
que as leis eugênicas poderiam impedir
a pena psicoterapia e em que casos não,
doenças hereditárias e por isso eram
ainda um exemplo:
bem-vindas. Cada vez que elogiou as
Decidir se é justificável em cada caso fa- leis, ele fez essa justificativa. Natural-
zer grandes esforços de tratamento, natu- mente em princípio não há nada contra
ralmente não depende mais do sintoma o objetivo de impedir doenças hereditá-
especial da perturbação sexual, mas do
rias por meio de medidas e leis
tipo e gravidade da mudança da persona-
lidade restante. O psicoterapeuta vai ter
adequadas. O problema, no caso, é que
de se limitar na sua escolha às pessoas, Kemper elogiou uma lei que fazia parte
cujas personalidades merecem um tal es- de uma legislação estabelecida para ser-
forço. Justamente nisso surgem graves de- vir a criação de uma “raça superior”, que
cisões humanas para o médico consciente determinava a proibição de casamentos,
de sua responsabilidade. Se para o biólo- o internamento forçado em hospitais,
Clínica do Social 69

abortos e esterilizações e que abria ca- diretrizes de “Dr. Kemper, médico-che-


minho para o assassinato de “vidas sem fe do Estado Maior” (Brecht et alii,
valor” do “programa de eutanásia”, que 1985: 153) pode ser atribuída a Werner
teve início em grande dimensão em Walter Kemper.
1940. Por isso é, em princípio, proble- Segundo suas próprias indicações, ele
mático que Kemper tenha elogiado essa foi convocado no início da II Guerra
lei. A questão é se – tendo em vista as Mundial por cerca de um mês para o
circunstâncias políticas da época – se serviço de proteção contra bombar-
pode considerar o seu elogio a um as- deios em Berlim. No fim de 1940, de
pecto como uma aprovação à legislação novo, “desta vez por um ano para a pro-
inteira. Ou se se pode considerar a sua teção da Usina Leuna, perto de Halle”.
argumentação à base de “sim, mas”, Nesse tempo, ele utilizou as suas horas
como um indício de que ele teria feito de folga para escrever o seu livro “Die
concessões a determinados pontos, para Störungen der Liebesfähigkeit beim Wei-
poder argumentar em seguida contra be” (Os distúrbios da capacidade de
outros. O mesmo vale para a defesa de amar na mulher). Este livro foi publica-
sua posição com argumentos conforme do no início de 1942. Três meses
o teor nazista, mas que em si não eram depois foi editada uma nova edição, que
como o incentivo à “vontade de pro- traz um prefácio de Kemper datado do
criar”, respectivamente ao crescimento “início do verão de 1942”. O próprio
da taxa de natalidade. Kemper teria apanhado os seus exem-
Ambos os pontos acima comprovam o plares de autor dessa nova edição em
envolvimento ideológico de Kemper na- Leipzig. Finalmente, depois de “mais de
quelas circunstâncias. Se comprova um ano doente ele foi liberado por mo-
mesmo a sua afinidade com a ideologia tivo de saúde”. Após a sua recuperação,
nazista, parece mais duvidoso, se levar- ele voltou a trabalhar como docente no
mos em conta o seu procedimento em Instituto Göring e na Policlínica, como
geral. interino. Só então ele foi convocado pela
primeira vez para o Exército como sar-
PSIQUIATRA CONSULTOR MILITAR gento para o serviço de enfermagem,
Entre os fatos apontados como prova de correspondentemente à patente militar
um envolvimento pessoal culpável de que ele havia atingido na I Guerra Mun-
Kemper nas barbaridades dos nazistas, dial e à sua formação adquirida depois
conta também o de que ele era “psiquia- de médico (Kemper, 1973b). Ainda nes-
tra consultor do exército combatente” e se mesmo ano, ele foi liberado do
que teria colaborado em maio de 1942 serviço militar e tornou-se então funcio-
na elaboração das diretrizes para as for- nário fixo do Instituto Göring. Estas
mas de tratamento de neuróticos de indicações do próprio Kemper coincidem
guerra. Não é no entanto seguro se a com os dados de sua ficha no “Institu-
assinatura escrita à máquina abaixo das to Göring”. Nela, ele é designado
70 Pulsional Revista de Psicanálise

igualmente com a patente militar de sar- audição, cegueira, tremor, contrações


gento da reserva. Em vista disso, não é musculares, incapacidade de locomo-
compreensível como Kemper em maio ção, hábito de fixação em deficiências
de 1942 possa ter sido psiquiatra con- físicas após ferimentos e doenças”. Eles
sultor do Exército. Mesmo que ele defendiam a opinião que soldados com-
tivesse sido promovido rapidamente a pletamente sadios e altamente capazes
oficial, não é muito provável que tenha também podem ser afetados em deter-
sido, ao mesmo tempo, também promo- minadas circunstâncias por reações
vido a médico-chefe do Estado Maior. anormais, o que torna impossível “uma
A hipótese que a assinatura seria mes- desvalorização moral e a difamação dos
mo de Werner Kemper e que sua doentes de reações anormais”.
patente estaria errada no documento por Isto teria de se evitar “no interesse do
engano, também é improvável. Numa lis- comando moral da totalidade da tropa”.
ta de psiquiatras consultores do Eles acentuam que “a fixação em rea-
Exército que data de abril de 1942 já se ções psíquicas anormais”, mesmo
encontra um médico-chefe, Dr. Kemper quando serve a desejos como os de re-
(Riedesser; Verderber, 1996: 110). Nessa torno à pátria ou a transferência para
época Werner Kemper nem tinha sido uma outra tropa, ou seja, mesmo quan-
ainda convocado para o Exército. do serve a um objetivo determinado,
Apesar disso, não se deve deixar de pode não haver simulação nisso, “por-
considerar neste contexto as diretrizes. que freqüentemente essas tendências não
Os psicoterapeutas do Instituto tiveram são vividas claramente”.
participação nas discussões sobre o tra- Para eles, havia em geral duas razões
tamento a ser dado aos neuróticos de “entre as quais se tinha de decidir”,
guerra e mesmo considerando que Kem- quando os doentes não podiam ser cu-
per só mais tarde foi admitido como rados num espaço de algumas semanas.
funcionário fixo no mesmo, pode ser Eles aconselham medidas rigorosas para
que ele tenha tido – embora não direta- os casos em que o comportamento
mente e não em posição superior – algo “anormal” fosse “expressão de uma ten-
a ver com essas discussões. dência anormal da personalidade”.
O objetivo das diretrizes era de evitar De um lado, eles aconselham que “a re-
“reações psíquicas anormais”, como as moção à pátria deve ser evitada absolu-
que se verificaram na I Guerra Mundial tamente, exceto em casos
e que por causa do seu “efeito psíqui- extraordinários a serem julgados somen-
co contaminador, teriam afetado consi- te por parecer de um psiquiatra experi-
deravelmente a força de combate das ente”. De outro, eles aconselham no
tropas”. Os autores das diretrizes citam, caso contrário, ou seja, do deslocamen-
entre outras, “estados de medo e per- to da pátria para a frente de combate,
turbação, distúrbios de origem psíquica também a necessidade da colaboração de
como paralisia, perda da fala, perda da um psiquiatra “por causa dos efeitos psí-
Clínica do Social 71

quicos contaminadores na frente de veis, é o fato de que os neuróticos de


combate”. Eles acentuam ainda que o guerra, que não eram “curados” logo e
tratamento de neuróticos de guerra, “de eram tidos como “incuráveis”, ou seja,
acordo com as diretrizes gerais da mo- classificados de “gravemente anormais”,
derna psiquiatria”, devia caber à respon- ficavam conseqüentemente expostos a
sabilidade exclusiva de psiquiatras um terrível tratamento (Veja indicações
especializados. De acordo com as dire- exatas em Klausch, 1995). Naturalmente
trizes, o tratamento básico e o tratamen- os assinantes das diretrizes sabiam qual
to de “reabilitação” por meio de o destino de que estariam ameaçados os
rigorosas atividades terapêuticas, assim doentes que fossem classificados de
como em unidades especiais de recon- “recaídas permanentes” ou “gravemen-
valescença (no caso de haver uma gran- te anormais”.
de quantidade de doentes desse tipo num Por isso, os seus conselhos são indes-
Exército), conseguiria em regra a volta culpáveis. Nota-se, no entanto, que as
à ativa do soldado. Nos casos de per- diretrizes em si são contraditórias. O tex-
manentes recaídas ou anomalias muito to fala de decisão quando se trata em
graves deveriam tomar-se medidas ex- princípio do diagnóstico médico. Daí
traordinárias. Sugere-se “serem criados vale questionar essas posições contra-
setores em lugares apropriados, para ditórias, como é que elas podem ser
que tanto as tropas como a pátria fos- esclarecidas e consideradas.
sem preservadas do efeito desintegrador A maneira compreensível como é justi-
dessas pessoas”. ficado nas diretrizes que, sob o ponto
Em geral, quem se interessa por psiquia- de vista neuropsicológico, reações anor-
tria militar, sabe que estas diretrizes não mais podem ocorrer, normalmente, tam-
são especialmente rigorosas, mas até, bém em pessoas completamente sadias
surpreendentemente, moderadas. Tradi- e que, por isso, não se deveria difamar
cionalmente e até hoje, os psiquiatras em geral os doentes – não combina com
militares não se sentem obrigados em as rigorosas medidas aconselhadas.
servir em primeira linha ao doente, Como acha Roth, de fato “essa resolu-
como deveriam, segundo a ética médi- ção parece consideravelmente reservada
ca. Principalmente nos períodos de no teor” (Roth, 1987: 55). Isto ainda
guerra, o tratamento de neuróticos de precisa ser esclarecido, uma vez que um
guerra é, em regra, extremamente bru- julgamento indulgente de neuróticos de
tal. O que é aconselhado nas citadas di- guerra não corresponde às tradições da
retrizes são medidas usuais em países psiquiatria militar.
em estado de guerra, que possuem ser- Como mostra principalmente K.H. Roth,
viço militar obrigatório e não somente havia durante a guerra uma luta perma-
em ditaduras. nente de poder entre os psicoterapeutas
Elas não são por isso, de modo algum, médicos e psicólogos ligados ao “Insti-
desculpáveis. O que as torna tão terrí- tuto Göring” e os neuropsiquiatras
72 Pulsional Revista de Psicanálise

(Roth, 1987). Estes últimos eram pro- “a chancelaria do Führer” recomenda-


fissionais fanáticos, que defendiam va preferencialmente mais um tipo de
como apropriados os métodos brutais intervenção “branda” (Roth, 1987: 151).
de tratamento da I Guerra Mundial, in- Mais tarde, foram formuladas novas di-
clusive tortura, usados tradicionalmente retrizes que previam inclusive a remoção
na psiquiatria militar. Em contraposição, para campos de concentração dos sol-
os psicoterapeutas e psiquiatras ligados dados que “fracassassem” em unidades
ao “Instituto Göring” aconselhavam a especiais ou batalhões especiais de
adoção de métodos brandos de trata- campanha.
mento com os doentes. Esta foi também Os “psiquiatras consultores” tiveram um
uma razão porque eles se dedicaram à papel substancial na intensificação das
Força Aérea, uma força militar nova e medidas repressivas durante os anos da
altamente técnica. Os adeptos da psi- guerra. Mas os psicoterapeutas do Ins-
quiatria tradicional ainda não se haviam tituto se ativeram ao seu conjunto de
estabelecido nela e assim não podiam medidas terapêuticas gradativas.
ganhar muita influência. Os seus che- Uma “instrução” aos médicos da Força
fes do alto comando tinham compreen- Aérea, redigida por J. H. Schultz no ou-
dido que era um absurdo “querer curar tono de 1944, documenta quão grande
e recuperar para a atividade de vôo de era a contradição entre as diretrizes dos
combate, por meio de torturas elétricas, “psiquiatras consultores”, que foram
membros da tripulação de aviões alta- aumentadas pela última vez numa reu-
mente complicados de caça e bombar- nião realizada em maio de 1944, e a
deio atingidos em combate” (Roth, opinião dos psicoterapeutas do Institu-
1987: 48). Esta opinião foi mantida mes- to. Nela se nota mais uma vez a posição
mo depois da guerra ser declarada dos psicoterapeutas do Instituto. Schultz
“guerra total” (Veja a seguir). insiste no uso do termo “neurose de
As diretrizes contém portanto um com- guerra”, proibido desde junho desse ano,
promisso entre as posições contrárias com o argumento que a neurose seria
acima citadas. Surpreendentemente, pa- basicamente curável, mas não por meio
rece que os psicoterapeutas consegui- de “uma força de vontade intensificada
ram fazer valer a sua visão das coisas conscientemente”, uma vez que a neu-
e em parte a sua terminologia. Uma ati- rose “sempre contém momentos invo-
tude que lhes deve ser creditada positi- luntários”. Ele justifica ainda que as
vamente, se não se pretender que eles neuroses não seriam hereditárias “ape-
também poderiam ter-se esquivado in- nas a disposição interna para tais distúr-
teiramente de uma tomada de posição bios, o que não deve significar de modo
desse tipo. algum uma inferioridade. Ao contrário,
O fato que as diretrizes foram formula- que pessoas muito conscienciosas, mui-
das tão contraditórias e reservadas se to sensíveis, de um sentimento profun-
deve principalmente a que nessa época do de honra e de índole bastante
Clínica do Social 73

acessível, estariam mais sujeitas ao pe- com a colaboração de oficiais sanitaris-


rigo de serem ‘magoadas’, do que as de tas, que haviam feito parcialmente a sua
natureza apática, indiferentes, extrema- formação no Instituto e trabalhavam na
mente robustas”. E conclui que “o doente direção de hospitais militares em Berlim
neurótico constitui de um certo modo e arredores (Cocks, 1997: 322). Num
parte de uma elite”. caso, Kemper se deixou inclusive certi-
Havia muitas diferenças no procedimen- ficar por escrito a ajuda que prestou a
to de fato dos psicoterapeutas do Insti- um paciente, pelo próprio, vinte anos
tuto para com seus pacientes por vários mais tarde.
motivos. Principalmente quanto às ati- Segundo uma carta do mesmo, Kemper
tudes individuais para com o regime na- teria salvo não somente a vida dele, mas
zista. Entre os últimos dois e três anos também de outras pessoas, inclusive um
da II Guerra Mundial foram enviados major e um general, citados nominal-
cada vez mais membros das Forças Ar- mente. Nesse caso teriam tido partici-
madas ao Instituto para serem examina- pação também outros colegas seus
dos. Embora – “todos os colaboradores (Prof. Schultz e Dr. Kühnel).
do Instituto tenham sido expressamen-
SIGILO SOBRE O PASSADO
te advertidos de comunicar a Göring
suas eventuais opiniões negativas sobre Não é possível se julgar aqui se é váli-
pacientes, para que ele tomasse as me- da a alegação de que, no Brasil, Kemper
didas necessárias” (Hermanns, 1989: 29) nunca teria falado do seu passado na
– parece plausível, se levarmos em con- Alemanha Nazista. Ela é sempre apre-
ta a opinião e o teor da instrução de sentada como uma acusação grave.
Schultz, que alguns membros tenham Supõe-se que Kemper nunca contou
pretendido na retrospectiva que davam nada, porque tinha algo a esconder. A
mais importância à ajuda individual ao acusação não parece muito convincen-
paciente do que “à exigência das For- te porque, ao mesmo tempo, se pretende
ças Armadas de se restabelecer a sua que Kemper deveria ter contado algo aos
capacidade de combate” (Dräger, 1971: seus analisandos. A quem e quando ele
266). O próprio Kemper justificou mais poderia ou deveria ter contado o quê?
tarde várias vezes com esse pretexto de Análises didatas ou tratamento psicana-
ajuda o seu trabalho no Instituto. Ele e lítico não são indubitavelmente ocasiões
outros teriam “podido fazer o bem al- propícias para uma apresentação auto-
gumas vezes e evitar algumas vezes o biográfica do analista. Mas mesmo
pior” na Policlínica, que ele classifica de admitindo que Kemper depois de um
“pequena ilha” (Kemper, 1967). Segun- certo tempo poderia ter falado sobre seu
do as suas indicações, entre 100 e 200 passado com seus colegas e ex-analisan-
pacientes puderam ser salvos da perse- dos, e não o fez, não se pode deduzir
guição militar ou policial por um forçosamente disso, que ele não o fez
processo de vai-e-vem de transferência porque tinha algo a esconder.
74 Pulsional Revista de Psicanálise

Não é razoável atribuir-lhe tanta falta de Ele atribui menos importância ao aspec-
habilidade. Ele se referiu várias vezes em to da “salvação” da psicanálise, do que
suas publicações em alemão ao tempo ao proveito da cooperação forçada entre
do nazismo (Kemper, 1965; Kemper, as diversas escolas terapêuticas, o qual
1942/1975; Kemper, 1967; Kemper, 1973). acentuou muitas vezes. Na sua opinião,
Estas publicações comprovam que ele essa cooperação teria possibilitado que
se dedicou algumas vezes a essa parte
... se unissem as posições principais de
de sua biografia. Toca no assunto inclu-
acordo com o seu peso equivalente num
sive quando não há forçosamente razão nível mais completo e mais alto. Não para
para isso (Kemper, 1965). Ele caracte- criar uma ciência da psicoterapia alemã,
riza a época do nazismo sem retoques baseada na psicologia das raças, como o
como uma época de crimes “desuma- regime nazista nos queria forçar.
nos inimagináveis”, “praticados com Mas para criar uma obra que fosse, tanto
como estrutura científica quanto como
sóbria e calculada perfeição técnica”.
método terapêutico, não só mais comple-
Refere-se inclusive aos campos de con- ta e mais efetiva do que as anteriores, mas
centração, às torturas brutais, à elimi- que também pudesse entrar finalmente na
nação sistemática de grupos étnicos e discussão, que há muito já deveria ter sido
doentes mentais etc. (Kemper, 1973b). iniciada, da reconhecida ciência dentro e
Sobretudo, Kemper não contestou que fora do país (Kemper, 1947: 68).
se adaptou ao regime nazista. Ele se jus- Nesta avaliação espantosa para um
tificou nesse sentido referindo-se ao “freudiano ortodoxo”, Kemper se refe-
caráter totalitário do regime: re provavelmente às tendências que
Uma tal adaptação não é certamente uma possibilitaram aos psicoterapeutas de se
atitude heróica. Todavia incentivar e exi- afirmarem como um grupo profissional
bir heroismo numa democracia e em e que foram interpretadas como um pro-
tempos de direitos humanos garantidos cesso de profissionalização dos mesmos
não é difícil (citado em Köhler, 1988: 19). (Cocks,1985).
Como comprovam as citações acima, É óbvio que Kemper diminuiu o seu
pode-se pretender no máximo que Kem- envolvimento no regime nazista na re-
per se manifestou de uma forma limita- trospectiva e não estava a fim de reco-
da, mas não que ele não se tenha nhecer completamente a problemática
manifestado “sobre o seu envolvimento de sua colaboração na época no Insti-
naquelas circunstâncias” porque ele pró- tuto Göring, tanto quanto a própria
prio se via como uma “vítima” do na- adaptação da psicanálise ao regime. Ele
zismo e um membro da “comunidade lamentou “ter sido ingênuo no começo”
dos salvadores da psicanálise” (Lockot, e a cegueira com que durante muito
1985). Certamente sentia-se também ví- tempo avaliou os nazistas.
tima, embora a sua adaptação lhe tenha Porém, nunca mencionou concretamen-
sido proveitosa, pelo menos no que diz te o seu comportamento problemático
respeito às suas condições de vida. de adaptação pessoal na época, como a
Clínica do Social 75

ruptura da relação com os colegas ju- vista das diferenças culturais e das de-
deus, a capitulação moral diante da ideo- siguais dimensões do horror (Kemper,
logia racial dos nazistas, adotando 1965).
critérios racistas nas fichas de diagnós- O seu ensaio “Die Doppelsichtigkeit von
tico médico etc. Ele se referiu apenas Tatbeständen” (A dupla face dos fatos)
em termos gerais às “crescentes pres- é muito revelador no que diz respeito à
sões físicas, e sobretudo psíquicas, vi- sua opinião mais tarde sobre o nazismo
vidas durante os anos de ditadura” (Kemper, 1964b). Ele descreve nele a
(Kemper, 1942/1975). Nas suas lem- sua atividade no Rio de Janeiro como
branças, ele avalia os seus colegas do perito para a “United Restitution
“Göring Institut” conscientemente de Organisation” (URO). Nessa função, ele
uma maneira não crítica, e os caracte- teve de dar um parecer sobre o pedido
riza como “uma série de personalidades de indenização de uma senhora que, na
marcantes”, “mesmo que se tenha algo Alemanha Nazista havia sobrevivido a
contra para criticá-los sob o ponto de trabalhos forçados, gueto, campo de
vista humano ou científico” (Kemper, concentração em Auschwitz e Bergen-
1973b). Belsen e depois de sua libertação, emi-
Defendeu muitas vezes o amigo Schultz- grara em 1946 para o Brasil. Após um
Hencke contra a acusação de oportunis- processo que se estendera durante anos,
ta. Também na maneira como julgava o lhe fora concedida com base num pa-
chefe do Instituto, Mathias Göring, não recer de dois médicos, em vista de seus
considerava o seu papel objetivo no re- distúrbios psicossomáticos e incapaci-
gime criminoso. Kemper julgou com dade de trabalho, uma indenização que
bastante indulgência a sua profissão de cobria apenas os custos do seu trata-
fé ao nazismo e o seu engajamento “na mento. E lhe fora recusado o direito a
missão do regime”, achando que Göring uma aposentadoria ou indenização em
tentava cumprir a sua missão de uma dinheiro “porque a redução de sua ca-
maneira “compatível com suas idéias pacidade de trabalho em decorrência da
nazistas, mas ao mesmo tempo com perseguição sofrida, havia sido avaliada
uma visão cristã, pietista de mundo, a partir de janeiro de 1949 em menos
contrária à visão violenta e fanática dos de 25 por cento”. A maneira como
nazistas”. Kemper, na qualidade de terceiro peri-
Kemper se ocupou da questão do nazis- to, reconstrói com base em entrevistas
mo ainda algumas vezes, principalmente com a requerente a origem do sofrimen-
nos seus últimos anos. Fez compara- to da mesma, e como aponta erros nos
ções entre determinadas seitas fanáticas pareceres anteriores na maneira de pen-
brasileiras que faziam sacrifícios de san- sar e interpretar, comprova como ele, ao
gue e as massas fanatizadas pelo fascis- contrário de muitos colegas nessa fun-
mo de Hitler, embora lhe parecessem ção, possuía uma capacidade de empatia
claros os limites de sua comparação, em para com vítimas
76 Pulsional Revista de Psicanálise

do nazismo, que tinham sido prejudica- “o silêncio do paciente”, vira na tradu-


das “de forma cruel” no corpo e na ção uma situação típica da “prática
alma, em decorrência de uma “injustiça psicanalítica”. As noções são trocadas
inaudita” (Kemper, 1964b: 547). freqüentemente pelo tradutor quando, na
reflexão de Kemper, se trata de terapia
INCOMPETÊNCIA
psicanalítica para psicanálise. Fala-se
As acusações que pesam sobre Kemper, erradamente de “prática analítica”, “tra-
de erros graves de caráter e profissio- balho psicanalítico” etc. ou traduz-se às
nais, levam a supor que se poderia vezes até a palavra “Arbeit” (trabalho)
provar também extremas deficiências por “análise”. Neste sentido, a tradução
quanto à sua competência psicanalítica. dá a impressão de que Kemper se refe-
O psicanalista brasileiro Hélcio Mattos re de fato à psicanálise no seu sentido
dedicou-se ao estudo de Kemper sob restrito de psicoterapia. Daí Mattos de-
este aspecto. Na sua tese de doutorado duz que Kemper considerava a sua regra
editada na França “Mythes Fondateurs fundamental “apenas como um simples
de la Psychanalyse au Brésil” (Mitos instrumento técnico” (Mattos, 1996:
fundadores da psicanálise no Brasil), 311). Kemper encobriria e não levaria
(Mattos, 1996), ele analisa ao longo de em conta as causas externas, principal-
cerca de cinqüenta páginas o ensaio de mente as condições de guerra, que
Kemper “Der Patient schweigt” (O si- tornavam impossível o trabalho psica-
lêncio do paciente) (Kemper, 1948). A nalítico. Em vez disso, propunha como
escolha do objeto de Mattos é com efei- “soluções”, “mecanismos de adaptação
to muito boa, uma vez que o próprio puramente técnicos”. Dessa forma
Kemper o citou como um dos seus en- Kemper avaliaria o direito do paciente ao
saios que, na retrospectiva, mais silêncio, acima da regra fundamental da
apreciava (Kemper, 1973b: 342). Mat- psicanálise (idem, p. 315). Portanto, o
tos não deve ter tido no entanto uma fundamento da teoria da psicanálise te-
grande escolha à disposição, segundo as ria sido alterado nas suas reflexões
suas indicações bibliográficas. (Mattos, 1996: 301).
Ele nomeia somente duas outras publi- Mattos constata, com razão, a psicote-
cações de Kemper (em português, Kem- rapeutização da psicanálise no “Instituto
per, 1964a; Kemper, 1960) e parece Göring”. Porém, a sua acusação enfáti-
desconhecer todas as demais. No caso, ca contra Kemper, de que na psicanálise
o seu problema de não saber a língua se tem de manter de forma conseqüen-
alemã tem o agravante que a tradução te a sua regra fundamental, não se
em português do ensaio em questão não justifica enquanto isto não seja conside-
é fidedigna. rado uma condição indispensável na
O assunto das reflexões de Kemper no psicoterapia psicanalítica.
ensaio “uma situação típica no trabalho As reflexões de Kemper vêm do fato
psicoterapêutico-analítico”, justamente que ele mesmo trabalhou em terapia com
Clínica do Social 77

pacientes, que eram obrigados a man- tamento de não se falar sobre segredos
ter sigilo sobre certos assuntos. Ele de um terceiro sem que este o permita
compreendeu o problema que isso re- explicitamente, muito respeitável na vida
presentava para o trabalho terapêutico e particular, pode ser mantido pelo pacien-
tentou então uma solução de emergên- te também na análise como uma exce-
cia. Para que “o curso das idéias ção natural da regra fundamental. O
expressas livremente na hora se manti- terapeuta sempre deve pensar em tais
vesse transparente para ele” (o terapeuta, possibilidades”.
H.F.), ele tinha de saber pelo menos Mattos comenta essa passagem da se-
quando o paciente silenciava sobre algo. guinte maneira: “Ele (Kemper, H.F.)
“Como conseqüência prática resulta que, acaba aceitando explicitamente o silên-
cada vez que o paciente omite no cur- cio em relação a uma terceira pessoa
so de uma hora uma idéia relacionada à ‘como uma exceção natural da regra
sua obrigação de sigilo, então que ele co- fundamental’, utilizando argumentos de
munique expressamente que silenciou ordem moral”. Mattos ignora a obser-
algo” (Kemper, 1948: 506). vação final de Kemper de que “o
Sem dúvida, um método precário mes- terapeuta deve sempre pensar em tais
mo em psicoterapia, mas que só se pode possibilidades”. É compreensível, à me-
desaprovar por princípio, se, em geral, dida que ele tenta provar o contrário do
se acha que pessoas portadoras de se- que Kemper diz. De acordo com a sua
gredos profissionais ou que têm conhe- argumentação, essa frase deveria signi-
cimento de crimes não deveriam ser ficar que o terapeuta deve sempre
tratadas psicoterapeuticamente. pensar que a regra fundamental não pre-
À medida que Mattos não percebe que cisa ser sempre respeitada.
Kemper se refere explicitamente à tera- Mattos separa às vezes trechos de pas-
pia psicanalítica e não a uma “análise sagens para comprovar sua falsa
normal”, ele se envolve em argumenta- premissa e assim divide afirmações de
ções insustentáveis. Na verdade, ele de- Kemper, que não combinam com a in-
veria ter notado que, em várias passa- terpretação do mesmo. Depois, elas
gens em português do ensaio, fala-se de servem para Mattos como prova da con-
“terapeuta” e inclusive se compara “tra- tradição de Kemper, à medida que ele
balho psicoterapêutico-psicanalítico” recorre novamente ao tema.
com “análise normal” (Kemper, 1948: Várias vezes ele atribui a Kemper exa-
505). tamente o contrário do que ele afirma.
Sobretudo, ele deveria ter notado as im- Em várias passagens fica claro que se
plicações curiosas de sua conclusão, trata principalmente de preconceito.
uma vez baseadas numa falsa premis- Um exemplo: Kemper se refere ao pas-
sa. Um exemplo: Kemper cita a seguin- sado nazista e “à obrigatoriedade de si-
te possibilidade entre numerosas gilo sobre certos assuntos profissionais”
variantes de “silêncio” – “Tal compor- que colocava certos pacientes “frente a
78 Pulsional Revista de Psicanálise

um dilema praticamente insolúvel: de um denunciá-las. Outra razão muito concre-


lado, seu juramento profissional; de ou- ta podia ser a indagação que sem dúvida
tro, a regra fundamental da análise de se faria em relação à prisão de
‘dizer tudo’”. Mattos faz a seguinte per- Rittmeister, se Kemper sabia de suas ati-
gunta: “Por que é só o paciente que se vidades na resistência.
encontra no caso diante de um dilema Kemper teve muito medo disso e viveu
insolúvel, não o analista, ou não os algumas semanas desagradáveis, até se
dois?” (Mattos, 1996: 311). convencer de que “nada se sucederia”
Ele não se refere aí à observação que (Kemper, 1973a).
Kemper faz sobre o silêncio do terapeuta Mattos também tenta provar que Kem-
(Veja abaixo). Obviamente, ele também per só conhecia um “inconsciente
não tem na cabeça o raciocínio absur- descritivo”. Isto descreditaria Kemper
do, que também o analista devesse di- completamente, além de moralmente,
zer realmente tudo. A pergunta serve também quanto à sua competência de
apenas para umas alusões vagas em re- psicanalista. Porém a argumentação não
lação ao caso Rittmeister e ao fato que convence absolutamente. Um exemplo:
Erna Göring fazia análise com o próprio Kemper tenta construir uma visão dos
Kemper. Ele deduz daí algumas conclu- diversos tipos e formas de silêncio. Ele
sões, cuja “pointe” consiste na suposi- diferencia primeiramente entre “ocultar
ção de que Kemper deve ter sido uma coisa e silenciar”. No primeiro caso
mesmo interessado que os seus pacien- haveria quase sempre uma intenção pro-
tes não falassem sobre certos assuntos. posital e má, mas poderia ocorrer tam-
Pois: “... não se deve esquecer, que o bém não intencionalmente e “de boa fé”.
conhecimento de segredos incluía a O verdadeiro silenciar seria “a expres-
possibilidade de ser chamado para de- são de uma resistência consciente, par-
por em Nuremberg ou como testemu- cialmente consciente ou inconsciente do
nha ou como cúmplice” (idem, p. 324). paciente” (Kemper, 1948: 505). Mattos
Esta justificativa é pouco convincente, escreve
mas, em compensação, revela a fanta- ... aí surge o problema lançado pelo pró-
sia do autor em relação à importância de prio Dr. Kemper da distinção entre uma re-
Kemper na Alemanha Nazista. sistência consciente e uma resistência
Por outro lado, o fato que Kemper não inconsciente. A primeira seria em que o
refletiu no caso sobre o interesse do motivo apresentado consciente não teria
analista no silêncio do paciente, deveria nenhuma causa inconsciente. Uma tal afir-
mação tem a sua correlação teórica numa
merecer maiores considerações.
separação absoluta entre os processos
Porém, sob pontos de vista completa- conscientes e inconscientes, o que pres-
mente diferentes. Antes de tudo, porque supõe, que se aceite, que existe uma trans-
simplesmente podia ser perigoso num posição de um sistema para o outro sem
regime totalitário ficar sabendo de ati- deixar restos. São formas de compreensão
vidades dirigidas contra o regime e não que combinam com a concepção descriti-
Clínica do Social 79

va da diferença entre consciente e incons- zista, no sentido jurídico dos processos


ciente, sem insistir sobre aquilo que dis- de desnazificação, nos quais se diferen-
tingue os dois processos (Mattos, idem p. ciavam cinco categorias: 1. culpado; 2.
306). comprometido (ativista); 3. pouco com-
Por que razão Mattos acredita que a di- prometido; 4. seguidor; 5. isento de
ferenciação a que se refere Kemper deve culpa. Como ele não foi membro do Par-
ser considerada em termos absolutos, tido Nazista, não pertenceu a nenhuma
resta incompreensível. organização nazista e nada havia de
Mattos poderia ter-se poupado muitos comprometedor em particular contra
esforços de interpretação, se tivesse se ele, foi considerado “isento de culpa”.
informado sobre as publicações de Kem- Na criação de novas instituições, após
per, interessantes para a sua tese, de que o fim da II Guerra, Kemper (juntamen-
ele conheceria só um inconsciente des- te com Schultz-Hencke) atentou então
critivo. Trata-se sobretudo das suas para que participassem só colegas des-
publicações sobre a questão da transfe- comprometidos politicamente.
rência e contratransferência. Kemper foi no entanto “seguidor” no
Elas documentam mais do que suficien- sentido literal da palavra, à medida que
temente que Kemper se orientava na se adaptou ao regime. Já só essa razão
teoria dos impulsos e a importância que implica numa certa cumplicidade para
ele dava aos processos de transferência com os crimes cometidos pelo regime,
e contratransferência. E não que ele, ao como no caso de todas as pessoas na
mesmo tempo, tenha feito prevalecer Alemanha que não fugiram ou não se
um inconsciente estático-descritivo opuseram ao mesmo. Se pretende-se
(Kemper, 1953/54; Kemper, 1954/55; avaliar essa culpa, tem-se de conside-
Kemper, 1969). Inclusive numa passa- rar que o regime totalitário produziu uma
gem do tão criticado ensaio por Mattos, pressão de adaptação muito forte. Para
Kemper fala explicitamente sobre isso. a geração posterior é difícil avaliar em
Após referir-se rapidamente à questão que medida uma adaptação podia ser
do silêncio do terapeuta e seu problema, evitada, se a pessoa não queria expor-
ele escreve: se ao perigo, e até que ponto teria sido
... seria interessante como contraponto a preciso mais coragem civil. Na crítica
este trabalho – “O silêncio do paciente” tem-se de ter cuidado de não julgar por
– escrever um ensaio sobre o “O silêncio si com uma falsa pretensão. Mas tam-
do analista”. O tema da contratransferên- bém de, por falta de crítica, não se
cia, um pouco desconsiderado, teria um aceitar posteriormente como insignifi-
papel muito grande nele (idem, p. 518). cante o comportamento de pessoas que
tiveram participação nos acontecimen-
“SEGUIDOR” DO NAZISMO
tos dessa época.
Kemper não foi com certeza um Kemper confessou o seu medo, o que
“Mitläufer” (“seguidor”) do regime na- não o deixou agir heroicamente. Por jus-
80 Pulsional Revista de Psicanálise

tiça, tem-se de admitir igualmente no citação de Kemper. Referindo-se a uma


seu caso “que o fato que muitas pes- outra publicação, ela critica, apesar de
soas não opuseram resistência, não é com toda razão, que Kemper atribui a
um fenômeno que necessita de esclare- destruição do Instituto “por assim dizer
cimento; mas muito mais que, apesar de a um poder anônimo”.
tudo, algumas pessoas tenham ousado Mas acrescenta que Kemper “dessa ma-
resistência, é que precisa de um escla- neira oculta a sua ambivalência, que
recimento” (Lohmann; Rosenköter, transparece num outro trabalho (“o si-
1984: 60). lêncio do paciente”). A Alemanha do
É evidente, no que concerne a crítica ‘Dritte Reich’ revela-se mais uma vez
ao comportamento de Kemper, que fre- como parte de uma força que visa o
qüentemente ela parte de uma atitude mal, mas que produz mesmo assim o
preconceituosa. Não só no que diz res- bem” (Lockot, 1994: 58). Kemper, to-
peito às acusações difamatórias davia, diz referindo-se à fusão forçada
difundidas sobre ele no Brasil e na Fran- pelos nazistas das diversas variantes de
ça. Inclusive em autores alemães, psicologia de profundidade que “aqui a
constata-se um certo preconceito. Alemanha do ‘Dritte Reich’ revela-se
Por exemplo, Friedrich pretende que excepcionalmente uma vez como parte
Kemper em sua descrição do fim do de uma força... etc.”
“Instituto Göring” em abril de 1945 qui- Cocks também nos mostra como é di-
sesse “então por um ponto final ao pe- fícil julgar uma figura como Kemper.
ríodo nazista” (Friedrich, 1987: 221). Nota-se praticamente um processo de
Na verdade, Kemper diz que, com a transformação de sua opinião ao longo
“destruição” do Instituto “fatalmente foi de suas observações. Nas suas primei-
posto um ponto final” “num desenvol- ras publicações, ele julga de maneira
vimento que nos últimos anos causara pouco crítica o envolvimento dos mem-
crescente preocupação naqueles que re- bros do “Instituto Göring” no regime
fletiam sobre o seu caráter, por visar nazista.
uma aplicação ampla e um efeito, sobre- Inclusive o próprio Kemper, para com
tudo como ocorreu por força nos anos quem ele se sentia particularmente agra-
da guerra, sem falar de certas tendên- decido por tê-lo ajudado na obtenção de
cias políticas” (Kemper, 1945/1947). material (Cocks, 1975: vii). Posterior-
Como mostram as suas frases seguin- mente, influenciado por novas publica-
tes a respeito de um novo desenvolvi- ções críticas, ele revida a sua primeira
mento, que se teria realizado às ocultas, avaliação e julga então de uma maneira
ele se refere antes ao ponto final ocor- mais crítica alguns procedimentos, po-
rido no desenvolvimento de uma varian- rém nem sempre corretamente. Por
te da psicoterapia dominante no nazismo exemplo, quando ele considera a parti-
e não em relação ao nazismo. cipação de Kemper e Schultz-Hencke
Lockot lida da mesma maneira com uma nos dois encontros realizados em Ber-
Clínica do Social 81

lim na zona de ocupação soviética como ra por convicção em favor do crimino-


prova suficiente para afirmar que os so regime e de sua ideologia ou se tenta
dois teriam colaborado “na organização adaptar-se para sobreviver.
de uma psicoterapia no setor russo de Possivelmente foi um ensaio de
Berlim” (Cocks, 1997: 374). Friedrich, que Cocks cita, que contri-
Cocks parece então já não se sentir mais buiu para a sua posterior mudança de
seguro dos critérios, nos quais ele teria atitude. Nele, Friedrich duvida de uma
de se orientar em sua avaliação. Ele se avaliação de Cocks feita no início da dé-
admira, por exemplo, de que Rittmeister cada de oitenta sobre os psicanalistas
pudesse atuar na resistência e ao mes- que haviam permanecido na Alemanha
mo tempo sentir satisfação no seu durante o nazismo.
trabalho na Policlínica do Instituto Segundo Cocks, eles “teriam constituí-
(Cocks, 1997: 380). E partindo da cons- do o grupo menos contaminado no
tatação de que peritos eram muito úteis sistema dentre os psicoterapeutas no
ao regime, para ele é uma questão aberta processo de institucionalização e profis-
quem apoiava de forma efetiva o regi- sionalização dos mesmos”. Friedrich
me: o psicoterapeuta incompetente, pergunta se, ao contrário, “não teriam
filiado ao partido nazista, ou o psicote- sido justamente os psicanalistas que se
rapeuta, em princípio contra os nazistas, afastaram o mais distante das posições
mas que fazia bem o seu trabalho tera- teóricas anteriores a 1933 de sua ciên-
pêutico (idem, p. 381). Obviamente cia e, considerando o nível que a ciência
Cocks desconhece a importância da pro- psicanalítica já se encontrava antes de
fissão de fé ideológica para o sistema. 1933, se não teriam sido eles próprios
Talvez a tivesse reconhecido, se tives- que realizaram o maior esforço para sua
se feito uma relação com outros grupos integração na psicoterapia alemã, no con-
profissionais, como professores univer- ceito da ainda não claramente definida
sitários ou padeiros etc. Quem se “nova ciência da psicoterapia alemã?” E
declarava adepto da ideologia nazista, a integração no sistema nazista não te-
apoiava como nazista o sistema. Quem ria sido levada ainda mais adiante por
trabalhava na sua competência de peri- Felix Boehm, Werner Kemper e Carl
to, não apoiava automatica e diretamente Müller-Braunschweig do que por Harald
por isso o sistema e a sua ideologia e Schultz-Hencke, considerado até agora
não fortaleceu por isso o regime. De- na história como o membro da DPG
pendia dos objetivos que o trabalho (Sociedade Psicanalítica Alemã) que
visava. Em primeira linha, ele contribuía mais se teria integrado no sistema na-
para o funcionamento da sociedade na zista (...)? (Friedrich, 1987).
qual existiam também tendências inde- Tanto nesta questão, como na pergunta
sejáveis da parte do regime e contrárias de Cocks, o critério decisivo para a ava-
ao mesmo, que eram reprimidas. É uma liação de quem se teria feito de alguma
diferença essencial se alguém se decla- maneira culpado, não é primordialmen-
82 Pulsional Revista de Psicanálise

te a concordância com as idéias e as não somente psicanalistas, que tinham


ações dos nazistas. de viver sob a ditadura de Hitler” (Dah-
Um outro critério ganha de maneira sub- mer, 1989: 206). Kemper é um exemplo.
reptícia uma importância central. Obviamente não se pode julgá-lo de ma-
Não a questão da competência profis- neira adequada, se, por um lado, se faz
sional do terapeuta, como em Cocks, isto somente sob o ponto de vista do seu
mas a questão em que medida o psica- comprometimento no regime nazista por
nalista traiu a psicanálise. Esta tem no força de sua adaptação ou, por outro,
entanto uma importância inferior em re- por ele não ter, como Rittmeister, ou-
lação à questão do “grau de culpabili- sado uma resistência política. No seu
dade” (Cocks, 1983) na adaptação ao comportamento há, incontestavelmente,
regime criminoso. Todavia, o fato de atitudes que têm de ser criticadas. Como
ater-se à psicanálise, até onde isso era ele não foi capaz de reconhecer mais
possível, “não pode ser avaliado como claramente na retrospectiva a parte de
expressão de resistência política” (Bräu- culpa que lhe cabia no processo de
tigam, 1984: 910). adaptação da psicanálise. Isto é lamen-
Por outro lado, a simples redução da tável, embora este comportamento tenha
psicanálise ao nível de uma psicotera- sido típico numa sociedade que se re-
pia, que negava a sua origem freudia- velou em geral incapaz de trabalhar o
na, não pode ser decisiva na avaliação seu luto (Mitscherlich, 1967). No caso
do envolvimento do psicanalista no sis- de Kemper, isto talvez se explique psi-
tema nazista. Isto também fizeram, em cologicamente, não só porque assim ele
outras épocas, psicanalistas sem ser for- podia evitar os sentimentos que nele po-
çados e por motivos completamente di- deriam causar uma confrontação com
ferentes. A culpabilidade resulta essen- as recordações relacionadas, por exem-
cialmente do fato que essa redução foi plo, ao seu procedimento na época para
relacionada à participação da psicanáli- com os colegas judeus, conforme já re-
se na “arianização”, na neutralização da latado, lhe ocorreu em Budapeste.
visão de mundo e até no comprometi- Mas também porque isto com certeza
mento da teoria da psicanálise, inclusi- tem a ver com “a economia psíquica até
ve de seu funcionamento quase sem atri- hoje não descrita psicanaliticamente das
to, de acordo com as diretivas do sis- pessoas que não cederam, ou o fizeram
tema nazista. apenas parcialmente ou por pouco tem-
Para se poder avaliar individualmente o po, à ideologia nazista, apoiada coletiva-
“grau de culpabilidade”, teria de se con- mente”. Sobretudo que elas vivenciaram
siderar o comportamento inteiro de cada nos últimos anos da II Guerra Mundial
psicanalista que participou nesse pro- “afetos de raiva impotente, de desam-
cesso. “Sabemos no entanto que entre parado furor, de repugnância, medo e
resistência e colaboração havia outras pesar...” (Dräger, 1971: 259). A isso ain-
modalidades praticadas pelas pessoas, da se somaram nos primeiros anos do
Clínica do Social 83

pós-guerra, fome, falta de moradia e rismo, covardia, denunciação, tendência


outras privações. Essas pessoas se sen- autoritária etc. Mas o “caso Kemper”
tiram sobretudo mais como vítimas do denota algo de exemplar em si.
que dispostas a se questionar sobre a Reconhecer isto, exige que se compreen-
própria culpa. da e se critique como foi possível que
Há certamente contradições no compor- Kemper e alguns outros psicanalistas,
tamento de Kemper. Mas, no total, há não apenas alemães, puderam acreditar
muitas indicações de que provavelmen- e durante tanto tempo ater-se a esse en-
te ele não deve ter tido a mínima sim- gano, que a psicanálise poderia ser
patia pelo regime nazista e a sua “salva” por meio da sua adaptação ao
ideologia. O seu procedimento para com sistema nazista?
Reich, Lotte Liebeck, Edith Jacobson e E como foi possível que, apesar de
Rittmeister; a sua relação com Fenichel tudo, mesmo na retrospectiva eles pre-
e a sua função de informante para ele e tendessem que haviam conseguido isso
seu movimento; os depoimentos de pes- e enganando-se a si mesmos por tanto
soas de confiança desse tempo; o seu tempo, nem constatassem nisso nenhu-
procedimento como chefe da Policlíni- ma contradição?
ca e outros indícios, exprimem o con- Com certeza isto tinha, e tem, a ver es-
trário e provam que ele não foi sencialmente com falta de reflexão po-
simplesmente um “seguidor” do nazis- lítica e falta de visão para os problemas
mo. À medida que é possível se avaliar sociais. Mas na confrontação com o fas-
o seu procedimento no nazismo, com cismo isso não se revela como um pro-
base nas informações que me foram blema particular de pessoas como
acessíveis aqui documentadas, ele pode Kemper, embora tenham existido tam-
merecer crítica, mas as acusações em bém psicanalistas, como Bernfeld e
que se contesta a integridade de sua pes- Reich, interessados nas teorias sociais,
soa, não se justificam. que reconheceram relativamente cedo
com quem se tinha a ver com os nazis-
O CASO KEMPER
tas. Tais problemas faziam parte da
O que se pode aprender do “caso Kem- compreensão dominante da psicanálise,
per” considerando as circunstâncias que Robert Castel denominou de psica-
acima relatadas que transformaram o nalismo (Castel, 1973). É o resultado da
psicanalista Kemper num caso? abstração da psicanálise dos seus obje-
Obviamente nada, se toma-se conheci- tivos político-sociais, de suas determi-
mento de apenas uma parte dos fatos, nantes socioeconômicas, de suas
se substitui-se a falta de informações pressões institucionais e de sua respon-
por especulações e se interpreta-se aqui- sabilidade social. Esta atitude é ainda
lo que, no seu comportamento, há de muito difundida. A interpretação do es-
fato a criticar, somente como expressão cândalo de tortura no Rio de Janeiro
de falta de caráter, oportunismo, carrei- como conseqüência de características
84 Pulsional Revista de Psicanálise

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