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Economia Brasileira

Abreu
Baer
Bonelli
Villela e Suzigan
Simonsen
Bibliografia:

Abreu, M. P. (Org.) (1990). A Ordem do Progresso. (Referência principal).


Baer, W. (1983). A Industrialização e o desenvolvimento econômico no Brasil.
Bonelli, R. (1996). Ensaios sobre Política Econoômica e Industrialização no Brasil.
Villela, A. V. & Suzigan, W. (1978). Política do Governo e Crescimento da Economia
Brasileira 1889-1945.
Saes, F. A. M. et alli (1997). Formação Econômica do Brasil.
SIMONSEN, M.H. (1970), Inflação: Gradualismo versus Tratamento de Choque.

 André de Melo Modenesi

A utilização desse material é restrita a fins estritamente acadêmicos. Sua utilização com
outros objetivos é vedada. Os alunos da faculdade de economia do IBMEC e do curso
preparatório para o Exame Nacional da ANPEC do CORECON – 1a Região estão
autorizados a reproduzir este material, com fins estritamente acadêmicos.

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modenesi@globo.eco.com

Rio de Janeiro, fevereiro de 2005.


MODENESI, A.M. 9/3/2005

ECONOMIA BRASILEIRA: 1889-2002


Sinopse

I – Primeira República: 1889-1930

I – Primeira Década Republicana (1889-1900)

1) Crises de liquidez
2) Lei Bancária de Rui Barbosa (1890) ⇒ Encilhamento: i)especulação bursátil;
ii)desvalorização e surto industrial; e iii)inflação
3) Funding Loan (1898): suspensão dos pagamentos da dívida até 1911
4) Programa de estabilização de Joaquim Murtinho (1898-1902): reversão dos
excessos do encilhamento

II – Apogeu e Crise na Primeira República (1900-1930)

5) Caixa de Conversão (1906-14)


6) O Impacto da Primeira Guerra e o 2º Funding Loan (1914)
7) Caixa de Estabilização (1926-1930)
8) Programas de Valorização do Café: Convênio de Taubaté (1906), programas
temporários (1917 e 1921) e programa permanente (1924)
9) A Economia Agro-Exportadora: o complexo cafeeiro e suas ramificações

II – Segunda República: 1930-1964

III – 1º VARGAS (1930-45)

10) Crise cambial: i) 3º Funding Loan (1931); ii) controles (1931-4 e 1937-9)
11) Controvérsia: impacto anti-cíclico da valorização do café
12) Endossa Furtado: i)impacto reduzido da Crise; ii)rápida recuperação; iii)ISI:
desenvolvimento voltado para dentro
13) Projeto industrializante: embrião da intervenção estatal

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IV – DUTRA (1946-51)

14) Ilusão de Divisas ⇒ liberdade cambial ⇒ esgotamento reservas (conversíveis)


⇒ controles cambiais/importação(1947-53) + crédito BB ⇒ incentivo ISI.
15) Relativiza a concepção de que houve uma interrupção na tendência de ampliação
da intervenção estatal ⇐ [1) princípios liberais; 2) incentivos ISI].
16) Reversão na política econômica: expansionista (a partir de 1949) ⇒ Inflação

V – II VARGAS (1951-54)

17) Projeto de Governo: i) estabilização; ii) industrializante


18) Crise cambial (1952) ⇒ i) atrasados comerciais; ii) controle de importações
19) Lei do Mercado Livre e Instrução 48 da SUMOC: taxas múltiplas de câmbio
20) Instrução 70 da SUMOC: leilões cambiais e fim dos controles quantitativos

VI – CAFÉ FILHO (1954-55)

21) Instrução 113 (jan/1955): busca de equilíbrio externo ⇒ importação de


equipamentos sem cobertura cambial.

VII – KUBITSCHEK (1956-60)

22) Reforma cambial (1957): simplificar e modernizar o regime cambial.


23) Plano de Metas: i) industrialização; ii) comprometimento do setor público; iii)
estrutura industrial integrada.
24) Desenvolvimentismo: i) crescimento econômico: prioridade; ii) estabilização de
preços: secundária.
25) Programa de Estabilização Monetária (PEM): fracasso.

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VIII – QUADROS e PARLAMENTARISMO (1961-64)

26) Instrução 204 (reforma de 1961): processo de unificação cambial


27) Instabilidade política
28) Plano Trienal (1962-3): Celso Furtado. Motivação: deterioração externa e
inflação; Fracasso: recrudescimento processo inflacionário.
29) Estagnação econômica: ∆PIB (1963) = 0,6%

III – Autoritarismo, Milagre Econômico e Esgotamento do Desenvolvimentismo:


1964-1984

IX – Castello Branco (1964-67)

30) PAEG (1964): i)estabilização ⇒ ii)retomada do crescimento; iii)eliminar a


restrição externa (BP). Características ortodoxas e heterodoxas (gradualismo e
reformas institucionais).
31) Quadro Institucional desfavorável ao desenvolvimento econômico.

X – Costa e Silva e Médici (1967-73)

32) PED (1967): i)retomada do crescimento ⇒ legitimação; ii)controle da inflação; iii)


↑ comércio exterior.
33) Milagre econômico: i) ∆PIB (1968 e 1973) > 11% a.a.; ii) controle da inflação;
iii) consolidação do equilíbrio externo.

XI – GEISEL (1974-79)

34) 1o choque petróleo (1973): quadruplicação preço


35) II PND (1975-79): i) crescimento com dívida; ii) último surto ISI e fim do modelo
econômico baseado no estado desenvolvimentista

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XII – FIGUEIREDO (1980-84)

36) [i)2o choque petróleo (1979): duplicação preço ii) ↑ juros internacionais (1980);
iii)recessão mundial] ⇒ crise da dívida (1982)
37) i)Ajuste externo: bem sucedido; ii)Ajuste interno: mau sucedido (inércia
inflacionária).
38) Década perdida: i)estagnação; ii)aceleração inflacionária.

IV – A Aceleração Inflacionária e os Planos de Estabilização: 1984-1992

XIII – SARNEY e a Nova República (1985-89)

39) Combate inflacionário: prioritário.


40) Teses inercialistas: i) insensibilidade da inflação ao controle de demanda; ii) planos
heterodoxos: Cruzado (1986), Bresser (1987) e Verão (1989).
41) Fases da política econômica: i) ortodoxia; ii) gradualismo; iii) heterodoxia.

XIV – COLLOR (1990-1992): o Início do Ajuste Estrutural

42) Planos Collor I (1990) e II (1991).


43) Reformas estruturais: i) abertura comercial; ii) Programa Nacional de
Desestatização (PND).
44) Impeachment (1992): corrupção.

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V – A Conquista da estabilidade e o Desequilíbrio Externo

XV – ITAMAR (1992-94) e FHC (1994-2002)

45) Plano Real (1994): estabilização bem sucedida baseada: i) ajuste fiscal (PAI e
FSE); ii) reforma monetária (URV) e iii) âncora cambial.
46) Desequilíbrio externo + trajetória ascendente dívida pública → ataque
especulativo ⇒ crise cambial (1999) ⇒ abandono âncora cambial e adoção
regime de metas inflacionárias.

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I – Primeira Década Republicana (1889-1900)

Gustavo Franco

Sinopse
1) Crises de liquidez
2) Lei Bancária de Rui Barbosa (1890) ⇒ Encilhamento: i)especulação bursátil;
ii)desvalorização e surto industrial; e iii)inflação
3) Funding Loan (1898): suspensão dos pagamentos da dívida até 1911
4) Programa de estabilização de Joaquim Murtinho (1898-1902): reversão dos
excessos do encilhamento

• 15/11/1889 Marechal Deodoro da Fonseca proclama a República.

• Deodoro da Fonseca (Rui Barbosa): 1889-1891; inflacionismo.


• Floriano Peixoto: 1891-94
• Prudente de Morais: 1894-98
• Campos Salles (Joaquim Murtinho): 1898-1902; ajuste recessivo.

• Crescente integração com economia mundial Ù i)abertura comercial em termos


relativos (1913: participação no comércio internacional inferior a 1%); ii)elevação
na participação do investimento internacional (1913: 30 % de toda A. Latina).

1. Crises de liquidez (desde 1860): “inelasticidade do meio circulante” ⇐


[i)sistema bancário incipiente: concentrado (80% depósitos na capital) e
poucas agências; ii)pequeno d (DVBC/PMPP) → pequeno multiplicador
monetário].

• Pressões sazonais na demanda por moeda (plantio/financiamento safras) +


inelasticidade do meio circulante ⇒ crises liquidez: drenagem de maior parte de

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recursos (MP) para atividade agrícola (campo) → escassez de recursos (MP) para
atividades comerciais (centros urbanos).

• Agravada pela elevação na demanda por moeda: ← i)introdução trabalho


assalariado (Lei Áurea de 1888: fim da escravidão); ii)crescimento econômico;
iii)saldo nas contas externas.

“Assim sendo, podem-se ter indicações sobre o modo como a disseminação do trabalho
assalariado viria a afetar o sistema bancário: a presença de crises de liquidez, e com
crescente gravidade à medida que se aproxima o ano da abolição, fornece indicação clara
do impacto monetário da difusão do trabalho assalariado no campo” (p. 7-8).

“(...) como as despesas com a mão-de-obra na atividade agrícola tinham um caráter


essencialmente sazonal – pois estavam ligadas principalmente às colheitas – a difusão do
assalariamento haveria de manifestar-se em primeira instância através de crescentes
demandas de adiantamentos junto aos bancos na capital por ocasião das safras. Na
verdade, há relatos sobre pressões sazonais sobre os bancos no Rio de Janeiro resultando
em dificuldades de liquidez na praça do Rio desde 1860(...)” (p. 16).

“De um lado, o incipiente desenvolvimento do sistema bancário o tornava mais


vulnerável às variações sazonais na procura por crédito e nos seus depósitos. O sistema
bancário à época era bastante concentrado na capital, onde estavam localizados cerca de
80% dos depósitos bancários, e era muito pouco desenvolvido. Em 1888 havia 0,043
agências por 10 mil habitantes no país, número considerado extremamente baixo. (....). Essa
baixa propensão do público para reter moeda sob forma de depósitos bancários impunha
uma limitação estrutural à capacidade dos bancos em expandir seus empréstimos
(depósitos) em resposta à maior procura de moeda, já que aquela significava basicamente
um reduzido valor para o multiplicador bancário. Nessas condições os bancos eram
particularmente vulneráveis a demandas sazonais muito fortes pois para que os bancos
expandissem o crédito, ceteris paribus, obrigatoriamente veriam reduzir-se sua relação
encaixe-depósitos, ficando, portanto, em uma posição de liquidez mais vulnerável” (p. 17).

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“(...)no lustro final do Segundo Império a economia brasileira enfrentava um conjunto de


mudanças em relação ao qual as instituições monetárias existentes representava um
ponto de estrangulamento: transformações no regime de trabalho [fim da escravidão],
expansão do nível de atividades e situação favorável no balanço de pagamentos graças,
mas não exclusivamente, à cultura do café requeriam flexibilidade e montantes de meios de
pagamentos que o sistema monetário-financeiro da época era incapaz de fornecer. Sendo o
sistema bancário pouco desenvolvido e concentrado na sede do governo, não atendia às
novas necessidades dos negócios, principalmente nos períodos de plantio e
financiamento de safras, em que os escassos recursos monetários eram enviados ao
campo causando escassez de capital nas cidades e na atividade comercial” (Boneli, p.
78).

“A principal explicação para estas demandas é decorrente da ampliação do trabalho


assalariado(...) [que] elevou a necessidade de moeda para transação nesta economia,
ampliando as já recorrentes crises de iliquidez que ocorriam nos meios financeiros e
comerciais nacionais. Ampliaram-se pressões pela flexibilização da política monetária e por
reformas no sistema financeiro de então tido como inelástico. Além disso, o próprio
crescimento econômico pressionava(...).” (Saes, p. 79-80).

Box I.1 – Multiplicador Monetário e Balancete dos Bancos Comerciais

O multiplicador monetário (α) é por definição igual à razão meios de pagamento-base


monetária; assim, tem-se que: MP = αB. O multiplicador monetário é dado
1
por: α = , sendo d e e, respectivamente, a relação ente os depósitos à vista-meios
1 − d (1 − e)

 DVBC   ET 
de pagamentos  d =  e a relação encaixes totais-depósitos à vista  e =  . O
 MP   DVBC 

 + −
multiplicador monetário é uma função crescente de d e decrescente de e: α = f  d , e  .
 

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A seguir será apresentado o balancete dos bancos comerciais:

Balancete Consolidado dos Bancos Comerciais


Ativo (aplicação) Passivo (fonte)
a) Encaixes Totais (ET) g) Recursos próprios
a.1)Moeda h) Depósitos à Vista (DVBC)
a.2)Voluntário i) Depósito a prazo
a.3)Compulsório
b) Empréstimos ao Setor Privado f) Redesconto
d) Empréstimos a Entidades Públicas k) Empréstimos do Setor Externo
c) Títulos públicos e privados l) Demais Exigibilidades
e) Imobilizado
f) outras aplicações

• Lei de 1885 (restauração da lei de 1875): autorizava o Tesouro a realizar emissões


temporárias. Paliativa: efeito temporário.

• Debate metalistas (orientação dos gabinetes imperiais contra expansão monetária:


i)retorno ao padrão-ouro: somente emissão conversível de moeda lastreada em ouro à
paridade de 1846; ii)controle inflacionário) X papelistas (favorável expansão
monetária: emissão inconversível (sem lastro)de moeda fiduciária).

“A aplicação imediata a Lei pareceu aliviar as dificuldades de liquidez em 1985 mas


segundo o jornal do comércio, ‘já nos últimos meses de 1886, sentia-se certo mal-estar
proveniente da dificuldade de se obter empréstimos e adiantamentos, escasseando o
numerário. Parecia porém, que tal estado era apenas a repetição da crise periódica que se
observa... nos fins de semestre’. As dificuldades se tornariam ainda mais sérias nos
primeiros meses de 1887(...)”

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“Essa preocupante sucessão de crises resultou não só em tornar inoportuna a política


monetária deflacionista do ministro da Fazenda Conselheiro Belizário, talvez o mais
destacado metalisa de seu tempo, mas também em reforçar a impressão de que a lei de
1885 representava apenas um paliativo e que era preciso buscar-se soluções mais
definitivas e duradouras para os problemas monetários causados pela difusão do
assalariamento no campo, o que implicava basicamente modificações drásticas na
orientação da política monetária, ou mesmo uma verdadeira reforma das instituições
monetárias. Foi nesse contexto que surgiu o primeiro grande projeto de reforma
monetária(...). A apresentação desse projeto daria início a um período de ricas discussões
sobre questões relativas à moeda, à taxa de câmbio e o sistema monetário, um verdadeiro
tour de force que resultaria, 17 meses depois – a 24 de novembro de 1888 – em uma lei de
reforma bancária(...). Com efeito a necessidade se expandir a oferta de moeda
contrapunha-se à orientação conservadora de sucessivos gabinetes imperiais
empenhados em reduzir a oferta moeda de modo a se restabelecer o padrão-ouro à
paridade de 1846 – 27 pence por mil-réis. (...). Ao longo de 1888, todavia a taxa de câmbio
havia se apreciado até a tão perseguida paridade de 1846 e lá havia permanecido desde
então. Em função disso seria possível ao Gabinete Ouro Preto, o último do Império,
estabelecer um compromisso entre os que propunham a expansão monetária e o que
lutavam pela paridade de 1846: a emissão inconversível” (p. 19).

• Lei Bancária de 1888: efeito inexpressivo sobre a oferta monetária.

“(...)ao final de 1889, o saldo das tentativas de reforma (expansão) monetária era
praticamente nulo. Se já em 1987 se falava em oferta insuficiente e em possibilidade de
crise, em fins de 1889 a necessidade de novas emissões era exaltada em tons dramáticos”
(p. 21).

2. Lei Bancária de 1890 (Rui Barbosa: i)papelista não ortodoxo; ii)M.F. de


Dedoro da Fonseca). Utilização do direito de emissão dos bancos: excessiva
expansão monetária (emissão inconversível lastreada em títulos públicos).

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• Regionalização da emissão bancária: princípio da pluralidade emissora (bancos


privados emissores).

“A reforma monetária de 1888, que o governo imperial não executou, na forma como foi
aplicada posteriormente, concedeu o poder de emissão a inúmeros bancos regionais,
provocando subitamente em todo o país uma grande expansão de crédito (Furtado, p 171)”

• Abundância de liquidez e crédito → facilitou a criação de empresas (lei das SA’s)


⇒ i)especulação bursátil (BVRJ; até 1893); ii)onda inflacionária (revertida a partir de
1898 pelo programa de J. Murtinho); iii)desvalorização cambial ⇒ i)incentivo à
produção industrial (encarecimento das importações); ii)proteção da renda do café
(aumento receita de exportação) → ↑ excessivo capacidade de produção (origens do
excesso de produção do início século XX).

“A conseqüência mais importante [da lei bancária], no entanto, parece ter sido a
desvalorização cambial, que teve dois efeitos principais. Em primeiro lugar, encarecendo
as importações incentivou o crescimento da produção interna das indústrias eu
processavam matérias-primas locais. Ao que tudo indica, houve um surto industrial na
primeira década da República. Em segundo lugar, a contínua desvalorização cambial,
protegendo renda dos cafeicultores, incentivou o excessivo crescimento da capacidade
de produção”

Box I.2 – Taxa de Câmbio e Competitividade Externa

e: taxa de câmbio nominal (real/dólar) ≡ preço de um dólar expresso em reais.


P: nível de preços interno; Pf : nível de preços externo; R: taxa de câmbio real

• O preço em reais de um bem importado (PmR$) é dado pelo produto de seu preço em
dólares (PmUS$) pela taxa de câmbio nominal (e). Neste sentido, dado PmUS$, a taxa
de câmbio nominal (e) pode ser vista como uma medida de competitividade da

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produção interna em relação à externa: quanto maior e (mais desvalorizada) maior


o preço em reais das importações (menos competitivas).

PmR $ = PmUS $ × e

• A taxa de câmbio real é uma medida mais precisa da competitividade da


produção doméstica: ela é afetada não somente pela taxa de câmbio nominal, mas
também pelo nível de preços interno e externo. Uma elevação do nível de preços
doméstico, mantendo-se constante as demais variáveis, gera uma valorização
cambial real: os bens domésticos tornam-se relativamente mais caros,
deslocando a demanda para os bens externos, vale dizer, aumentando as
importações e diminuindo as exportações. Contrariamente, uma elevação do nível
de preços externo, mantendo-se constante as demais variáveis, cria uma
desvalorização real: os bens domésticos tornam-se relativamente mais baratos,
diminuindo as importações e aumentando as exportações. Portanto, uma valorização
cambial (nominal) apenas se traduz em valorização da taxa de câmbio real se os
níveis de preço interno e externo permanecerem inalterados.

e × Pf
R=
P

• Desvalorização nominal ≡ ↑ e Ù necessária maior quantidade de reais para


comprar um dólar.
• Desvalorização real ≡ ↑ R <= [(i)-↑e (tudo mais constante); (ii)-↑Pf; (tudo mais
constante); (iii)-↓ P (tudo mais constante)] Ù ↑ competitividade.
• Moeda sobredesvalorizada (R relativamente alto) Ù alto grau de competitividade
=> exportações relativamente mais baratas e importações relativamente mais
caras => desloca a demanda para produtos produzidos internamente => ↓M, ↑X

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• Encilhamento: movimento especulativo na BVRJ ⇐ [i)lei bancária de 1890; ii)Lei


das SA’s; ii)clima de euforia (proclamação da república)].

“Mas não há dúvida de que a mais importante medida de política econômica adotada foi a
apressada lei bancária de 1888 [implementada em 1890] (...). Determinando que os
direitos de emissão dos bancos fossem imediatamente utilizados, o Governo provocou um
aumento muito acima das necessidades... o papel-moeda emitido aumentou 3,5 vezes. Os
resultados foram aumento médio anual nos preços(...) e rápida desvalorização da taxa
cambial. A febre de incorporações de novas empresas(...) tomou impulso, não só devido à
reforma bancária e das sociedades anônimas, como também ao clima de euforia criado
com a inauguração do novo regime político. Na ausência de um organismo de controle
central e de fiscalização, a especulação tomou conta do mercado, abarrotado de títulos de
empresas fantasmas, originando a crise conhecida por “Encilhamento” em fins de 1891,
que causou a falência de inúmeras empresas” (Villela e Suzigan, p, 13-5).

“Esses anos, localizados no início da era republicana em nosso país, têm sido
caracterizados na literatura relevante principalmente pela intensa especulação financeira e
bursátil, a criação acelerada de inúmeras empresas e a posterior crise inflacionária que só
seria resolvida a partir da adoção do programa de Murtinho em 1898” (Bonelli, p. 77-8).

“Tal lei possibilitou forte expansão monetária com base em emissões inconversíveis
feitas a partir de três orgãos emissores e lastreada em títulos públicos. A expansão
monetária foi bastante criticada, porém existiam fortes demandas por tal expansão” (Saes,
p. 79).

“Foi justamente a conjugação desses elementos (facilidade creditícia e facilidade na


criação de SA’s) que explicou o chamando ‘encilhamento’. O encilhamento foi um
movimento de especulação bursátil, ocorrido na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro no
início dos anos 90” (Saes, p. 80).

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• Encilhamento ⇒ [i)investimentos industriais (Bonelli: ponto de inflexão na


acumulação de capital industrial) → surto industrial (têxtil); ii)origem da
superprodução de café (início século XX)].

Tabela I.1 – Importações Brasileiras de Máquinas e Equipamentos Industriais da Grã-


Bretanha, EUA, França e Alemanha (em Libras Esterlinas, Preços de 1913): anos
selecionados

Anos Valor (em 1000 Libras)


1878-1882 (média) 273
1883-1887 (média) 468
1888 653
1889 631
1890 819
1891 1387
1892-1896 (média) 932
1897-1901 (média) 531
Fonte: Bonelli

“Embora existam exemplos de surtos industriais de alguma expressão regional ou


mesmo nacional desde pelo menos meados do século passado(...) há um certo consenso
de que o período do Encilhamento destaca-se como um ponto de inflexão na origem da
acumulação de capital industrial” (Bonelli, p. 77).

“(...) a formação de capital acelerou-se efetivamente com as políticas inflacionárias dos


anos 1886-94. Apesar dos abusos cometidos, existe hoje um certo consenso de que
resultaram do Encilhamento aspectos positivos para o desenvolvimento industrial. Em
primeiro lugar, no plano político o fenômeno significou uma tentativa de romper com a
estrutura agrária dominante(...). Em segundo lugar a expansão do crédito estimulou um
efetivo aumento no investimento industrial levando à criação de novas, maiores e mais
tecnologicamente avançadas fábricas de tecidos(...). Em terceiro lugar, as políticas
inflacionárias(...) provocaram a valorização da taxa de câmbio(...) que na presença de

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tarifas de importação específica facilitaram a obtenção de máquinas e equipamentos


industriais. A desvalorização cambial que se observou mais tarde, ao aumentar o preço
relativo das exportações, estimulou o crescimento da produção industrial de
mercadorias exportáveis ou substitutivas de importações. Em quarto lugar, a crise após
o encilhamento implicou ainda maior apóio à indústria de transformação e proteção às
atividades industriais” (Bonelli, p. 79).

“É notável(...) a aceleração da formação de capital na indústria que ocorre no final do


Império e começo da república. De fato,mesmo descontado o pico observado em 1891 –
ano em que foi mais intensa a especulação inflacionária – a média anual de 1888-1896 é de
mais de duas vezes o valor alcançado em qualquer ano de períodos imediatamente
anteriores. Observe-se que mesmo após esse surto os níveis de investimento na produção e
manufaturas, conforme avaliados pela importação de maquinaria industrial, são bem
superiores aos do final do império. Adicionalmente, algumas das maiores empresas
industriais brasileiras e todos os tempos foram fundadas durante o período do Encilhameno
e nos anos próximos(...)” (Bonelli, p. 80).

• Controvérsia: Versiani (industrialização intencionalmente promovida pelo


governo) minimiza o efeito expansionista sobre os investimentos no setor têxtil
do Encilhamento: impacto reduzido sobre a capacidade produtiva.

“É muito possível que a expansão do crédito nos primeiros anos em seguida à


proclamação da república, e a movimentação no mercado de títulos, característica do
episódio do Encilhamento, tenham favorecido à captação de recursos pelas empresas
têxteis pré-estabelecidas (através da emissão de debêntures, p.ex.). Mas é quase certo que
essa contribuição tenha sido marginal em relação ao reinvestimento de lucros. Quanto à
criação de novas empresas por subscrição de ações, em 1890-1892, as indicações são,
também, de que tenha tido pouca importância em termos de acréscimo à capacidade
produtiva. Das fábricas de tecido registradas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro na
década seguinte, pelo menos 75% da capacidade instalada, em termos da quantidade de
teares, correspondiam a fábricas fundadas antes de 1890(..). Conseqüentemente o

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encilhamento parece ter tido, de fato, um impacto muito limitado no aumento de


capacidade da indústria têxtil(...)” (Versiani e M. Barros, p. 136-7).

3. Funding Loan (empréstimo de consolidação da dívida externa) (1898): plano


de refinanciamento entre o governo Federal e a casa Rotschild ⇒ suspensão
do pagamento do serviço da dívida (juros e amortização) por 13 anos (até
1911).

• Condicionalidade (imposta pelos credores com o objetivo de maximizar a


possibilidade de pagamento dos créditos): austeridade fiscal e monetária.

• Crise cambial (1891-98): [i)desvalorização → deterioração contas públicas:


a)aumenta encargo da dívida externa (denominada em moeda estrangeira) em
termos da moeda doméstica; b) ↓ arrecadação imposto de importação (principal
fonte tributária: 75% das receitas); ii) ↓ preço café → redução receitas exportações;
iii)pequena redução nas importações] ⇒ [dificuldades em honrar compromissos
externos (1894) → necessidade de renegociação da dívida externa ⇒
i)empréstimo em 1895: insuficiente; ii)funding loan].

“O preço do café no mercado mundial continuou caindo, mantendo reduzida a receita de


exportações. A escassez de divisas, agravada pelas necessidades para o pagamento da
dívida externa, teve duas importantes repercussões. Primeiramente, acentuou-se a
desvalorização cambial. Isso obviamente interessava aos produtores de café.
Subseqüentemente, e em parte como efeito da própria desvalorização cambial, reduziram-
se as importações. Como a tributação alfandegária representasse a quase totalidade da
receita do Governo Federal, esta sofreu uma substancial redução. Este foi o fator mais
importante para o agravamento do déficit orçamentário em 1897, muito embora a despesa
do governo tivesse aumentado em virtude dos gastos militares extraordinários e o crescente
serviço da dívida externa. E para o financiamento do déficit recorreu-se a novos
empréstimos no exterior e emissões de papel-moeda. Essas tendências acentuaram-se em

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A.M. MODENESI 3/9/2005

1898, levando o Governo a renegociar o primeiro acordo para consolidação da dívida


externa” (Villela e Suzigan, p. 15-6).

“O déficit orçamentário crescia de forma significativa após a crise de 1891, sendo


particularmente preocupante a evolução das contas de despesa vis-à-vis de receita do
governo denominadas em moeda estrangeira. O resultado orçamentário mostrou-se
bastante sensível às flutuações cambiais, tornando evidente a relação entre o desequilíbrio
externo e o desequilíbrio fiscal, tal como seria observado diversas vezes ao longo do
período republicano” (p. 25).

“Já em dezembro de 1894, o ministro da Fazenda indaga aos Rothschild sobre algum
‘arranjo financeiro’ destinado a prover recursos para o serviço da dívida externa e evitar
pressões sobre a taxa de câmbio. Em janeiro de 1895, os banqueiros colocam entre amigos,
ou seja, sem o recurso a uma lançamento público, letras do Tesouro(...) mas o governo
brasileiro continua insistindo em um grande empréstimo” (p. 25)

“Nenhuma melhora na situação cambial se observaria ao longo de 1896 e 1897, sendo o


empréstimo de 1985 rapidamente consumido e tendo inclusive o governo brasileiro
contraído novos empréstimos de curto prazo de modo a evitar pressões adicionais sobre o
mercado de câmbio. O enfraquecimento dos preços do café em função das grandes safras
de 1896 e 1897, as quais, conforme acima aludido, registravam as conseqüências do
extraordinário aumento do plantio no início da década, contribuíram, a essa altura, de modo
decisivo para debilitar as contas externas do país. (....). Os banqueiros, por sua vez,
insistiam em que a única forma de o governo brasileiro obter fundos seria através de uma
proposta de arrendamento da Cia. Estrada de ferro central do Brasil(...). Mas mesmo após a
proposta de moratória em fevereiro de 1898(...) e que levaria ao chamado funding loan,
os banqueiros continuam a considerar o arrendamento da Central” (p. 26)

“Por fim, um plano de refinanciamento de pagamentos é finalmente acordado entre o


governo e a casa Rotchsild, través do qual seria emitido o chamado funding loan. O plano
era bastante simples: tratava-se de rolar os compromissos externos do governo, vale dizer,

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A.M. MODENESI 3/9/2005

o serviço da dívida pública externa e algumas garantias de juros, em troca de severas


medidas de saneamento fiscal e monetário” (p. 26-7).

“(...) o pagamento da dívida externa tornou-se cada vez mais complicado, forçando o
governo brasileiro a procurar um acordo com os banqueiros. Este acordo foi estabelecido
em Fevereiro de 1898 – o funding loan. Em contrapartida, Campos Sales e seu ministro da
fazenda Joaquim Murtinho concordaram em alterar os rumos da política econômica interna,
passando a política monetária a ser fortemente contracionista” (Saes, p. 82).

• Controvérsia em relação às causas da desvalorização: [i)inflação interna ←


a)expansão monetária (Rui Barbosa); ou ii)deterioração situação externa (BP) ←
a)retração dos mercados de capitais: crise Argentina e falência da Baring Bro.;
b)desaprovação dos credores em relação a política econômica nacional].

“(...)o ano de 1891 registra uma queda inusitada da taxa de câmbio [desvalorização da
moeda doméstica](...). A relação entre esse declínio e a política monetária não parece
simples(...). De qualquer modo, é certo que as hesitações e omissões que caracterizam as
gestões de Araripe e Lucena – que se deviam em boa medida a uma conjuntura política
mais complexa que a do ano anterior – favoreciam a crise cambial. Tal pode ser visto, por
exemplo, através do espantoso crescimento da oferta de moeda a partir de setembro de
1890. (…). Não resta dúvida, por outro lado, que influências ‘exógenas’, ligadas aos efeitos
sobre as entradas de capital no Brasil do colapso da casa Baring Brothers em Londres, em
outubro de 1890 e da moratória Argentina teriam grande influência sobre o mercado de
câmbio no Brasil em 1981” (p. 23).

4. Joaquim Murtinho (M.F. de Campos Salles). A partir de 1898 implementa o


funding scheme: [i)empréstimo externo (funding loan); ii)programa de
estabilização monetária e fiscal ⇒ ajuste recessivo (reverão dos excessos do
Encilhamento)].

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A.M. MODENESI 3/9/2005

• [i)contração monetária; ii)cobrança do imposto de importação em ouro] ⇒


[i)deflação; ii)equilíbrio fiscal; iii)melhor percepção mercado financeiro
internacional → ↑ entradas de capital; iv)valorização cambial ⇒ desincentivo à
produção industrial e cafeeira → ↓ investimento industrial].

• Diagnóstico: excesso de liquidez (Rui Barbosa) ⇒ [i)desvalorização; ii)falsa


abundância de capitais] ⇒ [i)industrias artificiais; ii)excesso de produção de
café].

• Receita: contração monetária ⇒ seleção natural: i)eliminação indústrias


artificiais; ii) ↓ produção de café.

“A política econômica do ministro Joaquim Murtinho – que na verdade consistiu na


execução do funding escheme – estava fundada sobre concepções bastante rudimentares
quanto à natureza do ajustamento do país. Tratava-se, de acordo com o ministro, de um
problema gerado pelo ‘excesso de emissões’, as quais produziam uma pseudo-
abundância de capitais’ e como conseqüência disso o ‘estabelecimento de indústrias
artificiais e a organização agrícola para a produção exagerada de café’. Tratava-se de
deixar perecer essas indústrias, e de modo a operar uma redução na produção de café,
promover ‘a concorrência entre os diversos lavradores promovendo por meio de
liquidações a seleção natural, manifestada pelo desaparecimento dos inferiores e pela
permanência dos superiores’” (p. 26).

“A redução do papel-moeda em circulação era, portanto, a pedra de toque do programa.


Segundo os termos do acordo, o governo se comprometeria a depositar em moeda local
junto aos três bancos estrangeiros da capital uma certa proporção dos valores dos títulos
emitidos do funding loan e o papel-moeda correspondente a essas quantias seria
publicamente incinerado. Dessa forma, o papel-moeda sofreria uma redução(...) de 6% em
1898. (...). A conseqüência mais imediata dessa política seria a avalancha de falências
bancária ocorrida após 1900(...)” (p. 27-8).

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A.M. MODENESI 3/9/2005

“O programa conseguiria uma apreciação cambial bem distante da paridade: a taxa de


câmbio permanecia ao redor de 11 pence por mil-réis durante os anos cobertos pelo
esquema, e assim mesmo graças à extraordinária recuperação das exportações
observada em 1899, para a qual a borracha contribui significativamente. Novamente não é
claro à priori em que medida a apreciação cambial se devia à contração monetária ou a
fatores exógenos associados ao balanço de pagamentos tais como, por exemplo, o apogeu
das exportações de borracha. Além disso, observa-se uma revitalização das entradas de
capital a partir da adoção do programa que revela a influência da percepção dos
mercados financeiros internacionais sobre o curso da política econômica do país.
Observa-se ao longo dos anos 90 um curioso fenômeno que viria a s repetir muitas vezes
nos anos que se seguiram, isto é, o fato de crises (ou melhoras) cambiais serem geradas de
forma espúria pelo ‘mau (ou bom) comportamento’ das políticas monetárias e fiscais, não
função dos efeitos diretos destas, mas em função da percepção que os banqueiros
internacionais tinham sobre estas políticas, pois esta percepção via de regra era
fundamental para determinar a magnitude dos fluxos de capital direcionados para o Brasil”
(p. 27).

“Uma das principais conseqüências desse período [do Encilhamento], no entanto, foram
os desequilíbrios financeiros do governo, problemas cambiais e inflacionários que
levaram a seguidas depreciações da taxa de câmbio. Um rigoroso programa de
estabilização seria implementado durante o governo Campos Salles (1898-1902) sob o
comando do Ministro da fazenda Joaquim Murtinho. (...)parece fora de dúvidas que o
Programa Murtinho teve, por suas características deflacionárias, um forte impacto
recessivo sobre a economia e indústria brasileiras. As falências sucediam-se à medida que
o câmbio era valorizado e os problemas o balanço de pagamentos iam sendo sanados,
em boa medida com o auxílio de empréstimos externos – em particular o funding loan(...).
O pacote fiscal e monetário associado à concessão desse empréstimo era extremamente
severo e contraiu de fato o montante de moeda em circulação(...). O investimento
industrial chegaria em 1901-1902 a seus níveis mais baixos desde 1880 aos dias de hoje, à
exceção do biênio 1915-16, em plena Primeira Guerra Mundial” (Bonelli, p. 80-1).

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“As mudanças na orientação da política econômica governamental foram radicais. A


indústria interna passou ser considerada inteiramente ‘artificial’, sobrevivendo às
custas da excessiva desvalorização cambial e de tarifas aduaneiras de efeitos
protecionistas. Essa mesma depreciação cambial, protegendo a renda dos cafeicultores,
havia propiciado o aparecimento, no mercado do café, de produtores ineficientes. A
inflação causada pelo ‘Encilhamento’ havia desorganizado as finanças do Governo, e era
necessário reformar o sistema tributário. Finalmente, havia excesso de dinheiro em
circulação, cuja emissão fora desproporcional à evolução da atividade econômica. Esse
excesso de dinheiro em circulação, relativamente ao valor em libras esterlinas da
exportação, é que seria a causa da desvalorização cambial. Era preciso, por conseguinte,
fazer o ‘saneamento monetário’ da economia. O conjunto de medidas adotado visava
sobretudo ao desafogo do mercado cambial e à redução do papel-moeda em circulação. O
objetivo principal era promover a valorização da taxa de câmbio. Com isso seriam
eliminadas as indústrias artificiais e feito uma seleção natural no mercado produtor de
café. As medidas iniciais mais importantes foram: primeiro a realização do acordo
moratório da dívida externa, negociado em junho de 1898, suspendendo-se todos os
pagamentos por um período de 13 anos. Pelo acordo, os credores exigiam a eliminação
do déficit orçamentário, e a retirada de circulação de quantia equivalente à soma total do
empréstimo(...). Em segundo lugar, foi restaurada a cobrança em ouro dos direitos
alfandegários. Essa medida visava a proporcionar recursos em moeda estrangeira sem que
precisasse participar diretamente do mercado” (Villela e Suzigan, p. 17-8).
“De fato, o crescimento da produção industrial e da produção de café à custa da perene
desvalorização cambial passou a ser encarado como um dos mais graves problemas da
economia brasileira. A política então adotada, valorizando a taxa de câmbio, equilibrando
o orçamento do governo Federal e reduzindo o papel-moeda em circulação, deve ter
interrompido o surto industrial e eliminado do mercado os produtores de café menos
eficientes” (Villela e Suzigan, p. 82).

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A.M. MODENESI 3/9/2005

A reforma bancária de Rui Barbosa, por um lado, amenizou os problemas de liquidez da


economia brasileira – que já eram freqüentes desde o fim do Segundo Império e se
agravaram ainda mais com a abolição do trabalho escravo –, por outro, está intimamente
relacionada com os excessos que caracterizaram o chamado Encilhamento – e que somente
vieram a ser revertidos na virada do século XIX, pelo programa de estabilização adotado
por Joaquim Murtinho. Comente sucintamente.

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A.M. MODENESI 9/3/2005

II – Apogeu e Crise na Segunda República (1900-1930)

Wiston Fritsch

Sinopse
1) Caixa de Conversão (1906-14)
2) O Impacto da Primeira Guerra e o 2º Funding Loan (1914)
3) Caixa de Estabilização (1926-1930)
4) Programas de Valorização do Café: Convênio de Taubaté (1906), programas
temporários (1917 e 1921) e programa permanente (1924)
5) A Economia Primário-Exportadora: o complexo cafeeiro e suas ramificações

• Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-06)


• Afonso Augusto Moreira Pena (1906-09)
• Nilo Procópio Peçanha (1909-1910)
• Hermes Rodrigues da Fonseca (1910-14)
• Venceslau Brás Pereira Gomes (1914-18)
• Delfin Moreira da Costa Ribeiro (1918-19)
• Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1919-1922)
• Artur da Silva Bernardes (1922-26)
• Washington Luís Pereira de Souza (1926-30)

• Extrema vulnerabilidade da economia a choques externos: [i)flutuações oferta


café; ii)oscilações na demanda externa e nos fluxos de capital] ⇒ forte impacto
na economia ⇒ importante restrição à condução de política econômica.

• [i)elevado peso do café na pauta de exportação (principal produto); ii)posição


semi-monopolista na produção de café; iii)baixa elasticidade-preço da demanda
por café] ⇒ ↑ oferta ⇒ ⇓ preço ⇒ ⇓ forte receita exportações.

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A.M. MODENESI 9/3/2005

“(...)importantes restrições impostas aos gestores da política macroeconômica pelo


potencial de instabilidade de uma economia com enorme grau de vulnerabilidade da
posição externa da conseqüente importância política que, em momentos de desequilíbrio
macroeconômico causado por problemas de balanço de pagamentos, assumia a ajuda – e
portanto, a opinião – dos banqueiros internacionais ou de seus governos na
conformação das opções de política doméstica” (p. 34).

“A característica básica da economia primário-exportadora brasileira no início do


século era sua extrema vulnerabilidade a dois tipos de choques exógenos. O primeiro
deles tinha origem nas flutuações abruptas na oferta de café, resultante do efeito de
variações climáticas sobre produtividade dos cafezais. Dado o peso do produto no valor
das exportações do país, a importância do Brasil em sua oferta mundial e sua baixa
elasticidade preço da demanda, variações na oferta brasileira tendiam a reduzir
violentamente a receita de exportações do país na ausência de medidas destinadas a
sustentar os preços internacionais do produto, que o Brasil, em sua posição dominante na
oferta mundial, podia unilateralmente implementar. O segundo tipo de choque resultava de
perturbações na economia internacional, notadamente flutuações experimentadas pela
demanda dos países centrais e as bruscas descontinuidades do fluxo de capital entre o
centro e a periferia, que foram especialmente freqüentes durante as três primeiras décadas
do século. Os grandes auges e quedas no comércio e investimento ocorridos antes da
Primeira Guerra Mundial e na segunda metade dos anos 20, e o boom e colapso dos
preços internacionais e produtos primários no imediato pós-guerra tiveram, como
discutido abaixo, importante influência sobre o comportamento da economia brasileira
e condicionaram decisões cruciais de política econômica” (p. 35).

• Oscilações no comportamento da economia internacional ⇒ Oscilações no


comportamento da economia internacional ⇒ [fases na condução da política
econômica e no desempenho da economia brasileira: i)Era de Ouro (1900-13);
ii)Primeira Guerra (1914-18); iii)Pós-Guerra (1918-22); iv)Artur Bernardes (1922-
26); v)Washington Luís (1927-30)].

19
A.M. MODENESI 9/3/2005

“A história das políticas econômicas e o desempenho da economia brasileira entre o


limiar do século e a revolução de 1930 pode ser dividida em períodos demarcados,
basicamente, por alterações no comportamento da economia internacional: a do longo
ciclo de crescimento com endividamento da década anterior a 1914,a do funcionamento
anômalo da economia mundial durante a Primeira Guerra Mundial, e a do choque,
reconstrução e colapso dos anos 20” (p. 37).

1. Era de ouro (1900-13): i)crescimento econômico e investimento industrial →


fim ajuste recessivo de J. Murtinho; ii)Convênio de Taubaté (1906): 10
programa de valorização do café (adotado por RJ, SP e MG)1; iii) Caixa de
Conversão (1906-1914): câmbio fixo (padrão ouro).

• Melhora externa (a partir de 1902): [i)↑ exportações de borracha; ii) boom


investimentos europeus] ⇒ [milagre: i)∆ PIB = 4% (média de 1900-13); ii) ↑
expressivo na formação bruta de capital na indústria; iii)estabilidade de preços].

“Os anos entre o fim do período de ajuste recessivo da virada do século [promovido por
Salles e Murtinho] e a desaceleração que precede a Primeira Guerra Mundial marcam um
ciclo de crescimento que, em termos de duração e extensão do progresso material, não
teve paralelo na memória daqueles que o testemunharam. Após quase uma década de
estagnação econômica, entre 1900 e 1913 o produto agregado cresceu a uma taxa média
superior a 4% ao ano, a formação de capital da indústria prosseguiu em ritmo ainda
mais acelerado, realizou-se gigantesco esforço reaparelhamento do sistema de
transportes através de grandes obras portuárias e ferroviárias, mantendo-se além disso,
relativa estabilidade de preços ao longo de todo o período. A origem desse verdadeiro
milagre econômico está na repentina melhora da posição externa que se faz sentir já no
governo Rodrigues Alves (1902-1906) em virtude do rápido crescimento das exportações
de borrachas e do início do grande boon de investimentos europeus na periferia que,
com breves interrupções, duraria até as vésperas da guerra” (37).

1
Os programas de valorização do café serão tratados com mais detalhes adiante.

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A.M. MODENESI 9/3/2005

• Caixa de Conversão: [i)padrão-ouro: emissão de notas conversíveis em ouro ⇒


moeda endôgena (mecanismo de ajuste automático): saldo no B.P. ↔ ↑ oferta
monetária (vice-versa)] ⇒ vinculação entre o nível de atividade e o saldo do BP:
[saldo BP → ↑ reservas em ouro → ↑ base monetária (B) → ↓ i→ ↑ I → ↑ Y → ↑
+ −
M = f  Y , R  → equilíbrio no B.P].
 

“Os estágios iniciais desse boom foram marcados por uma súbita melhora no balanço de
pagamentos que, induzindo volumosos influxos de ouro, causou grande expansão
monetária. De fato esse é o vínculo entre flutuações no balanço de pagamentos e
condições internas de crédito, criado pela reforma monetária de 1906, que fornece a
chave para a compreensão da dinâmica dos ciclos do pré-guerra. Com o funcionamento
da caixa de conversão entraria em ação o mecanismo de ajustamento tradicionalmente
associado a operação ‘normal’ de um regime de padrão ouro, i.e., movimentos de ouro
causariam mudanças na oferta e moeda, induzindo variações estabilizadoras no
balanço de pagamentos em conta corrente” (p. 39).

• Elevada volatilidade da conta de capital amplia a magnitude do ajuste interno


necessário para reequilibrar o BP: acentua caráter pró-cíclico do resultado do BP
(saldo → ↑ Y) ⇒ exacerba a impacto da posição externa sobre o desempenho
econômico doméstico.

• Endossa Furtado (“tendência ao desequilíbrio externo”, cap. XXVII) por meio de


argumento sutilmente diferente.

• Em t = 0: [KA > 0 e BC > 0] → mega superávit BP → ⇑ B → ⇓ i → ⇑ I → ⇑ Y →


⇑ M (mega tendência deficitária no BP).
• Em t = 1: [BC < 0 e KA < 0 + mega tendência deficitária + defasagem em M] →
mega déficit no BP → ⇓ B → ⇑ i → ⇓ I → ⇓ Y → ⇑ M.

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A.M. MODENESI 9/3/2005

“Entretanto, a crença convencional na suavidade do ajustamento nesse contexto resulta


de uma redução artificial da análise dos efeitos das reações auto-corretoras de custo
relativo e renda – que afetam apenas a balança comercial – ignorando a influência
desestabilizadora da ocorrência de grandes superávits na conta de capital e sua
volatilidade, fator crucial no caso brasileiro durante a década que precede a Primeira
Guerra Mundial. Esses superávits que geralmente acompanham boons de exportação,
tendem a agravar uma já folgada posição em conta corrente. Nessas condições a
operação do mecanismo de ajustamento do padrão ouro faz-se sentir através de uma
acentuada tendência compensatória na balança comercial causada por crescimento das
importações. Na ausência de eventos exógenos que sustentem um crescimento contínuo
das exportações, esta ‘era de ouro’ de uma economia exportadora pode durar somente
enquanto persistam, na escala apropriada, os influxos de capital. Se estes se retraem
depois de estabelecida a tendência declinante da balança comercial, os resultados
podem ser desastrosos devido à rapidez com que os ajustamentos subseqüentes se
processam. Por causa da defasagem na resposta da demanda por importações à
contração automática do crédito, uma súbita deterioração da posição externa é
inevitável a curto prazo. Se a perda de divisas pode ser sustentada por um longo
período, a redução das rendas monetárias que ela acarretará poderá vir a corrigir o
desequilíbrio externo ao custo de uma redução no crescimento do produto real; mas se a
perda de reservas necessárias é grande relativamente à base monetária doméstica, o
choque monetário automático inevitavelmente gerará uma crise de grandes proporções
[Furtado]. Em suma, a adoção do padrão ouro pelo Brasil em 1906 vinculou a estabilidade
monetária doméstica ao comportamento do balanço de pagamentos, acentuando, portanto,
o caráter pró-cíclico dos déficits e superávits externos da economia primária
exportadora. Por causa disso, até o início da década de 1914, os acontecimentos exógenos
que afetariam os mercados internacionais do café e da borracha, e o fluxo de capital
europeu de longo prazo, seriam decisivos na determinação do nível de atividade interna
da economia” (p. 39-40).

• Reversão da era de ouro: {i)retomada do serviço da dívida (1911);i)em 1912 o


governo passou a ter dificuldades de levantar empréstimos externos para

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A.M. MODENESI 9/3/2005

financiar seus déficits (ressurgidos em 1908); ii)↓ preço da borracha (a partir do


pico de 1910) ← [↑oferta mundial ← produção colônias inglesas e holandesas no
sudeste asiático (maior produtividade)]; iii) ↓ preço do café ← ação antitruste:
forçou venda estoques nos EUA do programa de valorização} ⇒ déficit no B.P. ⇒
contração monetária (ajuste automático) → recessão.

“As primeiras razões para preocupações com a deterioração do balanço de pagamentos


apareceram em 1912, e deviam-se a tendências desfavoráveis que se vinham desenvolvendo
desde algum tempo. Até 1911, os crescentes déficits orçamentários que reapareceram
em 1908 puderam ser financiados por meio de vultuosos empréstimos externos
associados a programas de obras públicas. Mas o crescimento da despesa pública
preocupava os credores e, em 1912, surgiram dificuldades de levantar novos
empréstimos. (...)a deterioração das perspectivas de crescimento das exportações era a
mudança que mais comprometia a viabilidade do modelo de crescimento do pré-guerra. Os
preços da borracha haviam despencado após o pico de 1910, sob o impacto do rápido
crescimento da oferta proveniente das novas plantações coloniais inglesas e holandesas do
sudeste da Ásia, que contavam com marcado diferencial de produtividade a seu favor. O
comportamento desfavorável das exportações de borracha havia sido compensado,
entretanto, pelo substancial aumento do preço do café a partir de 1910, resultante do
sucesso final do programa de valorização. Entretanto, em 1913, uma ação anti-truste
movida nos Estados Unidos contra os detentores da parcela dos estoques de café da
supersafra de 1906, comprados com o aval do governo federal, ainda não vendidos e retidos
em Nova York, obrigou à venda desses estoques, revertendo a tendência à alta dos
preços. A deterioração da posição externa em 1913 marca o início de um período de
permanente crise de liquidez gerada pela operação do padrão ouro após a reversão da
posição [favorável] do balanço de pagamentos que se estenderia até a eclosão da Primeira
Guerra Mundial. (...)a rápida queda dos depósitos da Caixa de Conversão ocasionou
severo arrocho monetário que lançou a economia em profunda recessão bem antes do
início das hostilidades na Europa” (p. 40).

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A.M. MODENESI 9/3/2005

2. Primeira Guerra (1914-18): [i)interrupção dos fluxos de capital; ii)elevados


encargos da dívida externa] ⇒ agravamento da crise externa → colapso
cambial ⇒ [i)fechamento da Caixa de Conversão; ii)novo funding loan
(1914): suspensão pagamentos dívida externa por 13 anos]. [i)crise do comércio
exterior; ii) ↓ preço café; iii)supersafra] ⇒ 2º plano de valorização do café
(1917).

“A persistência da crise internacional e o início da guerra em julho de 1914 paralisou a


entrada de capitais estrangeiros. Somou-se a isso a necessidade de remeter l 10 milhões
em pagamento de compromissos da dívida externa, o que produziu o colapso do mercado
cambial. Em agosto de 1914, a taxa cambial do mercado livre subiu acima da taxa de
estabilização, provocando o esgotamento dos depósitos da caixa e, conseqüentemente, seu
fechamento. A solução encontrada foi a realização de um acordo para consolidar a dívida
externa, que foi assinado em outubro de 1914 (segundo funding loan), suspendendo por 13
anos os pagamentos de todos os empréstimos” (Villela e Suzigan, p. 119).

“Persistindo, porém, a crise no setor externo da economia, agravada pela deflagração da


guerra em julho de 1914, paralisou-se a entrada de capitais. Apesar da volta da balança
comercial à situação superavitária (em razão principalmente da diminuição das
importações), as cambiais de exportação não foram suficientes para atender as mesmas
importações, ao serviço da dívida externa e demais remessas. Em Agosto de 1914, a taxa
efetiva do mercado subiu acima da taxa de estabilização, e deu-se o colapso do mercado
cambial. A corrida à Caixa de Conversão esvaziou-lhe os depósitos, acarretando o seu
fechamento. Apesar da solução parcial representada pelo novo acordo para consolidação
da dívida externa [novo funding loan], a taxa cambial desvalorizou-se até fins de 1917”
(Villela e Suzigan, p. 300).

“O início da guerra teve efeitos imediatos sobre o comércio internacional, afetando o


fluxo de pagamentos externos, a receita tributária e a indústria de café. A primeira
reação do governo foi fechar a Caixa de Conversão(...) e autorizar uma grande emissão
de notas inconversíveis que, apesar de montar apenas a uma fração da contração da base

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A.M. MODENESI 9/3/2005

monetária verificada desde 1913, serviu para aliviar temporariamente a crise de liquidez e
atender a despesa do governo. Entretanto, na medida que o comércio se normaliza,
apareceram grandes pressões para a depreciação da taxa de câmbio que se materializada,
ameaçava tornar mais crítica ainda a já precária posição orçamentária do governo. O
resultado natural foi a assinatura, em outubro, de um novo funding loan de 15 milhões de
libras com os banqueiros do governo, para fazer frente ao pagamento de juros dos
empréstimos federais até 1917, suspendendo-se as amortizações até 1927” (p. 41).

“O agravamento das condições externas, porém, levou ao abandono da Caixa de


Conversão, retornando ao regime de taxas cambiais flexíveis. (...) Com o fim da caixa
desvalorizou-se o câmbio. A situação fiscal do governo também se deteriorou, dada a
queda das importações e a desvalorização de câmbio, obrigando um novo acordo com os
credores internacionais e o recurso a emissões de moedas inconversíveis” (Saes, p. 84.).

(ANPEC, 2001) Explique o que você entende por sistema monetário do padrão-ouro e
explicite as dificuldades dos países periféricos para seguir suas regras. Que condições
favoreceram o estabelecimento de uma Caixa de Conversão no Brasil no início do século?
Que razões determinaram o seu fechamento?

• Fim da era de ouro: i)↓ produção industrial → elevação da capacidade ociosa; ii)
↓ nível de atividade.

“A produção industrial caíra em nada menos do que 8,7% em 1914, e os níveis de


atividade continuaram deprimidos” (p. 42)

• Questiona a validade da teoria dos choques adversos: minimiza o impacto


positivo da guerra sobre a industrialização (impacto reduzido sobre
investimento industrial) ⇐ [i)baixo nível de importação de máquinas; ii)oferta
doméstica de equipamentos limitada].

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A.M. MODENESI 9/3/2005

• [i)guerra → restrição ao comércio exterior; ii)alto nível de capacidade ociosa]


⇒ [i)↑ produção industrial (alimentos); ii)diversificação da pauta de
exportações; iii)capacidade não se expandiu substancialmente (impacto limitado
no processo de industrialização)].

“A interrupção do suprimento de algumas fontes tradicionais de matérias-primas e


alimentos, que o Brasil podia suprir aos altos preços então vigentes, permitia a expansão
de indústrias de processamento de alimentos. Com as largas margens de ociosidade
existentes no início da guerra, as restrições à importação causaram notável recuperação
da produção industrial a partir de 1915. Deve ser enfatizado, entretanto, que a tese
clássica [dos choques adversos], de que as restrições ao suprimento externo impostas pela
guerra tiveram impacto dramático sobre a industrialização brasileira, já foi
corretamente qualificada por vários autores. O comportamento das importações de bens
de capital para a indústria durante a guerra e a capacidade de oferta extremamente
limitada dos produtores domésticos de equipamentos indicam não ter havido grande
expansão da capacidade produtiva da indústria brasileira” (p. 43).

• Epitácio Pessoa (Pós-Guerra: 1919-22): i)boom e recessão; ii)crescente


desequilíbrio fiscal (revertido no final do governo); iii)criação da Carteira de
Redesconto do B.B. (CARED): poderes de emissão; iv)3º programa de
valorização do café.

• Boom e recessão internacional ⇒ boom e recessão economia doméstica.

• Boom internacional ⇒ ↑ preço commodities (exacerbado pelo sucesso do 2º


programa de valorização do café) + retardamento das importações ⇒ superávit
comercial ⇒ boom doméstico.

“O desempenho da economia brasileira nos primeiros três anos que se seguem ao armistício
de 1918 foi profundamente influenciado pelo rápido mas violento movimento de auge e
recessão experimentados pelas principais economias aliadas. O boom internacional,

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A.M. MODENESI 9/3/2005

iniciado já no começo de 1919, traduziu-se em formidável aumento dos preços das


commodities. Esse efeito oi exacerbado no Brasil, pela sensível redução capacidade de
oferta mundial de café causada pela grande geada de 1918. A alta dos preços do café,
somada aos efeitos positivos da conjuntura internacional sobre os preços de outros itens
da pauta de exportação – que experimentara, como notado acima, substancial
diversificação durante a guerra – provocou aumento explosivo das exportações brasileiras.
Ao mesmo tempo, a liberação da demanda de ampla gama de manufaturas não
produzidas domesticamente, reprimida durante o conflito por restrições de oferta e
capacidade de transporte, e a apreciação do mil-réis causada pelo abandono generalizado
das paridades ouro na Europa no início de 1919, tenderiam a provocar rápida
recuperação das importações. Entretanto com os prazos de entrega dilatados pelas
dificuldades de suprimento(...) a resposta das importações retardou-se além do normal
provocando o aparecimento de grande superávit comercial em 1919 e relançando a
economia em franca e rápida recuperação dos níveis de atividade após relativa
estagnação ocorrida em 1918.” (p. 46)

• Pressões inflacionárias (EUA e GB) ⇒ contração monetária ⇒ reversão


internacional ⇒ ↓ preço commodities + ↑ defasado de M ⇒ déficit comercial ⇒
[i)recessão doméstica; ii)desvalorização].

“O rápido boom nos países centrais teve, entretanto, vida curta. A adoção de políticas
monetárias restritivas nos principais centros financeiros internacionais em reposta à
persistência de fortes pressões inflacionárias, precipitou o início de violenta recessão,
nos Estados Unidos e Reno Unido, e queda vertiginosa dos preços internacionais a
partir de meados de 1920. O colapso dos preços internacionais de produtos primários teve
efeito devastador sobre a posição externa brasileira. A violenta queda das exportações
ocorreu simultaneamente à aceleração tardia do volume de importações, provocando
súbita reversão da balança comercial em meados de 1920, o que, além de ter efeito
fortemente recessivo, causaria grande depreciação cambial a partir do segundo
semestre”

27
A.M. MODENESI 9/3/2005

• [i)programa de obras; ii)reposição de equipamento público (desgastado pela


guerra)] → crescente desequilíbrio fiscal → pressão inflacionária.

“(...)as despesas inadiáveis ligadas à reposição do desgaste sofrido pelo equipamento do


setor público durante a guerra somaram-se às do grande programa de obras lançado no
início do governo Epitácio Pessoa(...)” (p. 47).

“Em meados de 1921 o governo começava a enfrentar dificuldades no financiamento de


seu crescente desequilíbrio fiscal” (p. 48).

• CARED: autorizada a redescontar títulos comercias (mas não títulos públicos) ⇒


poder de emitir moeda lastreada em títulos comerciais.

“A carteira tinha poderes de emitir notas do Tesouro até um limite passível de ampliação
pelo Presidente da República, contra títulos comerciais, e proibia explicitamente o
redesconto de títulos públicos” (p. 47).

• Financiamento inflacionário do déficit público pelo BB de forma indireta: [BB


comprava títulos públicos federais e os redescontava (i.e. emitia moeda lastreada
neste título) → ↑ B (déficit fiscal: indiretamente financiado por emissão monetária)]
⇒ ↑ inflação (já existente em função da depreciação) para níveis insustentáveis ⇒
reversão da política fiscal: austeridade.

Box II. 1 – Criação e Destruição de Base Monetária Meios de Pagamento

↑ B Ù [∆ AtivoBACEN – ∆ Passivo não-monetárioBACEN ] > 0

↑ MP Ù [∆ AtivoSB – ∆P assivo não-monetárioSB] > 0

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A.M. MODENESI 9/3/2005

Exemplo: o BACEN compra títulos públicos federais no valor de 100. ∆ AtivoBacen= 100;

∆ Passivo monetárioBacen = 100; ∆ Passivo não-monetárioBacen = 0; 100 – 0 = 100 > 0.

Então, há criação de base monetária.

“A posição fiscal, entretanto, continuou crítica. Em 1922, o déficit de caixa do governo


federal atingiria níveis alarmantes, dada a incapacidade do governo em conter o
crescimento da despesa e necessidade de liquidar atrasados acumulados no exercício
anterior. (...)o governo foi obrigado a financiar o desequilíbrio orçamentário através do
lançamento maciço de letras de curto prazo. Como o grosso dessas letras emitidas
acabava por encontrar o caminho da carteira do banco do governo, o déficit fiscal
transformava-se em vultuosa e crescente dívida de curto prazo do Tesouro com o Banco
do Brasil. O crescimento dessa dívida teria sérias conseqüências para o equilíbrio
monetário pois, embora a legislação proibisse o redesconto de títulos de dívida pública,
o Banco do Brasil podia gerar os recursos líquidos [i.e. aumentar o estoque monetário]
necessários para bancar o crescimento de seus empréstimos ao governo por via
indireta, redescontando ativos de sua carteira comercial. Esse expediente, usado até o
primeiro semestre de 1922 tinha, entretanto, limites bem definidos já que com a perspectiva
de prolongada inadimplência do governo essas operações implicavam perigosa deterioração
de qualidade de carteira do Banco. Nestas circunstâncias, os princípios doutrinários
cederam lugar ao pragmatismo: em outubro, o Congresso autorizou o redesconto de títulos
federais até meio milhão de contos – equivalente a mais do que o total das letras em carteira
no Banco do Brasil em fins de 1921 – provocando crescimento explosivo da base monetária
no último trimestre do ano” (p. 49).

“A forma de financiamento severo desequilíbrio fiscal causado pelos choques do pós-


guerra teria, ainda, sérias conseqüências de médio prazo. Por um lado, a expansão
monetária por ele provocada alimentaria as já sensíveis pressões inflacionárias
desencadeadas pelo colapso cambial de 1920-21. Por outro, a necessidade de curto prazo
gerada em 1922[](...) motivaram a adoção imediata de grande austeridade na condução
da política fiscal” (p. 49).

29
A.M. MODENESI 9/3/2005

• {i)[Sucesso do 3º programa de valorização → ↑ preço café → efeito anticíclico


(em função da elevada participação das exportações de café no PIB)];
ii)[depreciação (1920-1) ⇒ i)↑X e ↓M → equilíbrio no BP; ii) ↑déficit público
→ ↑B (financiamento inflacionário pelo BB)]} ⇒ retomada nível de atividade
industrial (substituição de importação) e agro-exportadora (renda protegida) no
fim governo.

“Apesar dos graves problemas financeiros enfrentados em seus últimos meses, o Governo
Epitácio Pessoa seria concluído já em clima de franca recuperação econômica. Em
1922, voltava a crescer o preço internacional do café, havia clara reversão da tendência à
queda das exportações e do déficit comercial, verificava-se rápida retomada do
crescimento da produção industrial. Os programas de obras públicas e o crédito mais
folgado sustentavam altos níveis de atividade na construção civil. As causas da
importante reversão cíclica de 1922 não derivam, todavia, da adoção consciente de
medias estabilizadoras pelo governo em resposta ao choque externo e à recessão de 1920-1.
Elas resultaram tanto dos efeitos anticíclicos da política de valorização, que não eram
diretamente colimados pelas autoridades quando de sua adoção, quanto da propagação dos
efeitos da violenta depreciação cambial de 1920-21 através de mecanismos
estabilizadores inerentes à economia primário-exportadora brasileira [elevação das
exportações]” (p. 50).

“Esse violento colapso cambial também teve importante efeito estabilizador. Em primeiro
lugar, contribuiu de forma crucial para a grande queda das importações em 1921, que
explica a maior parte do reajustamento do balanço comercial em 1920-22, fator
importante na recuperação. Em segundo lugar, a desvalorização cambial, concorrendo
para o aumento explosivo do déficit público – e por essa via, como discutido na seção
anterior, para marcada elevação da taxa de expansão monetária em 1921-22 – também
contribui de forma importante para a reversão cíclica(...). Finalmente, ao isolar a economia
do impacto deflacionário da queda dos preços internacionais, o colapso cambial protegeu
de perdas substanciais de renda de exportadores e indústrias competitivas com

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A.M. MODENESI 9/3/2005

importações, e explica porque o Brasil experimentou queda de preços domésticos muito


mais suave do que os países centrais durante a recessão” (p. 50-1).

• Artur Bernardes (1922-26): i)recuperação e ajuste recessivo; ii)reforma monetária:


BB banco central com poder de emissão; iii)estabilização não recessiva com
endividamento externo: fracasso; iv)ajuste ortodoxo (contenção fiscal e monetária);
v)programa de defesa permanente de café (1924).

• Vulnerabilidade externa e crise fiscal (esgotamento da capacidade do BB financiar o


Tesouro) ⇒ imprescindíveis: i)equilíbrio externo (BP); ii)ajuste fiscal.

• Meta prioritária: equilíbrio externo ⇒ valorização cambial → melhora posição fiscal


⇐ [i) austeridade na condução da política monetária; ii) defesa permanente do café
→ manutenção da receita de exportação].

“O governo Bernardes herdava, entretanto, um balanço de pagamentos extremamente


vulnerável e crônica crise fiscal que atingiria a capacidade de financiamento do Banco
do Brasil e que condicionaria a definição de seu programa de política econômica. O
ponto básico do programa de Bernardes seria a realização de uma reforma monetária que
transformasse o Banco do Brasil em banco central, retirando do Tesouro poderes de
emissão de moeda. A estabilização das receitas de exportação com vistas ao
fortalecimento da posição externa, que passava a constituir-se em meta prioritária do
novo governo, seria cumprida pela institucionalização de novo e ousado programa, dito
‘permanente’ de defesa dos preços do café” (p. 51).

• Esgotamento da capacidade do BB financiar o tesouro ⇒ contração fiscal (↓G


⇒ ↓déficit).

“(...)o programa de governo contemplava drástica redução do déficit público, com cortes
do gasto em formação de capital cumprindo importante papel no ajuste a curto prazo.

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A.M. MODENESI 9/3/2005

Havia entretanto, que resolver os problemas criado pelo esgotamento da capacidade de


financiamento do déficit público, uma vez que as medidas de ajuste levariam tempo para
reduzir o desequilíbrio a proporções gerenciáveis. Este não era um problema trivial porque,
por um lado, o congestionamento da carteira do Banco do Brasil reduziu a sua
capacidade de financiar o governo e a reforma monetária da nova administração
preconizava o fechamento da Carteira de Redesconto. Por outro lado havia a necessidade
de precaver-se para enfrentar as demandas do setor cafeeiro, aleatórias mas
potencialmente elevadas, pelo crédito necessário à viabilização do novo esquema de
defesa” (p. 51)

• Dilema de política econômica: financiamento do programa de valorização (↑ crédito


doméstico) impedia a condução da política monetária austera (necessária para o
cumprimento da meta de apreciação cambial).

“Os primeiros meses do Governo Bernardes, entretanto, seriam marcados por uma conduta
cautelosa na condução da política monetária, coerente com sua meta prioritária de
apreciação cambial que pressupunha corrigir a vulnerabilidade da posição externa.
Mas no terceiro trimestre de 1923, começaram a crescer rapidamente as necessidades de
financiamento da nova safra de café. As origens do problema remontam os termos do
contrato do empréstimo de 1922, que impediam o governo a iniciar nova operação de
valorização antes da liquidação do empréstimo(...)” (p. 52)

“O dilema de política econômica era, entretanto, que a sustentação dos preços poderia
tornar necessário o abandono da política monetária restritiva. (...). No início do terceiro
trimestre de 1923, num contexto de crescente aperto de liquidez como referido acima, a
superposição dos problemas sazonais decorrentes do aumento da demanda de crédito
nas colheitas de outras lavouras e da drenagem de caixa de grandes bancos tornava
extremamente difícil ao sistema bancário privado acomodar os requisitos financeiros
da valorização do café. O Banco do Brasil tendo que enfrentar pesados saques de
depósitos interbancários e com sua posição de caixa ainda comprometida pela

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A.M. MODENESI 9/3/2005

impossibilidade do governo de liquidar sua dívida de curto prazo, não teve saída senão
lançar mão, em escala crescente, de sua faculdade de emissão” (p. 53).

“A partir de agosto de 1923, acelerou-se novamente a depreciação do mil-réis. Tendo


perdido o controle sobre a política monetária e temendo a recorrência de uma crise
cambial e de seus impactos orçamentários, o governo passou a considerar a obtenção de
um empréstimo de estabilização como o único caminho para evitar a desmoralização
prematura e sua reforma financeira. Tal empréstimo, se empregado para liquidar o débito
do tesouro com o Banco do Brasil, serviria para restabelecer o controle sobre o mercado de
divisas, enquanto o crescimento paralelo dos ativos domésticos líquidos do banco
aumentariam sua capacidade de empréstimo, reduzindo a necessidade de recurso à emissão
de moeda” (p. 53).

• Restrições do governo britânico à concessão de empréstimos externos (com vistas


ao retorno ao padrão ouro) → impossibilidade de se obter empréstimo de
regularização ⇒ fracasso da estabilização não recessiva ⇒ ajuste ortodoxo (mix
monetário-fiscal recessivo): política monetária passou a ser contracionista (aliada à
pré-existente austeridade fiscal).

“Entretanto, em meados do ano, quando se ultimavam os detalhes da operação [de


empréstimo junto aos ingleses], restrições impostas pelo governo britânico a
empréstimos externos, com vistas ao fortalecimento da libra para preparar seu retorno
ao padrão ouro, acabam por inviabilizá-la. O fracasso da estratégia de estabilização não
recessiva baseada no endividamento externo, após vários meses de negociações,
impunha urgente redefinição de políticas. A posição externa continuava vulnerável.
Uma vez que o crescimento das exportações em 1924, causado pelo comportamento
favorável dos preços, fora anulado pelo aumento paralelo das importações, estimulado pela
recuperação doméstica e, na ausência de empréstimos externos, a taxa de câmbio
permanecia 50% abaixo [desvalorizada] da taxa de estabilização planejada pelo governo. A
aceleração inflacionária que acompanhou a recuperação, além de contribuir para as
dificuldades de ajuste externo, erodia rapidamente os salários reais, começando a criar

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A.M. MODENESI 9/3/2005

tensões preocupantes nos centros urbanos. (...). Esta nova perda de controle sobre a
política monetária forneceu o motivo para que um influente grupo de políticos
intimamente ligados a Bernardes, que atribuía a persistência da fragilidade da posição
externa e das pressões inflacionárias a taxas elevadas de expansão de moeda e
preconizava a adoção de políticas contracionistas, convencesse o presidente de adotar-se
uma política ortodoxa de ajuste interno e externo, acoplando uma política monetária
contracionista à política de austeridade fiscal já então adotada” (p. 53-4).
“Já a partir do início de 1925, o Banco do Brasil eleva as taxas e restringe drasticamente
o montante de suas operações de redesconto com a intenção de reduzir a base monetária
através da retirada de notas do Tesouro em circulação, iniciando um processo de contração
monetária que seria que seria seguido sem interrupção até o fim governo. O mix
monetário-fiscal recessivo foi completado pela manutenção do esforço para equilibrar o
orçamento, já que, aos olhos dos ortodoxos, que agora controlavam a política econômica, a
disciplina fiscal era o pressuposto da viabilidade da manutenção da política monetária
restritiva” (p. 55).

• [Mix recessivo → i)↓ nível de atividade (estagnação da produção e ↓investimento


industrial); ii)recuperação fluxos de comércio e investimento externo → valorização
cambial] ⇒ ↓ acentuada da inflação (a partir de 1925; deflação de 10% em 1926).

“Dada a grande dependência do setor privado em relação aos bancos comerciais na


ausência de um mercado financeiro desenvolvido, o choque monetário implementado ao
meio do ciclo de expansão iniciado em 1922, teve impacto extremamente negativo sobre
o desempenho da economia. A produção industrial que se recuperava fortemente desde
1922, estagnou em 1925 e 1926; o investimento na industrial, medido pelo quantum de
importações de bens de capital para a indústria, que voltara a crescer em 1923, caiu nada
menos do que 24% em 1926. Por outro lado, sob o impacto conjugado da perda de
dinamismo da demanda doméstica e apreciação cambial, a inflação desacelerou
rapidamente ao longo de 1925 e, em 1926, o nível de preços chegou a cair 10%. Deve ser
notado, entretanto, que a recuperação da posição externa brasileira em fins do governo

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A.M. MODENESI 9/3/2005

Bernardes era um reflexo da impressionante recuperação dos fluxos de comércio e


investimento internacionais iniciada em meados da década” (p. 55).

“É útil lembrar que no período 1922-25, além das dificuldades econômicas, como a crise do
café, que levou à valorização de 1922-1923, redução na entrada de capitais e de imigrantes,
o que afetou o crescimento da economia” (Villela e Suzigan, p. 136).

3. Washington Luís (1927-30): i)boom e recessão; ii)manutenção da política


fiscal ortodoxa (restritiva); iii)reforma monetária e cambial: Caixa de
Estabilização (1926-30) similar a Caixa de Conversão: retorno ao padrão-
ouro.

“Em dezembro de 1926, foi decretada nova reforma monetária. Pretendia-se um retorno ao
padrão-ouro a 200 miligramas por mil réis. Para isso, seriam utilizados o estoque de ouro
disponível, saldos orçamentários, operações de crédito, etc. Foi criado um novo fundo de
estabilização cambial – a Caixa de Estabilização, que mais tarde foi incorporada ao Banco
do Brasil. Nela seria acumulado o estoque de ouro, o qual seria comprado com emissões de
suas próprias notas. (...). À semelhança da primeira caixa de estabilização (1906-14), a taxa
de câmbio dessa segunda foi estabelecida acima da taxa de mercado [desvalorizado], com
o objetivo de causar uma pequena depreciação e, em seguida, uma estabilização. (...). A
contenção monetária e a estabilização cambial (...) foram complementadas por uma política
de equilíbrio orçamentário. (...). Como no caso da experiência anterior, a Caixa de
estabilização foi bem sucedida no seu objetivo de causar um impacto inicial através de
pequena desvalorização e subseqüente estabilização” (Villela e Suzigan, p. 136-7).

• Reforma monetária em 3 etapas: i)criação da Caixa (emitir notas conversíveis


lastreada em ouro a uma taxa desvalorizada); ii)conversibilidade total do estoque
monetário (das notas não emitidas além das notas emitidas pela Caixa);
iii)substituição do mil-réis pelo cruzeiro e transferência do poder de emissão para
o BB.

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A.M. MODENESI 9/3/2005

“O projeto era, formalmente, um plano para se atingir, em etapas sucessivas, a


conversibilidade total do estoque de moeda em circulação à nova paridade. A primeira
fase, que deveria ser implementada imediatamente, seria um período de estabilização de
fato. Para isto, propunha-se a criação da Caixa de Estabilização, um órgão do Tesouro que
teria a atribuição precípua de emitir notas conversíveis à vista contra os depósitos em
ouro feitos ao novo par, nos moldes da antiga Caixa de Conversão(...). A segunda fase
seria implementada tão logo o estoque de ouro acumulado pela Caixa(...) fosse considerado
suficiente para permitir a decretação da conversibilidade total das notas em circulação,
isto é, inclusive a das não emitidas pela Caixa. A reforma seria concluída com a mudança
da unidade monetária, criando-se o cruzeiro, de valor igual ao mil-réis à nova paridade
e pela transferência do poder de emissão ao Banco do Brasil”(p. 56)

• [i)melhora da situação externa; ii)controle da inflação → pressões para reverter


o ajuste recessivo e a sobrevalorização cambial (não interessava aos exportadores
nem aos produtores industriais que competiam com as exportações)] ⇒ Caixa de
Estabilização: câmbio fixo desvalorizado → estímulo à produção cafeeira e
industrial substituiva de importações.

“Desde fins de 1925, cresciam os protestos de industriais – especialmente os da indústria


têxtil – e exportadores contra os efeitos deflacionários da contração de moeda e da
apreciação cambial, enquanto desapareciam as razões objetivas que informaram a opção
pelo ajuste recessivo em fins de 1924. Deve ser lembrado que essa dura opção [do governo
Bernardes de implantar um mix recessivo] foi feita em uma situação em que a preocupação
com a fragilidade da posição externa e a persistência de pressões inflacionárias permitiram
apresentar o ajuste deflacionário quase que como medida de salvação nacional. Entretanto,
em fins de 1926, controlada a inflação e com a substancial melhora da posição externa
do país – induzida pela manutenção de altos preços do café e, especialmente, pelo início de
um novo ciclo de endividamento externo – manter indefinidamente essa política seria uma
atitude suicida em que exportadores e, crescentemente produtores de artigos competitivos
com importações detiam substancial influência. (...)Washington Luis envia ao Congresso
um projeto de reforma monetária propondo o retorno ao padrão ouro à taxa de

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A.M. MODENESI 9/3/2005

aproximadamente 6d, cerca de 23% abaixo [desvalorizada] da taxa média do terceiro


trimestre de 1926(...). (p. 56)

“O agravamento da crise na produção interna em fins de 1926, em virtude do câmbio


valorizado, levou o Governo a por em execução(...) um programa de ‘saneamento
monetário’, pelo qual se deu a quebra do padrão da moeda brasileira e a estabilização do
câmbio, através da criação da Caixa de Estabilização. (...)a fixação da taxa de câmbio
visava ‘sanear a moeda..., que sofria flutuações violentas mas persistente tendência para a
[desvalorização]’. De fato, a fixação da taxa cambial a um nível bastante
desvalorizado(...) manteve estável o câmbio por quase três anos; secundariamente, porém
o objetivo era favorecer o crescimento da produção interna. Os exportadores passaram a
receber mais em moeda corrente do País por libra exportada e os anos que se seguiram
foram de grande expansão na produção interna para a exportação, mormente de café,
que além desse benefício da estabilização cambial, teve seus preços grandemente
aumentados como fruto da política de valorização(...). Da mesma maneira, foi produção
industrial beneficiada pelo encarecimento das importações, além de ter a taxa cambial
da estabilização atraído capitais estrangeiros para aplicação em empreendimentos de ordem
privada (Villela e Suzigan, p. 305).

“Dadas as pressões internas para reverter a política monetária e a recuperação externa


(com a volta dos fluxos internacionais de capitais e com a melhora da posição externa do
café), voltou-se a adotar um regime de câmbio fixo, por meio da ‘Caixa de estabilização’.
Sob este regime tivemos uma nova fase de crescimento econômico que vai até 1929,
quando novamente a situação externa se deteriorou em função da elevação das
importações (fruto da elevação da expansão do período anterior) e do estancamento da
entrada de capitais. Imediatamente reverteu-se a política monetária, iniciando-se um
novo período recessivo. Os problemas acentuaram-se com a crise de 29/30, obrigando o
governo a romper com a caixa de establização” (Saes, p. 86).

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• Caixa favorecia a produção doméstica: i)moeda desvalorizada; ii)expansão


monetária (reverter aperto de Bernardes) ⇐ ↑reservas ← entrada de capitais
(surto de investimentos) ← recuperação externa.

“(...)respondia aos anseios imediatos dos produtores domésticos tanto em relação às


tendências de apreciação cambial quanto ao futuro da política monetária pois, se a
esperada recuperação da posição externa decorrente da participação brasileira no boom
internacional de investimentos anglo-americanos se materializasse, o conseqüente
aumento das reservas da Caixa implicaria uma reversão quase automática da queda da
base monetária verificada nos últimos anos” (p. 57).

• [i)influxo de capital (surto de investimento externo, a partir de 1926); ii)↑ preço


café (1927)] ⇒ saldo BP →↑B ⇒ [i)boom (PIB real cresceu 5,2% (26), 10,8%
(27) e 11,5% (28); ii)estabilidade de preços]

“A consolidação financeira da posição paulista teve impacto extremamente favorável


sobre os preços e, juntamente com a mudança de política monetária e cambial,
permitiria rápida superação da estagnação que caracterizava o biênio anterior, já no
primeiro ano do governo Washington Luis. A grande onda de investimentos
estrangeiros reiniciada em 1926 mais do que compensou a redução do saldo em conta
corrente, e o elevado superávit no balanço de pagamentos induziu rápida expansão das
emissões da Caixa até meados de 1928. Na segunda metade de 1927, os efeitos
expansionistas do relaxamento das condições de crédito foram reforçados por condições
excepcionalmente favoráveis para a cafeicultura. O aumento de renda no pólo dinâmico
na economia e o relaxamento das condições de crédito não só estimularam o investimento
na própria cafeicultura, com refletiram-se em aumento generalizado de demanda para o
setor urbano, contribuindo de forma decisiva para a reativação dos níveis de atividade. O
produto real, que após estagnar em 1925, crescera 5,2% em 1926, cresce 10,8% em 1927
e 11,5% em 1928. Essa rápida recuperação, ao contrário da reversão cíclica de 1922-23,
tem lugar em condições de quase perfeita estabilidade de preços, garantida pela
estabilidade cambial e pela existência de margens provavelmente amplas de capacidade

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A.M. MODENESI 9/3/2005

ociosa na indústria, geradas pela estagnação da demanda que acompanhou os estágios


finais do boom de investimentos iniciados em 1923” (p. 58)

• i)↑M, ↓X; ii)↓fluxos de capital ⇒ reversão saldo BP (1928) ⇒ ↓ B ⇒ reversão


(início de 1929, antes da crise).

“O surgimento de tendências recessivas na economia brasileira data, todavia, do início de


1929 – antes, portanto, da perda de dinamismo e colapso financeiro das economias
industrias, ocorridos no segundo semestre desse ano – como resultado da opção do
governo em retornar à política creditícia restritiva em resposta a dificuldades de
balanço de pagamentos surgidas já em 1928. A deterioração da posição externa em
1928 resultou da operação de duas causas independentes. Por um lado, a estagnação das
exportações, num contexto de crescimento acelerado das importações, induzido pela
recuperação dos níveis de atividade e investimento doméstico, provocou rápida erosão
do saldo comercial. Por outro lado, uma contração progressiva do saldo em conta corrente
foi acompanhada pelo estancamento temporário do fluxo de empréstimos de longo prazo
para a periferia na segunda metade de 1928. A rápida erosão do saldo do balanço de
pagamentos no segundo semestre de 1928 fez cair imediatamente o ritmo de
crescimento de emissões da Caixa de Estabilização” (p. 60).

• Depressão ⇒ [i)interrupção dos fluxos de capital; ii)↓preço café] → crise no BP


(déficit) ⇒ [i)manutenção da Caixa: ↓B → aprofundou a recessão (início de 1929);
ii)esgotamento reservas ⇒ fechamento da Caixa de Estabilização (1930)].

“Com o início da depressão econômica mundial em fins de 1929, contudo, o mercado


cambial brasileiro entraria em fase de crescentes dificuldades; embora se mantivesse no
mesmo nível em 1929 e até mesmo aumentado em 1930, o saldo da balança comercial
passou a ser praticamente o saldo da balança de pagamentos, dada a paralisação da
entrada de capitais. Mantendo-se, apesar disto, os elevados pagamentos da dívida
externa e não existindo qualquer restrição à remessa de valores para o exterior, tornava-se
cada vez mais difícil ao Banco do Brasil manter as ‘taxas cambiais nos níveis desejados

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do mercado, ao redor das bases de estabilização’. E apesar dos embaraços que o Banco
procurava criar aos compradores de cambiais, as reservas em divisas possuídas pelo
país(...) esgotaram-se rapidamente. (...). (...)o Governo na mesma linha do procedimento
anterior, extinguiu(...) a Caixa de Estabilização” (Villela e Suzigan, p. 306).

“O colapso dos preços do café foi o golpe de misericórdia no equilíbrio do balanço de


pagamentos. Mas(...) o governo federal agarrou-se teimosamente à manutenção do
padrão ouro no pressuposto otimista de que seria possível obter um grande empréstimo
de estabilização à curto prazo. O resultado foi aprofundar a crise monetária ao longo de
1930, transformando a recessão iniciada no início de 1929 em uma crise de proporções
sem precedentes, que acabaria por sepultar o regime” (p. 62).

• Revisão historiográfica: i)complementaridade entre os interesses da cafeicultura


e da indústria; ii)política econômica não era determinada exclusivamente em
função dos interesses corporativos da oligarquia paulista (setores agrícola,
comercial e bancário ligados ao café).

• Validade questionável: Furtado já havia identificado a formação de novos grupos


de pressão (classe média urbana, assalariados urbanos e rurais, produtores voltados
para o mercado interno, industriais e empresas estrangeiras) a disputar espaço
políticos com a oligarquia paulista.

“É claro que não existe aqui a intenção de negar o fato de que os representantes políticos
dos setores agrícolas, comercial e bancário paulista ligados ao café detinham posição
hegemônica no Estado Brasileiro. (...). A preservação dessa importância foi garantida
pela enorme importância da produção cafeeira paulista para o desempenho da
economia, pelos mecanismos centralizadores de poder do sistema de controle político
implantado durante o governo Campos Salles, e pela habilidade demonstrada pela
oligarquia agrário-financeira paulista em incorporar os interesses da crescente
burguesia industrial do estado a seus próprios canais de representação política. Não se
deve perder de vista, entretanto, que o poder de São Paulo não era absoluto, e que nem

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A.M. MODENESI 9/3/2005

sempre os políticos paulistas detiveram o controle da máquina política federal


extremamente eficaz que seus líderes históricos construíram na virada do século” (p. 63)

“Com efeito, a afirmação tradicional de que a política econômica do governo federal


teria consistentemente favorecido os interesses corporativos da cafeicultura, elaborado
como um simples corolário da hegemonia política deste grupo, é basicamente incorreta”
(p. 64)

A Economia Cafeeira e Os Programas de Valorização do Café

4. Economia predominantemente primário-exportadora (até +/- 1950): i)café:


principal atividade econômica e produto de exportação (mais da metade do
valor das exportações 1889-1930); ii)borracha (2º mais importante até 1918);
iii) açúcar; iv)couros e peles; v)algodão; vi)cacau; vii)mate.

“Desde 1820, o café aparece entre os principais produtos de exportação do Brasil (ao
lado, por exemplo, do açúcar e do algodão). De 1840 até 1970, por mais de um século,
portanto, o café respondeu por mais de 40% do valor total das exportações brasileiras,
chegando, em certos anos, a atingir 80% de seu total(...)” (Saes, p. 25).

“No fim do século passado [XIX], o Brasil era o café e o café era o Brasil – e foi aí
quando se concebeu a política de valorização do produto” (Bacha, 15).

Tabela II. 1 – Participação (%) dos Principais Produtos no Valor das Exportações: Brasil –
1889-1929
Couros
Período Café Açúcar Cacau Mate Fumo Algodão Borracha Outros
e Peles
1889-
67,6 6,5 1,1 1,2 1,7 2,9 11,8 2,4 4,8
1897
1889-
52,7 1,9 2,7 2,7 2,8 2,1 25,7 4,2 5,2
1910
1911-
61,7 0,3 2,3 3,1 1,9 2,1 20,0 4,2 4,4
1913
1914-
47,4 3,9 4,2 3,4 2,8 1,4 12,0 7,5 17,4
1918

41
A.M. MODENESI 9/3/2005

1919-
58,8 4,7 3,3 2,4 2,6 3,4 3,0 5,3 16,5
1923
1924-
72,5 0,4 3,3 2,9 2,0 1,9 2,8 4,5 9,7
1929
Fonte: Saes (p. 57)

• 2a metade do XIX: primeiras indústrias (baixo conteúdo tecnológico: têxtil e


alimentação).

• [Processo de industrialização deliberado e continuado (modificação na


estrutura econômica): a partir de 1930 (1º governo Vargas) e da II Guerra
Mundial] ⇒ até então, maioria dos bens manufaturados eram importados
(manutenção da lógica do pacto colonial).

• Complexo cafeeiro (W. Cano): [i)café é a principal atividade econômica (até


1930): elevada participação no PIB; ii)núcleo de articulação de atividades
urbanas (comércio, bancos, transportes, energia e iluminação) e industriais (tecido
e alimentos) → setor cafeeiro elevado efeito arrasto] ⇒ correlação positiva entre
nível atividade do setor cafeeiro e demais setores da economia (↑renda café →
↑Y).

• Praticamente consensual: i)Furtado; ii)Villela Suzigan; iii)Cano; iv)Baer.

“É geralmente aceito que a mola propulsora do surto industrial ocorrido em São Paulo,
e provavelmente em outros Estados a partir da República, foi a própria monocultura do
café. Ela gerou as popanças que os fazendeiros investiram não só em infra-estrutura
mas também em atividades industriais substitutivas de manufaturas de consumo
importadas, como tecidos, alimentos, bebidas, etc. O fluxo de geração de renda acima
mencionado foi aumentado de intensidade desde os primeiros anos da república em
virtude das crescentes imigrações de colonos europeus que vinham trabalhar no cultivo
do café no planalto paulista. (...). Isso se devia ao fato de que os imigrantes não só recebiam

42
A.M. MODENESI 9/3/2005

uma remuneração em moeda, ao contrário da mão-de-obra nativa, como também tinham


hábitos de consumo mais diversificados” (Villela e Suzigan, p. 105).

“A economia cafeeira não se restringia à atividade rural e ao comércio do produto de


exportação. Ela gerou o que Wilson Cano chamou de ‘complexo econômico’ ou
‘complexo cafeeiro’ (Cano, 1977), ou seja, um conjunto de atividades relativamente
integradas e que sustentam, em especial, o acelerado processo de urbanização da capital
do estado [de São Paulo]. Paralelamente, outros centros urbanos repetiam o fenômeno da
urbanização da capital: pequenos bancos de âmbito local, empresas de transporte urbano,
de iluminação e de energia elétrica, de telefones se disseminaram pelas cidades do
interior, somando-se ao comércio local ou regional que tradicionalmente existia nessas
cidades” (Saes, p. 54).

“A mesma tendência à produção para o mercado interno também se verificou na


agricultura paulista. Wilson Cano identificou, já na segunda década do século XX, uma
clara diversificação da produção agrícola paulista que, ao lado da exportação de café,
passava a dirigir para o mercado interno do próprio estado de São Paulo ou de outras
regiões uma série de produtos alimentares. Esta caracterização da economia primária na
Primeira República – que buscou ressaltar a diversidade da produção exportável e a
expansão para o mercado interno – não deve, no entanto, fazer-nos esquecer o papel
preponderante do café na dinâmica da economia brasileira desse período” (Saes, p. 61).

• {[Imigrante assalariado (principalmente para a lavoura cafeeira) ⇒ [i)massa


salarial (renda); ii)hábitos de consumo mais sofisticados (diversificados)]} ⇒
mercado consumidor interno (Furtado, cap. XXVI).

“A substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre constitui um dos marcos


fundamentais da história econômica do Brasil. Em particular, a imigração européia para
a lavoura cafeeira adquire significado especial na maior parte das interpretações de
nossa história que a identificam com o surgimento do trabalho assalariado na economia
brasileira. Celso Furtado, por exemplo, ressalta o imigrante enquanto consumidor, pois a

43
A.M. MODENESI 9/3/2005

massa de salários dos trabalhadores das fazendas de café teria sido o núcleo do mercado
interno. (...). ” (Saes, p. 55).

• Warren Dean: expansão cafeeira criou as condição para o desenvolvimento


industrial: i)trabalho assalariado; ii)acumulação de capital: bancos, estabelecimentos
comerciais e estradas de ferro ⇒ financiar indústrias.

“Pode-se dizer que é consensual, entre os pesquisadores de nossa história econômica,


encontrar na expansão cafeeira as condições para um desenvolvimento industrial mais
sistemático. Warren Dean, por exemplo, arrola um conjunto de fatores que emergem
com as transformações que se processam na economia cafeeira e que apontavam na
direção do surgimento da indústria. Sem dúvida, a transição para o trabalho assalariado
respondeu por algumas das mais importantes condições para a industrialização. O
surgimento de uma massa de salários, impondo a rápida monetização da economia,
conta entre as relações que estimulavam a produção de manufaturados para o mercado
interno. O fim do escravismo propiciara o surgimento de uma massa salarial a ser
despendida no mercado interno (em grande parte na compra de manufaturados) e a
presença do imigrante trouxera padrões de consumo diferentes daqueles característicos
da sociedade escravista. (...). Não menos importante foi a natureza do processo de
acumulação de capital. Os cafeicultores também investiram em estradas de ferro,
bancos e empresas comerciais, fazendo com que os lucros da atividade agrícolas fossem
mantidos dentro da economia cafeeira e se dirigissem crescentemente ao meio urbano. Não
é estranho, portanto, que muitos fazendeiros tenham inclusive investido na indústria ou,
de modo mais geral, que os recursos gerados na economia cafeeira tenham, em alguma
medida, financiado o investimento industrial. Todos esses fatores são levantados por
Warren Dean para explicar o desenvolvimento industrial na Primeira república, tendo por
base a economia cafeeira” (Saes, p. 62).

“(...) a transição do trabalho escravo para o trabalho livre do imigrante europeu respondeu
por algumas das mais importantes condições para a industrialização. O surgimento de
uma massa de salários, impondo uma rápida monetização da economia, conta entre as

44
A.M. MODENESI 9/3/2005

condições que estimulavam a produção de manufaturados para o mercado interno”


(Saes, p. 62-3).

• Renda cafeeira: [i)principal determinante dos níveis de renda e emprego global


(crescimento voltado para fora); ii)importante efeito multiplicador sobre o nível
de renda (Furtado, cap. XXVI)] ⇒ importância da manutenção da renda do café
como elemento de sustentação da demanda agregada: efeito anticíclico (Furtado,
cap. XXXI).

“(...)o café não foi a única produção relevante [na Primeira República] e a própria
economia cafeeira é bastante complexa, pois, além da fazenda de café, comporta
atividades comerciais, de transportes, bancárias e outras de natureza urbana. Ainda
assim não se pode negar que o café foi o núcleo em torno do qual grande parte da
economia esteve articulada (direta ou indiretamente) e também o fulcro da política
econômica de todo o período” (Saes, p. 44).

“É importante, no entanto, ressaltar que a economia cafeeira não se resume à fazenda e


aos fazendeiros de café. Nas áreas cafeeiras há ampla diversificação da atividade
econômica expressa principalmente pela urbanização acelerada de alguns núcleos. Além
disso, outras produções merecem ser referidas por sua importância no plano nacional ou
por serem o núcleo de economias regionais bastante sólidas. Embora a atividade agrícola
seja o núcleo da economia cafeeira, seria um engano imaginá-la como uma atividade
estritamente rural. A economia cafeeira gerou uma ampla diversificação da atividade
econômica (antes mesmo do desenvolvimento da indústria) de modo a estimular a
expansão das cidades” (Saes, p. 52).

“Evidentemente isto não quer dizer que a dinâmica da economia se tenha modificado: as
exportações continuavam a ser o determinante do nível de produto, renda e emprego
uma vez que os demais setores se vêm, em grande medida, influenciados pelo que ocorre
no setor exportador” (Saes, p. 55).

45
A.M. MODENESI 9/3/2005

• Caráter itinerante: plantio foi se deslocando ao longo do Vale do Rio Paraíba. [Rio
de Janeiro: principal produtor no início República (62%)] ⇒ [São Paulo: se
tornou principal produtor ao longo da 1ª década republicana] ← [i)desgaste solo
fluminense; ii)imigração (européia)].

“Sua produção iniciou-se nos arredores da cidade do Rio de Janeiro e seu caráter
itinerante, sempre em busca de novos solos que substituíssem aqueles desgastados por
décadas de cultivo. O principal rumo das plantações foi dado pelo Rio Paraíba do Sul(...).
À época da proclamação da República, a Província do Rio de Janeiro produzia cerca de
62% do total do Brasil, cabendo o restante a São Paulo. Ao longo da primeira década
republicana, no entanto, essa situação foi invertida(...). Tal situação não surpreende, antes
de mais nada pelo caráter itinerante da produção cafeeira: os cafezais do Rio de Janeiro, em
sua maior parte com várias décadas de existência, apresentavam produtividade em
declínio(...). Além desse motivo de ordem ‘natural’, há razões de ordem histórica para se
entender o declínio da produção fluminense diante da paulista no fim do século XIX. O
impacto da abolição do Escravismo foi relativamente pequeno em São Paulo, pois a
imigração já se fazia e massa nos anos imediatamente anteriores à Lei Áurea. Já no Ro de
Janeiro não se verificou uma corrente migratória expressiva para a cafeicultura”(Saes et
alii, p. 45).

5. Programas de Valorização do Café: i)Convênio de Taubaté (1906); ii)2º


programa (1917); iii)3º Programa (1921); iv)defesa permanente (1924).

• Programa de valorização: i)retirar excesso de oferta → sustentar o preço.

• Condições: i)posição semi-monopolista (poder de mercado); ii)oscilações nas


safras (Furtado, cap.XXX).

“A lógica do programa de valorização do café era relativamente simples: tinha como


pressuposto a posição quase monopolísta do Brasil no mercado internacional (o que
tornaria eficaz as intervenções em termos de efeito sobre o preço internacional). Admitia-se

46
A.M. MODENESI 9/3/2005

também que os cafezais alternam colheitas abundantes e colheitas relativamente


pobres” (Saes, p. 50).

“A idéia era retirar o excesso de oferta de café do mercado, estocando-o, a fim de


sustentar os preços. Para que tal idéia tivesse efeito seria necessário alguns pressupostos.
Por um lado, (...) o mercado não poderia ser concorrencial. Assim, sendo o Brasil um
grande produtor, com posição de domínio sobre o mercado, a intervenção do governo
brasileiro efetivamente teria efeito sobre os preços (...). Por outro lado, os desequilíbrios
deviam ser temporários, ou o excesso de oferta poderia ser revertido em algum momento
não muito longínquo. A idéia era recorrer a empréstimos externos, que seriam pagos
quando da venda dos estoques e com a arrecadação da receita decorrente da introdução
de um imposto sobre as exportações de café” (Saes, p. 87).

• Motivação: i)busca de equilíbrio externo (elevada vulnerabilidade externa →


comportamento da economia internacional impunha forte restrição à condução
política econômica doméstica) → necessidade de sustentação dos preços do
principal produto da pauta de exportações (principal fonte de divisas);
ii)importância da renda cafeeira no PIB (sustentação renda cafeeira: forte efeito
anticíclico) → iii)influência da oligarquia paulista na definição da política
econômica. (Tese de Wiston Fritsch).

• [Significado macroeconômico do café: i)elevada participação no PIB: i)direta:


exportações; ii)indireta: consumo e investimento correlatos; ii)principal produto
de exportação] ⇒ sustentação do café é problema nacional (se o café prospera
toda economia prospera, e vice-versa): planos de valorização do café não visavam,
exclusivamente, a defesa de interesses específicos dos produtores de café
(oligarquia paulista).

• Necessidade de equilíbrio externo ⇐ [correlação positiva entre o déficit público


e taxa de câmbio (desvalorização → ↑ déficit): i)elevada dependência do

47
A.M. MODENESI 9/3/2005

imposto (ad valorem) de importação (principal fonte de receita)2; ii)elevados


encargos da dívida pública externa (denominada em libras)].

• [↓ valor exportações → ↓ balança comercial] ⇒ desvalorização ⇒ [i)↓ imposto


de importação; ii)↑ encargos dívida em termos da moeda doméstica] ⇒
deterioração fiscal ⇒ dificultava o acesso do país aos mercados de capital
(altamente dependente).

Preço de oferta de importados (moeda doméstica): PsR$ = PsUS $ ⋅ e ;

Preço de demanda (ad valorem) importados (moeda doméstica): PdR$ = (1 + t ) ⋅ PUS $ e ;

Receita tributária: T = Qd ⋅ t ⋅ PsUS $ ⋅ e ;

e : taxa de câmbio (fixa) utilizada para calcular o imposto


( )
Desvalorização (↑ e) ⇒ ↑ PdR$ ⇒ ↓ Qd = Q PdR$ ⇒ ↓ T

“(...)uma análise cuidadosa política econômica federal na Primeira República não


sustenta a visão tradicional segundo a qual sua execução teria visado fundamentalmente
beneficiar os interesses da cafeicultura, nem sua antítese implícita que tenta demonstrar a
existência de um sistêmico viés orotdoxo nas políticas efetivamente implantadas. Deve ser
frisado que esse ensaio não é incompatível com a visão da oligarquia paulista como
fração hegemônica do estado Brasileiro. Parte das críticas aqui apresentadas à visão
tradicional limitou-se a mostrar que medidas de política alegadamente adotadas em
defesa do café beneficiaram um conjunto muito mais amplo de interesses e, portanto,
não tem ligação com essa questão. (...). Mas segundo a apresentação aqui apresentada,
essas políticas foram adotadas no bojo de profundas crises econômicas que se
constituíam em efetiva ameaça à coesão política do Estado, como no final dos 90, em
1913-4, em meados dos 20 e em 1929-30” (p. 68).

2
Ver Furtado (1991: 168).

48
A.M. MODENESI 9/3/2005

“As queixas dos produtores encontravam acolhida no governo federal também por causa
do significado macroeconômico do produto. O café constituía não menos do que 70% do
valor total das exportações brasileiras, e se o valor das exportações de café caia, a
balança brasileira se deteriorava, e o mercado cambial virava-se contra o país,
tornando mais difícil para o governo federal lançar empréstimos no exterior, dos quais
ele era tão dependente. Ademais do ponto de vista regional, o café era o centro da vida
econômica de São Paulo, que já era o estado mais importante do país. Em síntese, ‘se os
cafeicultores prosperavam e tinham muito dinheiro para pagar bons salários, todo
mundo prosperava, e o comércio reluzia. Se a indústria do café estava deprimida, todo
vida econômica do país se deprimia’ (Rowe). Esta descrição sugere uma enorme
complementaridade entre o café e o ritmo de atividade econômica na primeira parte
metade do século” (Bacha, 34).

“Fritsch argúi que não pode haver dúvida de que a decisão do governo federal, de
sustentar os preços do café em março de 1921, foi tomada com base na política cambial”
(Bacha, 44).

“O café representa a principal parcela no valor global de nossa exportação e é, portanto,


o produto que mais ouro fornece à solução dos nossos compromissos no estrangeiro. A
defesa do valor do café constitui, portanto, um problema nacional, cuja solução se impõe
à boa política econômica e financeira do Brasil” (Mensagem especial do presidente da
República, Epitácio Pessoa, para o Congresso Nacional, outubro de 1921).

“(...)para o governo federal, a consideração relevante era manter seu acesso aos
mercados financeiros internacionais – o que era de fato a variável crítica para garantir
sua capacidade de gasto” (Bach, 44).

Tabela II.2 – Produção e Preço Internacional do Café: Brasil – 1900-1930


Ano Produção* Preço
Internacional**
1900-1 13.845 7,05
1901-2 15.076 6,94
1902-3 13.640 6,54

49
A.M. MODENESI 9/3/2005

1903-4 11.217 6,80


1904-5 11.159 7,55
1905-6 11.652 8,35
1906-7 20.607 8,25
1907-8 11.604 7,75
1908-9 13.945 7,55
1909-10 15.567 7,70
1910-11 11.543 9,10
1911-12 14.031 11,80
1912-13 13.515 13,55
1913-14 13.754 12,45
1914-15 15.151 10,35
1915-16 15.753 9,60
1916-17 13.891 9,85
1917-18 15.606 9,55
1918-19 (forte geada) 11.781 11,55
1919-20 8.870 19,50
1920-21 17.116 19,50
1921-22 14.276 10,70
1922-23 14.289 12,90
1923-24 15.862 13,50
1924-25 14.801 17,50
1925-26 15.997 22,30
1926-27 18.348 21,60
1927-28 27.848 18,50
1928-29 16.275 21,30
1929-30 29.179 20,40
Fonte: Saes (p. 51)
* 1.000 sacas/60 KG. **US$ centavos/libra-peso

(ANPEC, 2001) Você diria que durante a primeira República a política econômica do
Governo federal foi invariavelmente conduzida de modo a favorecer os interesses
corporativos da agricultura? Ilustre a sua resposta com referências às políticas cambial e
de valorização do café.

I – Convênio de Taubaté (1906)

• {i) ↑ excessivo da produção na virada do século; ii)previsão de supersafra em


1906 (produção média = 10; previsão = 16; estoque = 9; realizado = 20; excedente =
190%); [iii)baixa elasticidade-preço demanda por café; iv)posição semi-
monopolista] ⇒ [↑ produção → ⇓ P]} ⇒ “clima de crise” ⇒ acordo entre os
principais estados produtores: SP, RJ, MG.

50
A.M. MODENESI 9/3/2005

“(...)o agravamento do desequilíbrio no mercado mundial de café com as estimativas de


uma super-safra em São Paulo em 1906. Como o Brasil tinha uma posição quase
monopolista no mercado mundial e a demanda de café é inelástica em relação preço, um
aumento da oferta brasileira teria forte impacto negativo sobre o preço internacional
do produto, reduzindo a receita de exportações do país. Por outro lado, a posição quase
monopolista do Brasil facilitava a implementação do controle do preço internacional do
produto por restrições administradas da oferta. Isto, evidentemente, requeriria o
financiamento de um volume substancial de estoques, demandando mais recursos do
que o sistema bancário doméstico estaria disposta a fornecer em bases comerciais. A
saída natural seria buscar financiamento externo” (p. 38).

“A absorção da crescente produção brasileira de café pelo mercado mundial (e em especial


pelo norte-americano) se fez a níveis de preços relativamente baixos. Agregando a este fato
a valorização da moeda brasileira, é fácil entender o clima de crise que passou a dominar a
cafeicultura a partir de 1896, clima esse que se agravou com o início da produção dos
cafezais plantados em meados dos anos 90. Foi apenas em 1906, diante da previsão de
safra extremamente elevada, que se tornou claro o diagnóstico de superprodução: o
Brasil exportava, em média, de 9 a 10 milhões de sacas de café por ano. A safra de 1906,
prevista em 16 milhões de sacas, atingiu cerca de 20 milhões, havendo ainda no mercado,
um estoque de 9 milhões de sacas. (...). Diante dessa perspectiva, em fevereiro de 1906
reuniram-se, em Taubaté (SP) os Presidentes de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais
e consideraram necessária a intervenção no mercado cafeeiro a fim de evitar o
aprofundamento da crise” (Saes, p. 49).

• [i)crédito fácil (Lei Bancária/Encilhamento); ii)desvalorização cambial (↑ receita


exportação); iii)↑ preço (1885-1890); iv)fluxo imigratório (SP): mão-de-obra
abundante; v)expansão ferroviária (SP): novas áreas férteis] ⇒ ↑ excessivo da
produção (oferta).

51
A.M. MODENESI 9/3/2005

“E as medidas de política econômica adotadas a partir da Primeira República


estimularam um crescimento desmedido da cultura cafeeira no país, que acabaria
levando às primeiras crises de superprodução. O inflacionismo do início da República e a
subseqüente desvalorização cambial foi o fator mais importante para o aumento da
capacidade de produção. (...). No final do século já havia excesso de produção, e foram
lançadas as primeiras idéias a respeito de uma possível intervenção(...). (...)quando foi
prevista uma desproporcional safra para 1906-1907, a intervenção no mercado produtor
acabou se realizando. O primeiro plano de valorização do café foi formalizado com a
celebração do Acordo de Taubaté, em fevereiro de 1906, pelos presidentes dos Estados de
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro” (Villela e Suzigan, p. 96).

“É inegável que São Paulo foi beneficiado por intenso fluxo e imigrantes europeus, em
grande parte destinados à lavoura do café. (...). Grande parte dessa imigração foi
subvencionada, ou seja, contou com recursos do governo para o pagamento das passagens
de navio dos imigrantes, além de abrigá-los na ‘Hospedaria do Imigrante” até que fossem
contratados por algum fazendeiro. Essa oferta de mão-de-obra relativamente ampla
constituía, portanto, importante estímulo para a expansão das fazendas de café no interior
paulista. (...). A expansão do crédito,a partir da Reforma Bancária [de Rui Barbosa](...)
forneceu recursos relativamente fáceis para a formação de novos cafezais. O mesmo efeito
teve a expansão ferroviária: a extensão de linhas de linhas férreas em São Paulo cresceu
de cerca de 1.600 km em 1885 para 3.300 km em 1900, franqueando novas áreas à
expansão cafeeira pela redução do custo de transporte. (...). De 1885 a 1890, preço
internacional do café cresceu rapidamente, aumentando também o valor total das
exportações de café do Brasil (cuja média, entre 1880 e 1884, era de 11 milhões de libras
esterlinas e atinge 1 milhões em 1889” (Saes et alii, p. 46-7).

52
A.M. MODENESI 9/3/2005

• Política de preços mínimos em moeda doméstica ⇒ Caixa de Conversão: câmbio


fixo desvalorizado → evitava a tendência à valorização: i)anularia os efeitos positivos
do programa sobre a receita de exportação em moeda doméstica; ii)não interessava
aos produtores de manufaturas que competiam com importações (se tornariam mais
baratas).

“O objetivo fundamental do plano era garantir preços mínimos em moeda nacional para
o café. Para isso seriam retirados do mercado os excedentes da produção, com recursos
de um grande empréstimo externo. Ao mesmo tempo, seriam reduzidas as exportações de
café de baixo tipo, e iniciada uma campanha no exterior para aumento do consumo. Mas,
sobretudo, os cafeicultores necessitavam de uma instituição de âmbito nacional que os
protegesse das variações cambiais. Por trás disso estava um dos mais importantes
objetivos: evitar que a continuação da valorização cambial prejudicasse os resultados do
plano. Foi, então, decidida a criação de um fundo de estabilização cambial: a Caixa de
Conversão. Promovendo uma ligeira desvalorização inicial e depois estabilização da taxa
de câmbio, a Caixa foi um importante fator de proteção à riqueza dos plantadores de
café. Realmente, oferecendo cambiais a uma taxa ligeiramente acima (mil-reis por unidade
de moeda estrangeira) da taxa de mercado, a Caixa de Conversão evitou que a forte
pressão para a valorização cambial existente ate 1912 diminuísse a lucratividade da
cultura cafeeira” (Villela e Suzigan, p. 96-7).

“Os esforços para manter elevado o preço do café(...) resultaram no chamado convênio de
Taubaté(...) e, logo em seguida (1906), na adoção do padrão-ouro como uma forma de
estabilizar a taxa de câmbio e proteger a cafeicultura de eventuais valorizações
cambias” (Bonelli, p. 82).

• Situação externa favorável: i)empréstimos externos (programa de obras de


Rodrigues Alves); ii)empréstimos Estaduais do programa de valorização;
ii)entrada de capitais autônomos; iii)saldos comerciais; iv)manutenção de política
monetária contracionista de J. Murtinho (condicionalidade do F.L.) ⇒ [excesso
de divisas → pressão para valorização cambial (que caso ocorresse ↓ renda

53
A.M. MODENESI 9/3/2005

cafeeira)] ⇒ necessidade de adoção da Caixa de Conversão: câmbio fixo


desvalorizado (acima da taxa de equilíbrio); i)assegurar a sustentação renda
cafeeira (em moeda doméstica); ii)reverter aperto monetário (J. Murtinho) via
mecanismo de ajuste automático do BP → beneficiando produtores voltados para
o mercado interno.

“Entretanto, nestas circunstâncias [de melhora da posição externa], a manutenção da


política monetária apertada seguida pela administração anterior [Salles e Murtinho], por
imposição dos termos do empréstimo de consolidação inglês [Funding Loan], não só
impedia a recuperação do nível de atividade como acabaria tornando impossível a
manutenção da taxa de câmbio em torno do nível de 12 pence por mil-réis a que havia
sido estabilizada desde 1902, após uma apreciação de quase 70% desde 1898. Essa situação
era particularmente delicada para os produtores de café, que já enfrentavam preços
internacionais deprimidos em função do grande aumento da oferta paulista desde o
fim do século. O ponto crítico foi finalmente atingido em 1905, quando o grande aumento
da receita líquida de divisas provocou substancial apreciação cambial, reabrindo o debate
sobre a reforma monetária. A questão central era como criar um mecanismo – em
substituição ao poder discricionário do Tesouro, como exigia o pensamento ortodoxo
dominante – para prover ativos domésticos líquidos em quantidade suficiente para
absorver a crescente oferta de divisas, de modo a aliviar as pressões para a apreciação
do taxa de câmbio. Apesar dos protestos dos ultra-ortdoxos defensores da continuação do
arrocho monetário, os interesses do setor produtivo falaram mais alto e a opção,
influenciada pela recente e bem sucedida opção Argentina, recaiu sobre um mecanismo
automático de padrão ouro. Em 1906, criou-se a Caixa de Conversão, investida do poder
de emissão de notas plenamente conversíveis em ouro, e vice-versa, a uma taxa fixa de
câmbio” (p. 37-8).

“A valorização cambial, no entanto, não interessava aos exportadores e produtores


nacionais e o governo(...) procurava nesse instante refrear a valorização(...). Em 1905/06,
entretanto, com a realização de empréstimos externos para obras no porto do Rio de
Janeiro e venda da Estrada de Ferro Sorocaba, além dos empréstimos Estaduais,

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principalmente os da valorização do café, contratado pelos Estados que participaram do


convênio de Taubaté, sem se falar nas entradas de capitais particulares(...), e os grandes
saldos na balança comercial nos primeiros anos do século, o mercado cambial abarrotou-se
de divisas, e a pressão para a valorização da taxa cambial levou à criação, juntamente
com o Convênio de Taubaté, de um instituto destinado a assegurar a estabilidade do
câmbio. Com isso atendia-se aos interesses dos exportadores e dos produtores
nacionais. A fixação da taxa cambial pela Caixa de Conversão foi feita ao nível acima
[i.e. desvalorizado] daquele que se verificaria através do livre jogo de oferta e procura”
(Villela e Suzigan, p. 298).

“A melhoria das condições de crédito nos mercados financeiros europeus e o ganho de


credibilidade do Brasil com o aumento de suas reservas em Londres permitiram que o
governo Rodrigues Alves (1902-1906) alterasse a política econômica, que passou a ser
expansionista e caracterizou-se pelo lançamento de diversos projetos de infra-estrutura
com destaque para a modernização de portos e obras públicas na capital da República, o
Rio de Janeiro, projetos esses financiados através de empréstimos externos. (...). Ao final
desse período era grande a pressão para valorizar o câmbio, devido aos ingressos de
recursos e empréstimos externos e ao aumento das receitas de exportação” (Bonelli, p.
81).

“Internamente, a política deflacionista [de J. Murtinho] teve como primeiro efeito uma
forte crise bancária e, no médio prazo, as taxas de crescimento econômico retraíram-se,
configurando-se um quadro recessivo. Em relação aos preços internacionais do café, estes
continuaram em queda; internamente, a valorização magnífica tais efeitos, causando
importantes prejuízos sobre a cafeicultura, Por outro lado, havia dificuldade em se
convencer o governo federal a alterar sua política econômica, revertendo a valorização
cambial e ampliando a concessão de crédito. Esta última era uma reivindicação que não se
restringia à cafeicultura mas que estendia por vários setores produtivos e financeiros
do país(...)” (Saes, p. 83).

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“O plano de valorização em um regime de câmbio flexível, teria por conseqüqência a


valorização cambial, pois haveria ingresso de divisas em função dos empréstimos
necessários para a estocagem e do aumento de receita das exportações de café. Esta
valorização poderia contra-restar, em moeda nacional, os aumentos nos preços
internacionais do café. Assim, com a caixa de conversão evitou-se tal valorização e a
contrapartida da entrada de recursos externos foi a ampliação do crédito doméstico” (Saes,
p. 87-8).

• Medidas: i)criação de um imposto sobre exportações; ii)proibição de novas


plantações (Estados signatários).

• i)Governo de São Paulo comprou os estoques financiado com empréstimo externo


junto a importadores; ii)crise externa (1907) → interrompeu os fluxos de capital ⇒
[i)impossibilidade de rolagem da dívida; ii)ameaça à Caixa de Conversão] ⇒
Governo federal garantiu (avalizou) o empréstimo de consolidação da dívida de São
Paulo (consórcio de grandes bancos estrangeiros).

“Embora pressionado pelos interesses do café no sentido de garantir um empréstimo


externo(...) como acertado entre os principais estados produtores no chamado Convênio de
Taubaté, o governo federal negou-se a dar tal garantia. A retenção dos estoques foi
inicialmente financiada com créditos bancários de grandes importadores estrangeiros –
que, por possuírem a maior parte dos estoques existentes, também tinham interesse na
defesa dos preços – e garantias do estado de São Paulo. Entretanto, em 1907, uma breve
mas grave crise financeira internacional impossibilitou a rolagem dos créditos,
levando o governo federal a temer que, à queda temporária dos influxos de capital gerada
pela retração nos mercados financeiros, viesse somar-se um colapso dos preços do café,
provocando uma brusca reversão da posição externa, o possível esgotamento das
reservas da Caixa de Conversão e a desmoralização da experiência do padrão ouro. Nessas
circunstâncias, o governo federal acabou por decidir avalizar, junto a seus banqueiros de

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Londres, um empréstimo que permitisse financiar a desova dos estoques de café em prazo
mais longo e, portanto, garantir a estabilidade de preços a curto prazo. (p. 38-9).

“Inicialmente o Governo de São Paulo assumiu sozinho o plano, obtendo


financiamento de financistas ligados aos importadores de café na Europa e nos EUA.
(...). Nesse mesmo ano [1907] o governo federal também entrou no esquema,
consolidando e garantindo os empréstimos feitos por São Paulo” (Saes, p. 87).

• Imposição dos credores: i)vendas planejadas por um comitê internacional (Londres)


⇒ são Paulo perdeu o controle sobre as vendas; ii)limite severo às exportações (menor
que a produção paulista); iii)restrição novas plantações (renovada por 5 anos).

“(...)através de uma condição imposta pelos banqueiros, os brasileiros perderam o


controle sobre o manejo das vendas do café estocado e um comitê internacional baseado
em Londres foi formado para planejar a liquidação ordenada dos estoques. Ademais
limites anuais foram impostos sobre as exportações brasileiras de café, em volumes que
eram menores do que a produção paulista. Finalmente as restrições às novas plantações de
café em São Paulo foram, ao menos nominalmente, renovadas por mais cinco anos”
(Bacha, 41).

• Bem sucedido: [i)expansão da economia mundial; ii)colheitas moderadas] ⇒ ↑


preço ⇒ estoques vendidos e empréstimos pagos até antes da I Guerra.

“A decisão de apoiar a valorização de café como forma de garantir a estabilidade


macroeconômica foi coroada de sucesso. Com a normalização das condições de crédito
nos mercados internacionais de capital já em 1908, retornaram os influxos de capital e,
com a ajuda adicional de um grande crescimento nos preços da borracha, a economia
entrou em uma fase de acelerado crescimento que duraria até 1913” (p. 39).

“(...)a economia mundial entrou num período de bonança que durou de 1909 1 1912,
enquanto que as colheitas brasileiras subseqüentes não foram geralmente muito grandes.

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Assim, o comitê londrino pôde ganhar controle sobre o mercado e impulsionar os preços
para cima até o final de 1912, quando, sob pressão do promotor público dos EUA, foi
forçado a anunciar a venda de todo seu estoque nova-iorquino” (Bacha, 41).

“Nos anos seguintes os estoques foram vendidos e antes da guerra os empréstimos já


haviam sido pago” (Saes, p. 87).

II – Segundo Plano de Valorização (Primeira Guerra: 1917)

• I Guerra: [agravamento da crise do comércio exterior (início da reversão da era


de ouro, 1912-3) → i)↓ preço café e borracha; i)supersafra (1917-8)] ⇒
necessidade de nova intervenção.

“A crise do comércio exterior que se iniciara em 1913 foi agravada durante a I Guerra
Mundial. Os preços dos produtos de exportação caíram a níveis extremamente
baixos(...)”(Villela e Suzigan, p. 117).

“Em 1913, teve início um período de crise no comércio exterior que se prolongou até
1918. A forte queda dos preços dos principais produtos de exportação levou a uma situação
que não ocorria há muito tempo: déficit na balança comercial. (...)a tendência à baixa nos
preços da borracha e do café continuou influindo desfavoravelmente em 1917-1918 sobre
os índices da relação de trocas(...). A tendência à baixa nos preços de café foi agravada
ainda mais devido à iminência de uma enorme safra em 1917-1918. Isso levou à Segunda
intervenção governamental no mercado de café(...)”(Villela e Suzigan, p. 121).

“Durante a guerra, foi necessária uma nova intervenção(...) em função das dificuldades de
exportação decorrentes da guerra e de novas grandes safras. (Saes, p. 88).

• I Guerra ⇒ interrupção fluxos de capital ⇒ Governo federal financiou


inflacionariamente (emissão).

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“(...) com recursos de emissão monetária, já que a guerra tornava impossível recorrer a
empréstimos externos” (Villela e Suzigan, p. 121).

“Em julho, os estoques de Santos saltaram para 6 milhões de sacas, contra 1 milhão em
meados do ano anterior e o sistema bancário era absolutamente incapaz de congelar suas
carteiras de empréstimos para financiar os estoques. A solução natural foi uma nova
emissão de notas inconversíveis para financiar a compra da safra e reforçar o caixa do
banco do Brasil” (p. 45).

“Diferentemente do primeiro plano, neste a utilização de recursos externos era difícil. A


estocagem realizou-se com base em emissões monetárias internas, ampliando-se o
descontrole monetário do período” (Saes, p. 88).

• Bem sucedido: [i)forte geada (1918); ii)fim guerra → reabertura mercados


europeus → recuperação comércio exterior] ⇒ ↑ preço ⇒ venda estoques.

“(...)dois dias de geadas de violência sem precedentes, seguidos do fim das hostilidades
na Europa, alteraram completamente as perspectivas em relação aos preços do café. O
preço em Nova York, que se mantinha em torno de uma média de 10,8 centavos de dólar
por libra-peso em junho, atingiram mais de 22 centavos no fim do ano” (p. 45)

“A forte geada em junho de 1918 afetou severamente 300 dos 800 milhões de cafeeiros
existentes e, novamente, os preços do café tornaram a subir devido ao decréscimo de
produção e à abertura dos mercados europeus pelo fim da guerra” (Villela e Suzigan,
p. 121).

“Com a Segunda valorização do café em 1917, que resultou no aumento de seus preços
em 1918, os quais foram fortemente acelerados em 1919 tanto pela queda da produção
(resultante da forte geada em 1918), como pelo surgimento da demanda reprimida
durante a guerra, iniciou-se em 1918-1919 a recuperação do comércio exterior” (Villela
e Suzigan, p. 148).

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“Com o auxilio de forte geada em 1918, os preços dispararam no imediato pós-guerra,


possibilitando a venda dos estoques com lucros em 1920. Novamente, o esquema teve
resultados satisfatórios, porém nesta Segunda operação, além da diferença na forma de
financiamento, perdeu-se o controle sobre o crescimento das plantações” (Saes, p. 88).

III – Terceiro Plano de Valorização (1921)

“Em 1921 outra operação foi realizada – o terceiro plano de valorização” (Saes, p. 88).

• Crise do comércio exterior: ↓ preço café ⇒ intervenção.

“O preço do café declinou novamente até 1923, quando se fizeram sentir os efeitos da
nova valorização” (Villela e Suzigan, p. 148).

• Financiamento: i)governo federal: ↑ crédito doméstico; ii)empréstimo externo


(Londres).

“A decisão de iniciar uma nova operação de valorização implicava, contudo, nenhum


compromisso formal do governo federal. Sua ação limitou-se a autorizar o endosso,
pelo Tesouro, de letras do café sacadas por uma grande firma corretora contratada para
agenciar as compras e a instruir o Banco do Brasil a financiar as operações, se necessário
com o auxílio da recém criada Carteira de redesconto. (...)desde o início de 1921 o Tesouro
aumentava rapidamente sua dívida de curto prazo com o Banco do Brasil. Isso por sua
vez, tinha conseqüências para a viabilidade do esquema de defesa do café já que o
crescimento dos empréstimos do Tesouro afetava a capacidade do Banco em financiar
as grandes operações da valorização sem recurso à Carteira de redesconto. Esse conflito
entre as demandas financeiras do Tesouro e do programa de sustentação do café seria
resolvido a partir do último trimestre de 1921, recorrendo-se ao crédito externo para
financiar a valorização. Com os preços começando firme recuperação em agosto e a

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perspectiva de pequena safra para 1922, não foi difícil para os responsáveis pela defesa do
café conseguir, com a intermediação de uma firma britânica,” (p. 49).

“(...) uma substancial expansão do crédito doméstico, a qual, somente um ano depois(...)
pode ser compensada por créditos estrangeiros de curto prazo obtidos em Londres. Estes
foram eventualmente convertidos num empréstimo de longo prazo(...)” (Bacha, p. 44-5).

• Condicionalidade: i)controle das vendas dos estoques por um comitê (Londres);


ii)governo federal se comprometeu a evitar novo plano.

• Pressão contrária do governo dos EUA.

“(...) cresceram as pressões contrárias do governo norte-americano” (Saes, p. 88).

• Bem sucedido: ↓ safra → ↑ preço ⇒ venda estoques.

“(...) também auxiliado por problemas nas safras seguintes, os preços reagiram e os
estoques puderam novamente ser vendidos” (Saes, p. 88).

IV – Defesa Permanente (1924)

“Até 1924, a defesa do café se fazia de modo ‘esporádico’, ou seja, montava-se uma
operação quando os problemas surgiam. Em 1924, instituiu-se a ‘defesa permanente’
do café, que acabou sendo conduzida por São Paulo” (Saes, p. 88).

• [i)condicionalidade para obtenção de novo empréstimo: fim do envolvimento do


governo federal ⇒ disfuncionalidade do programa ii)recuperação dos preços
do café] ⇒ transferência da responsabilidade para São Paulo.

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“Como o papel ocupado pelo Banco do Brasil no esquema de defesa implantado por
Bernardes implicava em submeter a base monetária a flutuações de magnitude aleatória
e potencialmente muito grandes toda vez que se materializasse um desequilíbrio entre a
oferta e demanda mundiais de café, o sucesso da nova política monetária poderia ser
comprometido pela manutenção da forma de financiamento da valorização, como ocorrido
em 1923. (...). Considerando-se que os banqueiros ingleses condicionavam a concessão
do empréstimo ao término do envolvimento do governo no financiamento do esquema
de defesa e que este envolvimento seria certamente fator impeditivo da participação de
bancos americanos em um empréstimo federal pelo oposição do governo americano à
valorização do café, sua manutenção tornou-se disfuncional do ponto de vista dos
objetivos maiores da política macroeconômica de estabilização. Por outro lado, em 1924, os
preços do café recuperaram-se, em dois grandes saltos(...). Com os preços se recuperando
e o aumento da perspectiva de ganhos com a valorização, tornava-se politicamente muito
mais fácil para o governo declarar terminado o seu envolvimento com o esquema” (p.
54-5).

• IPDPC – Instituto Paulista para a Defesa Permanente do Café (1924) ⇒ São Paulo:
responsável pelo financiamento e condução do programa.

“(...) o governo federal decidiu transferir toda responsabilidade pelo financiamento e


controle da valorização do café para o Estado de São Paulo, através do Instituto Paulista
para a Defesa Permanente do Café, criado em 1924” (Bacha, p. 47).

• Inovação: governo federal não compraria os estoques ⇒ retidos pelos produtores


(armazéns públicos) ⇒ lucro (prejuízo) da operação recairia sobre os produtores
(proprietários do estoque).

“O novo esquema de defesa(...) introduzia mudanças fundamentais em relação às


intervenções passadas. Em primeiro lugar, os preços não mais seriam controlados através
da compra e estocagem de excedentes eventuais pelo governo, mas da retenção
compulsória de todo café colhido nas regiões produtoras do Centro-Sul em armazéns

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‘reguladores’, a serem construídos em entroncamentos ferroviários estratégicos, e do


controle do volume embarcado a partir desses armazéns para os portos, isto é pelo
controle contínuo na oferta brasileira ao mercado mundial. Esta alteração dos mecanismos
da valorização implicava crucial mudança na distribuição de suas perdas e lucros. Antes
era a autoridade pública que incorria no ônus financeiro e carregava os ganhos
eventualmente resultantes da operação esporádica de defesa dos preços; agora era o
fazendeiro que, como proprietário dos cafés armazenados, bancaria a operação. Este
teria, entretanto, que fazer frente às despesas incorridas entre a entrega do café no armazém
regulador e seu embarque para exportação com os adiantamentos conseguidos a um dado
custo financeiro, com seu comissário ou na rede bancária, contra a garantia de certificado
de depósito fornecido pelos armazéns” (p. 51).

“O novo esquema de comercialização foi desenhado para minimizar os custos do governo


com a política de defesa. Introduziu uma inovação básica com relação ao método usual de
controle de preços através da intervenção direta no mercado: o controle de preços agora
seria efetuado pela regulação da quantidade de café fluindo para os portos de embarque, em
Santpos e no Rio. A retenção da colheita no interior e o controle das entradas nos portos
deveriam ser garantidos pela construção de armazéns públicos especiais nas princiapis
junções ferroviárias, para os quais todo o café produzido devia ser enviado pelos produtores
para serem liberados em quantidades definidas pelo governo federal, de acordo com um
esquema em que o primeiro a entra seria o primeiro a sair. O novo esquema diferia
radicalmente das valorizações prévias porque o governo agora não assumia qualquer
responsabilidade pela compra do café entregue pelos produtores aos armazéns oficiais.
(...). Mas agora era o produtor, como detentor em última instância dos estoques, que
correria os riscos das operações e obteria os benefícios delas resultantes” (Bacha, p. 46).

“Com efeito, o funcionamento do novo sistema dependia crucialmente da existência de uma


fonte de recursos que agisse como emprestador de última instância, intervindo em apóio ao
sistema bancário quando as necessidades de financiamento dos estoques retidos nos
reguladores ultrapassassem o que os bancos estivessem dispostos a financiar com base em
considerações de lucratividade e risco. Em princípio, esses recursos poderiam provir de

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fontes externas e, do pondo de vista do equilíbrio externo, este seria o caminho indicado.
Entretanto, não só os banqueiros de Londres recusavam-se a envolver-se em um esquema
permanente de defesa, como Nova York estava fechada como alternativa de financiamento
pela cerrada oposição que o governo norte-americano fazia ao esquema de valorização
brasileiro” (p. 52).

• IPC – Instituto Paulista para a Defesa do Café (1926) ⇒ BANESPA: gestor de


empréstimos externos ⇒ financiava os estoques retidos pelos produtores
(armazéns oficiais).

“Tão logo o mercado de capital de Londres voltou a operar num clima de intensa
competição, não foi difícil ao recém-criado Instituto do Café de São Paulo convencer um
grande Banco inglês(...) a prover os fundos necessários para que o Banco do Estado –
constituído com a finalidade básica de cumprir o papel de emprestador de última instância
aos bancos envolvidos com o financiamento do café, antes desempenhado pelo Banco do
Brasil – bancasse as eventuais necessidades de financiamento do complexo cafeeiro durante
a retenção dos estoques” (p. 57).

“A colocação de um empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas em Londres no começo


de 1926 foi um ponto de virada na história do instituto. (...). Os banqueiros londrinos deram
o empréstimo sob a condição de ele ser garantido pelo governo de São Paulo. Poucos dias
antes de o empréstimo ser assinado, o instituto foi redenominado Instituto Paulista do Café,
e sua diretoria ficou totalmente sujeita ao secretário da Fazendo do estado de São Paulo,
que seria agora o presidente do instituto. Conjuntamente com o governo do estado, o
instituto adquiriu um banco, redenominado Banco do Estado de São Paulo, destinado a
manejar as operações financeiras do instituto, emprestando os recursos do empréstimo
estrangeiro com garantia dos documentos de depósitos emitidos pelos armazéns oficiais
(que foram também comprados pelo instituto) contra a entrega, pelos produtores, de seu
café” (Bacha, p. 47-8).

• Bem sucedido até 1928.

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“Quase ao mesmo tempo em que o instituto capacitava-se para estabelecer-se


financeiramente, o mercado foi perturbado pela previsão de uma safra de tamanho
excepcional para 1927 a qual, quando de fato de materializou, estabeleceu um recorde
histórico, 30% acima do recorde anterior, de 1906. Em resposta, o instituto tratou-se de se
proteger de 2 formas. Primeiro negociando um novo empréstimo de 10 milhões de libras
esterlinas com seus banqueiros londrinos(...). Segundo, convencendo outros estados
produtores a adotar a nova política do instituto de liberação parcimoniosa da colheita para
os portos. O sucesso dessas políticas assegurou que, no final de 1927, as organizações
com as quais a defesa do café seria organizada no futuro previsível estivessem firmemente
estabelecidas e que suas perspectivas parecessem muito promissoras” (Bacha, 48)

• [i)Crise (11/1929) → fechamento mercados de capital ⇒ agravou problemas


financeiros (a partir de fins de 1928); ii)supersafra em 1929] ⇒ fechamento (1931).

“O primeiro golpe sobre o instituto foi desfechado pela natureza. Condições


metereológicas favoráveis propiciaram uma segunda safra recorde em 1929, apenas dois
anos depois que o recorde histórico de 1927 elevara os estoques da defesa a quase um ano
de produção normal. Este aumento de estoques ampliaria em muito o período de retenção
dos cafés depositados nos armazéns reguladores – estimado em maio de 1929 em nada
menos do que 16 meses – aumentando os encargos financeiros dos agricultores em um
período em que, com a ocorrência de uma safra pequena em 1928, a grande maioria deles já
enfrentava sérios problemas de liquidez. Com o passar do tempo, os fazendeiros voltaram a
pressionar o Instituto para o aumento de embarque de café para os portos. (...). O segundo e
definitivo choque foi a progressiva deterioração das condições de crédito em Londres
no terceiro trimestre de 1929, que bloqueou definitivamente a alternativa de obtenção
de financiamento externo pelo Instituto no futuro previsível. As autoridades responsáveis
pela defesa ainda tentaram desesperadamente obter do Banco do Brasil os recursos
indispensáveis ao menos para as compras necessárias à manutenção dos preços em
Santos(...). O governo federal, entretanto, já define com prioritária a manutenção da
estabilidade cambial e a conclusão do programa de reforma monetária, permanecendo

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inarrediável de sua dupla posição de recusar-se a autorizar o Banco do Brasil a prover os


enormes requisitos de financiamento da defesa e recomendar o aumento das vendas. Em
11 de outubro, esgotaram-se os recursos do Instituto e iniciou-se o colapso dos preços do
café” (p. 61-2)

“O período de setembro de 1928 a outubro de 1929 testemunharia uma deterioração


progressiva da capacidade das autoridades paulistas de manterem suas políticas”
(Bacha, 53).

“(...) a sustentação da política de defesa do café era totalmente dependente de o instituto


obter financiamento adicional para carregar os estoques acrescidos” (Bacha, p. 54).

“Assim que vazou a notícia da posição federal de não sustentação do Instituto Paulista, a
expectativa de uma queda de preços levou a uma corrida dos detentores de títulos de café
ao banco do instituto. Em setembro de 1929 as operações de redesconto do banco foram
suspensas” (Bacha, p. 55).

“O golpe final contra o Instituto Paulista foi dado após a revolução de 1930, através de
sucessivas decisões do governo federal assumindo o controle da política do café”
(Bacha, p. 58).

• Crítica: sustentação artificial dos preços ⇒ rentabilidade excessivamente elevada


⇒ {[i)reinvestimentos no setor (distorção alocativa) ⇒ a)agravou a tendência à
superprodução: deixou de ser conjuntural e passou a ser estrutural; b)atrasou
desenvolvimento industrial (não sobravam recursos para serem investidos em outros
setores)]; ii)incentivou produção de novas áreas produtoras (Ásia, África, Colômbia e
América central)]}. Concordam: i)Furtado (cap. XXX); ii)Villela e Suzigan.

“A institucionalização de um mecanismo artificial de sustentação dos preços e da renda


do setor de café, no entanto, viria representar uma séria distorção na economia de

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mercado, contribuindo para o atraso do desenvolvimento industrial e de outros


setores” (Villela Suzigan, p. 97).

“O impacto adverso da Grande depressão sobre a economia cafeeira se somou aos


efeitos negativos da política de sustentação dos preços(...). De acordo com os dados, a
crise do setor cafeeiro teria tido menor intensidade caso não tivesse havido a
valorização promovida pelo Instituto do Café de São Paulo” (Villela e Suzigan, p. 174).

“Evidentemente a manutenção de um programa de defesa do café por longo prazo


agravava essa tendência [à superprodução]. A proibição de novas plantações de café
era de difícil implementação: desse modo, principalmente nos anos 20, percebe-se
claramente a enorme ampliação da oferta brasileira, preparando assim a grande crise
cafeeira de 1929. (...). Como resultado o problema da superprodução tendia tornar-se
estrutural, embora seu efeito ficasse oculto, pois a valorização do café impedia o
declínio dos preços” (Saes, p. 50).

“A sucessão das políticas de sustentação de preços nas primeiras décadas do século XX


manteve a lucratividade da cafeicultura relativamente elevada e acabou por diminuir os
riscos de tal atividade. Como não se conseguiu estabelecer um controle sobre a ampliação
da produção, acabou-se por criar uma situação de superprodução de café e um
desequilíbrio no mercado cafeeiro de natureza estrutural” (Saes, p. 89).

“Por ocasião da safra de 1929/30 conjugaram-se vários efeitos que destruíram as bases
sobre as quais se sustentava o programa de valorização do café. Além do crescimento da
capacidade produtiva dos cafezais brasileiros nos anos 20, três safras de café (1927/8,
1928/9, 1929/30) foram elevadas, não registrando a alternância usual entre as safras
‘boas’ e ‘ruins’. Assim, aumentava substancialmente o excedente de café a ser estocado
e, conseqüentemente, o volume de recursos financeiros necessários para a compra desses
estoques. Além disso, a quebra da bolsa de Nova York, em outubro de 1929, iniciava
longo período de crise da economia norte-americana e mundial com dois efeitos perversos
para a economia cafeeira: de um lado, o impacto negativo sobre a demanda expresso pela

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abrupta redução dos preços internacionais do produto; de outro, a imediata retração dos
mercados financeiros internacionais que dificultava a obtenção de novos empréstimos
externos para a compra dos excedentes. (...). A crise de 1929 precipitou a destruição do
programa de defesa do café, o fechamento de Caixa de Estabilização (pela rápida evasão
de divisas ali depositadas) e, em certo sentido a própria revolução de 1930 que encerrou o
período como primeira República” (Saes, p. 51-2).

• CNC – Conselho Nacional do Café (1931): i)imposto proibitivo sobre novas


plantações; ii)novo imposto sobre exportações; iii)queima dos excedentes. Delegados
dos Estados. Governo federal reassume o programa.

DNC – Departamento Nacional do Café (1933): Controlado pelo governo federal

• Financiamento: crédito do Banco do Brasil coberto com imposto sobre exportação


⇒ impacto reduzido sobre o crédito doméstico: atenuou o carater anti-cíclico
proposto por furtado.

• Acordo Interamericano do Café (1940).

• IBC – Instituto Brasileiro do Café (1952).

(ANPEC, 1997) A economia brasileira da República Velha tem sido caracterizada como
uma economia “primário-exportadora”. Duas políticas de valorização do café foram
implementadas ao longo desse período: uma no início desse século e a outra, na segunda
metade dos anos vinte e princípio dos anos trinta. a)Assinale as características da
economia brasileira à época que justifiquem caracterizá-la como economia primário-
exportadora. b) Descreva uma das duas políticas de defesa do setor cafeeiro e analise os
seus efeitos sobre a economia.

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(ANPEC, 1999) A política de defesa do café, relativamente eficiente no primeiro quartel do


século, havia conduzido a economia cafeeira a uma situação extremamente vulnerável por
época da eclosão da crise mundial de 1929.

(ANPEC, 2004) Exponha as linhas gerais da política de defesa do café praticada no


primeiro quartel do século XX.

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A. M. Modenesi 9/3/2005

IV – DUTRA (1946-51)

Besserman Vianna

Sinopse
1) Ilusão de Divisas ⇒ liberdade cambial ⇒ esgotamento reservas (conversíveis)
⇒ controles cambiais/importação(1947-53) + crédito BB ⇒ incentivo ISI.

2) Relativiza a concepção de que houve uma interrupção na tendência de ampliação


da intervenção estatal ⇐ [1) princípios liberais; 2) incentivos ISI].

3) Reversão na política econômica: expansionista (a partir de 1949) ⇒ Inflação.

“A política econômica do governo Dutra possui, porém, dois períodos distintos,


delimitados por dois marcos relevantes. O primeiro foi a mudança na política de comercio
exterior, com o fim do mercado livre de câmbio e a adoção do sistema de
contingenciamento às importações, entre meados de 1947 e início de 1948. O segundo foi
o afastamento do ministro da fazendo, Correa e Castro, em meados de 1949, indicando a
passagem de uma política econômica contracionista e tipicamente ortodoxa para outra,
com maior flexibilidade nas metas fiscais e monetárias. (...) ambos os marcos fazem parte
de um mesmo processo de progressiva desmontagem da ilusão liberal que norteou a
formulação do governo Dutra. Essa ilusão, assim como seu gradual desaparecimento, por
sua vez, só são compreensíveis à luz dos acontecimentos do cenário internacional.” (p.
105).

1) Ilusão de divisas (e crença nos princípios liberais de Bretton Woods):


considerava-se que: i) o país detinha volume confortável de reservas
internacionais; ii) seria credor (auxílio financeiro) dos EUA pela colaboração na II
Guerra; e iii) liberdade cambial atrairia investimentos diretos estrangeiros ⇒
manutenção da liberdade cambial e o câmbio sobrevalorizado ⇒ esgotamento
reservas (conversíveis) ⇒ controles cambiais (1947-53).

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A. M. Modenesi 9/3/2005

“As perspectivas que o governo tinha em seu início foram fundamentalmente


determinadas pela idéia de um mundo organizado de acordo com os princípios liberais
de Bretton Woods. É um equívoco imaginar, contudo, que a reorganização da
economia no imediato pós-guerra tenha resultado de uma implementação automática
das decisões da conferência de Bretton Woods em 1944. Na verdade o restabelecimento
do sistema padrão ouro-divisas tendo o dólar como moeda internacional de reserva(...), a
criação do Fundo Monetário Internacional(...),do GATT(...), e o fato de o Banco
Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento ter sido criado(...), revelam que
Bretton Woods era compreendido como um sistema de equilíbrio e que o objetivo
norte-americano era o de moldar a economia do pós-guerra congelando a relação de
forças entre os Estados Unidos e o resto do mundo capitalista, tanto em seus aspectos
econômicos quanto políticos. A realidade, entretanto, não era essa. Não havia equilíbrio
possível nas condições do imediato pós-guerra” (p. 105-6).

“A percepção desse processo não foi automática e as ilusões do início do governo Dutra
foram sendo lentamente erodidas. De qualquer forma, no início do governo o desenrolar
dos acontecimentos foi marcado por expectativas bastante favoráveis quanto à situação
econômica externa. De fato, além da perspectiva de rápida reorganização da economia
mundial de acordo com os princípios liberais de Bretton Woods, havia a esperança de
uma significativa alta nos preços internacionais do café em conseqüência, principalmente,
da eliminação do preço-teto por parte do governo norte-americano. Em conseqüência, as
autoridades monetárias e cambiais tornaram-se vítimas de uma espécie de ‘ilusão de
divisas’ que apoiava-se sobre três pontos: (1) o país parecia estar numa situação bastante
confortável com relação a suas reservas internacionais; (2) julgava-se credor dos
Estados Unidos da América pela colaboração oferecida durante a Segunda guerra
mundial, e (3) acreditava que uma política liberal de câmbio seria capaz de atrair
significativo fluxo de investimentos diretos estrangeiros, dando solução duradoura para o
potencial desequilíbrio do balanço de pagamentos” (p. 107-8).

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A. M. Modenesi 9/3/2005

• [i) mantida taxa de câmbio nominal de 1939; ii) inflação no Brasil > inflação nos
EUA] ⇒ sobrevalorização real. Objetivos: i) importação de matérias-
primas/máquinas → reequipamento indústria (desgastada pela guerra) → ↓
preços industriais → ↓ inflação; ii) déficit comercial → ↓ reservas (↓ B) → ↓
inflação; ii) liberalização das saídas de capital → estimular ingresso de capital
(futuro).

“O câmbio foi mantido grosso modo à paridade de 1939, de Cr$18,5%/US$, sendo


instituído o mercado livre, com a abolição das restrições a pagamentos existentes desde o
início dos anos 30. Os preços no Brasil aumentaram duas vezes mais do que nos Estados
Unidos, o que torna evidente a sobrevalorização dessa taxa cambial. Eram vários os
objetivos dessa política. Em primeiro lugar, atender à demanda contida de matérias
primas e de bens de capital para reequipamento da indústria, desgastada durante a
guerra. Em segundo lugar, esperava-se que a liberalização das importações de bens de
consumo (também objeto de forte demanda contida) forçasse a baixa dos preços
industrias através do aumento da oferta de produtos importados pelo câmbio
sobrevalorizado. Além disso, de acordo com a crença generalizada de que o setor
externo havia sido importante fonte inflacionária no período da guerra, acreditava-se
possível fazer política anti-inflacionária reduzindo as reservas em dólares através de
saldos negativos na balança comercial. Em terceiro lugar a política liberal de câmbio,
afora exprimir a congruência das diretrizes governamentais com a ideologia liberal
predominante e os compromissos internacionais do país, refletia a esperança de que a
liberalização das saídas de capital pudesse estimular também ingressos brutos em
proporções significativas no futuro (p. 108)”.

• Saldo comercial (positivo) acumulado coma a área de moeda inconversível (GB) e


crescente déficit comercial com área de moeda inconversível (EUA) Ù US$ 730
milhões de reservas (totais): i) conversíveis = US$ 100 milhões; ii) inconversíveis
e em Libra Esterlina (bloqueada de facto) = US$ 273 milhôes; e iii) ouro = US$
365 milhões (considerado estratégico: país não estava disposto a utilizar).

84
A. M. Modenesi 9/3/2005

“A ilusão que primeiro se evidenciou com tal foi a falsa apreciação da situação das
reservas internacionais. É preciso notar que, durante o governo Dutra e, com destaque,
antes do estouro dos preços do café, o problema fundamental do setor externo da
economia brasileira era o saldo de pagamentos em moedas conversíveis, especialmente
dólares norte-americanos. A reservas internacionais acumuladas durante a guerra não
permitiam financiar déficits da magnitude dos observados com a área conversível: em
fins de 1946, dos US$ 730 milhões de reservas totais, apenas cerca de US$ 100 milhões
eram reservas líquidas disponíveis para a área conversível; o restante compunha-se de
libras esterlinas (bloqueadas de facto), moedas inconversíveis (somando US$ 273
milhões) e ouro depositado nos Estados unidos. As reservas internacionais em ouro (US$
365 milhões, 50% do total), porém eram consideradas pelo governo com reserva
estratégica. O problema fundamental da balança comercial estava no fato de o Brasil obter
substanciais superávits da balança comerciais com a área de moeda inconversível,
enquanto acumulava déficits crescentes com os Estados Unidos e outros países de moeda
forte [vonversível]” (p. 109).

• II Guerra ⇒ interrupção no fornecimento de produtos europeus ⇒ ⇑


importações americanas → déficit comercial com os EUA.

“Assim, o Brasil, até 1948 estava acumulando saldos em, moedas fracas, isto é, sem
poder de comando imediato sobre recursos, e acumulando déficits em moedas fortes.
Parte importante do desequilíbrio é explicável pela Segunda Guerra Mundial, que tornou
extremamente difícil de obter mercadorias da Europa e preservou a capacidade de
fornecimento dos Estados Unidos, resultando em uma relação comercial especial com
este país, de onde se originam cerca de 60% das importações brasileiras em 1946-47 e
para o qual se destinam apenas 40% das exportações brasileiras naquele biênio” (p. 110).

• {Baixo nível reservas conversíveis → crise cambial ⇒ (1) [i)controles cambiais


(1947): bancos vendiam compulsoriamente 30% das cambiais ao BB à taxa oficial
→ atender as obrigações do TN → restante vendida em ordem de prioridade
(favorecendo bens essenciais); e ii) de importações (1948): concessão de licença

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A. M. Modenesi 9/3/2005

de importação de acordo com lista de prioridades] ⇒ bem sucedido: ↓


importações (área conversível); (2) recessão americana → ↓ preço dos
importados; (3) fim acordo Interamericano de Café (impunha teto para o preço) →
⇑ preço café} ⇒ ⇓ déficit com a área conversível.

“Os controles cambiais e de importações... começam a ser estabelecidos em junho de


1947, com a instituição do regime de controle de câmbio por cooperação, segundo o qual
os bancos autorizados a operar em câmbio eram obrigados a vender ao Banco do Brasil
30% de suas compras de câmbio livre à taxa oficial de compra. Atendidos os
compromissos do governo, o Banco do Brasil fornecia câmbio de acordo com escala de
prioridades que favorecia a importação de produtos essenciais. O controle instituído não
foi rigoroso e a crise cambial não provocou imediata revisão do pensamento econômico do
governo... Apenas em fevereiro de 1948 foi adotada a primeira forma do sistema de
contingenciamento a importações, baseado na concessão de licenças para importar de
acordo com as prioridades do governo; tal sistema iria permanecer até a liberalização
ocorrida no início do governo Vargas, e, na legislação, até a instrução 70, em outubro de
1953” (p. 111)

• Controle cambial/de importações ⇒ [i) ⇓ déficit comercial (notadamente com


área conversível); ii) incentivo ISI (endossa Furtado)]. Progressivamente
utilizado como instrumento de política industrial (promover ISI).

“Analisando em função de sua capacidade de reduzir o déficit com a área conversível, o


sistema de licenciamento de importações funcionou a contento” (p. 111).

“Embora o sistema de controle de importações tenha sido instituído em 1947 com o


intuito exclusivo de fazer frente ao desequilíbrio externo, procurando racionar e dar
melhor uso à moeda estrangeira disponível, terminou por ter grande importância para o
crescimento da indústria no pós-guerra. ...o controle teve diferentes fases através das
quais foi sendo crescentemente utilizado com a finalidade de promoção do
desenvolvimento industrial por substituição de importações” (p. 114).

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A. M. Modenesi 9/3/2005

• “Lei do similar nacional”: contingenciamento da importação de bens que


competiam com a produção doméstica ⇒ Final da 2ª fase processo ISI (1939-45)
e transição para 3ª fase (a partir de 1956): substituição de importação de bens de
consumo duráveis.

“...na medida em eram apreendidos os efeitos do contingenciamento sobre as


importações de bens duráveis, parecia surgir uma nova mentalidade: embora ‘o texto
legal que instituiu o regime de licença prévia não estabelecesse explicitamente o
princípio da proteção à indústria, reconhecia e consagrava, no caso de serem
semelhantes ou equivalentes os produtos importados e os de fabricação nacional, a base
das restrições ao licenciamento de importações’. Mantinha-se a taxa de câmbio
sobrevalorizada e progressivamente impunha-se medidas discriminatórias à
importação de bens de consumo essenciais e com similar nacional; daí resultou um
estímulo considerável a implantação interna de indústrias substitutivas desses bens de
consumo, sobretudo os duráveis, que ainda não eram produzidos dentro do país e passaram
a contar com uma proteção cambial dupla, tanto do lado da reserva de mercado quanto
do lado do custo de operação. Esta foi basicamente a fase de implantação das indústrias de
aparelhos eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável” (. P. 114-5).

• {(1)controle cambial/importação ⇒ [efeitos: i) subsídio: preço de bens capital e


insumos importados relativamente menor (sobrevalorização); ii) protecionista:
reserva de mercado (impossibilidade de se importar determinados bens que
competiam com o similar nacional); e iii) lucratividade: rentabilidade produção
ISI aumentou em relação rentabilidade produção para exportação (exceção:
café)]; (2) ⇑ crédito real do BB à indústria (1947: 38%, 1948: 19%, 1949: 28% e
1950: 5%)} ⇒ incentivo ISI.

“Pode-se apontar a existência de três efeitos relacionados à combinação de taxa de câmbio


sobrevalorizada com controle de importações. Efeito subsídio, associado a preços
relativos artificialmente mais baratos para bens de capital, matérias primas e
combustível importados. Efeito protecionista, através das restrições às importações de

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A. M. Modenesi 9/3/2005

bens competitivos [como a produção doméstica]. Efeito lucratividade, resultante do fato


de que a taxa de câmbio sobrevalorizada tendeu a alterar a estrutura das rentabilidades
relativas em comparação com a produção para exportação” (p. 115).

“...esses investimentos em substituição de importados foram possíveis, também, graças à


política de crédito do Banco do Brasil. O crédito real à industria cresceu 38%, 19%, 28%
e 5% nos anos de 1947, 1948, 1949 e 1950” (p. 116).

• Expectativa de assistência financeira dos EUA em retribuição à participação na II


guerra não se materializa.

“O Governo Dutra havia apoiado os projetos de desenvolvimento do país nas suas


esperanças de captação de recursos externos através da assistência financeira oficial
dos Estados Unidos e no futuro afluxo de capitais privados internacionais. Desde o
imediato pós-guerra, entretanto, os interesses e a posição norte-americana sobre a
industrialização no Brasil mudam completamente e começa a tornar-se
progressivamente clara a natureza ilusória das expectativas brasileiras com relação à
assistência financeira norte-americana” (p. 117).

2) Controvérsia: relativiza a concepção de que houve uma interrupção na tendência


de ampliação da intervenção estatal ⇐ [1) princípios liberais orientadores do
governo (política econômica); 2) incentivos ISI: i) controles de câmbio/importação;
ii) crédito do BB].

“É preciso relativizar, portanto, a idéia de que o Governo Dutra abandonou as políticas


de governo e ações diretas voltadas para a promoção do desenvolvimento industrial. Na
verdade, o Governo Dutra revela, de certo modo, sua preocupação em dar segmento à
acumulação [de capital] industrial e à manutenção dos investimentos iniciados no
Estado Novo (particularmente a CSN). Isso se revela tanto no momento em que libera as
importações – entre outras razões para satisfazer à demanda reprimida de bens de
capital e matérias-primas da indústria – como após a instalação do controle, quando

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A. M. Modenesi 9/3/2005

este evolui paulatinamente no sentido de introduzir critérios de seletividade. Quando o


controle foi criado, não se visava nem percebia sua importância para o processo de
industrialização” (p. 116).

• Plano Salte (única tentativa de intervenção planejada do Estado na economia):


plano de investimentos (1949-53) em saúde, alimentação, transporte e energia.

“A única tentativa de intervenção planejada do Estado para o desenvolvimento


econômico, porém, foi o Plano Salte, tentativa de coordenação dos gastos públicos
visando essencialmente aos setores de saúde, alimentação, transporte e energia,
prevendo investimento para os anos de 1949 e 1953. A principal dificuldade do Plano foi a
inexistência de formas de financiamento definidas” (p. 116).

“Sem procurar negar a indubitável hegemonia das idéias liberais no Governo Dutra, a
relativa negligência com a industrialização do Brasil, nem a deliberada intenção de
diminuir a intervenção do estado na economia (contrapartida da ênfase nas metas de
estabilização e contenção dos investimentos governamentais), é preciso qualificar essas
posições e situá-las no contexto da época, reconhecendo também que o componente
militar da base de sustentação política de Dutra era fundamentalmente o mesmo do
Estado Novo e não havia abandonado suas preocupações estratégicas com o
‘aparelhamento econômico da nação’” (p. 116).

“(...) durante o governo Dutra houve certa tendência a enfraquecer a atuação dos
organismos estatais (principalmente no rumo da industrialização): isso respondia,
afinal, à inspiração liberal desse governo” (Saes, p. 156).

3) [i)financiamento do BB às indústria; ii)desequilíbrio fiscal dos estados;


iii)reversão na política econômica (1949): abandono da ortodoxia monetária e
fiscal] ⇒ inflação.

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A. M. Modenesi 9/3/2005

• Reversão na política econômica: i) ortodoxa (até 1949): austeridade monetária e


fiscal ⇒ combater inflação (principal problema); ii) expansionista.

“A política econômica doméstica do Governo Dutra pode ser definida até 1949, como
marcadamente ortodoxa. A inflação que chegara a 20% e 15% em 1944 e 1945,
respectivamente é identificada como principal problema a ser enfrentado e diagnosticada
como derivada do excesso de demanda a ser eliminado através de política monetária
contracionista que reduzisse o dispêndio privado e de política fiscal austera que acabasse
com os déficits orçamentários que vinham se acumulando nos últimos 20 anos” (p. 119).

“A política monetária, contudo, foi pressionada pela expansão do crédito do Banco do


Brasil(...) voltado principalmente para o financiamento da indústria” (p. 120)

“(...) em função da ampliação de margem de autonomia estadual(...) conferida pela


Constituição liberal de 1946, os desequilíbrios financeiros dos estados passaram a ter
importância crescente, fazendo com que, em 1947 e 1948, os déficits dos orçamentos
estaduais superassem em muito os superávits da União(...)” (p. 120).

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A.M. Modenesi 9/3/2005

V – II VARGAS (1951-54)

Besserman Vianna

Sinopse

1) Projeto de Governo: i) estabilização; ii) industrializante


2) Crise cambial (1952) ⇒ i) atrasados comerciais; ii) controle de importações
3) Lei do Mercado Livre e Instrução 48 da SUMOC: taxas múltiplas de câmbio
4) Instrução 70 da SUMOC: leilões cambiais e fim dos controles quantitativos

• Herança de Dutra: i) retomada da inflação; ii) desequilíbrio fiscal; iii)


expectativa favorável quanto ao preço do café; e iv) apoio financeiro norte-
americano.

“As iniciativas governamentais no campo econômico nesse período só são


compreensíveis a partir de dois condicionantes. Por um lado, a conjuntura herdada do
governo Dutra. Esta pode ser sumariada, no setor interno, pela retomada do processo
inflacionário e pela recorrência do desequilíbrio financeiro do setor público e, no
setor externo, pelas expectativas favoráveis com relação ao preço do café e da
mudança de atitude do governo norte-americano com relação ao financiamento dos
programas de desenvolvimento do Brasil. Por outro lado, e esse é o ponto
fundamental, a política econômica foi determinada por em consonância com um
projeto de governo bem definido, que tornava possível a articulação e a hierarquização
de forças e interesses divergentes em torno da ação governamental” (p. 123)

1. Projeto de Governo:
1) estabilização de preços ⇐ [i) equilíbrio fiscal → ii) política monetária
contracionista];
2) industrializante (empreendimentos) ⇐ [capital externo: financiar projetos de
infra-estrutura].

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A.M. Modenesi 9/3/2005

“O projeto consistia, em linhas gerais, em dividir o governo em duas fases: na primeira


haveria a estabilização da economia, o que na visão ortodoxa das autoridades econômicas
de então, consistia fundamentalmente em equilibrar as finanças públicas de modo a
permitir a adoção de uma política monetária restritiva, e dessa forma, acabar com a
inflação. A segunda fase seria a dos empreendimentos. O projeto sustentava-se, portanto,
sobre duas pernas: o ‘saneamento econômico-financeiro’(...) e o afluxo de capital
estrangeiro para financiar os projetos industriais de infa-estrutura” (p. 123-4).

• Projeto industrializante: eliminação dos pontos de estrangulamento na infra-


estrutura: energia e transporte ⇐ [i)Plano Rodoviário Nacional, Plano Nacional de
Eletrificação, Programa do Petróleo Nacional → PETROBRAS (1952); ii)BNDE
(1952)].

“A política industrializante do segundo governo Vargas teve, como componente


principal, a superação de pontos de estrangulamento que emergiram ao longo das duas
décadas anteriores. A atenção dirigiu-se, em particular, para energia e transportes, áreas
em que prevaleceu progressivamente o investimento público” (Saes, p. 147).

• CMBEU (Comissão Mista Brasil-Estados Unidos) (1951): [i) elaboração de projetos


em infra-estrutura (pontos de estrangulamento); ii) financiamento pelo Banco
Mundial e Eximbank] ⇒ permitia execução projeto industrializante sem comprometer
a austeridade da política econômica.

• Em linha com interesse do Presidente dos EUA, Truman (partido democrata).

“(...)a vitória de Getúlio Vargas nas eleições de outubro de 1950, parece ter acelerado a
disposição norte-americana de colaborar com o vasto programa de equipamento e
expansão de setores de infra-estrutura básica que o governo brasileiro vinha propondo
insistentemente desde o final da guerra. Assim é que(...) foi constituída a Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos, que iniciou suas atividades em 1951 e que representava uma
mudança qualitativa fundamental na posição norte-americana, na medida em que se

92
A.M. Modenesi 9/3/2005

propunha a elaborar projetos concretos que deveriam ser financiados por instituições
como o Banco de exportações e Importações (Eximbank) e o Banco Interamericano de
Reconstrução e desenvolvimento (Banco Mundial)(...). A CMBEU era fundamental para
o sucesso da segunda fase do projeto do governo por duas razões: primeiro porque o
financiamento dos projetos por ela elaborados pelo Banco Mundial e pelo Eximbank
asseguraria a superação de gargalos na infra-estrutura econômica(...). Segundo, porque o
afluxo de capital permitiria(...) que se cumprisse a fase de realizações e
empreendimentos sem prejuízo de uma política econômica austera e ortodoxa” (p.
124).

• [Perspectivas animadoras quanto ao desempenho do setor externo: i)


colaboração norte-americana (CMBEU); ii) ↑ preço café] ⇒ i) taxa de câmbio
fixa e moeda sobrevalorizada; ii) flexibilização do sistema de concessão de
licenças para importação (primeiros sete meses).

“(...)as perspectivas da economia, do ponto de vista das transações com o exterior, eram
animadoras. Além do novo quadro de relações com os Estados Unidos, consubstanciado
na formação da CMBEU, a situação das transações comerciais externas também era
favorável, graças à elevação do preço internacional do café, em 1949. (...)dois primeiros
anos do Governo Vargas manteve a taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada e o regime de
concessão de licenças para importar. Houve entretanto, extremo relaxamento na política
de concessão dessas licenças nos primeiros sete meses de governo. Essa orientação foi
sendo modificada, progressivamente, na medida em que ficam evidentes os graves
desequilíbrios acarretados na balança comercial” (p. 125).

• [i) Pressão inflacionária; ii) crise de abastecimento (demanda reprimida) de


produtos importados; iii) guerra da Coréia → perspectiva de restrições no
fornecimento de matérias-primas e equipamentos importados] ⇒ flexibilização do
sistema de concessão de licenças para importação (primeiros sete meses).

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“(...) a extensa liberalização na política de concessão de licenças para importar deve ser
explicada com base nos seguintes fatores conjunturais (na ordem de importância): ‘(i)
persistência de séria pressão inflacionária e de queda da propensão a importar... (ii)
abastecimento precário do mercado interno, no que tange à produtos importados,
devidos ás restrições cambiais e de importações aplicadas com crescente severidade
desde 1948 até meados de 1950, e afrouxadas apenas parcialmente em fins de 1950, (iii)
perspectiva de crescente escassez de matérias-primas e equipamento importável, em
função da expansão dos programas armamentistas, (iv) perspectivas favoráveis da
evolução das exportações dos principais produtos, (v) posição cambial temporariamente
favorável” (p. 126).

• [i) ↑ base monetária; ii) oferta agregada insuficiente e dependente de importações


(oferta inelástica)] ⇒ inflação.

“O importante papel anti-inflacionário atribuído à expansão das importações é


facilmente compreensível no contexto do ortodoxo pensamento econômico das
autoridades da época. A inflação era explicada pela expansão dos meios de pagamento
que, no caso brasileiro, chocava-se com uma oferta relativamente inelástica no mercado
interno agravada pela escassez de oferta de bens de produção que tornava a melhoria
de produtividade dependente de importações” (p. 126)

• ⇓ reservas internacionais conversíveis (março/1951: US$ 162 milhões; julho/1951:


US$ 43 milhões) ⇒ processo de enrijecimento do controle (licenciamento) de
importações (agosto/1951 e 1952).

“O impacto sobre a posição cambial foi violento no tocante à redução das reservas em
moedas conversíveis, o que se explica pela necessidade de financiar nessas moedas a
maior parte dos encargos do balanço de pagamentos referentes à conta de serviços e
capitais. (...). Em 1 de agosto de 1951 o Conselho da superintendência da Moeda do crédito
(SUMOC) define instruções para que a CEXIM reintroduzia um regime mais severo de
licenciamento” (p. 126).

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A.M. Modenesi 9/3/2005

2. {1) defasagem entre a concessão e efetivação de licenças (duram 6-12 meses)


→ importações anteriormente licenciadas se efetivaram; 2) ↑ importação
de trigo dos EUA ← quebra de safra na Argentina; 3) ↓ exportações (exceto
café) ← [i) sobrevalorização cambial; ii) crise indústria têxtil → ↓exportação
de algodão (2º produto da pauta)])} ⇒ colapso cambial (1952) ⇒ atrasados
comerciais ⇒ empréstimo junto ao Eximbank.

“O que tem iludido muitos observadores da balança comercial brasileira nesse período é a
defasagem existente entre a política de licenciamento do governo e as importações
efetivadas, derivada do fato de as licenças possuírem vida útil entre seis (para bens
supérfluos) e doze meses (para bens de produção), exigindo prazo extenso para que as
decisões de restringir a concessão de licenças se refletissem nas estatísticas ce importação”
(p. 127).

“A crise cambial de 1952, portanto, tem origem na perda temporária de controle sobre o
comércio exterior decorrente da defasagem existente entre a concessão de licenças e a
efetivação das importações e em uma série de fatos não previstos pelas autoridades
econômicas, tais como a crise na indústria têxtil mundial e a conseqüente queda
vertiginosa das exportações de algodão, a forte retração das demais exportações (com
exceção do café), o gasto de dólares na aquisição de trigo dos Estados Unidos por causa
da quebra da produção Argentina, despesas adicionais com fretes e imposição de
sobrepreços nas importações como conseqüência dos atrasados comerciais (chegando à
vezes a 25%). O baixo nível de influxo de capital estrangeiro não ajudou a minorar as
dificuldades. A crise cambial correspondeu a um fratura de uma das pernas que deveria
sustentar o projeto(...)” (p. 128).

• Descompasso entre a contenção monetário-fiscal e a expansão creditícia:


autonomia do BB para expandir o crédito.

“A política monetária acompanhando a fiscal, foi também conduzida ortodoxamente. A


política creditícia do governo, entretanto, moveu-se na direção contrária. A conjugação

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A.M. Modenesi 9/3/2005

da multiplicidade de funções próprias do Banco do Brasil nesta época com visão


econômica distinta da ortodoxa(...) fizeram com que a redução dos empréstimos do
Banco do Brasil ao Tesouro Nacional (e ao sistema bancário comercial), autorizada pelo
superávit orçamentário, fosse mais do que compensada com a expansão do crédito às
atividades econômicas” (p. 129).

• i) aceleração da inflação: manutenção da tendência de fim do governo Dutra; ii)


crescimento econômico.

Tabela V.1 – Taxa (%) de crescimento do PIB (real) e de Inflação


Ano Inflação (IPC) PIB (real)
1951 12,1 4,9
1952 17,3 7,3

• [i) liberalização das importações (até 07/1951); ii) sobrevalorização cambial→


importações relativamente mais baratas; iii) ↑crédito (BB)] ⇒ ⇑ Investimentos
(1951-2).

“(...)elevadas taxas de investimento, fomentadas pela liberalização de importações com


taxa de câmbio sobrevalorizada e ajudadas pela expansão do crédito no período. São
alteradas significativamente as participações dos setores privado e público (em favor do
primeiro) nos investimentos” (p. 131).

• {[i) colapso cambial; ii) fracasso no combate inflacionário] ⇒ [1) fracasso da


primeira fase (estabilização); 2) não materialização ajuda financeira dos EUA]} ⇒
abandono do projeto ⇒ i) manutenção da busca pela estabilização econômica; e
ii) reforma ministerial.

“No início de 1953, a conjuntura econômica estava dominada pelo colapso cambial do
país. Com atrasados comerciais acumulados em mais de US$ 600 milhões e sem ter
obtido êxito na redução da inflação em relação aos níveis existentes quando do começo do

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A.M. Modenesi 9/3/2005

governo, o projeto de ‘sanear a situação econômico-financeira’, para em seguida dar início


a uma fase de empreendimentos, parecia sofrer fortes abalos. (...)o panorama das relações
internacionais brasileiras modificava-se por completo com a vitória do Partido
Republicano e do general Eisenhower nas eleições de fins de 1952 e com a mudança na
postura do Banco Mundial para com o Brasil” (p. 131).

“A idéia de um segunda fase do governo (a fase Rodrigues-Alves, de realizações) apoiava-


se na estabilização da economia e na ajuda financeira internacional, consubstanciada no
acordo da CMBEU. Ao longo do primeiro semestre de 1953, esses dois pilares ruíram, o
que juntamente com movimentos sociais crescentemente mobilizadores e reivindicadores e
coma a reacomodação política derivada das eleições municipais de maio de 1953, levou o
governo ao abandono do projeto inicial, à decisão de sustentar o propósito de
estabilização da economia e a uma reforma ministerial que visava recompor as bases de
sustentação do governo” (p. 131).

• [i) mudança de governo nos EUA (Eisenhower); ii)conflito entre Banco Mundial
e Exinbank; iii)colapso cambial → atrasados comerciais → mudança de atitude
do Banco Mundial] ⇒ fechamento da CMBEU (1953).

• Minimiza a importância da “virada nacionalista”: i) remessa de lucros; ii)


monopólio do petróleo (PETROBRÁS).

“As causas que determinaram o encerramento da CMBEU e a interrupção do


financiamento de seus projetos não devem ser buscadas numa suposta ‘virada
nacionalista’ do governo. De fato, as causas decisivas foram: a mudança de governo dos
Estados Unidos; a tentativa do Banco Mundial exercer uma função tutorial sobre a
política econômica dos países demandantes de crédito, assim como o conflito entre esta
instituição e o Eximbank(...) e o colapso cambial do país que forneceu o pretexto para a
mudança de atitude do Banco Mundial” (p. 132).

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A.M. Modenesi 9/3/2005

• Empréstimo junto ao Eximbank (US$ 300 milhões): financiar os atrasados


comerciais.

3. Lei do mercado livre (1.807/jan.) e instrução 48 da Sumoc (1953): taxas


múltiplas de câmbio ⇒ categorias: (1) livre limitado (desvalorizada):
i)exportações gravosas (valor parcial: 3 categorias), ii)importações não
essenciais, iii)transações financeiras; (2) oficial (sobrevalorizado):
i)importação essenciais, ii)operações oficiais; iii)exportação (café, cacau e
algodão), iv)rendimentos de capital.

“(...)na prática ele institui o sistema de taxas múltiplas de câmbio, algumas das quais
flutuantes” (p. 134).

“Os objetivos a serem alcançados no comércio exterior com a Lei do Mercado Livre eram
claros: primeiro, possibilitar o escoamento da exportação dos gravosos [baixa
competitividade], sem prejuízos na receita cambial obtida com produtos de demanda
inelástica em relação ao preço e que estavam obtendo altas cotações no mercado
internacional (café e cacau, a inclusão do algodão nesse grupo suscitou polêmica).
Segundo, reduzir a propensão a importar através do deslocamento para o mercado
livre, de cerca de um terço do valor total das importações, substituindo, dessa forma,
parte da limitação das importações através da licença prévia” (134-5).

• Resultados: [i) ↓ importação; ii)exportação de gravosos não reagiu; iii)


↓exportação de café] ⇒ ↑ atrasados comerciais ⇒ suspensão do empréstimo
junto ao Eximbank.

“A maior fonte de desestabilização, contudo, estava na situação cambial do país. O


principal objetivo da Lei 1.807 não foi alcançado: o desempenho das exportações
brasileiras piorou, tendo seu valor se reduzido 11% no primeiro semestre de 1953 em
relação a igual período de 1952 (que , como se sabe, já havia sofrido redução em relação a
1951)” (p. 136).

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A.M. Modenesi 9/3/2005

“(...)se, por um lado, as exportações de gravosos não reagiram à desvalorização cambial


com que foram beneficiadas(...)e, por outro, caíram as exportações de café em função do
movimento concomitante de exportadores (que retinham estoques) e compradores (que
retardavam a realização de negócios), ambos na expectativa da desvaloriazação cambial
também para o café. (...). Apesar da grande redução das importações no primeiro
semestre de 1953, a evolução pouco favorável das exportações fez com que os atrasados
comerciais continuassem a aumentar” (p. 136).

4. Instrução 70 da SUMOC (out/1953): leilões cambiais e fim dos controles


quantitativos.

“Dois eram os problemas centrais: a situação cambial e o financiamento do déficit


público sem emissão de moeda e expansão do crédito. Com uma única reforma, o
governo equacionou os dois problemas. Esse era o objetivo da Instrução 70 da SUMOC(...).
(...). O monopólio cambial do Banco do Brasil foi restabelecido e a ele deveriam ser
obrigatoriamente vendidas ou repassadas pelos bancos autorizados a operar em câmbio as
reservas provenientes das exportações. O controle quantitativo das importações também
foi extinto e substituído pelo regime de leilões de câmbio” (Besserman, p. 139).

“(...)as importações foram classificadas em cinco categorias, de acordo com o critério de


maior ou menor essencialidade. Isso terminava por ter efeito de proteção à indústria, na
medida em que o surto de investimentos dos anos anteriores permitia esperar que a
produção doméstica tornasse certas importações industriais menos essenciais” (p. 139).

Importação: i)5 categorias de acordo com grau de essencialidade: leilões; ii)preferencial


(petróleo, importações dos 3 níveis de governo): oficial + sobretaxas fixas; iii)oficial
(sobrevalorizada: Cr$18,50/US$): trigo e material de imprensa.

Exportação: (Banco do Brasil monopólio compra divisas): café: oficial + Cr$ 5,0/US$; ii)
demais: oficial + Cr$ 10,0/US$; iii)movimento de capital: livre.

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A.M. Modenesi 9/3/2005

• Resultados: i)avanço na desvalorização → mudança pauta importações:


desestímulo produtos de baixa prioridade ⇒ estímulo industrializante; ii)eliminou
corrupção na concessão de licenças → mais eficiente; iii) ↑arrecadação tarifária: cunha
cambial (diferença entre a o valor pago aos exportadores e a o valor recebido dos
importadores) creditada no “Fundo Ágio e Bonificações”; iv)à médio prazo
desestímulo exportações: taxa defasada em relação inflação.

“Do lado das importações, as taxas múltiplas de câmbio através do sistema de leilões,
permitiram amplas desvalorizações cambiais que vieram substituir o controle de
importações como instrumento para o equilíbrio da balança comercial, e manutenção de
uma política de importação seletiva(...) de acordo com o critério de essencialidade e, por
conseqüência, de proteção à produção industrial doméstica. Além disso, o recolhimento
dos ágios vaio constituir importantíssima receita para a União(...)” (p. 141).

“Com relação à cunha fiscal, os recursos obtidos com a arrecadação dos ágios
decorrentes dos leilões de promessa de Venda de Câmbio vieram creditados no Banco do
Brasil(...). Esperava-se – como de fato ocorreu – que essa conta tivesse saldo positivo
elevado” (p. 141).

“A Instrução 70 da SUMOC pode ser vista como uma medida temporária objetivando
aliviar a situação do balanço de pagamentos. Ao mesmo tempo, ela foi um instrumento de
importância indiscutível no estímulo à industrialização. De fato, pelos seus resultados
ela foi um verdadeiro ‘divisor de águas’ na história da industrialização brasileira(...). As
principais mudanças no sistema cambial introduzidas pela instrução foram as de tornar o
controle do câmbio mais eficiente, eliminar a possibilidade de acumular déficits
comerciais e reduzir práticas ilegais possibilitadas pelo sistema de licenciamento de
importações anteriormente adotado. Como resultado surgiram novas formas de proteção
à indústria doméstica e, ocasionalmente, uma reserva de mercado para novos setores
industriais. A instrução estabelecia a venda pública do câmbio para importadores de
acordo com cinco categorias de bens, que eram sobretaxados diferentemente. Estas
sobretaxas eram determinadas em leilões de divisas estrangeiras nos quais as autoridades

100
A.M. Modenesi 9/3/2005

monetárias ofereciam blocos de moeda externa por categoria importada, de acordo com
a disponibilidade de cambiais. Alguns bens não participavam dos leilões: importações
para empresas do governo, trigo, papel de imprensa, petróleo e seus derivados. Estes
produtos eram submetidos ao custo de câmbio, que correspondia aproximadamente à taxa
média de exportação. O sistema de taxas de câmbio diferenciadas e obtidas em leilões
penalizava as importações de supérfluos e estimulava as importações de bens de
capital e intermediários” (Bonelli, 109).

“Assim, os principais resultados do sistema de taxas de câmbio múltiplas – que vigorou


até a adoção da lei de tarifas (1957), quando passou a ter apenas duas categorias – a
afetaram diversas esferas e, sobretudo, a industrial. Primeiro, assinale-se o progresso
representado pela desvalorização da taxa de câmbio em condições de inflação, o que
permitiu uma proteção mais efetiva no caso dos bens classificados nas categorias com
ágios mais elevados. Além disso, permitindo a mudança na estrutura de importações em
favor de bens considerados essenciais, o novo sistema proporcionou proteção ao
desenvolvimento de certos setores industriais, canalizando recursos em sua direção”
(Bonelli, 109-10).

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

VI – CAFÉ FILHO (1954-55)

Pinho Neto

Sinopse
1) Instrução 113 (jan/1955): busca de equilíbrio externo ⇒ importação de
equipamentos sem cobertura cambial.

• ⇓ preço do café (1954: 60% das exportações) ⇒ grave crise cambial ⇒ busca do
equilíbrio externo: principal objetivo de política econômica.

“(...)seria crucial para a negociação em termos favoráveis dos vultuosos compromissos


externos e o conseqüente desafogo da grave situação cambial pela qual passava a
economia brasileira. Esta viria a ser a prioridade mais imediata de política econômica”
(p. 152).

“Com o colapso dos preços do café e a conseqüente contração das exportações do


produto após meados de 1954, enfrentava o país uma grave crise cambial, pois esse era
responsável por cerca de 60% das exportações brasileiras” (p. 152).

• Eisenhower: postura de não cooperação financeira com a América Latina ⇒


impossibilidade de financiamento junto a fontes oficiais ⇒ [i) pequeno
empréstimo junto a fontes oficiais (FED): US$ 80 milhões e renovação de US$
80 milhões; ii) empréstimo com bancos privados: US$ 200 milhões] ⇒ aliviava
o BP apenas no curto prazo ⇒ necessidade de medida para reequilibrar o BP
no longo prazo.

“(...)o problema de financiamento da América latina seria resolvido por fluxos de capitais
privados e não por auxílio econômico do governo americano” (152).

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

1. Instrução 113 (55): busca de equilíbrio externo ⇒ [Cacex concedia licença de


importação de equipamentos sem cobertura cambial → atração de capitais
externos sem pressionar o mercado cambial].

• Favorecia a entrada de capital externo (IDE) ⇒ processo de


internacionalização economia brasileira ⇒ boons de crescimento de 1956-62
e 1968-73.

Importação sem cobertura cambial: não passa pelas reservas → não pressiona a
taxa de câmbio (Importação: (–); Investimento Direto: (+)).

“Não obtendo o sucesso na negociação de crédito externo com as instituições oficiais,


restava ao governo café-filho implementar políticas que lograssem desafogar o balanço
de pagamentos no longo prazo, uma vez que o empréstimo contraído com os bancos
privados resolvia apenas os problemas cambiais imediatos. (...). É sob esse prisma que
deve ser vista a instrução 113 da SUMOC, de 27 de janeiro de 1955. Por meio desta
ficava a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex) autorizada a emitir
licenças de importação sem cobertura cambial para equipamentos(...)” (p. 153).

“Uma das mais importantes medidas tomadas na época foi a Instrução 113 da SUMOC
(de 1955) que favorecia a entrada de capital estrangeiro na forma de investimentos
diretos e que, como tal, foi o primeiro documento a incentivar claramente a instalação
de empresas estrangeiras na indústria. (...). Nos termos em que foi estabelecida, a
Instrução 113 era muito mais vantajosa para as empresas estrangeiras do que para as
empresas nacionais. Nesse sentido, o documento também constitui uma peça chave para
a compreensão do ‘processo de internacionalização’ que caracterizou os boons
industriais de 1956-62 e de 1968-73” (Bonelli, 109).

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

• Gudin: [déficit público → ↑ base monetária → inflação] ⇒ i) austeridade


fiscal e contração monetária e creditícia; ii) utilização da cunha cambial
(Instrução 70) no financiamento (não inflacionário) do déficit público.

“Identificando o déficit público e a resultante expansão monetária como os principais


responsáveis pelo processo inflacionário, o programa de estabilização de Gudin
continha basicamente dois elementos: austeridade fiscal e contração monetário-
creditícia” (p. 155).

“Uma peça fundamental na viabilização do programa contracionista de Gudin era o


regime implementado pela Instrução 70 da Sumoc, pelo qual o Estado apropriava-se de
vultuosa receita não-orçamentária decorrente da conta de ágios e bonificações. Tal
receita permitia ao ministro o financiamento de parte significativa dos gastos do
governo, sem ser necessária qualquer expansão da base monetária” (p. 156).

• Crise de liquidez ⇒ i) mini corridas bancárias (fim de 1954 e meados de 1955);


ii) ↑ falências; e iii) ↓ investimento.

“(...) o período correspondente a gestão Gudin testemunhou um dos mais ortodoxos


programas de estabilização da história econômica contemporânea. A crise de
liquidez gerada por contração de tal monta, iria manifestar-se já em novembro de 1954
com a liquidação de dois bancos paulistas e subseqüente corrida aos pequenos e
médios bancos, resultando em operações de redesconto de emergência, fato que seria
repetido em maio de 1955” (p. 157).

• Whitaker: reversão da política econômica ⇒ [1)afrouxe monetário ⇒


financiamento atividades produtivas; 2)reforma cambial (Campos (BNDE) e
Bernstein (FMI)): i) unificação cambial e taxas flutuantes; ii) eliminação gradual da
cunha cambial].

104
MODENESI, A.M. 3/9/2005

Diagnóstico: processo de ISI ⇒ desincentiva exportações (sobrevalorização) ⇒


perpetua o desequilíbrio externo. Frustrada ⇒ vitória dos defensores da ISI.

“(...)como um fiel seguidor da real bills doctrine, acreditando não serem inflacionárias
emissões que destinassem aos setores produtivos, ao contrário das que resultassem do
financiamento do déficit do governo. Entendia o ministro que, com o orçamento do
governo já em plena execução, tudo que podia fazer era ‘tentar não aumentar’ a taxa
inflacionária, sempre concedendo prioridade à liquidez das atividades produtivas,
como pode ser notado pelas taxas de expansão do crédito” (p. 158).

“(...)a opinião de Campos sobre este assunto refletia a visão da comunidade financeira
internacional de que o processo de substituição de importações (...) ao desincentivar a
diversificação das exportações através de taxas cambiais sobrevalorizadas, perpetuava
o desequilíbrio no balanço de pagamentos. Neste sentido qualquer reforma seria
incomp0leta se não efetuasse uma razoável desvalorização cambial e procedesse à
unificação das taxas” (p. 160).

“(...) a rejeição da reforma cambial Whitaker-Campos-Bernstein significava a


derrota de uma determinada visão do processo de desenvolvimento econômico e em
alguma medida a opção, que torna-se-ia mais explícita no governo Kubitschek, de
intensificar e aprofundar o processo de industrialização através da substituição de
importações” (p. 162).

• Continuidade na condução da política econômica (interna e externa) ⇒ não houve


inflexão.

“Não procedem, portanto, as análises que situam o governo Café Filho como ponto de
inflexão, seja quanto à política econômica doméstica, seja quanto as relações
econômicas externas perante o capital estrangeiro” (p. 165).

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

VII – KUBITSHEK (1956-60)

Orenstein e Sochaczewski

Sinopse
1) Reforma cambial (1957): simplificar e modernizar o regime cambial.
2) Plano de Metas: i) industrialização; ii) comprometimento do setor público;
iii)estrutura industrial integrada.
3) Desenvolvimentismo: i) crescimento econômico (industrialização):
prioridade; ii) estabilização de preços: secundária.
4) Programa de Estabilização Monetária (PEM): fracasso.

• Política cambial (anos 1950): principal instrumento de política econômica.

“No início da década de 1950, a política cambial consistia no principal, senão único,
instrumento de política econômica à disposição do setor público. As manipulações na
taxa de câmbio e a imposição de quotas, tarifas e impostos de importação e exportação,
formavam o conjunto principal de estratégias operacionais dos gestores de política
econômica” (p. 171).

• Manutenção da essência do regime de taxas múltiplas de câmbio até 1957 (apesar


das inúmeras Instruções da SUMOC).

“A evolução da economia brasileira na década de 50 e até meados da década de 60 foi


marcada por modificações profundas na política cambial, e cada uma dessas
alterações consistiu um marco decisivo no processo de desenvolvimento econômico. O
regime de taxas cambiais múltiplas(...) foi modificado diversas vezes através de novas
Instruções da Superintendência da Moeda e do crédito (SUMOC), mantendo-se, no
entanto, inalterado em sua essência até 1957” (p. 171)..

106
MODENESI, A.M. 3/9/2005

“Observada de uma perspectiva mais ampla, a reforma cambial de 1953 embora tenha
apresentado resultados imediatos positivos teve seus efeitos amortecidos pela fase
depressiva que atingiu o setor externo brasileiro a partir de 1954 pois os preços do café
caíram fortemente(...). A progressiva diminuição das receitas de exportação, somada à
intensificação do processo substitutivo, comprometia o poder do setor público de orientar
o processo de industrialização. Assim o saldo disponível de divisas, uma vez deduzidos
das receitas de exportação os itens considerados incompressíveis, diminui
progressivamente(...). O espaço de manobra ao alcance do setor público para guiar o
processo seletivo de importações fechou-se gradualmente, eliminando, assim, importante
grau de liberdade na implementação da política econômica. A única solução viável seria a
entrada líquida de capitais autônomos, de modo a compensar o declínio nas exportações.
Esse influxo garantiria, por um lado, desafogo no balanço de pagamentos, de modo a não
interromper a importação de bens essenciais, e por outro, manteria a taxa de
investimentos requerida pela continuação do processo de substituição de importações.
(...)a lei 1.807 e suas posteriores regulamentações estabeleciam incentivos para a entrada
de capital estrangeiro. A regulamentação definitiva foi efetivada em 1954, quando outros
setores, além daqueles definidos na lei 1.807 (energia transporte e educação) foram
qualificados a receber tratamento cambial diferenciado. Esses setores eram selecionados
pela Sumoc com base no critério de seu ‘interesse para a economia nacional’. A limitação
dos subsídios às áreas prioritárias eliminava os incentivos a uma série de setores cuja
rentabilidade era mais elevada do que a dos setores favorecidos. Estes eram subsidiados
exatamente pela ausência de interesse do setor privado, como era o caso da infra-
estrutura, ou porque restrições tecnológicas e/ou de capital impediam o investimento de
capitais domésticos(...) ao permitir a entrada do capital pelo mercado livre e a
correspondente importação pelo custo de câmbio, o resultado líquido da operação era
uma pressão adicional sobre a disponibilidade de divisas. Se por um lado o investimento
era realizado, por outro significava maiores pressões a curto prazo sobre o balanço de
pagamentos, além das futuras remessas de amortizações e dividendos. Complicando
ainda mais a situação o governa tentava sistematicamente forçar para baixo a taxa do
mercado livre (através de grandes vendas de divisas disponíveis ou mesmo, quando a
pressão era alta, através de operações de swaps a pesados custos futuros) dado que a

107
MODENESI, A.M. 3/9/2005

mesma era considerada uma espécie de ‘taxa de equilíbrio’(...). Sendo necessário


modificar o sistema de incentivos, foi introduzida a instrução 113(...). A instrução 113
incluia na lista de setores favorecidos praticamente todos os setores industriais
excetuando-se apenas aqueles que, a critério da Sumoc, fossem ‘notoriamente
supérfluos’. Dada a ausência de uma política de industrialização de longo prazo que
pudesse definir o que era ‘supérfluo’, esse conceito tornou-se bastante flexível. (...).“Não
obstante o crescimento simultâneo das saídas, os fortes ingressos garantiram um
resultado líquido positivo médio da ordem de US$ 200 milhões no período de 1956-61.
(...). Esses números dão a medida real da contribuição do capital estrangeiro à formação
interna de capital. Os montantes de capital ingressados sob a Instrução 113 até dezembro
de 1961 somaram US$ 379,4 milhões para as indústrias básicas e US$ 131,7 milhões para
as indústrias leves. (...) a Instrução 113 foi um poderoso instrumento para atrair
capitais sem exercer pressão sobre a disponibilidade de divisas” (p. 171-3).

• Lei de tarifas (57): proteger indústrias nascentes, completando a instrução 113.

1. Reforma de (agosto) 1957: simplificar e modernizar o regime cambial.

(1) substituição das tarifas específicas por ad valorem;

(2.1) categorias de importações: i) Especial: bens de consumo restrito ou cuja oferta


interna fosse satisfatória ⇒ câmbio mais desvalorizado (menos favorável) →
desestimular importação; ii)Geral: bens mais essenciais (matérias-primas,
equipamentos) e com oferta interna insuficiente ⇒ câmbio menos desvalorizado; e
iii) Preferencial bens com tratamento privilegiado (papel, trigo, petróleo,
fertilizantes e equipamentos referentes a investimentos prioritários) ⇒ custo de
câmbio (média da taxa das exportações): câmbio mais valorizado (mais favorável)
estimular importação.

108
MODENESI, A.M. 3/9/2005

Leilões: mantidos para as categorias especial e geral (maior parcela das divisas ⇒
menos desvalorizado). Lógica: ofertar um volume (em relação à demanda) maior
(menor) para o setor que se deseja estimular (desestimular) a importação.
(2.2) exportação: foram mantidas as 4 categorias com bonificações variáveis;
(2.3) movimento de capital: mercado livre (câmbio de equilíbrio: mais
desvalorizado).

(3) Receita do Fundo Ágio e Bonificações (cunha cambial): vinculada a gastos


específicos ⇒ ↓flexibilidade como fonte de recurso tributário.

“O objetivo era, em primeiro lugar, simplificar o sistema de taxas múltiplas de câmbio


e introduzir um sistema de proteção específica por produtos da mesma categoria. Em
segundo lugar, as receitas líquidas das operações cambiais, apropriadas pelo Tesouro
através do Fundo de Ágio e Bonificações gerenciado pelo Banco do Brasil, tinham
vinculações de uso determinado por lei, o que eliminava sua flexibilidade como fonte
de recurso para o setor público. O reajustamento das tarifas, por seu lado, aumentava os
recursos sem vinculação à disposição do Tesouro” (p. 174).

“A reforma resultou na redução das cinco categorias anteriores a duas, a Geral e a


Especial. Através da categoria Geral eram importadas matérias-primas, equipamentos
e bens genéricos que não contassem com suficiente suprimento interno. Pela categoria
Especial eram importados os bens de consumo restrito e os bens cujo suprimento fosse
satisfatório pelo mercado interno. Mantinha-se o sistema de leilões de divisas para
cada categoria, recebendo a categoria geral a maior parte das cambiais. Uma terceira
categoria, não sujeita a leilão, a categoria Preferencial, foi criada para a importação de
bens com tratamento privilegiado – papel, trigo, petróleo, fertilizantes e
equipamentos de investimentos. A taxa paga era pelo menos igual ao câmbio de custo,
isto é, a taxa cambial média paga aos exportadores. Foram estabelecidas tarifas ad
valorem, variando de zero a 150% para cada grupo de produtos similares. Para as
exportações foi mantido o regime de quatro categorias, com bonificações distintas

109
MODENESI, A.M. 3/9/2005

para cada uma. As transações financeiras continuaram a ser operadas através do


mercado livre” (p. 174).

• Estágio avançado do processo ISI (3ª fase: substituição de bens intermediários e de


capital) ⇒ ênfase na importação de bens de capital sem prejudicar (competir com) a
produção doméstica (lei do similar nacional): i) bens de capital: categoria Especial
⇒ reserva de mercado (proteção) para a indústria doméstica; ii) bens de capital-
capital (equipamentos e matérias primas necessários à produção de BK):
Preferencial ⇒ ↓ custo da produção substitutiva de importação de BK.

• ∆ PIB indústria de bens de capital (1955-1960) = 26,4% a.a. ⇐ [criação da


indústria automobilística (equipamentos e veículos e equipamentos de transporte)].

“Uma das principais idéias implícitas foi acelerar a substituição de bens de capital,
diminuindo-se a ênfase dada em anos anteriores à bens de consumo. Esse reorientação
tornou a política de importação coerente com o estágio alcançado pelo processo de
subsituição/industrialização. Na verdade alguns bens de capital foram incluídos na
categoria especial (o que tornou sua importação mais cara) enquanto taxas favoráveis
foram mantidas para a importação (com ou sem cobertura cambial) dos chamados bens
de capital-capital, produtos intermediários, matérias-primas, todos necessários à
produção de equipamentos. A indústria de bens de capital cresceu a uma taxa de
26,4% ao ano entre 1955 e 1960 em grande medida devido ao comportamento do
segmentos ‘equipamentos e veículos’ e ‘equipamentos de transporte’. A reforma de
1957 estabeleceu engenhosos artifícios para compatibilizar a contradição latente entre
a política de prover equipamentos importados a baixo custo e o desejo de estimular a
produção interna. Esses mecanismos incluiam a possibilidade de aplicação de quotas
que assegurassem a isenção ou a redução tarifária para certos produtos(...); a redução
de 50% na tarifa sempre que ficasse comprovada a incapacidade de a indústria
doméstica de prover o produto em quantidade suficiente; e finalmente a aplicação da
lei do “similar nacional” às indústrias que assim o requeressem e provassem estar aptas
a suprir o mercado interno. Havia assim um corpo coerente de disposições para, ao

110
MODENESI, A.M. 3/9/2005

mesmo tempo, subsidiar a importação de bens de capital sem prejudicar a oferta


interna. (...). De um ponto de vista mais amplo, a reforma de 1957 implicou um
aprofundamento do processo de substituição, na medida em que se alcançavam
estágios mais avançados na industrialização” (p. 174-5).

• Conselho de Política Aduaneira (CPA): operar o novo sistema de tarifas ⇒


[i)enquadrar os produtos importados nas categorias; ii) fixar as tarifas (de
importação)].

“Para operar o novo sistema de tarifas criou-se o Conselho de Política Aduaneira (CPA)
com o objetivo de enquadrar os produtos em uma das categorias de importação e
estabelecer as alíquotas que seriam pagas(...)” (p. 174).

• Instrução 167; Instrução 168.

• Estudos da CMBEU e relatório CEPAL-BNDE: i) aceleração do desenvolvimento


econômico dependia da eliminação dos pontos de estrangulamento na infra-
estrutura; ii) não foi implementado ⇒ base para o Plano de Metas.

• Resultados da CMBEU: i) BNDE (1952): principal atribuição era a gestão do Fundo


de Reaparelhamento econômico ⇒ financiar o Programa de Reaparelhamento
Econômico (conjunto de projetos da CMBEU). Após tímida atuação, evidenciou-se a
necessidade de uma revisão da atuação do banco, feita pelo grupo misto CEPAL-
BNDE (1953).

“O relatório do grupo misto CEPAL-BNDDE baseou-se na elaboração de projeções


relativas ao desempenho de vários setores econômicos, baseadas na evolução recente da
economia e na necessidade de acelerar o desenvolvimento econômico. O ponto chave
do relatório foi a definição, uma vez mais, de áreas prioritárias de investimento e a
determinação de pontos de estrangulamento. O programa não chegou a ser

111
MODENESI, A.M. 3/9/2005

implementado, mas o seu mérito está no fato de ter servido de base para o programa
econômico seguinte” (p. 176).

2. Plano de Metas (elaborado e executado pelo Conselho de Desenvolvimento


(1956): subordinado à presidência): i)acelerar o desenvolvimento ⇒
industrialização; ii)total comprometimento do setor público; iii)estrutura
industrial integrada.

Marco história econômica: 1º plano consistente de política industrial (Lessa).

“No início de 1956 foi criado o Conselho de Desenvolvimento, órgão diretamente


subordinado à Presidência da República, encarregado de traçar a estratégia de
desenvolvimento do país. No final do mesmo ano, o conselho formulou um plano de
desenvolvimento atacando diversos objetivos e problemas setoriais, o chamado Plano de
Metas (PM), ‘que constitui a mais sólida decisão consciente em prol da
industrialização da história econômica do país’ (Lessa, 1981). O PM era um plano
qüinqüenal e a maioria de seus projetos estava baseada nos diagnósticos e definições
da CMBEU e dos programas CEPAL/BNDE. Ao contrário dos planos anteriores, no
entanto, o PM foi levado adiante com total comprometimento do setor público. As
áreas de atuação pública e privada ficavam definidas de forma a ‘...realizar as inversões
de capital público em obras de natureza denominada básica ou infraestrutural e...
facilitar e estimular as atividades e investimentos privados’” (p. 176).

“O governo Kubitshek caracterizou-se pelo integral comprometimento do setor


público com uma explícita política de desenvolvimento. Os diagnósticos e projeções da
economia brasileira empreendidos de forma sistemática desde o final da Segunda Guerra
Mundial desembocaram na formulação do Plano de Metas que constituiu o mais
completo e coerente conjunto de investimentos até então planejados na economia
brasileira” (p. 171).

112
MODENESI, A.M. 3/9/2005

“O essencial da lógica do Plano de Metas parece situar-se exatamente na integração dos


objetivos para os diferentes ramos industriais: as metas quantitativas previam, pelo
menos genericamente, as demandas intersetoriais emergentes pela implemantação do
plano. Nesse sentido, não se tratava de uma resposta tópica ao estrangulamento
externo, mas da proposta de se montar uma estrutura industrial integrada” (Saes, p.
148).

“(...) a ação do governo nos anos 50, voltou a ser dirigida para um projeto
industrializante. Certamente, o governo Kubstshek levou adiante esta proposta com o
Plano de Metas. O objetivo de crescer ‘50 anos em 5’ encontrou, nas metas quantitativas
do plano, a referência para adoção de medidas de incentivo ao investimento” (Saes, p.
157).

• Objetivos: 1) investimentos em infra-estrutura: energia e transporte


(principalmente: 71% dos investimentos), indústrias de base (22%) e alimentação
e educação (6%); 2) construção de Brasília; 3) estímulo setor privado; 4)
tratamento preferencial ao capital estrangeiro: a) Instrução 113; b) política
cambial e tarifária.

• Estímulo setor privado: 1)reserva de mercado ⇐ [i) política cambial: a) câmbio


valorizado → estimular importação de equipamentos de setores preferências
(automobilística e naval); b) câmbio desvalorizado → desestimular a
importação do bem que se deseja substituir; ii) tarifária: a)lei do similar →
proibição de importação de bem concorrente com o similar nacional; b) alíquotas
(gravame)]; 2)subsidio creditício: juros negativo fornecido pelo BNDE e pelo
Banco do Brasil; 3)concessão pelo BNDE de avais para obtenção de empréstimos
no exterior; 4) expansão do crédito para financiar o déficit público (secundário);

113
MODENESI, A.M. 3/9/2005

Tabela VII. 1 – Principais Setores Contemplados pelo Plano de Metas: 1955-1960


Setor Metas
Energia elétrica (geração)* ⇑ produção de 3,2 milhões de Kw para 5,2
Obras garantissem aumento de 3,6 milhões de Kw
entre 1961-65
Carvão* ⇑ produção de 2,1 para 3,1 milhões de toneladas
Petróleo* ⇑ produção para 6.000 barris/dia
Ferrovia* Construção de 3.110 Km de linhas
Rodovia* Construção de 13.000 Km
Pavimentação de 5.800 Km
Siderurgia* ⇑ produção de aço bruto de 1,2 milhões de toneladas
para 2,3
Obras para alcançar 3,5 em 1965
Automobilística Instalar a indústria
Produzir 170.000 veículos com índice de
nacionalização de 90%
* Setores de infra-estrutura.

“O plano contemplava investimentos de cinco principais área: energia transporte,


alimentação, indústrias de base e educação. Além dessas uma meta autônoma era a
construção da nova capital do país, cujos gastos não estavam orçados no plano” (p. 177).

“Lessa (1981) sugere que a política econômica implícita no plano continha quatro peças
básicas: 1) tratamento preferencial ao capital estrangeiro; 2) financiamento dos gastos
públicos e privados através de expansão dos meios de pagamento e do crédito
bancário, respectivamente, tendo como conseqüência fortes pressões inflacionárias, 3)
ampliação da participação do setor público na formação de capital; 4) o estímulo à
iniciativa privada” (p. 179).

“Os estímulos às inversões privadas compreendiam vários aspectos. Em primeiro lugar


as reservas de mercado em benefício de bens produzidos no país eram dadas pela
proteção cambial, principalmente depois da reforma de 1957 e pela lei de similares.

114
MODENESI, A.M. 3/9/2005

Como se viu essa lei garantia a total exclusão do produto da pauta de importação caso
sua produção interna fosse em volume e qualidade suficiente para atender a
demanda. Ademais garantia-se câmbio preferencial para a importação de todo o
equipamento destinado a setores prioritários. A industria automobilística e a indústria
naval, por exemplo, situavam-se entre as metas prioritárias e recebiam amplas
preferências para a importação. Um segundo grupo de estímulo à empresa privada
referia-se ao crédito provido pelo BNDE que, juntamente com o Banco do Brasil, supria
recursos de longo prazo a juros baixos e pagamentos sujeitos a carência, o que, na
conjuntura inflacionária significava uma taxa real de juros negativos. (...) Outro
incentivo direto à expansão do crédito ao setor privado dizia respeito aos constantes
déficits de caixa do Tesouro, cujo financiamento através da emissão de moeda
permitia a expansão contínua do crédito nominal dos bancos privados. Finalmente,
outro grande estimulo à empresa privada era a concessão de avais pelo BNDE para
empréstimos contratados no exterior” (p. 179).

• Intervencionismo econômico crescente (década de 50) Ù setor público:


provedor de insumos básicos e infraestrutura ⇒ demanda (autônoma) por
investimentos ⇒ fator de dinamismo econômico (manutenção do ciclo
econômico).

• Estado empresário: i) aço (CSN, Cosipa e Usiminas); ii) petróleo


(PETROBRÁS); ii) minério de ferro (CVRD); iii) soda cáustica (Álacalis); iv)
energia elétrica (CHESF e Furnas); v) transporte ferroviário (RFFSA); vi)
transporte rodoviário (DNER e DERs); vii) navegação de cabotagem (Lloyd
Brasileiro e Cia de Navegação Costeira).

“A tendência geral, que se acelera na segunda metade dos anos 50, foi a de delegar ao
setor público o provimento de insumos básicos (aço e energia, por exemplo) bem com
a criação de infra-estrutura (transporte e comunicação), vital para o processo de
industrialização. Dessa forma, o Estado passou a ter sob seu controle: a produção de
aço(...); a produção e o refino de petróleo(...); a produção e exportação de minério de

115
MODENESI, A.M. 3/9/2005

ferro(...); a produção de soda cáustica(...); crescente envolvimento na produção de


energia elétrica(...); transporte ferroviário(...); navegação de cabotagem(...); controle e
construção de novas rodovias(...). Além de suas atividades tradicionais, o setor
público aumentou substancialmente seu controle sobre o crédito, através do Banco do
Brasil e a comercialização de diversos produtos de exportação como café, cacau,
pinho, mate, açúcar, borracha e sal, entre outros através de autarquias específicas. A
crescente intervenção do governo na atividade econômica não encontrava grande
resistência por parte do setor privado” (182).

“Tais políticas aumentavam a as responsabilidades do governo federal tanto na


crescente distribuição de fundos a cada ano para dar apóio financeiro às suas
empresas, como no investimento de infra-estrutura em áreas onde o setor privado
não podia ser estimulado por causa dos controles de preços. Os recursos mobilizados
em favor da política de tarifas baixas alcançavam cerca de 7 a 8 % do total das receitas.
(...). Dessa forma as despesas correntes cresciam a altas taxas durante o período,
colocando em risco a capacidade de poupança do setor público” (p. 184)

“Os investimentos se concentravam no setor industrial, especialmente na produção


química e mineral, onde se incluíam a produção e refino de petróleo e a extração de
minério de ferro. O setor de transporte e comunicações recebeu a maior parte dos
investimentos a partir de 1958, em conseqüência da formação da RFFSA. O ponto central
a ser observado quanto à participação do setor público diz respeito não somente aos
montantes da mesma mas também aos aspectos qualitativos da mesma. De fato, ao
exercer uma demanda autônoma de investimentos de montante substancial, o setor
público estava em condições de sustentar uma demanda efetiva suficientemente alta
para manter sob controle o ciclo econômico. Tal evidência sugere que o investimento
público se constituía em variável decisiva para a indústria de bens de capital,
mantendo um elevado nível de atividade deste setor até o início da crise dos anos 60”
(p. 184).

116
MODENESI, A.M. 3/9/2005

• ⇑ participação do setor público no investimento (FBCF): ∆ formação de


capital do governo central (mais importante) (1956-61) = + de 15%.

“As restritas disponibilidades de poupança eram obviamente insuficientes para


financiar os requerimentos de formação de capital. É importante observar que durante
o período de 1956-61 a formação de capital do governo central (de longe a mais
importante) cresceu à taxa anual de real de mais de 15%, enquanto as empresas
públicas aumentavam seus gastos em investimento, em 1960-61, em mais de 25% ao
ano” (p. 184)

• Instrumentos de gestão paralela: [i) Grupos Executivos (GEIA: fundamental no


desenvolvimento da indústria automobilística); ii) Conselho de Desenvolvimento] ⇒
coordenação e articulação entre o setor público e o privado.

“(....) a crescente utilização de novos instrumentos de gestão, criados paralelamente à


estrutura burocrática oficial: Conselho de Desenvolvimento, Grupos executivos
Setoriais, Grupos de Trabalho, foram bastante ágeis na articulação dos diversos
agentes públicos e privados envolvidos na articulação do plano” (Saes, p. 157).

• Homem cordial ⇒ i)indisciplina econômico-financeira: política econômica do


homem cordial, incapaz de dizer não, de adequar seus projetos às restrições
orçamentárias ii)rede de distribuição de “rents”: incentivos fiscal, creditício,
tarifário e cambial.

“(...) para atrair o capital estrangeiro que, a um tempo, instalaria os novos ramos
industriais e reduziria as dificuldades no balanço de pagamentos, deu-se tratamento
extremamente favorável aos recursos externos que aqui ingressavam: remessas de
lucro e amortizações a câmbio favorecido, reinvestimentos considerados como
investimento externo (permitindo remessas sobre esses valores), tratamento cambial
prioritário para financiamentos estrangeiros eram algumas medidas para estimular o
influxo de capital estrangeiro para o país. Além disso, uma elevada proteção (com

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

reserva de mercado) garantia alta rentabilidade às atividades industriais que aqui se


instalassem: estimasse que as medidas cambiais e tarifárias teriam dado, à época, uma
proteção média de 167% aos bens de consumo não duráveis, 113% aos bens de
consumo duráveis, 100% aos bens de capital e de 65% aos bens intermediários. Essa
elevada rentabilidade também era acentuada pelos efeitos redistributivos que a inflação
tinha em relação à lucros e salários(...). Em suma houve um amplo conjunto de
estímulos ao investimento industrial no período do Plano de Metas, o que explica o
acelerado crescimento da produção nesses ramos” (Saes, p. 149).

“Era a golden age do modelo rentista explícito respaldado pela complacência


macroeconômica do homem cordial” (Abreu, p. 149).

• Sucesso: todas metas foram praticamente cumpridas ⇒ [i)rápida transformação


da estrutura econômica; ii)crescimento e modernização do setor industrial: ↓
coeficiente de importação; iii)base para solução dos problemas de infra-estrutura]
⇒ grande impulso ao desenvolvimento: crescimento acelerado (56-63).

• Crítica: i) inflação; ii)agravou os desequilíbrios regionais.

“Sem dúvida representou um impulso extraordinário ao desenvolvimento econômico.


A estrutura industrial modificou-se rapidamente com o crescimento do setor
industrial, sua modernização e a implantação de novos ramos. As bases para a
solução dos problemas de infra-estrutura foram lançadas tanto para atender a
demanda imediata como para prever expansões futuras. Os desequilíbrios regionais
foram aprofundados. A construção da nova capital constitui-se em um dos fatores de
êxito do plano, encaminhando a solução para a antiga preocupação de se iniciar a
ocupação da faixa não-litorânea do país” (p. 180-1).

“Estes julgamentos do Plano de Metas afirmam seu sucesso enquanto estratégia de


desenvolvimento industrial; no entanto, também registram seu fracasso no sentido
superar os desequilíbrios preexistentes (que teriam sido até aprofundados) e pelos

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

problemas financeiros (nos planos interno e externo) que gerou pela falta de adequados
mecanismos de financiamento dos investimentos” (Saes, p. 150).

• Desempenho Econômico: melhor do que previa o plano.

Tabela VII.2 – Crescimento do PIB e Inflação: 1957-61


PIB PIB per capita Inflação
8,2% a.a. 5,1% a.a. 22,6% a.a.

Tabela VII.3 – Plano de Metas: Previsão e resultados


Setor Previsão Realizado %
Energia Elétrica (1.000 Kw) 2.000 1.650 82
Carvão (1.000 ton) 1.000 230 23
Petróleo-Produção (1.000 baris/dias) 96 75 76
Petróleo-Refino (1.000 baris/dias) 200 52 26
Ferrovias (1.000 Km) 3 1 32
Rodovias-Construção (1.000 Km) 13 17 138
Rodovias-Pavimentação (1.000 Km) 5 - -
Aço (1.000 ton.) 1.100 650 60
Cimento (1.000 ton.) 1.400 870 62
Carros e caminhões (1.000 unidades) 170 133 78
Nacionalização (carros) % 90 75
Nacionalização (caminhões) % 95 74

• Ausência de mecanismos de financiamento ⇒ inflação.

“O plano resultou numa série de dificuldades não previsíveis ou controláveis. O que de


imediato se percebe é a total ausência de definição dos mecanismos de financiamento
que seriam utilizados para viabilizar um conjunto tão ambicioso de objetivos, com
exceção de declarações triviais mais para aplacar a crítica de seus defensores que para
configurar, efetivamente, uma diretriz de atuação” (181).

119
MODENESI, A.M. 3/9/2005

“Ao setor público caberia cerca de 50% do desembolso, Os fundos privados


contribuiriam com 35% dos recursos e o restante viria de agências públicas para os
programas tanto públicos quanto privados. Os recursos externos não eram detalhados
no plano. No entanto, a previsão feita para a capacidade de importar no período esclarece
o que era esperado do exterior. A previsão era de um déficit crescente no balanço de
pagamentos, alcançando-se o equilíbrio em 1961. Quanto aos instrumentos, principal
fonte de financiamento dos programas de investimento nos setores de energia e transporte
eram fundos de vinculação orçamentária criados durante a década. Esses fundos
administravam recursos oriundos de tributação exclusiva ou não. No plano previa-se que
55% dos CR$ 13 milhões que seriam gastos pela união proviriam de fundos ou
dotações de dispêndio vinculado. Na ausência de qualquer proposta de reforma
tributária, este gasto teria significado, na hipótese de todas as previsões estarem
corretas, um déficit orçamentário de aproximadamente 2,2% do PIB. Esse valor parece
incompatível com um dos objetivos do plano, qual seja o controle da inflação ao nível
de 13%, dada a impossibilidade de se financiar esse déficit de outra forma que não a
emissão de moeda. Mais ainda, não deve ser esquecido que o plano não contemplava
fontes de recursos para a construção da nova capital, que absorveria cerca de 2 a 3%
do PIB no período” (p. 178-9).

“(...) a impossibilidade de se financiar o déficit de outra forma que não a emissão de


moeda” (p. 178).

• i)sistema financeiro arcaico → a)inexistência de mercado de títulos públicos e de


mecanismos de captação de poupança privada; ii)resistência à ↑ carga tributária
⇒ emissão monetária: única alternativa de financiamento do setor público.

“Na ausência de um sistema financeiro com dimensão, maturidade e flexibilidade


suficientes para captar as poupanças requeridas pelos investimentos propostos, a
única solução teria sido a elevação da carga fiscal. Tal solução, supondo possível sua
aprovação no Congresso, encontraria fortes resistências por parte dos empresários(...).
O esquema financeiro encontrado para financiamento do PM – o financiamento

120
MODENESI, A.M. 3/9/2005

inflacionário [i.e. via emissão monetária] – gerava através do aumento de lucros (de
empresas públicas e privadas), do aumento da tributação nominal e diferencial e, é
claro, da emissão de moeda, os recursos necessários à sua consecução” (p. 181).

3. Forte ênfase desenvolvimentista (convenção do crescimento): i) crescimento


econômico (industrialização): prioridade; ii) estabilização de preços:
secundária ⇒ [políticas monetária e fiscal no segundo plano → planos de
estabilização foram tentativas frustradas de redução ritmo inflacinonário:
nunca sacrificando o crescimento]. Tensões sociais eram contidas pelo
crescimento econômico.

“Os planos periódicos de estabilização, quando implementados, não foram mais do


que tentativas de reduzir o ritmo inflacionário a níveis toleráveis (a par do aspecto
político de mostrar algum esforço para conter o custo de vida ou mesmo aplacar as
críticas do FMI), sem nunca sacrificar o desenvolvimento pela estabilidade. (...). As
marchas e contramarchas da política monetária no período do PM não representam
mais do que tentativas de compatibilizar variáveis muitas vezes antagônicas como
crescimento, estabilidade, altos lucros e baixo custo de vida. As tensões geradas nesse
processo foram dissolvidas pelo crescimento do produto. Enquanto este esteve
crescendo a níveis elevados, foi possível conciliar” (p. 181).

“A forte ênfase na estratégia desenvolvimentista transferiu as questões relativas à


política fiscal e monetária para segundo plano, uma vez que praticamente durante
todo o período de 1956-61 essa política esteve vinculada, enquanto variável
dependente, ao processo de industrialização. Há porém exceções, por exemplo, nos
episódios do Programa de Estabilização Monetária na gestão de Lucas Lopes no
Ministério da Fazenda e das discussões do FMI com o governo brasileiro para
negociação da dívida e empréstimos externos” (p. 184).

121
MODENESI, A.M. 3/9/2005

4. Programa de Estabilização Monetária (PEM) de Lucas Lopes: i)transição:


reduzir drasticamente a inflação via correção das distorções alocativas e evitando-
se reajustes salariais constantes; ii)estabilização: limitar a expansão dos meios de
pagamentos.

• Fracasso: [1) rápido desgaste junto a opinião pública ⇐ identificado como uma
estratégia conservadora da direita (Campos) em linha com a ortodoxia pregada pelo
FMI; 2) Falta de apoio político: i) Banco do Brasil tinha aliados na defesa da
expansão do crédito (prefeitos e governadores; indústria tradicional e cafeicultores)
→ metas de controle (do CDL) não foram cumpridas; ii) arrocho salarial: a política
salarial não foi bem recebida] ⇒ continuidade do projeto desenvolvimentista sem
apertos monetário ou fiscal.

“(...) o presidente acabou por decidir pela continuação de seu governo


desenvolvimentista sem balizamento de políticas de controle monetário, em oposição
ao PEM e ao FMI e endossando a visão estruturalista de que economias
subdesenvolvidas só poderiam se industrializar com algum nível de inflação que
deveria ser administrada, ao invés de se buscar preços controlados com estagnação. A
partir daí, as tentativas de estabilização de preços restringiram-se a uma sucessão de
“Planos de Contenção” da despesa orçamentária, sempre frustrados pela execução
efetiva de caixa” (p. 194).

• Instituições de política econômica arcaicas: i) inexistência de BC; ii) financiamento


inflacionário do déficit público.

• Sumoc (1945): autoridade monetária ⇐ maior parte das atribuições de um BC: i)


gestão da política cambial; ii) fixação da taxa de redesconto; iii) empréstimos
compulsórios; iv) operações mercado aberto; v) fiscalização e registro.

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

“Na cúpula do sistema, dando a orientação geral, estava o conselho da Sumoc


constituído pelo Ministro da Fazenda, pelo Presidente do Banco do Brasil, pelo
Diretor-Executivo da Sumoc, pelos Diretores da Carteira de Câmbio, Cacex, e CARED
do Banco do Brasil, e pelo presidente do BNDE. Desta forma, havia uma divisão nítida
de atribuições: o Conselho da Sumoc era normativo, a Sumoc o órgão de controle e
fiscalização e o Banco do Brasil o órgão executor. Formalmente não havia ambigüidade
na definição de funções. O único mecanismo intrincado de relação entre esses órgãos
dizia respeito à emissão de papel-moeda. O órgão emissor de papel-moeda era a Caixa
de amortização do tesouro Nacional, que no entanto, não tinha poderes para colocá-los
em circulação Esta atribuição era exclusiva da carteira de redescontos que, não obstante
estar inserida no Banco do Brasil, tinha contabilidade independente. O mecanismo era
então o seguinte: o Banco necessitava de papel-moeda para sua própria caixa ou para
repassar aos bancos comerciais de quem ele era depositário das reservas voluntárias.
Para isso, levava à Carteira de Redescontos (CARED) títulos comerciais ou notas
promissórias de suas operações correntes, que redescontava em troca de papel-moeda.
A CARED, por sua vez, solicitava ao Tesouro um empréstimo de papel-moeda.
Teoricamente, portanto, o papel-moeda era emitido garantido por legítimas
transações comerciais como mandam os manuais... Um vez se vencendo os títulos
redescontados, o Banco resgatava o papel-moeda à CARED, e esta o devolvia ao
Tesouro para incineração na Caixa de Amortização” (p. 185-6).

• Banco do Brasil: 1) (maior) banco comercial; 2) funções de BC: ii) CARED (crédito
seletivo de liquidez) e CAMOB (emprestador de última instância); iii) agente
financeiro do TN: a) recebe tributos (e rendas) da União; b) realiza gastos da União.

“Como agente financeiro do Tesouro o Banco recebia a arrecadação tributária e


outras rendas da União e realizava pagamentos em nome dela. Além disso, como
banco do governo, podia realizar operações de crédito ao Tesouro, supostamente por
antecipação de receitas em cada exercício fiscal. (...) o Banco realizava dois serviços por
conta da Sumoc: era responsável pelo serviço de compensação de cheques e era
depositário das reservas voluntárias dos bancos comerciais” (p. 185).

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• Descontrole parcial da oferta de crédito ⇐ inexistência de limites rígidos à


emissão: i)limite de crédito frouxo: a)curto prazo: débito da CARED com o TN
não podia ultrapassar 25% das disponibilidades em ouro e divisa; b)longo prazo:
não era crível: Congresso facilmente aprovava ampliação deste limite; ii)moeda
escritural: não havia limites rígidos às operações ativas; iii)não há separação
entre as operações fiscais e as de Bacen: o governo emitia livremente ⇒
facilidade em cobrir as necessidades implícitas de orçamento deficitário.

“Esta mistura de banco comercial e autoridade monetária era considerada prática


inadequada de banco central pela simples razão de que não existiam limites rígidos à
emissão de papel-moeda. De fato, a curto prazo, a limitação era de que o débito da
CARED para com o Tesouro por conta do papel-moeda emitido não podia ultrapassar
25% das disponibilidades em ouro e divisas. No entanto, a longo prazo tal limitação
não existia pois toda a vez que a CARED atingia este limite o Congresso Nacional
votava uma lei ‘encampando’ a emissão realizada pelo Tesouro. Isto é, o Tesouro
passava a ser o responsável pelo papel-moeda em circulação, cancelando-se os
débitos da CARED, Banco do Brasil e Tesouro (p. 186)”

“Assim, tanto pelo lado do papel-moeda emitido, como pelo lado da moeda escritural,
a posição privilegiada do Banco do Brasil permitia sua expansão sem restrição. Na
verdade as três atribuições do Banco do Brasil combinavam-se funcionalmente e
implicavam a crescente operação daquele estabelecimento. Isto não quer dizer, no
entanto, que o banco do Brasil operasse completamente fora do controle. A única forma
de restringi-lo era impondo limites às sua operações ativas de várias carteiras, o que
era feito pelo Conselho da Sumoc em cada ano. No entanto, uma coisa é controlar um
banco comercial pelas reservas compulsórias(...) Outra é impor limites a um banco com
quase mil agências, responsável básico pelo crédito rural e acima de tudo emprestador
do Tesouro. Fixava-se um limite anual, mas se chovia, se houvesse seca, se o
funcionalismo era aumentado, se um plano de investimento era iniciado, esses limites
eram sistematicamente alterados, revistos e ignorados. Teoricamente era possível

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controlar a expansão dos meios de pagamento, mas na prática as pressões políticas e


de política econômica inviabilizavam o esquema” (181).

• BB: principal financiador do TN

“A cobertura do déficit de caixa(...) se fez quase que exclusivamente através de


empréstimos do Banco do Brasil ao Tesouro. A característica particular do Banco do
Brasil no sistema financeiro brasileiro, com funções de banco central e banco comercial,
faz com que qualquer crédito contra ele, em particular depósitos, não seja moeda
escritural secundária, mas sim base monetária. Dessa forma, a cobertura dos déficits
do tesouro através de crédito em conta corrente do Banco do Brasil implicou
permanente expansão primária dos meios de pagamentos. É interessante notar que
tanto as publicações oficiais da época como os estudos não se davam conta deste fato,
insistindo em controlar a expansão do papel-moeda como se este fosse o único meio
autônomo de expansão da base monetária” (p. 188).

• Tesouro Nacional (TN): Caixa de Amortização: emissão. Até a reforma do sistema


financeiro (PAEG), a maior parte do déficit era financiada por emissão, dado a
inexistência de operações de mercado aberto devido a imposição legal que fixava o
teto do juros em 12% a.a.

(ANPEC, 1998) As transformações na estrutura industriasl brasileira ocorridas por


época do Plano de metas só foram possíveis em função do processo de
internacionalização produtiva experimentado pelas empresas norte-americanas e
européias no período após a guerra.

(ANPEC, 1998) Indique quais foram os objetivos do Plano de Metas, os instrumentos


utilizados e a estratégia dotada pelo Plano para a consecução de seus objetivos.

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MODENESI, A.M. 3/9/2005

VIII – QUADROS e PARLAMENTARISMO (1961-64)

Marcelo Abreu

Sinopse
1) Instrução 204 (reforma de 1961): processo de unificação cambial
2) Instabilidade política
3) Plano Trienal (1962-3): Celso Furtado. Motivação: deterioração externa e
inflação; Fracasso: recrudescimento processo inflacionário.
4) Estagnação econômica: ∆PIB (1963) = 0,6%

• Visão conservadora ⇒ problemas herdados do governo Kubstshek: i)aceleração


inflacionária; ii)indisciplina fiscal; iii)deterioração do BP.

“(...) domina a visão conservadora na formulação e implementação da política


econômica. As dificuldades econômicas herdadas do governo Kubstshek são
denunciadas pelo novo presidente: aceleração inflacionária, indisciplina fiscal e
deterioração do balanço de pagamentos” (p. 198).

“(...) a estratégia de desenvolvimento dos anos 50(...) deixou um legado de problemas


que os formuladores de política nos anos 60 teriam de enfrentar a fim de assegurar o
crescimento e desenvolvimento econômico contínuos.” (Baer, p. 189).

1. Instrução 204 (mar/1961): inflexão na política cambial ⇒ [i)início do


movimento de unificação cambial (completado na 2a metade da década de 60)];
ii)desvalorização].

• Mudanças: i)categoria Geral foi transferida para o mercado livre; ii)câmbio de


custo foi desvalorizado em 100%; iii) categoria Especial: mantidos leilões; iv)
letras de importação: importadores depositavam compulsoriamente o

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equivalente em CR$ no BB por 150 dias recebendo em troca Letras de


Importação.

• Complementada pela Instrução 205 e 208: i) retenção de US$ 22/saca café


exportada; ii) demais exportações pelo mercado livre; e iii) eliminação do
câmbio de custo (transferido para o mercado livre).

“Em março de 1961, o governo implantou importante reforma do sistema cambial


vigente, através da instrução 204 da Superintendência de Moeda do Crédito, tendo como
objetivo a desvalorização da taxa de câmbio e a unificação do mercado cambial. A
categoria geral do regime cambial vigente anteriormente foi transferida para o mercado
livre; o ‘câmbio de custo’, aplicado a importações preferenciais tais como trigo petróleo
e papel de imprensa, foi desvalorizado em 100%; continuaram a ser realizados leilões
referentes à categoria especial. O sistema anteriormente vigente de diferir a entrega de
cambiais aos importadores, foi substituído pelo sistema de letras de importação através
do qual os importadores ao comprarem suas divisas eram obrigados a realizar
operação colateral depositando no Banco do Brasil por 150 dias o valor em cruzeiros
correspondente à importação e recebendo letras de importação. Logo em seguida,
instruções adicionais da Sumoc determinaram a retenção de US$ 22 por saca de café
exportada e que as demais exportações seriam realizada à taxa do mercado livre.
Também foi extinto o câmbio de custo, transferido para o mercado livre” (p. 198).

“Em conjunto tais medidas [instruções 204, 205 e 208] deram mais unidade ao sistema
de câmbio” (Baer, p. 50).

• Motivação:

i)dificuldades no BP: desvalorização → reequilíbrio.

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ii)inflação: falta de recursos no Fundo Ágios e Bonificações para financiar


obrigações (importações ao câmbio de custo) ⇒ financiamento inflacionário (caso
a reforma não fosse implementada).

“Estas alterações da política econômica devem ser explicadas com base tanto nas
dificuldades de balanço de pagamentos quanto nas preocupações com a inflação. (...)‘o
déficit potencial de caixa do tesouro, na ordem interna, e o déficit de balanço de
pagamentos, na ordem externa’. O ministro referiu-se à inexistência de recursos no
Fundo de Ágios compatíveis com o acúmulo de obrigações governamentais em
divisas relativas a atrasados ‘swaps’ e importações a ‘câmbio de custo’. O governo só
via duas maneiras de resolver a questão: ‘espaçar no tempo as obrigações com câmbio
fechado’ – ou seja, reescalonar a dívida externa – e ‘passar a vender o câmbio de custo
pelo seu custo real. Se estas medidas não fossem adotadas só restaria o financiamento
através de emissão com conseqüente impacto sobre a inflação. A estreita relação dessa
nova política cambial com a política antiinflacionária do governo é claramente
explicitada: ‘a Instrução 204 é sobretudo um instrumento de contenção do processo
inflacionário que vinha desgastando as resistências do país e ameaça(...) atingir este
ano as raias do paroxismo’ (Mariani)” (p. 198-9).

“(...)evidência conclusiva de que esta contribuição [da conta Ágio e bonificações] não
havia sido sistematicamente positiva no passado e que o governo foi capaz de
encontrar formas alternativas de gerar recursos domésticos no mercado cambial via
Letras de Importação (em 1961) e depósitos de importação” (p. 199).

• Reescalonamento da dívida externa e empréstimo junto aos credores norte-


americanos (principalmente Eximbank) e europeus (mai-jun/1961) ⇒ ↓ serviço da
dívida → alívio no BP.

“(...) o governo teve sucesso nas negociações com os credores norte-americanos –


principalmente o Eximbank – e europeus, obtendo empréstimo e significativo
reescalonamento da dívida externa que venceria entre 1961 e 1965. (...). Em

128
MODENESI, A.M. 3/9/2005

conseqüência foi possível reduzir o serviço da dívida, que havia aumentado de 13% da
receita de exportações em meados da década de 1950, para 46% em 1960 e para 32% em
1961” (p. 199).

• Política externa independente e deterioração progressiva das relações com os


EUA: (1)Jânio: i)aproximou-se de Cuba; ii)preparou o reatamento das relações
com URSS; iii)apoiou a descolonização da África; (2)João Goulart: i)legislação
sobre remessa de lucros: proibia a inclusão de reinvestimentos na base de cálculo
das remessas; ii)apoio a desapropriação da ITT por Brizola no RGS;
iii)cancelamento das concessões de lavra de minério da Hanna Co; iv) reatou
relações com URSS; v) aprovou o bloqueio mas foi contra a intervenção armada
em Cuba (OEA).

“(...)o governo [Quadros] distanciou-se da posição norte-americana de isolar Cuba,


preparou o reatamento de relações com a união Soviética e apoiou a descolonização
da África, lançando as bases da chamada política externa independente que
frutificaria sob Goulart” (p. 199)

“As relações Brasil-Estados Unidos deterioraram-se com o exame pelo Congresso de


alterações da legislação relativa à remessa de lucros de capital estrangeiro, que
culminou em nova legislação que impedia a inclusão de reinvestimentos na base de
cálculo das remessas. Deterioraram-se ainda mais quando o governo federal decidiu
cancelar as concessões de lavra de minério de ferro da empresa norte-americana
Hanna Corporation e apoiou a desapropriação, pelo governador do rio Grande do Sul
Leonel Brizola, dos bens da empresa norte-americana International Telephone and
Telegraph (ITT)” (p. 202).

• Renúncia de Quadros (ago/1961) ⇒ fracasso do plano de estabilização.

“A renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 resultou no colapso de seu


programa de estabilização, não havendo evidência empírica convincente quanto às

129
MODENESI, A.M. 3/9/2005

políticas monetária, fiscal ou creditícia que justifique sugestões de que o programa de


estabilização já houvesse sido abandonado antes da renúncia. A curta duração de sua
gestão dificulta a avaliação criteriosa dos resultados de suas políticas econômicas pois a
crise de agosto e setembro de 1961 teve como conseqüência o descontrole monetário,
fiscal e creditício(...)” (p. 199-200).

• Parlamentarismo (1961): solução para evitar o veto militar à posse de Goulart


(vice-presidente).

“Como solução compromisso entre o veto militar à posse do vice-presidente da


república, tal como estabelecia a Constituição, e as resistências políticas que se
originaram no Rio Grande do Sul em favor de sua posse com plenos poderes que depois
generalizaram-se, adotou-se o sistema parlamentarista(...)” (p. 200).

• Tancredo Neves: 1) 1961 resultados razoáveis: i) inflação estável (30%); ii)


∆PIB = 8,6% (pouco abaixo do anterior); iii) alívio no BP ⇐ [a) ↑exportações;
b) renegociação dívida externa]; iv) ⇓FBCF (menor nível desde de 1949); 2)
1962 descontrole: [i) ↑ déficit público (principalmente devido déficit das estatais
de transporte); ii) expansão monetária] ⇒ críticas ⇒ renúncia coletiva.

“Os resultados econômicos em 1961, a despeito do episódio da renuncio de Quadros,


haviam sido bastante razoáveis com a inflação mantendo-se grosso modo estável em
torno de 30% (custo de vida RJ-média anual) e o PIB crescendo 8,6% apenas levemente
abaixo do desempenho de 1960. A formação bruta de capital fixo, entretanto, que já
havia caído a 15,7% do PIB em 1960, reduziu-se ainda mais, alcançando 13,1% em
1961, seu menor valor desde 1949. O balanço de pagamentos foi beneficiado pela
recuperação das exportações e pela renegociação da dívida externa acumulando-se
US$ 307 milhões de reservas” (p. 202).

“A perda de controle sobre a economia torna-se clara a partir de maio com o


significativo aumento do déficit de caixa do governo gerado pelo aumento das

130
MODENESI, A.M. 3/9/2005

despesas públicas e o aumento da taxa de expansão da oferta monetária. A principal


pressão sobre os gastos públicos estava associada ao déficit das empresas do governo no
setor de transporte(...)” (p. 203).

• Brochado da Rocha: recusado o pedido de poderes especiais para legislar sobre


temas como reformas de base ⇒ renúncia.

“As recusas de delegação de poderes especiais pelo Congresso provocaram a renúncia


do gabinete Brochado da Rocha em setembro. As pressões para a antecipação da data
do plebiscito, entretanto, culminaram com a aprovação da emenda constitucional
antecipando sua realização para 6 de janeiro de 1963” (p. 205).

• Hermes Lima: i)provisório até a data do plebiscito; ii)plano de estabilização


fracassado ⇐ concessão do 13º salário trabalhadores urbanos.

“Hermes Lima chefiou um gabinete provisório no período pré-plebiscitário


caracterizado pela ausência de um grande nome de composição dom os círculos
conservadores, em contraste com os gabinetes anteriores. O programa de transição incluía
um plano de controle da inflação. Logo em seguida comprometido pela concessão do
13º salário aos trabalhadores urbanos” (p. 205).

2. Instabilidade política ⇒ impacto negativo economia: i) descontrole contas


públicas; ii) falta estratégia de desenvolvimento (política industrial) iii) ⇑
inflação (50%).

“De setembro de 1961 a janeiro de 1963 a República viveu o seu mais longo período
de indefinição política desde o início da década de 1890, com conseqüências
paralisantes do ponto de vista da tomada de decisões no terreno econômico” (p. 200).

“No segundo semestre de 1962, a instabilidade política refletiu-se de forma clara no


comportamento das principais variáveis macroeconômicas. O controle das contas do

131
MODENESI, A.M. 3/9/2005

governo, que havia sido em alguma medida retomado sob Brochado da Rocha, foi
perdido no final do ano. A expansão dos meios de pagamento manteve-se em um
patamar de 4% ao mês até dezembro quando alcançou mais de 13%. Em 1962, a taxa de
crescimento do PIB reduziu-se para 6,6% comparados a 8,6% em 1961. A inflação
mensal havia alcançado valores da ordem de 5 a 7% no final do ano e em bases anuais o
índice de custo de vida do Rio de Janeiro havia aumentado quase 50%” (p. 205)

• Vitória do presidencialismo no plebiscito (jan/1963): Goulart.

3. Plano Trienal de Desenvolvimento econômico e Social (1962-3): Celso Furtado.


i)motivação: deterioração externa e inflação; ii)diagnóstico ortodoxo: excesso
de demanda (gastos público); iii)receituário gradualista: a)correção de preços
(tarifas) defasados (JK: repressão tarifária); b) ↓ déficit público; c)controle do
crédito.

“(...) como resposta à deterioração externa e à aceleração inflacionária” (p. 206).

“O Plano Trienal, apesar de ser elaborado por Celso Furtado(...) ligado à tradição
estruturalista da CEPAL, caracterizava por um diagnóstico bastante ortodoxo da
aceleração inflacionária no Brasil, enfatizando o excesso de demanda via gasto
público como sua causa mais importante. O receituário proposto, embora gradualista
– em vista, entre outras razões, dos níveis inéditos alcançados pela taxa inflacionária –
era semelhante ao de outros programas adotados no passado: correção dos preços
defasados, redução do déficit público e controle da expansão do crédito ao setor
privado” (p. 206).

• Medidas: i) ↓ gastos públicos: i)fim subsídios → ⇑ preços do trigo (70%) e


derivados de petróleo (100%); ii)reajustes de tarifas de transportes urbanos;
ii)aperto creditício: ↑ crédito privado em 35% (inflação: 60% a.a.): ↓ real; ↑
compulsório.

132
MODENESI, A.M. 3/9/2005

“Em meados de janeiro de 1963 governo anunciou aumentos do trigo e de derivados de


petróleo de 70% e 100% respectivamente, resultantes da abolição de subsídios, bem
como o reajuste de tarifas de transportes urbanos. Além dos cortes de gasto público
foram estabelecidos limites nominais de expansão do crédito ao setor privado de 35%
enquanto a taxa inflacionária anual equivalente era de 60%, e aumentado o depósito
compulsório(...)” (p. 201).

• Críticas da esquerda ao plano e suas negociações com FMI: caráter recessivo e


de submissão dos interesses nacionais.

“O plano e as negociações internacionais decorrentes foram duramente criticadas por


setores de esquerda que denunciavam o caráter recessivo da política econômica e a
submissão dos interesses nacionais aos Estados Unidos da América” (p. 201).

• Fracasso (1963): mal foi implementado ⇐ {[1)reintrodução do subsídio ao trigo e


petróleo; 2) ↑ funcionalismo (maior do que acertado com o FMI: 60%); 3) ↑ salário
mínimo (56%)] ⇒ [⇑ gasto público e deterioração das contas públicas (a partir de
meados de 63)]; 4)expansão do crédito; 5)descontrole monetário ⇒ [i) ↓ inflação
pontual (abril/1963); ii) ⇑ inflação (nível superior ao de antes do plano)]}.

“No final de abril, Goulart deu os primeiros sinais de haver desistido dos objetivos
estratégicos consubstanciados, embora de forma bastante nebulosa, nas reformas de base
com a estabilização econômica. Apesar da desvalorização cambial de cerca de 30%, o
subsídio às importações de trigo e de derivados de petróleo foi reintroduzido.
Iniciaram-se negociações com o funcionalismo na base de 70% de aumento, e não 40%
como havia sido acordado com o FMI, sendo finalmente concedido 60%. O salário
mínimo foi reajustado em 56,25%. O nível de empréstimos reais ao setor privado
deixou de cair em julho e aumentou significativamente no segundo semestre. (...).
Acumulavam-se assim, evidências de que mais um experimento de estabilização havia
fracassado. A disciplina relativa às contas públicas nos primeiros cinco meses do ano

133
MODENESI, A.M. 3/9/2005

deteriora-se forma sensacional em junho, quando o déficit sobe a mais de 30% das
despesas do governo” (207-8).

“O descontrole das contas públicas é óbvio depois de meados de 1963. A oferta


monetária, mantida sob razoável controle durante os primeiros quatro meses de 1963,
expande-se de forma significativamente mais rápida a partir de maio. O Plano Trienal só
havia alcançado a redução da taxa inflacionária em abril de 1963. Com o seu fracasso
reverteu-se rapidamente a taxas semelhantes, e logo superiores às alcançadas no
passado” (p. 210).

4. Estagnação (recessão) econômica: i) ⇓ ∆PIB; ii) ↓ FBCF; iii) ⇑ inflação.

Tabela VIII.1 – A Reversão do Desempenho Econômico após o Plano de Metas:


1955-193-63
PIB (%) FBCF (% PIB) Deflator implícito do
PIB
1955 8,8 13,5 11,8
1956 2,9 14,5 22,6
1957 7,7 15,0 12,7
1958 10,8 17,0 12,4
1959 9,8 18,0 35,9
1960 9,4 15,7 25,4
1961 8,6 13,1 34,7
1962 6,6 15,5 50,1
1963 0,6 17,0 78,4

“Os dados anuais são impressionantes: a taxa de crescimento do PIB caiu de 6,6% em
1962 para 0,6% em 1963, seu mais baixo nível desde o início da Segunda Guerra
Mundial. A restrição de liquidez afetou o desempenho dos gêneros industriais que
dependiam do crédito, em especial os produtores de bens de consumo durável. Há um
conflito irreconciliável entre os dados relativos a formação bruta de capital fixo da
fundação Getúlio Vargas, que indicam o crescimento da formação bruta de capital fixo

134
MODENESI, A.M. 3/9/2005

de 13,1% em 1961 para 15,5% em 1962 e 17% em 1963, e a evidência desagregada,


mais aceitável, que indica pronunciada queda do nível real de investimento tanto
privado quanto público” (p. 208).

• {(1)Plano de Metas (Serra) ⇒ [i)investimento em bloco (concentrado no tempo);


ii)excesso de capacidade]; (2)Plano Trienal; (3)instabilidade política (paralisia
decisória) → incertezas ⇒ [desetímulo aos investimentos (nacional e estrangeiro)];
(4)razões do pessimismo pós-ISI (Tavares); (5)estrangulamento institucional
(Campos e Simonsem)} ⇒ ↓PIB industrial ⇒ estagnação de 63.

“Wells (1977) atribui de forma convincente a recessão que se iniciara em 1963 ao


programa de estabilização. (...). As interpretações que enfatizam a relação causal
entre o programa de estabilização do plano trienal e o início da recessão contrapõem-se
às de natureza estrutural quanto às tendências de longo prazo da industrialização
brasileira. Estas sublinham a perda de dinamismo do processo de substituição de
importações. Com significativo aumento da relação marginal capital-produto à
medida que este afetava novos gêneros industriais, e as flutuações de investimento
naturalmente associadas à instalação de plantas de produção muito além do tamanho
dos mercados durante o plano de metas. Esta última característica teria sido, no caso de
bens de capital, agravada pela contração do gasto público. Outras interpretações
enfatizam a possível incompatibilidade entre a demanda associada a perfis específicos
de distribuição de renda e a oferta dos gêneros industriais instalados mais
recentemente” (p. 208-9)

“Sochaczewski (1980) e Serra (1981), provavelmente estimulados pelo exagero de


Wells ao tentar sugerir que a identidade total entre os programas de estabilização
Dantas-Furtado em 1963 e Campos-Bulhões após 1964, buscam resgatar a primazia
das explicações estruturais da desaceleração. Estas tentativas, por sua vez, não são
completamente convincentes. As críticas às sugestões de que Furtado, tal como
Campos, acreditava que o controle inflacionário dependia da redução do salário real são
corretas. Da mesma forma, é importante sublinhar a impropriedade de associar-se a

135
MODENESI, A.M. 3/9/2005

queda do nível de investimentos à política de estabilização de Dantas-Furtado sem


qualquer consideração quanto as defasagens provavelmente relevantes. Entretanto os
argumentos de Wells quanto ao impacto do aperto de liquidez sobre os gêneros
industriais produtores de bens de consumo durável, que agravou as conseqüências da
contração de gatos públicos com a causa imediata da recessão, permanecem válidos.
Não é difícil concordar com Serra quando concede que a profundidade da recessão é
dificilmente explicável apenas por razões estruturais e deve ser também buscada nos
programas de estabilização de 1963 e 1965-67. Outras interpretações na literatura
especializada são, ou de difícil comprovação, como, por exemplo, as que associam a
recessão à aceleração inflacionária ou à deterioração do quadro político-institucional
(Simonsem, 1963) (...)” (p. 209).

“No plano econômico, no entanto, parece plausível admitir que a queda na taxa de
crescimento da produção industrial é fruto do próprio Plano de Metas. Vejamos por
quê. Em período relativamente curto, induzido pelo Plano de Metas, realizou-se um
‘bloco’ de investimentos grande e abrangente. Enquanto esses investimentos estavam
se efetivando, havia forte impulso para o crescimento do produto industrial (já que as
indústrias de bens de capital recebiam encomendas das empresas que estavam
investindo). Entretanto, este bloco de investimentos (públicos e privados) foi
extremamente concentrado no tempo e gerou uma capacidade produtiva que
superava a demanda preexistente (já absorvida pela ‘substituição de importações’) e a
própria expansão endógena da demanda. É claro que ao se concluir um ‘bloco’ de
investimentos, deve-se esperar a redução da taxa de formação bruta de capital na
economia. Essa expectativa agrava-se no entanto, quando se verifica que a capacidade
instalada mostra elevado grau de ociosidade. Evidentemente, isso se reflete na brusca
queda da taxa de investimento e, em conseqüência, no ritmo de crescimento da
produção industrial(...). (Saes, p. 150).

“Esse conjunto de problemas ‘estruturais’ e ‘conjunturais’ levaram os governos de Jânio


Quadros e João Goulart a abandonar a política de desenvolvimento industrial do

136
MODENESI, A.M. 3/9/2005

Plano de metas. (...). O crescimento só seria retomado após 1967, num quadro político
e institucional completamente distinto” (Saes, p. 152).

“Com as incertezas políticas, o investimento tanto privado quanto estrangeiro


declinou e a taxa de crescimento da economia decresceu continuamente em relação ao
pico alcançado em 1961” (Baer, 191).

“Em princípios da década de 1960 o quadro institucional brasileiro era desfavorável ao


desenvolvimento econômico. Fora os problemas de desordem política, da inflação
descontrolada e dos déficits externos, o país ressentia falta de leis e instituições
adequadas ao seu processo de crescimento” (Campos e Simonsem, p. 119).

137
MODENESI, A.M. 9/3/2005

IX – Castello Branco (1964-67)

Lara-Resende

Sinopse
1) PAEG (1964): i)estabilização ⇒ ii)retomada do crescimento; iii)eliminar a
restrição externa (BP). Características ortodoxas e heterodoxas (gradualismo e
reformas institucionais).
2) Quadro Institucional desfavorável ao desenvolvimento econômico.

• Golpe militar (mar/1964): destituição de Goulart e posse de Castello Branco.

• Estagflação: i) explosão inflacionária: 1º trimestre/1964 = 25% (recorde


histórico); ii) drástica desaceleração econômica.

“A mais alta taxa de inflação de que se tem notícia na história econômica do Brasil foi a
registrada no primeiro trimestre de 1964. Nesses três meses os preços por atacado
subiram de 25%, o que em termos de progressão geométrica, corresponderia a 144% ao ano
de inflação” (Simonsen: 9)

1. Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) (nov/1964-68): Campos


(MP) e Bulhões (MF).

Objetivos: i)estabilização de preços (curto/médio prazo) ⇒ ii)retomada do


crescimento: (longo prazo); iii)eliminar a restrição externa (BP).

• Prioridade no controle inflacionário: pré-condição para a retomada do


crescimento → legitimar o regime de exceção.

138
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“(...)era natural que o combate à inflação viesse a se inscrever como a primeira


prioridade cronológica da política econômica. Não porque a estabilidade monetária
fosse mais importante do que os objetivos de crescimento e de melhoria do bem-estar
social, mas porque ninguém de bom senso poderia admitir que um país se pudesse
desenvolver à beira da hiperinflação” (Simonsen: 10).

“O ponto de vista do novo regime fora de que a possibilidade de recuperação econômica


encontrava-se no controle da inflação, na eliminação das distorções de preço acumuladas
no passado, na modernização dos mercados de capitais que conduziria a uma crescente
acumulação de poupança(...)” (Baer, p. 226).

“Nos primeiros anos após a mudança de governo em 1964, os formuladores da política


econômica deram destaque à estabilização de preços e às reformas estruturais nos
mercados financeiros” (Baer p. 227).

“A inflação foi identificada como o principal problema a ser enfrentado pela equipe
econômica que assumiu em abril de 1964, tendo sido, inclusive, responsabilizada pela
estagnação econômica que vinha sendo experimentada desde 1962 e pelo desequilíbrio no
balanço de pagamentos” (Bonelli, 120).

• Questão semântica: combate inflacionário era pré-condição para a retomada do


crescimento econômico.

“Tratava-se, portanto, de um programa que acentuava a importância da manutenção, ou


da recuperação, das taxas de crescimento da economia. O combate à inflação estava
sempre qualificado no sentido de não ameaçar o ritmo de atividade produtiva”. (p. 215).

• Diagnóstico heterodoxo: [(1) inflação de demanda: i) déficit público (↑ demanda


agregada); ii) expansão do crédito (empresas); iii) ⇑ salários > ⇑ produtividade]
⇒ [(2) inconsistência distributiva: incompatibilidade nas parcelas (do PIB)
reivindicas pelo governo e pelas empresas para investimento e pelos

139
MODENESI, A.M. 9/3/2005

trabalhadores para consumo] ⇒ (3) [passividade monetária: expansão


monetária não era um fator autônomo de pressão inflacionária, mas sim, seu
veículo].

• [i) ⇓ déficit público; ii) ⇓ consumo trabalhadores] ⇒ ⇑ S ⇒ resolver a


inconsistência distributiva (⇓ DA) ⇒ ⇓ inflação.

“A manutenção, ou a promoção, da capacidade de poupança da economia é associada


em todos os níveis ao sucesso na luta contra a inflação, deixando transparecer um
diagnostico heterodoxo que associa a inflação à poupança forçada. (...). A inflação
brasileira era diagnosticada como ‘resultado da inconsistência da política distributiva,
concentrada em dois pontos principais: (i) no dispêndio governamental, superior à
retirada de poder de compra do setor privado, sob a forma de impostos ou empréstimos
públicos; (ii) na incompatibilidade entre a propensão a consumir, decorrente da política
salarial, e a propensão a investir, associada à política de expansão do crédito às
empresas’. ‘Dentro desse quadro’, prossegue o PAEG, encontram-se ‘as três causas
tradicionais da inflação brasileira: os déficits públicos, a expansão do crédito às
empresas e as majorações institucionais de salários em proporção superior à do
aumento de produtividade. Estas causas conduzem inevitavelmente à expansão dos
meios de pagamento, gerando destarte, o veículo monetário de propagação da inflação’.
Um diagnóstico, portanto, que atribui à inconsistência na esfera distributiva da economia
a causa da inflação e que vê na expansão monetária não um fator autônomo de pressão
inflacionária, mas o veículo de ratificação, ou de propagação, dessas pressões” (p. 215).

“Identificada com sendo causada pelo excesso de demanda, o processo inflacionário foi
atacado com determinação a partir de duras medidas monetárias e fiscais e,
particularmente em 1965, por um arrocho salarial sem precedentes graças à utilização de
engenhosa fórmula de reajustes salariais que contemplava uma (freqüentemente
subestimada) previsão de inflação futura” (Bonelli, 120).

140
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Não foi um programa perfeitamente ortodoxo ⇒ combinação receituários:

I) ortodoxo: políticas monetária, creditícia e fiscal contracionistas

I) heterodoxas: 1) gradualismo: tolerância com respeito a inflação e preocupação com o


crescimento; 2) reformas institucionais: i)mercado financeiro deficiente e inexistência
de um mercado de capitais; ii)desordem tributária; iii)ineficiência e restrições do
comércio exterior.

“(...) o PAEG não foi um plano perfeitamente ortodoxo. Suas intenções demonstram
demasiada preocupação com a manutenção de taxas de crescimento e, portanto, alguma
tolerância com a inflação, que deve ser combatida através de estratégia gradualista. Seu
diagnóstico aponta para a incompatibilidade entre as parcelas reivindicadas pelo
governo, pelas empresas para investimento e pelos trabalhadores para consumo, como
causa da inflação. A expansão monetária, segundo o PAEG, apenas sanciona a inflação
decorrente de tal ‘inconsistência da política distributiva’. O reconhecimento de que
existem pressões reais na economia que são inflacionárias e que podem ser resolvidas
pela contenção violenta da taxa de expansão dos meios de pagamento fica explícito na
política creditícia do PAEG a que pretende suficientemente controlada para impedir os
excessos da inflação de procura, mas suficientemente realista para adaptar-se à inflação
de custo. A política monetária(...) foi bem além do receituário mais simplista que prega
apenas políticas monetária e fiscal rigorosas e hands-off. A convicção de necessidades
de reformas institucionais acompanhou o PAEG desde o seu diagnóstico” (p. 227-8).

“A metodologia encampada pelo PAEG foi o gradualismo, isto é, a do combate à inflação


por etapas planejadas” (Simonsem: 10).

“Como todo plano clássico de combate à inflação, o Programa(...) baseou sua estratégia
de contenção da alta de preços no tripé fiscal-monetário-salarial” (Simonsen: 23).

141
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Receituário: i) controle fiscal (↑T, ↓G; ii) controle monetário e creditício); iii) ↑
salários proporcional ↑ produtividade; iv) inflação corretiva (gradualismo):
reajuste tarifário, liberação de preços congelados (aluguéis, combustíveis, etc.)

“Em função de tal diagnóstico, três ‘normas básicas’ norteavam o programa


desinflacionário: (i) contenção dos déficits governamentais das despesas não prioritárias e
racionalização do sistema tributário; (ii) crescimento dos salários reais proporcionais
ao ‘aumento de produtividade e à aceleração do desenvolvimento’; e (iii) política de
crédito suficientemente controlada, para impedir os excessos de inflação de procura,
mas suficientemente realista para adaptar-se à inflação de custos” (215-6).

“Pode-se dizer, portanto, que o PAEG era um programa com diagnóstico e estratégia de
combate à inflação bastante heterodoxos. O plano era otimista com relação aos resultados
da estratégia gradualista de combate à inflação” (p. 216).

“(...)em 1964 os preços elevaram-se 90% segundo o índice geral de preços, e 81,3%,
medido pelo índice de preços por atacado. Essas taxas recordes verificaram-se não apenas
no primeiro trimestre de 1964, mas durante todo o ano, e podem ser atribuídas aos vários
aumentos das tarifas dos serviços públicos, à liberação dos aluguéis congelados e a
outros preços, num processo na época chamado de inflação corretiva. Ainda dentro da
política corretiva dos preços, o governo atendeu às pressões para elevar o salário dos
servidores públicos. O salário mínimo havia sido elevado em 100% em fevereiro, ainda no
governo Goulart, enquanto o salário do serviço público eram congelados. Os salários dos
militares foram aumentados em 120% imediatamente após a mudança de governo, e os
empregados civis receberam aumento de 100% em junho” (219-220).

• Inflação corretiva ⇒ [i) ↑ inflação (curto prazo); ii) ↓ déficit público → ↓


inflação (longo prazo); iii) eliminar distorção de preços (inflação reprimida) → ↑
eficiência alocativa do sistema preços → ↑ desempenho econômico].

142
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“e) A supressão das distorções inflacionárias envolve a eliminação de certos controles


de preços, como no caso das tarifas dos serviços de utilidade pública, etc. Isso tenderá, na
ausência da flexibilidade descendente dos demais preços, a provocar uma inflação
corretiva, de natureza residual” (Simonsem: 11-2).

“As tarifas de serviços de utilidade pública foram aumentadas de acordo com a taxa de
inflação. Embora essas medidas tivessem um impacto inflacionário no curto prazo,
esperava-se que elas, em última instância, eliminassem os déficits orçamentários de
governo federa e desse modo reduzissem as forças inflacionárias de longo prazo (o
impacto inflacionário dessas medidas foi chamado inflação corretiva)” (Baer, p. 192).

“Ainda há uma terceira linha de atuação no sentido de diminuir os déficits do governo, a


política de realismo tarifário das empresas estatais, que aumentava o potencial de geração
de lucros, diminuindo a dependência de fontes externas de financiamento. (...). A
contrapartida deste ‘tarifaço’ foi a chamada inflação corretiva” (Saes, p. 178).

• Pilares: i)política de contenção salarial; ii)reformas institucionais.

“Os pilares do PAEG e da política deflacionária dos primeiros governos pós-1964


foram, sem dúvida, a política salarial e as reformas institucionais” (p. 229)
“(...)foi um plano de estabilização com amplo espectro de reformas institucionais”
(Saes, p. 176).

• Política salarial: [i) recomposição do salário pela média (não pelo pico); ii)
subestimação da inflação] ⇒ [arrocho: i) ⇓ salário mínimo real (médio); ii) ⇓ salário
anual real médio da indústria] ⇒ [⇓ participação dos salários (rendimento do trabalho)
no PIB] ⇒ [solução para inconsistência distributiva].

• Repressão ⇒ poder de barganha nulo ⇒ possibilitou arrocho salarial (na marra): i)


proibição de greve; ii) substituição da negociação direta (empregado-trabalhador) pela
fórmula de reajuste.

143
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“O PAEG tinha uma política salarial bem definida, que deveria basear-se em três pontos
básicos: ‘(i) manter a participação dos assalariados no produto nacional; (i) impedir
que reajustamentos salariais desordenados realimentem irreversivelmente o processo
inflacionário; e (iii) corrigir as distorções salariais, particularmente no Serviço Público
federal, nas Autarquias e nas Sociedades de Economia Mistas’” (216).

“(i) deveria ser restabelecido o salário médio real dos últimos 24 meses anteriores ao mês
do reajustamento; (ii) sobre o salário real médio, deveria incidir a taxa de produtividade;
(iii) cumpria acrescentar metade da inflação programada pelo governo para o ano
seguinte (resíduo inflacionário); e ficava estabelecido o princípio da anuidade dos
reajustes” (217).

“Com as atividades sindicais severamente reprimidas e as greves em atividades


essenciais proibidas – e ao governo competia o julgamento da ‘essencialidade’ – o poder
de barganha dos trabalhadores tornou-se praticamente nulo. As negociações diretas
entre trabalhadores e empregados foram substituídas pela fórmula de reajuste
fornecida pelo governo. Como a fórmula, ao invés de recompor o pico de salário real
alcançado à época do último reajuste, corrigia os salários na justa medida para
recompor o salário real médio nos últimos 24 meses, o salário real mínimo, após o
reajuste de março de 1965, foi reduzido em 18% com relação ao seu valor em fevereiro
de 1964, quando fora reajustado pela última vez. Como a previsão do ‘resíduo
inflacionário,’ ou seja, da inflação para o ano seguinte, que entrava na fórmula de reajuste
salarial, era a previsão oficial que foi consistentemente inferior à inflação efetivamente
ocorrida, o salário mínimo real médio era reduzido” (217).

“Os efeitos da política salarial sobre o salário mínimo real médio anual foram
significativos. O índice de salário mínimo real médio sofreu uma queda de sete pontos
percentuais em 1965, quando foi introduzida a fórmula salarial, e em 1966 foi novamente
reduzido em outros sete pontos percentuais. Nos anos seguintes, os índices continuaram
a cair, mas o ritmo da queda foi reduzido” (217).

144
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“Para contornar as ineficiências e as restrições percebidas como existentes no mercado de


trabalho, o programa deflacionário do PAEG substituiu a negociação dos salários pela
fórmula de reajuste. A aplicação dessa fórmula, conforme se viu, reduziu o salário
mínimo a cada ano, de 1965 até 1974, enquanto o salário real médio industrial caiu entre
10 e 15%(...). Dessa forma, usando o poder, sobre a sociedade em geral e os sindicatos
em particular, de que dispõe o governo autoritário, foi possível fazer diretamente aquilo
que a ortodoxia pretende conseguir através da recessão e do desemprego: solucionar o
impasse distributivo através da redução da parcela salarial” (p. 229).

2. Quadro Institucional desfavorável ao desenvolvimento econômico:

(1) ficção da moeda estável: incompatibilidade entre a Lei da Usura (juros 12%
a.a.), Cláusula Ouro (proibição de indexação de contratos) e a inflação ⇒ baixo
(muitas vezes < 0) retorno real ativos financeiros de longo prazo ⇒ desestímulo a
poupança ⇒ insuficiência de poupança ⇒ ~∃ mecanismos adequados de
financiamento do investimento (público e privado);

(2) deficiência no sistema financeiro: i) restrição do crédito de longo prazo


(chapa branca: BNDE e CEF); ii) ~ ∃ mercado (voluntário) títulos públicos;

(3) desordem tributária: i) falta de adaptação à inflação; ii) impostos em cascata;


iii) falta de funcionalidade; iv) descoordenação entre as esferas governo;

(4) propensão ao déficit público: i) novas despesa sem a criação de novas receitas;
ii) indexação das despesas, mas não das receitas → efeito Tanzi;

(5) legislação trabalhista: estabilidade do trabalhador (após 10 anos de casa) →


desestímulo à criação de empregos.

• Estrangulamento institucional ⇒ obstáculo ao desenvolvimento econômico.


Reformas: condição à retomada do crescimento.

145
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“Por trás das três áreas de desordem institucional estava, sem sombra de dúvida, a
incompatibilidade entre o pressuposto da moeda estável na legislação e as altas taxas
de inflação” (p. 228).

(I) Financeira:

Objetivo:
criação de mecanismos de financiamento de LP: [i) setor público → evitar financiamento
inflacionário; ii) setor privado → investimento industrial] ⇒ retomada crescimento
econômico.

Medidas:
(1) correção monetária [i) títulos públicos (ORTN); ii) privados (Lei do Mercado de
Capitais)]: garantia de retorno real (positivo) → proteção dos poupadores contra inflação
→ incentivo a poupança ⇒ [i) ↑ oferta crédito privado; ii) renascimento do mercado de
títulos públicos → financiamento não inflacionário do déficit público];
(2) mecanismos de poupança compulsória: SFH e BNH; FGTS, PIS e PASEP;
(3) criação bancos de investimento e financeiras;
(4) criação do Bacen e CMN.

Resultado: ressurgimento mercado de títulos públicos.

• Correção monetária: adaptar o sistema econômico ao regime de alta inflação


crônica (“convivência pacífica com a inflação”).

• Indexação: correção automática de preços com base em determinado índice de


preços ⇒ inércia inflacionária: inflação passada se projeta para o futuro.

146
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“(...)a indexação, isto é, a revisão periódica de preços por autorização legal e com base
no comportamento de índices preestabelecidos, era pouco comum no direito brasileiro”
(Simonsem: 183).

“Como é sabido, tal fórmula [de correção monetária] representa uma tentativa de
neutralização dos efeitos inflacionários, isto é, um método de convivência pacífica com
a inflação. Uma fórmula que fatalmente se deve limitar a alguns setores, pois a correção
generalizada ou se tornaria inócua ou logo levaria a inflação ao infinito. Mas que se
justificaria em sua implantação por duas razões. Primeiro porque era necessário recuperar
o prestígio da dívida pública, a rentabilidade dos serviços de utilidade pública, a
ativação do mercado imobiliário e o de capitais, e outros setores que haviam sido
gravemente minados pela alta geral de preços. Segundo porque uma geração educada
sobre a égide da inflação crônica jamais investiria nesses setores sem uma proteção
contra a eventualidades de altas futuras de preços(...). É certo que a correção em causa
permitiu o desenvolvimento de inúmeras atividades que dificilmente se teriam
expandido à margem da ilusão dos valores monetários” (Simonsen: 15-6).

• [i) Lei usura; ii) alta inflação] ⇒ taxa juros reais negativas ⇒ inexistência
demanda (voluntária) títulos públicos.
• Correção monetária: restaurou credibilidade dívida pública federal ⇒
ressurgimento mercado de títulos públicos ⇒ financiamento não inflacionário
(títulos): a) desde 1960: emissão; b) 1965 (55%); c)1966 (100%).

“Um dos mais notórios efeitos da inflação sobre o mercado de capitais fora, até então, a
atrofia da procura pelos títulos da dívida pública federal. Estes dificilmente
encontravam outros subscritores que não os mutuantes compulsórios de adicionais de
imposto de renda, ou os bancos que os adquiriam como alternativa aos recolhimentos à
ordem das autoridades monetárias. As ORTN restauraram o prestígio da dívida pública
federal e iriam desempenhar importante papel no financiamento do déficit da União nos
anos subseqüentes” (Simonsem: 184-5).

147
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“O impacto da correção monetária sobre a aceitação de títulos públicos não é passível


de controvérsias: o sistema criou, pela primeira vez nos últimos anos, um mercado
voluntário para os papéis governamentais (especialmente para as ORTN)” (Simonsem:
190).

• ↑ taxa de poupança ⇒ mecanismos adequados de financiamento do investimento


(público e privado) ⇒ solução para a inconsistência distributiva ⇒ [i) ↓
inflação; ii) retomada crescimento].

“As principais reformas institucionais da época incluíam a criação do Banco Central, do


Conselho Monetário Nacional (como principal órgão formulador da política econômica),
da ORTN – indexador das obrigações reajustáveis do Tesouro Nacional e da indexação
como forma de atualizar valores e proteger poupanças e receitas do governo –, reforma
monetária e do mercado de capitais, criação do FGTS, do Banco Nacional de
Habitação, do Sistema Financeiro de habitação, dos Bancos de Investimento e das
chamadas ‘financeiras’ (associações de poupança e empréstimo), elaboração de nova
pauta de tarifas de alfândega, eliminação de subsídios e descongelamento de preços de
produtos e tarifas de serviços praticadas pelo setor público (eu resultou na então
denominada inflação corretiva)” (Bonelli, 120).

“Os objetivos desse reforma eram: ampliar o volume de poupança e criar mecanismos
adequados de financiamento da atividade econômica” (Saes, p. 180).

“A principal medida adotada pelo PAEG foi o reconhecimento da economia brasileira


como uma economia inflacionária e a introdução de regras de correção monetária,
permitindo o convívio com a inflação. A indexação permeou todas as reformas,
introduzindo regras de correção cambial, salarial, proteção de ativos financeiros e
adequação do sistema tributário” (Saes, p. 177).

148
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• BB ainda manteve funções de autoridade monetária: Conta-Movimento


(financiamento automático do TN) ⇒ i)vínculo automático de monetização do
déficit público ⇒ ii)descontrole creditício.

“Contudo, [o Banco do Brasil] manteve-se como autoridade monetária através da


Conta-Movimento, pela qual ele podia recorrer automaticamente ao Bacen para cobrir
seus desequilíbrios de caixa. Criava-se um vínculo automático de monetização dos
déficits públicos, a partir da realização de pagamentos feitos pelo Banco do Brasil em
nome do Tesouro e o posterior saque no Bacen. Além disso perdia-se o controle do
crédito, uma vez que o Banco do Brasil podia expandir suas operações sem limites” (Saes,
p. 180).

(II) Tributária:

Objetivos: 1) ↑ arrecadação; 2) racionalização sistema tributário: i) ↓ custos


operacionais; ii) eliminar impostos em cascata; iii) incentivar crescimento econômico
(financiamento da industrialização); iii) coordenação sistema tributário das 3 esferas
governo (FPEM).

Medidas: i) arrecadação de impostos pela rede bancária; ii) extinção do imposto do selo;
iii) criação do ISS (municipal); iv) substituição do imposto estadual sobre vendas
(faturamento) pelo ICM (valor agregado); v) ↑ base incidência do IRPF; vi) criação de
mecanismos de incentivos a atividades prioritárias (aplicações financeiras, formação de
poupança, investimento em BK); vii) criação do Fundo de Participação dos estados e
Municípios (FPEM): repasse de parcela da arrecadação federal.

Resultado: 1) ↑ carga tributária: 16% PIB (1963); 21% PIB (1967); 2) regressiva
(distributivo); 3) centralizadora.

149
MODENESI, A.M. 9/3/2005

1) ⇐ [i) criação do ISS, e ICM; ii) ↑ base incidência do IRPF]


2) ⇐ [i) mecanismos de incentivo e isenção de IR → benefício classes renda mais alta; ii)
maior parte ↑ arrecadação: ↑ impostos diretos (gravame relativamente maior sobre
população de baixa renda)]
3) ⇐ [i) limitou direito de estados/municípios legislarem sobre tributação; ii) União poder
definir % das transferências do FPEM].

(III) Setor externo: [i) unificação do sistema cambial (desvalorização); ii)


modernização e dinamização das agências ligadas ao comércio exterior; iii)
incentivos fiscais à exportação; iv) Instrução 289/1965 (SUMOC) e Resolução
63/1967 (BCB): estímulo entrada capital externo (continuidade do processo de
internacionalização da economia inaugurado com a Instrução 113)] ⇒ equilibrar
o BP ⇒ retomada do desenvolvimento econômico.

• Instrução 289 da SUMOC (1965): empréstimos externos diretamente de


instituições no exterior a agentes brasileiros

• Resolução 63/1967 do Banco Central: permitia aos bancos comerciais, de


investimento e ao BNDE contratarem empréstimos externos e repassá-los a
empresas no país ⇒ origem do problema da dívida externa (1980).

“A restrição do balanço de pagamentos era diagnosticada como séria limitação ao


crescimento. Para superá-la, o PAEG propunha uma política de incentivos à exportação,
uma opção pela internacionalização da economia, abrindo-a ao capital estrangeiro,
promovendo a integração com os centros financeiros internacionais e o explícito
alinhamento com o sistema norte-americano da Aliança para o Progresso” (p. 215).

“(...)uma orientação mais voltada ‘para fora’ do processo de desenvolvimento industrial.


Essa opção teve como um dos principais ingredientes desde o começo do novo regime uma
política de promoção e diversificação das exportações. (...)destacam-se as normas para
empréstimos do exterior, a partir da consolidação da legislação dada pela 4.1314 (1962),

150
MODENESI, A.M. 9/3/2005

regulada pela Instrução 289/1965 da SUMOC e pela Resolução 63/1967 do banco


central. A primeira (revogada em 1972) permitia empréstimos externos diretamente de
instituições no exterior a agentes brasileiros, sendo usada especialmente para capital de
giro. A resolução 634 permitia aos bancos comerciais, de investimento e ao BNDE
contratarem empréstimos externos e repassá-los a empresas no país. (...). Esses
desenvolvimentos estão na origem do problema da dívida externa brasileira(...)” (Bonelli,
120).

“As soluções para os dois problemas que asfixiavam o regime anterior – financiamento do
setor público e balanço de pagamentos – foram encontradas: primeiro, em uma reforma
monetária que aumentou e indexou as receitas do governo e permitiu a colocação de
papéis indexados da dívida pública; segundo, através de um entusiástico apoio do
governo norte-americano ao novo regime, que possibilitou, entre outras coisas, o
reescalonamento dos pagamentos da dívida externa, reabertura de linhas de crédito
oficial e do Banco Mundial. Além disso, o problema do balanço de pagamentos seria
atenuado pela melhoria da balança comercial em 1964 e 1965, devida à recessão
industrial doméstica, e pelos maiores ingressos de inversões estrangeiras” (Bonelli,
120).

• Contração fiscal: [i) ⇑ impostos → ⇑ arrecadação] ⇒ [i) ⇓ déficit: 4,2% PIB (1963);
3,2% (1964); 1,6% (1965); 1,1% (1966)].

“Os impostos diretos e indiretos foram imediatamente aumentados. O déficit do governo


como proporção do PIB, que era de 4,2% em 1963, já em 1964 declinava para 3,2%, em
1965 era apenas 1,6% e em 1966, 1,1%. Também a forma de financiamento do déficit foi
substancialmente alterada. Desde 1960, o déficit era quase que integralmente financiado
pelas emissões de papel-moeda. Em 1965, 55% do défict foram financiados através de
venda de títulos da dívida pública e, em 1966, o déficit foi totalmente financiado pelos
empréstimos junto ao público” (218).

151
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“A política fiscal restritiva de 1964 e 1965 completou o pacote ortodoxo inicialmente


introduzido com o Plano Trienal no início de 1963 e acabou determinando a queda do
produto industrial de 4,7% em 1965. O PIB só não decresceu porque a agricultura teve
um ano excepcional” (222).

“A arrecadação cresceu rapidamente após a reforma contribuindo para reverter a


tendência ao déficit público” (Saes, p. 178).

“A partir de então, o déficit orçamentário do governo federal em proporção do PNB


diminuiria ininterruptamente de um máximo de 4,2% em 1963, para 0,3% em 1971(...)”
(Baer, p. 227).

• Política monetária errática: i) 1º tri/1964: folgada; ii) 4º tri/1964: apertada; iii) 1965:
folgada; iv) 2º sem./1966: apertada ⇒ desaceleração (fins de 1966/1967).

• Descontrole monetário e creditício: i)superávit no BP: falta de agilidade na


esterilização; ii)Banco do Brasil.

“As políticas monetária e de crédito ao setor privado foram bem mais erráticas. A partir
do segundo trimestre [1964], tanto a moeda quanto os preços expandiram-se
aproximadamente em linha com os preços, havendo um primeiro aperto de liquidez no
último trimestre do ano. Em 1965, entretanto, as políticas monetária e creditícia foram
extremamente folgadas, elevando substancialmente os índices de liquidez real. (...). A
principal razão para este grau de descalibragem na política monetária parece ter sido o
resultado do balanço de pagamentos. a política econômica de Campos e Bulhões recebeu
apóio das agências financeiras internacionais. (...). Simultaneamente, a redução da taxa
de crescimento, tanto em 1964 quanto em 1965, reduziu as importações. Em 1965, o
valor em dólares das importações brasileiras foi igual ao observado em 1965, o mais baixo
ocorrido nas décadas de 1950 e 1960. As exportações recuperaram-se em 1964 e
atingiram nível recorde em 1965, cujo resultado foi o superávit de US$ 331 milhões no
balanço de pagamentos no ano de 1965. As reservas dobraram, passando para US$ 484

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

milhões. A política monetária não foi suficientemente ágil para esterelizar este influxo
de moeda gerado pelo superávit externo, e até o primeiro trimestre de 1966 a liquidez real
da economia esteve folgada. A partir do segundo trimestre de 1966, a política monetária
foi invertida, tornando-se apertada” (218-9).

• Bem sucedido (médio prazo): i) controle gradual da inflação; ii) retomada do


crescimento (a partir de 1966); iii) reequilíbrio externo (a partir de 1964).

“O programa de estabilização implementado entre 1964 e 1968 logrou reduzir a taxa de


inflação anual de algo próximo de 100% no primeiro trimestre para algo em torno de
20% em 1969. Simultaneamente, o crescimento do produto, que em 1963 fora de apenas
0,6%, recuperou-se após 1966, e já em 1968 atingia a taxa de 9,8%” (213).

• Gradualismo excessivamente lento (passo de tartaruga): i) estabilização da taxa de


inflação em 24% (1967-69); ii) degrau desinflacionário (1965). (Simonsem)

“Tudo indica que houve uma revisão do conceito de gradualismo, no sentido de uma
considerável desaceleração do objetivo desinflacionário. Alguns críticos apelidaram essa
fórmula de ‘gradualismo a passo de cágado’. Outros insistem que o país trocou a meta de
estabilização monetária pela da estabilização da taxa de inflação, já que o aumento do
custo de vida se fixou na casa dos 24% anuais no triênio 1967/1969. (...). Como quase todas
as críticas, as acima mencionada misturam uma dose de verdade com bom contingente de
injustiça. Este último se refere ao esquecimento dos dois degraus descententes do
processo inflacionário – um em 1965 e outro em 1967, ambos alcançados com o sacrifício
de duas crises de estabilização.(...). Contudo é inegável que o gradualismo brasileiro se
vem conformando com um ritmo bastante lento. (...). E por mais que se encontrem
explicações para o retardamento da meta desinflacionária, é fora de dúvida que 20% de
alta de preços ainda representam um exagero de resíduo inflacionário” (Simonsen: 13-4).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

[1) conflito de objetivos: desenvolvimentismo (crescimento econômico) X estabilização


de preços; 2) inflação corretiva; 3) correção monetária → indexação → perpetuar a
inflação (inércia); 4) comércio exterior: i) desvalorização cambial → ↑ custo; ii) saldo
no BP → ↑ reservas → ↑ base monetária; 5) ORTN → ↑ taxa de juros real → ↑ custos;
6) “ojeriza nacional às crises de estabilização (convenção do crescimento)] ⇒ ↓ lenta da
inflação (gradulismo excessivo).

“A lentidão do nosso gradualismo parece ter sido resultado de um conflito de objetivos.


No campo econômico a revolução não se propôs apenas ao combate à inflação, mas a
uma série de outras metas que, de alguma forma, teriam que retardar a meta de
estabilização monetária. Em parte se pode afirmar que o PAEG partindo de uma moldura
teórica excessivamente simplista, esquecera de dar a devida ênfase a esse conflito de
objetivos. Em parte, porém, o atraso no combate à inflação proveio de uma concepção
desenvolvimentista de horizonte curto, fatalmente avessa às crises de estabilização”
(Simonsen: 14).

“Em princípios de 1964 a inflação brasileira não era apenas galopante. Era também
reprimida. Isso certamente se transformaria em um dos principais obstáculos à rapidez
gradualista proposta no PAEG. Uma política de estabilização não deve visar apenas à
eliminação das altas de preços. Deve também, e principalmente objetivar à sustentação de
um sistema de preços eficiente, do ponto de vista da alocação de recursos. Em abril de
1964, essa perspectiva exigia o descongelamento de diversos setores – aluguéis
combustíveis, serviço de utilidade pública, etc. cujos preços haviam sido comprimidos
naquela clássica tentativa de combater a inflação pelos seus sintomas. Assim, uma das
primeiras medidas(...) foi a implantação daquilo que iria se chamar de ‘inflação
corretiva’(...)” (Simonsen: 14-5)

“Um segundo fator de retardamento da inflação foi a disseminação em larga escala da


fórmula da correção monetária. (...). (...)a correção monetária atua como um
realimentador automático da inflação” (Simonsen: 15-6)

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

“No que diz respeito à inflação, é sabido que a correção monetária, sendo uma fórmula de
neutralização das distorções por ela causadas, é também um realimentador do ritmo de
ascensão dos preços” (Simonsem: 191).

“Uma terceira variável foi a do comércio exterior. Em princípios de 1964 o Brasil, além de
hiperinflacionado, era um país virtualmente insolvente em seu comércio com o resto do
mundo(...). Um dos êxitos incontestes da Revolução(...) foi o ter transformado essa
situação numa posição de sensíveis superávits cambiais. Contudo, essa recuperação exigiu
uma atualização das taxas de câmbio que inevitavelmente se refletiria nos custos
internos. A acumulação de reservas cambiais implicava numa contrapartida de
expansão monetária dificilmente conciliável com a austeridade dos orçamentos do PAEG”
(Simonsem: 16)

Tabela XI.1 – PAEG: Retomada do Crescimento e Controle Gradual da Inflação


(1964-68)
PIB PIB PIB PIB Deflator FBCF ICV
(%) Ind. (%) Agríc. (%) Serv. (%) imp PIB (%PIB) (Guanabara)
1963 0,6 - 0,2 1,0 - 0,1 78,4 17,0 -
1964 3,4 5,0 1,3 1,4 89,9 15,0 104,1
1965 2,4 - 4,7 12,1 2,3 58,2 14,7 43,4
1966 6,7 11,7 - 1,7 6,6 37,9 15,9 35,6
1967 4,2 2,2 5,7 4,6 26,5 16,2 40,8
1968 9,8 14,2 1,4 9,9 26,7 18,7 32,3
1969 9,5 11,2 6,0 9,5 20,1 19,1 12,6

Tabela XI.2 – PAEG: Re-equilíbrio Externo (1964-68)


Exp. Imp. B. Com. C/C Saldo Total
(US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.)
1963 1406,0 1294,0 112,0 - 114,0 - 244,0
1964 1430,0 1086,0 344,0 140,0 4,0
1965 1596,0 941,0 655,0 368,0 331,0
1966 1741,0 1303,0 438,0 54,0 153,0
1967 1654,0 1441,0 213,0 - 237,0 - 245,0
1968 1881,0 1855,0 26,0 - 508,0 32,0
1969 2311,0 1933,0 378,0 - 281,0 549,0

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

(ANPEC, 1997) a) Discorra sobre a política antiinflacionária do governo castelo Branco,


e seus resultados sobre a evolução dos preços e da produção. B) Você classificaria essa
política como “ortodoxa” ou como “heterodoxa”. Justifique.

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

X – Costa e Silva e Médici (1967-73)

Corrêa do Lago

Sinopse
1. PED (1968): i)retomada do crescimento ⇒ legitimação; ii)controle da inflação; iii)
↑ comércio exterior.
2. Milagre econômico: i) ∆PIB (1968 e 1973) > 11% a.a.; ii) controle da inflação;
iii) consolidação do equilíbrio externo.

• Heranças:
i) crise de estabilização: aperto monetário (fins de 1966/1º tri de 1967) ⇒ desaceleração
(curto prazo);
ii) reformas institucionais (PAEG) ⇒ viabilizou o milagre (médio/longo prazo).

“(...)durante uma crise de estabilização promovida pela administração anterior. De fato,


em 1966 o crescimento acumulado dos meios de pagamento (M1) foi de apenas 13,8%
diante de um aumento do Índice Geral de Preços (IGP), no mesmo período, da ordem de
34,5% enquanto o crédito ao privado também sofreu redução. Tal aperto monetário e
creditício foi mantido no primeiro trimestre de 1967, quando ambos os agregados
tiveram crescimento real negativo. Se a herança de curto prazo da administração anterior
era uma recessão, também era inegável que nos três anos anteriores tinham ocorrido
profundas mudanças na condução da política econômica, que tiveram impacto positivo
inegável em diversas áreas da economia(...)” (p. 234).

“O PAEG preparou o terreno para a retomada do crescimento. Entre 1964 e 1967,


porém, as taxas de crescimento econômico foram baixas, fruto inclusive do próprio
componente conjuntural do plano que estabeleceu políticas de contenção de demanda.
Neste quadro, a equipe econômica que assumiu o comando em fins de 1967, em vez de
prosseguir no combate à inflação, passou a ver o crescimento econômico como
necessidade mais importante, inclusive para legitimar o regime” (Saes, p. 185).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Estrutura administrativa com experiência em planejamento ⇒ diagnóstico do


EPEA/IPEA (Plano decenal de desenvolvimento econômico): debilitamento do setor
privado e excessiva pressão do setor público.

1. Programa Estratégico de desenvolvimento (PED) (1968): [i)retomada do


crescimento (prioridade) ⇒ legitimação do regime] ⇒ ii)controle da inflação
sem sacrificar a demanda (crescimento); iii) ↑ comércio exterior.

“(...)uma estratégia bastante semelhante à do governo anterior: a busca do crescimento


econômico promovido pelo aumento de investimentos em setores diversificados; uma
diminuição do papel do setor público [que não se materializou] e o estímulo a um maior
crescimento do setor privado; incentivos à expansão do comércio exterior e, finalmente,
uma elevada prioridade para o aumento da oferta de emprego e outros objetivos sociais.
Esses objetivos claramente não tinham sido alcançados pelo governo Castelo Branco e essa
constatação levou a um novo diagnóstico da economia e, em particular, das causa da
inflação remanescente. Necessidades de ordem política também pareciam exigir uma
retomada do crescimento, para legitimar o regime. Esta somente seria compatível com
um programa de redução da inflação que não resultasse em uma contenção ‘indevida’ da
demanda. A existência de significativa capacidade ociosa no setor industrial sugeria que
a produção poderia reagir a estímulos adequados. Por outro lado, a nova equipe estava
convencida de que a pressão sobre o nível dos preços era principalmente oriunda da área
de custos (notadamente o custo do crédito). A ação sobre os preços através de controles
diretos passaria logo a merecer maior atenção do governo e permitiria compatibilizar uma
queda do ritmo de aumentos dos preços (de caráter mais gradual do que aquele que a
administração anterior pretendera), com taxas de crescimento da produção e do emprego
mais elevadas. (...). O objetivo básico declarado do novo governo permanecia, como já se
mencionou, o desenvolvimento econômico, ‘que condicionará toda a política
nacional’(...). Na definição das diretrizes da política econômica, destacavam-se como
‘objetivos fundamentais: (i) a aceleração do desenvolvimento; (ii) a contenção da
inflação’” (p. 235).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Retomada crescimento em fases: i) melhor utilização da capacidade instalada; ii)


investimentos em infra-estrutura (energia, transporte, educação) ⇒ ↑ quantidade
e da qualidade dos fatores de produção.

“Na fase inicial, a aceleração do ritmo de desenvolvimento operar-se-á principalmente


através da melhor utilização da capacidade existente; na etapa seguinte, principalmente
através da expansão da quantidade e melhoria da qualidade dos fatores de produção,
mediante a intensificação dos investimentos nos setores prioritários, o aperfeiçoamento
dos métodos de produção e o fortalecimento dos recursos humanos. Passada essa fase,
para a manutenção de um ritmo de crescimento do produto nacional igual ou superior a 6%
ao ano, seria necessário elevar a ‘taxa de investimento para níveis próximo a 20% do
produto’” (235-6).

“Os investimentos deveriam concentrar-se em infra-estrutura (energia, Transportes e


comunicação), Siderurgia, Mineração, Habitação, Saúde, Educação e Agricultura...
evitando-se uma pressão excessiva sobre o setor privado e promovendo-se uma redução
progressiva’ da participação do setor público no investimento global [que não ocorreu]”
(236).

• Novo diagnóstico (Delfim Netto): i)inflação de custos (principalmente: não


negando a existências de pressões de demanda); ii)capacidade ociosa no setor
industrial: ↑ produção sem inflação.

“Dada a capacidade ociosa existente, decorrentes de anos de estagnação anteriores, as


políticas expansionistas puderam levar a um aumento significativo do produto sem
maiores pressões em termos de inflação” (Saes, p. 186).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Receituário: (1) controle de custos: i) crédito; ii) salários; iii) preços; (2) sem
descuidar do lado de demanda.

• Gradualismo: i) ↓ progressiva da inflação sem prejudicar (retomada do)


crescimento (meta prioritária); ii) não no sentido de inflação corretiva (já
encerrada).

“Quanto à contenção da inflação, a nova estratégia procuraria ‘tornar eficaz o objetivo e o


esforço de contenção dos preços. Sem descurar o controle dos focos tradicionais de
inflação de procura, o diagnóstico do comportamento recente da economia brasileira... a
realizar um ataque concentrado sobre os focos da inflação de custos. O objetivo
governamental [era] expandir o nível de atividade, e, simultaneamente, atingir relativa
estabilidade de preços. No tocante à estabilização, o progresso [teria] de ser gradual: em
cada anos... um ritmo de inflação inferior ao do ano anterior’. Delineando a ‘orientação
geral’ da política, o documento registrava que ‘não obstante o empenho do governo
anterior, a política econômica e a forma de controle da inflação ultimamente praticados
não (haviam logrado) alcançar plenamente os resultados desejados, seja quanto à
retomada do desenvolvimento, seja quanto à contenção da inflação’. O novo diagnóstico
sugeria que a política anterior resultava em diminuição do nível de atividade da
economia, que provocava pressões de custos que haviam impedido novas quedas
significativas da taxa de inflação’” (236).

“Preocupada com custos, a nova equipe manteve a política salarial anterior, ainda que
atenuando os seus efeitos negativos sobre o salário real e, portanto, sobre a demanda.
Concentrou um esforço especial na contenção das taxas de juros pagas pelos tomadores
do setor privado, inclusive através de incentivos ao setor bancário (compulsório
remunerado), da fixação temporária de tetos de juros e através do estímulo à concentração
bancária. A contenção de custos deveria incluir, também, em uma segunda etapa, o
controle de preços dos insumos e de produtos selecionados que se iniciaria com a
CONEP (com caráter voluntário) e depois passou a ser implementado compulsoriamente
pela Comissão Interministerial de Preços (CIP) a partir do final de 1967. A nova equipe

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

considerou basicamente encerrado o período de ‘inflação corretiva’, que envolveu o


realinhamento de preços e tarifas do setor público entre 1964 e 1967, e que passaria a dar
um maior equilíbrio às empresas estatais fornecedoras de serviços públicos, aliviando a
conta de subsídios diretos do governo federal” (p. 238).

“Como seria de esperar, diante da ênfase concedida ao crescimento econômico pela


equipe do ministro Delfin Netto, a partir de 1967 os ganhos no combate à inflação
deixaram de ser tão expressivos quanto no triênio anterior. De fato, a nova
administração admitia o convívio com certo nível de inflação, que se encontrava na faixa
de 20 a 30%, contanto que o ritmo de crescimento dos preços viesse a mostrar,
gradualmente, uma tendência à queda” (245).

I) Combate à Inflação

• Setor bancário ineficiente ⇒ spread elevado ⇒ juros alta (elevado custo do


crédito): principal fonte de pressão de custo.

• Controle de taxas juros: [i) fixação de teto para a taxa de juros nominal; ii)
manipulação dos compulsório em troca de menores taxas de juros] → ↓ custo
crédito → ↓ inflação.

“(...)os custos do sistema financeiro eram muito elevados e que as taxas de juros pagas
pelos tomadores era um elemento de custo das empresas que precisava ser reduzido.
Havia uma noção generalizada de que o sistema bancário, no seu conjunto, era bastante
ineficiente. Um estudo cobrindo os anos 50 e os anos 60 até 1966 mostra que teria
realmente ocorrido ‘aumento nos custos bancários da economia brasileira’, mas que mesmo
assim os ‘bancos aumentaram os seus lucros no período, operando a spreads crescentes sem
ser prejudicados pelas taxas de juro negativas nos empréstimos” (255).

“(i)o controle das taxas de juros através da fixação de taxas máximas (tetos) de
aplicação e captação em segmentos específicos do setor financeiro ou de redutores sobre

161
MODENESI, A.M. 9/3/2005

as taxas médias observadas no ano anterior; (ii)incentivos aos bancos comerciais,


através da manipulação dos coeficientes de composição dos depósitos compulsórios e de
um redução gradual do custo do redesconto e de outros créditos concedidos ao sistema
bancário, ‘em troca’ de uma contenção dos níveis de juros dos empréstimos bancários”
(255).

“Claramente o governo não permitiu a formação das taxas de juros através do livre jogo
do mercado. Diante da preocupação de reduzir o nível geral dos custos da economia,
parecia justificar-se uma intervenção de caráter duradouro” (255)

• Fixação de taxa juros nominais para setores prioritários (agricultura e


exportação) abaixo da inflação ⇒ taxa de juros reais negativas.

“As taxas de juros para setores prioritários (agricultura e exportação, por exemplo), e
especialmente no caso dos empréstimos concedidos por instituições oficiais (notadamente
o BNDE e o Banco do Nordeste) foram sempre fixadas em termos nominais durante todo
o período, freqüentemente abaixo da taxa de inflação, excetuando-se as operações na área
habitacional, na qual prevaleceu a correção monetária tanto na captação quanto na
aplicação de recursos” (225).

• [Promoção da Concentração bancária (objetivo: ↑ número de grandes (fortes)


instituições → competição → ↓ juros): i) incentivos fiscais à aquisições e
incorporações] ⇒ elevado grau de concentração (captação e concessão de
recursos) sem aumentar a concorrência: oligopolização sistema bancário.

“A concentração bancária foi efetivamente promovida de forma ativa, inclusive através


de vantagens fiscais às fusões e incorporações, a partir de 1971(...). A política do governo
beneficiou a formação de conglomerados, ou seja, de grupos de instituições financeiras
atuando nas várias faixas criadas pelas reformas de 1964-66(...)” (258).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

“O resultado dessa política, porém, não foi a existência de uma ‘saudável competição entre
um número relativamente grande de instituições fortes’ e sim uma concentração
expressiva da captação e das aplicações em um número reduzido de conglomerados
financeiros, eliminando boa parte do fator de concorrência que poderia reforçar uma
queda das taxas de juros reais do sistema. Assim, o sistema bancário se encontrava mais
forte em 1973 do que na década anterior, mas já bastante oligopolizado” (255-6).

• Mantida as linhas gerais da política salarial do PAEG: [i) 1967: fórmula mantida; ii)
1968: resíduo inflacionário < inflação → correção] ⇒ atenuou os efeitos depressivos
sobre o salário mínimo real.

• [↓ participação relativa trabalhadores recebiam salário mínimo] ⇒ [↑ salário (real)


médio].

• [↑ salário (real) médio < ⇑ produtividade] ⇒ [↓ participação do rendimento do


trabalho (salários) na renda nacional] ⇒ concentração da distribuição funcional da
renda.

• Objetivo: i) ↓ custos de produção → ↓ inflação; ii) não era resolver inconsistência


distributiva.

“(...)herdou uma política salarial com regras de reajuste definidas, e um arcabouço legal
quanto a negociações salariais muito restritivo” (284).

“A nova administração que tomava posse em 1967 manteve inalteradas, naquele ano, as
regras salariais existentes. Somente em meados de 1968, possivelmente a partir de uma
maior preocupação com a manutenção de um nível de demanda adequado, a lei 5.451 de
12.06.068 introduziu uma mudança na fórmula de cálculo dos salários visando corrigir a
distorção resultante da subestimação, a cada ano, da inflação prevista, ou seja, do resíduo
inflacionário. ‘Assim, toda vez que o resíduo inflacionário do ano imediatamente
anterior ao mês de reajuste [tivesse sido] subestimado, o salário médio real dos últimos

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

12 meses seria corrigido, de sorte que a compressão salarial de um ano não fosse
transmitida para o ano seguinte (todavia, a mesma correção não foi introduzida para o
salário médio real do penúltimo ano antes da data do reajuste). Feita essa modificação, não
mais seria alterada a base da política salarial até novembro de 1974” (284-5).

“Uma forte queda de 1964 a 1967 é confirmada pelas várias séries. A partir de 1968, a
evolução dos salários reais, com base nos diversos deflatores, não é uniforme” (285).

“A série do DIEESE, que não tem um comportamento anômalo em 1973, indica uma
perda continua de poder aquisitivo de 1964 a 1974, da ordem de 42%. Entre 1967 e
1973, tal perda teria sido da ordem de 15,1%, enquanto a perda maior, da ordem de 25,2%,
teria ocorrido de 1964 a 1967. Qualquer que seja o indicador escolhido, no período de 1967
a 1973 ocorreu uma queda ou estagnação do salário mínimo real apesar do forte
crescimento da economia e da produtividade do trabalho. A magnitude dessa perda, no
entanto, não se estendeu ao salário médio por razões que merecem ser examinadas.
Enquanto permanece inequívoco que um trabalhador que ganhou salário mínimo durante
o período 1967-1973 não teve qualquer ganho de poder de aquisitivo, os dados
estatísticos disponíveis indicam que houve uma queda relativa do número de
trabalhadores que ganhavam apenas um salário mínimo, e uma aumento do coeficiente
entre o salário médio e o salário mínimo legal, notadamente no setor industrial, que
apresentou forte crescimento” (285-6).

“(...)os salários não se beneficiaram proporcionalmente do forte crescimento do


produto e da produtividade no período em estudo, e de que a massa salarial não parece
ter crescido como proporção da renda interna, mantendo-se uma taxa de lucro e
capacidade de investimentos elevados. É essa a tendência sugerida pelos insatisfatórios
indicadores de distribuição funcional da renda urbana disponíveis e da participação dos
salários no valor da transformação industrial. Em suma, no período 1967-1973, a política
salarial e a política de relações trabalhistas do governo tiveram como resultado uma
contenção dos níveis de salário real, dentro do espírito de combate à inflação de custos da
nova administração, favorecendo a acumulação de capital via manutenção de elevada taxa

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

de lucro, e possibilitando uma política de remuneração seletiva para o pessoal de nível mais
elevado” (287).

• Controle de preços: i) CONEP (1964-1966): voluntário; ii) Conselho


Interministerial de Preços (CIP: 1967): i) compulsório; ii) reajustes com base nos
custos; iii) rentabilidade do setor; iv) estruturas de mercado.

• Auxiliar no combate à inflação.

“no período de 1964-66, em vista da própria condenação do controle de preços contida no


PAEG, o controle existente era baseado em um esquema de natureza voluntária e de
compensações de rentabilidade coordenado pela Conep. A nova equipe mudou de atitude já
no final de 1967 através do decreto 61.993 (28.12.67) ‘que subordinou todos os reajustes de
preços por parte das empresas à previa análise e avaliação da Conep’. Generalizou-se o
controle compulsório que passava a ser ‘elemento coadjuvante do combate à inflação’,
propósito que ficou explicitado quando da criação do Conselho Interministerial de
Preços(CIP)(...). ‘Institucionalizaram-se os reajustamentos com base nas variações de
custos. Outros fatos a serem considerados nos exames de pedidos de reajustes seriam ‘os
níveis de rentabilidade, a influência dos produtos e serviços na formação de custos dos
diferentes setores de mercado que (refletissem) situações monopolísticas ou oligopolísticas
e a ocorrência de anomalias de comportamento dos setores, empresas ou estabelecimentos
que (fossem) capazes de perturbar os mecanismos de formação de preços’. Esses princípios
gerais de atuação do CIP permaneceriam estáveis entre 1969 e 1973” (245-6).

• [i) Meta prioritária: crescimento ⇒ complacência com a inflação; ii) economia


superaquecida (demanda forte; crescimento elevado)] ⇒ [i) manutenção da
inflação relativamente sob controle (até 1973); ii) recrudescimento da inflação
(1973-74)].

“O crescimento a uma taxa muito elevada e a forte demanda global dificultaram o


declínio da taxa de inflação” (246).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

“A aceleração da inflação estava claramente associada com o nível de atividade da


economia que como já se viu alcançava taxas de crescimento sem precedentes, mas
também com as políticas monetária, fiscal e creditícia” (248).

II) Retomada do Crescimento

• Políticas monetária, creditícia e fiscal: gradualmente relaxadas a partir de 67 ⇒


estímulo de demanda.

“Um maior estímulo foi dado a demanda, já a partir de 1967, através de políticas
monetária, creditícia e fiscal mais ‘flexíveis’, que se tornariam nos anos seguinte
gradualmente expansionistas” (p. 237).

“A partir de 1968, primeiro ano de plena implementação da política mais expansionista da


nova administração, tanto o produto global como os produtos setoriais apresentaram forte
crescimento” (p. 239).

“Na segunda metade de 1966, o governo implementou um forte aperto de liquidez(...). A


partir de 1967, porém, a nova equipe econômica inicialmente reverteu a política
monetária e creditícia ocorrendo significativa expansão da oferta de moeda e do crédito
naquele ano. No entanto, considerando-se as taxas anuais de crescimento daqueles
agregados nos anos seguintes, enquanto o crédito continuou a se expandir, em termos reais,
a taxas elevadas, os aumentos reais da oferta de moeda e o crescimento médio real dos
meios de pagamentos se mantiveram em linha com o crescimento do PIB real. É a partir de
1972 que ocorre a aceleração que muitos autores associaram com o recrudescimento da
inflação” (249).

• ↑ crédito do sistema monetário e não-monetário (BNH, BNDE, CEF, financeiras).

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• Seletividade do crédito: i) agricultura (principal fonte expansão monetária) → ↑ oferta


→ ↓ inflação; ii) exportações → equilíbrio no BP.

“Foi particularmente notável a expansão do crédito, e especialmente do crédito ao


consumidor e à agricultura. A concessão de isenções fiscais e de juros favorecidos ao
setor agrícola aliada a uma maior volume de crédito tinha entre outros objetivos o de
assegurar uma oferta adequada de alimentos (cujo impacto sobre os índices de inflação
era significativo) estimular as exportações de produtos primários e, talvez sem a mesma
ênfase, aumentar a renda rural e conseqüentemente corrigir os desequilíbrios regionais e
reduzir o êxodo rural. Destinaram-se, também, significativos recursos para a construção
de residências e aquisição de moradias através do Sistema Financeiro de habitação – SFH.
Criaram-se subsídios adicionais, facilidades creditícias e reduziram-se os entraves
burocráricos para aumentar as exportações, e diversificar mercados especialmente de
produtos manufaturados que também foram muito beneficiados pela adoção do regime de
minidesvalorizações cambiais a partir de 1968. Criava-se, assim, também, um clima
favorável para o investimento estrangeiro e para um acesso mais fácil do país a
empréstimos externos” (p. 237).

• ⇑ crédito consumidor (1967-1973) ⇒ ↑ consumo de bens duráveis (automóveis e


eletrodomésticos) sem redistribuição de renda: desbancou o pessimismo pós-ISI
(Tavares).

• Fundamental na retomada do crescimento.

“[A expansão do setor de consumo durável] foi possibilitado pela grande expansão de
crédito ao consumidor, tanto pela expansão na fonte de recursos a sua disposição, como
pelos estímulos do governo. Esta forma de crescimento mostra a opção pelo crescimento
vertical, redinamizando-se a economia com base no endividamento familiar (classe
média alta) e que permitia a validação dos investimentos realizados no ciclo expansivo
anterior, sem a necessidade de um processo redistributivo. Enfatiza-se o
aprofundamento do modelo concentrador até então vigente, incorporando novas

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

classes ao consumo graças ao crédito. Note-se que de acordo com o diagnóstico de


Tavares (1975) para a retração do início dos anos 60, a recuperação só poderia vir com o
crescimento do gasto autônomo e pela ampliação do mercado consumidor. Ambos
elementos constam na nova situação: a ampliação da capacidade financeira do Estado
elevou o gasto autônomo e o endividamento familiar ampliou o mercado consumidor”
(Saes, p. 186-7)”

• Governo federal ⇒ [redirecionamento das financeiras do financiamento da


produção (capital de giro) para o consumo (crédito ao consumidor e pessoal): 1)
Resolução 45 (12/1966): i) criou o crédito ao consumidor; ii) financeiras aplicar
40% recursos no crédito ao consumidor; 2) Resolução 55 e 77 (1967): ↑
concentração dos recursos das financeiras no crédito ao consumidor].

“De fato, a produção de bens de consumo também aumentou consideravelmente no


período, particularmente a produção de bens de consumo durável. Esse forte aumento
tem sido associado com o processo de concentração de renda pessoal que se observou
durante o período em estudo, mas na realidade, deveu-se também, em grande parte, à
forte expansão do crédito ao consumidor a partir de fins de 1966, quando as sociedades
de crédito, financiamento e investimento foram redirecionadas pelo governo, do
fornecimento de capital, para o crédito direto ao consumidor e para o crédito pessoal.
Prazos de financiamento generosos, o controle temporário de juros pelo governo e a
existência de consórcio tiveram especial impacto na demanda de automóveis mas
também na produção de eletrodomésticos(...)” (p. 241).

“(...)através da Resolução 45 de 31.12.66, criou-se o crédito ao consumidor,


determinando-se que as financeiras passavam a ter que destinar 40% dos seus recursos
ao crédito ao consumidor, reduzindo proporcionalmente as operações de capital de giro.
Em 1967, e nos anos seguintes, o crédito ao consumidor e o crédito pessoal receberam
maior ênfase através das Resoluções 55 e 77 de 1967, que concentravam ainda mais as
atividades das financeiras no crédito ao consumidor e aos usuários finais de bens e
serviços” (261).

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• Desde o PAEG: objetivo de garantir oferta de crédito adequada ao setor privado.

“A partir de 1964, e também de 1967-1973, o governo buscou atingir o duplo objetivo de:
(i) conter as necessidades de financiamento do setor público; e (ii) assegurar uma
oferta de crédito adequada ao setor privado” (259).

• ⇑ Participação do crédito concedido ao setor privado (no total concedido pelo


sistema bancário).

“(...)a participação do crédito ao setor privado no crédito total concedido pelo sistema
bancário (Banco do Brasil + bancos comerciais) aumentou claramente de 1967 ara 1973”
(259).

• Oferta de crédito de LP não se expandiu (exclusivamente agências públicas e


bancos oficiais: BNDE, FINAME, BNB, BRDE, BB e BNH).

“A nova organização do sistema financeiro não alcançou todos os resultados almejados,


notadamente quanto ao aumento da oferta de crédito de longo prazo” (260).

• Tentativa frustrada de fomentar o mercado de ações.

“A partir de fins de 1971 e até o final da década de 1980, o mercado de ações deixou de
exercer a mesma atração sobre os investidores do que a observada antes da ‘crise’ de 1971,
e portanto falhou a tentativa de torná-lo um instrumento duradouro de capitalização das
empresas” (263).

• PAEG: [(1) saneamento fiscal; (2) financiamento do déficit via títulos] ⇒ viabilizou
expansão fiscal (a partir de 1967): i) modesta elevação da carga tributária (criação do
IOF); ii) alto nível de renúncia fiscal (21,6% da receita): incentivos e subsídios a
investimentos industriais (isenção de II, IR, IPI) e regionais (SUDAM, SEDENE,

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

IBDF, IDEPE, EMBRATUR, EMBRAER, Mobral, BNB); iii)investimento em infra-


estrutura.

“Com as finanças públicas ‘saneadas’ pela administração anterior e o crescente


financiamento do déficit público através de emissão de títulos, o governo manteve
elevado o nível de dispêndio, especialmente em novos investimentos de infra-
estrutura(...). As empresas estatais recorreram, também, de forma crescente a
empréstimos externos, o que era bem visto pelas autoridades econômicas, inicialmente
preocupadas com a acumulação de reservas. Nesse contexto, diante de um maior
equilíbrio das contas públicas, o governo não hesitou em lançar mão de um amplo
esquema de subsídios e incentivos fiscais para promover setores e regiões específicas, e
que passaram a fazer parte da política econômica do governo” (p. 237).

“No tocante aos empréstimos concedidos por instituições oficiais, as taxas de juros foram
utilizadas como instrumentos de incentivos a setores específicos, podendo inclusive ser
negativas em termos reais” (256).

“(...)beneficiou-se das reformas tributária e administrativa implementada pelo governo


anterior e buscou manter uma política de aumento da eficiência da máquina
governamental, com uma arrecadação crescente e uma redução relativa dos gastos de
custeio visando a redução do déficit público” (263-4).

“(...)se mantiveram ao longo de todo o período 1967-1973 importantes incentivos fiscais


que representavam uma renúncia de arrecadação dos governos federal e estaduais.
Somando-se incentivos fiscais às pessoas jurídicas, às pessoas físicas e os concedidos
através do CDI, tem-se um total(...) equivalente a 21,6% da receita efetivamente
arrecadada” (264).

“Cabe lembrar que, até 1968, parte do déficit do tesouro foi financiado pelas autoridades
monetárias, mas a partir de 1969 o déficit foi amplamente coberto pela colocação líquida

170
MODENESI, A.M. 9/3/2005

de títulos da dívida pública federal (ORTNs e LTNs) junto ao público, sobrando recursos
líquidos para as autoridades monetárias” (264).

“A redução do déficit do Tesouro e até mesmo a geração de um superávit em 1973,


refletem, sem dúvida, um saneamento das contas do governo, consolidando os esforços
empreendidos de 1964 a 1966, mas são parcialmente enganosos especialmente a partir do
final dos anos 60, diante da crescente importância de gastos públicos não incluídos nas
despesas do Tesouro e que passaram a fazer parte do chamado ‘orçamento monetário’.
Dois desses itens de despesa básica eram os juros e a correção monetária da dívida
pública e os subsídios embutidos no crédito subsidiado, especialmente para a
agricultura e a exportação. A tendência de elevação dessas despesas contrabalançava,
em parte, o aparente equilíbrio das contas do governo” (265).

“(...)no período 1967-1973, excluindo-se os itens mencionados relegados ao ‘orçamento


monetário’, o governo consegui aumentar a arrecadação líquida e diminuir
importantes contas do lado da despesa, gerando uma poupança em conta corrente
suficiente para financiar os investimentos das administrações públicas” (266).

• Setor público: [i) ↑ investimentos em infra-estrutura; ii) novas estatais (68-74:


231)] ⇒ [i) fundamental na retomada do crescimento; ii) consolidação setor de
BK (mecânica, material de transporte, material elétrico e de comunicações,
metalurgia, BKE)].

• Setor público: i) preenche as lacunas deixadas pelo setor privado (nacional e


internacional); ii) peso determinante no ciclo econômico.

“Os investimentos do governo em infra-estrutura contribuíram para a consolidação do


setor de bens de capital (que abrange segmentos dos gêneros industriais mecânica,
material de transporte, material elétrico e de comunicações e metalurgia, tal como definidos
pelo IBGE), e especialmente da produção dos bens de capital sob encomenda (BKE). De
fato, como se viu, a geração de energia elétrica e os serviços de transporte e comunicações

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

cresceram de forma sustentada como resultados das políticas setoriais estabelecidas pelo
governo, e claramente também tinham efeitos de arrasto sobre a indústria de transformação
e mais especialmente sobre a produção de equipamentos” (p. 240-1).

“(...) destaca-se a importância da política de investimentos do governo no período em


estudo como fator impulsionador do crescimento global da economia, em particular, da
indústria de bens de capital” (p. 244).

“‘(...)um papel pró-cíclico crescente das empresas públicas’ durante o período de expansão
1968-1973. No final de 1973 (e talvez antes) o setor das estatais tinha amadurecido e se
tornara elemento chave no modelo brasileiro de desenvolvimento bem com um
importante fator determinante de movimentos cíclicos na economia brasileira. Esta
característica se reforçaria nos anos 70 com o programa de substituição de importações de
insumos e de bens de capital” (244).

“(...)pouca dúvida parece haver de que a combinação de investimentos públicos em infra-


estrutura e a expansão das empresas estatais, que são as maiores do país, tenha feito do
governo o principal setor na rápida expansão do Brasil após 1968” (Baer, p. 245).

“O aumento dos gastos públicos foi o indutor principal do crescimento, com


importantes efeitos dinâmicos sobre a economia” (Saes, p. 186).

“(...) o governo federal permitiu a proliferação de empresas estatais federais e estaduais


no período de 1967-1973. Na realidade aquele período caracterizou-se como o de maior
intensidade de criação de novas empresas públicas no Brasil. (...)foram criadas entre 1968 e
1974, 231 novas empresas públicas” (p. 268).

“(...)por mais importante que possa ter sido de um ponto de vista administrativo, o Decreto-
lei 200 não aumentou realmente o papel do estado na economia brasileira (Trebat). De fato
como mostra outro estudo, ‘a verdade... é que o estado já estava há muito solidamente
implantado na maior parte dos setores que controlava. Sua expansão teve ideologia bem

172
MODENESI, A.M. 9/3/2005

atípica: a da prioridade do crescimento, desenvolvendo setores que a iniciativa privada,


por impossibilidade ou desinteresse, não (podia) desenvolver’ (Suzigan). Evidência de
que as estatais não estavam adquirindo maior importância relativa pode ser apresentada a
título de exemplo com relação ao nível de emprego nas estatais, que teve crescimento muito
inferior à expansão total do emprego no período, e inferior portanto à do setor privado”
(269).

“(...)as empresas parecem ter contado com significativos recursos internos (lucros +
depreciação) em virtude de uma política realista de preços públicos até 1975” (269).

• Elevado grau de intervenção estatal na economia: i) provedor de crédito; ii)


incentivos; iii) investimento/produção das estatais.

• Contraste com o discurso oficial: excessiva pressão setor público ⇒


debilitamento do setor privado.

“Mas todas as declarações em favor do desenvolvimento do setor privado e da livre


operação do mercado contrastavam com a proliferação de incentivos, novos subsídios
ou isenções específicos, que tornavam o papel do governo extremamente importante
para viabilizar certas operações do setor privado(...)”(p. 238).

“como supridor de crédito (e de subsídios) e demandante de bens, o Estado podia


influir ativamente na economia, o que ocorreu de forma permanente entre 1967 e 1973,
sem que se possa falar de um agravamentos do ‘grau de estatização do país’ e sim de forte
centralismo na condução da economia. Acentuava-se, porém, a dependência do setor
privado de subsídios governamentais, notadamente, no caso dos setores exportador e
agrícola, que permaneceriam um fator duradouro de expansão monetária enquanto o
esforço de investimento das estatais, ao exigir recursos externos em volume crescente,
iniciava um processo de endividamentos para com o exterior que se agravaria em anos
futuros” (271)

173
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Líderes da expansão: i) construção civil: ∆ (1968-1973) = 15%; ii) industrial (bens de


consumo duráveis)1: ∆ (1968-1973) = 13%; iii) serviços industriais (energia elétrica):
∆ (1968-1973) = 12%; iv) primário: ∆ (1968-1973) = 4,5%.

• Estimulados por políticas públicas específicas: i) investimento estatal; ii) incentivos


(fiscal, creditício, tarifário); iii) SFH; iv) regime minidesvalorizações cambiais.

“O crescimento industrial foi particularmente significativo: no mesmo período 1968-


1973, a indústria de transformação cresceu à taxa média de 13,3% ao ano (com um
máximo de 16,6% em 1973) e a indústria de construção civil (forte absorvedora de mão-
de-obra) à taxa média ainda mais elevada, de 15% ao ano. Os serviços industriais de
utilidade pública, incluindo principalmente a geração de energia elétrica, e que em boa
parte estava sob o controle do governo, apresentaram também crescimento anual da ordem
de 12,1%. O setor primário da economia também foi muito satisfatório entre 1969 e 1972,
mas 1968 e 1973 foram anos de estagnação. (...). O setor terciário teve igualmente uma
expansão expressiva entre 1967 e 1973, destacando-se o desempenho do comércio(...) e o
de transportes e telecomunicações(...)” (239).

“A segunda fonte de crescimento após 1968 reside na expansão da produção de bens


duráveis de consumo” (Baer, p. 245).

“O setor líder do crescimento neste novo ciclo expansivo continuou sendo o de bens de
consumo durável que apresentou taxas médias de crescimento no período em torno de 23%
a.a.(...)” (Saes, p. 186)”.

“A evolução favorável dos diversos setores foi influenciada por políticas


governamentais específicas” (239).

1
apesar de o crescimento do setor de construção civil ter sido ligeiramente superior ao da indústria é
praticamente consensual a idéia de que o setor industrial liderou a expansão econômica (Baer e Serra).

174
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Demanda setor de construção civil: [i) investimentos infra-estrutura (governo);


ii) ⇑ demanda setor habitacional (BNH, FGTS, sociedades de crédito
imobiliário2)];

“Esta cresceu tanto em função de grandes obras de infra-estrutura do governo como da


demanda do setor habitacional, estimulada com a criação do BNH, a adoção do sistema do
FGTS, cujos recursos passariam à gestão do BNH, e o surgimento das sociedades de
crédito imobiliário e outras instituições no setor habitacional(...)” (240).

• Construção: efeito arrasto elevado ⇒ [i) ⇑ demanda cimento; ii) material de


construção e equipamentos; iii) produtos siderúrgicos].

“A indústria de construção tinha claros efeitos de arrasto (linkages) sobre a indústria de


transformação, notadamente sobre a indústria de cimento, materiais de construção e de
equipamentos e sobre a produção siderúrgica” (240).

• Produção industrial: 1) utilização de capacidade ociosa (1970: plena capacidade);


2) ⇑ investimento (público e privado) ⇒ [i) ⇑ demanda (de BK) domésticos; ii) ⇑
importações].

“A indústria cresceu, inicialmente, com base em significativa capacidade ociosa. A


partir de estimativas do produto potencial da indústria de transformação, avaliou-se que
a utilização da capacidade de produção teria-se elevado de 76% em 1967 para 93% em
1971 e 100% em 1972-73. Porém, no início dos anos 1970, quando diversos setores se
aproximaram da plena capacidade, ocorreu um importante aumento de investimentos
tanto no setor público como no privado, que beneficiou diversos ramos industriais e
impulsionou a indústria de bens de capital, mas que exigiu também significativas
importações de máquinas e equipamentos” (239-40).

2
Criado(a) pelas reformas institucionais do PAEG.

175
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Vendas industriais: i) mercado interno (principal); ii) exportações (beneficiadas


por incentivos e regime de minidesvalorizações cambiais).

“Crescentes exportações de manufaturados teriam contribuído para o crescimento


industrial, especialmente o de ramos tradicionais como têxteis e calçados. Essas
exportações por sua vez, foram estimuladas pela política cambial mais realista
implantada a partir de meados de 1968 e pelos diversos incentivos fiscais e
creditícios(...). No entanto, o dinamismo do setor industrial no período 1967-1973
deveu-se principalmente à demanda interna, estimulada pelas políticas setoriais do
governo já mencionadas(...)” (240).

• Institucionalização da Política industrial: Comissão/Conselho de


desenvolvimento Industrial (CDI). Promoção setor industrial deixou de ser
esporádica (planos econômicos) ⇒ permanente.

• Concessão (indiscriminada) de benefícios à produção de BK ⇒ [i) ⇑ FBCF: ∆


(1968-70) = 18,9% do PIB e (1971-73) = 20,5%; ii) atrasou o desenvolvimento da
indústria doméstica de BK].

• CDI, BNDE, FINAME (Financiamento de Máquinas e Equipamentos), Befiex


(Benefícios fiscais às exportações), Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

“O processo de formação bruta de capital no período foi signifcativamente


influenciado pela política industrial iniciada em 1964 e coordenada pelo CDI(...)
consistia na concessão bastante indiscriminada de incentivos, na medida em que o
CDI aprovava a maioria dos projetos submetidos”

• Agricultura: i) ⇑ produção de soja; ii) ⇓ participação relativa do café; iii)


mecanização; iv) crédito subsidado.

176
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“A agricultura beneficiou-se do volume de crédito concedido pelas autoridades


monetárias, a taxas subsidiadas, e que foi uma das causas principais da expansão monetária
no período. Destaca-se o surgimento da soja como produto de importância crescente na
pauta de exportações e no consumo interno, enquanto o café perdia peso relativo no
setor agrícola e no total das exportações. Ocorreu também no período um processo
acentuado de mecanização da agricultura brasileira, com efeitos de demanda importante
sobre o setor industrial” (239).

• [1) Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (I PND: 1972-74); 2)


Programa de Integração Nacional (PIN)]: política de desenvolvimento regional ⇒
[i) desenvolvimento econômico integrado; ii) promoção do desenvolvimento
econômico do Nordeste (SUDENE): a) incentivos fiscais; b) obras de irrigação; iii)
ocupação da Amazônia (SUDAM): a) rodovia Transamazônica; b) Cuiabá-
Santarén].

“foi no primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social 1972-74 (I


PND), que se definiu formalmente uma política nacional de desenvolvimento regional,
‘compreendendo: uma estratégia nacional de desenvolvimento integrado; uma estratégia
de desenvolvimento para o Nordeste; execução de uma estratégia de ocupação e
consolidação da Amazônia” (267).

• Mal sucedido: [i) ↑ pequeno produção industrial NE; ii) ↑ desprezível do emprego
NE; iii) ocupação da Amazônia fracassou] ⇒ [manteve elevada participação da
renda do Sul e Sudeste na renda total].

“As políticas de incentivos fiscais favorecendo o Norte e o Nordeste, bem como as obras
de infra-estrutura promovidas pelo governo na região Norte não afetaram
radicalmente a predominância da região Sudeste e Sul na renda total. Quanto ao valor
agregado da indústria de transformação, dados sobre o período indicam uma ligeira
melhora da participação do Nordeste e do Sul em detrimento do sudeste, mas não se

177
MODENESI, A.M. 9/3/2005

pode afirmar ter havido qualquer redução significativa de desigualdades regionais(...)”


(288).

“A abertura da Amazônia com o deslocamento de grandes contingentes de nordestinos


para essa região foi apresentada como opção. Foi portanto, criado o Programa de
Integração Nacional (PIN) que, além da irrigação de amplas áreas do Nordeste e da
criação de corredores de exportação na região, previa a abertura da região amazônica
através de rodovias (a Transamazônica e a Cuiabá-Santarén). As justificativas
econômicas do programa na Amazônia não eram necessariamente convincentes, mas
motivos de ordem política e estratégica (militar) também prevaleceram e a construção das
rodovias foi empreendida. O programa de colonização da região foi um fracasso,
contrastando com outras realizações positivas do período 1967-1973 em termos de obras de
infra-estrutura” (268).

“No Nordeste os incentivos fiscais contribuíram para um maior grau de industrialização


no período, mas a criação de empregos não parece ter sido muito significativa, e não se
elevou a participação da renda da região na renda total do país” (268).

III) Setor Externo

• Continuidade na promoção das exportações: [i) regime de minidesvalorizações


cambiais (1968) (manter a taxa real); ii) incentivos: fiscais, creditícios e
tarifários].

• Bem sucedido: ⇑ comércio exterior: i) ↑ exportações (soja, carne, algodão,


açúcar); ii)diversificação da pauta (↑ participação de manufaturados; ↓ café);
iii) diversificação dos mercados (CEE, Japão)].

“Entre 1967 e 1973, ocorreu um grande aumento das exportações, acompanhado por
maior diversificação da pauta e por uma crescente participação de produtos
manufaturados, bem como por uma mudança da importância relativa de certos

178
MODENESI, A.M. 9/3/2005

parceiros comerciais do país. (...). A partir de 1964 houve um forte esforço, por parte da
administração anterior, no sentido de criar novos incentivos para o aumento e
diversificação das exportações” (p. 272).

“(...)a política cambial e a política de comércio exterior implementadas no período 1967-


1973 foram claramente bem-sucedidas no sentido de aumentar as exportações do país e a
sua capacidade de importar, contribuído direta e indiretamente para o crescimento da
indústria e do produto como um todo” (277).

• Esgotamento da capacidade ociosa (setor industrial) ⇒ ⇑ importações


máquinas/equipamentos: ∆ (1970-73) > 100%.

“(...)com o esgotamento da capacidade ociosa antes existente no setor industrial a


consolidação do crescimento econômico exigiu crescentes compras de equipamentos no
exterior” (274).

• Situação externa favorável: [1) crescimento economia internacional; 2)


crescimento comércio internacional → ↑ exportações; 3) abundância de liquidez
internacional a partir de fins década de 1960 (mercado de eurodólares: depósitos
em dólares off-shore) → elevado influxo de: i) empréstimos; ii) financiamentos;
iii) IDE] ⇒ consolidação equilíbrio externo: ⇑ saldo total BP.

• Incentivo à captação de recursos externos ⇒ continuidade do processo de


internacionalização da economia.

“O desempenho positivo da conta de capital, que apresentou um saldo líquido médio de


US$ 1.615 milhões no período 1967-1973, não se deveu apenas ao forte influxo de
empréstimos e financiamentos. Ocorreu, também, uma retomada da entrada de
investimentos estrangeiros diretos, que se dirigiram principalmente para o setor

179
MODENESI, A.M. 9/3/2005

industrial. Enquanto, no final de 1966, o estoque de investimentos e reinvestimentos


alcançava US$ 1.632 milhões, em fins de 1973 esse total passara para US$ 4.579 milhões,
quase triplicando em sete anos. A preços constantes, total era quase o dobro do observado
em 1966. Os investimentos estrangeiros diretos líquidos passaram de uma média de US$ 57
milhões entre 1964 e 1966, para US$ 267 milhões entre 1967 e 1973, alcançando US% 940
milhões nesse último ano” (281-2).

“Os investimentos estrangeiros tiveram papel relevante, como já se viu, na expansão das
exportações de manufaturados e no desenvolvimento de novas atividades, notadamente
na área de bens de capital” (283).

“No período 1967-1973, as autoridades foram claramente favoráveis ao investimento


estrangeiro(...)” (283).

• Deterioração do perfil da dívida externa: 1) ⇑ participação de empréstimos


privados (bancos comerciais: i) 1967: 26,9%; ii) 1973: 64,1%); 2) ↑ taxas juros; 3)
taxas flutuantes (Libor: taxa básica Inglaterra); 4) ↓ prazo médio.

• [i) acúmulo de reservas internacionais; ii) empréstimos externos (empresas


privadas e principalmente estatais (resolução 63 BCB)] ⇒ ⇑ dívida externa: ∆
DB (1967-1973) = 19,3% a.a. e ∆ DL (1967-1973) = 9,6% a.a.

“Com a expansão da liquidez internacional no final dos anos 60 e início dos anos 70, as
estatais recorreram, de forma crescente, a empréstimos de bancos não oficiais. Essa
utilização crescente de recursos do exterior explicaria parte significativa da do aumento da
dívida externa brasileira no período 1967-1973” (269-70).

“No período de 1964 a 1966, os empréstimos concedidos ao Brasil tiveram, em boa


parte, caráter oficial e conotação política, e contribuíram para o reescalonamento da dívida
externa promovidos pelo Governo Castelo Branco e que foram basicamente apoiados pelo
governo norte-americano. (...)no período de 1967 a 1973, a dívida externa bruta cresceu à

180
MODENESI, A.M. 9/3/2005

taxa anual de 19,3%, enquanto o crescimento da dívida líquida foi de 9,6% ao ano,
resultando portanto uma expressiva acumulação de reservas. Paralelamente, ocorreram
mudanças importantes na composição da dívida externa. Enquanto, em 1967 era de 26,9%
a participação dos empréstimos privados na dívida pública externa (que representava a
quase totalidade da dívida total), essa participação alcançou 64,1% em 1973. Essa mudança
de composição estava associada com o crescimento das diferentes operações de crédito
externo concedido tanto a empresas privadas como a empresas públicas e administração
públicas no Brasil. Em muitos casos, ocorriam empréstimos diretos das instituições
internacionais não oficiais (bancos comerciais ou fornecedores), segundo as regras
estabelecidas pela lei 4.131 de 3.9.1962. Porém, os créditos às empresas, às vezes, eram
indiretos, na medida, na medida em que os bancos estabelecidos no Brasil estavam
autorizados a captar empréstimos externos em seu nome por um determinado prazo, e
repassá-los a prazos mais curtos internamente, de acordo com a Resolução 63 do Banco
Central do Brasil, de 21.8.67. No setor estatal, foram principalmente as grandes empresas
públicas, envolvidas em novos projetos, que recorreram, de forma crescente, a empréstimos
externos de fontes privadas” (278-9).

“Em suma, em um primeiro momento, em 1967 e 1968, quando as reservas líquidas das
autoridades monetárias eram negativas, o aumento do endividamento era bem-vindo e
respondia realmente a uma demanda de reservas internacionais. Portanto, diante de um
mercado favorável aos tomadores, com prazos mais longos e menores spreads foi
aumentado o endividamento, notadamente das empresas estatais. O crescente
envolvimento de fontes privadas implicou taxas de juros mais elevadas do que as de
fontes oficiais. Esta mudança de estrutura da dívida, resultou em aumento do ‘custo
médio da dívida externa’ – definido com a razão juros líquidos/dívida líquida (que)
aumentou de 4,7% em 1968 para 9,6% em 1973 – e em um ligeiro encurtamento do prazo
da devida de médio e longo prazo de 5,6 para 5,3 anos em 1978’. Estava lançado o processo
de aumento de participação dos empréstimos a taxas de juros flutuantes no total dos
empréstimos externos e da redução das taxas concessionais, fixas, dos organismos
internacionais, que teria efeitos dramáticos no final da década de 70” (280-1).

181
MODENESI, A.M. 9/3/2005

Tabela X.1 – A Consolidação do equilíbrio Externo (1968-73)


Exp. Imp. B. Com. C/C Saldo Total
(US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.)
1967 1654,0 1441,0 213,0 - 237,0 - 245,0
1968 1881,0 1855,0 26,0 - 508,0 32,0
1969 2311,0 1933,0 378,0 - 281,0 549,0
1970 2739,0 2507,0 232,0 - 562,0 545,0
1971 2904,0 3245,0 -341,0 - 1037,0 530,0
1972 3991,0 4235,0 -244,0 - 1489,0 2439,0
1973 6199,2 6192,2 7,0 - 1688,7 2178,6

2. Milagre econômico: i) ∆PIB (1968 e 1973) > 11% a.a; ii) controle da inflação
(ligeira queda); iii) consolidação do equilíbrio externo (⇑ saldo total do BP).

“Taxas de crescimento da ordem de 11% ao ano por seis anos consecutivos já merecem a
designação de ‘milagre econômico’. A façanha da economia brasileira nesse período foi
ainda mais surpreendente porque tal ritmo de crescimento foi acompanhado de queda
da inflação (embora moderada) com e de sensível melhora do BP, que registrou
superávitas crescentes ao longo do período. O termo milagre se justifica ainda mais nesse
caso em razão de duas relações macroeconômicas bastante conhecidas: (1) a relação direta
entre crescimento e inflação... retratada na Curva de Phillips; e (2) a relação inversa entre
crescimento econômico e saldo do BP...” (Giambiagi et alii, 2004: 82-3).

• Curva de Phillips menos inclinada: [i) capacidade ociosa; ii) controle direto de
preços; iii) tabelamento de juros; iv) política agrícola → ↑ oferta] ⇒ estabilidade
de preços compatível com menor (maior) nível de desemprego (crescimento).

• Situação externa favorável ⇒ entrada recursos externos ⇒ superávit conta de


capitais > déficit em C/C ⇒ superávit BP: conciliar maiores taxas de crescimento
com o equilíbrio externo.

182
MODENESI, A.M. 9/3/2005

Tabela 2 – O Milagre Econômico (1968-73)


PIB PIB PIB PIB Deflator FBCF ICV
(%) Ind. (%) Agríc. (%) Serv. (%) imp PIB (%PIB) (RJ)
1967 4,2 2,2 5,7 4,6 26,5 16,2 30,4
1968 9,8 14,2 1,4 9,9 26,7 18,7 22,0
1969 9,5 11,2 6,0 9,5 20,1 19,1 22,6
1970 10,4 11,9 5,6 10,5 16,4 18,8 22,3
1971 11,3 11,9 10,2 11,5 20,3 19,6 20,2
1972 12,1 14,0 4,0 12,1 19,1 20,2 16,6
1973 14,0 16,6 0,0 13,4 22,7 21,4 12,7
1974 9,8 7,8 1,0 9,7 34,8 22,8 27,6

Críticas: i) deterioração indicadores sociais (“pesadelo social”); ii) disseminação da


correção monetária; iii) origens do problema da dívida externa.

• Deterioração indicadores sociais: i) piora significativa na distribuição da renda


pessoal; ii) salários não acompanharam os ganhos de produtividade (trabalhadores
não se beneficiaram do milagre).

“Quanto a distribuição pessoal da renda, apesar de alguns problemas metodológicos para


a comparação dos dados disponíveis, existe consenso de que ocorreu uma deterioração
significativa entre 1960 e 1970, e novamente entre 1970 e 1972, que se deveu a diversos
fatores” (289).

“Um aspecto bastante destacado foi o processo de concentração em termo de renda que
ocorreu durante o milagre” (Saes, p. 189).

• O crescimento econômico: garantiu a sustentação política ao governo (“fazer crescer


o bolo antes de dividi-lo”).

• Crescente indexação da economia: i) correção monetária se estendeu a vários


instrumentos financeiros; ii) origem da inflação inercial.

183
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“Manteve-se a correção monetária, estabelecida em 1964, para as ORTN’s e, a seguir,


para a captação e aplicação de recursos no setor habitacional. Gradualmente foi também
estendida aos vários instrumentos financeiros da economia” (p. 138).

(ANPEC, 2004) Explicite as causas e as principais características do chamado “milagre


econômico brasileiro”. Em particular, identifique o papel desempenhado pelas reformas
institucionais efetuadas entre 1964 e 1967.

184
XI – GEISEL (1974-79)

Dionísio Carneiro

Sinopse
1) 1o choque petróleo (1973): quadruplicação preço
2) II PND (1975-79): i) crescimento com dívida; ii) último surto ISI e fim do modelo
econômico baseado no estado desenvolvimentista

• Aquecimento economia mundial (1973) ⇒ abundância liquidez.

“A economia mundial cresceu quase 7% em termos de produto; as pressões de uma


demanda mundial superaquecida desde a escalada dos gastos militares norte-americanos
associados à guerra do Vietnã(...). A expansão do crédito bancário para o comércio
internacional, na estreita das inovações financeiras associadas ao surgimento de
euromoedas, garantia que a expansão do produto mundial, a taxas excepcionais, se fizesse
com o aprofundamento dos fluxos comerciais. O crescimento do comércio mundial, a
inflação e a desvalorização do dólar(...) foram os principais fenômenos(...). Além disso
houve notável aumento do comércio entre o Primeiro e o Terceiro Mundo (...)” (p. 295).

1. 1o choque petróleo (1973): quadruplicação preço ⇒ forte desequilíbrio no BP


(transferência de renda dos importadores para os países da OPEP).

• Opções: (1)ajuste recessivo (curto prazo): [i)desvalorização → ↓ M (mudança de


preços relativos); ii)controle de demanda → evitar pressão inflacionária] ⇒
absorção do choque no curto prazo; (2)crescimento com dívida: abundância de
liquidez internacional ⇒ reestruturação da oferta no longo prazo (em detrimento
do ajuste de curto prazo).

181
“Caso tivesse sido percebida a gravidade do choque externo que provocaria uma
transferência de renda dos importadores para os exportadores de petróleo de quase 2%
da renda mundial, certamente a imagem da ilha de prosperidade(...) não constituiria até
hoje o deleite da oposição” (p. 298).

“Não foi percebida de imediato a dimensão do choque externo desfavorável, que implica
um empobrecimento do país: ao desvalorizarem-se as exportações brasileira vis-à-vis a
suas importações, uma quantidade maior de bens tem de ser enviada para o exterior
para pagar os bens de capital que o Brasil importa(...). Do ponto de vista dinâmico, o
estreitamento das opções de crescimento ocorreu por duas vias: uma quantidade maior
de consumo teria de ser sacrificada para que o nível anterior de investimento fosse
realizado e um maior investimento teria de ser realizado para que o mesmo crescimento
anteriormente alcançado fosse atingido. Diante deste quadro, havia basicamente duas
opções para o governo brasileiro: a primeira seria desvalorizar o câmbio e mudar
rapidamente os preços relativos a fim de sinalizar de imediato os novos custos dos
produtos importados e a alteração do valor social das exportações. Nesta opção dever-
se-ia ter o cuidado de conter rapidamente a demanda a fim de impedir que o
superaquecimento herdado do regime anterior transformasse o choque de preços
relativos em inflação permanente mais elevada. A segunda seria comprar tempo para
ajustar a oferta com crescimento mais rápido do que na alternativa anterior, realizando
de forma mais gradual e calibrada o ajuste de preços relativos enquanto houvesse
financiamento externo abundante” (p. 299-300).

• Crescimento com dívida: abundância de liquidez internacional (petrodólares:


capitais oriundos do ⇑ receita de exportação da OPEP) → recursos para financiar o BP
⇒ [i)postergação do ajuste; ii)predominância da lógica do crescimento em
detrimento do controle da inflação].

• Necessário: legitimar o regime.

• Aprofundamento na dependência do capital externo.

182
• [1) ⇑ receita de exportação da OPEP ⇒ forte fluxo de petrodólares para países
industrializados ⇒ ⇑ recursos dos bancos nos países industrializados; 2) regulação
financeira: tetos para taxas juros domésticas] ⇒ ⇑ apetite ao risco ⇒ fluxo de
financiamento países em desenvolvimento (Brasil).

“(...) a falta de apoio político para um ajuste que pudesse ser abertamente associado com
recessão ficou clara já nos primeiros meses do governo” (p. 298).

“(...) a manutenção do crescimento econômico, evitando uma crise de grandes dimensões,


impedindo uma ruptura muito grande em relação ao governo anterior era uma condição
necessária para manter dentro de limites administráveis a insatisfação política e
conduzir a abertura política dentro da ordem estabelecida. Neste quadro o governo
apresentou o projeto de lei do II PND que deveria vigorar no período de 1975/79, que tinha
como principal objetivo superar a crise sem sacrificar o desenvolvimento. Era a vitória
de Reis Velloso sobre Simonsem, com o contexto político se sobrepondo a lógica
econômica” (Saes, p. 191-2).

“(...) os condicionantes internos parecem ter sido mais importante do que os externos
para explicar as opções inicialmente feitas acerca da política econômica adotadas tanto em
resposta às dificuldades tanto imediatas quanto para o restante da década. A Segunda é que
a abundância de liquidez permitiu que os déficits em conta corrente vultuosos que
resultaram das mesmas políticas fossem financiados sem que houvesse percepção mais
dramática do quadro de restrições externas ao iniciar-se o novo governo. Com
financiamento externo abundante, a linha de menor resistência conduzia assim à rota do
endividamento externo; um certo otimismo pela existência de indexação contribuía para
aumentar a tolerância com taxas mais elevadas de inflação. Postergava-se assim
naturalmente, para uma eventual ocasião mais propícia, a adoção de um programa de
mediadas restritivas” (p. 299).

“(...) uma opção tácita do governo por mais inflação e maior endividamento” (p. 307).

183
“Ficava assim selada a predominância da política de crescimento com base na
reestruturação da oferta e na demanda folgada sobre os ajustes de curto prazo. Na
prática ficou estabelecida a tolerância com taxas de inflação: o ajuste inflacionário seria
parte da política de evitar a imposição de perdas diante das novas possibilidades da
economia brasileira. De 1975 em diante, a acomodação diante da taxa de inflação seria
periodicamente sujeita a surtos de contenção, todos eles de curta duração. A aprovação do
II PND significou(...) a subordinação dos objetivos de estabilização às metas de longo
prazo” (p. 306).

2. II PND (1975-79): Reestruturação da oferta ⇒ investimentos nos setores de: [i)


bens de capital; ii)insumos básicos; iii)infra-estrutura, energia (elétrica e
transformação da matriz energética: pró-alcool) e telecomunicações] ⇒ [i)
substituir importação (BK e insumos básicos); ii) ↑ exportações matérias-
primas industrializada (aço, alumínio, celulose, etc.)] ⇒ reequilibrar o BP.

“A estratégia da política industrial no governo Geisel baseou-se na substituição de


importações nos setores de bens de capital, insumos básicos para a indústria e no
aumento da prospecção de petróleo” (p. 312).

“(...) um amplo conjunto de investimentos com ênfase nas indústrias básicas e na


infraestrutura, readequando a matriz energética” (p. 192).

“O plano identificava na ampla liquidez internacional a possibilidade de seguir o


crescimento sem a necessidade de ter que gerar no curto prazo o excedente necessário
para realizar a transferência para os países da OPEP. O financiamento externo permitiria
a obtenção dos recursos necessários para fechar o balanço de pagamentos no curto prazo;
por outro lado, os investimentos realizados no sentido de completar a matriz industrial
brasileira além de permitirem avanços na capacidade de exportar da economia, gerariam no
futuro a poupança requerida para a realização da transferência externa (pagamento da
dívida)” (Saes, p. 192).

184
• Política comercial ⇒ ii)estímulo às exportações; ii)desestímulo as importações:
controle quantitativo, tarifas e encargos financeiros.

“A diferença importante da experiência brasileira da década de 70(...) é que a opção pela


política de substituição de importações foi feita sem que houvesse descontinuidade no
incentivo às exportações” (p. 313).

“(...) importações foram encarecidas, não só por uma elevação generalizada de tarifas,
como pela criação de encargos financeiros e restrições quantitativas de vários tipos. Tais
medidas tinham um duplo papel: reprimiam as importações(...) e criavam-se novos
obstáculos que puderam ser removidos seletivamente para a implementação da nova
política industrial” (p. 311).

• Sucesso: (1) política industrial: ↓ importações de bens de capital → endogenizou o


investimento ⇒ i) consolidou a matriz industrial (grande avanço processo de ISI); ii)
não endogenizou o progresso técnico; (2)política comercial: i) ↑ exportações; ii) ↓
importações.

“De um modo geral as conclusões têm sido favoráveis no sentido de que os objetivos
gerais de reestruturação da oferta foram atingidos, se bem que em prazos geralmente
superiores aos programados” (p. 313).

“O II PND conseguiu praticamente fechar a matriz industrial brasileira, com exceção


aos setores tecnologicamente de fronteira e não conseguiu internalizar a geração de
progresso técnico” (Saes, 195).

“Os resultados da substituição de importações contribuíram ainda para internalizar as


despesas de investimento. A participação das importações de bens de capital no total
das despesas com máquinas e equipamentos decresceu de 25,5% em 1972 para 9% dez
anos depois” (p. 313).

185
“(...) a rapidez com que tais medidas lograram reduzir o coeficiente importado da
economia” (p. 311).

• [desaceleração economia mundial: i) ↓ comércio internacional (1978); ii) ↑ juros


internacional (1979)] ⇒ deterioração do BP.

“A desaceleração do crescimento do comércio mundial, que se agravava após 1978, foi


mais importante do que a aceleração progressiva da taxa de juros paga pelo Brasil, que
adquire importância a partir de 1979. Estes são os grandes fatores por detrás da
deterioração do balanço de pagamentos, apesar do sucesso no controle das
importações” (p. 311).

• Crescimento explosivo da dívida externa: lógica do II PND.

“A dívida externa brasileira cresceu US$ 10 bilhões entre 1974 e 1977, outros 10 bilhões
nos dois anos seguintes. (...). Em grande medida este vertiginoso crescimento foi o
resultado da política de longo prazo adotada” (p. 310).

• Estatização da dívida externa: governo assumiu o risco cambial e financeiro (juros)


da dívida do setor privado ⇒ [i) ↑ dívida interna; ii)financiamento inflacionário: ↑
base (únicas formas de financiamento, dado a restrição do financiamento externo) ⇒
[i)inflação; ii)dificuldade financimento do setor público].

“Por detrás dos indicadores que representam o serviço da dívida interna ao iniciarem-se os
anos 80, identificam-se importantes mecanismos que operam durante o processo de
ajuste e têm a ver não só com o processo de endividamento externo do país, como com a
mecânica da absorção desta dívida pelo governo” (p. 317).

“O esgotamento da fontes de financiamento externo em 1983, e o ajuste que se seguiu


tiveram – além da contenção de demanda, recessão e aumento dos preços relativos de

186
produtos importáveis e exportáveis – uma outra conseqüência danosa: uma vez que a maior
parte da dívida externa está sob a responsabilidade do setor público, mas o superávit
comercial é gerado pelo setor privado, criou-se um problema de transferência de
recursos dos exportadores para o governo. Dado que a obtenção de recursos externo
tornou-se inviável, estes recursos tinham que ser obtidos domesticamente. Isso
representou um ônus adicional do ajustamento externo, além da recessão, dada a forma
de financiamento empregada dentre as três possibilidades (não mutuamente exclusivas) de
obter domesticamente os recursos necessários: (a) redução dos requisitos de financiamento
do governo, algo que pode ser obtido seja pelo aumento da carga tributária, redução das
despesas, ou uma combinação de ambas; (b) tomar empréstimos domésticamente,
aumentando a dívida pública; (c) financiamento inflacionário, pela expansão da base
monetária. Parece que no longo prazo, (a) é a única alternativa viável. A opção da política
econômica brasileira, no entanto, recaiu em um combinação de (b) e (c), daí resultando em
danosas conseqüências sobre a inflação e o financiamento do setor público. (...). Todos
esses fatores levaram à expansão do déficit público, necessidade de expansão monetária
adicional e aumento no endividamento público sob a forma de títulos. A elevação de
juros necessária para colocar novos títulos junto ao público aumentava os encargos
financeiros, daí resultando déficits maiores e mais rígidos e a transformação da
acumulação da dívida interna em um processo auto-alimentado. Essa é a forma pela qual
vinculam-se o ‘ajuste externo’ e os desequilíbrios econômico e financeiro do setor
público. Desse processo resultou ainda a redução da capacidade de poupança do estado
e cortes na despesa de investimentos do governo e suas empresas” (Bonelli, p. 146-9).

• Maior intervenção estatal: (1) ↑ participação no investimento agregado;


(2)deterioração do posição financeira do setor público: [i)estímulos fiscais,
creditícios e cambiais; ii)defasagem tarifas públicas; iii)utilização de estatais como
instrumento de captação externa; iv)estatização da dívida externa privada] ⇒ [i) ↓
carga tributária (renda disponível); ii) ↑endividamento interno] ⇒ ↓ capacidade de
poupança setor público.

187
“(...) maior intervenção direta no processo econômico, seja através de mecanismos de
incentivos fiscais e creditícios, seja através da participação direta dos investimentos
públicos no processo de redirecionamento da oferta. Os primeiros dois instrumentos, no
entanto representam na prática deterioração da receita pública, na mediada em que o Estado
abre mão de coletar impostos e faz empréstimos com encargos financeiros abaixo da
inflação. Este efeito é ainda agravado pela prática de reajustes públicos abaixo da inflação.
Por outro lado, o aumento na responsabilidade do setor público pelos investimentos requer
maior poupança pública ou maior endividamento do setor público” (p. 315).

“A manutenção desta variedade de estímulos fiscais, creditícios e cambiais, entretanto


teve como custos mais visíveis a progressiva deterioração da posição financeira do
Estado, caracterizada pela queda da carga tributária líquida e pela elevação do
endividamento do setor público” (p. 313).

“Anos de repressão de preços e tarifas do setor público, utilização das empresas estatais
como instrumento de captação de empréstimos externos, concessão por vezes abusivas de
incentivos fiscais, subsídios creditícios e prática generalizada de artifícios financeiros
que mascaravam a verdadeira dimensão do desequilíbrio na economia brasileira(...)” (p.
314).

• Estratégia de longo prazo ⇒ [origem desequilíbrios macroeconômicos década 80:


i)crise da dívida externa; ii)desestruturação do setor público (↑ dívida pública
interna); iii)inflação; iv)perda de dinamismo econômico] Ù II PND foi o último
surto de industrialização baseado na intervenção estatal Ù fim do modelo
econômico baseado no estado desenvolvimentista (crescimento baseado na
intervenção estatal financiada com recursos externos): Esgotamento da capacidade da
economia sustentar as elevadas taxas históricas de crescimento (1940-80).

“O quadro de desequilíbrio macroeconômico com que a economia brasileira se defrontou


na década de 80, caracterizado por endividamento externo, desestruturação do setor
público, inflação explosiva e perda de dinamismo, teve sua origem em grande medida

188
em erros de diagnóstico bem como na timidez que caracterizou o uso de instrumentos de
política após o primeiro choque do petróleo” (p. 300).

“Werneck analisa as repercuções desse processo de estatização da dívida externa e sua


principais conseqüência para as dificuldades de financiamento do setor público em
meados dos 80. Observa aquele autor que o processo de crescimento de crescimento da
dívida interna do setor público brasileiro foi fruto de um financiamento inadequado do
aumento das responsabilidades do governo, ao longo do processo de acumulação de
dívida externa, sem que tenha havido a contrapartida do aumento, de renda disponível
do setor público. O que se observou foi, ao contrário, em conseqüência dos subsídios e
isenções fiscais, uma significativa redução da carga tributária, compensada pela
emissão de dívida interna(...). Entre 1973 e 1938, a renda disponível do setor público(...)
caiu de 16,8% para 8,6% do PIB. Confrontada esta queda com as responsabilidades
financeiras crescentes do governo por conta de dívidas acumuladas, fica mais fácil
entender as dificuldades de reversão do processo inflacionário nos anos 80” (p. 317).

“(...) a grande ampliação do endividamento externo na década de 70 e sua crise nos anos
80” (Saes, p. 212).

Tabela XI.1 – O II PND (1975-79)


PIB PIB PIB PIB Deflator FBCF ICV
(%) Ind. (%) Agríc. (%) Serv. (%) imp PIB (%PIB) (RJ)
1973 14,0 16,6 0,0 13,4 22,7 21,4
1974 9,0 7,8 1,0 9,7 34,8 22,8
1975 5,2 3,8 7,2 2,9 33,9 24,4
1976 9,8 12,1 2,4 8,9 47,6 22,5
1977 4,6 2,3 12,1 2,6 46,2 21,4
1978 4,8 6,1 -3,0 4,3 38,9 22,2
1979 7,2 6,9 4,9 4,3 55,8 23,0

Tabela XI.2 – O 1º Choque do Petróleo e o desequilíbrio externo (1973-79)


Exp. Imp. B. Com. C/C Saldo Total
(US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.)
1973 6.199,2 6.192,2 7,0 -1.688,0 2.178,6
1974 7.951,0 12.641,3 -4.690,3 -7.122,4 - 936,3

189
1975 8.669,9 12.210,3 -3.540,4 -6.700,2 - 950,0
1976 10.128,3 12.383,0 -2.254,7 -6.017,1 1.191,7
1977 12.120,1 12.023,0 97,1 -4.037,3 630,0
1978 12.658,9 13.683,1 -1.024,2 -6.990,4 4.262,4
1979 15.244,4 18.831,1 -2.838,7 -10.741,6 3.214,9

(ANPEC, 1999) A disponibilidade de crédito internacional foi um dos fatores fundamentais


que viabilizaram as elevadas taxas de crescimento observadas na economia brasileira na
segunda metade da década de 1970.

(ANPEC, 2003) Em sua opinião, o II PND, implementado no Governo Geisel (2974-79),


foi um sucesso ou um fracasso? Justifique a sua posição?

190
MODENESI, A.M. 9/3/2005

XII – FIGUEREDO (1980-84)

Dionísio Carneiro e Eduardo Modiano

Sinopse
1) [i)2o choque petróleo (1979): duplicação preço ii) ↑ juros internacionais (1979-
81); iii)recessão mundial] ⇒ crise da dívida (1982)
2) i)Ajuste externo: bem sucedido; ii)Ajuste interno: mau sucedido (inércia
inflacionária).
3) Década perdida: i)estagnação; ii)aceleração inflacionária.

1. [i)2o choque petróleo (1979): duplicação preços; ii) ↑ juros internacionais (1979-81)
→ ↑ despesa com juros dívida (70% taxas flutuantes); iii)recessão mundial →
escassez de finaciamento externo iv) dependência externa: petróleo e BK/insumos]
⇒ [forte restrição externa → crise da dívida externa (1982) → ajuste externo:
prioridade].

• EUA: [i) elevado déficit comercial; ii) inflação (estagflação)] ⇒ [⇑ juros


(Volcker, Presidente do FED) → recorde histórico: i) Fed fund rate1 = 16,4% a.a.
(1981: dobrou); ii) prime rate2 = 18,9 % a.a. (1981); ii) política do dólar forte] ⇒ [i)
recessão mundial; ii) ⇑ fluxo de capital para os EUA] ⇒ reversão dos fluxos de
capitais para países em desenvolvimento ⇒ crise da dívida latino-americana:
México (1982); Brasil (1987).

“A duplicação dos preços do petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais no


início dos anos 80 tornaram mais custoso e mais prolongado o processo de ajuste da
oferta doméstica iniciado na segunda metade da década anterior. Ao contrário do que

1
A Fed fund rate é a taxa de juros básica da economia norte-americana, equivalente á taxa SELIC.
2
A prime rate é a taxa de juros usada como referência dos empréstimos (domésticos e externos) dos bancos
norte-americanos.

190
MODENESI, A.M. 9/3/2005

se seguiu ao primeiro choque, em meados de 1980 foram sentidos os primeiros sinais de


escassez de financiamento externo” (p. 323).

“O início dos anos 80 é marcado pela ameaça de crise cambial devido ao segundo choque
do petróleo, à elevação das taxas de juros internacionais e à maior dificuldades em obter
recursos externos. O Brasil foi assim forçado a buscar um ajustamento externo
consubstanciado em uma política ortodoxa de controle da demanda” (Saes, p. 222).

• Reversão na política econômica: i)1979-80: expansionista; ii) 1981-84:


contracionista ⇒ ↓ M ⇒ superávit comercial.

“O curso da política econômica foi radicalmente alterado em 1980, quando o governo


optou por provocar uma redução do nível de atividade com o objetivo principal de
reverter os saldos negativos da balança comercial e gerar excedentes exportáveis
líquidos. A recessão que se segui sinalizou no sentido de uma aceleração na política
econômica para responder à crise da dívida externa, cujos efeitos iriam influenciar o
desempenho macroeconômico no restante da década (Bonelli: 136)”

• Escassez financiamento externo → prioridade à redução da necessidade de


divisas ⇒ controle absorção interna (demanda) ⇒ [i)contenção salarial,
ii)austeridade fiscal e monetária].

• Ortodoxia: a restrição externa é elemento fundamental no direcionamento da


política macro.

“A política macroeconômica que prevaleceu em 1981 e 1982 foi basicamente


direcionada para redução das necessidades de divisas estrangeiras através do controle da
absorção interna. (...). A política a ser seguida baseava-se na contenção salarial, no
controle de gastos do governo e no aumento da arrecadação, na elevação das taxas de
juros internas e na contração da liquidez real, sem abrir mão do tratamento especial dado
às atividades de exportação, energia e agricultura e às pequenas empresas” (p. 324-5).

191
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“A política restritiva começou a ser implementada em outubro de 1980 com uma


modificação na política salarial, que resultaria numa queda mais acentuada do salário
real para as faixas de renda mais altas” (325).

• Regime de minidesvalorizações cambiais: [∆e = diferencial entre π interna e π


externa] ⇒ manutenção da taxa de câmbio real (competitividade externa).

“(...)a correção cambial equipararia o diferencial entre as taxas de inflação interna e


externa” (325).

• 1981: i) recessão: ∆PIB = - 3,1% (1ª vez desde o pós-II Guerra); ∆PIB Ind = - 10,0%
(puxada por BCD e BK); ii) superávit comercial; iii) ⇑ juros internacional (4 p.p.) →
⇑ despesa com juros da dívida externa (40% receita de exportação).

“Apesar da deterioração dos termos de troca(...) verificou-se uma reversão significativa da


balança comercial em 1981. Após um déficit de 2,8 bilhões de US$ em 1980, a balança
comercial registrou em 1981 um superávit de 1,2 bilhões. A escalada das taxas de juros
internacionais de quase qutro pontos percentuais em 1981 adicionou, porém, cerca de US$
3,0 bilhões ao pagamento de juros da dívida externa, que absorvia então 40% das receitas
com exportações. Nestas condições, a captação externa de recursos elevou em 14% a dívida
de médio e longo prazos e permitiu ainda um aumento das reservas cambiais de US$ 600
milhões(...) A economia brasileira passava por um recessão profunda, que culminou com
uma queda de cerca de 10% no produto industrial em 1981, liderada pelas retrações de
26,3% e 19% nos setores de bens de consumo duráveis e de bens de capital
respectivamente(...)” (p. 326-7).

• 1982: [i) recessão mundial; ii) ↓ capacidade de importar dos importadores de


manufaturas brasileiras] ⇒ 1) ⇓ exportações (USS 3,0 bi); [i) substituição de
importações de bens intermediários (petróleo e não petróleo); ii) recessão interna → ↓

192
MODENESI, A.M. 9/3/2005

importação BK] ⇒ 2) ↓ importações (USS 2,6 bi)] ⇒ ↓ superávit comercial:


frustrada a tentativa de gerar elevado superávit comercial.

• ⇑ despesa de juros da dívida externa (balança de serviços) ⇒ C/C virtualmente


independente da absorção interna (balança comercial) ⇒ déficit em C/C elevado.

“Em 1982, o Brasil exportou US$ 3 bilhões a menos do que no ano anterior. A recessão
mundial, acentuada pelo comportamento defensivo dos dirigentes das economias centrais e
pelo declínio da capacidade de importar de alguns dos novos consumidores de
manufaturas brasileiras frustrara a tentativa de produzir um significativo superávit
comercial. O prosseguimento da substituição de bens intermediários (tanto petróleo
como não petróleo) e o declínio na demanda apor bens de capital, induzida pela
recessão, permitiram uma queda nos gastos com importação de mais de 2,6 bilhões e,
conseqüentemente, uma perda inferior a US$ 500 milhões no superávit da balança
comercial. Contudo, o aumento de mais de 2,2 bilhões no pagamento de juros tornou o
déficit em conta corrente virtualmente independente da absorção doméstica. Novas
restrições ao crescimento econômico tornaram-se inevitáveis, principalmente depois dói
anúncio da moratória mexicana em 1982” (328).

• Crise da dívida (1982) ⇒ operação de (de emergência) crédito internacional: FMI,


BIS, governo dos EUA e credores privados.

• Restrição do acesso do país ao mercado internacional de capitais (notadamente


depois da moratória em 1987) revertida após a conclusão da renegociação da dívida
(Plano Brady) na década de 1990.

“Em agosto de 1982 ficou claro que não seria possível convencer os banqueiros privados
a continuarem dobrando suas apostas na estratégia de ajustamento de longo prazo” (p.
328).

193
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“O financiamento do balanço de pagamentos brasileiro para a segunda metade de 1982


e para o ano seguinte faria parte de uma operação de emergência, que havia começado
com auxílio ao México. A operação envolvia fundos de emergência para evitar suspensões
unilaterais de pagamentos por carência de divisas estrangeiras, um acordo com o FMI
baseado em um programa para reduzir as necessidades de divisas do país e o
comprometimento dos credores privados com ‘pacotes’ financeiros, que contribuíssem
para impedir a completa ruptura do sistema financeiro internacional” (329).

• Escassez de crédito privado externo → necessidade de intermediação do FMI para


execução do novo esquema de financiamento ⇒ negociações com o FMI (a partir de
fins de 1982): 7 cartas de (má) intenção ⇒ condicionalidades: submissão da política
macroeconômica.

“O anúncio formal de um programa com o FMI definiu um novo modelo para as


negociações da dívida externa brasileira. Quando cessou o fluxo de empréstimos
voluntários, o principal desafio dos negociadores deixou de ser apresentar perspectivas
favoráveis para o futuro da economia e emitir sinais de austeridade para os credores
privados, e passou a ser a submissão das políticas macroeconômica e comercial ao crivo
do FMI” (p. 330).

• Fundo da recessão 1983: (∆PIB = - 2,8%; ∆PIB per capita (80-83) = - 11,0%; ∆PIB Ind
= - 5,2%).

“O produto industrial em 1983(...) caiu 5,2% em relação ao ano anterior, configurando o


fundo da maior recessão experimentada pelo setor industrial brasileiro de que se tem
registro. (...). Segundo as estimativas mais recentes do IBGE, o PIB caiu em termos reais
2,8% em 1983. Com base também nestas estimativas, a renda per capta a preços
constantes acumulou uma perda de 11% entre o pico de 1980 e a depressão de 1983” (p.
335-6).

194
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• “Programa para o setor externo para 1983”: i) ↑ exportações; ii) ↓ importações.

• [Cumprimento metas externas: superávit comercial (10% acima da meta)] ⇐ [i) ↓ M;


ii) ↑ X] ⇐ [i)recessão interna; ii) desindexação parcial dos salários → ↓ salário real
(15%); iii) maxidesvalorização; iv) ↓ preço petróleo e taxa de juros internacionais;
v) recuperação econômica dos EUA].

“Os resultados medíocres apresentados pela balança comercial nos dois primeiros meses
do ano, assim como as dificuldades práticas para a consecução das desvalorizações reais
mensais, levaram ao abandono do gradualismo na política cambial. Assim, em 21 de
fevereiro de 1983(...) o governo brasileiro desvalorizou o cruzeiro em 30%.” (p. 331).

“Visando impedir que a maxidesvalorização cambial fosse integralmente neutralizada,


com o repasse generalizado aos preços e salários, por uma aceleração compensatória de
inflação, tal como ocorrera em 1980, o governo promoveu uma desindexação parcial dos
salários. Assim(...) eliminou o adicional que incidia sobre a valorização semestral do INPC
para os assalariados com renda até três salários mínimos e reduziu os coeficientes de
repasse dna faixa salarial de 3 a 10 salários mínimos. Ainda na tentativa de promover a
desindexação salarial, o governo propôs mais três mudanças na lei salarial ao longo de
1983. (...)o governo então(...) reduziu mais uma vez os percentuais de correção automática
para as faixas entre 3 e 15 salários mínimos e eliminou a livre negociação a partir de 20
salários mínimos. Assim, a desindexação salarial e a aceleração inflacionária resultaram
numa queda de cerca de 15% no poder de compra dos salários ao longo de 1983” (332).

“Uma combinação de fatores, tais como a recessão interna a queda no salário real, a
desvalorização cambial, as quedas no preço do petróleo e da taxa de juros, e a
recuperação da economia norte-americana, que se fortaleceu durante a segunda metade
do ano, contribui para o cumprimento de praticamente todas as metas relacionadas às
contas externas em 1983” (332).

195
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Metas internas descumpridas: maxidesvalorização (30%) e ↑ preços agrícolas ⇒


aceleração inflacionária.

• 1984: recuperação econômica com inflação: i) ∆PIB = 5,7%; ii) Mega-Superávit


comercial; iii)manutenção da inflação: 224%.

• [Recuperação norte-americana → reaquecimento do comércio mundial → i) ↑


exportação de manufaturas; ii) ↓ importações] ⇒ (1)relaxamento da restrição
externa; (2) ↑ preços agrícolas ⇒ [mega-superávit comercial (US$ 13,1 Bi)→
acúmulo de reservas].

• Conclusão maioria dos projetos do II PND (“estratégia de LP estava pagando


dividendos”) ⇒ [i) ↑ exportação de manufaturas; ii) ↓ importações].

“Em 1984, pela primeira vez desde 1979 a restrição externa da economia brasileira
mostrou sinais de relaxamento. O vigor da recuperação norte-americana nos primeiros
dois trimestres de 1984 foi de importância fundamental para o relaxamento da restrição
externa e, conseqüentemente, para o desempenho da economia brasileira em 1984. As
exportações de manufaturados responderam ao reaquecimento do comércio mundial,
liderado pela recuperação norte-americana, estimulando a demanda no setor industrial e,
via efeito do multiplicador inter-industrial, no resto da economia. Por outro lado, o
aumento violento nos preços agrícolas, ao aumentar a renda do setor rural, também
propiciava maiores compras de bens intermediários e maquinaria da indústria. Já no
primeiro trimestre de 1984, havia sinais indubitáveis de recuperação da atividade
industria(...)” (p. 337).

“Impulsionado pela retomada da atividade industrial, o PIB brasileiro cresceu em


termos reais 5,7% em 1984, interrompendo o processo de encolhimento da renda per capta
que se instalara com a recessão de 1981. Para este resultado também contribui a
recuperação das lavouras(...). Porém, apesar do choque agrícola favorável, não se
verificou qualquer moderação do processo inflacionário. A insensibilidade das taxas de

196
MODENESI, A.M. 9/3/2005

inflação ao aumento da oferta agrícola era apenas mais um sintoma da indexação crescente
da economia” (p. 339).

“Graças à expansão das exportações e à nova queda das importações, o superávit


comercial brasileiro acumulou US$ 13,1 bilhões em 1984(...). O saldo da conta corrente
do balanço de pagamentos, em declínio desde 1982, encontrava-se praticamente
equilibrado no final de 1984. As reservas internacionais foram incrementadas em mais
de US$ 7 bilhões(...). (...)a estratégia de longo prazo seguida depois do primeiro choque
do petróleo [II PND] estava pagando dividendos: um crescimento substancial do PIB foi
finalmente alcançado em 1984 juntamente com a queda do coeficiente de importação para
6,3% do PIB e uma aumento do coeficiente de exportação para 12,3% do PIB, na medida
em que a maioria dos projetos associados ao ajuste estrutural de longo prazo começou a
operar” (p. 341).

2. Conclusão: 1)ajuste externo (equilíbrio no BP) bem sucedido: i) balança comercial


superavitária (1981-87); ii) déficit C/C: controlado; 2)ajuste interno mau sucedido:
inflação descontrolada ⇐ não respondeu ao controle de demanda: inércia.

“O ajustamento externo da economia brasileira, conduzido no período de 1981-84, foi


bem sucedido no estrito senso da geração de vultuosos superávits comerciais e do
reequilíbrio da conta corrente do balanço de pagamentos em período relativamente curto.
(...). Os desequilíbrios internos e notadamente as elevadas taxas de inflação, foram
tratados em todo esse período com excessiva tolerância ou complacência passiva” (343-4).

“Porém, apesar do choque agrícola favorável, liderado pelas lavouras de abastecimento


interno(...) não se verificou qualquer moderação do processo inflacionário. (...). A
insensibilidade das taxas de inflação ao aumento da oferta agrícola era apenas mais um
sintoma da indexação crescente da economia (339)”
“A estabilidade das taxas mensais até Agosto [de 1983], em torno de 10% ao mês,
reforçava o caráter inercial do processo brasileiro e sua relativa invariância ao nível de
atividade” (p. 340).

197
MODENESI, A.M. 9/3/2005

3. [(1)problema conjuntural: desequilíbrios macroeconômicos; (2)crise estrutural: fim


do modelo de desenvolvimento econômico baseado na ISI, no estado
desenvolvimentista (investimentos e incentivos fiscais/creditícios/tarifários) e no
endividamento externo] ⇒ década perdida: i)estagnação econômica; ii)aceleração
inflacionária; iii) escassez de financiamento externo.

“A década de 80 é considerada a ‘década perdida’ devido a profunda crise econômica


que o país vivenciou ao longo deste período. O produto ficou praticamente estagnado,
inclusive com anos de grande recessão (1981 e 1983). A inflação teve significativa
aceleração. É praticamente um consenso de que o fator a preciptar a crise foi o choque
nas taxas de juros internacionais, em um primeiro momento, e o estancamento dos fluxos
voluntários dos recursos externos, no segundo momento, quando instala-se a crise da
dívida externa. A ‘crise cambial’ ditou a política econômica na primeira metade dos
80. Buscou-se o ajuste externo, a qualquer custo, através da geração de superávits
comerciais que pudessem honrar os compromissos da dívida externa, acompanhado pela
falência interna do Estado. Afora estes aspectos, os anos 80 refletem também o final de um
modelo de desenvolvimento que perdurou por quase 50 anos na economia brasileira. O II
PND pode ser colocado como o último suspiro do processo de substituição de
importações centrado no estado desenvolvimentista. O modelo de desenvolvimento havia
conseguido levar a industrialização ao ‘seu estágio final’, mas não conseguiu
internalizar o progresso técnico nem tampouco uma indústria capaz de enfrentar a
concorrência internacional. Assim, a crise dos anos 80 não se refere a uma crise
conjuntural, mas uma crise do próprio desenvolvimento. Com a crise fiscal-financeira do
Estado arruinava-se o padrão de financiamento com base nos fundos de poupança
compulsória” (Saes, p. 196).

• Crítica ao modelo de ISI (Bonelli): i)elevada proteção ⇒ ramos não competitivos:


contradição transformações economia mundial.

198
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Globalização das atividades econômicas ⇒ novo modelo de desenvolvimento


econômico: maior exposição externa baseado em ⇒ i)incorporação de tecnologia;
ii)ganho de competitividade. Abertura mercados externos ⇒ i)tamanho →
especialização ⇒ economia de escala; ii) ↑ competitividade ⇒ ↑ eficiência;
iii)divisas ⇒ relaxamento da restrição externa; iv) ↑ conteúdo importado ⇒ ↑
produtividade.

“A crise econômica quase contínua que presenciamos do início dos anos 80 até o início
dos anos 90 não pode ser entendida apenas como conseqüência dos desequilíbrios
macroeconômicos que se agravaram ao longo do período. Ela refletiu, também, uma
crise estrutural mais ampla. O modelo de desenvolvimento por substituição de
importações vigente desde o pós-guerra, caracterizado por uma baixa exposição da
economia aos mercados mundiais e uma intervenção estatal generalizada, não só
deixou de apresentar soluções para os problemas do país como estava em contradição
com as mudanças no cenário internacional ocorridas especialmente ao longo da década
de 80: um contexto internacional marcado pela globalização das atividades econômicas
exige um ambiente de alta competição no qual o crescimento depende crucialmente da
qualidade e disponibilidade dos fatores de produção, em especial, do fator tecnológico.
Daí resulta o crescimento sustentado da produtividade e da competitividade interna e
externa. (...). Um novo modelo de desenvolvimento industrial, por seu turno, deve apoiar-
se no binômio incorporação de tecnologia-ganhos de competitividade, de modo a
viabilizar ao longo do tempo a substituição de exportações – isto é, a passagem destas a
etapas tecnologicamente mais avançadas. Nossa experiência histórica mostra que a
industrialização por substituição de importações, embora tenha gerado um parque
industrial integrado e diversificado, foi também responsável, dado o elevado e
indiscriminado nível de proteção à indústria, pela criação de inúneros ramos industriais
não competitivos, seja interna, seja externamente. Em uma nova estratégia, portanto, a
superação desse quadro exige a reorientação gradual da estrutura produtiva e a
construção de competitividade pela exposição externa (exportação e importações). O
papel dos empréstimos e financiamentos de médio e longo prazo na consecução desses
objetivos é crucial. A estratégia que visa à maior inserção internacional da economia

199
MODENESI, A.M. 9/3/2005

brasileira encontra forte respaldo na experiência de um pequeno grupo de países que ao


longo das duas últimas décadas consegui alcançar expressivas taxas de crescimento do
produto agregado, a partir de uma maior exposição externa de suas economias. Isto porque,
em primeiro lugar, uma vez que os mercados externos são maiores do que os domésticos,
o país pode se especializar em alguns setores e explorar economias de escala. Em
segundo lugar, as exportações constituem fonte de divisas, permitindo que seja relaxada a
restrição externa(...). Em terceiro lugar, a especialização das exportações permite
aumentar o conteúdo importado das exportações, e assim, o aumento de produtividade.
Em quarto lugar, a competição do mercado internacional pela liberalização das
importações torna a indústria mais eficiente(...)”(Bonelli, p. 155-6).

• Rsicos: i)alta volatilidade ⇒ variações bruscas na conta corrente; ii)maior


sensibilidade a flutuações economia mundial: maior exposição à choques adversos;
iii)risco de sucateamento da indústria ⇐ ↑ competição externa; iv)reservas.

“Tal postura, obviamente, não é isenta de riscos. (...)os eventuais efeitos negativos sobre a
conta corrente do balanço de pagamentos com a alta volatilidade dos movimentos de
capitais externos de curto prazo(...); o efeito ampliado que as recessões na economia
mundial teriam sobre a atividade econômica interna; o risco de sucateamento a curto e
médio prazos de segmentos da indústria instalada no país com o aumento da competição
externa; o impacto sobre as reservas internacionais caso as etapas de passagem para o
novo modelo não sejam corretamente monitoradas e apoiadas pela política industrial.
Esses são riscos reais e existem em qualquer estratégia de abertura externa. O mundo
moderno, porém, é cada vez mais integrado(...) não se podendo mais pensar hoje em
projetos de desenvolvimento de caráter autárquico. Nunca é demais enfatizar, a
propósito, o papel da política industrial no apoio à atividade industrial os grandes desafios
com que se defronta a economia e sociedade brasileira(...). Nossa trajetória de
industrialização demonstra claramente que esses desafios já foram enfrentados – e com
sucesso – mais de uma vez na história” (Bonelli, p. 156-7).

200
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Substituição do desenvolvimentismo (anos 50-70) pelo monetarismo: o controle


inflacionário passa a ser prioritário: convenção do crescimento ⇒ convenção da
estabilidade.

Tabela XII.1 – A Desaceleração da Primeira Metade dos Anos 1980


PIB PIB PIB PIB Deflator FBCF
(%) Ind. (%) Agríc. (%) Serv. (%) imp PIB (%PIB)
1979 7,2 6,9 4,9 4,3 55,8 23,0
1980 9,1 9,1 9,6 8,7 91,0 22,5
1981 -3,1 -10,4 8,2 -6,7 100,7 21,0
1982 1,1 -0,4 -0,4 0,1 96,5 20,4
1983 -2,8 -6,1 -0,3 -5,3 151,3 16,1
1984 5,7 6,1 3,0 6,4 210,3 15,5

Tabela XII.2 – O Ajuste Externo Após o 2º Choque do Petróleo: redução das


importações e ampliação das exportações
Exp. Imp. B. Com. C/C Saldo Total
(US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.)
1979 15.244,4 18.831,1 -2.838,7 -10.741,6 -3.214,9
1980 20.132,4 22.955,2 -2.822,8 -12.807,0 -3.471,6
1981 23.293,0 22.090,6 1.202,4 -11.734,3 624,7
1982 20.175,1 19.395,0 780,1 -16.310,5 -8.828,0
1983 21.899,3 15.428,9 640,7 -6.837,4 -5.404,5
1984 27.005,3 13.915,8 13.089,5 44,8 700,2

(ANPEC, 1997) Explique as origens e os mecanismos do processo de estatização da dívida


externa brasileira, na década de 1970.

201
MODENESI, A.M. 9/3/2005

XIII – SARNEY e a Nova República (1985-89)

Eduardo Modiano

Sinopse
1) Combate inflacionário: prioritário.
2) Teses inercialistas: i) insensibilidade da inflação ao controle de demanda; ii) planos
heterodoxos: Cruzado, Bresser, Feijão com Arroz, Verão.
3) Fases da política econômica: i) ortodoxia; ii) gradualismo; iii) heterodoxia.

1. Combate inflaçionário: principal objetivo macroeconômico. Substituição do


desenvolvimentismo (anos 50-70) pelo monetarismo (1980-???).

[Planos ortodoxos do período anterior promoveram o ajuste externo, mas não o interno]
⇒ sucessão de planos de estabilização.

“Durante a segunda metade da década de 80, a política econômica brasileira concentrou-


se no combate à inflação. Os planos de estabilização de inspiração ortodoxa, adotados no
período de 1981-84, promoveram o ajustamento externo da economia, mas não
conseguiram evitar a escalada da inflação” (p. 347).

2. Tese da inflação inercial: [i) Teorema da inflação inercial: A indexação é a causa


principal da inflação; ii) Corolário: A desindexação é condição necessária para a
estabilidade de preços] ⇐ {[ineficácia do receituário ortodoxo: efeito das políticas
contracionistas sobre a inflação foi praticamente nulo (1984: estabilidade inflação em
10% a.m.)] ⇒ [inflação brasileira: características próprias resistindo às pressões
deflacionárias de controle de demanda (1981: recessão com inflação1)]}

1
Na década de 1970, o fenômeno da estagflação já havia abalado fortemente a crença em um trade-off estável
entre inflação e desemprego, conforme previsto pela curva de Phillips (Samuelson-Solow).

202
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Diagnóstico: {Processo inflacionário: [(1) choques inflacionários: i) demanda


(expansão monetária; déficit público); ii) oferta ( φt ): quebra de safra, desvalorização

cambial; ii) tendência inflacionária ( P&t −1 ): inércia (independente de choques)]}.

P&t = αφt + (1 − α ) P&t −1 , sendo α > 0

• No limite: inflação inercial pura: [ α = 0 e β = 1 ] ⇔ P&t = P&t −1

Tabela XIII.1 – Crescimento Econômico e Inflação no Brasil: 1981-1989


Ano PIB real (%) IGP-DI (%)
1981 -4,25 109,88
1982 0,83 95,45
1983 -2,93 154,48
1984 5,40 220,68
1985 7,85 225,52
1986 7,49 142,25
1987 3,53 224,83
1988 -0,06 684,63
1989 3,16 1.319,87
Fonte: IPEADATA online

“O efeito das políticas restritivas de demanda na taxa de inflação foi praticamante


nulo(...). A rigidez da inflação em 1981 reforçaria a tese inercialista(...)” (p. 326).

“A inflação brasileira parecia ter propriedades específicas e uma dinâmica própria,


resistindo às pressões deflacionárias da recessão e do desemprego. A predominância da
inércia inflacionária sobre as condições de demanda e oferta agregadas... da prioridade à
desindexação da economia no combate à inflação. A ruptura dos mecanismos de indexação
produziria uma queda mais rápida e mais acentuada do que a contração da demanda
agregada, com custos menores em termos de recessão e desemprego” (p. 347).

“A estabilidade da taxa de inflação, em torno de 10% ao mês ao longo de 1984, e o temor


de uma nova aceleração inflacionária com a recuperação da atividade econômica, que se

203
MODENESI, A.M. 9/3/2005

iniciava em 1984, fortaleceram as teses inercialistas e as soluções heterodoxas para a


inflação” (347-8).

“(...) a precedência da inércia transformou-se em essência do processo inflacionário


brasileiro, e como a complementaridade da desindexação transformou-se em fundamento
da estabilização dos preços” (p. 348).

“Em contraste com o diagnóstico ortodoxo da inflação, que privilegia o déficit público e
a suposta orgia monetária, generaliza-se hoje em dia o diagnóstico heterodoxo, que vê a
inflação como propulsionada por choques de oferta e sustentada inercialmente por
conflitos distributivos” (Arida, p. 159).

“Para a construção de um modelo de inflação inercial surgiu a necessidade de uma clara


distinção – que a literatura convencional não faz ou à qual não dá a devida importância –
entre os fatores aceleradores (choques de demanda ou oferta) e os fatores mantenedores
(tendência ou componente inercial) da inflação” (Bresser, p. 134).

“1) a inflação brasileira deveria ser predominantemente inercial, isto é, um movimento


autônomo de elevação de preços independente de pressões de demanda ou de choque
de oferta. 2) Dado o seu caráter crônico e inercial, os agentes econômicos criaram
mecanismos de desfesa(...). 3) A inflação brasileira não é causada pelo déficit público”
(Bresser, p. 129).

• Passividade monetária: {fim inflação ⇒ [remonetização: ↓ velocidade-renda


circulação ⇔ ↑ Md] ⇒ [↑ oferta monetária proporcional ↓ velocidade para que
⇑ ⇓
produto nominal fique constante: M V = PY ]}

• Aceitação do padrão de distribuição de renda: ambas pressupunham os conflitos


distributivos resolvidos.

204
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“Ambas as propostas supunham resolvidos os conflitos distributivos de renda, por trás


da estabilidade das taxas mensais de inflação. Tanto a redefinição das regras de conversão
da ‘moeda indexada’, quanto a fixação dos níveis de preços e salários do congelamento
no ‘choque heterodoxo’, requeriam a aceitação pacífica de um padrão de distribuição
da renda” (p. 340).

2.1.“Choque heterodoxo” (Lopes): i) eliminação dos mecanismos de indexação; ii)


congelamento (preços, salários e câmbio); iii) passividade monetária; e iv) reforma
monetária.

• Desindexação: forçada (imposta pelo governo).

• Economia com Inflação crônica: {[(generalização) comportamento defensivo:


manutenção da participação da renda (recomposição do pico rendimento real)] ⇒
(generalização) mecanismos indexação (formais/informais): reajustes ⇒
(predominância) inércia}.

• Individual: racional; coletivo: sub-ótimo.

“(...) propunha a eliminação imediata e total de todas as regras formais de repasse da


inflação passada e o congelamento temporário dos preços, dos salários e do câmbio.
Posteriormente incorporou a idéia de um novo padrão monetário” (P. 340).

“O choque é heterodoxo porque está baseado em congelamento de preços (ao invés de


medidas de mercado) para combater a inflação. Não é pela correção dos mecanismos de
mercado por medidas fiscais ou monetárias que se pretende trazer a estabilidade dos
preços, mas através da coordenação direta das relações econômicas e indução de
decisões e ações por medidas de natureza administrativa ditadas por um poder central”
(Bresser, p. 131).

205
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“A desindexação, o congelamento e a reforma monetária atuam como um mecanismo de


sincronização que impõe uma decisão coletiva e coordenada da interrupção na elevação
de todos os preços e salários. Na medida em que houver perfeita sincronização nos
reajustes de salários e preços, os preços relativos estiverem equilibrados e a defasagem
entre os reajustes for pequena, o congelamento não trará impactos redistributivos, nem
violará o mercado ou a lei do valor. O congelamento terá função unicamente de erradicar
o hábito de reajustar periodicamente os preços, apagando de vez a memória
inflacionária. (...).

• Pré-condição para o sucesso da eliminação da indexação: neutralidade distributiva


⇒ inexistência de efeitos distributivos (perdedores pressionando por reajustes).

“O êxito do programa dependeria principalmente de uma condição: no dia D,(...) o


congelamento não deveria provocar o surgimento de grandes perdedores e grandes
ganhadores. Os preços relativos deveriam estar razoavelmente ajustados, não havendo
distorções causadas por tabelamentos setoriais anteriores” (Bresser, p. 128-9).

2.2.“Moeda indexada” (Arida & Resende): i) indexação plena: circulação paralela de


uma moeda (sistema bi-monetário) com paridade fixa com a ORTN (corrigida
mensalmente de acordo com a inflação); ii) estabilidade e credibilidade da nova
moeda ⇒ conversão voluntária.

• Desindexação: voluntária (mecanismo de incentivo).

“(...) pretendia alcançar a desindexação através da indexação plena da economia, com a


circulação paralela de uma moeda que tivesse paridade fixa com a ORTN, corrigida
mensalmente de acordo com a inflação, e com a conversão voluntária de preços e salários
para a nova moeda de acordo com regras preestabelecidas. Os autores apontavam que a
estabilidade e credibilidade da nova moeda induziriam naturalmente a conversão para
a nova moeda e tornariam a indexação desnecessária” (p. 340).

206
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“A essência da proposta é portanto a introdução de uma nova moeda que circularia


paralelamente ao Cruzeiro. Tal moeda estaria defendia do imposto inflacionário pela
cotação estável em relação à ORTN e, ao menos numa primeira fase, também ao dólar”
(Resende, p. 154).

• Crítica ao choque: {(1) [assincronia dos reajustes] ⇒ [interrupção brusca inflação]


⇒ [efeitos re-distributivos: i)ganhadores: pico/acima média (A); ii)perdedores:
vale/abaixo média (B)] ⇒ [perdedores: pressão reajustes futuros] ⇒ [retomada
inflação]; (2) dificuldade implementação de controles administrativos de preço}.

Gráfico XII.1 – A Assincronia dos Reajustes e a Dispersão de Preços Relativos

Salário
real

A
M édia

D Tempo

“A desindexação com controle, ou congelamento de preços, esbarra em dificuldades


intransponíveis. A cada ponto no tempo a estrutura de preços relativos está distorcida
pela assincronia dos reajustes. A sua cristalização provocará ganhos e perdas de renda
real insustentáveis” (Resende, p. 150).

“A maior dificuldade em eliminar a inércia deve-se ao fato de que a indexação não é


instantânea, isto é, existem contratos na economia, ao longo dos quais os preços são fixos.
O problema aparece, portanto, pela dessincronização dos reajustes. Assim, em qualquer
instante do tempo que se considere, a distribuição de renda verificada não corresponde

207
MODENESI, A.M. 9/3/2005

à situação de equilíbrio, ou seja, aqueles que acabaram de reajustar seus preços estarão
acima da renda real média, enquanto aqueles que estiverem perto do momento do
reajuste (logo, maior distância do último) deverão estar abaixo da renda média. Isto é
facilmente percebido no caso dos salários, em que diferentes categorias possuem diferentes
meses para os dissídios. Assim, ‘se o processo inflacionário terminasse abruptamente,
trabalhadores com o mesmo salário real médio ficariam com salários reais distintos,
pois encontrar-se-iam em estágios diferentes da rampa inflacionária’” (Modiano).

“Dado esse problema, o puro e simples congelamento de preços não constitui uma
forma de eliminar a inflação, uma vez que este romperá o equilíbrio dinâmico na
distribuição de renda, gerando profundos desequilíbrios de preços relativos num dado
instante e levando ao aparecimento de choques no momento seguinte para, readequar as
rendas reais” (Saes, p. 234).

• Inspiração: hiperinflações européias na década de 1920 (Alemanha, Áustria,


Hungria e Polônia).

• Carregam as sementes própria destruição: {[encurtamento da memória


inflacionária (↓ intervalo entre reajustes)] ⇒ [↓ assincronia (equilíbrio de preços
relativos): todos preços são instantaneamente reajustados (trajetórias “A” e “B”
concorrentes)] ⇒ [inflação neutra: ~∃ efeitos distributivo
(ganhadores/perdedores)] ⇒ [inflação disfuncional ⇒ interrupção natural
processo inflacionário]}.

• Moeda indexada: indexador universal (reajuste todos preços/rendimentos) e


contemporâneo (defasagem mínina) ⇒ produzir artificialmente efeitos de
hiperinflação (neutralidade distributiva).

• Defasagem técnica: intervalo de tempo entre o momento da apuração dos preços e


da divulgação do índice de inflação.

208
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Defasagem contratual: intervalo de tempo entre os reajustes previstos em um


contrato.

• [Essência inflação: perda credibilidade moeda] ⇒ [recuperação da credibilidade


moeda ⇒ fim inflação].

• Livre troca moeda ruim (CR$) pela boa (ORTN: valoriza diariamente com
relação ao CR$) ⇒ preços estáveis moeda boa ⇒ credibilidade moeda boa ⇒
conversão voluntária.

• Vantagem (relação ao choque): garante livre funcionamento dos mercados

3. Fases da política econômica: i) ortodoxia; ii) gradualismo; iii) heterodoxia.

• (1) Ortodoxia: Dornelles (03/1985): i) austeridade fiscal; ii) política monetária rígida;
iii) mini congelamento de preços (abril-jun); iv) [modificação na fórmula de cálculo da
correção monetária e desvalorizações cambiais: 3 meses → estendeu memória
inflacionária] ⇒ reduzir aceleração inflação.

“...o novo governo deu início à gestão da política econômica com o anúncio apenas de
medidas de austeridade fiscal e monetária” (352).

• Processo de supressão dos controles de preços pelo (CIP): i) redução controles preços
privados (automobilística: 9,5%; cimento: 15%); ii) redução da repressão tarifária (aços
planos: 15%; energia elétrica: 22%; tarifas portuárias: 77%; transporte: ).

“O mês de junho marcou o início do processo de descompressão de preços dos controles


de preços públicos e de descongelamento dos preços privados” (354).

209
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“O fracasso do pacote anti-inflacionário de março de 1985 marcou, com a substituição do


Ministro da Fazenda, o final da primeira fase da política econômica da nova república”
(354).

• (2) Gradualismo: Funaro (09/1985): i) políticas monetária e fiscal acomodatícia; ii)


modificação na fórmula de cálculo da correção monetária e desvalorizações cambiais:
1 meses ⇒ encurtou a memória inflacionária.

“...meta inflacionária mais modesta: estabilização à taxa de 10% ao mês. As regras de


indexação foram, mais uma vez, alteradas visando evitar a propagação da taxa de inflação
de 14% registrada em agosto. A partir de setembro de 1985, as correções monetárias e
cambial voltavam a ser norteadas pela inflação do próprio mês em curso. A maioria das
tarifas públicas e dos preços administrads passaria a ser corrigida em bases mensais e,
portanto, em menores percentuais, ratificando a tese de que a estabilização da taxa de
inflação seria obtida ás custas de um aumento do grau de indexação da economia” (354).

• [i) fracasso das fases (1) e (2); ii) ameaça de hiperinflação] ⇒ planos heterodoxos.

“Não havia dúvida de que, com a indexação generalizada da economia, a taxa de inflação
tenderia rapidamente para o novo patamar de 400 a 5000% ao ano. Nestas condições, o
governo não seria capaz de manter os reajustes salariais na freqüência semestral, o que
poderia resultar em outra pressão de custos, colocando a economia na rota da
hiperinflação” (356-7).

“O fracasso do gradualismo em produzir sequer a estabilidade das taxas mensais de


inflação encerra a Segunda fase da política econômica da Nova República” (p. 357).

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MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Cruzado (02/1986-7): (1)reforma monetária: i) Cruzado; ii) salários: convertidos


pela média poder de compra (últimos 6 meses); (2)congelamento: i)preços; ii)câmbio;
iii) aluguéis; (3) salários não foram congelados: [i) abono: 8% (mínimo: 16%);
dissídio anual: 60% IPC; ii) gatilho (inflação acumulada = 20%)] ⇒ redistribuição de
renda em favor dos assalariados; (4) proibição de indexação de ativos financeiros
(mínimo de 1 ano); (5) substituição da ORTN (indexada mensalmente ao índice de
inflação oficial) pela OTN: congelada por 1 ano.

“A cômoda posição externa da economia brasileira e a recente desvalorização do dólar


do dólar norte-americano, ao qual o cruzeiro estava atrelado, em relação às moedas
européias e ao iene japonês, não sugeriam a necessidade de uma maxidesvalorização
compensatória ou defensiva do cruzado” (359).

• Curta duração: cerca de 1 ano de contenção inflacionária.

• Fases: 1) Cruzado (mar-jun/1986): ⇓ inflação (maio: maior taxa = 1,4% a.m.); 2)


Cruzadinho (jul-out/1986): i) tímido pacote fiscal; ii) agravamento da escassez; 3)
Cruzado II (nov/1986-jun/1987): pacote fiscal → choque inflacionário.

“O primeiro período, que vai de março a junho de 1986, é marcado uma queda
substancial da inflação e também pelos primeiros indícios da existência de excesso de
demanda na economia. O segundo, que vai de julho a outubro, pode ser identificado pela
total imobilidade do governo ante ao agravamento da escassez de produtos e à
deterioração das contas externas. Finalmente, o terceiro período, que vai de novembro de
1986 a junho de 1987, ratificou o fracasso do Plano Cruzado, com o retorno das altas
taxas de inflação” (p. 360).

• Cruzado: [i) ↑ poder de compra salários, ii) ilusão monetária → despoupança (↑


consumo); iii)consumo reprimido; iv) ↓ juros nominais e IRPF; v)preços defasados]

211
MODENESI, A.M. 9/3/2005

⇒ explosão de consumo (excesso de demanda) ⇒ escassez de produtos (carne, leite;


automóvel) ⇒ superaquecimento (2º sem/1986).

“O aumento do poder de compra dos salários e a despoupança voluntária causada pela


ilusão monetária, o declínio do recolhimento do imposto de renda para pessoas físicas, a
redução das taxas de juros nominais, o consumo reprimido durante os anos de recessão e
o congelamento de alguns preços em níveis defasados em relação à seus custos
detonaram conjuntamente uma explosão de consumo” (p. 360).

“Ao final de 1986, a economia estava claramente superaquecida como resultado de uma
política de rendas que estimulou a demanda agregada mas não a capacidade produtiva”
(Bonelli, p. 143-4).

• Crítica: descontrole fiscal e monetário ⇒ reforçava excesso de demanda ⇒ retorno


da inflação.

“O Plano Cruzado não estabeleceu regras ou metas para as políticas monetária e fiscal.
A atuação das políticas monetária e fiscal foi relegada ao discernimento dos responsáveis
pela política econômica. (...). A generalização do excesso de demanda era reforçada por
uma expansão exagerada da oferta de moeda, que transcendia o incremento natural da
demanda de moeda provocado pela desinflação abrupta” (p. 359).

“Faltava ao plano austeridade monetária e fiscal à medida que uma monetização


excessiva elevava a liquidez e os gastos de consumo do governo experimentavam uma
expansão significativa por dois anos consecutivos(...)” (Bonelli, p. 143-4).

“Assim, a monetização excessiva, com taxas de juros extremamente baixas, e a


persistência de problemas fiscais foram, segundo muitos, os principais problemas do
plano” (Saes, p. 235).

• Cruzadinho: pacote fiscal → não conteve demanda agregada.

212
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• Cruzado II: i) pacote fiscal: ↑ tarifas públicas (gasolina, energia elétrica, telefone e
tarifas postais) e impostos indiretos → ⇑ inflação (choque inflacionário); ii)
descongelou o câmbio: minidesvalorizações (diárias).

• Deterioração da balança comercial → perda de reservas ⇒ moratória (1987):


suspensão por tempo indeterminado pagamentos da dívida externa → evitar perda
reservas.

• Bresser (1987): i) congelamento (flexível) de preços ⇒ represamento temporário da


inflação.

• [i) falta de apóio popular; ii) desmantelamento órgãos controle de preços] ⇒


limitou o escopo do congelamento de preços.

“Decretou-se um congelamento de preços que, no entanto, foi pouco eficaz. A retomada


da inflação nos primeiros meses após a implementação do plano Bresser tinha pouco a
ver, no entanto, com excesso de demanda, estando mais provavelmente relacionada ao
descrédito com relação a medidas de intervenção no sistema de preços(...) e,
principalmente, às tentativas de recuperar os níveis de renda real atingidos
previamente em condições de alta indexação(...)” (Bonelli, p. 145).

• Feijão com Arroz (Maílson Nóbrega) (1988): retorno parcial à ortodoxia ⇐ [1)
heterodoxo: i) congelamento salários do funcionalismo público (1 ano); 2)
ortodoxos: i) suspensão moratória (jan/1988); ii) corte gastos federais; iii) limites
dos empréstimos para as estatais e os governos municipais e estaduais; iii) melhoria
na indexação das receitas públicas; iv) combate à evasão fiscal].

“A política do feijão com arroz adotado em 1988 significou um retorno parcial à


ortodoxia que incluía: suspensão da moratória externa, congelamento de salários do

213
MODENESI, A.M. 9/3/2005

funcionalismo público, melhorias na indexação fiscal, maiores restrições à evasão fiscal,


limites de crédito para os governos estaduais e municipais, e cortes nos gastos do
orçamento federal” (Bonelli, p. 146).

• Verão (1989): i) congelamento (preços, câmbio e aluguéis); ii) desindexação

• Eficácia mais reduzida ⇐ perda de credibilidade.

“O Plano Verão(...) incluía, como o Plano Cruzado, um congelamento de preços,


salários, câmbio e aluguéis, e desindexação da economia. Ao contrário do Cruzado, no
entanto, não tinha muita credibilidade – em parte, como resultado das duas fracassadas
experiências anteriores” (Bonelli, p. 146).

“[Os Planos Bresser e Verão] Foram planos mais limitados e tirando alguns detalhes não
eram significativamente diferentes” (Saes, p. 237).

• Conclusão: {(1)controle temporário da inflação (interrupção rota hiper-inflacionária):


tendência explosiva ⇐ [i)permanência dos conflitos distributivos; ii)dos
desequilíbrios estruturais; iii)efeitos perversos da sucessão de choques: os agentes
aprendem → reajustes defensivos; iv)não desindexou a economia: manteve a inércia];
(2)estagnação econômica: ⇐ [(i)insuficiência de poupança interna (↓ carga
tributária → ↓ poupança pública) e externa (superávit comercial elevado);
(ii)ambiente desfavorável à retomada do investimento: a)estagnação; b)descontrole da
inflação; c)agravamento desequilíbrio fiscal; d)incertezas renegociações externas]} ⇒
2ª metade da década perdida.

“Apesar da ênfase da política econômica no combate à inflação, a taxa anual de inflação


quadriplicou entre o início de 1985 e o final de 1988. Os planos Cruzado Bresser e Verão
não produziram mais do que o represamento temporário da inflação, uma vez que
foram não solucionados quaisquer dos conflitos distributivos ou atacado os

214
MODENESI, A.M. 9/3/2005

desequilíbrios estruturais da economia, que poderiam ser considerados foco de pressão


inflacionária a médio prazo. Não se logrou reduzir a transferência de recursos reais para
o exterior. O desequilíbrio das contas do governo se agravou. A política monetária foi
predominantemente acomodatícia. (...). Os efeitos permanentes de uma sucessão de
‘choques’ de estabilização têm se mostrado, porém, talvez tão perverso quanto os efeitos
da inflação que pretendiam eliminar” (p. 382-3).

“Nenhum dos dois consegui eliminar a lógica da moeda indexada(...)” (Saes, p. 237)

“A desaceleração do crescimento da década de 80, no entanto, não abriu espaço para a


retomada da taxa histórica uma vez que os desequilíbrios tanto externos quanto
internos da economia não foram equacionados de forma definitiva. Por este motivo, a
década de 80 pode ser caracterizada como uma ‘década perdida’. A estagnação
prolongada, a falta de sucesso no combate à inflação, as incertezas quanto às
renegociações externas, o agravamento do desequilíbrio fiscal, as indefinições da
política industrial e as ameaças ao capital estrangeiro não criaram um clima propício à
retomada do crescimento na década de 80. (...). Um dos principais empecilhos para a
retomada da taxa de investimento de 13% do PIB decorre da insuficiência de poupança
para seu financiamento. A poupança externa, que representou cerca de 4% do PIB na
década de 70, virtualmente desapareceu a partir de 1984, em decorrência do equilíbrio no
balanço de pagamentos em resposta à suspensão dos empréstimos externos voluntários em
1982. A poupança nacional também caiu devido à redução da poupança pública que
após 4,5% do PIB na média da década de setenta, tornou-se negativa a partir de 1982. A
carga tributária líquida do governo caiu de 15% do PIB na média da década de 70, para
10% do PIB na primeira metade da década de 80 e para menos de 10% a partir de 1985. A
recuperação do investimento passa, assim, necessariamente pela recomposição da carga
tributária líquida e, conseqüentemente, da poupança do governo de pelo menos 5% do
PIB. A baixa taxa média de crescimento da economia brasileira no período de 1985-89
contribuiu para sedimentar a geração de superávits comerciais, que se iniciou com o
ajuste recessivo de 1983” (p. 383-4).

215
MODENESI, A.M. 9/3/2005

“O último triênio dos anos 80 constitui uma fase de desajustes domésticos e, à medida que
termina a década, hiperinflação reprimida. O período começa com súbita aceleração
inflacionária que se seguiu ao fracasso do Plano Cruzado, em boa medida associada à plena
utilização da capacidade de produção industrial. A compressão do salário real que se seguiu
representou uma brusca queda nas vendas de bens de consumo. Um resultado disso foi a
reversão da curta fase de crescimento industrial agregado. A partir daí inaugura-se uma
série de ciclos de curta duração até a nova recessão dos anos 90. Esta situação de ciclos de
crescimento sem sustentação que caracterizou o período(...)” (Bonelli, p. 146).

Tabela XIII.2 – A Aceleração Inflacionária da 2ª Metade da década de 1980


PIB PIB PIB PIB Deflator FBCF
(%) Ind. (%) Agríc. (%) Serv. (%) imp PIB (%PIB)
1984 5,7 6,1 3,0 6,4 210,3 15,5
1985 8,4 8,3 10,1 8,9 235,0 16,7
1986 8,0 11,3 -7,9 9,9 149,7 18,5
1987 2,9 1,0 14,0 2,0 224,8 19,7
1988 -0,1
1989 3,2

Tabela XIII.3 – Contas Externas


Exp. Imp. B. Com. C/C Saldo Total
(US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.) (US$ mi.)
1984 27.005,3 13.915,8 13.089,5 44,8 700,2
1985 25.639,0 13.153,5 12.485,5 -241,5 -3.200,1
1986 22.348,6 14.044,3 8.304,3 -5.304,1 -12.356,7
1987 26.225,1 15.054,0 11.117,1 -1.428,5 -10.227,5
1988
1989

216
MODENESI, A.M. 9/3/2005

XIV – COLLOR (1990-1992): o Início do Ajuste Estrutural

Sinopse
1) Planos Collor I (1990) e II (1991).
2) Reformas estruturais: i) abertura comercial; ii) Programa Nacional de
desestatização (PND).
3) Impeachment (1992): corrupção.

1. Collor I (1990): Zélia. (1)programa estabilização: i)reforma fiscal e monetária;


ii)congelamento; iii)sequestro de ativos financeiros; (2)ajuste estrutural (“consenso
de Washington”): i)abertura comercial (↓ alíquotas de importação); ii) liberalização
financeira; ii) incapacidade de investimento do setor público e ineficiência →
privatização (PND); iii)reformas administrativa (enxugamento da máquina
administrativa); iv)tributária, v)cambial: liberalização de remessas de residentes
(CC5: originalmente para não residentes).

“(...) o novo governo anunciou cinco reformas que constariam da agenda de qualquer
partido ‘progressista’ ou de qualquer programa de ‘ajuste estrutural’ inspirado no estilo de
Washington destinadas à reconstrução de uma estrutura econômica de forma a permitir a
retomada do crescimento com bases mais estáveis: uma reforma administrativa, uma
nova política comercial com forte conteúdo de liberalização, um programa de
enxugamento da máquina estatal e uma reforma tributária destinada eliminar distorções,
expandindo a base de tributação e promovendo o fim do anonimato fiscal(...), bem como a
extinção dos incentivos. Além disso, anunciou um programa de privatização com ampla
participação do sistema financeiro através da compra compulsória de certificados de
privatização com base nos ativos dos bancos” (Abreu, p. 245-6).

“Paralelamente ao plano de estabilização o governo Collor deflagrou um processo de


modificação estrutural do país, especialmente em dois flancos: a reforma do estado e a
abertura comercial/financeira” (Saes, 239).

223
MODENESI, A.M. 9/3/2005

• [i) liberalização cambial (CC5); ii) arbitragem entre taxas juros domésticas e
externa] ⇒ ⇑ passivo externo bruto.

• Fracasso: perda no controle da liquidez.

2. Collor II (1991): Marcílio. [i) execesso de liquidez internacional; ii) conclusão da


reestruturação (renegociação) da dívida externa: Plano Brady] ⇒ 1) ↑ reservas (1992:
US$ 20 bi); 2)redefinição papel do estado na economia.

“(...) o aumento das reservas internacionais das autoridades monetárias, que no início de
1992 atingiam US$ 20 bilhões, apesar da ausência de apoio formal do FMI” (Abreu, p.
262).

• Fracasso.

3. Impeachment (1992): corrupção.

Tabela XIV.1 – Crescimento Econômico e Inflação no Brasil: 1990-1992


Ano PIB real (%) IGP-DI (%)
1990 -4,35 2.740,23
1991 1,03 414,75
1992 -0,54 991,35
Fonte: IPEADATA online

224
A.M. MODENESI 28/3/2005

XV – ITAMAR (1992-94) e FHC (1994-1998): o Aprofundamento do Ajuste Estrutural, o


Plano Real e a Vulnerabilidade Externa

1. Plano Real (1994): estabilização bem sucedida baseada: i) ajuste fiscal (PAI e FSE); ii)
reforma monetária (URV) e iii) âncora cambial.

2. Avaliação: (1)positiva: i)controle da inflação; ii) ↑ investimento direto; iii) ↓ pobreza;


(2)negativa: i)crescimento moderado; ii) ↑ desemprego; iii) ↑ dívida pública; iv)déficit
conta corrente; v) desindustrialização.

GRÁFICO XV.1 – Inflação Mensal (IGP-DI) – Brasil: 1985-1998

90 Co llo r 1
80 IGP-DI (%)
70
60
Real
50 Verão
40 B resser Co llo r 2
30 Cruzado

20
10
0
85

86

87

88

89

90

91

92

93

94

95

96

97

98
n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/

n/
ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

ja

TABELA XV.1 – Variação percentual dos índices de preço – Brasil: 1993-1998

Acumulado IGP-DI IGP-M IPC-FIPE INPC Média


1993 2708,3 2567,3 2490,9 2489,1 2563,9
1994/1º sem 763,12 732,26 780,18 759,15 758,69
1994/2º sem 16,97 16,52 18,30 19,81 17,79
1995 14,78 15,24 23,17 21,98 18,79
1996 9,34 9,20 10,03 9,12 9,42
1997 7,48 7,74 4,82 4,34 6,09
1998 1,70 1,79 - 1,79 2,49 1,04
A.M. MODENESI 28/3/2005

• {[i) receitas indexadas; ii) despesas não-indexadas] + gerenciamento de caixa do TN} ⇒


efeito Tanzi às avessas: ↑ Π → ↓ G (real)→ ↓ déficit (real) ⇒ [interrupção processo
inflacionário → deterioração fiscal] ⇒ ajuste fiscal: pré-condição para estabilização.

• 1)PAI: IPMF ; 2)FSE: ↓ vinculação de despesas (Constituição de 1988: 80% receitas


tributárias vinculadas) → ↑ capacidade de controle/redução dos gastos.

• Precariedade do ajuste fiscal: ⇑NFSP (0,4% do PIB em 1991-1994 para 5,2% do PIB em
1995-1998) ⇐ [i)transformação do superávit operacional (de 2,9% do PIB) em déficit
operacional: de 0,2% do PIB; e ii)⇑ despesa com juros: 3,3% do PIB para 5,0%].

Tabela XV.2 – Evolução das Contas Públicas (% do PIB): 1991-1998


Composição Média 1991-1994 Média 1995-1998 Diferença
NFSP 0,4 5,2 4,8
Déficit Primário* - 2,9 0,2 3,1
Despesa com Juros 3,3 5,0 1,7
(reais)
Fonte: Banco Central do Brasil
* O sinal negativo significa superávit

• Caráter Inercial → interrupção da inércia: pré-condição para recuperação da eficácia da


política monetária. Reforma monetária (“Larida”): i)criação unidade de conta (URV)
indexada diariamente (mix de índices de preço: IPCA; IPC; IGPM); ii)conversão da URV
em Real: sistema de preço deixa de ser denominado na unidade de conta e passa a ser
denominado em real.

• Tentativa fracassada de adoção do regime de metas monetárias: [interrupção processo


inflacionário] ⇒ [recuperação funções da moeda: i)reserva de valor; ii)meio de troca; iii)
unidade de conta] ⇒ remonetização (↑ demanda por moeda) ⇒ passividade monetária
(incompatível com metas monetárias).

218
A.M. MODENESI 28/3/2005

GRÁFICO XV.2 – Evolução da Base Monetária*: jan./1994-mar./1995

20000
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0

94

94
94

94

95

95
4

94

5
4

4
94

4
/9

/9
/9

/9

t/9
l/9

t/9
o/

v/
n/

v/

n/

v/
z/
n/
ar

ar
r

ai

ju

se

ou
ab

no
fe

fe
ag

de
ja

ja
ju
m
m

m
Fonte: Banco Central do Brasil * Média mensal dos saldos diários em R$ bilhões

TABELA XV.3 – Metas e Valores Observados da Base Monetária: 1/jul./1994-31/jan./1995

Base Monetária* Período


Meta Observado
7,500 8,933 1/7/1994 e 30/9/1994
8,500 14,703 1/10/1994 e 31/12/1994
9,500 16,108 1/1/1995 e 31/3/1995
Fonte: Banco Central do Brasil
* Média mensal dos saldos diários em R$ bilhões

• Âncora cambial: i)ampliação da abertura comercial; ii)sobrevalorização cambial ⇒


importações relativamente mais baratas que produção doméstica (competição externa) ⇒
desloca DA para importados ⇒ pressão baixista sobre os preços. Restrição capacidade
setor produtivo doméstico formar preços e coordenação expectativas inflacionárias.

• Fases da política cambial: {[1) flexível (julho-setembro/1994): sobrevalorização excessiva;


2) fixo em R$ 0,84/US$ (outubro/1994-fevereiro/1995): interrompe valorização (leilão de
compra); [crise mexicana (dezembro/1994) ⇒ ↓ reservas internacionais] ⇒ 3) i)
desvalorização (5%) banda larga (com minibanda); ii) desvalorizações em dias e magnitudes
não anunciadas ⇒ banda deslizante (março-outubro/1995); 4) [i) o limite superior da banda
cambial formou uma escada (elevações do ponto médio da banda); ii) a distância entre o
piso e o teto foi crescendo ao longo do tempo (a amplitude do intervalo de flutuação do Real
se elevou paulatinamente): real sofre desvalorização sistemática de 0,6% a.m.] ⇒ banda

219
A.M. MODENESI 28/3/2005

rastejante (outubro/1995-janeiro/1999)} ⇒ [âncora cambial progressivamente


flexibilizada].

GRÁFICO XV.3 – Etapas Da Política Cambial: 1994-1998

• ↑ investimento externo direto: (1)vantagens: i)poupança externa; ii)tecnologia; iii)longo


prazo; iv)custo menor (empréstimos); v)risco de reversão mínimo; (2)desvantagen: ↑
despesa serviço ⇒ deterioração da conta corrente.

• Vulnerabilidade externa: abertura comercial (redução barreiras tarifárias e não


tarifárias) e financeira (liberalização da conta capital) + sobrevalorização ⇒ déficit
comercial: reversão da tendência altamente superavitária da balança comercial (meados de
80) ⇒ dependência de captais externos (curto prazo e IDE) para financiar o déficit em conta
corrente fechar BP ⇒ desempenho econômico altamente sensível às condições
internacionais de liquidez (fluxos internacionais de capitais). (Ricardo Carneiro e Daniela
Prates).
• Quanto maior a participação de capitais voláteis no total da captação externa e do
financiamento do déficit em conta corrente maior a vulnerabilidade externa.

220
A.M. MODENESI 28/3/2005

Tabela XV.4 – A Reversão do Comércio Exterior (taxas geométricas de crescimento anual):


1990-1996

1990-1994 1994-1996
Importações 12,4% 27,1%
Exportações 8,5% 4,7%
Fonte: Secex

TABELA XV.5 – Movimento de capitais (Us$ Milhões): 1995-1996


ANO 1995 1996

Discriminação Ingresso Saída Saldo Ingresso Saída Saldo


Total 69.465 40.106 29.359 69.885 37.494 32.391
Investimentos 31.298 26.635 4.663 37.794 22.236 15.558
Brasileiros 1.369 2.928 - 1.559 1.754 1.677 77
Estrangeiros 29.929 23.707 6.222 36.040 20.559 15.481
Portfólios 24.838 22.544 2.294 26.077 20.038 6.039
Diretos 5.091 1.163 3.928 9.963 521 9.442
Reinvestimentos 384 - 384 447 - 447
Empréstimos e financiamentos 18.949 12.402 6.547 27.649 14.968 12.681
a médio e longo prazos
Fonte: Banco Central do Brasil

TABELA XV.6 – Movimento de capitais (US$ milhões): 1997-1998

Ano 1997 1998


Discriminação Ingresso Saída Saldo Ingresso Saída Saldo
Total 113.334 87.261 26.072 126.984 111.060 15.924
Investimentos 58.953 38.289 20.664 62.622 41.862 20.760
Brasileiros 807 2.377 - 1.569 2.173 5.572 -3.398
Estrangeiros 58.145 35.912 22.233 60.448 36.290 24.158
Portfólios 39.552 34.252 5.300 31.830 33.682 - 1.851
Diretos 18.594 1.660 16.933 28.618 2.609 26.009
Privatizações 5.249 - 5.249 6.121 - 6.121
Demais 13.345 1.660 11.684 22.497 2.609 19.888
Reinvestimentos 151 - 151 124 - 124
Empréstimos e financiamentos 50.006 31.441 18.564 66.337 40.105 26.232
a médio e longo prazos (1)
(1) inclui refinanciamentos
Fonte: Banco Central do Brasil

221
A.M. MODENESI 28/3/2005

3. Avaliação: (1)positiva: i)controle da inflação; ii) ↑ investimento direto; iii) ↓ pobreza;


(2)negativa: i)crescimento moderado; ii) ↑ desemprego; iii) ↑ dívida pública; iv)déficit
conta corrente; v) desindustrialização.

• Fato estilizado das experiências de estabilização de preços: ↓ imposto inflacionário ⇒ ↓


pobreza. Imposto inflacionário incide + pesadamente sobre população mais baixa renda (não
tem acesso a ativos indexados)

Tabela XV.7 – Incidência de Pobreza: 1990-1997


1990 1992 1993 1995 1996 1997
Incidência (%) 30,2 30,6 30,4 20,6 21,4 20,9
Fonte: Albuquerque e Rocha (2000)

• Âncora cambial → déficit em conta corrente ⇒ necessidade de manter diferencial juros


interno e externo para atrair capital externo para financiar a C/C Ù política monetária
contracionista ⇒ i) ↑ desemprego/↓ crescimento; iii) ↑ dívida pública.

• Sobrevalorização cambial + juros altos + abertura comercial → elevado nível de


desproteção da indústria nacional → concorrência externa ⇒ deterioração da posição
comercial: expansão (avalanche) das importações e redução das exportações industriais ⇒
desindustrialização e desnacionalização indústria (importação-substitutiva de produção
local: viés antiprodução e pró-importação → retrocesso de parcela indústria doméstica): i)
substituição de insumos nacionais por importados; ii) fechamento de linhas de produção
e de unidades fabris ⇒ i) redução do valor agregado; ii) substituição de oferta doméstica
por importados ⇒ formação bruta de capital fixo cresceu menos que o consumo ⇒
impacto modesto sobre geração de renda/emprego e sobre o restabelecimento do equilíbrio
externo. (L. Coutinho).

222
A.M. MODENESI 28/3/2005

TABELA XV.8 – Balanço de Pagamentos (US$ milhões) – Brasil: 1993-1998

CONTAS ANO
1993 1994 1995 1996 1997 1998
Balança Comercial (FOB) 13.307 10.466 - 3.352 - 5.554 - 8.364 - 6.409
Serviços (líquido) - 15.585 - 14.743 - 18.594 - 20.483 - 27.288 - 30.351
Juros - 8.280 - 6.338 - 8.158 - 9.173 - 10.390 - 11.948
Outros serviços (1) - 7.305 - 8.405 - 10.436 - 11.310 - 16.899 - 18.403
Transferências Unilaterais 1.686 2.588 3.974 2.900 2.216 1.778
Saldo em Conta Corrente - 592 - 1.689 - 17.972 - 23.137 - 33.437 - 34.982
Movimento de Capital 10.115 14.294 29.359 34.263 26.087 27.005
Investimento Líquido. 6.170 8.131 4.663 15.540 20.664 20.884
Amortizações -9.978 -50.411 - 11.023 - 14.419 - 28.714 - 33.587
Empréstimos (2) 10.790 52.893 14.736 22.841 28.870 59.819
Cap. De curto prazo 869 909 18.834 5.752 - 17.516 - 29.093
Outros capitais - 216 750 - 1.069 - 290 4.224 8.983

GRÁFICO XV.4 – Taxa SELIC Real Anualizada* – Brasil: jul/1994-dez/1998


50

45

40

35

30

25

20

15

10

Selic Real M édia

GRÁFICO XV.5 – Taxa de Variação Percentual da Produção Industrial* – Brasil: 1995-1998

12
10
8
6
4
2
0
-2 jun.95 jun.96 jun.97 jun.98
-4
-6

223
A.M. MODENESI 28/3/2005

TABELA XV.9 – Taxa Média De Desemprego Aberto – Brasil: 1993-1998


Ano Taxa
1993 5,7 %
1994 5,4 %
1995 4,9 %
1996 5,8 %
1997 6,1 %
1998 8,3 %

TABELA XV.10 – Taxa de Variação (%) do PIB Real – Brasil: 1993-1998

Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Variação do PIB Real (%) 4,92 5,85 4,22 2,65 3,27 0,13

TABELA XV.11 – Relação Dívida Líquida do Setor Público (%PIB) – Brasil: 1994-1998
Período Total* Interna Externa
Dez/94 30,4 21,6 8,8
Dez/95 30,8 25,2 5,6
Dez/96 33,2 29,3 3,9
Dez/97 34,3 30,0 4,3
Dez/98 41,7 35,5 6,2

224
A.M. MODENESI 28/3/2005

XVI – FHC II e Lula (1998-2003): a Crise Cambial e o Regime de Metas de Inflação

Sinopse
1. Crise cambial (1999) ⇒ abandono regime monetário de metas cambiais e adoção
do regime monetário de metas de inflação.
2. Avaliação: (1)positiva: bem sucedido na manutenção da estabilidade (âncora
nominal); (2)negativa: i)desempenho econômico insatisfatório (desemprego alto e
crescimento baixo; exceção: 2000); ii)incapacidade do BCB cumprir as metas
(apenas em 1999 e 2000).

1. {[Desequilíbrio externo + trajetória ascendente dívida pública] → ataque


especulativo} ⇒ crise cambial (1999) ⇒ abandono âncora cambial e adoção regime
de metas de inflação.

• ⇓ reservas internacionais

Tabela 1 – Reservas Internacionais (conceito de liquidez): jan. /1998-jan./1999


Mês/Ano US$ Milhões
JAN/1998 53.103
FEV/1998 58.782
MAR/1998 68.594
ABR/1998 74.656
MAI/1998 72.826
JUN/1998 70.898
JUL/1998 70.210
AGO/1998 67.333
SET/1998 45.811
OUT/1998 42.385
NOV/1998 41.189
DEZ/1998 44.556
JAN/1999 36.136
Fonte: Banco Central do Brasil
A.M. MODENESI 28/3/2005

GRÁFICO 1 – Reservas internacionais (conceito de liquidez): 1994-1999

60000
40000
20000
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999

Reservas Internacionais (US$ milhões)

Fonte: Banco Central do Brasil

• ⇑ Risco país

Gráfico 2 – Spread do C-Bond em Relação aos Títulos do Tesouro Americano (pontos-


base): 01/abr./1998-15/jan./1999

1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
01/04/1998
14/04/1998
24/04/1998
06/05/1998
15/05/1998
26/05/1998
04/06/1998
16/06/1998
25/06/1998
06/07/1998
16/07/1998
27/07/1998
05/08/1998
14/08/1998
25/08/1998
03/09/1998
15/09/1998
24/09/1998
05/10/1998
15/10/1998
26/10/1998
05/11/1998
16/11/1998
25/11/1998
04/12/1998
15/12/1998
24/12/1998
06/01/1999
15/01/1999

Fonte: IPEADATAonline
A.M. MODENESI 28/3/2005

• 1999: [Overshooting taxa de câmbio: PTAX (03/mar) = 2,16; PTAX (16/abr) =


1,67] ⇒ pressão inflacionária (pontual) ⇒ ⇑ SELIC (45% a.a.).

• [i) cumprimento meta: 8,9%; ii) ∆ PIB = 0,8% e ∆ PIB per capita = - 0,5%] ⇒
desempenho satisfatório do ponto de vista estrito da manutenção da estabilidade de
preços.

Gráfico 4 – Taxa de Câmbio Nominal (PTAX800): 1999

2,25
2
1,75
1,5
1,25
1
4/1/1999

18/1/1999

1/2/1999

15/2/1999

1/3/1999

15/3/1999

29/3/1999

12/4/1999

26/4/1999

10/5/1999

24/5/1999

7/6/1999

21/6/1999

5/7/1999

19/7/1999

2/8/1999

16/8/1999

30/8/1999

13/9/1999

27/9/1999

11/10/1999

25/10/1999

8/11/1999

22/11/1999

6/12/1999

20/12/1999
Fonte: Banco Central do Brasil

TABELA 2 – Variação Percentual do Índice de Preços ao Atacado (IPA-DI) e do Índice


de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA): 1999

Mês JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
IPA-DI 1,6 7,0 2,8 -0,3 - 0,8 1,4 2,0 2,2 2,3 2,6 3,6 1,6
IPCA 0,7 1,1 1,1 0,6 0,5 0,2 1,1 0,6 0,3 1,2 1,0 0,6

Fonte: Banco Central do Brasil

• 2000: {Câmbio estabilizado abaixo de 2,00 (consolidação do fim do overshooting)


⇒ pressão baixista sobre preços ⇒ ⇓ SELIC.

• [i) cumprimento da meta no ponto médio: 6,0%; ii) ∆ PIB = 4,4% e ∆ PIB per
capita = 3,0%]} ⇒ ano de melhor desempenho.
A.M. MODENESI 28/3/2005

Gráfico 5 – Taxa de Câmbio Média: 2000

4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
jan/00 fev/00 mar/00 abr/00 mai/00 jun/00 jul/00 ago/00 set/00 out/00 nov/00 dez/00

Fonte
: Banco Central do Brasil

TABELA 3 – Variação Percentual do Índice de Preços ao Atacado (IPA-DI) e do Índice


de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA): 2000

Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
IPA-DI 1,0 0,2 0,0 0,0 0,7 1,5 2,8 2,6 1,1 0,6 0,4 0,8
IPCA 0,6 0,1 1,1 0,4 0,0 0,2 1,6 1,3 0,2 0,1 0,3 0,6

Fonte: Banco Central do Brasil

• 2001: {choques negativos: 1) crise setor energia; 2) alta volatilidade preço do


petróleo; 3) crise da Argentina (fim do currency board); 4) desaceleração da
economia mundial ⇐ [i) retração econômica nos EUA (exacerbada pelos
atentados de 11/setembro); ii) estagnação econômica do Japão; iii) fraco
desempenho da Zona do Euro)]} ⇒ [intenso processo de desvalorização cambial
(PTAX de outubro = 2,84) ⇒ pressão inflacionária: IPCA acumulado até agosto =
5,1] ⇒ [i) ⇑ SELIC (a partir de março): SELIC/julho-dezembro = 19,00% a.a.; ii)
abandono da meta (teto = 6,0%) em agosto: não sacrificar o crescimento em prol
do controle de inflação cujas causas eram temporárias].

• [i) não-cumprimento meta: 7,7%; ii) ∆ PIB = 1,4%] ⇒ pior dos mundos:
desempenho econômico medíocre e não-cumprimento.
A.M. MODENESI 28/3/2005

Gráfico 6 – Taxa de Câmbio Média: 2001

3,5

2,5

1,5

1
jan/01 fev/01 mar/01 abr/01 mai/01 jun/01 jul/01 ago/01 set/01 out/01 nov/01 dez/01

Fonte: Banco Central do Brasil

TABELA 4 – Variação Percentual do Índice de Preços ao Atacado (IPA-DI) e do Índice


de Preço ao Consumidor (IPCA): 2001
Mês JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
IPA-DI 0,4 0,3 1,0 1,4 0,2 2,0 1,9 1,1 0,5 1,9 0,7 - 0,1
IPCA 0,6 0,5 0,4 0,6 0,4 0,5 1,3 0,7 0,3 0,8 0,7 0,6
IPCA
acumulado
0,6 1,1 1,5 2,1 2,5 3,0 4,4 5,1 5,4 6,3 7,0 7,7
no ano
Fonte: Banco Central do Brasil

• 2002: [eleição presidencial: ameaça de vitória do Lula] ⇒ desvalorização cambial


(média/outubro = R$ 3,81) ⇒ pressão inflacionária ⇒ [i) junho: abandono da
meta para 2002 e 1ª revisão da meta de 2003: de [1.25, 5.50]% para [1.5. 6.5] → ↓
SELIC até 18,00% a.a.; ii) outubro: reunião extraordinária (1 semana antes da
reunião mensal): SELIC = 21,00% a.a. (↑ 3, p.p. por unanimidade); iii) SELIC/dez.
= 23,00% a.a.].

• [i) não-cumprimento meta: 12,53%: a) 9 p.p. acima do teto; b) primeira vez


durante era do real acima de 1 dígito;); ii) ∆ PIB = 1,9%] ⇒ pior dos mundos:
desempenho econômico medíocre e não-cumprimento.
A.M. MODENESI 28/3/2005

Gráfico 7 – Taxa de Câmbio Média: 2002

3,5

2,5

1,5

1
jan/02 fev/02 mar/02 abr/02 mai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02 out/02 nov/02 dez/02

Fonte: Banco Central do Brasil

TABELA 5 – Variação Percentual do Índice de Preços ao Atacado (IPA-DI) e do Índice


de Preços ao Consumidor (IPCA): 2002

Mês JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
IPA-DI - 0,1 0,1 - 0,1 0,8 1,3 2,5 2,8 3,3 3,3 6,0 7,5 3,1
IPCA 0,5 0,4 0,6 0,8 0,2 0,4 1,2 0,7 0,7 1,3 3,0 2,1
IPCA
acumulado 0,5 0,9 1,5 2,3 2,5 2,9 4,2 4,9 5,6 7,0 10,2 12,5
no ano
Fonte: Banco Central do Brasil

• 2003: [i) forte inércia; ii) repasse cambial (residual); iii) deterioração de
expectativas] ⇒ [i) 2ª revisão (realizada pelo BCB, e não, pelo CMN) da meta de
2003: 8,5%; ii) ↑ SELIC até 26,5 (janeiro-junho)]; [2º semestre: i) taxa de câmbio
estabiliza abaixo de R$ 3,00; ii) ↓ pressão inflação inflacionária] ⇒ ↓ SELIC até
16,50% a.a. (julho-dezembro).

• [i) não-cumprimento da meta (reajustada 2 vezes): 9,3%; ii) ∆ PIB = 0,54% e ∆


PIB per capita = - 0,9%] ⇒ pior dos piores mundos desempenho econômico
medíocre e não-cumprimento de meta revista 2 vezes.
A.M. MODENESI 28/3/2005

Gráfico 8 – Taxa de Câmbio Média Mensal: 2003

3,5

2,5

1,5

1
jan/03 fev/03 mar/03 abr/03 mai/03 jun/03 jul/03 ago/03 set/03 out/03 nov/03 dez/03

Fonte: Banco Central do Brasil

TABELA 6 – Variação Percentual do Índice de Preços ao Atacado (IPA-DI) e do Índice


de Preços ao Consumidor (IPCA): 2003

Mês JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
IPA-DI 2,2 1,7 1,9 0,1 -1,7 -1,2 -0,6 0,7 1,3 0,5 0,5 0,7
IPCA 2,3 1,6 1,2 1,0 0,6 -0,2 0,2 0,3 0,8 0,3 0,3 0,5
IPCA 2,3 3,9 5,1 6,1 6,7 6,5 6,7 7,0 7,8 8,1 8,4 8,9
acumulado
Fonte: Banco Central do Brasil

2. Avaliação: (1)positiva: bem sucedido na manutenção da estabilidade (âncora);


(2)negativa: i)desempenho econômico insatisfatório (desemprego alto e crescimento
baixo; exceção: 2000); ii)incapacidade do BCB cumprir as metas (apenas em 1999 e
2000) ⇐ a)baixo grau previsibilidade da inflação; b) metas muito rígidas
(reduzidas); e c) elevada participação dos preços administrados na composição do
IPCA (30%).

• Paradoxo: i) maiores taxas de juros reais do mundo (média (1999-2003) > 12%
a.a.); ii) metas cumpridas apenas em 1999 e 2000.
A.M. MODENESI 28/3/2005

Gráfico 9 – Taxa SELIC Real Anualizada*: 1999-2003

50

45

40

35

30

25

20

15

10

0
abr/99

jul/99

abr/00

jul/00

abr/01

jul/01

abr/02

jul/02

abr/03

jul/03
jan/99

out/99

jan/00

out/00

jan/01

out/01

jan/02

out/02

jan/03

out/03
Selic Real M édia

Fonte: BCB e IBGE


*Deflacionada pelo IPCA

Tabela 7 – Meta Para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e Valores


Observados (taxa de variação acumulada): 1999-2003
Ano Meta Verificado Cumprimento da meta
1999 6,0 e 10,0% 8,9% Sim, com desvio
2000 4,0 e 8,0% 6,0% Sim
2001 2,0 e 6,0% 7,7% Não
2002 1,5 e 5,5% 12,5 % Não
2003 Ajustada* para 8,5% 9,3% Não
Fonte: Banco Central do Brasil

• Reindexação da economia ⇒ ⇑ componente inercial do processo inflacionário ⇒


⇓ eficácia da política monetária: SELIC excessivamente alta ⇒ preços livres
excessivamente reprimidos compensar alta excessiva dos preços administrados.

• Desindexação sem renegociar contratos: eliminar prerrogativa 3 esferas de


governo (municipal, estadual e federal) tem em gerar inflação administrada.
A.M. MODENESI 28/3/2005

Tabela 8 – Preços Administrados Por Contrato que Compõem o IPCA


Preços determinados no âmbito municipal ou estadual
Gás encanado
Imposto predial e territorial urbano (IPTU)
Taxa de emplacamento e licenciamento de veículos;
Taxa de água e esgoto;
Transporte público
Ônibus urbanos
Ônibus intermunicipal
Barca
Metrô
Táxi
Preços determinados no âmbito federal
Derivados de petróleo
Gasolina
Óleo diesel
Óleo para veículos
Gás de botijão
Álcool combustível
Carvão vegetal
Tarifa de energia elétrica de consumo residencial
Tarifas de telefonia (fixa, móvel e pública) e de correios
Pedágio
Transporte público
Passagens de avião
Ônibus interestadual
Trem
Navio
Barco
Planos e seguros de saúde;
Jogos lotéricos
Fonte: BCB

Tabela 9 – Taxa de Variação (%) do IPCA e dos Preços Administrados: 1995-2003

Itens 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 1995-2003 1999-2003
IPCA 22,41 9,56 5,22 1,66 8,94 5,97 7,67 12,53 9,30 119,34 52,89
Administrados 29,75 19,27 17,08 3,76 19,04 12,67 10,44 15,32 13,20 263,53 93,37
Ônibus urbano 32,59 21,63 12,93 8,62 14,86 7,86 15,54 12,04 20,95 283,70 93,97
Gasolina 7,65 21,34 16,32 (0,29) 52,00 30,74 7,19 12,10 1,24 266,20 141,72
Energ elétrica res 65,13 1,60 10,06 2,69 19,89 12,69 17,93 19,88 21,37 339,51 131,82
Telefone fixo 25,19 69,21 89,60 2,00 8,83 13,67 7,56 11,86 19,09 626,10 77,25
Plano de saúde 50,45 27,15 9,72 7,97 8,33 5,42 4,28 8,42 8,66 217,94 40,29
Tx água e esgoto 32,74 24,07 9,30 2,47 12,78 4,38 15,50 9,48 21,00 232,24 80,12
Gás de bujão 29,24 11,11 16,00 32,81 44,48 20,99 15,60 48,33 2,93 582,53 208,50

Fonte: Figueiredo e Ferreira (2002) e BCB


A.M. MODENESI 28/3/2005

• Custo fiscal da ineficácia da política monetária: despesa com juros da dívida


pública é (+ dobro do superávit primário).

Tabela 1 – Indicadores Selecionados das Contas Públicas (% do PIB): 1998-2003


ANO Dívida Liquida Déficit Primário * Pagamento de Déficit
do Setor Público Juros (Nominais) Nominal
1988 41,7 0,0 7,5 7,5
1999 48,7 -4,0 9,1 5,7
2000 48,8 -3,5 7,1 3,6
2001 52,6 -3,6 7,2 3,6
2002 55,5 -3,9 8,5 4,6
2003 58,7 -4,4 9,6 5,2
Fonte: Banco Central do Brasil
* O sinal negativo significa superávit
ECONOMIA BRASILEIRA

Questões da ANPEC (1994-2004)


Endividamento Externo e a Crise de 1982

1. Lógica do II PND: crescimento com dívida ⇒ explosão endividamento a partir de


1974.

Tabela 1 – Dívida Externa (US$ Bilhões): 1968-1973


Ano Dívida Bruta Reservas Dívida Líquida
1968 3,8 0,2 3,5
1969 4,4 0,6 3,4
1970 5,3 1,2 4,1
1971 6,6 1,7 4,8
1972 9,5 4,2 5,3
1973 12,6 6,4 6,1
1974 17,1 5,2 11,9
1975 21,1 4,0 17,1
1976 25,9 6,5 19,4
1977 32,0 7,3 24,9
1978 43,5 11,9 31,6
1979 49,9 9,7 40,2
Fonte: IBGE

• DL (1968-73) = 74,29%.
• DL (1974-79) = 237,81%.
• DL (1968-79) = 1.048,57%.

2. Estatização da dívida externa (1975-81): [i) diretamente: ↓ participação das


captações privadas; ↑ captações pública (estatais); ii) indiretamente: oferta de
hedge cambial pelo BCB aos tomadores privados ⇒ governo federal assumiu riscos
cambial e de taxa de juros da dívida externa].

1
Tabela 1 – Dívida Externa (US$ Bilhões): 1968-1973
Ano Total Privado (%) Público (%)
1972 2.947,5 75,05 24,95
1973 2.849,2 60,31 36,69
1974 3.109,5 64,69 35,31
1975 3.773,4 49,62 50,38
1976 3.826,0 48,95 51,05
1977 4.857,4 48,52 51,48
1978 8.828,9 39,77 60,23
1979 8.650,3 23,21 76,79
1980 4.811,1 23,36 76,64
1981 7.596,6 30,42 69,58
Fonte: IBGE

• {1) 1º choque petróleo ⇒ necessidade de capitais externos financiar o


déficit C/C; 2) ↓ captações externas privadas [desaceleração econômica
→ ↓ I → ↓ demanda crédito]} ⇒ estatização da dívida externa: capital
externo única fonte financiamento execução investimentos do II PND.

• Direta: governo forçou o endividamento das estatais ⇐ {[ i) ↓ repressão


tarifária; ii) restrição acesso ao crédito doméstico].

• Indireta: assunção passivo externo privado ⇐ oferta hedge cambial

• Lei 4.131 (1962) e Instrução 289 da SUMOC (1965): autorizava tomada de


empréstimos externos de instituições no exterior por agentes brasileiros
(empresas produtivas)
• Resolução 63 (1967) do Banco Central: permitia aos bancos comerciais,
de investimento e ao BNDE contratarem empréstimos externos e
repassá-los domesticamente.

2
• 1) Diferencial taxa juros doméstica e externa ⇒ ganhos arbitragem ⇒
estimular captação recursos externos.

• 2) Circular no 230 (1974) e da Resolução no 432 (1977): BCB assume


passivo (dívida) externo privado contra depósitos em moeda doméstica ⇒
oferta de hedge cambial (praticamente sem custo financeiro e sem risco).

• (1), (2) ⇒ incentivar captações externas ⇒ financiar déficit C/C.

Ativo Passivo
Título Público = 100 Emp. Externo = 100

iTit. Pub. > iEmp. Ext.

“Com a necessidade de recursos em função do choque do petróleo, as empresas estatais


foram forçadas a captar recursos externos. Para tal, o governo limitou a capacidade de
autofinanciamento das mesmas através de um maior controle tarifário também utilizado
para conter a aceleração inflacionária. Além disso, restringiu-se o acesso destas ao crédito
interno. Deste modo, a única forma de fazerem frente aos investimentos programados era
recorrer ao endividamento externo” (Saes, 215).

“Este processo denomina-se estatização da dívida externa, tendo sido utilizado para cobrir
as necessidades para o fechamento do Balanço de Pagamentos, num primeiro momento
e, posteriormente para se voltar a acumular reservas” (Saes, 215).

“O processo de estatização da dívida externa completava-se em nível interno pela


possibilidade oferecida ao setor privado de repassar ao setor público suas divisas em
dólares. Por meio da Circular no 230 (1974) e da Resolução no 432 (1977) permitia-se às

3
instituições financeiras e as empresas não-financeiras realizar depósitos prévios em
cruzeiros no Bacen, transferindo para este os encargos de seus débitos externo –
correção cambial, principal e juros – contratados através da resolução no 63 e lei no
4.131, respectivamente, permitindo desta forma a proteção contra os riscos de alterações
nas condições dos empréstimos. Visava-se com isso estimular as captações privadas.
Permitiram que o setor privado transferisse ao governo os custos do endividamento
quando o mercado financeiro internacional e a situação cambial do país se mostraram mais
instáveis” (Saes, 217).

“Apesar da ampla liquidez internacional e da série de estímulos dados ao setor privado para
captar recursos externos, tais como diferencial de taxas de juros e mecanismos que
possibilitavam o hedge cambial (Circular 230 e Resolução 432, que permitiam aos agentes
privados transferir o endividamento externo ao Banco Central, por meio de depósitos em
cruzeiros junto a este), o que compõe a segunda parte do processo de estatização da dívida
externa, as estatais constituíram-se nos principais tomadores. O setor privado envolvido na
captação fê-lo basicamente por movimentos especulativos: captar no exterior e aplicar em
títulos públicos com garantia de liquidez, dada a ‘carta de recompra’ e sem risco de perda
cambial, com a possibilidade de hedge, que se tornaram fonte adicional de especulação.
Para realizar o II PND, o Estado foi assumindo um passivo, para manter o crescimento
econômico e o funcionamento da economia. Dados os níveis extremamente baixos das
taxas de juros internacionais, o Estado era capaz de pagar os juros, mas correndo o risco de
que qualquer alteração na estrutura das taxas de juros poderia inviabilizar as condições de
pagamento, principalmente tendo-se em vista a característica flutuante das taxas de juros
dos empréstimos. A deterioração da capacidade de financiamento do estado, que socializou
todos os custos no período do II PND (com grande aumento nos gastos, sem criar
mecanismos adequados de financiamento), constituir-se-ia no grande problema enfrentado
posteriormente pela economia brasileira” (Gremaud, 416).

4
• 1979: início do processo de choque de juros ⇒ ↓ fluxos de empréstimos externos
(AL)

• 1979-82: [i) perda de reservas; ii) rolagem dívida (novos empréstimos junto aos
bancos privados] ⇒ manutenção do serviço.

• 1982: moratória mexicana ⇒ fechamento mercado internacional de capitais:


fim rolagem ⇒ crise dívida: necessidade de geração de superávits comerciais →
honrar compromissos dívida externa.

• Intensificação política de ajuste externo: {1) acordo FMI; 2) aprofundamento


ajuste recessivo; [3) política comercial: i) estímulo (subsídios/incentivos)
exportações; ii) restrição importações; iii) maxidesvalorização cambial e regime
de minidesvalorizações; 4) defasagem tarifária; 5) arrocho salarial] → a) ↑
competitividade da produção doméstica; b) conclusão do II PND ⇒ mega-
superávits (1983-93).

• Esterilização mega-superávits ⇒ ↑ estoque dívida interna.

3. Crise fiscal ⇐ {1) redução receitas tributárias: ← [i) subsídios/incentivos


exportações; ii) repressão tarifária; iii) recessão]; 2) ↑ gastos públicos ← ↑
serviço dívida ← [i) ↑ taxa juros externa; ii) maxidesvalorização]; 3) ↑ estoque
dívida interna} ⇒ ↓ investimentos públicos ⇒ desaceleração.

5
Tabela 2 – Formação Bruta de Capital Fixo – 1974-1984
Ano % PIB Privado Publico
1970 18,8 61,3 38,7
1971-73 20,2 67,2 32,8
1974-78 22,3 59,8 40,2
1979-80 23,5 71,2 28,8
1981-83 22,4 69,7 30,3
1984 18,9 72,9 27,1
Fonte: IBGE in Giambiagi et al (2004b)

Tabela 3 – Formação Bruta de Capital Fixo e Taxa de Crescimento do PIB: 1974-1984


Ano FBCF/PBI (%) PIB (%)
1971-80 23,5 8,4
1981-83 19,6 -2,8
1984-89 17,2 4,6
1990-92 14,9 -1,7
1993 14,4 4,1
1994 15,2 5,8
1995 16,7 4,1
1996 16,5 3,0
1997 18,1 3,3
1998 17,7 0,2
1999 16,3 0,8
2000 15,8 4,5
2001 16,5 1,7
Fonte: Bielschowsky (2002)

6
Formação Econômica do Brasil
Celso Furtado

Economia Brasileira
Professor: André de melo Modenesi
A. M. Modenesi 5/4/2005

 André de Melo Modenesi

A utilização desse material é restrita a fins estritamente acadêmicos. Sua utilização com
outros objetivos é vedada. Os alunos da faculdade de economia do IBMEC e do curso
preparatório para o Exame Nacional da ANPEC do CORECON – 1a Região estão
autorizados a reproduzir este material, com fins estritamente acadêmicos.

Críticas, sugestões e indicações de eventuais erros são bem-vindas. Favor enviá-las para:
modenesi@globo.eco.com

Rio de Janeiro, fevereiro de 2005.

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A. M. Modenesi 5/4/2005

Furtado, C. Formação Econômica do Brasil

Tópicos Fundamentais

1. Trabalho assalariado e formação mercado interno consumidor: pré-condição


para o desenvolvimento industrial (XXVI)

2. Crescimento voltado para fora: setor externo é fator dinâmico da economia;


renda cafeeira: i)principal determinante dos níveis de emprego e renda;
ii)importante efeito multiplicador sobre o nível de renda global (XXVI)

3. Tendência ao desequilíbrio externo: instabilidade inerente à adoção do padrão-


ouro em economias agro-exportadoras (XXVII)

4. “Socialização das perdas”: desvalorização gera transferência de renda dos


importadores (massa de consumidores) para os exportadores (XXVIII)

5. Tendência à superprodução de café: i)abundância de recursos (terra e trabalho


imigrante); ii)inexistência de alternativas de investimento (elevada rentabilidade
do café). Agravada pelos programas de valorização (XXX)

6. Efeito anti-cíclico dos programas de valorização do café: atenuou impacto


recessivo da Crise (XXXI)

7. Deslocamento do centro dinâmico da economia: desenvolvimento para dentro:


demanda interna se torna o fator dinâmico; e ISI (XXXII).

8. Crise de 1929: ponto de inflexão no processo de industrialização (XXXVI).

2
A. M. Modenesi 5/4/2005

PARTE IV: ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO


(XIX)

XVI – O Maranhão e a Falsa Euforia do Fim da Época Colonial

• Polos econômicos com baixo grau de integração: economia açucareira (Ne) e mineira
(MG). Maranhão: polo secundário vinculado à economia cafeeira através da pecuária.

• Surto econômico no Maranhão (fins do XIX): único polo a se desenvolver.

Aconteciemntos políticos: i) independência dos EUA; ii) Revolução Francesa; iii) guerras
napoleônicas e iii) desarticulação do império espanhol na América ⇒ elevação temporária
nos preços dos produtos coloniais, favorecendo produção local: i) algodão: desorganização
produção americana e revolução industrial inglesa; ii) arroz: fora restrições do pacto
colonial e iii) couros.

XVII – Passivo Colonial, Crise Financeira e Instabilidade Política

• Evolução política: independência de Portugal (1822) ⇒ império autônomo de Portugal.

• Dificuldades econômicas Ù tratados comerciais com Inglaterra: extraterritorialidade


e tarifas preferências.

• Extensão da economia européia: economia brasileira não era um sistema autônomo.

“Sendo uma grande plantação de produtos tropicais, a colônia estava intimamente integrada
nas economias européias, das quais dependia. Não constituía, portanto, um sistema
autônomo, sendo simples prolongamento de outros maiores” (p. 95).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

XVIII – Confronto com o Desenvolvimento dos EUA

• Acordos comerciais Inglaterra não são suficientes para explicar o subdesenvolvimento


brasileiro: colônia de exploração X povoamento.

XIX – Declínio a Longo Prazo do Nível de Renda: Primeira metade do Século XIX

• Redução renda real ⇐ decadência do setor exportador ← queda preço.

Condição para industrialização: crescimento das exportações ⇒ elevação na capacidade de


importar ← baixo nível tecnológico.

XX – Gestação da Economia Cafeeira

• Decadência econômico-financeira do setor público: i) exportações em queda e


ii)impossibilidade de elevar imposto sobre importação (tratados com Inglaterra) ⇒
dificuldades em pagar o serviço da dívida externa ⇒ redução crédito público.

• Decadência das exportações tradicionais ⇒ condição para o desenvolvimento


econômico: novo produto de exportação que reintegrasse o país ao comércio
internacional Ù i)baixo nível tecnológico; ii)escassez de capital; iii)mercado interno
muito restrito.

“As possibilidades de que as exportações tradicionais do Brasil voltasse a recuperar o


dinamismo necessário para que o país entrasse em nova etapa de desenvolvimento eram
remotas [na metade do século XIX] (...). O açúcar tornara-se cada vez menos promissor.

4
A. M. Modenesi 5/4/2005

A situação do algodão, segundo produto das exportações brasileiras no começo do século,


ainda era pior do que a do açúcar. O fumo, os couros, o arroz e o cacau eram produtos
menores cujos mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão” (pp. 111-3).

• Café: solução ⇐ [se adequa às restrições: i)ecológicas: clima, solo; ii)insumo básico:
terra (abundante); iii)grau de capitalização baixo: apesar de razoável nível de
imobilização os gastos monetários com a reprodução (custos variáveis) são muito
baixos; e iv)baixo nível tecnológico: equipamentos simples e de produção local].

Aproveitamento recursos ociosos: i)relativa abundância de mão-de-obra da decadente


economia mineira e ii)com a redução do preço do açúcar utilização MDO da indústria
açucareira ⇒ fluxo de mão-de-obra do morte para o sul.

Rápida expansão: na 1a metade do século XIX já era principal produto de exportação.

• Cafeicultores: poderoso grupo de interesse ⇒ pressão na determinação da política


econômica.

Açúcar: produção desvinculada da comercialização ⇒ produtores não tinham consciência


clara de seus interesse ⇒ não exerciam pressão política.

XXI – O Problema da Mão-de-Obra I. Oferta Interna Potencial

• Escassez de mão-de-obra: problema fundamental da economia brasileira na 2a


metade do séc. XIX ⇐ [i)fim do tráfico negreiro; e posteriormente ii)abolição].

“Qualquer empreendimento que se pretendesse realizar teria de chocar-se com a


inelasticiade [escassez] da oferta de trabalho” (p. 117).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

XXII – O Problema da Mão-de-Obra II. A Imigração Européia

• Solução: imigração européia ⇒ condição para expansão lavoura cafeeira.

Inicialmente era pouco atrativo Ù movimento contrário na Europa: i) primeiras colônias


incentivadas pelo governo imperial não se desenvolveram Ù subsistência ⇐ inexistência
mercado interno; ii) servidão temporária: abuso por parte dos fazendeiros.

• Agravamento situação (aumento demanda) na década de 1860 ⇐ [i) elevação preço


café → expansão lavoura; ii) elevação preço algodão → expansão da produção no
norte → redução trafico interno de escravos].

• Mudanças: i) sistema de parceria; e posteriormente ii) sistema misto: renda fixa e


variável de acordo com a produção.

• Solução: [custo da viagem por conta do governo (subsídio) e compromisso dos


fazendeiros de cobrir os gastos dos imigrantes no primeiro ano] ⇒ expressivo fluxo
imigratório.

• Oferta favorável: unificação italiana → desorganizou produção manufatureira do sul


→ pressão sobre a terra → emigração foi solução.

XIII – O Problema da Mão-de-Obra III. A transumância Amazônica

• Desenvolvimento indústria automobilística ⇒ elevação demanda por borracha.

6
A. M. Modenesi 5/4/2005

• Grave escassez de mão-de-obra na Amazônia: corrente migratória do nordeste para


a Amazônia ⇒ expansão produção de borracha.

XXIV – O Problema da Mão-de-Obra IV. A Eliminação do Trabalho Escravo

• Abolição 1888

• Abolição em geral considerada “hecatombe social”: escravo era uma riqueza ⇒


abolição → empobrecimento setor gerador de riqueza. Outros acreditavam que
determinaria uma liberação de capitais ⇐ redução custo fixo.

• Efeito redistribuidor de propriedade: não cria nem destrói riqueza, apenas a


redistribui entre os agentes (semelhante à reforma agrária). Efeito sobre a distribuição
de renda, a organização da produção e utilização dos insumos depende da oferta de
terras.

• Oferta terra escassa (inelástica) ⇒ efeito formal ← distribuição de renda e organização


produção inalteradas (Antilhas inglesas).

Economia açucareira aproxima-se a este caso: i)Excedente populacional nas regiões


urbanas e na zona de subsistência no interior → mobilidade limitada → mudavam de
engenho, permanecendo na região; ii)investimentos estrangeiros → inovação tecnológica;
iii)produção cubana ⇒ redução demanda trabalho → não houve distribuição de renda.

• Oferta de terra abundante (elástica) ⇒ efeito real: distribuição de renda, organização


produção e utilização dos fatores alterada → i) aumento relativo renda trabalhadores
(subsistência); ii)redução utilização dos fatores; iii)queda rentabilidade sistema.

7
A. M. Modenesi 5/4/2005

Economia cafeeira aproxima-se a este caso: i) Relativa abundância terras ⇒ subsistência;


ii) Expansão rumo ao interior → elevação demanda trabalho parcialmente satisfeita pela
imigração européia ⇒ pequena elevação dos salários; iii) Preferência ao ócio ← cultural:
trabalho é uma maldição.
i), ii), iii) ⇒ redução utilização trabalho.

• Caráter político ⇒ eliminação da base de sistema regional de poder ⇐ transformações


econômicas foram reduzidas Ù pouco efeito sobre a distribuição de renda e
organização da produção.

XXV – Nível de Renda e Ritmo de Crescimento na Segunda Metade do Século XIX

• 2a metade do XIX: taxa crescimento elevada Ù renda setor exportador (centro


dinâmico) aumentou 396%.

Taxa de crescimento: i)renda: 3,5 % e ii)renda per capta: 1,5 %: elevada com relação
economia mundial. Relativo atraso econômico se explica devido à estagnação e possível
retrocesso dos ¾ de século anteriores.

• Efeito diferenciado nos sistemas econômicos (conjecturas): i) Nordeste (açúcar,


algodão e subsistência): queda renda per capta; ii) Sudeste (café): elevação renda per
capta à taxa similar do setor exportador; iii) Sul: pecuária de exportação para mercado
interno: elevação renda per capta.

• Regiões produtoras: i) Bahia (cacau e fumo): exportação per capta inferior à


nordestina; renda per capta estável. ii) Amazônia (borracha): surto no último decênio
do XIX.

8
A. M. Modenesi 5/4/2005

XXVI – O Fluxo de Renda na Economia de trabalho Assalariado

1. Novo sistema econômico (final do XIX): abolição (1888) ⇒ [↑ importância


relativa setor assalariado → massa de salários → mercado consumidor interno]
⇒ impulso atividades voltada para o mercado interno: pré-condição ao
desenvolvimento industrial (início da transição para o crescimento voltado para
dentro).

“O fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira no último quartel do século


XIX foi, sem lugar à dúvida, o aumento da importância relativa do setor assalariado. A
expansão anterior se fizera, seja através do crescimento escravista, seja pela
multiplicação dos núcleos de subsistência. Em um e outro caso o fluxo de renda, real ou
virtual, circunscrevia-se a unidades relativamente pequenas, cujos contatos externos
assumiam caráter internacional no primeiro caso e eram de limitadíssimo alcance no
segundo. A nova expansão tem lugar no setor que se baseia no trabalho assalariado. O
mecanismo desse novo sistema, cuja importância relativa cresce rapidamente, apresenta
diferenças profundas com respeito à antiga economia de subsistência. A dinâmica do
novo sistema é distinta. Convém analisá-la detidamente, se pretendemos compreender as
transformações estruturais que levariam, na primeira metade do século atual, à formação
no brasil de uma economia de mercado interno” (p. 151).

• Efeito multiplicador (sobre o nível de renda interna) da elevação da demanda


externa: atividades ligadas ao mercado interno dependem do impulso gerado pelo
setor cafeeiro (relação positiva entre impulso externo e atividades voltadas para
o mercado interno). Diferente do que ocorria com a agroexportação escravista
que gerava um fluxo monetário inexpressivo.

“Ao crescer a renda criada pelas exportações, cresce a massa total de pagamentos aos
fatores, realizados dentro da economia. Essa renda, conforme vimos, tende a multiplicar-

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A. M. Modenesi 5/4/2005

se, primeiramente em termos monetários e finalmente em termos reais, dada a existência


de fatores subocupados. O crescimento da renda se realiza em duas etapas: em primeiro
lugar graças ao crescimento das exportações e, em segundo, pelo efeito multiplicador
interno” (p. 157).

“(...) o desenvolvimento da primeira metade do século XX apresenta-se basicamente como


um processo de articulação das distintas regiões do país em um sistema com um mínimo de
integração. O rápido crescimento da economia cafeeira – durante o meio século entre
1880 e 1930 – (...) dotou o Brasil de um sólido núcleo em torno do qual as demais regiões
tiveram necessariamente de articular-se” (237).

“Vejamos como se propaga o fluxo de renda gerado pelas exportações. Os gastos de


consumo – compra de alimentos roupas serviços etc. – vêm a constituir a renda dos
pequenos produtores, comerciantes etc. Estes últimos também transformam grande
parte de sua renda em gastos de consumo. Destarte, a soma de todos esses gastos terá
necessariamente de exceder de muito a renda monetária criada pela atividade
exportadora [efeito multiplicador]. Suponhamos agora que ocorra um aumento do
impulso externo. Crescendo a massa de salários pagos, aumentará automaticamente a
procura de artigos de consumo. A produção de parte destes últimos, por seu lado, pode
ser expandida com relativa facilidade, dada a existência de mão-de-obra e terras
subutilizadas, particularmente em certas regiões em que predomina a atividade de
subsistência. Dessa forma o aumento do impulso externo – atuando sobre um setor da
economia organizado à base de trabalho assalariado – determina melhor utilização de
fatores já existentes no país. Demais, o aumento de produtividade – efeito secundário do
impulso externo – manifesta-se fora da unidade produtora. A massa de salários pagos no
setor exportador vem a ser, por conseguinte, o núcleo de uma economia de mercado
interno. Quando convergem certos fatores(...) o mercado interno se encontra em
condições de crescer mais intensamente do que a economia de exportação, se bem que o
impulso de crescimento tenha origem nesta última” (p. 152).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

• ↑P externo + [recursos subutilizados no setor de subsistência ⇒ abundância de:


i)MDO; ii)terra] ⇒ expansão setor exportador (“sem obstáculos”) ⇒ ↑
importância relativa setor assalariado: [i)↑trabalhadores assalariados;
ii)↑salário real médio (global)] ⇒ ↑ massa salário ⇒ [i)expansão do mercado
interno; ii)melhor utilização dos fatores (↑produtividade)].

• Exército de reserva de MDO ⇒ expansão no setor exportador mantendo-se


salário real (do setor). WEXPORTADOR > WSUBSISTÊNCIA ⇒ atrai MDO para setor
exportador sem pressionar WEXPORTADOR.

“O impulso externo de crescimento se apresenta inicialmente, via de regra, sob a forma de


elevação nos preços de produtos exportados, a qual se transforma em maiores lucros. Os
empresários tratam, como é natural, de reinverter esses lucros expandindo as plantações.
Dada a relativa elasticidade da oferta de mão-de-obra e a abundância de terras, essa
expansão pode seguir adiante sem encontrar obstáculo da parte de salários ou da renda
da terra. Com efeito os deslocamentos de mão-de-obra dentro do país e a imigração
processaram-se independentemente da elevação do salário real naqueles setores ou
regiões que atraiam fatores. O setor cafeeiro pode, na verdade, manter o seu salário real
praticamente estável durante a longa etapa de sua expansão. Bastou que esse salário fosse
em termos absolutos mais elevado do que aqueles pagos nos demais setores da economia,
e que a produção se expandisse, para que a força de trabalho se deslocasse. Portanto,
teve importância fundamental, no desenvolvimento do novo sistema econômico baseado no
trabalho assalariado, a existência da massa de mão-de-obra relativamente amorfa que se
fora formando no país nos séculos anteriores. Se a expansão da economia cafeeira
houvesse dependido exclusivamente da mão de obra européia imigrante, os salários ter-se-
iam estabelecido a níveis mais altos(...). A estabilidade do salário real médio no setor
exportador não significava, entretanto, que o mesmo ocorresse no conjunto da
economia. Com a absorção de mão-de-obra pelo setor exportador, a importância
relativa desse centro da economia ia crescendo. Ao serem absorvidos fatores do setor de
subsistência, elevava-se o salário real médio, e ainda mais o salário monetário médio,

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A. M. Modenesi 5/4/2005

pois nesse setor o fluxo monetário era relativamente muito menor. (...). Em síntese, como a
população [empregada] crescia muito mais intensamente no setor monetário que no
conjunto da economia, a massa de salários monetários – base do mercado interno –
aumentava mais rapidamente que o produto global” (152-3).

2. Crescimento voltado para fora: setor externo é o fator dinâmico. ↑Demanda


externa ⇒ ↑renda cafeeira ⇒ ↑renda e emprego doméstico. (Tavares)

“Observada em conjunto, a nova economia cafeeira baseada no trabalho assalariado


apresenta certas similitudes com a antiga economia escravista: está constituída por uma
multiplicidade unidades produtoras que se ligam intimamente às correntes de
comércio exterior. Todavia se nos fixarmos mais de perto no mecanismo dessas unidades,
vemos que são profundas as diferenças.O fator dinâmico continua sendo o comércio
exterior” (p. 151).

“(..)a indução externa constitui o fator dinâmico principal na determinação do nível da


procura efetiva” (P. 233).

• atividade interna não possui dinamismo próprio ⇒ “caráter reflexo” da


economia. (Tavares).

“O que nos interessa assinalar, porém, é o fato de que essa reduzida atividade industrial,
juntamente com o setor agrícola de subsistência eram insuficientes para dar à atividade
interna um dinamismo próprio. Assim, o crescimento econômico ficava basicamente
atrelado ao comportamento da demanda externa por produtos primários, dando o caráter
eminentemente dependente e reflexo de nossas economias” (Tavares, p. 31).

“O cerne da problemática do crescimento ‘para fora’ típico de nossas economias está


evidentemente vinculado ao quadro de divisão internacional do trabalho que foi imposto

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A. M. Modenesi 5/4/2005

pelo próprio processo de desenvolvimento das economias líderes do qual decorria, para os
países da periferia, uma divisão do trabalho social totalmente distinta do centro”
(Tavares, p, 32).

• “Implícito”: [i)significado macroeconômico do café (Bacha); ii)vulnerabilidade


da economia a choques externos (Fritsch)] ⇒ Fritsch descobriu a pólvora e jamais
realizou uma revisão historiográfica.

• Complementaridade limitada (dialética) entre o desenvolvimento industrial e o


setor exportador (indústria era caudatária do café): impulso dado à indústria pelo
setor externo é limitado. (Tavares).

“Portanto, o enfoque de Furtado e Tavares é essencialmente igual ao enfoque cepalino do


crescimento voltado para fora, porém com a diferença básica de que, para os dois
primeiros autores, a relação entre o setor exportador e as atividades internas é de
interdependência e não de antagonismo(...)”. (Suzigan, p. 26).

“Da mesma forma, apesar de compartilharem da concepção cepalina do desenvolvimento


“para fora”, ressaltam a existência de interrelações entre os setores agroexportador e
industrial. De acordo com Tavares e Furtado, não havia contradição entre o
desenvolvimento industrial e o setor exportador, mas sim complementariedade, ainda
que esta não seja irrestrita. Para Furtado e Tavares, processo de desenvolvimento
industrial do país se divide em dois períodos, tendo a década de trinta como divisor de
águas. Antes desta data, o crescimento do setor industrial foi induzido pela expansão da
renda gerada pela ampliação das atividades do setor agroexportador”. (Modenesi, p.)

“Apesar de ambos [Tavares e Furtado] usarem o conceito de desenvolvimento “para fora” a


fim de caracterizar o modelo econômico anterior à Grande Depressão, ressaltam
importantes conexões entre os setores agroexportador e industrial. A relação entre estes

13
A. M. Modenesi 5/4/2005

não é antagônica, mas sim, de interdependência. Antes da Crise de 1930, a


industrialização foi em larga medida impulsionada pela expansão da agroexportação”
(Modenesi, p. 54-5).

XXVII – A Tendência ao Desequilíbrio Externo

• Padrão-ouro: câmbio fixo ⇒ moeda endôgena: i)déficit → contração monetária;


ii)superávit → expansão.

3. Tendência ao desequilíbrio externo: [i)coeficiente de importações elevado;


ii)elevada participação relativa das exportações na renda] ⇒ participação
relativa no comércio internacional elevada → elevado fluxo de reservas →
variações elevadas na oferta monetária ⇒ “traumatização do sistema” ⇒
dificuldade de se adaptar ao padrão-ouro → adotado apenas em dois curtos
períodos de tempo: i)Caixa de Conversão (1906-14); ii)Caixa de Estabilização
(1926-30).

“Um desses problemas – aliás comum a outras economias se caraterísticas similares –


consistiria na impossibilidade de se adaptar às regras do padrão-ouro, base de toda a
economia internacional no período que aqui nos ocupa. (...). A dificuldade estava em que
cada país deveria contribuir para esse financiamento [das trocas internacionais] em
função de sua participação no comércio internacional e da amplitude das flutuações de
sua balança de pagamentos. Ora, um país exportador de produtos primários tinha, como
regra, uma elevada participação relativa no comércio internacional, isto é, seu
intercâmbio per capita era relativamente muito maior que sua renda monetária per
capita. Por outro lado, sua economia – pelo fato mesmo de que dependia muito mais das
exportações – estava sujeita a oscilações muito mais agudas” (p. 154)

“Nas economias em que as importações constituíam uma reduzida parcela do dispêndio


nacional, um desequilíbrio ocasional da balança de pagamentos podia ser financiado

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A. M. Modenesi 5/4/2005

com numerário de circulação interna sem provocar grande redução no grau de liquidez
do sistema. O mesmo, entretanto, não se podia esperar de uma economia de elevado
coeficiente de importações. Neste último caso, um brusco desequilíbrio na balança de
pagamentos exigiria uma redução de grandes proporções no meio circulante,
provocando uma verdadeira traumatização do sistema” (p. 156).

• Economia escravista-exportadora na forma “pura”: inexistência de fluxo monetário


→ demanda (monetária) = exportações ⇒ inexistência de desequilíbrio.

“Quando existiu em sua forma pura [a economia exportadora-escravista], essa


desconheceu por natureza qualquer forma de desequilíbrio externo. Sendo a procura
monetária igual às exportações, é evidente que toda ela podia se transformar em
importações sem que por esta razão surgisse qualquer desequilíbrio. É quando a procura
monetária tende a crescer mais que as exportações, que começa a surgir a possibilidade
de desequilíbrio: esse desajustamento está intimamente ligado ao regime de trabalho
assalariado, com é fácil de se perceber” (p. 157).

• Economia periférica assalariada: crise ⇒ {↓ preço de exportação + propagação


lenta do efeito multiplicador (impulso externo anterior) ⇒ [i)↑ importações; ii)↓
receita exportação] + [↓ movimento de capitais (autônomos): i) ↓entrada capitais;
ii)mantém serviço da dívida (saída capitais)] }⇒ mega déficit BP ⇒ ⇓ reservas → ⇓
B ⇒ ⇓Y. (Firtsh).

“(...)no momento em que se deflagrava uma crise nos centros industriais, os preços dos
produtos primários caíram bruscamente, reduzindo-se de imediato a entrada de divisas
no país de economia dependente. Enquanto isso, o efeito dos aumentos anteriores do
valor e do volume das exportações continuava a propagar-se lentamente. Existia
portanto, uma etapa intermediária em que a procura de importações continuava
crescendo se bem que a oferta de divisas já se houvesse reduzido drasticamente. Nessa
etapa é que caberia mobilizar as reservas metálicas. Estas, entretanto, teriam de ser de

15
A. M. Modenesi 5/4/2005

grandes proporções para que funcionasse o mecanismo do padrão-ouro, não somente


porque a participação das importações no dispêndio total da coletividade era muito
elevada e as flutuações da capacidade para importar muito grandes, mas também
porque numa economia desse tipo a conta de capital do balanço de pagamentos se
comporta adversamente nas etapas de depressão. Se se observa a natureza dos
fenômenos cíclicos nas economias dependentes, em contraste com as industrializadas,
percebe-se facilmente porque aquelas estiveram sempre condenadas a desequilíbrios de
balança de pagamentos e à inflação monetária” (p. 157-8).

“Nas economias dependentes a crise se apresenta de forma totalmente distinta, tendo


início com a queda no valor das exportações, em razão de uma redução seja no valor
unitário dos produtos exportados, seja nesse valor e no volume total das exportações. É
necessário que passe algum tempo para que a contração no valor das exportações exerça
seu pleno efeito sobre a procura de importações, sendo portanto de esperar que se crie um
desequilíbrio inicial na balança de pagamentos. Por outro lado, a queda dos preços das
mercadorias importadas (produtos manufaturados) se faz mais lentamente e com menor
intensidade que a dos produtos primários exportados, isto é, tem início uma piora dos
termos de intercâmbio. A esses dois fatores vêm-se acumular os efeitos da rigidez do
serviço dos capitais estrangeiros e redução da entrada desses capitais. Em tais
condições, é fácil prever as imensas reservas metálicas que exigiria o pleno
funcionamento do padrão-ouro (...). À medida que a economia escravista-exportadora era
substituída por um novo sistema, com base no trabalho assalariado, tornava-se mais difícil
o funcionamento do padrão-ouro. (p. 159-0).

• Industrializada: crise → ↓ investimento → ↓ demanda → ↓ importações → ↓ preço


importações.

XXVIII – A Defesa do Nível de Emprego e a Concentração de Renda

16
A. M. Modenesi 5/4/2005

L
• [i)abundância de terras e MDO; e ii)escassez de capital ⇒ [produção extensiva: i)
K
T Y
e alto; ii)maximizar ] ⇒ [i)produtividade física inalterada; ii) ~∃ pressão para ↑
K K
WEXPORTADOR] ⇒ ganhos de produtividade econômica (elevação nos preços) retidos
pelos produtores.

“(...)a existência de uma reserva de mão-de-obra dentro do país, reforçada pelo forte
fluxo imigratório, permitiu que a economia cafeeira se expandisse durante um longo
período sem que os salários reais [pagos pelo setor] apresentassem tendência para a alta.
A elevação do salário médio no país refletia o aumento de produtividade que se ia
alcançando através da simples transferência de mão-de-obra da economia estacionária
de subsistência para a economia exportadora. As melhoras de produtividade obtidas
dentro da própria economia exportadora, essas o empresário podia retê-las, pois nenhuma
pressão se formava dentro do sistema que o obrigasse a transferi-la total ou parcialmente
para os assalariados .(...). Não existindo nenhuma pressão da mão-de-obra no sentido da
elevação dos salários, ao empresário não interessava substituir essa mão-de-obra por
capital, isto é, aumentar a quantidade de capital por unidade de mão-de-obra. Como os
frutos do aumento da produtividade revertiam para o capital, quanto mais extensiva
fosse a cultura, vale dizer, quanto maior fosse a quantidade produzida por unidade de
capital imobilizado, mais vantajosa seria a situação do empresário. Transformando-se
qualquer aumento de produtividade em lucros, é evidente que seria sempre mais
interessante produzir a maior quantidade possível por unidade de capital, e não pagar o
mínimo possível de salários por unidade de produto. A conseqüência prática dessa situação
era que o empresário estava sempre interessado em aplicar seu capital novo na expansão
das plantações, não se formando nenhum incentivo à melhora dos métodos de cultivo.
Observação idêntica pode ser feita com relação à terra. É evidente que se esta fosse
escassa, concluída sua ocupação, os empresários seriam induzidos a melhorar os
métodos de cultivo e a intensificar a capitalização para aumentar os rendimentos. (...).
Ora, a terra mais ainda do que a mão-de-obra existia em abundância, desocupada ou
subocupada na economia de subsistência. O empresário tratava de usá-la aplicando o

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mínimo de capital por unidade de superfície. Sempre que essa dava sinais de
esgotamento, se justificava, do ponto de vista do empresário, abandoná-la, transferindo
o capital para solos novos de mais elevado rendimento [caráter itinerante da cultura]. (...).
As condições econômicas em que se desenvolvia a cultura do café não criavam, portanto,
nenhum estímulo ao empresário para aumentar a produtividade física, seja da terra
seja da mão-de-obra. Essa era aliás, a forma racional de crescimento de uma economia
onde existiam desocupadas ou subocupadas terra e mão-de-obra, e onde era escasso o
capital” (p. 161-2).

4. Socialização das perdas: crise externa → déficit no BP ⇒ desvalorização ⇒


[i)elevação preço importados (elasticiade-renda baixa: produtos essenciais);
ii)elevação renda exportação] ⇒ transferência de renda de massa consumidora
de importados para exportadores.

“O processo de correção externa significava, em última instância, uma transferência de


renda daqueles que pagavam as importações para aqueles que vendiam as exportações.
Como as importações eram pagas pela coletividade em seu conjunto, os empresários
exportadores estavam na realidade logrando socializar as perdas que os mecanismos
econômicos tendiam a concentrar em seus lucros.É verdade que pare dessa transferência de
renda se fazia dentro da própria classe empresarial, na sua qualidade dupla de exportadora e
importadora de artigos importados. Não obstante, a parte principal da transferência teria
de realizar-se entre a grande massa de consumidores de artigos importados e os
empresários exportadores. Bastaria atentar na composição das importações brasileiras
no fim do século passado e começo deste, 50 por cento das quais eram constituídas por
alimentos e tecidos, para dar-se conta do vulto dessa transferência. Durante a depressão, as
importações que se contraíram menos – dada a baixa elasticidade-renda de sua procura
– eram aquelas de produtos essenciais utilizados pela grande massa consumidora. Os
produtos de consumo de importação exclusiva das classes não assalariadas apresentavam
elevada elasticidade-renda, dado seu caráter de não-essencialidade” (p. 165).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

“(...) a desvalorização tem efeito perverso sobre os demandantes de mercadorias


importadas, configurando-se assim o quadro de socialização das perdas” (Saes, p. 81).

• [Lucro retido e perda socializada] ⇒ concentração de renda.

“Pelas razões indicadas e outras, o setor exportador não apresentou, através de sua
expansão, nenhuma tendência a aumentar sua produtividade física. Os frutos do
aumento de produtividade, que retinha o empresário e a que antes nos referimos,
refletiam principalmente elevações ocasionais de preços. Ora essas elevações de preço se
manifestavam através do ciclo econômico, sendo portanto de se esperar que o empresário
devolvesse, através de lucros mais baixos, aquilo que ganhara em lucros extraordinários
na etapa cíclica favorável. As flutuações dos preços de exportação se traduziriam, dessa
forma, em contrações e expansões da margem de lucro do empresário. Entretanto, assim
não ocorria, por motivos mais ou menos óbvios. Já observamos que a contração cíclica
trazia consigo, quase necessariamente, um desequilíbrio na balança de pagamentos, cuja
correção se fazia através de reajustamentos da taxa cambial [ver nota 143]” (p. 163).

(...) os aumentos de produtividade econômica alcançados na alta cíclica eram retidos


pelos empresários, dadas as condições que prevaleciam de abundância de terras e de
mão-de-obra. Havia, portanto, uma tendência à concentração da renda nas etapas de
prosperidade. Crescendo os lucros mais rapidamente que os salários, ou crescendo aqueles
enquanto estes permaneciam estáveis, é evidente que a participação dos lucros no total da
renda territorial tendia a aumentar. Na etapa de declínio cíclico havia grande baixa na
produtividade econômica do setor exportador. Pelas mesmas razões por que na alta dos
cíclica os frutos desse aumento de produtividade eram retidos, na depressão os prejuízos
tenderiam a se concentrar nos lucros dos empresários. Não obstante, o mecanismo pelo
qual a economia corrigia o desequilíbrio externo – o reajustamento da taxa cambial –
possibilitava a transferência do prejuízo para a grande massa consumidora. Destarte do
processo de concentração de riqueza que caracterizava a prosperidade, não encontrava
um movimento compensatório na etapa de contração da renda” (p. 165).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

• Tendência manutenção nível de emprego: i)custo fixo muito alto; ii) impossibilidade
de utilizar a terra para outros cultivos; e iii) inexistência de alternativa para
utilização da MDO.

“(...) a plantação de café significa uma inversão de longo prazo com grandes
imobilizações de capital. A terra ocupada pelo café não pode ser usada se não de forma
subsidiária por outras culturas. Não existe, como no caso dos cereais, a possibilidade de
reduzir, no período produtivo seguinte, a área semeada. O abandono da plantação de café
significaria para o empresário um grande prejuízo, dado o montante de capital
imobilizado. Por outro lado, como não existia possibilidade alternativa de utilização de
mão-de-obra, a perda total de renda seria de grandes proporções. (...) Explica-se, portanto,
que a economia procurasse por todos os meios manter seu nível de emprego durante os
períodos de depressão” (p. 167).

XXIX – A Descentralização Republicana e a formação de Grupos de Pressão

• Sensibilidade orçamentária à taxa de câmbio: [desvalorização ⇒ i) ↓ arrecadação do


imposto importação (principal fonte de receita); ii) ↑ serviço da dívida externa
(denominada em libras) em termos da moeda doméstica] ⇒ deterioração fiscal
Praticamente consensual: i)Franco; ii)Fritsch; Villela e Suzigan.

“O efeito regressivo na distribuição de renda provocado pela depreciação cambial era,


demais, agravado pelo funcionamento das finanças públicas. O imposto às importações,
base da receita do governo central, era cobrado a uma taxa fixa de câmbio. [Nota 145:
Sendo o imposto ad valorem pago em moeda nacional a uma taxa de câmbio fixa (27 d.
por mil-réis) resultava que, ao depreciar-se a moeda, a parte do imposto permanecia
estável enquanto aumentava o valor em moeda nacional da mercadoria importada.
Dessa forma, a receita governamental proveniente do imposto de importação permanecia

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estacionária enquanto crescia o valor em moeda nacional do que se importava e ainda


mais o valor das divisas. (...). Murtinho, em 1900, deu uma solução radical ao problema,
introduzindo a tarifa-ouro]” (p. 168).

• Desvalorização ⇒ [i)↓ carga tributária (gravame) proporcional ao preço do bem


importado → beneficia classe alta (consumidora de bens mais caros): caráter regressivo
de TM (mais renda paga menos); ii)deterioração fiscal ⇒ ↑B → inflação (imposto
regressivo: incidência maior sobre assalariados urbanos )] ⇒ agravava a concentração
de renda.

“Ao depreciar-se a moeda, reduzia-se a importância ad valorem do imposto, acarretando


dois efeitos de caráter regressivo. Por um lado, a redução real do gravame era maior para
os produtos que pagavam maior imposto, isto é, para os artigos cujo consumo se limitava
às classes de altas rendas. Em segundo lugar, a redução relativa das receitas públicas
obrigava o governo a emitir para financiar o déficit, e as emissões operavam como um
imposto [inflacionário] altamente regressivo, pois incidiam particularmente sobre as
classes assalariadas urbanas. (...). Ao depreciar-se o câmbio o governo era obrigado a
dedicar uma parte muito maior de sua receita em moeda nacional ao serviço da dívida.
E, em conseqüência, para manter os serviços públicos mais indispensáveis, via-se
obrigado a emitir moeda-papel” (p. 169)

“(...) estabelecia-se uma íntima conexão entre os empréstimos externos, déficits


orçamentários, as emissões de papel moeda – em boa parte efetuadas para financiar os
déficits – e os desequilíbrios da conta corrente da balança de pagamentos, através das
flutuações na taxa de câmbio” (p. 169-0).

“A forma de operar do sistema fiscal merece particular atenção, pois, se por um lado
contribuía para reduzir o impacto das flutuações externas, por outro lado agravava o
processo de transferência regressiva de renda nas etapas de depressão. O fato de que se
reduzisse a carga fiscal ao depreciar-se a moeda – isto é, nas etapas em que o preço dos

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produtos exportados baixavam no mercado internacional – operava evidentemente como


um fator compensatório da pressão deflacionária externa. Sem embargo, a redução da
carga fiscal se fazia principalmente em benefício dos grupos sociais de rendas elevadas.
Por outro lado, a cobertura dos déficits com emissões de papel-moeda criava uma pressão
inflacionária, cujos efeitos imediatos se sentiam mais fortemente nas zonas urbanas.
Dessa forma, a depressão externa (redução no preço das exportações) transformava-se
internamente em um processo inflacionário” (p. 170)

• [Formação de novos grupos de pressão: i)classe média urbana; ii)assalariados urbanos


e rurais; iii)produtores voltados para o mercado interno; iv)industriais; v)empresas
estrangeiras] ⇒ redução poder barganha oligarquia agro-exportadora.

• Limita consideravelmente a validade da “revisão historiográfica” de Fritsch.

PARTE V: ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA UM SISTEMA INDUSTRIAL


(XX)

XXX – A Crise da Economia Cafeeira

5. Tendência à superprodução: [i)abundância de recursos: terras e trabalho


ii)alternativas limitadas de investimento: alta rentabilidade setor cafeeiro→
reinvestimentos] ⇒ oferta cresce mais do que a demanda (baixa eleasticidade
renda e preço: crescimento vegetativo) ⇒ desequilíbrio estrutural.

“A elasticidade da oferta de mão-de-obra e abundância de terras(...) constituía uma clara


indicação de que os preços desse artigo tenderia a baixar no longo prazo, sob a ação
persistente das inversões em estradas de ferro, portos e meios de transporte marítimo que
iam se avolumando no último quartel do século passado. (...). Os empresários das
economias exportadoras de matérias-primas, ao realizarem suas inversões, tinham de

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A. M. Modenesi 5/4/2005

escolher entre um número limitado de produtos requeridos pelo mercado


internacional. No caso do Brasil, o produto que apresentava maior vantagem relativa era
o café. Enquanto o preço desse artigo não baixasse a ponto de aquela vantagem
desaparecesse, os capitais formados no país continuariam acorrendo para a cultura do
mesmo. Portanto, era inevitável que a oferta de café tendesse a crescer, não em função do
crescimento da procura, mas sim da disponibilidade de mão-de-obra e terras
subocupadas, e da vantagem relativa que apresentasse este artigo de exportação” (p. 177-8).

“(...) uma situação perfeitamente caracterizada por um desequilíbrio estrutural entre


oferta e procura. Não se podia esperar um aumento sensível da procura resultante do
aumento da renda disponível para consumo dos países industrializados. Tampouco podia
esperar em elevar o nível de consumo nesses países baixando os preços” (p. 182).

“Celso Furtado acredita que as economias primário-exportadoras apresentam uma


tendência à superprodução: dada a existência de recursos abundantes (terra e trabalho) e
em face das limitadas alternativas de investimentos nessas economias (que se reduzem a
poucos produtos valorizados no mercado internacional), há a nítida tendência a reinvestir
os lucros da atividade em sua própria expansão. (...) como procura de um produto como o
café cresce vegetativamente, o crescimento da produção tende a superar o da demanda,
conduzindo a crises de superprodução” (Saes, p. 50).

• Programa de valorização ⇐ [i)poder de mercado produtores brasileiros: controlavam


¾ da oferta mundial → possibilidade de manipulação da oferta; ii)ciclo produtivo:
alternância de safras boas e ruins].

“Ocorreu, entretanto, que a grande expansão da cultura cafeeira do final do século passado,
teve lugar praticamente dentro das fronteiras de um só país. As condições excepcionais que
oferecia o Brasil para essa cultura valeram aos empresários brasileiros a oportunidade de
controlar três quartas partes da oferta mundial desse produto. Esta circunstância é que
possibilitava a manipulação da oferta mundial de café(...). (p. 178)”

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A. M. Modenesi 5/4/2005

• Manutenção artificial do preço ⇒ mantinha a lucratividade → mascarava os sinais de


mercado → estímulo artificial → reinvestimentos ⇒ agravou tendência à
superprodução → programa era insustentável no longo prazo → precipitou a crise da
economia cafeeira.

“Mantendo-se firme os preços, era evidente que os lucros se mantinham elevados. E


também era óbvio que os negócios do café continuassem atrativos(...). Em outras
palavras, as inversões nesse setor se manteriam em nível elevado, pressionando cada vez
mais sob a oferta. (...) a redução artificial da oferta engendrava a expansão dessa mesma
oferta, e criava um problema maior para o futuro” (p. 180).

• Sucesso relativo: até 1930 os programas forma bem sucedidos mas eles agravaram a
crise de supreprodução.

“O complicado mecanismo de defesa da economia cafeeira funcionou com relativa


eficiência até fins do terceiro decênio deste século. A crise de 1929 o encontrou [o
programa de valorização] em situação extremamente vulnerável. (...). A produção de
café, em razão dos estímulos artificiais recebidos, cresceu fortemente. Entre 1925 e 1929
tal crescimento foi da ordem de quase cem por cento(...)” (p. 181).

“Era perfeitamente óbvio que os estoques que se estavam acumulando não tinham
nenhuma possibilidade de serem utilizados economicamente num futuro previsível.
Mesmo que a economia lograsse evitar a nova depressão, após a grande expansão dos
anos vinte, não havia nenhuma porta pela qual pudesse antever a saída daqueles
estoques, pois a capacidade produtiva continuava a aumentar. A situação que se criava era
absolutamente insustentável” (p. 182-3).

“Evidentemente a manutenção a de um programa de defesa do café agravava essa


tendência [a superprodução]” (Saes, p. 50).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

“A sucessão das políticas de valorização dos preços nas primeiras décadas do século XX
manteve a lucratividade da cafeicultura relativamente elevada e acabou por diminuir os
riscos de tal atividade”. (Saes, p. 89).

• Condição para sucesso: desestímulo a produção Ù alternativa de investimento tão


rentável quanto o café. Não se verificou: medidas tomadas foram ineficazes (imposto
sobre a exportação).

“A solução, aparentemente estaria em evitar que a capacidade produtiva continuasse


crescendo(...). as medidas tomadas nesse sentido foram infrutíferas. Teria sido
necessário que se oferecessem outras oportunidades igualmente lucrativas(...)” (p. 180).

“Para evitar essa tendência [de desequilíbrio entre oferta e demanda] teria sido necessário
que a política de defesa dos preços houvesse sido compensada por outra de decidido
desestímulo às plantações de café. Essa política de desestímulo era impraticável se não se
abria uma alternativa para o empresário produtor de café, isto é se não lhe dava uma
oportunidade de aplicar alhures os lucros obtidos no setor cafeeiro com uma rentabilidade
comparável à deste último” (p. 182-3).

XXXI – Os Mecanismos de Defesa e a Crise de 1929

• Demanda inelástica ⇒ [i) excesso de oferta não poderia ser absorvido com a
redução do preço → destruição dos estoques; ii)preço determinado pela oferta →
preço se mantém baixo após a recuperação].
“Não obstante toda essa baixa de preços, o mercado internacional não podia absorver
a totalidade da produção pela razão muito simples já indicada de que a procura era pouco
elástica em função dos preços” (p. 188).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

“A demanda final por café não varia muito ainda que o preço varie significativamente.
Consequentemente, mesmo que o preço de uma colheita excepcional fosse muito
reduzido, não muito mais do que o consumo normal seria vendido” (Bacha, p. 32).

“A destruição dos excedentes se impunha, portanto, como uma conseqüência lógica da


política de continuar colhendo mais café do que se podia vender”.

“Dependendo, assim, fundamentalmente da estrutura da oferta, o preço do café atravessou


o decênio dos anos trinta totalmente indiferente à recuperação que, a partir de 1934, se
operava nos países industrializados” (p. 189).

6. Anticíclico (Keynesiano): valorização ⇒ [mantinha receita de exportações →


manteve a renda setor exportador (fator dinâmico)] ⇒ mantinha nível de
demanda agregada: redução impacto recessivo → impedia que a crise se
alastrasse para setores voltados para o mercado interno ⇒ [i)impacto reduzido
da crise; e ii)recuperação econômica precoce (a partir de 1932; intensificada em
1934)].

• Controverso: 1)Peláez discorda: impacto reduzido sobre o crédito líquido ← estoques


financiados com o imposto sobre exportação: transferência de recursos dentro do
setor cafeeiro ⇒ efeito anticíclico inexpressivo; 2)Fshilow: ameniza respaldado por
Villela & Suzigam, Abreu e Bacha: [i)demanda inelástica; ii)poder mercado] ⇒
parte do imposto fosse transferida para o consuimidor estrangeiro: o imposto não
era mera transferência intersetorial de recursos ⇒ impacto anticíclico foi menor do
que o sugerido por Furtado.
“Ao garantir preço mínimos de compra(...) estava-se na realidade mantendo-se o nível de
emprego na economia agroexportadora e, indiretamente, nos setores produtores ligados
ao mercado interno. Ao evitar-se uma contração de grandes proporções na renda
monetária do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os efeitos do
multiplicador do desemprego sobre os demais setores da economia” (p. 190).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

“As causas que estão por detrás deste mecanismo multiplicador são mais ou menos óbvias e
refletem a interdependência das diversas partes de uma economia. Ao receberem menos
dinheiro por suas vendas no exterior, os exportadores e produtores ligados à exportação
reduzem suas compras. Os produtores internos afetados por essa redução também reduzem
as suas, e assim por diante” (p. 191).

“(...) a importância da renda agrícola paulista para o desempenho global da economia”


(Fritsch, p. 44).

“(...) sugere uma enorme complementariedade entre o café e o ritmo da atividade


econômica no país na primeira parte do século” (Bacha, p. 34).

“A redução na renda monetária, no Brasil, entre 1929 e o ponto mais baixo da crise, se
situa entre 25 e 30 por cento, sendo portanto relativamente pequena se se compara com a
de outros países. Nos EUA, por exemplo, essa redução excedeu 50 porcento(...). A
diferença está que nos EUA a baixa de preços acarretava enorme desemprego, ao contrário
do que estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nível de emprego se bem que se
tivesse que destruir fruto da produção. (...) o valor do produto que se destruía era muito
inferior ao montante da renda que se criava. Estávamos em verdade, construindo as
famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes”
“(...) a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se num
verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil,
inconscientemente, uma política anti-cíclica de maior amplitude que se tenha preconizado
em qualquer dos países industrializados” (p. 192).

“Explica-se, assim, que já em 1933 tenha recomeçado a crescer a renda nacional no


Brasil, quando nos EUA os primeiros sinais de recuperação só se manifestam em 1934” (p.
193).

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“O sucesso da intervenção federal no mercado de café sem dúvida atenuou as


conseqüências domésticas do choque externo causa pela recessão mundial. A
sustentação artificial dos preços do café fez reverter muito mais depressa a tendência
de queda das exportações e dos termos de troca, além de ter protegido renda real do
setor cafeeiro que vinha sendo erodida rapidamente desde de meados de 1920(...)”
(Fritsch, p. 50).

“Assim é que, após o pico de produção industrial obtido em 1928, a produção declinaria
por apenas dois anos consecutivos. Já a partir de 1931 esboça-se uma reação, que ganha
corpo em 1933 e prossegue até o final da década. A produção industrial praticamente
dobrou entre 1931 e 1939, evidenciando notável dinamismo” (Bonelli, p. 88-9).

• Expansão do crédito doméstico líquido: condição para a manutenção da renda →


financiamento dos estoques com empréstimo externo não sustentava o nível de renda.

“A acumulação de café financiada no exterior se assemelha portanto a uma exportação. O


mesmo não ocorria à acumulação de estoques financiada dentro do país, se a base desse
financiamento era uma expansão de crédito. A compra de café para acumular representava
uma criação de renda que se adicionava à renda criada pelos gastos dos consumidores e
dos inversionista” (p. 193-3).

“Para Celso Furtado, o crédito do Banco do Brasil para compra do excedente teria sido
fundamental para iniciar a recuperação da economia brasileira” (Saes, p. 121).

XXXII – Deslocamento do Centro Dinâmico

• Crise → ↓ divisas → déficit → desvalorização ⇒ [↓ importações (mais caras) +


demanda agregada sustentada (programa de valorização)] ⇒ desloca a demanda de
importados para o mercado interno → incentivo à produção voltada para o

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mercado interno + ↓ rentabilidade exportação ⇒ ↑ investimentos em atividades


ligadas ao mercado interno (mais rentáveis). (Tavares e Bonelli).

“Que destino tomava essa renda, que, devendo ser despendida no exterior em
importações ficava represada dentro do país pelo mecanismo corretor da baixa do referido
coeficiente ? É evidente que ia pressionar sobre os produtores internos” (p. 196).

“(...) o valor das importações baixou de 14 para 8 por cento da renda territorial bruta,
satisfazendo-se com oferta interna parte da procura que antes era coberta com
importação” (p. 197).

“(...) mantendo-se elevado o nível de procura e represando-se uma maior parte dessa
procura dentro do país, através de um corte nas importações, as atividades ligadas ao
mercado interno puderam manter, na maioria dos casos, e em alguns aumentar, sua taxa
de rentabilidade. Esse aumento(...) se fazia concomitantemente com a queda dos lucros no
setor ligado ao mercado externo. Explica-se, portanto, a preocupação em desviar capitais
de um para outro setor. As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam
impulsionadas por seus maiores lucros, mais ainda recebia novo impulso ao atrair
capitais que se formavam ou desinvertiam no setor de exportação” (p.198).

“(...) a importância crescente que, como elemento dinâmico, irá logrando a procura
interna nesta etapa de depressão. Ao manter-se a procura interna com maior firmeza
que a externa, o setor que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores
oportunidades de inversão que o setor exportador. Cria-se, em conseqüência uma
situação praticamente nova na economia brasileira, que era a preponderância do setor
ligado ao mercado interno no processo de formação do capital. A precária situação da
economia cafeeira(...) afugentava desse setor os capitais que nele ainda se formavam”

“Tendo-se mantido em maior ou menor grau o nível de demanda preexistente e


reduzido violentamente a capacidade para importar, estava desfeita a possibilidade de

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um ajuste ex ante entre as estruturas de produção e de demanda interna, através do


comércio exterior. O reajuste ex post se produziu mediante o acréscimo substancial dos
preços relativos das importações, do que resultou um estímulo considerável à produção
interna substitutiva” (Tavares, p. 32).

“Esta situação de oferta reduzida e demanda inalterada acarretou sensível elevação nos
preços relativos àqueles bens [importados]. Criava-se, assim, incentivos parra aumentar a
produção interna das indústrias brasileiras que competiam com importações. Não
demorou muito para que o capital oriundo do programa de valorização e do reajustamento
econômico encontrasse caminho para aplicar-se, direta ou indiretamente, em novas
empresas industriais” (Baer, p, 17).

“(...) a reorientação da demanda para o mercado interno nos anos 30 deve ser entendida
como uma resposta a limitações de natureza externa” (Abreu, p. 7).

“Não há dúvida que tais países [como o Brasil] se ‘voltaram para dentro’, com o
crescimento dependendo crucialmente da capacidade de acomodar o deslocamento da
demanda associado à brusca mudança de preços relativos encarecendo importações”
(Abreu, p. 73).

“A seqüência estilizada que explica a mudança no eixo dinâmico da economia é


composta pelos seguintes ingredientes: escassez de divisas para importação causada pelo
choque externo(no caso queda no preço e quantidade de exportações); depreciação
cambial(...) o que leva ao encarecimento de importações; manutenção da renda do setor
exportador – e, portanto, da demanda agregada da economia – através de compra de
cafés(...) em parte financiada com empréstimos externos; restrição às compras externas
dada a necessidade de preservar divisas para uso estratégico; produção no país de parcela
dos bens antes importados, aproveitando o vácuo deixado pela demanda antes atendida
por importações. Este esquema, que implica em progressiva substituição de importações
por produção industrial doméstica sempre que haja uma base industrial minimamente
aparelhada para adaptar-se e atender às novas exigências da demanda, pode, em termos

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gerais, ser utilizado para explicar uma longa fase do desenvolvimento industrial
brasileiro. De fato, o incipiente parque industrial doméstico responderia rapidamente ao
estímulo dado pelo mercado cativo existente, dada a relativa preservação dos níveis de
renda real possibilitada pela maciça injeção de recursos governamentais” (Bonelli, p. 88).

“Os efeitos anti-cíclicos da política de defesa do café também contribuíram para esta
reorientação da economia brasileira. Ao manter o nível de renda do setor cafeeiro
relativamente estável durante os anos da crise, através da manutenção dos preços
internacionais do produto, sustentou-se indiretamente a demanda agregada interna.
(...). Tal fato, aliado às dificuldades impostas pela crise à importação, permitiu uma
reorientação da demanda para o mercado interno. A linha de raciocínio é muito simples:
apesar dos efeitos da crise, manteve-se a renda global, e portanto, a demanda agregada, que
por sua vez não podia mais ser atendida pelo setor externo; a resposta natural foi o
deslocamento da demanda de produtos importados por aqueles produzidos no país,
entrando em curso, assim, a chamada substituição de importações” (Modenesi, p. 52-3).

7. Desenvolvimento voltado para dentro: demanda interna passa a ser o fator


dinâmico da economia: atividades voltadas para o mercado interno passam a
determinar os níveis de emprego e renda ⇒ ISI. A agricultura reorienta-se para o
mercado interno e se diversifica.

“(…)o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem à crise [de 1930], passa a ser,
sem nenhuma dúvida, o mercado interno. A produção industrial que, se destinava em sua
totalidade ao mercado interno, sofre durante a depressão uma queda de menos de 10 por
cento, e já em 1933 recupera o nível de 1929. A produção agrícola voltada para o
mercado interno supera com igual rapidez os efeitos da crise” (p. 198).

“(...) a rápida ascensão do setor industrial que passa a ser o fator dinâmico principal no
processo de criação de renda. Com base neste novo nível de preços relativos,
desenvolveram-se as indústrias destinadas a substituir importações” (p. 202).

“A perda de dinamismo do setor exportador, em particular a partir da grande


depressão, deu lugar a um esforço de reorientação da atividade econômica

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consubstanciado em grande na substituição de importações por produção nacional,


assegurada pela reserva de mercado obtida através de proteção cambial e tarifária”
(Tavares, p. 67).

“(...) a indústria que constituía o setor mais dinâmico na formação do produto interno
real” (Baer, p. 21).

“É a partir dos anos de crise e depressão do início da década de 30 que o crescimento da


produção industrial e o ganha ímpeto processo de industrialização entendido(...) como
fonte principal do dinamismo da economia, torna-se irreversível na Brasil” (Bonelli, p.
87).

“Nenhum outro momento histórico é caracterizado por reduções tão significativas no


coeficiente importado do que o período que vai de 1928-29 a 1939” (Bonelli, p. 95).

“Em nível descritivo, os argumentos apresentados por Furtado e pela tese da substituição
de importações encontram apoio na evidência empírica” (Saes, p. 137).

“Esses dados gerais confirmam a ação dos mecanismos típicos da substituição de


importações na década de 30: estrangulamento externo acentuado, aumento do preço
relativo dos importados, redução do coeficiente de importações(...) Em suma, o
estrangulamento externo induzindo o crescimento e a diversificação da produção
industrial, a partir de uma demanda preexistente” (Saes, p. 142).

• Diversificação da produção agrícola: i)algodão ⇒ ↓ impacto crise sobre o comércio


exterior; ii)produtos para o mercado interno.

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A. M. Modenesi 5/4/2005

“Só a partir da Grande Depressão que se fizeram sentir algumas modificações na


estrutura da produção agrícola. O plantio do café foi desestimulado pela queda de seus
preços no comércio internacional. (...). Não obstante o crescimento observado na produção
de café [devido a inelasticidade da oferta no curto prazo], houve uma pronunciada queda na
posição relativa desses produtos(...). Simultâneamente, o algodão cresceu de importância
e nos anos de guerra tornou-se o produto mais importante da agricultura, observando-
se, pari passu notável expansão nas suas exportações. O surgimento do algodão como o
segundo principal produto de exportação reduziu os efeitos da crise cafeeira sobre o
comércio exterior” (Villela e Suzigan, p. 171).

“Nesse mesmo período ocorreu um aumento extraordinário na importância relativa das


culturas para o mercado interno (arroz, feijão, cana-de-açucar, mandioca, milho, trigo
etc.), que passaram a representar cerca de 58% do valor das lavouras” (Villela e Suzigan,
p. 172).

“Boa parte desses capitais, não há dúvida, a própria agricultura de exportação se


encarregou de absorvê-los em outros setores, particularmente o algodão” (p. 197).

“(...) verificou-se também o crescimento da participação relativa no valor da produção


[agrícola] de produtos tipicamente voltados para o mercado interno, como o arroz, feijão
e cana-de-açúcar. (Saes, p. 124).

• Utilização capacidade ociosa e equipamentos usados ⇒ viabilizaram a 1ª etapa do


processo de ISI. (praticamente consensual: Tavares, Bonelli e Abreu).

“(..)o fator mais importante numa primeira fase de expansão da produção [industrial]
deve ter sido o aproveitamento da capacidade já instalada. (...). Outro fator que se deve
Ter em conta é a possibilidade que se apresentou de adquirir a preços muito baixos, no
exterior, equipamentos de segunda mão” (p. 193).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

“Inicialmente utilizando e mesmo sobreutilizando a capacidade existente foi possível


substituir uma parte dos bens que se importavam” (Tavares, p. 32-5).

“A despeito das dificuldades relativas ao balanço de pagamentos, a economia continuou


a crescer 6,5% ao ano entre 1934 e 1937. O encarecimento nas importações permitiu a
utilização de capacidade ociosa na indústria enquanto a continuada adoção de políticas
fiscal, cafeeira, monetária e creditícia expansionistas permitiu a sustentação da
demanda” (Abreu, p. 85).

“(...) a capacidade ociosa deve ter permitido um primeiro surto de crescimento


[industrial], pois as importações de equipamentos para a indústria foram elevadas até 1929”
(Saes, p. 137).

• Importância estratégica do setor exportador na geração de divisas para importação


de equipamentos e matérias-primas: essencial à continuidade do processo de ISI ⇒
relação de interdependência entre desenvolvimento industrial e o setor exportador
assume outra forma. (Tavares).

“Numa primeira etapa do desenvolvimento, reduz-se sensivelmente o papel do comércio


exterior como fator determinante do nível de renda mas, concomitantemente, aumenta sua
importância como elemento estratégico no processo de formação de capital” (p. 198).

“O setor externo não deixou de desempenhar papel relevante em nossos países; apenas
houve mudança significativa nas suas funções. Em vez de ser o fator diretamente
responsável pelo crescimento da renda, através do aumento das exportações, a sua
contribuição passou a ser decisiva no processo de diversificação da estrutura produtiva,
mediante importações de equipamentos e bens intermediários” (Tavares, p. 32).

34
A. M. Modenesi 5/4/2005

“Posteriormente, mediante uma redistribuição dos fatores e, particularmente, do recurso


escasso, as divisas, utilizou-se a capacidade para importar disponível com o fim de se
obter do exterior os bens de capital e as matérias-primas indispensáveis à instalação de
novas unidades destinada a continuar o processo de substituição” (Tavares, p. 33).

“(...) embora a atividade cafeeira não mais pudesse ser considerada o ‘centro dinâmico’ da
economia, é inegável que ela constituia elemento fundamental para a geração de divisas por
meio de suas exportações” (Saes, p. 123).

“Nos anos imediatamente subsequentes a crise, a ampliação da produção se deu através da


capacidade ociosa. (...). Na etapa seguinte, estando plenamente utilizada sua capacidade
instalada, o setor industrial volta a depender consideravelmente do desempenho do
economia de agroexportação. Apesar de possuir demanda própria, não mais dependendo
da procura externa, a expansão da produção, neste momento, requer a importação de
máquinas e matérias primas. O setor de exportação continua, portanto,
desempenhando papel fundamental ao desenvolvimento industrial; ao garantir as
divisas necessárias à importação de máquinas e insumos, a economia agroexportadora,
assume papel estratégico e fundamental à continuidade do processo de substituição de
importações. (...). A continuidade do processo de substituição de importações dependia
da capacidade à importar do país gerada pelo setor primário-exportador. Dessa forma, o
desenvolvimento industrial brasileiro se apoiou em grande medida no desempenho das
atividades voltadas para a exportação”. (Modenesi, p. 53-5).

• 2a/3ª fase do processo de ISI: produção de bens de capital incentivada por: i)aumento
demanda ← aumento produção industrial; ii)aumento preço relativo dos importados ←
desvalorização.

“O crescimento da procura por bens de capital, reflexo da expansão da produção para o


mercado interno, e a forte elevação dos preços de importação desses bens, acarretada pela

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A. M. Modenesi 5/4/2005

depreciação cambial, criaram condições propícias à instalação no país de uma indústria


de bens de capital. O nível de renda nacional havia sido recuperado [em 1935], não
obstante o corte pela metade na importação dos bens de capital. É evidente, portanto que a
economia não somente havia encontrado estímulos dentro dela mesma para anular os
efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também havia conseguido
fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e expansão da capacidade
produtiva” (p. 199).

“Os dados parecem, pois, confirmar a observação de Furtado, no sentido de que a


economia brasileira não só encontrou em si mesma os estímulos necessários para
contrabalançar as influências depressivas externas, como também foi bem sucedida no
desenvolvimento da produção de alguns dos bens de capital indispensáveis à
manutenção de sua capacidade produtiva” (Baer, p. 18).

“`(...)cimento e produtos siderúrgicos – cuja produção no Brasil se iniciara nos anos 20,
embora não em escala apreciável – são atividades que foram pouco afetadas e responderam
ao estímulo de demanda. (...). Além, disso, sua rápida expansão igualmente estimulou a
demanda por bens de capital não só domésticos – cuja produção em larga escala no
Brasil inicia-se precisamente nos anos 30, com se verá – mas também importados(...). No
entanto, dado o crescimento acelerado da produção desses bens, as importações de bens de
capital supriam no final dos anos 30 uma parcela da demanda muito menor do que no
final dos anos 20 – que é afinal o traço mais marcante de qualquer processo de substituição
de importações” (Bonelli, p. 90-1).

XXXIII – O Desequilíbrio Externo e sua Propagação

• II Guerra: manteve a receitas de exportação → a)manutenção do nível de renda:


demanda agregada sustentada; b) acumulação de divisas: aumento na capacidade de
importar; + (1)↓ oferta importados ← interrupção fluxos comerciais devido à guerra;

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A. M. Modenesi 5/4/2005

(2)utilização plena da capacidade produtiva (recuperação precoce da Crise de 29 e


esforço de guerra) ⇒ desequilíbrio: renda monetária maior do que oferta de bens →
elevação na renda monetária não tinha contrapartida real ⇒ inflação.

“A política seguida durante os anos de guerra [câmbio fixo sobrevalorizaado] foi, na


essência, idêntica a que se havia adotado imediatamente depois da crise. Teve, como seria
natural, consequências totalmente distintas, pois as situações eram radicalmente
diversas. Ao fixar a taxa cambial sustentava o nível da renda monetária, assim como a
compra do café (...). As consequências internas eram as mesmas: criava-se um fluxo de
poder de compra dentro da economia sem uma contrapartida na oferta de bens e serviços. A
diferença entre as duas situações estava no efeito que tinha sobre o sistema econômico
este fluxo de poder de compra sem contrapartida real. (...). Partia-se de uma conjuntura
em que a capacidade produtiva estava intensamente utilizada” (p. 206).

“(...) o fluxo de renda monetária criado no setor exportador não tinha uma
contrapartida real adequada na oferta de bens importados, sendo esse o ponto de
partida desse desequilíbrio” (p. 208).

“(...) o volume de importações não crescia, pois a produção de bens exportáveis e a


disponibilidade de transporte marítmo estavam controladas nos países em guerra, e
independiam do sistema de preços” (p. 209)

“Ora, como a economia estava funcionando à plena utilização de sua capacidade


produtiva, mesmo sem ter em com ter em conta os efeitos da baixa geral de produtividade,
era inevitável que a pressão resultante do desequilíbrio entre o nível de renda monetária
e o da oferta de bens e serviços se resolvesse numa alta de preços” (p. 209).

• Piora da situação fiscal devido ao esforço de guerra e baixa na produtividade agravaram


o desequilíbrio.

37
A. M. Modenesi 5/4/2005

“Por outro lado, devia-se Ter em conta que o governo estava aumentando os seus gastos
com despesas militares, reduzindo ainda mais a parte do produto destinada à atender às
necessidades dos consumidores e dos inversionistas. (...). Finalmente, caberia considerar a
baixa geral de produtividade ocasionada pelos transtornos do comércio de cabotagem,
pela substituição de conbustíveis por outros de qualidade pior, pela paralisação de
máquinas por falta peças(...)” (p. 210).

“A economia brasileira havia se recuperado com suas próprias forças nos anos trinta, e ao
contrário do que ocorrera com os EUA e outros países, havia chega a 1937 com um nível
de renda per capta superior ao 1929. (....). Dessa forma, a economia brasileira não teve a
seu favor um período de transição ao ser submetida ao esforço que a guerra impôs a
praticamente todos os países do mundo” (p. 212).

“A II Guerra também representou um estímulo à ulterior industrialização. O exame(...)


deixa claro ter ocorrido substancial declínio no quantum de importações, especialmente
no que se refere à bens de capital e outros produtos manufaturados. Tal redução foi
consequência da interrupção dos suprimentos(...). Embora diminuisse o quantum das
exportações brasileiras, seu valor aumentou consideravelmente de modo que se
acumularam grandes reservas de divisas” (Baer, p. 21).

XXXIV – Reajustamento do Coeficiente de Importações

• Imediato Pós-Guerra: i)liberalização cambial (ilusão de divisas); ii)restabelecimento da


oferta de importados ⇒ esgotamento das reservas.

“Ao liberarem-se as importações no Após-Guerra e ao regularizar-se a oferta externa, o


coeficiente de importações subiu bruscamente” (p. 217).

“(...) manutenção de uma taxa cambial que, esgotadas as reservas cambiais, resultaria ser
incompatível com a real capacidade para importar. Conservava-se o desequilíbrio. Era,

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A. M. Modenesi 5/4/2005

portanto, indispensável submetê-lo ao controle. O volume de importações teria de ser


reduzido, sendo indispensável introduzir uma política seletiva de compras no exterior” (p.
218).

• Pós-Guerra: impulso industrializante. Câmbio sobrevalorizado e controle


quantitativo de importações (preferência à máquinas e matérias-primas) ⇒ duplo
incentivo: i)proteção: redução competição externa (preços relativos favoráveis à
produção interna); ii)subsídio via câmbio: máquinas e matérias-primas relativamente
barato.

“(...) redução relativa das importações de manufaturas acabadas de consumo em


benefício da de bens de capital e matéria-prima. O setor industrial era assim favorecido
duplamente: por um lado porque a possibilidade de concorrência externa se reduzia ao
mínimo; através do controle das importações; por outro, porque as matérias-primas e os
equipamentos podiam ser adquiridos à preços relativamente baixos.
Criou-se, em consequência, uma conjuntura extremamente favorável às inversões na
indústria ligadas ao mercado interno. Esta conjuntura foi responsável pelo aumento da
taxa de capitalização e pela intensificação do processo de crescimento que se observa no
após-guerra” (p. 218).

“O surto de industrialização posterior à II Guerra Mundial foi, inicialmente,


consequência das medidas adotadas para enfrentar as dificuldades do Balanço de
pagamentos” (Baer, p. 42).

“A hipótese usual afirma que o setor industrial foi o principal beneficiário: ele ganhava,
de um lado, a reserva de mercado para sua produção e, por outro, recebia uma espécie de
subsídio quando da importação de máquinas e equipamentos e outros insumos considerados
essenciais. Este hipótese foi claramente formulada por Celso Furtado(...) e quantificada
por Albert Fishlow(...)” (Saes, p. 130).

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A. M. Modenesi 5/4/2005

XXXV – Os Dois Lados do Processo Inflacionário

• Agricultura mercado interno: ampliação desequilíbrios externos

XXXVI – Perspectivas dos próximos Decénios

8. Furtado e Tavares: Crise de 1929 é um ponto de inflexão no desenvolvimento


industrial brasileiro ⇒ crescimento para dentro.

• processo de transformação da estrutura econômica se inicia no início do século XX


com a progressiva utilização do trabalho assalariado. Com o crescimento relativo da
importância do setor assalariado na economia desenvolvem-se atividades voltadas para
o mercado interno, que, no entanto, dependem diretamente do setor exportador. A
ruptura deste modelo de desenvolvimento para dentro ocorre com a desarticulação da
economia cafeeira em decorrência da Crise 1929.

“(...) a primeira metade do século XX está marcada pela progressiva emergência de um


sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno” (p. 132).

“Este tipo de interdependência entre estímulo externo e desenvolvimento interno existiu


plenamente na economia brasileira até a Primeira Guerra Mundial e de forma atenuada
até fins do terceiro decênio deste século” (p. 233).

“O período compreendido entre 1920 e 1957 está assinalado por uma redução substancial
da procura externa como fator determinante do nível de renda” (p. 231-5)

40
A. M. Modenesi 5/4/2005

“(…)o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem à crise [de 1930], passa a ser,
sem nenhuma dúvida, o mercado interno.” (p. 198).

“A crise prolongada dos anos trinta, no entanto, pode ser encarada como o ponto crítico
da ruptura do funcionamento do modelo primário-exportador” (Tavares, p. 32).

“Para Furtado e Tavares, o processo de desenvolvimento industrial do país se divide em


dois períodos, tendo a década de trinta como divisor de águas. Antes desta data, o
crescimento do setor industrial foi induzido pela expansão da renda gerada pela
ampliação das atividades do setor agroexportador. (...). A partir da Grande Depressão,
deu-se início à chamada industrialização substitutiva de importações como resposta ao
estrangulamento externo e estimulada pela adoção de políticas econômicas [de defesa do
café] para combater a crise. (...). De acordo com ambos autores, os impulsos dado pelo
setor exportador ao desenvolvimento do industrial eram limitados, de forma que, até
antes da década de trinta, o setor industrial não possuía dinamismo próprio, sendo
altamente dependente da demanda gerada pela economia agroexportadora. Neste
processo de desenvolvimento “para dentro”, a expansão da produção industrial dependia
do crescimento do mercado interno, que por sua vez estava atrelado ao desempenho do
setor agro exportador. Enquanto a economia não passasse por mudanças estruturais, o setor
industrial permaneceria como uma extensão das atividades agroexportadoras. Para que o
setor industrial ganhasse dinamismo próprio, a produção industria deveria se diversificar,
através do estabelecimento de indústrias de bens de capital, o que faria com que o setor
criasse sua própria demanda. Foi exatamente o que ocorreu a partir da Primeira Guerra,
sendo o ponto de ruptura a Crise Geral dos anos trinta, consistindo-se em um ponto de
inflexão no processo de desenvolvimento industrial brasileiro. A partir de então, o
padrão de crescimento da economia se inverte, voltando-se “para fora”. A demanda
externa deixa de ser o elemento fundamental na determinação do nível de renda ao passo
que a demanda interna assa a ser fundamental neste processo” (Modenesi, p. 50-2).

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Interpretações sobre o Desenvolvimento


Industrial Brasileiro

Economia Brasileira
Professor: André de melo Modenesi

1
A. M. Modenesi 5/4/2005

Interpretações sobre o Desenvolvimento Industrial Brasileiro

Tópicos Fundamentais

1. Teoria dos choques adversos: Baer, Villela e Suzigan, Furtado e Tavares


(CEPAL)

2. Liderada pelas exportações: Dean, Peláez, Leff

3. Ótica do capitalismo tardio: J.M. Cardoso de Mello

4. Intencionalmente promovida pelo governo: Versiani e Versiani.

1 Teoria dos Choques Externos Adversos: i)Werner Baer; Villela e Suzigan


(versão extrema: I e II Guerra e Crise de 30); ii)Celso Furtado e Conceição
Tavares (Crise de 30).

• Versão extrema: [choque externo (crise comércio exterior): i)desvio dos fluxos
comerciais; ii)concentração de recursos no esforço de guerra] ⇒ [i)interrupção
fornecimento de importados; ii)↓ exportações → ↓ divisas → desvalorização →
encarece M] ⇒ ↓ capacidade de importar ⇒ [redução competição externa →
aumento da rentabilidade setor industrial] ⇒ incentivo ISI.

• Certo grau de antagonismo entre agro-exportação e indústria.

• Teoria geral aplicável em qualquer país para qualquer choque externo adverso
(crise setor exportador, guerra, recessão internacional etc.).

“Os surtos de industrialização que se manifestaram nas décadas iniciais do século XX


tiveram por motivo principal choques oriundos do setor externo. Consistiam estes quer

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A. M. Modenesi 5/4/2005

em interrupções no suprimentos de além-mar em virtude de guerras, quer na redução das


importações face à menor disponibilidade em divisas, insuficientes para para financiar as
importações, dada a retração dos mercados internacionais dos principais produtos de
exportação do país” (Baer, p. 12).

“(...) dada a ocorrência de um choque externo adverso, criam-se dificuldades à


importação; esta por sua vez, está associada a três fatores que podem ocorrer
conjugados ou não: i) elevação do preço relativo das exportações, ii) redução na receita
de importações e iii) desvio dos fluxos de comércio” (Modenesi, p. 46).

“Em sua forma mais geral, a teoria dos choques adversos afirmava que a crise do setor
externo, ou seja, o choque adverso, beneficiava a indústria nacional porque bloqueava
as importações que abasteciam o mercado interno. Esse bloqueio podia dar-se de duas
formas (ou ainda pela conjugação das duas): por um lado, em certas circunstâncias, as
importações não podem ser realizadas porque sua oferta se torna restrita. É o caso dos
períodos de guerra em que, pelas dificuldades do transporte marítimo ou pela
concentração dos recursos produtivos no esforço bélico, não se encontram no mercado
internacional os produtos normalmente importados pelo Brasil. Essa barreira às
importações protegeria produção manufatureira nacional que, conseqüentemente,
encontrava espaço para crescer. A segunda forma de ‘proteção’ à indústria nacional nos
momentos de crise do setor exportador era mais geral: entendia-se que a queda das
exportações conduzia regularmente ao desequilíbrio externo cujo reflexo imediato era a
desvalorização da moeda brasileira no mercado cambial. Essa desvalorização encarecia os
produtos importados e, por isso, protegia a produção nacional diante da concorrência
externa. Desse modo, os períodos de crise do setor exportador seriam conjunturas
favoráveis para o crescimento da indústria nacional. Inversamente, nas fases de expansão
das exportações, com a conseqüente abundância de divisas, a moeda brasileira tenderia a se
valorizar, barateando, em conseqüência os produtos importados e reduzindo a capacidade
de competição da indústria nacional” (Saes, p. 74).

3
A. M. Modenesi 5/4/2005

• Furtado e Tavares (caso particular da teoria choques adversos): Crise de 1930


(ponto de inflexão desenvolvimento industrial) ⇒ crescimento voltado para
dentro.

• Complementaridade restrita entre agro-exportação e indústria: caudatária do


café ⇒ não tinha dinamismo próprio: dependia da renda gerada pela exportação
(crescimento voltado para fora).

“A perda de dinamismo do setor exportador, em particular a partir da grande


depressão, deu lugar a um esforço de reorientação da atividade econômica
consubstanciado em grande parte na substituição de importações por produção
nacional, assegurada pela reserva de mercado obtida através de proteção cambial e
tarifária” [Tavares(1972), pág. 67, grifos meus].

“A especialização na produção de produtos primários consistia em sério entrave ao


desenvolvimento industrial. A mudança para um novo padrão de crescimento “voltado para
dentro”, de acordo a doutrina da CEPAL, se deu à medida em que sucessivos choques
externos se abateram sobre as economias periféricas, como os representados pela duas
guerra mundiais e pela depressão dos anos trinta. No novo modelo econômico, o processo
de crescimento da renda se endogenizou, tendo como componente fundamental o nível de
investimento industrial. Dessa forma, o centro de decisão das economias periféricas
transfere-se para seus respectivos países” (Modenesi, p. 48).

“Apesar de Furtado e Tavares serem grandes expoentes do pensamento cepalino e,


portanto, concordarem com muitos aspectos da doutrina econômica da CEPAL, não são
adeptos da versão extrema do argumento dos choques externos. Embora em suas
interpretações sobre o desenvolvimento industrial brasileiro ambos os autores utilizem o
argumento dos choques externos, o fazem especificamente com relação à década de
trinta, sem estendê-lo à análise dos efeitos das duas guerras mundiais, considerados de

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A. M. Modenesi 5/4/2005

pouco interesse. (...). A partir da Grande Depressão, deu-se início à chamada


industrialização substitutiva de importações como resposta ao estrangulamento externo
e estimulada pela adoção de políticas econômicas para combater a crise. De acordo com
ambos autores, os impulsos dado pelo setor exportador ao desenvolvimento do
industrial eram limitados, de forma que, até antes da década de trinta, o setor industrial
não possuía dinamismo próprio, sendo altamente dependente da demanda gerada pela
economia agroexportadora. Neste processo de desenvolvimento “para fora”, a expansão
da produção industrial dependia do crescimento do mercado interno, que por sua vez
estava atrelado ao desempenho do setor agro-exportador. (...). Enquanto a economia não
passasse por mudanças estruturais, o setor industrial permaneceria como um extensão das
atividades agro-exportadoras. Para que o setor industrial ganhasse dinamismo próprio, a
produção industria deveria se diversificar, através do estabelecimento de indústrias de bens
de capital, o que faria com que o setor criasse sua própria demanda. Foi exatamente o que
ocorreu a partir da Primeira Guerra, sendo o ponto de ruptura a Crise Geral dos anos
trinta, consistindo-se em um ponto de inflexão no processo de desenvolvimento
industrial brasileiro. A partir de então, o padrão de crescimento da economia se inverte,
voltando-se “para dentro”. A demanda externa deixa de ser o elemento fundamental na
determinação do nível de renda ao passo que a demanda interna passa a ser
fundamental neste processo. (...). A análise de Furtado e Tavares, se aproxima em
muitos aspectos da doutrina da CEPAL, não devendo, no entanto ser confundida com
esta. Eles não utilizam o argumento dos choques externos como uma teoria geral e
aplicável à qualquer choque adverso, mas o fazem especificamente com relação à
década de trinta. Apesar de ambos usarem o conceito de desenvolvimento “para fora” a
fim de caracterizar o modelo econômico anterior à Grande Depressão, ressaltam
importantes conexões entre os setores agroexportador e industrial. A relação entre
estes não é antagônica, mas sim, de interdependência. Antes da Crise de 1930, a
industrialização foi em larga medida impulsionada pela expansão da agroexportação.
A partir de então houve ruptura no padrão de desenvolvimento econômico brasileiro,
voltando-se “para dentro”. Ainda assim, a as interrelações entre os setores não se
desfizeram. A continuidade do processo de substituição de importações dependia da
capacidade à importar do país gerada pelo setor primário-exportador. Dessa forma, o

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desenvolvimento industrial brasileiro se apoiou em grande medida no desempenho das


atividades voltadas para a exportação” (Modenesi, p. ).

• Distinção entre Baer (versão extrema) e Furtado e Tavares (enfatizam a


importância da Crise): explorar em questão discursiva; questões objetivas não
entram nesse nível de refinamento. Tavares: meio termo ⇒ se aproxima
sutilmente da versão extrema (ISI impulsionada por choque externo: modelo para
América Latina).

2 Industrialização Liderada pelas Exportações: Warren Dean, Peláez, Leff.


Argumentos: i)relação direta entre desempenho do setor exportador e a
industrialização (mercado consumidor; capitais → investimentos);
ii)crítica à teoria dos choques adversos: desvalorização (encarecer
importação máquinas/equipamentos) ⇒ ↓ Investimento.

• Complementaridade irrestrita entre agro-exportação e indústria (≠Furtado e


Tavares). Figura de linguagem: cachorro (indústria) correndo com seu dono
(agroexportação) com coleira (Furtado e Tavares) e sem coleira (liderada pelas
exportações).

• Industrialização = investimento ⇒ ↑ capacidade produtiva ≠ concepção de


industrialização da teoria choques adversos: enfatiza ↑produção = ↑utilização de
uma dada capacidade produtiva, sem realização de investimentos significativos.

• I Guerra: desvalorização → ↑P importados → ↓importação máquinas.

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“(...)uma relação direta entre desempenho do setor exportador e o desenvolvimento


setor industrial (significando que a indústria se desenvolveu durante os períodos de
bom desempenho das exportações e se retardou durante os períodos de crise do
setor exportador)” [Suzigan (1986), pág. 28].

“Estes argumentos da ‘Teoria dos Choques Adversos’ foram crescentemente


contestados por adeptos de uma tese oposta que Suzigan denominou de ‘Ótica da
industrialização liderada pelas exportações. Em linhas gerais, argumentava-se que tanto
o mercado para a indústria nacional, quanto os capitais nela investidos provinham da
economia exportadora; conseqüentemente, apenas nos momentos de expansão das
exportações haveria condições para o crescimento da indústria. Em particular,
contestavam o argumento da proteção cambial nos períodos de crise: diziam que a
desvalorização da moeda encarece as importações de bens de capital, bloqueando o
investimento industrial, pois não havia produção interna desses bens. Para os adeptos
desta tese, crescimento da indústria só é relevante se há aumento da capacidade
produtiva [investimento], o que não teria ocorrido nos períodos de crise do setor
exportador. No caso específico da Primeira Guerra mundial, argumentavam que os
estabelecimentos criados entre 1915 e 1919 eram de pequeno porte, com reduzida
capacidade produtiva e poucos operários. Seu grande número (45% do total de
estabelecimentos existentes em 1919) não tinha, portanto, impacto proporcional sobre a
indústria brasileira” (Saes, p. 74).

“De acordo com os defensores desta linha de argumentação, há forte relação entre o
desempenho do setor exportador e o desenvolvimento industrial. Apesar da semelhante
relação entre ambos os setores também contida na análise de Furtado e Tavares do chamado
desenvolvimento para dentro, a analogia desta vertente com a “ótica da industrialização
liderada pelas exportações” não é totalmente válida. (...). Outra diferença com relação
àqueles autores está no fato de que de acordo com os defensores desta linha de
argumentação, o processo de industrialização foi mais amplo, não se limitando apenas ao

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setor de bens de consumo, de forma que a indústria que desenvolveu não era mera
extensão do setor exportador” (Modenesi, p. 56).

“A crítica com relação ao argumento dos choques externos é clara e explicita: para
ambos os autores, a Primeira Guerra teve impacto negativo sobre o processo de
industrialização. (...). Dean concentra sua argumentação nos efeitos negativos da
interrupção dos fluxos de comércio sobre a indústria. Se por um lado tal fato gerou
estímulo à produção interna, por outro, a importação de matérias-primas e
equipamentos se tornou mais difícil. Fazendo-se uso de dados sobre o volume de
mercadorias importadas pelo porto de Santos, Dean conclui que redução na importação dos
insumos – produtos de ferro e aço (70%) e máquinas (73%) – foi mais significativa do que
a redução de bens de consumo, cujo principal componente, produtos alimentícios, reduziu-
se apenas 6%. (...). O estímulo dado pelo setor cafeeiro ao processo de industrialização
conforme descrito por ambos os autores pode ser resumido pelos seguintes fatores: i) a
introdução da mão-de-obra assalariada monetizou a economia e expandiu a renda, de
forma a possibilitar a constituição de um mercado consumidor interno; ii) os
investimentos em infraestrutura, notadamente em estradas de ferro, ampliaram e
possibilitaram uma maior integração do mercado consumidor; iii) criou-se um sistema
de distribuição de produtos manufaturados baseado no desenvolvimento do comércio
exterior; iv) o forte movimento imigratório realizado para suprir as necessidades de mão-
de-obra para o setor cafeeiro surgidas com o fim da escravidão, também beneficiou a
indústria garantindo-lhe uma oferta de trabalho satisfatória. (...). A opinião radical de
Dean é tão inaceitável quanto a versão extrema dos choques externos. Supor uma
relação linear entre a produção do setor exportador e a industrial significa não levar em
conta as transformações por que passou a economia brasileira após a Crise de trinta e a
conseqüente desestruturação da economia cafeeira”. (Modenesi p. 56-61)

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• Fishlow: [(1), (2) coerentes ponto de vista lógico (não há inconsistência interna)]
⇒ teste empírico. I Guerra: evidência ambígua (compatível ambas teses) ⇐
[1)guerra: i)↑produção/lucro industrial; ii)manutenção da capacidade; 2)pós
guerra: investimentos → ↑capacidade].

“Do ponto de vista lógico, os argumentos de ambas as vertentes não são, em princípio,
incorretos, o que impedia a solução para a polêmica nesse plano. Conseqüentemente, o
debate deslocou-se para o plano empírico(...). Na verdade a evidência mostrou que qualquer
possibilidade de generalização era incapaz de atender às diferentes situações históricas
observadas. Uma análise particular do período da Primeira Guerra mundial mostra a
impossibilidade de se admitir uma das teses de forma exclusiva. Albert Fishlow, com base
em algumas informações quantitativas, concluiu que nesses anos houve aumento da
produção e dos lucros industriais, sem aumento da capacidade produtiva. Os lucros
acumulados pelo crescimento da produção teriam sido reinvestidos ao fim da guerra.
Viabilizando, então, o crescimento da capacidade produtiva. Essa explicação é
compatível tanto com as duas teses sobre o crescimento da indústria quanto com a
evidência empírica” (Saes, p. 74-5).

3 Capitalismo Tardio: Cardoso de Mello. Argumentos: i)dinâmica própria


⇒ nega o caráter meramente “reflexo” da economia brasileira (Tavares e
Furtado); ii)instrumental marxista: 1)rompe dicotomia crescimento
voltado para fora/dentro (década de 1930: marco) → sucessão MP:
colonial → mercantil-escravista → capitalista-exportadora →
capitalista-industrial (1880-1920); 2)relação entre agro-exportação e
indústria é dialética: i)crise → positiva; ii)capital industrial subordinado
ao cafeeiro → contradição.

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“Diante do impasse a que foi conduzida essa polêmica, buscou-se outro entendimento
das relações entre café (ou setor exportador) e indústria. João Manuel Cardoso de
Mello” (Saes, p. 75).

“Em termos gerais, a ótica do “capitalismo tardio”, propõe uma revisão da doutrina
econômica da CEPAL sem, no entanto, refutar um de seus pressupostos básicos, a saber,
a constatação de que o desenvolvimento industrial brasileiro possui características
próprias. Não se pretende, de forma alguma, negar o fato de que a industrialização
brasileira foi um processo específico, dotado de características que lhe são peculiares. O
que se pretende refutar é o caráter reflexo da economia brasileira postulado pela CEPAL.
De acordo com os teóricos do “capitalismo tardio”, a economia brasileira não pode ser
concebida, meramente, como uma extensão do sistema econômico formado pelos países
centrais; esta possui uma dinâmica própria, de forma que seu funcionamento não pode
reduzido simplesmente à um conjunto de reações a acontecimentos que se operam nas
economias centrais. O foco de análise se desloca da dicotomia proposta pela análise
cepalina clássica baseada em fatores externos versus fatores internos na determinação do
desenvolvimento industrial para se concentrar na análise da evolução do capitalismo
brasileiro, fazendo-se uso do instrumental marxista tradicional. A periodização cepalina
baseada no crescimento “para fora” até a década de 1930 e crescimento “para dentro”, a
partir de então, é substituída pela sucessão de modos de produção. Assim, passou-se da
economia colonial para a mercantil-escravista e posteriormente para a economia capitalista
exportadora. Finalmente nesta última fase, especialmente entre fins da década de 1880 e de
1920, verificou-se o surgimento e consolidação do capital industrial. As relações entre
agroexportação e indústria assume duas formas. A primeira é uma relação positiva, mas
não linear entre o desenvolvimento industrial e a expansão do setor agroexportador:
dada uma crise externa, a indústria é primeiramente afetada de forma negativa;
posteriormente, com a elevação na proteção ao mercado interno, devido à queda na
capacidade para importar, ela se beneficia, elevando sua produção. A outra forma é
contraditória. A contradição origina-se do fato de que o capital industrial se
subordinava ao capital cafeeiro, que por sua vez era subordinado ao capital internacional.
Dessa forma, o setor industrial não era autônomo, dependendo da economia

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agroexportadora. Esta relação de dependência se materializava de duas formas: i) na


capacidade para importar máquinas e insumos, necessários à expansão da produção; e ii)
na criação de um mercado consumidor de manufaturas. Sendo assim, apesar de o
capital industrial ter-se originado no setor cafeeiro, este impunha limites à expansão da
produção fabril. Este padrão de dependência entre os setores industrial e cafeeiro
somente é rompido pela crise do café, deflagrada pela Grande depressão. A partir de
então, o desenvolvimento industrial tornou-se mais independente do comportamento da
agroindústria, principalmente com relação à demanda. Esta, por sua vez, não mais
dependia tão fortemente da procura externa, sendo determinada, principalmente, pelo
crescimento da renda interna. Somente em meados da década de 1950, com o
estabelecimento das indústrias de bens de capital, é que o setor industrial adquiriu
autonomia substancial” (Modenesi p. 62-7).

4 Intencionalmente Promovida pelo Governo: Flávio e Maria Versiani.


[i)incentivos e subsídios; ii)política tarifária e cambial] ⇒
desenvolvimento industrial.

• Ciclo cambial: i)valorização → ↑importação máquinas/equipamentos →


↑capacidade; ii)desvalorização → proteção indústria doméstica (↑ P importados) →
ISI (utilização da capacidade previamente instalada).

“Segundo F. Versiani e M. T. Versiani essas alternância no comportamento cambial


acabou sendo importante no processo de industrialização. Quando da valorização
cambial, facilitava-se a importação, o que era favorável à ampliação da capacidade
produtiva da indústria no país, dado que as máquinas e os equipamentos utilizados pela
indústria brasileira eram importados. Com a mudança no comportamento cambial –
desvalorização – havia proteção à indústria nacional, dado o aumento do preço dos
produtos importados; nesta situação utilizava-se a capacidade instalada no período
anterior para substituir as importações que se tornaram mais caras. Os ciclos cambias

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possibilitaram assim, assim, o crescimento por etapas da indústria, com fases de


ampliação da capacidade produtiva seguidas por momentos em que esta era efetivamente
utilizada. Esse autores também acentuam a importância de tarifas sobre importação.
Essas, não obstante tivessem como objetivo principal a arrecadação do governo,
contribuíram como mecanismo de proteção à indústria nacional, especialmente quando
adequadamente combinadas com as oscilações cambiais” (Saes, p. 74).

• Maior importância para o papel do Estado (não quer dizer que ele promoveu
intencionalmente a industrialização) ⇒ negação da visão tradicional (Villela e
Suzigan) de minimizar e/ou negar importância papel do Estado antes de 1930-
45.

“Não se trata porém de provar que a industrialização foi promovida por uma
abrangente política deliberada de desenvolvimento. Há consenso de que tal política não
foi implementada na Brasil antes da década de 1950. De fato, a intenção declarada dessa
escola de pensamento é de contestar a afirmação, usualmente encontrada na
historiografia brasileira, de que o papel do Estado na promoção do desenvolvimento
industrial no período anterior a 1930 foi mínimo ou não foi significativo. Argumenta-se
que, ao contrário, o Estado teve um papel positivo, primeiramente através de uma
proteção alfandegária deliberada e, em segundo lugar, através da concessão de
incentivos e subsídios a indústrias específicas” (Suzigan, 1986, p. 39).

“A Quarta interpretação do processo de industrialização brasileiro concentra-se na análise


do papel do Estado, ou melhor dos estímulos por ele dados à indústria de
transformação. Nesta linha de análise, dois elementos são fundamentais: i) a proteção
tarifária e ii) a concessão de incentivos e subsídios. Os defensores deste argumento não
pretendem provar que a o desenvolvimento industrial foi promovido por um conjunto
de políticas deliberadamente tomadas com tal propósito – há consenso com relação ao
fato de que antes da década de 50 não foram tomadas políticas “deliberadas de

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desenvolvimento”, conforme definido por Hirschman. Trata-se, de um esforço no sentido


de dar maior ênfase ao papel do Estado, contestando-se a postura usual de se
minimizar [Villela e Suzigan], ou até mesmo negar, a importância do governo no
desenvolvimento industrial do período anterior à década de trinta. Até o período anterior
a Primeira Guerra, pode-se afirmar com segurança que o Estado não promoveu o
desenvolvimento industrial de forma sistemática e deliberada. E mesmo após este
evento, a mudança de postura do governo não foi radical, mas sim, lenta e gradual. A
produção de aço, por exemplo, foi estimulada antes de 1914. No entanto, foi a escassez de
insumos e matérias primas decorrentes do confronto mundial que estimulou a nova postura
do governo. Dessa forma, durante a Primeira Guerra, o governo federal e até mesmo alguns
governos estaduais, estimularam a produção interna de aço soda caústica, óleo de caroço de
algodão e carnes industrializadas. Já na década de 20, o auxílio governamental se estendeu
à produção de cimento, produtos de borracha, fertilizantes, papel e pasta e fios e tecidos de
seda. Entretanto, não se pode afirmar que a diversificação industrial ocorrida na década
de vinte se atribuiu a uma política sistemática de incentivos deliberados ao setor
industrial. Os subsídios e incentivos nem sempre foram principal fator de indução ao
desenvolvimento industrial. Estes foram eficazes na promoção das indústrias de papel e
celulose, de produtos de borracha, de óleo de caroço de algodão, de fios e tecidos de seda e
de carnes industrializadas. No entanto, em outros casos, como siderurgia e produção de
cimento, estes não foram muito importantes. Podemos concluir, que antes da Primeira
Guerra mundial, não houve assistência governamental direta à industria de transformação,
com exceção do setor açucareiro e das ocasionais isenções de direito sobre maquinaria
importada e outras formas indiretas como o desenvolvimento do setor de infraestrutura.
Apenas a partir do confronto mundial é que o Estado começa a estimular
deliberadamente o algumas indústrias específicas, ressaltando-se que, em muitos casos,
os incentivos e subsídios concedidos não foram eficientes. Ainda assim, até a década de
50, não havia um plano deliberado e sistemático de incentivo ao desenvolvimento
industrial como um todo” (Modenesi, p. 67-73).

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• Praticamente consensual: i)somente a partir de 1930, sobretudo 1945, o Estado se


empenha deliberadamente em promover o processo de industrialização
(exceção: início da República (Lei Bancária de Rui Barbosa)); ii)até 1945 não
houve processo contínuo de desenvolvimento industrial: ocorreram apenas surtos
localizados e de curta duração (principais conclusões do livro). (Villela e Suzigan,
Baer, Bonelli).

“Não houve no Brasil, até 1945, uma política com um conjunto coordenado de medidas
capazes de incentivar o desenvolvimento industrial. A industrialização, na verdade,
nunca foi o objetivo básico da política econômica governamental” (Villela e Suzigan, p.
58).

“Foi somente nos anos trinta que passou a haver uma maior preocupação com o
problema da política econômica com o problema da industrialização ” (Villela e Suzigan,
p. 59).

“Há fortes indicações de que os primeiros surtos industriais no Brasil foram financiados
pelo café” (Villela e Suzigan, p. 61).

“Não houve um processo contínuo de industrialização em larga escala no Brasil antes


de 1945. O que houve foram surtos industriais” (Villela e Suzigan, p. 63).

“Os primeiros anos da República no Brasil são talvez o único período, antes dos anos
trinta, em que a política do governo manifestou interesse em promover o
desenvolvimento industrial. (...). No entanto, a política econômica não apresentava,
então, um conjunto coordenado de medidas capaz de promover a industrialização”
(Villela e Suzigan, p. 109).

“Apesar de não podermos considerar a economia brasileira durante a Primeira


República como uma economia industrializada, houve crescimento significativo nesse

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sentido, ou seja, dentro dos quadros de um país agroexportador, desenvolveu-se uma


indústria principalmente para atender ao mercado doméstico. Não obstante houvesse
participação do Estado nesse processo, não se pode considerar que tenha havido
políticas deliberadamente industrializantes, como ocorreu a partir das décadas
seguintes. Quando estas ocorriam tinham um caráter secundário dentro do quadro geral
da política econômica, muitas vezes sendo parte de medidas cujos objetivos não eram
propriamente o de auxiliar a indústria em geral. Apesar do caráter secundário das
políticas voltadas para a industrialização, ao longo da Primeira República, existiram
defensores de um incentivo maior à indústria. O próprio Rui Barbosa é tido como um dos
defensores da industrialização no país. O início da República [encilhamento] com Rui
Barbosa no Ministério e depois com Floriano Peixoto na Presidência, é considerado um
período em que houve auxílio à indústria. (...). A facilidade creditícia [reforma monetária]
e a as mudanças na legislação comercial [lai das SA] são as principais medidas do período
que acabaram por incentivar a indústria. Já com Joaquim Murtinho houve clara mudança
de postura”(Saes, p. 89).

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Material didático para os cursos de Economia Brasileira

1. Economia Brasileira Contemporânea: capítulo I (1_Primeira Década


Republicana.doc) ao XI (11_Geisel.doc) e Furtado (Furtado.doc).
Lista de exercícios: questões da ANPEC (Provas_Anpec.doc) referentes ao conteúdo
programático.

2. Seminário de Economia Brasileira: capítulo IX (9_Castello.doc) ao XVI


(16_FHC_2.doc).
Lista de exercícios: questões da ANPEC (Provas_Anpec.doc) referentes ao conteúdo
programático.

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