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2ª Quinzena

Tema da Coletânea para leitura: “DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA” ALIADAS


ÀS QUESTÕES DE “RESPONSABILIDADE SOCIAL” E “MEIO AMBIENTE”.

Nesta quinzena, você lerá diversos textos sobre um dos direitos humanos

fundamentais de todo cidadão: o direito à moradia associado à questão das

ocupações urbanas, suas causas e impactos nas cidades. Ao lê-los, procure refletir

acerca do posicionamento dos autores, bem como construir seu próprio ponto

de vista a respeito do tema.

Boa leitura!
TEMAS ATUAIS E FORMAÇÃO HUMANA

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TEXTO

BRASIL TEM 6,9 MILHÕES DE FAMÍLIAS SEM CASA E


6 MILHÕES DE IMÓVEIS VAZIOS, DIZ URBANISTA

Fernanda Odilla, Nathalia Passarinho e Luís Barrucho


Da BBC Brasil em Londres
Publicado em 7 maio 2018

Edésio Fernandes: ‘É importante que a lei determine


onde o pobre vai viver’

O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo e foi ao chão no centro
de São Paulo, não apenas escancarou o problema do déficit habitacional no Brasil como jogou luz
sobre a situação dos imóveis vazios que, mesmo sem condições adequadas, atraem milhares de
pessoas em busca de teto.

O país tem, pelo menos, 6,9 milhões de famílias sem casa para morar. Tem também cerca de 6,05
milhões de imóveis desocupados há décadas.
Esse descompasso, que já havia sido indicado pelo Censo de 2010, tem motivado uma onda de
ocupações e invasões em uma escala jamais vista no país, diz o urbanista Edésio Fernandes, professor
TEMAS ATUAIS E FORMAÇÃO HUMANA

de direito urbanístico e ambiental da UCL (University College London).


“A diferença das ocupações tradicionais está no volume. Não se sabe quantas pessoas vivem dessa
forma, sem falar das práticas precárias de aluguel e o surgimento dos cortiços, sobretudo nas áreas
centrais, agravado pelo crescimento da população de rua”, diz Fernandes, pontuando que as novas
ocupações são maiores que muitos municípios brasileiros em termos populacionais.
O professor cita como exemplo dessa nova onda a ocupação batizada de Izidora, em Belo Horizonte.
Formada por três vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória), Izidora reúne 30 mil pessoas numa
área de cerca de 900 hectares ocupada a partir de 2013. Fernandes cita também a ocupação Povo Sem
Medo, de São Bernardo, que em uma semana já tinha reunido 6 mil pessoas no ano passado.

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Fernandes diz que o problema é a falta de leis para definir onde os mais pobres vão morar. “Não
há planejamento e pensamento sobre onde vão viver os pobres. (...) Os centros de cidades estão
perdendo população, mas o lugar dos pobres é cada vez mais a periferia”, afirma o professor, que é
membro da Development Planning Unit da UCL.
Para resolver esse problema, diz Fernandes, a solução não passa apenas por facilitar a aquisição de
propriedades para quem tem baixa renda. Ele defende uma mescla de políticas públicas, que incluem
também propriedades coletivas, moradias subsidiadas e auxílio-aluguel como medidas necessárias para
acabar com o déficit habitacional, que é maior entre famílias que têm renda entre zero e três salários
mínimos - cerca de 93% dos 6,9 milhões de famílias sem teto têm renda de até R$ 2,8 mil.
É por isso que a arquiteta e urbanista Joice Berth defende reservar cotas habitacionais em espaços
com mais infraestrutura para negros.
“A gente precisa desfazer o modelo de casa grande e senzala”, afirma Berth, dizendo que bairros
como Pinheiros e Itaim Bibi, em São Paulo, são bairros mais brancos e com maior renda “onde a
negritude não pode estar”.
A arquiteta pontua que “brancos e pretos pobres se parecem, mas não são iguais”. Por isso, ela
defende cotas não apenas em programas de aquisição de imóveis em conjuntos habitacionais, mas
também uma política que garanta acesso direto à terra aos negros.

Para o arquiteto francês Philippe Rizzotti, o edifício Wilton Paes de Almeida,


que pegou fogo na capital paulista, era um ‘dos marcos da arquitetura’
TEMAS ATUAIS E FORMAÇÃO HUMANA

Ela também acredita que está na hora de radicalizar as pautas. “Até porque com o advento das
cotas (na educação) temos pessoas com novo olhar”, observa.
Em relação às ocupações, Berth diz que a solução pode passar por reformar esses imóveis e manter
os moradores que lá estão.
O professor Edésio Fernandes, no entanto, observa que o “Brasil não tem tradição nem know how”
para transformar imóveis comerciais em residenciais, e isso pode encarecer e dificultar essa conversão.
“Faltam tradição e tecnologia”, salienta.

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Perversidade
Fernandes observa ainda que programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) deixaram a
desejar. Na avaliação dele, além de não atender com prioridade a população com renda mais baixa, o
MCMV oferece imóveis de baixa qualidade construtiva e ambiental.
O professor lembra, no entanto, que o Brasil não é o único país a enfrentar dificuldades para manter
uma política habitacional de qualidade. Fernandes cita o incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de
127 apartamentos para pessoas de baixa renda em Londres, que usou material de baixa qualidade e
inflamável em uma reforma antes da tragédia que matou 71 pessoas.
Ele também compara o incêndio da torre britânica com o do prédio do centro de São Paulo.
“Os dois incêndios revelam muito mais do que a falência de um modelo e de uma política, revelam a
perversidade dessa forma de se fazer cidade e moradia”, afirma.
A falência, acredita Fernandes, também se estende ao sistema de representação política e reflete
a falta de mobilização da sociedade para demandar seus direitos.
“Sobretudo, é a falência da nossa história de não confrontar a estrutura fundiária, segregada e
privatista”, diz.
Fernandes e Berth conversaram com a BBC e defenderam mudanças na política habitacional
brasileira no sábado, durante palestra no Brazil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros
no Reino Unido.

FONTE: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-44028774>. Acesso em: 22 maio 2018.

TEMAS ATUAIS E FORMAÇÃO HUMANA

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TEXTO

POR QUE EXISTEM TANTOS PRÉDIOS ABANDONADOS


EM SÃO PAULO?

Letícia Mori
Da BBC Brasil em São Paulo
Publicado em 10 maio 2018

O incêndio que levou ao desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, na semana passada,
atraiu a atenção para outras dezenas de prédios abandonados em São Paulo e para a aparente
contradição entre a alta demanda por moradia e a quantidade de prédios vazios na cidade.
Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, 708 edifícios não utilizados já
receberam notificações por não estarem cumprindo a função social da propriedade - uma exigência
da Constituição Federal.
Há também uma grande quantidade de prédios que, abandonados pelos donos, acabaram sendo
ocupados por movimentos de luta por moradia - são 70 imóveis nessa situação apenas no centro da cidade.
“O centro de SP está em piores condições que os de todas as grandes cidades da América Latina”,
diz o arquiteto e urbanista Álvaro Luis Puntoni, professor da Faculdade de Arquitetura da USP e da
Escola da Cidade. “A região é um retrato da degradação.”
As vidraças quebradas e fachadas desbotadas em prédios que já foram símbolo da prosperidade
de São Paulo formam um cenário difícil de entender: como pode uma área com tantos empregos e
tanta infraestrutura urbana ter tantos imóveis degradados? O que explica a quantidade de prédios
abandonados em uma cidade superpovoada e carente de espaço?
Função social
Pela legislação, o poder público tem o dever de interferir em propriedades que não cumprem sua função
social - ou seja, que não sejam utilizadas para moradia ou para atividades econômicas, sociais e culturais.
Desde 2014, São Paulo adotou o IPTU progressivo: se os donos não derem uso ao imóvel, ele
passa a ter um imposto cada vez mais caro.
A partir do quinto ano, o imóvel pode ser desapropriado e o proprietário recebe títulos da dívida
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pública como indenização.


Como a lei ainda não fez cinco anos, não houve desapropriações, mas já foram notificados 1.385
imóveis: os 708 vazios, mais 457 não edificados e 220 subutilizados. Segundo a Secretaria Municipal de
Urbanismo e Licenciamento, só 99 deles passaram a cumprir as obrigações após a advertência.
Mesmo antes da lei, já era possível desapropriar imóveis – a diferença é que a indenização não
poderia ser paga em títulos da dívida pública. Para a arquiteta Nadia Somekh, professora emérita da
Faculdade de Arquitetura do Mackenzie e ex-diretora do DPH (Departamento de Patrimônio Histórico),
o problema é que “não há priorização para questão da habitação” por parte do poder público.

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“Não há recursos, não há gestão adequada. Tem que mudar o foco. Há muito investimento em
asfaltamento, que dá voto com a classe média, e em limpeza urbana, porque as pessoas não têm
educação ambiental.”
Puntoni também acredita que é preciso dar mais atenção à questão da função social. “A lei deveria
ser aplicada. Em Portugal, se um edifício fica 5 anos abandonado, ele automaticamente passa para o
governo”, exemplifica.
Ele também diz que a solução para o déficit habitacional passa, necessariamente, pelo
reaproveitmento dos prédios abandonados.
“É menos custoso recuperar do que construir. Nos cálculos de novas unidades necessárias, já
deveríamos levar em conta o potencial de reaproveitamento”, diz o urbanista.
Recuperar é mais barato porque não é apenas uma questão relativa ao valor das unidades em si,
mas de toda a infraestrutura urbana que já existe nas áreas centrais.
“Quando você faz uma unidade habitacional em área periférica, desprovida de estrutura, você
tem o custo de fazer a cidade chegar até ali: saneamento, ruas, transporte público.”
Como o centro foi se degradando?
O abandono do centro é parte de um processo que começou nos anos 1970, segundo o professor
de arquitetura Valter Caldana, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“A Lei de Zoneamento de 1972 desenhou uma cidade onde o centro não se encaixava”, explica ele.
“Ela descuidou do centro pois tornou outros bairros mais atraentes, não só para o mercado imobiliário.”
Conforme os paulistanos mais ricos foram deixando as avenidas Ipiranga e São João, os grandes
equipamentos urbanos foram migrando junto. Os bancos foram para a av. Paulista, os shoppings foram
construídos em outros bairros.

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Grandes obras viárias como o Minhocão foram um dos fatores


responsáveis pela degradação do centro

Grandes obras viárias intensificaram o processo de esvaziamento. “A construção de grandes


terminais de ônibus e do Minhocão, por exemplo, reforçou a ideia de que ali é uma região de passagem:
não fique aqui, você não pertence a este lugar.”

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“A falta de segurança e limpeza da região são muitas vezes usadas com explicação para o abandono,
mas na verdade a degradação veio depois que as pessoas saíram, não o contrário”, avalia Caldana.
O desinteresse econômico levou a outro efeito colateral: a manutenção dos prédios vazios e o
acúmulo de dívidas do IPTU se traduziram em prejuízo para os proprietários que, por sua vez, acabaram
abandonando as edificações.
Por que o problema persiste?
Uma das reclamações frequentes do mercado imobiliário é que a burocracia para aprovar a reforma
de prédios antigos é tão grande que acaba inviabilizando as obras. Para o economista Marcos Lisboa,
presidente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), muitas vezes há exigências demais. “Há um excesso
de regulação, uma infinidade de órgãos e agências que muitas vezes fazem exigências contraditórias
entre si. É tão difícil recuperar o que é antigo que acaba se abandonando”, diz ele.
Segundo Lisboa, é preciso ter uma legislação mais simples e mais flexibilidade para a reforma
prédios antigos, cuja estrutura muitas vezes dificulta a adequação a detalhes da legislação moderna -
como algumas regras de acessibilidade, por exemplo.
O tombamento, diz ele, é um problema ainda maior. “É claro que é preciso preservar o patrimônio,
mas no Brasil se tomba demais. Há três instâncias de tombamento, com regras excessivamente
minuciosas”, afirma.
“O resultado é paradoxal - na tentativa de preservar exatamente como era, acaba-se congelando
e dificultando a preservação.”
Para Nadia Somekh, no entanto, não é apenas uma questão de burocracia. “Muitos proprietários
não colocam os prédios no mercado porque estão esperando lucrar mais no futuro com uma valorização
da área”, diz ela. “Há inclusive uma forte pressão na Câmara dos Vereadores para que não se efetive
o cumprimento (da lei que permite desapropriação em prédios que não cumpram sua função social).”
“A legislação não pode ser um problema. Quando eu estava no DPH eu pedia: bota na minha
mão os projetos de habitação que a gente faz rápido, a gente flexibiliza”, afirma ela. Muitos prédios
também não são colocados no mercado por conta de problemas judiciais, disputas familiares entre
herdeiros e o próprio acúmulo de dívidas com IPTU.
Limbo
Para Caldana, mesmo quando se fala de programas de habitação social, a preferência das
construtoras é por terrenos na periferia: como são mais baratos, possibilitam um lucro maior com cada
unidade construída, já que há um limite de preço nas moradias populares.
Assim, os prédios abandonados na região central ficam num “limbo”: estão numa região valorizada
demais para habitação social, mas não considerada nobre o suficiente para dar lucro em projetos
voltados para classes mais altas.
Segundo o urbanista, a recuperação desses espaços precisa de uma ocupação de uso misto –
tanto do ponto de vista de misturar habitação e comércio quanto na ideia de abrigar diferentes perfis
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sociais e culturais. “Não basta repovoar com um único perfil socioeconômico. Reviver o centro não é
expulsar as pessoas que estão lá. É promover um uso misto que garanta o equilíbrio.”
Ainda na avaliação de Caldana, as leis existentes foram se acumulando sem que houvesse um
planejamento por trás. “A política pública de desenvolvimento urbano, principalmente na questão de
habitação e de mobilidade, tem que acima de tudo ser resultado de desenho, de um projeto”, diz ele.
“Precisamos primeiro decidir qual é o tipo de cidade que queremos e depois fazer as leis, as linhas de
créditos e as outras políticas necessárias para concretizar.”

FONTE: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43967305>. Acesso em 16 jul. 2018.

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TEXTO

INVASÃO OU OCUPAÇÃO DE TERRAS? QUEM É O


VILÃO NESTA HISTÓRIA?

Delze dos Santos Laureano1


Publicado em 25/04/2009

Às vezes dá até preguiça de ficar explicando todo dia o óbvio. Mas, é recorrente o mesmo fato.
Toda vez que noticiamos a ocupação de terras rurais ou urbanas por famílias empobrecidas, o senso
comum fala mais alto. Usualmente vamos ouvir de muitos dos nossos interlocutores: “Não sou contra
a distribuição de terra e casa para quem precisa, mas tem muito oportunista no meio desta gente que
só quer tirar proveito e vender depois a terra que ganhou do governo!” Outras vezes ouvimos: “Não
podemos admitir o uso da violência pelos sem-terra ou sem-teto. Por que eles não fazem como eu que
trabalhei muito para ter a minha casa!” Podemos ouvir ainda: “O que sou contra é a invasão de terra
que tem dono, a propriedade tem de ser respeitada. Precisamos de segurança jurídica!”
Desde já posso garantir que todas essas afirmações são falsas. Vemos que a falta de informação
acaba levando as pessoas, mesmo trabalhadoras, a repetirem o discurso das elites, capitaneado pela
mídia subserviente desses interesses. Para provar o que afirmo vou começar bem do começo. Primeiro,
toda grande propriedade no Brasil é injusta. Desafio alguém que consiga me provar que qualquer
latifúndio existente no Brasil tenha sido comprado com dinheiro ganho honestamente. Todas as
grandes propriedades, rurais e urbanas, resultaram de vantagens obtidas junto ao poder do Estado,
com a grilagem de terras ou é fruto de herança, algo que perpetua a desigualdade entre as pessoas.
Podemos citar, por exemplo, as grandes áreas adquiridas durante o regime das sesmarias. Enquanto
em Portugal o donatário tinha de prestar contas do que produzia na pequena extensão de terra que
recebia, no Brasil a doação de terras virou motivo de escândalos.
Em 1850, já no Segundo Império, ao ser promulgada a primeira Lei de Terras – Lei 601/1850,
a obrigação legal imposta a todos os donatários foi a de que medissem as suas terras e fizessem o
registro nas Paróquias respectivas. Muitos donatários não o fizeram, portanto caíram em comisso, ou
seja, as terras que possuíam, ou as que passaram a seus herdeiros, perderam a legitimidade inicial e
são devolutas. São terras públicas pertencentes à União federal ou aos Estados membros, por força do
que dispõe a Constituição de 1988 nos artigos 20, II, e 26, IV. Essas terras destinam-se prioritariamente
à Política Agrícola e de Reforma Agrária. No Estado de Minas Gerais, a titulação das terras devolutas
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em nome do atual possuidor é limitada a 250 hectares na zona rural, e em 500 metros quadrados na
zona urbana. Em nível federal o limite é de 100 hectares, conforme dispõe Lei 6383/76. Infelizmente,
agora, o presidente Lula assinou a Medida Provisória 458/09, que permite a legalização/titulação das
terras griladas na Amazônia. Os primeiros 1500 hectares podem ocorrer de forma gratuita, outros 1.500

1
Delze dos Santos Laureano – Advogada, mestre em Direito pela UFMG, doutoranda em Direito pela PUC-Minas, professora
de Direito Agrário na Escola Superior Dom Hélder Câmara, em Belo Horizonte, MG; Integra a Rede Nacional dos Advogados
Populares – RENAP

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hectares podem ser adquiridos por meio de licitação. Como vemos, ao invés de avanços, retrocede a
legislação agrária no país, o que apenas torna mais injusta ainda a nossa Política Agrária.
Mas, vamos imaginar que o donatário, tendo recebido um imenso latifúndio tenha medido a
terra e realizado o registro. Toda essa extensão de terra, desde a confirmação da sesmaria deveria
estar cultivada ou aplicada a alguma atividade agrária e cumprindo a função social, simultaneamente
nos aspectos econômicos, ambientais e sociais. Tudo conforme já previa o Estatuto da Terra em 1964
e agora nos moldes estipulados pelo Art. 186 da Constituição de 1988. Caso contrário, devem ser
desapropriadas para fins de reforma agrária.
Não podemos nos esquecer de que a maioria dos grandes proprietários ocultou por muito tempo
a real extensão de suas terras para não pagar o valor devido do ITR – Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural -, previsto na Constituição como um imposto progressivo, Art. 153, de modo a
desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. Como a bancada ruralista existente no
Congresso Nacional tem um peso muito grande nas decisões, não há efetivamente a valorização deste
comando constitucional. O valor arrecadado com o ITR no país inteiro é insignificante. A reforma agrária,
que deveria ser financiada com essa arrecadação, conforme a destinação prevista no Estatuto da Terra,
continua sistematicamente adiada.
Os índices de produtividade utilizados pelo INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária – para
a avaliação do cumprimento da função social do imóvel rural, sob o aspecto econômico, são ainda os
de 1975, permitindo a manutenção das atividades do agronegócio de baixa produtividade, inclusive da
pecuária extensiva, que é a atividade agrária mais atrasada no Brasil. Some-se que os aspectos sociais,
como a existência de trabalho escravo, a degradação do meio ambiente e os conflitos pela posse da
terra são sistematicamente ignorados pelo Poder Judiciário ao julgar o aspecto do cumprimento da
função social, restando somente o critério da produtividade.
É bom refrescar na memória também a doação de extensas áreas de terras rurais às empresas nas
décadas de 1960 a 1980. O discurso dos militares assentava-se no desenvolvimentismo para contrapor à
reforma agrária. Frases como “Exportar é o que importa!” e “Plante que o João garante!” justificaram as
doações de terras para empresas. Essas se beneficiavam da renúncia fiscal para “desenvolver” o campo. Em
1988 o legislador constituinte entendeu necessário fazer uma revisão de todas essas doações. O dispositivo
inscrito no Art. 51 da ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – nunca foi cumprido pelo
Congresso Nacional, restando mais essa dívida moral para com a sociedade brasileira. Todos os estudos
realizados dão conta de ter ocorrido desde essa época o maior êxodo rural do mundo, expulsando do meio
rural mais de 40% da população brasileira em pouco mais de uma década. A propriedade da terra tornou-se
ainda mais concentrada, enquanto uma massa de trabalhadores passou a disputar um posto de trabalho
na cidade. Porém as oportunidades de emprego tornaram-se cada vez mais escassas, principalmente para
a mão-de-obra excedente do campo, despreparada para o trabalho na indústria e nos serviços urbanos.
Não posso deixar de mencionar ainda as artimanhas utilizadas para a tão conhecida grilagem de
terras. Como os antigos registros basearam-se nas medidas calculadas “no olho” por pessoas que tinham
experiência nesse trabalho, por vezes havia pequenos ajustes a serem feitos, posteriormente, nos registros
dos imóveis. Todavia, as retificações das áreas, na maioria das vezes, são indícios claros de legalização de
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terras solapadas dos antigos possuidores, normalmente pessoas pobres que foram constrangidas/violentadas
para abandonarem suas terras por não possuírem o título de domínio. Muitas vezes são terras devolutas,
que devido à inércia dos governos, desde 1850, nunca foram discriminadas, permanecendo na posse de
grandes empreendedores, como são as empresas eucaliptadoras em Minas Gerais. Considerando que os
cartórios são negócios privados no Brasil, portanto controlados pelos donos do poder, muitos documentos
foram forjados e não resistem a um levantamento idôneo da cadeia dominial do imóvel.
Finalmente, cabe falar do problema dos imóveis urbanos. A especulação imobiliária urbana é
conhecida de norte a sul, de leste a oeste do Brasil. Todos sabem que terra não tem um valor intrínseco,
senão as obras e o trabalho realizados sobre a sua superfície ou o serviço que pode ser vendido em

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razão do seu direito de uso. Muitos proprietários urbanos ganham dinheiro beneficiando-se dos
melhoramentos públicos realizados na região. Assim, detêm uma área de terra, não porque precisam
ou porque efetivamente podem dar uma função social ao imóvel, mas esperando a sua valorização.
Só que essa valorização ocorre em razão da aplicação dos recursos de toda a sociedade e que,
portanto, deveriam ser revertidos em benefício de toda a sociedade. Mecanismo para isso existe na lei,
como, por exemplo, a cobrança do IPTU progressivo, expressamente previsto na Constituição federal, ou
a contribuição de melhoria em razão de obra que supervalorize o imóvel. Porém, como a propriedade é
vista como direito absoluto, intocável, ela é sempre protegida pelos titulares do poder, ainda que contra a
dignidade da pessoa humana. Basta ver a quantidade de pessoas que reivindicam um pedaço de chão para
morar ou para trabalhar, enquanto são mantidos os privilégios de uma minoria proprietária que descumpre
o preceito fundamental da função social do imóvel. Por tudo isso, só resta indagar: será que é defensável
em um país com área de 850 milhões de hectares de terra existirem pessoas sem lugar para morar?
Juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos,
é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros
integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito dono
é exigido o cumprimento da função social.
Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu
direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente
à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio.
Ninguém tem a sua posse, como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente
no registro, dar as garantias da ação possessória. A propriedade, aspecto subjetivo, somente garante
ao detentor do título de domínio, o direito à indenização, nos termos do Art. 5º, XXIV da Constituição.
Portanto, errado falar que houve invasão do imóvel pelos atuais ocupantes. Quem é o invasor é aquele
que se diz proprietário sem legitimidade.
Mesmo tendo dito o óbvio, acredito que valha a pena, de vez em quando, refrescar a memória dos
mais desinformados acerca da legitimidade das ações dos que lutam de forma organizada pelo direito
à moradia, pela reforma agrária, pelo direito de ter trabalho e renda. Todos os direitos sociais são tão
protegidos pelas leis brasileiras quanto o direito à propriedade. Ressalvado apenas que o direito à
propriedade sofre a restrição fundamental da exigência do cumprimento da função social, conforme
explicado acima. Melhor pensar como os anarquistas: “Toda propriedade privada é um roubo!” Toda
especulação imobiliária deve ser considerada um roubo e não merece proteção jurídica.
Para concluir, entendemos que os direitos individuais, como o direito de propriedade, que são
os direitos de liberdade, só podem ser invocados se considerarmos na mesma medida o direito de
igualdade. Nesta esteira é que proponho: antes de defendermos os direitos dos proprietários temos
o dever de defender os direitos da maioria da população que vive condenada a uma desigualdade
gritante. Um processo de exclusão mesmo, em um país tão rico como o Brasil. Se depender da boa
vontade dos políticos de plantão nada será feito senão as migalhas assistencialistas. As mudanças
estruturais só vão ocorrer com a luta do povo organizado.
Essa é a nossa bandeira ao apoiar os movimentos sociais que contribuem na construção da via
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democrática popular no Brasil.

FONTE: <https://www.ecodebate.com.br/2009/04/25/invasao-ou-ocupacao-de-terras-quem-e-o-vilao-nesta-historia-artigo-de-
delze-dos-santos-laureano/>. Acesso em: 22 maio 2018.

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PODE INVADIR

As gangues que exploram a invasão de imóveis estão acima da lei

Por J.R. Guzzo
Publicado em 02.05.2018

Invadir prédios ou qualquer outra propriedade imobiliária, seja ela pública ou privada, é crime
previsto no Código Penal; não há casos em que a invasão é permitida. Cobrar aluguel das pessoas
que moram no imóvel invadido, com ameaças e uso da força, também é crime. Quando um prédio
desses pega fogo e desaba em seguida, como acaba de acontecer no centro de São Paulo com um
edifício federal de 24 andares, imagina-se que os crimes ficam mais graves ainda. Imagina-se, enfim,
que os responsáveis pela invasão, que embolsam os aluguéis (no caso, de 250 a 500 reais por mês
por “apartamento”) e controlam cada detalhe do funcionamento do prédio, devam ser processados
e punidos pelos crimes que cometeram. Pode ser assim no resto do mundo, mas não no Brasil. No
Brasil tudo isso é permitido, se os criminosos fazem parte da indústria de invasão de imóveis, descrita
na mídia como “movimento social”, e se o seu chefe é um político “de esquerda” – se ele também for
candidato à presidência da República, então, melhor ainda.
Hoje em dia o governo do estado, a prefeitura municipal, o Ministério Público e a Justiça de São
Paulo (e de muitos outros lugares por este Brasil afora) autorizam quase que oficialmente as invasões
de edifícios em desuso ou terrenos com problemas de escritura. No momento, para se ter uma ideia do
tamanho do buraco, há na cidade mais de 200 imóveis invadidos. Muitas vezes, na verdade, o Ministério
Público proíbe que se tome qualquer medida para expulsar os invasores – mesmo quando há sentença
judicial ordenando a reintegração de posse, a polícia se vê impedida de agir, ou não recebe ordens do
governo do estado para cumprir a decisão da Justiça. De qualquer forma, não há a menor hipótese de
acontecer o que deveria ser a coisa mais normal deste mundo: indiciar em inquérito os organizadores
da invasão e abrir uma ação penal contra eles.
Podem botar na cadeia, condenado a doze anos, até um ex-presidente da República. Mas um líder
dos “sem teto”? Nem pensar. O máximo que as autoridades permitem é que seja feita uma “negociação”.
TEMAS ATUAIS E FORMAÇÃO HUMANA

No caso do prédio que foi ao chão em São Paulo, a prefeitura e os chefes dos “movimentos sociais”
já tinham feito seis reuniões.

FONTE: <https://veja.abril.com.br/blog/fatos/pode-invadir/>. Acesso em: 22 maio 2018.

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FONTE: <https://vasosdopurus.wordpress.com/2016/04/07/charge-auxilio-moradia/>. Acesso em: 22 maio 2018.

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FONTE: <http://acaopopular.net/jornal/esquecido-e-o-auxilio-moradia/charge-auxilio-moradia/>. Acesso em: 22 maio 2018.

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TEMAS ATUAIS E FORMAÇÃO HUMANA

FONTE: <https://pelamoradia.wordpress.com/2013/09/06/quadrinho-sobre-uma-ocupacao-contra-a-criminalizacao-do-
movimento-sem-teto/>. Acesso em: 22 maio 2018.

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