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NoVOID - Ruins and vacant lands in the Portuguese cities: exploring hidden life in urban derelicts and
alternative planning proposals for the perforated city View project
All content following this page was uploaded by João Sarmento on 12 February 2015.
G E O G R
João Sarmento é Professor Auxiliar com Nomeação Definitiva no Departamento de
Geografia da Universidade do Minho. Doutor em Geografia pela Universidade de
Cork, Irlanda (2001). Tem publicado nas áreas da Geografia Cultural, Geografia do
Turismo, Geografia dos Transportes, Tecnologias de Informação e Comunicação e
A F I A S
Pensamento Geográfico. Em 2004 recebeu o prémio Nacional de Geografia Orlan-
do Ribeiro, atribuído pela Associação Portuguesa de Geógrafos, pela obra ‘Repre-
sentation, Imagination and Virtual Space. Geographies of Tourism Landscapes in
West Cork and the Azores’, publicada nesse mesmo ano pela Fundação Calouste
GEOGRAFIAS PÓS-COLONIAIS
Gulbenkian (ISBN 972-31-1072-5). Em 2006 foi co-organizador (com A. F. Azevedo
e J. R. Pimenta) do livro ‘Ensaios de Geografia Cultural’ (ISBN 9789726612049),
PÓS-CO
uma obra implicada com a reconceptualização das ideias de espaço, lugar e paisa-
gem. Foi Director do Departamento de Geografia da Universidade do Minho (2004-
2006), Director do Núcleo de Investigação em Geografia e Planeamento (2003-
2007), Director do Curso de Geografia e Planeamento (2004-2005) e Presidente do
Conselho de Cursos de Ciências Sociais da Universidade do Minho (2004-2007).
LONIAIS
É o editor principal da revista científica ‘Aurora Geography Journal’. Leccionou em
diversas universidades de países estrangeiros como Timor, Brasil, Irão, Finlândia,
Letónia, República Checa, Espanha, Suécia e Irlanda.
Capa:
Fotografia: Séan (2004) Hong-Kong.
Arranjo gráfico: Cisca, Pfeffer & Séan.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob
qualquer forma sem a permissão do editor e coordenadores.
Depósito legal:
ISBN:
Coordenação de
G E O G R
A F I A S
PÓS-CO
LONIAIS
Ensaios de Geografia Cultural
Ana F de Azevedo
James D Sidaway
João Sarmento
José R Pimenta
Marcus Power
Matthew Gandy
Richard Phillips
iii figueirinhas
Autores
James D. Sidaway
School of Geography
University of Plymouth
João Sarmento
Departamento de Geografia
Universidade do Minho
Marcus Power
Department of Geography
University of Durham
Matthew Gandy
Department of Geography
University College London
Richard Phillips
Department of Geography
University of Liverpool
Índice
O pós-colonialismo em Geografia
O ‘pós-colonialismo’ emergiu nas últimas décadas do século
XX como problemática cultural através da qual se reorganizam as
categorias da diferença e alteridade. Dinamizando os debates em torno
das políticas de lugar e de representação, a problemática pós-colonial
decorre de uma profunda transformação nas instâncias de produção
da subjectividade bem como de movimentos político-intelectuais
implicados com a autorização de diferentes posicionalidades.
Comummente associada aos trabalhos desenvolvidos no âmbito
dos Estudos Literários e Culturais, esta problemática surge como
preocupação central para as mais diversas áreas; na Antropologia
e na Sociologia, na História e na Geografia. Sustentando uma
teoria cultural crítica que agita o mundo académico, a problemática
pós-colonial permitiu a organização de um paradigma dentro do
qual se revêem experiências de colonização e se reorganizam os
processos que resultam de diferentes momentos de descolonização
formal. Mais do que uma reflexão sobre o ‘encontro colonial’ como
elemento determinante para a constituição do sujeito do humanismo,
o paradigma pós-colonial encontra-se comprometido com “a crítica,
a exposição, a desconstrução, a contra-posição, e a transcendência
das presenças e dos legados culturais e ideológicos do imperialismo”
(Sidaway, 2002:13). As condições de debate são, por isso, complexas
Geografias pós-coloniais
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‘As geografias culturais pós-coloniais’
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Conclusão
A presente publicação nasce da necessidade acusada de expandir
o debate relativamente àquilo que é ou poderá ser a Geografia em
contextos pós-coloniais. Representando algumas das problemáticas
centrais que têm vindo a desenvolver-se não só em Geografia mas
também nos Estudos Culturais, este livro reflecte o trabalhar da
teoria cultural pós-colonial por parte de geógrafas e geógrafos.
Aglutinando as tensões entre pós-colonialismo e capitalismo global,
os diferentes artigos analisam as formas materiais e discursivas de
persistência das relações de poder colonial.
Ana Francisca de Azevedo remete o leitor para questões complexas
como as que vão da organização do próprio paradigma pós-colonial
(e, malheureusement, da sua institucionalização), à tentativa de
escritas geográficas das novas e armadilhadas nações pós-coloniais.
Richard Phillips examina a cartografia da sexualidade no contexto
da sociedade vitoriana, a partir da leitura contextual do explorador
e autor de literatutura viagens, Richard Burton, que foi também o
tradutor (e introdutor) das Mil e Uma Noites e do Kamasutra na
sociedade londrina dos fins do século dezanove.
José Ramiro Pimenta defende que o modo de produção colonial
dominante durante todo o século dezanove se articula com a
representação das geografias imaginárias do passado, atribuindo às
personagens históricas atributos de oposição estrutural próprias das
relações racializadas do presente oitocentista.
James Sidaway e Marcus Power analisam as relações entre as
narrativas geopolíticas e visões de portugalidade, com especial
atenção para o período pós-1945, no contexto das relações entre o
‘colonial’ e o ‘pós-colonial’ e as articulações Este-Oeste e Norte-
Sul nos discursos geopolíticos no século XX e das manifestações
contemporâneas de imperialismo.
João Sarmento apresenta uma discussão do processo histórico e da
dinâmica actual da construção da identidade timorense, com base na
revisão do significado da religião, da língua e das múltiplas relações
com a paisagem e a terra.
Matthew Gandy analisa criticamente discursos pós-modernos
sobre o urbanismo de cidades do Sul centrando-se em Lagos, capital
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Geografias pós-coloniais
Notas
1
Os principais estudos de Orlando Ribeiro sobre o tema da expansão
portuguesa seriam reunidos em Aspectos e problemas da expansão
portuguesa (1962). 2 O primeiro dos estudos consagrado a este tema seria
a conferência proferida em Bruxelas, no Instituto de Cultura Portuguesa: La
formation du Portugal (1939). 3 O primeiro título do autor sobre o Brasil
tem a data de 1942: ‘Brasil, a terra e o homem’, Brasília, I, p. 377-397.
4
Contudo, a escola de Coimbra não deixou de desenvolver trabalho sobre
estes temas (cf. Campar de Almeida et al. (2003: 309-347). Também, um
dos nomes maiores da Geografia coimbrã e portuguesa, Fernandes Martins,
levou a cabo uma extensa investigação em Moçambique. 5 Neste contexto
é necessário referir a investigação independente de Suzanne Daveau, com
28
‘As geografias culturais pós-coloniais’
Bibliografia
Amaral, I. (1979). A ‘Escola Geográfica de Lisboa’ e a sua contribuição
para o conhecimento geográfico das Regiões Tropicais. Lisboa: Centro
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Bhabha, H. (2004). The location of culture (reimp.). London e New York:
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Brito, R. S. (1964) Imagens de Macau. Lisboa: Agência Geral do
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Brito, R. S. (1971) ‘Ocupação do solo no Timor português’. Geographica,
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Campar de Almeida, A., A. Gama, F. D. Gravidão, L. Cunha e R. Jacinto
(2003). Fragmentos de um retrato inacabado. Coimbra: Reitoria da
Universidade de Coimbra.
Daveau, S. (2005). ‘Contribuição notável para a Geografia da colonização’.
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Daveau, S. e O. Ribeiro (1973). La Zone intertropicale humide. Paris: A.
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Frade, A. M. D. (2007) A Corrupção no Estado Pós-Colonial em África.
Duas Visões Literárias. Centro de Estudos Africanos da Universidade
do Porto; Porto. [disponível em www.africanos.eu]
Hespanha, A. M. (2007) ‘Portugal e as infra-estruturas da investigação pós-
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Lourenço, E. (2003); ‘Os girassóis do império’ in M-C. Ribeiro e A. P.
Ferreira (orgs.) Fantasmas e Fantasias Imperiais no Império Português
Contemporâneo. Campos das Letras, Porto.
Margarido, A. (2000). A lusofonia e os lusófonos: novos mitos portugueses.
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Geografias pós-coloniais
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Geografias pós-coloniais: contestação e
renegociação dos mundos culturais
num presente pós-colonial
O paradigma pós-colonial
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expelir mas que não é passível de ser eliminado, o abjecto faz parte
do sujeito.58 O “sujeito abjecto” e o “espaço abjecto” situam-se para
além das fronteiras do sujeito embora integrem ininterruptamente
a definição da sua própria mesmidade.59 Abjecção e purificação
configuram um ciclo inacabado através do qual as subjectividades se
produzem; o Eu (essência) e o Outro (resíduo) integram os processos
de construção da diferença e alteridade assim como a modelação do
espaço social. A construção de imagens e de imaginários aprisionados
pelo binómio essência/resíduo (ou abjecção/purificação) é pedra
angular das doutrinas de pensamento de pendor eurocêntrico. Como
refere Sibley,60 “(o)s sentimentos de abjecção são projectados
sobre populações cujas imagens estereotipadas não coincidem com
idealizações de certos corpos”. Deste modo, os sentidos de pertença
e não pertença a determinados grupos e culturas geram situações de
expulsão concreta ou metafórica, dos sujeitos com os quais não se
produz identificação, isto é, os sujeitos da diferença.
Contaminados pela inaceitação de inúmeras formas de diferença,
os processos homogeneizadores que nutriram o sistema social
imperial (nomeadamente os associados à construção dos Estado-
nação com as suas ‘comunidades coerentes’), foram sustidos por
“crus estereótipos e uma forma insuportável de divisão global”.61
Directamente associada à construção dos estereótipos culturais está
a imposição de fronteiras, as barreiras para lá das quais se colocam
os outros abjectos; “isto simplifica a questão da identidade, e a
rejeição ou exclusão dos outros é assumida como proporcionando
mais segurança”.62 Articulando inúmeras e complexas instâncias
de abjecção, a história colonial define-se com base numa política
cultural preocupada com tudo que possa ameaçar as fronteiras
do sujeito colonizador. Uma política que potenciou a exclusão,
pela desumanização do sujeito colonizado, pela ameaça que este
constituía às fronteiras do corpo (branco). Se, como evidencia
David Sibley,63 “o branco significava paralelamente pureza e ordem
e o preto significava profanação e desordem no discurso racista,
então as representações de negritude criavam ansiedades sobre as
fronteiras – do corpo, da vizinhança, da nação”, o que veio a ser
exponenciado por séculos de representações negativas do Outro
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Notas
D. Gregory (2000: 612). 2 A King (2004). 3 A. King (2004: 383)
1
4
Benard Cohn foi o primeiro a aplicar a perspectiva antropológica à
história do colonialismo e suas formas de conhecimento, desenvolvendo
na década de 1950 investigação pioneira debruçada sobre as questões de
representação nas sociedades coloniais. 5 A. King (2004). 6 A. King
(2004: 384). 7 A. King (2004: 386). 8 D. Gregory (2000: 613). 9 D.
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Bibliografia
Appadurai, A. 1996. Modernity at large: Cultural dimensions of
globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Arnold, D. 2000. “Illusory riches”: representations of the tropical world,
1840-1950. Singapore Journal of Tropical Geography 21 (1): 6-18.
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dos mundos culturais num presente pós-colonial’
Press.
Whatmore, S. 2002. Hybrid geographies. London, Thousand Oaks e New
Delhi: Sage Publications.
Yahya, A. 1994. The Impact of Colonial Experience. Institute of Islamic
Studies: McGill University
Yeoh, B. 2004. Postcolonial Geographies of Place and Migration. In K.
Anderson, M. Domosh, S. Pile e N. Thrift, eds., Handbook of Cultural
Geography. London, Thousand Oaks e New Delhi: Sage Publications,
369-380.
Young, R. 1990. White Mythologies. London: Routledge.
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Literaturas de Viagem e Cartografias de Sexualidade.
A Sotadic Zone de Richard Burton
R ichard Phillips
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Conclusão
Ao escrever geograficamente, Burton estava em posição de assumir
a voz de um investigador profissional com um ostensivo interesse
científico em – e com autoridade para o abordar – sexo. Era também
capaz de desenvolver um tema sem deixar de o manter dentro do
seu domínio. As geografias, descobriu, providenciavam uma lente
através da qual podia observar, como que de longe, os objectos
sexuais; as geografias providenciavam-lhe também um sentimento de
dominação e liberdade imaginária. Através de geografias domináveis,
abstractas, abertas, imaginativas, era possível contemplar a ordem
sócio-sexual em ‘voo de pássaro’, uma larga escala sobre a qual se
poderia imaginar e exigir uma transformação.
Burton foi acusado de reporduzir estereótipos orientalistas.
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Agradecimentos
Gostava de agradecer a José Ramiro Pimenta, João Sarmento e
Ana Francisca de Azevedo, coordenadores deste livro, por me
terem convidado a contribuir com um artigo, e por me incluirem
num diálogo académico verdadeiramente internacional que é
representado por este volume e pela colecção de que faz parte. Este
artigo baseia-se e desenvolve elementos de dois estudos anteriores:
‘Writing travel and mapping sexuality: Richard Burton’s Sotadic
Zone,’ in J. Duncan e D. Gregory (eds.), Writes of Passage: Reading
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Notas
1
M. Foucault (1978). 2 R. Phillips (2004a, 2006a). 3 G. Rose (1993); M.
Brown (2000). 4 D. Bell (1995) 5 D. Bell e G. Valentine (1995); R. Phillips
(2004b). 6 D. Massey (2005). 7 R. Phillips (1996). 8 S. Alpers (1983:
133). 9 N. Smith (1994: 499). 10 J. B. Harley (1992: 233). 11 G. Deleuze
e F. Guattari (1988: 12). 12 A. Thacker (2006: 60). 13 A página de título
continua: ‘With Introduction, Explanatory Notes on the Manners and
Customs of Moslem Men and a Terminal Essay upon the History of the
Nights. Printed by the Kama-shastra Society For Private Subscribers Only.
10 vols.’ 14 Burton era autor de mais de quarenta livros publicados, embora
estes, presentes entre os seus primeiros trabalhos, fossem os seus livros de
maior sucesso. Foram reeditados quase continuamente. O livro de Burton
Pilgrimmage to El-Medinah and Meccah, por exemplo, foi reimpresso em
pelo menos cinco diferentes edições entre 1855 e 1893, data em que Isabel
Burton fez editar uma ‘Edição Comemorativa’. Ver N. Penzer (1923).
15
Ver F. M. Brodie (1967). Como afirma Brodie (p. 224), Burton era
‘acusado de […] escrever uma geografia irresponsável’. 16 O anexo de
Burton ao livro First Footsteps in East Africa, intitulado, ‘Brief Description
of Certain Peculiar Customs’, que descrevia actos de adultério e posições
sexuais dos Somalis, revelou-se demasiado para o editor, que ordenou que
fosse eliminado (Brodie 1967: 110). 17 R. F. Burton (1885-1886: 1.xiii).
18
Este tema foi explorado por vários autores, notavelmente por Robert
Aldrich (1993; 2003). 19 Brown (2000). 20 R. Phillips (2002). 21 R. Phillips
(1999). 22 R. F. Burton and C. F. T. Drake (1871). 23 I. Burton (1875). 24 I.
Burton (1875: vii). 25 I. Burton (1987: 2.525). 26 I. Burton (1897: 2.678).
27
I. Burton (1893: 2.274). 28 W. Coote (1889: 9). 29 P. L. Caracciolo (ed.
1988). 30 R. F. Burton (1885-1886: 1.ix). 31 Originalmente em dez volumes,
seguidos por seis ‘Noites’ suplementares, que mais tarde foram divididas
em sete volumes. Penzer (1923: 135) apresenta uma lista de edições
subsequentes, incluindo a de Lady Burton (6 volumes, 1886-8), de Smither
(12 e 13 volumes, 1897 e 1897), a Dever Burton Society (16 volumes,
1900-1), a Burton Club (17 volumes, 1903-4) e a Burton Club “Catch
word” (17 volumes, 1905-20). 32 Burton participou na tradução de Payne,
que foi publicada numa edição de quinhentas cópias por subscrição, e
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Notas de tradução
Artigo original em língua inglesa: “Writing Travel and Mapping Sexuality:
Richard Burton’s Sotadic Zone”. Tradução de José Ramiro Pimenta em
2007, com revisão do autor.
i
‘Sotadic’ é uma palavra derivada do nome de Sótades, poeta grego famoso
pelos temas lascivos das suas composições. Optou-se por não traduzir esta
palavra, uma vez que se trata de uma expressão típica do discurso de Burton
e que parece ser inteiramente desconhecida em português.
ii
Equivalentes às seguintes expressões em inglês: ‘funny’, ‘grim’ e ‘wise’.
Bibliografia
Aldrich, R. 1993. Seduction of the Mediterranean: Writing, Art and
Homosexual Fantasy. London: Routledge.
Aldrich. R. 2003. Colonialism and Homosexuality. London: Routledge.
Alpers, S. 1983. The Art of Describing. Chicago: Chicago University
Press.
Archer, W. G. (ed.) 1966. Kama Sutra of Vatsyayana, tr. R. F. Burton.
London: Allen and Unwin.
Assad, T. J. 1964. Three Victorian Travellers. London: Routledge.
Barret-Ducrocq, F. 1991. Love in the Time of Victoria, Sexuality and Desire
Among Working-Class Men and Women in Nineteenth-Century London,
tr. John Howe. London: Penguin.
Bell, D. e G. Valentine. 1995. Mapping Desire: Geographies of Sexualities.
London: Routledge.
Bell, D. 1995. [Screw]ING GEOGRAPHY. Editorial de Environment and
Planning D, Society & Space 13: 127-31.
Bleys, R. C. 1996. The Geography of Perversion: Male-to-Male Sexual
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Sexualidade. A ‘Sotadic Zone’ de Richard Burton’
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O modo de representação colonial na produção
científica das paisagens imaginárias do Passado:
a geo-historiografia dos Belgae na Arqueologia
oitocentista portuguesa
Os Celtas ‘puros’
A área do Báltico à Bélgica detém uma importância específica na
geo-historiografia de Martins Sarmento: corresponde à área da Europa
em que, apesar de totalmente expulsos os Lígures que ali viviam,
ainda podem ser vistas as ruínas materiais da sua antiga presença:
os dólmens. No contexto mais vasto do ‘problema do celtismo’, os
Belgas opõem-se duplamente a outros ‘Celtas da história’: por um
lado, aos ‘Gálatas’ (no sentido mais lato dos Celtas do nascente),
que ocupam a área em que os povos ‘do ferro’ expulsaram o povo
lígure e dizimaram os seus vestígios materiais; por outro lado, aos
Gauleses, que ocupam uma região em que a invasão germânica não
conseguiu sequer expulsar o povo, apenas impor os seus ‘cavaleiros’
a uma sociedade cuja ‘civilização’ se manteve na mão do druidismo
lígure.
O lugar que os Belgas podem ocupar na geo-historiografia de
Martins Sarmento fica bem manifesto nas suas próprias palavras:
Para nós é de fé que nem Tácito nem César sabem distinguir
os celtas (belgas) dos germanos, por não terem por onde; e
a ignorância que ambos mostram do íntimo parentesco entre
os belgas e os celtas do sul, permitindo-lhes fazer as suas
observações com a máxima despreocupação, dá um dobrado
peso às suas informações. Estas singelas afirmativas na boca
de uma testemunha ocular, como César: – pela língua, pelas
instituições, pelas leis, os belgas diferençam-se dos gauleses;
os belgas são oriundos dos germanos – se não querem dizer
do modo mais terminante que a língua, instituições e leis dos
celtas (belgas) são análogas à língua, instituições e leis dos
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‘O modo de representação colonial na produção
científica das paisagens imaginárias do Passado’
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Geografias pós-coloniais
Celtas e Germanos
É no contexto da apreciação da descrição dos Belgas por César,
que Martins Sarmento faz uma observação que será central na sua
argumentação:
Mas uma particularidade, que se tem explorado em todos
os sentidos, menos no verdadeiro, se não estamos em erro,
uma particularidade que temos por muito significativa, é que
César chama aos belgas germanos (…).7
Martins Sarmento tem a noção plena de que uma interpretação
‘geográfica’ e não ‘étnica’ do qualificativo de ‘germano’ na frase
de César é a que justamente pode pôr em causa a sua teoria, pelo
que de imediato toma a ofensiva: ‘Para alguns intérpretes, que esta
frase incomoda, César queria dizer que os belgas vieram dalém do
Reno, da Germânia!’ É pois a sua intenção de subsumir os ‘celtas
puros’ que são os Belgas, à sua teoria mais vasta do germanismo
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dos Celtas.8
Os Celtas dos autores antigos, na opinião de Martins Sarmento,
teriam sido sempre identificados com a ‘raça dos belgas’, i.e., com
um tipo físico nórdico, ‘altos e louros’, como os que César identifica
não só entre os Belgas, como, e essa identificação deterá um papel
importante na sua geo-historiografia, com os Gauleses com, que na
‘opinião de Estrabão, os Belgas se assemelhavam de tal sorte, tanto
física como politicamente, que ambos podiam passar por irmãos’.9 É
com esta identificação que começa a ganhar consistência, no seio da
teoria interpretativa de Martins Sarmento, a ideia de que os Gauleses
poderiam ser constituídos por ‘raças’ distintas, a que corresponderiam
duas classes na estruturação social. Esta distinção viria a ser
absolutamente essencial na teoria etnogénica do investigador, e não
só replica manobras teóricas equivalentes que se vinham efectuadas
na historiografia internacional, como será acompanhada por idênticas
tentativas no seio da historiografia portuguesa.10
Em seu favor, Martins Sarmento podia ainda apresentar os
testemunhos de César de que existiam povos ‘germanos’ que
pertenciam à confederação dos Belgas, que contudo, eram por ele
denominados por ‘celtas’. Segundo informação dos Remos, povo dos
primeiros que se interpõem entre a marcha de César e a confederação
belga, ‘todos os povos da Bélgica são germânicos’. Dentre as várias
tribos que compunham a confederação dos Belgas, César identifica
várias tribos a que correspondem povos germânicos propriamente
ditos, nomeadamente, os ‘condrusos, os eburões, os caerasos, os
paemanos’. Eram-no igualmente, os Segnos e os Ubios.11 Também
os Aduáticos explicitamante se consideravam um ramo dos Cimbros,
que Martins Sarmento considera germanos. A autoridade de César
seria ainda reforçada pela de Tácito que transmite a informação de
que alguns dos povos da confederação dos Belgas, nomeadamente
os Nérvios e os Tréviros, ‘levavam até à afectação as suas pretensões
de germanismo’.12
No intuito de caracterizar a língua dos Belgas, Martins Sarmento
recorre igualmente aos testemunhos de César, nomeadamente à
informação de que entre Belgas e Gauleses, tudo era distinto: ‘língua
e instituições’, sublinhando com especial energia o facto de dessa
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Notas
1
Livingstone (2003: 1). Se esta estruturação regional da formulação de
teorias se admite em qualquer área do conhecimento científico, com mais
razão se amitirá que esteja presente nas áreas do saber que directamente
dizem respeito aos estudos históricos de carácter assumidaente regional ou
nacional: ‘Like nationalist history, to which it is usually closely linked, the
culture-historical approach can be usde to bolster the pride and morale of
nations or ethnic groups’ (Trigger 1991: 174-186). 2 Esta problemática da
‘localização’ da produção do conhecimento científico e a ‘geografia
histórica da ciência’ que lhe está associada, é hoje um programa de pesquisa
que conta já com bastantes publicações, algumas das quais estão
referenciadas em outro lugar (Pimenta 2006: 110), para onde remetemos.
3
‘Quanto a nós, que vimos da geografia, cremos que, justamente em razão
dessa indivisibilidade, se podem detectar nas narrativas históricas, neste
caso proto-históricas, visões alternativas que revelam o espírito de uma
época, um Zeitgeist, ao mesmo tempo que revelam um espírito de um lugar,
um genius loci’ (Pimenta 2007). Sobre a importância do anacronismo
interpretativo das historiografias do presente no estudo do passado, cf.
Grandy (2003: 246-260). 4 Sarmento (1882: 123-4) 5 É uma característica
marcante da historiografia de Martins Sarmento a autoridade que reconhece
nos historiadores clássicos, cremos por atribuir-lhes a qualidade
‘testemunhal’ que é central na sua própria maneira de fazer ciência.
Contudo, não podemos deixar de fazer aqui a usual chamada de atenção de
que a historiografia clássicas, de um modo mais ou menos estridente, têm
uma intenção fortemente panegírica (cf. Gilderhus 2003: 18-19; Gardiner
1995: 11 e Pereira 2002: 148-52), que é comum, de resto, a outras
manifestações literárias do herói clássico (Holquist 2002: 123; Bakhtin
1981: 84-110). 6 Sarmento (1882: 122). Os sublinhados pretendem fazer
notar a ‘moralidade’, implícita na teoria de Martins Sarmento, associada
aos Celtas e ao seu ‘papel’ na pré-história e história antiga da Europa. A
existência de um idioma moral-científico no anos finais do século vinte não
é um exclusivo da Arqueologia; a Etnologia e até a Climatologia irão
propor representações semelhantes do seu objecto científico (Livingstone
1992: 221-241). 7 ‘Não é evidente que a genuína civilização céltica deve
brilhar com todo o seu esplendor entre os Belgas, esses Celtas puritanos
que nem sequer se misturaram com povos doutra família?’ (Sarmento
1890-94: 391). 8 (Sarmento 1882: 122, nota 3). A passagem de César (The
Gallic War, II, 4, p. 93) aqui referida é: ‘Caesar asked them [the Remi]
what states were under arms, what was their size and their war-strength. He
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discovered that most of the Belgae were of German origin, and had been
brought over the Rhine a long while ago, and had settled in their present
abode by reason of the fruitfulness of the soil, having driven out the Gauls
who inhabited the district’. 9 Sarmento (1882: 122, nota 4). 10 Em França,
a historiografia de mediados do século dezanove admitia que a França era
constituída por duas raças constituintes, os Francos, o elemento aristocrático,
e os Gauleses, o popular. Esta interpretação viria também a ser expressa no
domínio da Antropologia, quando Topinard defendeu que na população
francesa sua contemporânea se podiam distinguir dois tipos físicos distintos:
os ‘Gauleses’ e os ‘Celtas’. O antropólogo francês, ao distinguir o tipo
‘céltico’ dos historiadores do dos antropólogos, introduz igualmentre a
ideia da distinção entre o ‘povo’ e os seus ‘chefes’. Porém, para Topinard,
os chefes, de tipo físico ‘nórdico’, a que Martins Sarmento chama a ‘raça
dos Belgas’, com o intuito de os aproximar aos Germanos, é que são os
verdadeiros ‘Gauleses’; o povo, os ‘simples’ de César, a cujo tipo físico
Broca chamou ‘céltico’ e que identificou na Basse-Bretagne, são a grande
massa do povo por aqueles escravizada, e que a historiografia de Thierry
(Augustin) vê triunfar definitivamente em 1879 (Catroga 1998: 122). Em
Portugal será especialmente com a teoria ‘moçarabista’ de Teófilo Braga
(1871) que a mesma distinção racial entre classes será considerada como
elemento estruturante da própria noção de nacionalidade e argumento de
dinâmica histórica da sua afirmação. Sobre a importância na historiografia
de Teófilo Braga dos diversos elementos étnicos na constituição da
identidade portuguesa, cf.: Matos (1998: 324-32). 11 Além da passagem
antes citada, cf. as seguintes: ‘On the other side [of the Rhine] the Ubii
come nearest, a state which was once extensive and prosperous, according
to German standards. Its inhabitants are somewhat more civilisedthan the
other folk of the same race, because their borders touch the Rhine and
traders visit them frequently, and, further, because the Ubii themselves by
close neighbourhhod have grown accustomed to Gallic fashions.’ e ‘The
Segni and the Condrusi, who are of the nation and number of the Germans
and have their abode betwixt the Eburones and the Treveri, sent envoys to
Caesar to beg him not to count them among his enemies, nor to consider
that there was common cause among all the Germans on the Roman side of
the Rhine’ (The Gallic War, IV, 3, p. 183, VI, 32, p. 359). 12 ‘The Treveri
and the Nervii conversely go out of their way in their ambition to claim a
German origin, as though this illustrious ancestry delivers them from any
affinity with the indolent Gaul’ (Tacitus, Germania, XXVIII, p. 174). 13
‘[O]s celtas do norte (belgas), celtas tão sem mistura com povos gauleses
que, a ler estouvadamente um texto de César, se diria não haver sinais
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Apud Sarmento (1890-94: 395). ‘Não esqueça que os Cimbros e Teutões
são germanos, mesmo no entender de quase todos os celtistas
contemporâneos (...) que na sua excursão para o sul seguiram o exemplo e
o caminho dos Celtas; que escolheram a Bélgica, para aí depositarem os
seus tesouros, deixando ao mesmo tempo uma das suas tribos, os Aduáticos
[‘The tribe [of the Aduatuci] was descended from the Cimbri and the
Teutoni, who, upon their march into our Province and Italy, set down such
of their stock and stuff as they could not drive or carry with them on the
near side of the Rhine (…)’ (Caesar, The Gallic War, II, 29, p. 127)], que
ali se conservaram sempre’ (Sarmento 1890-94: 395). 34 ‘The physique of
the people presents many varieties, whence inferences are drawn: the red
hair and the large limbs of the inhabitants of Caledonia proclaim their
German origin’ (Tacitus, Agricola, 11, p. 47). 35 Martins Sarmento usa este
nome como sinédoque de todos os povos da península de Gales: ‘Sílures,
Ordovices e Demetas. Brevitatis causa só empregaremos o nome dos
primeiros’ (Sarmento 1890-94: 390, nota 1). 36 ‘[T]he swarthy faces of the
Silures, the curly quality, in general, of their hair, and the position of Spain
opposite their shores, attest the passage of Iberians in old days and the
occupation by them of these districts’ (Tacitus, Agricola, 11, p. 47). Não
esquecer que na geografia de Tácito a Península Ibérica se localizava a
oeste das Ilhas Britânicas: ‘Britain is the largest island known to Romans:
as regards its extent and situation it faces Germany on the east, Spain on
the west; on the south it is actually within sight of Gaul: its northern shores
alone have no lands opposite them, but are beaten by the wastes of open
sea’ (Tacitus, Agricola, 11, p. 43). 37 Sarmento (1882: 118). 38 A noção de
que na consituição ‘cultural’ da Europa coexistiram uma área oriental, mais
‘imperial’, e uma ocidental, mais aderida às fronteiras ‘nacionais’, estando
nesta a origem de um credo mais ‘liberal’ na evolução subsequente dos
movimentos revolucionários de todo o século: ‘Une première vague est
composée des mouvements libéraux, qui se produisent au nom de la liberté,
contre les survivances ou les retours offensifs de l’Ancien Régime. C’est le
cas de la vague insurrectionelle de 1820, des révolutions de 1830, en
Europe occidentale principalemente [s.n.]’ (Rémond 1974: II, 8). Com esta
divisão coincide também, em traços largos, mas com uma restrição
importante à sua margem setentrional, a região europeia que, num tempo
de constante confrontação e ardor revolucionário, conseguiu cumprir a
transição ‘democrática’ sob formulações relativamente tranquilas,
sobretudo quando comparadas com outras regiões da Europa: ‘C’est le
conflit entre ces forces de renouvellement et les puissances établies qui
compose l’histoire du XIXe siècle, qui explique la violence et la fréquence
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‘O modo de representação colonial na produção
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Geografias pós-coloniais
civilização dos Sílures era a druídica; e por César sabemos igualmente que
os Belgas não possuíam instituições druídicas (…). Tão claro e decisivo é
tudo isto, que chega mesmo a surpreender como o celtismo moderno tem
podido descobrir na civilização silúrica o cunho de uma civilização céltica’
(Sarmento 1890-94: 390). 52 ‘It is believed that their rule of life [of the
Druids] was discovered in Britain and transferred thene to Gaul; and to-day
those who would study the subject more accurately journey, as a rule, to
Britain to learn it’ (Caesar, The Gallic War, VI, 13, p. 337). ‘Ora [o]
druidismo (…) na Silúria [era] de tal sorte o mesmo, que os neófitos do
continente vinham aqui estudá-lo.’ (Sarmento 1890-94: 392). Seria
justamente por os Equites celtas, entre os Gauleses, se terem deixado
dominar culturalmente pela ‘cultura druídica’ que seriam objecto de desdém
por parte dos Belgas, Celtas ‘puros’: ‘Escusado é acrescentar que o nome
de celtas podia ser uma honra para a aristocracia gaulesa e um desprezo
para os seus vizinhos belgas’ (Sarmento 1882: 123). 53 Quase não é
necessário fazer referência ao poder escatológico desta expressão, e da
carga metafísica que através dela podemos identificar na estruturação da
‘filosofia da história’ de Martins Sarmento: [D]ir-se-ia que os Celtas nada
mais são que a vanguarda dessa infinidade de povos bárbaros que o norte
tinha de vomitar contra o sul, até aniquilar as civilizações mediterrâneas
(Sarmento 1880: 44). 54 ‘Já dissemos que os escritores antigos unanimemente
nos pintam estas hordas como verdadeiros bárbaros, desconhecendo ainda
todas as comodidades da vida, exclusivamente ocupados com a guerra e a
rapina, levando a devastação a toda a parte e adoptando a civilização dos
povos com que se misturaram, quando se cansaram das suas excursões de
nómadas. Há nisto alguma exageração?’ (Sarmento 1890-94: 411).
55
Sarmento (1896: 87). 56 ‘Se a ocupação do território dos cempses é
devida a uma superabundância da população lusitana, se à acessão de novas
tribos ligúricas que vieram doutra parte, é uma questão que provavelmente
nunca se resolverá. É porém muito verosímil que este facto coincida com a
invasão céltica nas ilhas britânicas.’ (Sarmento 1896: 59). 57 ‘[T]empos
depois [de os Lígures expulsos do Báltico se terem refugiado na Inglaterra]
os Belgas, que vieram após os Celtas propriamente ditos, deram razão às
antigas apreensões dos Lígures de Douvres [Dover], atravessando o canal
da Mancha e levando à famosa ilha dos Albiões uma perturbação fácil de
imaginar’ (Sarmento 1896: 101). 58 ‘Graças às numerosas lutas, as terras
foram há muito evacuadas; e os Lígures expulsos, como faz o destino a
cada passo a outros, chegaram à terra que habitam agora, quase sempre
entre densas florestas. Nesses lugares são frequentes os recifes e rígidas as
rochas; os cumes dos montes metem-se pelo céu. E foi assim que esta tribo,
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‘O modo de representação colonial na produção
científica das paisagens imaginárias do Passado’
fugitiva por muito tempo, viveu entre desfiladeiros rochososo, afastada das
ondas. Temia o mar em consequência dos perigos passados. Depois a
tranquilidade e o repouso, robustecida a audácia pela segurança, persuadiram-
-nos a sair dos elevados refúgios e a descer mesmo para os locais à borda
do mar’ (Avieno, Ora Maritima, v. 135-145, p. 20-21). 59 Esta oposição
entre as trevas e a luz, é tratada por Martins Sarmento no contexto de várias
lendas gregas e tradições populares portuguesas, e é quanto a nós uma das
mais profundas estruturações metafísicas da sua narrativa histórica. Vd.,
e.g., Sarmento (1894). Além das considerações propriamente mitológicas
que faz sobre as divindades solares, como Agni, Apolo ou Hélios, Martins
Sarmento utiliza os termos ‘escuros’ normalmente para os associar, não só
às divindades das ‘trevas’, como Saturno, Cronos, etc., mas também para
descrever a natureza e a localização dos povos bárbaros. É por isso que
cremos ser tão importante a origem escandinava dos povos ‘do ferro’
defendida a todo o transe por este autor. Não se trata apenas de uma questão
de geografia histórica ‘factual’; é também uma oposição estrutural, e
decerto inconsciente entre o ‘sol’ do Mediterrâneo e a ‘longa noite’ do mar
do Norte. 60 ‘Esta decadência [da vida social da ‘civilização do bronze’ nas
Ilhas Britânicas] será consideravelmente agravada, quando os Belgas,
atravessando o canal, realizarem os temores dos Lígures, subjugando-os,
bem como outras populações da parte oriental [sic; por ‘ocidental’?] da
ilha, forçando as outras a concentrar-se na Câmbria (…). Este último
desastre ainda não se tinha verificado no tempo do anónimo [‘narrador’ do
périplo de Avieno]’ (Sarmento 1896: 74). 61 ‘No entanto é fácil de provar
até à última evidência que nem os Belgas, nem algum povo céltico, dominou
nunca na Câmbria. Por César e Tácito sabemos muito bem que os Sílures,
Ordovices e Demetas, nos quais ninguém deixa de reconhecer os
antepassados dos Câmbrios actuais, tinham um tipo físico absolutamente
diferente dos Belgas invasores’ (Sarmento 1896: 101). ‘Que as coisas
deviam ter-se passado pouco mais ou menos assim, basta ver que as
instituições druídicas, inquestionavelmente pré-célticas, puderam atravessar
todas as revoluções políticas da Gália, conservando até depois da conquista
romana as suas enormes prerrogativas’ (Sarmento 1882: 120). Cf. o mapa
da invasão belga das Ilhas Britânicas reproduzido em Hubert (2001: 217).
62
Sarmento (1890-94: 399). Os sublinhados são nossos. Já antes fizemos
referência a esta metáfora ‘aluvionar’ que se pode identificar nos textos de
Martins Sarmento. Nela, os povos do Norte de Europa são sistematicamente
comparados a uma espécie de invasão descontrolada, de uma enchente
(aqui, uma avalanche) que remete para a destruição de um mundo prévio
ordenado e progressivo. Numa fenomenologia mais vasta, é afinal uma luta
139
Geografias pós-coloniais
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científica das paisagens imaginárias do Passado’
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As lágrimas de Portugal : império, identidade, raça
e destino nas narrativas geopolíticas portuguesas
James D. S idaway
Marc us Power
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era uma arma na arena diplomática, uma fórmula mágica para lidar
com as questões políticas complexas pelo menos até ele ter ficado
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O significado do império
A arte de cartografar e as telas de mapas representam uma
concentração de discursos geopolíticos, tal como mostram muitos
estudos de caso de, por exemplo, cartografias imperiais e geopolíticas
francesas, latino americanas e italianas45. Quando os mapas em
questão têm uma aparência e afirmação brilhante e perspicaz e são
expostos a audiências de massas, estas cristalizações geopolíticas
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Reacções, reorientações e
revolução: ‘a explosão total da revolta’
Reflectindo sobre a Grã-Bretanha na Irlanda, França na Argélia, e
Portugal em África, Ryan95 apontou como:
‘A integração de uma colónia no corpo político de um poder
metropolitano é inerentemente perigoso para o colonizador.
Expõe o poder colonizador a uma explosão total da revolta e
pode estimular descontentamento no resto da sociedade’.
Considerando as dificuldade que Portugal encontrou à medida
que tentou integrar as suas colónias no corpo da (geo)política
metropolitana, um ponto importante é pensar sobre a exposição
do colonizador face a estas iminentes explosões de revolta. Desta
forma, as imagens de ordem construídas por Portugal foram
novamente ‘perseguidas pela periferia’, pois as ‘províncias
ultramarinas’ abriram divisões e em última análise rebeliões
violentas, insurreições populares, e revoluções nacionalistas.
Claro está que, quando estas começaram a despontar através da
‘África portuguesa’, uma variedade complexa de lutas irrompeu,
envolvendo os povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, e milhões de colonos portugueses e
recrutas. Estas histórias interligadas de resistência, colaboração e
subversão num espaço tão vasto como o do ‘Ultramar português’
são vastíssimas e, no entanto, apenas em parte estão documentadas.
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Notas
1
Fernando Pessoa (1888-1935) é reconhecido como o mais conceituado
poeta moderno português. Quintanilha (1971) fornece-nos uma antologia
sua. 2 Taylor (1990 e 1993). 3 Said (1994: xxv). 4 Said (1994: xxv-xxvi).
5
Hamilton (2000: contracapa). 6 Madureira (1995: 28). 7 Feldman-Bianco
(2001: 479). 8 Hall (1996). 9 Medina (1999: 149). 10 Borges-Coelho
(2002). 11 Power (2001), Ribeiro (2002) e Sieber (2001). 12 Existe um
artigo em inglês sobre ‘geopolítica portuguesa’ (Roucek, 1964a), mas
dificilmente se pode considerar um esforço profundo. A obra de Parker
(1985) ‘Western Geopolitical Thought in the Twentieth Century’ não faz
qualquer uso de matéria sobre Portugal. Mais recentemente, e em sintonia
com um conjunto de estudos importantes de uma variedade de abordagens
(por exemplo argentinas, francesas, italianas, japonesas) com a geopolítica,
Sidaway (2000) apresenta uma análise clara de material português e
espanhol, na qual nos baseamos. Sidaway (1999) também considera o lugar
182
‘Lágrimas de Portugal. ’: império, identidade, ‘raça’ e
destino nas narrativas geopolíticas portuguesas
183
Geografias pós-coloniais
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Notas de tradução
Artigo publicado em Environment and Planning D: Society and
Space 2005. vol. 23, p. 527-554, com o título ‘The tears of Portugal’:
empire, identity, ‘race’, and destiny in Portuguese geopolitical
narratives.
Tradução de João Sarmento em 2007, com revisão dos autores. Todas
as traduções de documentos em português citados neste artigo, e que
foram realizadas pelos autores, foram subsequentemente traduzidas
para inglês sem recurso às fontes originais.
i
Posto avançado exposto ao vento.
Agradecimentos
Os coordenadores agradecem à editora Pion a autorização de publicar a
versão portuguesa deste artigo, e a Jurek Wajdowicz / Emerson, Wajdowicz
Studios pela reprodução da figura respectiva.
192
Paisagem e identidade na
construção da nação timorense
João S armento
Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela ventania
que me abre a cortina do céu
e ver, do cimo dos meus montes,
o quadro roxo
de um perturbado nascer do sol
a leste de Timor.
XANANA GUSMÃO
excerto do poema Oh! Liberdade
(escrito na cadeia de Cipinang,
Indonésia em 8 de Outubro de 1995)
194
‘Paisagem e identidade na construção da nação timorense’
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Geografias pós-coloniais
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‘Paisagem e identidade na construção da nação timorense’
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Geografias pós-coloniais
A Identidade Nacional
A ideia de ‘nação’ é em si mesma uma ‘comunidade imaginada’41,
pois a materialização da nação ocorre num espaço no qual os
seus membros têm uma forte ligação entre si, uma ligação que
triunfa independentemente das diferenças que os possam dividir.
A identidade nacional implica a percepção da importância da
localização territorial e da história na formação de elementos que
constroem a sua identidade comum. Tal como argumenta Said42,
202
‘Paisagem e identidade na construção da nação timorense’
Do animismo ao catolicismo
Antes da chegada dos portugueses, os timorenses eram sobretudo
animistas. A religião indígena girava em torno da Terra-mãe,
responsável pelos nascimentos e por tratar dos defuntos, enquanto
o seu equivalente masculino era o Deus do céu ou sol. A primeira
tentativa de introduzir o cristianismo em Timor foi feita pelos
dominicanos por volta de 1556, que converteram 5000 timorenses44.
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‘Paisagem e identidade na construção da nação timorense’
Construindo a identidade…
Num último relance pelas moedas de Timor-Leste, associando
e subscrevendo as ideias de Raento et al110 sobre a produção e
manutenção de narrativas nacionais e a legitimação das estruturas de
poder na mais fina tradição de ‘nacionalismo banal’, penso na planta
de café. As plantações de café foram desenvolvidas pelos portugueses
no século XIX segundo a fórmula clássica do colonialismo (expulsão
da terra e exploração da mão de obra, muitas vezes forçada), mais
tarde exploradas de forma ruinosa pelos indonésios e recentemente
rotuladas como ‘inviáveis’111 pela Comissão de Planeamento de
Timor de 2002. Olho para a ‘moeda do arroz’ e penso no calamitoso
estado em que se encontram os agricultores que tentam comercializar
este cereal, competindo com a produção que chega da Tailândia e do
Vietname (já mais de metade do que se consome no país). No barco
de pesca vejo um passado de pesca que nunca foi, e um futuro que
pouco é. Penso no náutilo e no galo, o primeiro talvez com sentido
se contextualizado num turismo que será difícil de desenvolver,
o segundo num jogo (de apostas ilegais e pernicioso para muitas
219
Geografias pós-coloniais
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‘Paisagem e identidade na construção da nação timorense’
Notas
Uma primeira versão deste artigo foi publicada com o título ‘A
Construção da Nação e Identidade Timorense’ nas Actas da Conferência
Internacional da UGI (União Geográfica Internacional) ‘The Cultural
Approach in Geography – ‘Cultural Aspects in Economic, Social and
Political Geographies’, Buenos Aires, 2007. 1 Este é também o símbolo
do partido político União Democrática Timorense (UDT). 2 Ver Almeida
Serra (2004). 3 Ver Carey (2006) sobre relatos na primeira pessoa da
‘nova’ geração - geração foun ou geração timtim: timorenses que cresceram
e foram à escola sob a ocupação indonésia. 4 A ilha de Timor tem 32,000
km² (sensivelmente a dimensão da Bélgica e ligeiramente superior à área
do Alentejo [NUT II]) e faz parte do Arquipélago Malaio das Ilhas da Sunda
Menor. Presentemente, Timor-Leste é a parte oriental da ilha de Timor e
ocupa uma área de 15,007 km² (ligeiramente maior do que o Estado de
Connecticut). Inclui ainda as ilhas de Ataúro (140 km²), localizada cerca
de 30 km ao norte da costa junto a Díli, a ilha desabitada de Jaco (8 km²),
na ponta leste da ilha, e o enclave de Oecussi (800 km²) no norte de Timor
Ocidental. 5 De acordo com descrições do século XVI – Tomé Pires
(c.1470-1527) e Duarte Barbosa (c.1480-c.1549) – as florestas da ilha de
Timor tinham sândalo branco em abundância (ver Loureiro 2001), e o
comércio começou sem a necessidade de estabelecer qualquer tipo de forte
ou fortaleza permanente. Ao mesmo tempo, se o sândalo tivesse tido a
mesma importância do cravinho, por certo os portugueses teriam
estabelecido de imediato um assentamento/fortificação mais permanente.
6
Foi desde Lifau que o sândalo foi explorado durante os 200 anos seguintes.
No início do século XVII, a produção de sândalo era sensivelmente igual
a 280 toneladas (Loureiro 2001). 7 Boxer (1968) in Costa (2002). 8 No
contexto do arquipélago da Insulíndia, a divisão entre malaio e melanésio
(ou papua) foi introduzida por observadores externos no século XIX. Na
altura, a parecença física era entendida como reveladora da cultura e mesmo
do carácter moral (ver Schouten 2001). 9 Fox (2000). Figueiredo (2003)
refere-se a 71 reinos em 1910 na parte Leste de Timor. 10 Ver Seixas (2006).
11
Costa (2002). 12 Castro (1862 in Fox 2000:16). 13 Em consequência de
um acordo não autorizado, o governador em Timor concordou em ceder a
parte oriental das Flores e ilhas vizinhas, em troca de um pagamento
imediato de dinheiro. Como resultado em 1854 foi negociado um tratado
221
Geografias pós-coloniais
222
‘Paisagem e identidade na construção da nação timorense’
223
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Lagos: ensinamentos da maior
metrópole da África subsaariana
Matthew G andy
O modelo caos
232
‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
233
Geografias pós-coloniais
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‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
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Geografias pós-coloniais
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‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
A cidade pântano
Como nota Enwezor, estudos sobre a cidade africana já há muito
reconheceram a mudança no paradigma urbano que tomou lugar
quando a antiga organização espacial colonial – desenhada para
excluir, controlar e ocupar – começou a subordinar-se às demandas
das culturas urbanas pós-coloniais15. No entanto, alguns dos
elementos da crise que confronta a região metropolitana de Lagos
reportam para a era colonial. A ilha de Oko, casa dos pescadores e
agricultores Yoruba, foi renomeada e transformada pelos portugueses
num ocupado centro de comércio de escravos e porta de saída para
o Brasil, desde o século XVI. Lagos foi governada como colónia da
Coroa por diversos anos, enquanto a United African Companie de
George Goldie estabelecia o monopólio sobre o Delta da Nigéria,
comercializando óleo de palma para o gin. Em 1884 a Conferência
de Berlim destinou o protectorado da região à Inglaterra. Em 1904,
as excursões militares de Frederick Lugard a montante do Níger
tomaram conta da ‘cintura intermédia’ e do califado do norte de
Sokoto. Lugard estabeleceu um tipo de administração assente no
governo indirecto, organizando recepções oficiais para introduzir o
retrato da rainha Victoria aos emires locais, os Hausa-Fulani. Aquele
encontrava as formas de hierárquicas de organização social destes
últimos melhor adaptadas à governação colonial indirecta do que
as estruturas de poder mais descentralizadas dos Yoruba e dos Igbo.
Em 1914 os protectorados do Norte e do Sul foram forçadamente
amalgamados por forma a permitir a criação da colónia da ‘Nigéria’,
um nome supostamente seleccionado por Flora Lugard, a mulher do
administrador colonial.
Em Lagos, a disjunção entre os modos de vida das elites coloniais
e das maiorias africanas foi sempre extrema. As vilas europeias
com largas varandas e extensos jardins contrastando com o
crescente congestionamento do ‘quarteirão africano’, bem como
o abastecimento de gás, electricidade e iluminação dos bairros
das classes altas e das suas áreas comerciais surgiam, uns como
outros, comparáveis aos das metrópoles coloniais dos centros dos
impérios. As margens de lucro do óleo de palma e do comercio de
algodão aumentaram o empenhamento dos brancos na organização
237
Geografias pós-coloniais
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‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
A ressaca de Segunda-feira
Em 1966 um atentado por parte dos jovens oficiais Igbo para tentar
resolver aquilo que viam como a vertente contra-sulista da estrutura
de comando militar, resultou numa contra-resposta por parte dos
oficiais do norte que, liquidando a tentativa de secessão dos Igbo do
sudeste numa guerra civil de trinta meses, reforçaram o seu domínio.
Na altura da rendição do Biáfra, em 1970, a desestabilização
económica da região conduziu a vagas de migrações de população
para Lagos. A guerra também exacerbou as divisões sociais do
capital, tendo contribuído para uma brutalização da vida quotidiana
dada a circulação corrente de armas e outro tipo instrumentos bélicos
provenientes da guerra que eram trocados no submundo de Lagos.
Depois dos atentados de secessão, o abarcar do supremo conselho
militar (SMC) sob a ordem do General Gowon, produziu uma
reconfiguração da federação tripartida em doze novos estados. A
cidade de Lagos era agora integrada, ao nível administrativo, com a
sua crescente zona costeira e de interior, e, com a subida dos preços
do petróleo desde 1973, esta aparecia também como fisicamente mais
integrada, à medida que as antigas áreas de da classe trabalhadora iam
sendo dizimadas para dar lugar às redes de betão (pontes, viadutos,
passadiços, etc,). Os vestígios misturados destas áreas representam
talvez a o mais impressionante legado da alta do petróleo, quando as
entradas nas finanças governamentais multiplicaram sessenta vezes.
Tais estruturas delapidadas hoje em dia circundam grande parte do
coração da cidade, lançando as suas sombras sobre as barracas e
tendas que colonizaram todos os recantos disponíveis.
239
Geografias pós-coloniais
240
‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
241
Geografias pós-coloniais
Espaço dívida
Estas são as condições de vida que subjazem o desenvolvimento
da vasta economia informal de Lagos. Com os altos preços dos
produtos alimentares importados, do vestuário e outros bens
essenciais, e com ganho diário de menos de um dólar, as estratégias
quotidianas de sobrevivência de muitas famílias dependem em
grande medida da troca e improviso. As redes de vizinhança de
famílias e amigos co-operam para construir barracas e partilhar
amenidades; isto frequentemente resulta em redes de micro-
comércio, produzindo disputas em torno dos recursos ou turfa, co-
existindo com cadeias mais agressivas de exploração e controlo. O
resultado é uma mistura volátil que pode facilmente explodir em
violência entre comunidades, especialmente nas zonas de intensa
interacção tais como os espaços de mercado. Tal como acontece com
outros admiradores da economia informal, Koolhaas parece ignorar
a estrutura profundamente hierarquizada e frequentemente coerciva
deste tipo de economias, e não estabelece diferença entre pequenos
(ou mesmos maiores) empresários e comerciantes que ocupam os
seus cumes, e a massa daqueles que fragilmente sobrevivem na sua
base20.
O mercado informal possibilita uma complexa redistribuição de
recursos entre aqueles que estão situados fora do sector formal.
Mas este não conduz necessariamente a qualquer processo maior de
acumulação e crescimento, pois não pode ser abstraído do sistema
económico e do contexto político mais vasto; o desaparecimento
virtual do sector manufactureiro; a devastação das economias
locais rurais; o saque das rendas do petróleo pelas elites militares.
De acordo com um relatório oficial referido brevemente após a sua
queda, cerca de $12bn das finanças públicas estavam em falta durante
o governo de Babangida21. Thatcher, uma calorosa admiradora de
Babangida, na sua visita de 1988 motivou o lider a trocar o seu
uniforme militar por um fato de negócios, mas o general preferiu
242
‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
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Geografias pós-coloniais
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Geografias pós-coloniais
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‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
Cidade de Deus
Desde início de 1990 verificou-se uma explosão de religiosidade
na Nigéria. Enquanto que no Norte este movimento tomou a forma
de apoio aos shari’a contra o corrupto e semi-defunto sistema
judicial da elite muçulmana, em Lagos o movimento foi dominado
por correntes de cristianismo carismático e de Pentecostes. Símbolos
de fervente adesão aos princípios das igrejas evangélicas dominam
a cidade: cartazes anunciam a salvação, rótulos feitos de pára-
choques proclamam ‘Apenas Deus pode salvar a Nigéria’, uma
zona de vastas novas igrejas encontra-se em construção na franja
urbana. O jovem novelista Chimamanda Ngozi Adichie chamou à
atenção para a ligação entre a nova corrente evangélica do torne-se
rico rapidamente’, que conquistou largas secções da classe média, e
a supressão de alternativas políticas desde 1994:
Entre o trauma de uma eleição democrática anulada, em
face de um governo brutal e uma de sociedade civil estéril,
os nigerianos voltaram-se para uma nova vaga cristão. Foi
hilariante; intensamente focado nos progresso material com
os pastores citando as escrituras que retratam a riqueza como
virtude espiritual; e foi alto... A religião tornou-se a nossa
247
Geografias pós-coloniais
Urbanismo amorfo
248
‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
Notas
1 Outras exibições recentes devotadas a Lagos incluem Depth of Field
249
Geografias pós-coloniais
conduzida por um grupo de oito para vinte e cinco milhões”. Aqui, Koolhaas
parece ecoar a máxima de Joseph Beuys, “qualquer um pode ser artista”.
Rem Koolhaas/Harvard Project on the City , “Lagos”, in Francine Fort and
Michel Jacques (2001: 652, 719). 6 Jameson (2003: 66). Os primeiros
dois volumes da série Projecto da Cidade são Great Leap Forward, sobre
o desenvolvimento do delta do Rio Pearl, e Guide to Shopping (os dois
publicados – Cologne 2002). 7 Koolhaas (2003: 175); ver ainda O. Fort
e M. Jacques (2001: 6). 8 O. Fort e M. Jacques (2001: 718). 9 O. Fort e
M. Jacques (2001: 652). 10 R. Koolhas (2003: 177). 11 R. Koolhas (2003:
177). 12 O. Fort e M. Jacques (2001: 674, 686). 13 R. Koolhas (2003: 181,
183). 14 O. Fort e M. Jacques (2001: 719, 653). 15 O. Enwezor et al. (2003:
13). 16 Consultar Ayodeji Olukoju (2003). As respostas críticas à LEDB
por parte dos habitants de Lagos podem encontrar-se no Daily Service de
Lagos. 17 Consultar Terry Karl (1997: ch. 9); Ike Okonta e Oronto Douglas
(2003). 18 Paul Okunlola, correspondente em Lgos do Guardian em temas
urbanos e ambientais, entrevista com o author, 1 de Maio de 2003. Ver
o extraordinário plano de dois volumes – Master Plan for Metropolitan
Lagos - preparado entre 1974 e 1980 por Wilbur Smith and Associates em
colaboração com o o grupo de projecto do UNDP e o governo do estado
de Lagos. 19 M. D. Yusufu, anterior inspector geral da polícia, citado em
Karl Maier (2002: 45). 20 Empregados de escritório desempregados foram
sendo absorvidos na economia informal e trabalham na reciclagem de lixo,
transportes, serviços de segurança, produção e comércio de artesanato.
Consultar Babatunde Ahonsi (2003: 140). Em geral, a literatura académica
tem ainda que deitar mão às realidades da vida na cidade; para uma evocação
literária, ver Helon Habila (2002). 21 Relatório do Painel de Reorganização
e Reforma do Banco Central da Nigéria, (‘Panel on the Reorganization and
Reform of the Central Bank of Nigéria’), Okigbo Panel Report, September
1994. 22 Barclays, Citibank, HSBC, Merrill Lynch e cerca de uma dúzia
de outros bancos estiveram implicados na transacção de dinheiro roubado
pelo regime de Abacha e os seus cúmplices internacionais: Kwesi Owusu
(2001). Ver também Maier (2002: 4-5). 23 Não obstante, a Lagos State Water
Corporation rompeu negociações em 2002, tendo registado resultados muito
aproximados aos do desastre da privatização em Buenos Aires, Manila, e
outros pontos. Olumuyima Coker, Chief Executive Officer, Lagos State
Water Corporation, entrevista com o autor, 6 de Maio, 2003. 24 Mike Davis
(2004: 10-11). 25 Residentes no estado de Ikota, na península de Lekki, por
exemplo, testemunharam que a Lagos State Water Corporation tentou levar
canos de água até à área, mas estes foram vandalizados durante a noite pela
acção de criminosos ao serviço do comércio privado de água. Entrevistas
250
‘Lagos: ensinamentos da maior metrópole da África subsaariana’
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Nota de tradução
Artigo original em língua inglesa: Learning from Lagos. In New Left
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em 2007, com revisão do autor.
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