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Dos Tempos
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história da Educação
Vale e ao professor Antonio Trajano Menezes Arruda pelas
sugestões que deram durante a elaboração do texto.
João Cardoso Palma Filho2
2. Doutor em Educação. Professor do Instituto de Artes da Universidade
Estadual Paulista (UNESP).
A Educação na Antiguidade
A Grécia é o berço de nossa civilização, logo se justifica que comecemos nossas refle-
xões, considerando a contribuição dos gregos na área da Educação, mais especificamente, no
âmbito dos ideais de formação humana.
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• Políticos: acentuação do poder, do afã de domínio, de império.
história da Educação
• Educacionais: acentuação do poder volitivo do hábito e do exercício, como atitude
realista, ante a intelectual e idealista grega.
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os momentos, o fundamental é o desenvolvimento da consciência moral, “a profundeza es-
piritual, que nos ilumina a inteligência e faz reconhecer a lei divina eterna” (LUZURIAGA,
1983, p. 76). Entretanto, sua pedagogia não ignora o valor da cultura física, dos exercícios
corporais, assim como da eloquência e da retórica.
De acordo com Gadotti, os “Padres da Igreja” obtiveram pleno êxito no seu mister
história da Educação
educacional e “Criaram ao mesmo tempo uma educação para o povo, que consistia numa
educação catequética, dogmática, e uma educação para o clérigo, humanista e filosófico-
teológica” (1996, p. 52). Quanto ao conteúdo, os estudos medievais compreendiam: - o tri-
vium (gramática, dialética e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e
música).
A partir do século IX, sob a inspiração de Carlos Magno, o sistema educacional apre-
senta-se organizado em três níveis: I - Educação Elementar, ministrada pelos sacerdotes em
escola paroquiais. Essa educação tem por finalidade mais doutrinar as massas camponesas do
que instruí-las; II – Educação Secundária, ministrada nos conventos; e III - Educação Supe-
rior, ministrada nas Escolas Imperiais, onde eram formados os funcionários do Império.
A partir do final do primeiro milênio da era cristã surge a ESCOLÁSTICA que buscou
conciliar a razão filosófica grega com a fé cristã. São Tomás de Aquino foi o maior expoente
dessa nova abordagem intelectual, para a qual a revelação divina era suprarracional, mas não
antirracional. Essa mudança no pensamento cristão medieval se deveu em grande parte ao
embate com os seguidores de Maomé. São Tomás de Aquino procura elaborar uma síntese
entre a educação cristã e a educação greco-romana, procurando, desse modo, estabelecer
uma educação integral que favoreça o desabrochar de todas as potencialidades do indivíduo.
Ou seja, para São Tomás de Aquino, o ensino era uma atividade em virtude da qual os dons
potenciais se tornavam realidade.
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a invenção da tipografia por Gutenberg aumentaram a crença nas possibilidades do homem,
favorecendo o individualismo, o pioneirismo e a aventura. Hoje, diríamos que beneficiou o
empreendedorismo. Desse modo, era inevitável que surgissem novas concepções de educa-
ção e de ensino.
história da Educação
nesse quadro, os ensaios de Michel de Montaigne “Da educação das crianças” e do “Pedan-
tismo”. Todavia, é uma educação que não atinge as grandes massas que permanecem analfa-
betas e incultas. Trata-se de uma educação, basicamente, voltada para a formação do homem
burguês que atinge, principalmente, o clero, a nobreza e a burguesia. Esta, que emerge como
nova classe social, a partir do Renascimento, disputará com a Igreja e a nobreza o poder polí-
tico que, finalmente, conquistará, no século XVIII, com o advento da Revolução Francesa.
De fato, a primeira grande revolução burguesa fora iniciada pelo monge agostiniano
Martinho Lutero (1483-1546). A principal consequência da Reforma Protestante foi a trans-
ferência da escola para as mãos do Estado nos países protestantes. A ruptura de Lutero com o
catolicismo é uma clara decorrência da aceitação dos ideais renascentistas. Mas, como acen-
tua Gadotti (1996, p.64), a escola pública defendida por Lutero não é laica, mas sim religiosa
e também não perde o seu caráter elitista, uma vez que o mesmo entendia que “a educação
pública destinava-se em primeiro lugar às classes superiores burguesas e secundariamente
às classes populares, as quais deveriam ser ensinados apenas os elementos imprescindíveis,
entre os quais a doutrina cristã reformada”. Como se sabe, a Igreja católica reagiu com a
Contra-Reforma encabeçada no terreno cultural e educacional pela Companhia de Jesus que,
para orientar a sua prática no campo educacional, escreveu o manual de estudos “Ratio atque
Institutio Studiorum”. A partir de 1599, esse manual passou a fornecer aos sacerdotes-profes-
sores os planos, os programas e os métodos de educação católica. No Brasil, com a morte do
Padre Manuel da Nóbrega, os jesuítas passaram a seguir fielmente os preceitos educacionais
da Companhia de Jesus, a partir de 1600, consubstanciados na “Ratio Studiorum” e, desse
modo, desenvolveram uma educação que atuava em duas frentes: a formação de elites diri-
gentes e a formação catequética das populações indígenas”.
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A pedagogia realista, que tem Ratke, Comenius e Locke como principais expoentes,
busca substituir o conhecimento verbalista anterior pelo conhecimento das coisas. Para tan-
to, procura criar uma nova didática. Segue reafirmando com mais ênfase ainda a individua-
lidade do educando e, na ordem social e moral, advoga o princípio da tolerância, do respeito
à personalidade e de fraternidade entre os homens.
história da Educação
Ratke introduziu na educação as ideias de Bacon. Muitos dos princípios pedagógicos
enunciados por ele, Locke e, principalmente, Comenius mostram ainda atualidade, tendo
sido, em grande parte, incorporados no fim do século XIX e início do século XX pelo mo-
vimento da Escola Nova.
b) começo da educação nacional, da educação do povo pelo povo ou por seus repre-
sentantes políticos;
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f) acentuação do espírito cosmopolita, universalista, que une pensadores e educadores
de todos os países;
g) primazia da razão, crença no poder racional e na vida dos indivíduos e dos povos; e
história da Educação
Rousseau pode ser considerado, a justo título, um dos precursores da escola ativa moder-
na. Pioneiro no reconhecimento de que a mente da criança é diferente da mente do adulto, viu
na infância uma idade mental distinta da idade do adulto. Tornou-se também um representante
típico do individualismo na educação.
Assim é que entre os autores do Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, assinado
em 1932 por 26 educadores brasileiros, vamos encontrar próceres educacionais que sofreram
influência dessas correntes de pensamento.
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passando a integrar princípios educacionais e a orientar práticas pedagógicas em muitos paí-
ses de economia de mercado.
história da Educação
ferencista suíço; John Dewey, filósofo liberal estadunidense, que mais influência exerceu no
movimento da Escola Nova brasileiro, influência que se deu na pessoa do educador pátrio
Anísio Teixeira.
Para Dewey, educação era ação (learning by doing). Desse modo, o aspecto instrucional
da educação ficava relegado a um segundo plano. Dewey imaginava o processo educacional
como algo contínuo, no qual, permanentemente, reconstruía-se a experiência concreta, ativa
e produtiva de cada ser humano. Para ele, a escola não deveria preparar para a vida, pois a
escola deveria ser a própria vida. Na sua obra “Como pensamos” (1979), apresenta os cinco
estágios do ato de pensar que sempre ocorre diante de um problema. Os estágios são:
a) necessidade sentida;
b) análise da dificuldade;
d) a experimentação de várias soluções, até que o teste mental aprove uma delas; e
e) ação como prova final para a solução proposta que deve ser verificada de modo científico.
Pode-se concluir que, para Dewey, a educação, antes de qualquer coisa, é processo e não
produto, ou seja, o importante é ensinar a pensar. Trata-se do famoso princípio do “aprender a
aprender” que, esquecido durante algumas décadas, retorna valorizado neste início de milênio.
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O educador brasileiro Paulo Freire, cujo pensamento educacional, hoje, é mundialmen-
te reconhecido também sofreu influência do ideário pedagógico escolanovista, embora dis-
cordasse do conservadorismo político que alguns membros desse movimento apresentavam.
história da Educação
atuais, com o avanço das tecnologias de comunicação e de informação, estão levando-nos
a repensar as práticas pedagógicas que, enquanto práticas sociais, não ficam imunes a esse
conjunto de transformações. Os efeitos da terceira revolução industrial (a da informática e
da microeletrônica e da engenharia genética) são até mais profundos do que o impacto que
as duas primeiras causaram. Com as duas primeiras, vimos emergir a preocupação com a
educação das massas populares que desembocou, principalmente a partir do século XIX, na
construção dos grandes sistemas educacionais de massa, impulsionados pelo novo modo de
produção industrial e pela urbanização.
1) Aprender a conhecer.
2) Aprender a fazer.
Como assinala o pensador francês Edgar Morin, os educadores precisam refletir so-
bre a natureza do conhecimento a ser trabalhado pela escola, enfatizando o ensino sobre: a
condição humana, a identidade terrena, as incertezas que cada vez mais assolaram a espécie
humana, com vistas a desenvolver uma educação voltada para a compreensão em todos os
níveis educativos e em todas as idades, que pede a reforma das mentalidades e a considera-
ção do caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/
espécie. Morin conclui que há necessidade de a educação se preocupar com a ética do gênero
humano, tendo em vista estabelecer uma relação de “controle mútuo entre a sociedade e os
indivíduos pela democracia e conceber a Humanidade como comunidade planetária” (MO-
RIN, p. 2001).
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Referências
ABBAGNANO, N.; VISALBERGHI, A. História da Pedagogia. Lisboa: Livros Horizonte, 1981. 4 v.
história da Educação
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 9. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
DUROZOI, Gerard; ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Campinas (SP): Papirus. 1993.
GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996.
LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982, 2 v.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da Pedagogia. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1983.
MANACORDA, Mário Alighiero. História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. 6. ed. São Paulo:
Editora Cortez, 1997.
MORIN, E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Livraria Bertrand Brasil,
2001.
UNESCO. Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez,
1998.
Saiba Mais
• Sócrates - nasceu em Atenas em 470/469 a.C. e morreu na mesma cidade em 399 a.C., condenado devido a uma
acusação de “impiedade”: ele foi acusado de ateísmo e de corromper os jovens com a sua filosofia. Desde a juventude,
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Sócrates tinha o hábito de debater e dialogar com as pessoas de sua cidade. Ao contrário de seus predecessores, Só-
crates não fundou uma escola, preferindo também realizar seu trabalho em locais públicos, agindo informalmente (pelo
menos na aparência), dialogando com todas as pessoas, o que fascinava jovens, mulheres e políticos de sua época.
http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/socrates.html
• Platão - nasceu em Atenas, em 428/427 a.C., e lá morreu em 347 a.C. [...] Platão parece ter sido discípulo de Crátilo,
seguidor de Heráclito, um dos grandes filósofos pré-Socráticos. Posteriormente, Platão entra em contato com Sócrates,
tornando-se seu discípulo com aproximadamente vinte anos de idade e com o objetivo de se preparar melhor para a vida
política. Mas os acontecimentos acabariam por orientar sua vida para a filosofia tendo sido o criador de um vasto conjunto
de obras sobre diferentes temas estudados pela filosofia.
http://geocities.yahoo.com.br/carlos.guimaraes/platao.html
• Aristóteles - (384 - 322 a. C.) - nasceu em Estagira, colônia greco-jônica, na península macedônica da Calcídia. Foi um
filósofo Grego, cientista e educador. Aos 18 anos, Aristóteles transferiu-se para a escola de Platão em Atenas, centro inte-
lectual. Permaneceu nessa Academia como estudante, assistente de pesquisa, conferencista e cientista de pesquisa.
http://www.jcwilke.hpg.ig.com.br/aristo.htm
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• Maiêutica - [Do gr. maieutiké ( téchne).] S. f. 1. Processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as
perguntas a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em questão. [Cf.
ironia socrática.] 2. Obst. V. obstetrícia. (Aurélio Eletrônico).
• Marco Fabio Quintiliano (35-96). Orador e escritor romano, nascido em Calagurris Nassica, hoje Calahorra, Espa-
nha[...]. Estudou retórica em Roma com os maiores mestres de seu tempo, retornou à Espanha (57) e transferiu-se
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definitivamente para Roma (68), onde fundou uma escola particular de ensino de retórica, transformada depois em escola
pública pelo imperador Vespasiano [...]. Professor por cerca de vinte anos, pioneiro como mestre do ensino oficial [...],
sua mais significativa obra foi De institutione oratoria (95), publicada em 12 volumes, onde o autor apresentou diretrizes
para a formação cultural dos romanos, da infância à maturidade.
• Patrística - [Do lat. ecles. patristica (subentendendo-se theologia).] S. f. 1. Ciência que tem por objeto a doutrina dos
Santos Padres e a história literária dessa doutrina. (Aurélio Eletrônico).
• Aurélio Agostinho - nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, a 13 de novembro do ano 354. Indo para Cartago, aderiu
ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu
a solução do problema do mal [...]. Entrementes, depois de maduro exame crítico, abandonara o maniqueísmo, abraçan-
do a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte, chegou a uma
concepção cristã da vida no começo do ano 386. E escreveu inúmeras obras sobre questões filosóficas e teológicas até
seu falecimento a 28 de agosto do ano 430.
• Trivium e Quadrivium - concepções que a Idade Média tinha de suas disciplinas curriculares (e de seu ensino e valor
educativo), as “artes liberais”: o trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Música
e Astronomia).
http://www.hottopos.com.br/mirand9/currref.htm
• Escolástica - [Do lat. scholastica.] S. f. Hist. Filos. 1. Doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos
séculos IX ao XVII, caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão, problema que se resolve pela
dependência do pensamento filosófico, representado pela filosofia greco-romana, da teologia cristã. (Aurélio Eletrônico)
• Revolução francesa - Um dos principais acontecimentos da história universal, sendo considerada o marco inicial
(1789) da Idade Contemporânea. Situada no quadro das revoluções burguesas, que caracterizaram o Ocidente na se-
gunda metade do século XVIII, representou a ascensão política da burguesia no contexto de crise do Antigo Regime
europeu. Apesar de ter levado a burguesia ao poder político, a revolução não foi somente burguesa, contando também
com a participação de camponeses e da massa de pobres urbanos, os chamados sans-culottes, que, em Paris, somavam
cerca de 600 mil.
http://www.historianet.com.br/main/conteudos.asp?conteudo=205
• Martinho Lutero - (1483-1546), teólogo alemão que foi pioneiro da Reforma Protestante na Europa. Frequentou a
Universidade de Erfurt. Ao desenvolver sua doutrina da justificação pela fé, ele desafiou a hierarquia da Igreja Católica
ao colocar em discussão assuntos que diziam respeito ao papel do papado e do sacerdócio, e à necessidade de certos
sacramentos e observâncias. Foi excomungado pelo papa e proscrito do Sacro Império Romano. Sua tradução da Bíblia
para o alemão criou uma nova linguagem literária no norte da Europa.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Contra-Reforma - Renascimento na Igreja Católica Romana entre a metade do século 16 e a metade do século 17.
Tem suas origens nos movimentos reformistas que eram independentes da Reforma Protestante, mas tornou-se cada
vez mais identificada com os esforços de se contrapor à mesma. Houve três principais aspectos eclesiásticos. Primeiro,
um papado reformado, com a sucessão de papas que tinham pontos de vista mais espirituais que seus predecessores
imediatos, e um número de reformas no governo central da Igreja, iniciado por eles. Segundo, a fundação de novas ordens
religiosas, principalmente os oratorianos e, em 1540, a Sociedade de Jesus (jesuítas), e a reforma das antigas ordens,
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principalmente a Reforma Capuchina dos franciscanos. Terceiro, o Concílio de Trento (1545-63) que definiu e clarificou
a doutrina católica na maioria dos pontos de controvérsia com os protestantes e instituiu importantes reformas morais e
disciplinares na Igreja Católica.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Ratio Studiorum - ou Plano de Estudos, que consta de um “currículo básico e princípios pedagógicos gerais comuns
história da Educação
a todos os colégios da Companhia. [...] é um manual para ajudar os professores e dirigentes na marcha diária dos Colé-
gios. [...] uma série de regras ou diretrizes práticas que tratam de assuntos como a direção dos colégios, a formação e
distribuição dos professores”.
http://www.ars.com.br/cav/sil5.htm
• Francis Bacon - nasceu no dia 22 de janeiro de 1561, na York House, Londres. Frequentou a Universidade de Cam-
bridge, e viveu também em Paris. Faleceu em 1626. A obra principal de Bacon é a Instauratio magna scientiarum, vasta
síntese que deveria ter compreendido seis grandes partes. Mas terminou apenas duas, deixando sobre o resto esboços
e fragmentos. As duas partes acabadas são precisamente: I - De dignitate et argumentis scientiarum; II - Novum organum
scientiarum. [...] Trata-se de pesquisas gnosiológicas, críticas e metodológicas, para lançar as bases lógicas da nova
ciência, da nova filosofia, que deveria dar ao homem o domínio da realidade.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm
• René Descartes - (1596-1650), filósofo e matemático francês. Na matemática, Descartes inventou as coordenadas car-
tesianas (assim chamadas em sua homenagem), que permitiram a representação numérica de propriedades geométricas.
Na filosofia, é geralmente reconhecido como um dos fundadores do racionalismo. Procurou delinear as bases da certeza
acerca da natureza do conhecimento, recorrendo para isso ao seu Método da Dúvida. Esse método consiste na suspensão
do julgamento a respeito de toda crença ou convicção até que possa ser mostrado que ela deriva sistematicamente de
crenças mais certas. O objetivo do método é alcançar uma opinião ou crença que não esteja sujeita à dúvida e construir
todo o conhecimento a partir desse fundamento.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Galileo Galilei - nasceu em Pisa na Itália no ano de 1564. inventou o telescópio e, com ele, fez grandes descobertas
que incomodaram a Igreja. Esta, por pouco, não o queimou na fogueira, como fizeram a Giordano Bruno. Em 1592, Galileu
tornou-se professor de matemática na Universidade de Pádua, onde permaneceu por 18 anos, inventando, em 1593, uma
máquina para elevar água, uma bomba movimentada por cavalos, patenteada no ano seguinte. Faleceu em 8 de janeiro
de 1642 em Arcetri, perto de Florença [...]. Apenas em 1822, foram retiradas do Índice de livros proibidos as obras de
Copérnico, Kepler e Galileo.
http://www.fisicahoje.hpg.ig.com.br/galileo.html
• Johannes Kepler - nasceu em 27 de dezembro de 1571 em Weil der Stadt, na Swabia. Kepler compreendeu que a
órbita dos planetas era uma função da atração solar e que apenas elipses, tendo o sol em um dos focos, podiam explicar
convenientemente as órbitas planetárias, concluindo que os planetas se movem segundo elipses das quais o sol ocupa
um dos focos. Para ganhar a vida, conseguiu um emprego de professor em uma pequena escola em Linz, na Áustria, em
1612. Lá, publicou (1618-21) Epitome Astronomiae Copernicanae. Faleceu em viagem para Ratisbona em 15 de novembro
de 1630.
http://www.geocities.com/cobra_pages/fm-kepler.html
• Nicolau Copérnico - (1473-1543), astrônomo teuto-polonês, fundador da astronomia moderna. Em 1543, publicou, em
seu livro De Revolutionibus Orbium Coelestium (Sobre a Revolução das Órbitas Celestes), um modelo heliocêntrico do
sistema solar, conhecido a partir de então como sistema copernicano, cujo centro ficava próximo do Sol, e não da Terra,
como no sistema ptolomaico, mais antigo. O prefácio do livro, que não foi escrito por Copérnico, sugere que o sistema seja
tratado meramente como um artifício matemático simples, mas Copérnico parecia acreditar que fosse verdadeiro. A teoria
heliocêntrica, ao retirar a Terra do centro do palco celeste, despertou uma oposição religiosa feroz.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
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• John Locke - (1632-1704), filósofo e teórico político liberal inglês. Em seu Ensaio sobre o Entendimento Humano
(1690), Locke apresentou uma forma empirista de clarificação dos fundamentos e limitações do conhecimento humano.
Ele se considerava um ‘subordinado’ a serviço das novas ciências do século 17, tendo sido influenciado pela teoria
atômica da química elaborada por Robert Boyle (1627-1691). Locke tentou mostrar que todo conhecimento provém da
experiência e está limitado por ela. Em sua filosofia, distinguiu as qualidades primárias das secundárias, considerando
aquelas como atributos dos objetos materiais e estas como dependentes do sujeito que as percebe.
história da Educação
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Jean-Jacques Rousseau – (1712-78), filósofo social e político franco-suíço. A questão central do pensamento de
Rousseau foi a da possibilidade e forma ideal de conciliar o indivíduo, com sua psicologia complexa e sua singularidade,
com as exigências da sociedade. Em uma de suas principais obras, Do Contrato Social (1762), Rousseau afirmou que a
única forma de salvação das pessoas seria abrir mão de todos os seus direitos em favor de um Estado soberano no qual
cada uma delas fosse um dos membros da legislatura (uma forma de democracia direta e não de democracia representa-
tiva). Ele concebeu uma cidade-Estado, cujos cidadãos se reuniriam para deliberar sobre assuntos de interesse comum
que expressassem a “vontade geral” que, segundo Rousseau, seria necessariamente justa.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Marquês de Pombal - Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (1699-1782) foi Pri-
meiro Ministro de D. José I, sendo considerado, ainda hoje, uma das figuras mais controversas e vincadas da História Por-
tuguesa. Foi um notável estadista que, através de uma política de concentração de poder, com o objetivo de restabelecer
a economia nacional e resistir à forte dependência desta relativamente à Inglaterra, marcou o séc. XVIII e o absolutismo
régio. Expulsou a Companhia de Jesus de Portugal e de todas as suas colônias, por carta datada de 1759.
http://www.ubi.pt/museu/marques.htm http://www.ars.com.br/cav/pombal.htm
• Augusto Comte – (1798-1857), filósofo francês. Ao lado do compatriota Claude-Henry de Rouvroy, conde de Saint-
Simon (1760-1825), é considerado um dos fundadores dos estudos sociológicos (o termo ”sociologia” foi criado por ele).
Em sua grande obra, Curso de Filosofia Positiva, na qual observa que o conhecimento se baseia na descrição científica
dos fenômenos e na descoberta das leis objetivas que os determinam. O positivismo exerceu influência também fora da
França e seu lema, “ordem e progresso”, figura até hoje na bandeira brasileira.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Karl Marx - (1818-83), cientista social, filósofo e revolucionário alemão. Em 1845, foi para Bruxelas, onde se associou à
Liga Socialista pela Justiça (1847), posteriormente denominada Liga Comunista, e, junto a Engels, escreveu o Manifesto
Comunista (1848). Convencido da importância central da economia para a determinação dos demais aspectos da exis-
tência humana, [...] sua meta era a união de todos os trabalhadores para conseguirem o poder político. [...] nos últimos
anos de sua vida, Marx dedicou-se mais intensamente às análises econômicas, com o propósito de demonstrar o caráter
essencialmente exploratório do capitalismo [...]. Seus estudos resultaram na obra O Capital, de 1867 (editada por Engels
em 1885-94).
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Émile Durkheim - (1858-1917), teórico social francês, reconhecido como um dos fundadores da sociologia. Durkheim
argumentava que uma das tarefas dos sociólogos era estudar os determinantes sociais do comportamento, tais como os
deveres, leis e costumes que unem e mantêm as pessoas em sociedade.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Fernando de Azevedo - 1894 - 1974) Funcionário público, sociólogo e educador brasileiro nascido em São Gonçalo
de Sapucaí, MG, um dos responsáveis pela reforma do ensino no país, a partir de experiências feitas no Ceará (1923) e
Rio de Janeiro (1926). Em sua obra destacam-se Princípios de sociologia (1931), uma pioneira publicação brasileira no
assunto, o igualmente pioneiro Sociologia educacional (1940), A cultura brasileira (1943) e História da minha vida (1971),
uma autobiografia. Eleito Membro da Academia Brasileira de Letras, cadeira n. 14 (1968).
http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/FernanAz.html
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• Thomas Morus - nasceu em Londres em 1478 e foi aí decapitado em 1535, em razão de sua obstinação por permane-
cer católico depois da reforma anglicana promovida por Henrique VIII e de quem ele era Chanceler. Autor de Utopia, foi
canonizado pela Igreja Católica.
• John Dewey - (1859-1952) Filósofo e pedagogo pragmatista norte–americano. Importante defensor da reforma do
ensino do início do século XX, para quem a tarefa da educação seria estimular a investigação do conhecimento e as
história da Educação
características exploradoras e inquiridoras, naturais nas crianças. Autor de Teoria da Vida Moral (1908), Democracia e
Educação (1916), A Natureza Humana e a Conduta (1922) e Experiência e Natureza (1925).
http://geocities.yahoo.com.br/discursus/filotext/deweyfil.html
• Anísio Teixeira - (1900-71), educador brasileiro. Nascido em Caitité, Bahia, formou-se em Direito pela Universidade do
Rio de Janeiro. Aos 29 anos, formou-se em Educação pela Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, e passou a
dedicar sua vida a esse campo de estudo. De volta ao Brasil, desempenhou importante papel na orientação da educação
e do ensino no país, ocupando cargos de destaque e lecionando em diferentes instituições [...], algumas de suas principais
obras são Educação para a Democracia, A Educação e a Crise Brasileira, A Universidade e a Liberdade Humana, Educa-
ção não é Privilégio e Educação no Brasil.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Ovide Decroly - nasceu em 1871 e morreu em 1932. Sua obra educacional destaca-se pelo valor que colocou nas
condições do desenvolvimento infantil; destaca o caráter global da atividade da criança e a função de globalização do
ensino. Suas teorias têm um fundamento psicológico e sociológico e podemos resumir os critérios de sua metodologia no
interesse e na autoavaliação. Promove o trabalho em equipe, mas, mantendo a individualidade do ensino com o fim de
preparar o educando para a vida.
http://members.tripod.com/lfcamara/decroly.html
• Maria Montessori – (1870-1952), fisioterapeuta (primeira mulher médica na Itália) e educadora. Em 1894, tornou-
se assistente na clínica psiquiátrica da Universidade de Roma e gradualmente passou a interessar-se pela educação
de crianças “anormais”. A partir de 1902, começa a se aprofundar em filosofia, antropologia, psicologia experimental e
educação. Desenvolveu, na Itália em 1907, um sistema educacional e materiais didáticos que despertassem interesse
espontaneamente na criança, produzindo uma concentração natural nas tarefas, cujo objetivo era não cansar e não
aborrecer a criança.
http://www.psicopedagogia.com.br/personalidades/personalidades/maria_montessori.asp?og=0
• Édouard Claparède - (1873-1940) Médico psicólogo suíço nascido em Genebra, cujas pesquisas experimentais no
campo da psicologia infantil tiveram grande influência na criação da pedagogia moderna, que incentiva a atitude partici-
pante do educando. Dedicou-se também à pesquisa em psicologia comparada e desenvolveu a tese da escola ativa, que
estimula a independência intelectual da criança, fazendo-a atuar sobre o que aprende, em oposição e de grande impacto
sobre a educação tradicional da época: a psicologia mecanicista.
http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/EdouarCl.html
• Jean Piaget - 1896-1980), matemático, biólogo, filósofo, psicólogo e pedagogo suíço, responsável pela mais abran-
gente teoria sobre o desenvolvimento intelectual (cognitivo). Piaget estudou biologia, com especial ênfase na evolução
dos organismos, transferindo-se para a área de psicologia infantil quando compreendeu que as habilidades intelectuais
evoluem apenas lenta e gradualmente na criança.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Lev Semenovich Vygotsky - (1896 – 1934) fez seus estudos na Universidade de Moscou para tornar-se professor de
literatura. O objetivo de suas pesquisas iniciais foi a criação artística. Somente a partir de 1924, sua carreira mudou dras-
ticamente, passando Vygotsky a dedicar-se a psicologia evolutiva, educação e psicopatologia. A partir daí, ele concentrou-
se nessas áreas e produziu obras em ritmo intenso até sua morte prematura em 1934, devido à tuberculose.
http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/colecaoridendo/biografias/Lev_Semenovich_Vygotsky.htm
13
• Henri Wallon - (1872-1962) foi um estudioso que se dedicou ao entendimento do psiquismo humano, seus mecanismos
e relações mútuas, a partir de uma perspectiva genética. Por isso, seu interesse pelo desenvolvimento infantil, já que na
infância se localiza a gênese da maior parte dos processos psíquicos. Foi autor, juntamente com Paul Langevin, de uma
importante proposta de reforma educacional na França, após o final da II Guerra Mundial.
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/dea_a.php?t=009
história da Educação
• Paulo Freire - (1921-1997), educador brasileiro. Formou-se em Direito aos 26 anos. A partir da experiência de ensinar
português em diferentes colégios secundários, passou a estudar o processo de transmissão da língua, criando um método
de alfabetização. Em 1963, assumiu a direção do Plano Nacional de Educação, que previa alfabetizar 16 milhões de adul-
tos num prazo de quatro anos. Com o golpe militar de 64, passou a morar no exterior, trabalhando para o governo chileno e
depois na Guiné-Bissau. De volta ao Brasil, pôde ver seu método adotado em vários pontos do país. É autor, entre outros,
dos livros Pedagogia do Oprimido, Educação e Realidade Brasileira e Educação como Prática da Liberdade.
http://www.uol.com.br/bibliot/enciclop/
• Edgar Morin - Pesquisador emérito do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica na França), nasceu em Paris,
em 1921. Graduado em História, Geografia e Direito, migrou para a Filosofia, a Sociologia e a Epistemologia, depois de
ter participado da resistência ao nazismo, na França ocupada, durante a Segunda Guerra Mundial. Autor de mais de 30
livros, tornou-se um dos pensadores mais importantes da atualidade nos estudos da complexidade e das novas episte-
mologias.
http://www.editorasulina.com.br/autordet.asp?IDautor=42
14
Acta Scientiarum
http://www.uem.br/acta
ISSN printed: 1806-2636
ISSN on-line: 1807-8672
Doi: 10.4025/actascieduc.v34i2.17497
RESUMO. Analisam-se neste artigo aspectos da história da Educação no Brasil relacionados à consolidação
da escola pública e às políticas educacionais. O período demarcado inicia-se com a década de 30 do século
XX, época em que a organização e implantação de um sistema escolar público no País tornou-se condição
sine qua non para o seu desenvolvimento socioeconômico, e se estende aos anos 2000 com a consolidação da
democracia e do Estado de Direito no Brasil. Foram utilizadas fontes documentais elaboradas por órgãos
governamentais e entidades científicas bem como a bibliografia produzida por pesquisadores da área. Os
dados mostram que ao longo do período houve expansão em todos os graus de ensino, contudo, continuam
persistindo traços de elitismo e exclusão. Além disso, verifica-se contraste entre a qualidade da Pós-
Graduação e a da escola pública, que não tem cumprido a sua função essencial. Tais conclusões evidenciam
a necessidade de resolução desses problemas a fim de que se avance na própria democracia no País.
Palavras-chave: história da educação brasileira, escola pública, democracia.
History of Education in Brazil: the public school in the process of democratization of society
ABSTRACT. This paper analyzes aspects of the history of education in Brazil related to the consolidation
of public schools and educational policies. The period marked begins with the 1930s, a time when the
organization and implementation of a public school system in the country has become a condition for the
socio-economic development, and extends to the 2000s with the consolidation of democracy and the rule
of law in Brazil. It is based on documentary sources developed by governmental and scientific
organizations and the literature produced by researchers. The data show that over the period there was an
increase in all levels of education, however, continues to persist traces of elitism and exclusion. Moreover,
there is contrast between the quality of graduate and public school, which has failed its essential function.
These findings highlight the need to solve these problems in order to advance democracy in the country.
Keywords: history of brazilian education, public school, democracy.
examina-se a expansão da escola pública no período Essa disputa ideológica atravessou décadas e
da Ditadura Militar (1964-1985); na terceira, os anos reformas educacionais sem que o poder público
da redemocratização e as políticas educacionais de brasileiro edificasse um sistema nacional de escolas
caráter neoliberal. públicas para todos.
De fato, durante o período de 1930 a 1964,
As reformas educacionais brasileiras no contexto ocorreram várias reformas educacionais no Brasil
das disputas ideológicas durante as décadas de 30 a sem que fosse resolvido o secular problema do
60 do século XX analfabetismo e da garantia de pelo menos quatro
Nas décadas compreendidas entre 1930 e 1960, o anos de escolaridade para todas as crianças, fato que
Brasil passou por mudanças estruturais que evidencia a forma como o Estado Nacional conduziu
incidiram diretamente sobre a construção de um a política educacional da época. Para se compreender
sistema nacional de educação pública. No plano esse aspecto das políticas públicas no Brasil, é
estrutural, o País passava por uma transição necessário evocar a Revolução de 19302, que passou
caracterizada pela aceleração do modo capitalista de a edificar o Estado burguês adotando medidas
produção, o que ocasionou transformações centralizadoras que garantissem a unidade nacional e
superestruturais, notadamente no aparelho escolar. a sua presença em setores estratégicos, como na
Em termos políticos, o período está compreendido supremacia sobre o próprio território. Foi nesse
entre dois processos vinculados à transição de um contexto que logo após a ascensão de Getúlio Vargas
modelo econômico agrário-exportador para ao poder, em 1930, criou-se o Ministério da
industrial-urbano: a Revolução de 1930 e o golpe de Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco
Estado de 1964. Campos, que implantou a Reforma de 1931,
No período de 1930 a 1964, rivalizaram-se dois precedida por um pedido de Vargas aos educadores
projetos de nação para o Brasil. O nacional- reunidos na IV Conferência da Associação Brasileira
populista, cuja gênese reportava-se a Getúlio Vargas de Educação (ABE) para que fornecessem ao
e que agregou setores progressistas da sociedade governo ‘o sentido pedagógico da revolução’.
brasileira, defendia a industrialização do País à base A Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida,
do esforço nacional, sem comprometer a sua teve como diferencial a criação, pelo menos em lei, de
soberania. Por ter nascido reconhecendo que a um Sistema Nacional de Educação, além de ter criado
questão social não era caso de polícia, mas de o Conselho Nacional de Educação, órgão consultivo
política, o projeto getulista contou com apoio dos máximo para assessorar o Ministério da Educação. O
trabalhadores. Por sua vez, o projeto das oligarquias texto da Reforma determinou que o ensino
tradicionais, ligadas ao setor agrário exportador, secundário ficasse organizado em dois ciclos: o
previa o desenvolvimento econômico subordinado à fundamental, de cinco anos, e o complementar, de
liderança dos Estados Unidos da América e dois anos. Dessa forma, o ensino secundário
representava setores da elite política desalojada do compreendia a escolarização imediatamente
poder em 1930, especialmente os ligados à economia posterior aos quatro anos do ensino primário e tinha
cafeeira paulista. A polarização ganhou fortes cores caráter altamente seletivo.
ideológicas oriundas do ambiente político A seletividade do ensino secundário e a
internacional, dominado pela disputa entre dois dicotomia entre ensino profissional e secundário
blocos, o capitalista e o socialista, de tal forma que a ficaram mantidas, favorecendo os filhos da elite. O
política nacional da época esteve marcada pelos primeiro ciclo, de cinco anos, tornou-se obrigatório
binômios esquerda x direita, conservadores x para ingresso no ensino superior; o segundo, de dois
progressistas. anos, em determinadas escolas. O ingresso ao
A educação, por exemplo, foi palco de superior devia guardar correspondência obrigatória
manifestações ideológicas acirradas, pois, desde com o ensino médio, o que também dificultava o
1932, interesses opostos vinham disputando espaço acesso ao ensino superior. A Reforma deixou
no cenário nacional: de um lado, a Igreja Católica e
setores conservadores pretendendo manter a 2
Em 1930, Getúlio Vargas liderou a revolução que pôs fim ao domínio da
oligarquia agrária representada por Minas Gerais e São Paulo e que governou o
hegemonia que mantinham historicamente na Brasil na primeira fase republicana (1889-1930). Dissidente da oligarquia
tradicional, Vargas partiu do Estado do Rio Grande do Sul e se pôs à frente do
condução da política nacional de educação; de outro, movimento tenentista que convulsionou o Brasil na década de 20, tendo
setores liberais, progressistas e até mesmo de desfecho vitorioso em 1930. Iniciou-se desde então a ‘era’ de Getúlio Vargas no
Brasil: a) de 1930 a 1934, governo provisório; b) de 1934 a 1937, governo eleito
esquerda, aderindo ao ideário da Escola Nova, pela Constituinte; c) de 1937 a 1945, “ditadura do Estado Novo”; e) de 1951 a
1954, eleito pelo voto direto. Vargas instituiu o populismo e iniciou a etapa da
propunham uma escola pública para todas as industrialização no Brasil, a qual, por sua vez, impulsionou a urbanização, e esta,
crianças e adolescentes dos sete aos 15 anos de idade. a pressão por educação. Em agosto de 1954, mergulhado em grave crise política
que almejava sua deposição, Getúlio Vargas cometeu suicídio.
marginalizados o ensino primário, o Curso Normal uma conciliação de interesses no contexto dos
(formação de professores para atuar no primário) e conflitos político-ideológicos da época. No que diz
os vários ramos do ensino profissional, salvo o respeito ao debate educacional e à elaboração da
comercial. Constituição, esses conflitos ficaram explícitos entre
Aspecto inovador da Reforma Francisco Campos os renovadores (liberais partidários dos princípios da
foi ter empreendido a reforma do ensino superior, Escola Nova) e os defensores da educação privada,
prevista no Estatuto das Universidades Brasileiras no caso, representada pela Igreja Católica.
(BRASIL, 1931), que dispunha sobre a organização Com o golpe de Estado que instituiu a ditadura
do ensino superior e adotava o ‘regime de Vargas (1937-1945), uma nova Constituição, a de
universitário’, o qual previa a criação de 1937, foi adotada no Brasil, a qual, no aspecto da
universidades, organizadas de forma que pudessem educação, transformou em ação supletiva o que
criar ciência e transmiti-la, além de servir: antes era dever do Estado.
a) à pesquisa científica e à cultura desinteressada; b) à Durante a ditadura de oito anos, o governo
formação do professorado para as escolas primárias, editou uma das reformas mais duradouras do
secundárias, profissionais e superiores; c) à formação Sistema Educacional Brasileiro, as chamadas Leis
de profissionais em todas as profissões de base Orgânicas do Ensino, mais conhecidas como
científica; d) à vulgarização ou popularização Reforma Capanema (1942-1946). Esse conjunto das
científica literária e artística, por todos os meios de Leis Orgânicas do Ensino, editadas de 1942 a 1946,
extensão universitária (RIBEIRO, 1986, p. 102). estabeleceram o ensino técnico-profissional
A influência do movimento conhecido como (industrial, comercial, agrícola); mantiveram o
Escola Nova nessa Reforma é perceptível, pois caráter elitista do ensino secundário e incorporaram
incorporou uma reivindicação exposta no Manifesto um sistema paralelo oficial (Serviço Nacional de
dos Pioneiros da Educação Nova, de 19323, sobre a Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço
criação de universidades, previstas como etapa da Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac)).
A Reforma Capanema incorporou também
escolaridade que acolhesse ‘os melhores’, isto é,
algumas reivindicações contidas no Manifesto de
aqueles dentre os que tivessem cursado a escola dos
1932, a saber: a) gratuidade e obrigatoriedade do
sete aos 15 anos e que demonstrassem talento para o
ensino primário; b) planejamento educacional
curso universitário. No âmbito da Reforma, mais
(Estados, territórios e Distrito Federal deveriam
especificamente no que preconizava o Estatuto das
organizar seus sistemas de ensino); c) recursos para
Universidades Brasileiras, foi organizada a o ensino primário (Fundo Nacional do Ensino
Universidade do Rio de Janeiro; em 1934, foi criada Primário) estipulando a contribuição dos Estados,
a Universidade de São Paulo (USP), com a Distrito Federal e dos municípios; d) referências à
participação de Fernando de Azevedo. carreira, remuneração, formação e normas para
Antes das mudanças que viriam a ocorrer em preenchimento de cargos do magistério e na
1937 foi promulgada a Constituição Brasileira de administração.
1934. Nela, o direito à educação, com o corolário da Durante os oito anos do ‘Estado Novo’, termo
gratuidade e da obrigatoriedade tomou forma legal, com o qual Vargas intitulou a sua ditadura, foram
além de ter declarado gratuito o ensino primário de criadas várias entidades e órgãos tanto na esfera da
quatro anos. A Carta de 1934 consagrou o princípio sociedade civil, quanto no âmbito da sociedade
do direito à educação, que deveria ser ministrada política em função de lutas específicas vinculadas às
‘pela família’ e ‘pelos poderes públicos’ e o princípio universidades, à área da educação, ou mesmo ao
da obrigatoriedade, incluindo entre as normas que movimento estudantil. Foi o caso da União Nacional
deviam ser obedecidas na elaboração do Plano de Estudantes (UNE), fundada em 1937, que
Nacional de Educação, o ensino primário gratuito e combateu a ditadura. Ao longo dos seus mais de
de frequência obrigatória, extensiva aos adultos, e a setenta anos de história, a UNE marcou presença na
tendência à gratuidade do ensino ulterior ao vida política, social e cultural do Brasil, como: a)
primário. Além disso, essa Constituição representou contra a Ditadura de Vargas (1937-1945) e a Ditadura
Militar (1964-1985); b) no movimento das ‘Diretas
3
Trata-se do texto conhecido como Manifesto de 1932, cujo título original é A Já’, no início dos anos 1980; c) na campanha do
reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Redigido por
Fernando de Azevedo, constituiu-se em um dos mais importantes documentos impeachment do presidente Fernando Collor de
da educação brasileira e representou a influência dos ideais da Escola Nova no
Brasil, polarizando com os ideais da escola tradicional e os interesses da Igreja
Mello, em 1992. Durante a década de 90, “[...] foi um
Católica. Foi assinado por 26 intelectuais liberais brasileiros, dentre os quais, o dos principais focos de resistência às privatizações e ao
mais importante para a área da educação foi Anísio Teixeira, e influenciou
largamente as ideias pedagógicas no Brasil. Em 2012, o Manifesto está neoliberalismo que marcou a Era FHC” (UNE,
completando 80 anos de existência e muitas das reivindicações ali contidas
permanecem atuais. 2012), ou seja, o período de 1995-2002.
Acta Scientiarum. Education Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012
160 Bittar e Bittar
Em janeiro de 1937, mesmo ano de criação da Progresso da Ciência (SBPC), entidade científica
UNE, fundou-se o Instituto Nacional de Pedagogia integrada por pesquisadores de todas as áreas de
(INEP)4, que, atualmente, figura como um dos mais conhecimento, sobretudo físicos e engenheiros.
importantes órgãos de disseminação de informações Iniciou-se, desde então, a organização das primeiras
educacionais e trabalha por meio da constituição de reuniões anuais e a publicação da Revista Ciência e
Comissões de Especialistas designados entre os Cultura, ‘porta-voz da SBPC’. A Sociedade teve
pesquisadores da comunidade acadêmica, para papel importante ao longo desses mais de sessenta
contribuírem com a formulação das políticas anos de existência, especialmente no período de luta
educacionais e de implementação dos processos de contra a ditadura militar, reunindo uma diversidade
avaliação em todos os níveis educacionais. Com a de pesquisadores e associações científicas,
criação do INEP, iniciaram-se no País as bases para a destacando-se nas discussões sobre as políticas
o desenvolvimento de atividades de pesquisa e de científicas do País.
investigação na área da educação, mais tarde Os anos 1950 marcaram a criação de várias
implementadas pelos Centros Regionais de agências de fomento à pesquisa e à ciência
Pesquisa. brasileiras; iniciava-se, em 1951, um novo governo
Terminada a ditadura Vargas, fato que coincidiu de Getúlio Vargas, dessa vez eleito pelo povo. De
com o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil acordo com a sua plataforma nacionalista, a
editou a sua quarta Constituição republicana (1946), construção de uma nação desenvolvida e
que consagrou os direitos e garantias individuais e independente exigia uma política científica e de
assegurou a liberdade de pensamento. Demons- pesquisa para o País. Assim, no primeiro ano do
trando tendência progressista e aproximando-se da novo mandato, criou-se o Conselho Nacional de
Constituição de 1934 e dos princípios ‘do Manifesto Desenvolvimento Científico e Tecnológico
de 1932’, essa Constituição reafirmou o direito de (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência e
todos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do Tecnologia, com a função de fomentar o
ensino primário. Esses princípios progressistas, no desenvolvimento científico e tecnológico no País.
entanto, não garantiram a universalização sequer da No mesmo ano, teve origem a Coordenação de
escola primária para todas as crianças brasileiras, ou Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
seja, a sequência de reformas que vimos, (Capes)5, que atualmente desenvolve atividades
especialmente nos seus aspectos mais democráticos, relacionadas: à
pouco saía do papel. Aliás, um traço recorrente das
[...] avaliação da pós-graduação stricto sensu; ao acesso
políticas educacionais brasileiras: incorporação de e divulgação da produção científica; ao investimento
princípios democráticos que não chegam a ser postos na formação de recursos humanos de alto nível no
em prática. A Constituição de 1946, por outro lado, País e no exterior; à promoção da cooperação
previu, pela primeira vez, a elaboração de uma lei internacional (CAPES, 2012).
específica para a educação brasileira: a Lei de
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que viria a
1960), o País entrou de forma mais intensa na fase
ser aprovada apenas em 1961.
do nacional-desenvolvimentismo. Sob a influência
Antes, porém, no ano de 1948, no transcorrer do
dessa ideologia, foi criado o Instituto Superior de
governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) e no
Estudos Brasileiros (ISEB), vinculado ao Ministério
contexto de manifestações nacionalistas e
da Educação e Cultura (MEC), reunindo “[...]
democráticas, foi criada a Sociedade Brasileira para o
intelectuais de distintas orientações teóricas e
ideológicas” (TOLEDO, 2005, p. 11)6, com o
4
O INEP passou por várias transformações, desde a sua criação. No início,
constituiu-se como o primeiro órgão do governo federal a estabelecer-se como
“[...] fonte primária de documentação e investigação, com atividades de 5
intercâmbio e assistência técnica”. Em 1944, criou a Revista Brasileira de No início, a Capes tinha como objetivo “[...] atender às necessidades dos
Estudos Pedagógicos (RBEP). Em 1952, sob a presidência de Anísio Teixeira, empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do País”.
priorizou o trabalho de pesquisa, “[…] como um meio de fundar em bases Além disso, a “[...] industrialização pesada e a complexidade da administração
científicas a reconstrução educacional do Brasil”. Nessa época, foram criados o pública trouxeram à tona a necessidade urgente de formação de especialistas e
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de pesquisadores nos mais diversos ramos de atividade: de cientistas qualificados
Pesquisa, que funcionaram como importantes centros de estudos e pesquisas em Física, Matemática e Química a técnicos em finanças e pesquisadores
educacionais em algumas regiões brasileiras, adquirindo projeção nacional e sociais”. A Capes passou por diversas mudanças, chegando a ser extinta no
internacional. Em 1981, lançou a Revista Em Aberto, para assessorar governo Fernando Collor de Mello, em 1990. Em 1992, ela se tornou Fundação
internamente o MEC, mas posteriormente passou a atender às necessidades de Pública e, em 1995, primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso,
“[...] professores e especialistas fora da estrutura do MEC”. Em 1985, retirou-se fortaleceu-se como “[...] instituição responsável pelo acompanhamento e
da função de fomento para retomar seu papel básico de suporte às decisões do avaliação dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros. Naquele ano, o
MEC. No governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o INEP quase foi sistema de pós-graduação ultrapassou a marca dos mil cursos de Mestrado e
extinto, mas após essa fase, ainda no início dos anos 1990, “[...] atuou como dos 600 de Doutorado, envolvendo mais de 60 mil alunos” (CAPES, 2012, p. 3).
6
financiador de trabalhos acadêmicos voltados para a educação”. Após 1995, Para Caio Navarro de Toledo, o Instituto foi criado para servir de instrumento
tornou-se responsável pelos levantamentos estatísticos e pelas informações para uma ação eficaz no processo político do País. Reuniu intelectuais de
educacionais que efetivamente orientassem “[…] a formulação de políticas distintas convicções ideológicas, incluindo o marxismo, que acreditavam ser
educacionais do Ministério da Educação”. No governo de Luiz Inácio Lula da possível, por meio do debate e do confronto de ideias, formular um projeto
Silva, passou a denominar-se Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas ideológico comum para o Brasil. Em um contexto de polarização ideológica, o
Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2012, p. 5). nacional-desenvolvimentismo foi concebido como uma ideologia-síntese capaz
objetivo de formular um projeto nacional para o No que se refere à estrutura do ensino, a Lei
País. O Instituto ficou conhecido por: manteve a herança da Reforma Capanema: pré-
primário; primário; médio, subdividido em dois
[…] oferecer cursos a oficiais das Forças Armadas,
empresários, sindicalistas, parlamentares, ciclos (técnico e secundário); superior. Daí afirmar-
funcionários públicos, burocratas e técnicos se que a Reforma Capanema teve caráter duradouro
governamentais, docentes universitários e do ensino que as outras reformas não tiveram.
médio, profissionais liberais, religiosos, estudantes, Depois de uma profusão de debates e com
etc. Distinguindo-se de uma instituição acadêmica instituições ativas na área da educação como a UNE,
foi, precipuamente, um centro de formação política INEP e SBPC, o Brasil chegou à década de 60 do
e ideológica, de orientação democrática e reformista século XX com quase 40% de analfabetismo, o que
(TOLEDO, 2005, p. 11).
evidencia a ineficiência das reformas, o seu caráter
Na última fase do ISEB, seus integrantes retórico e a omissão do Estado no cumprimento
procederam a uma revisão crítica das teses nacionais- efetivo das leis que ele próprio editara. Os números
desenvolvimentistas. De acordo com Caio Navarro expressam que pouco havia mudado: em 1940, a taxa
de Toledo, nessa revisão constatou-se que o, de analfabetismo no Brasil era de 56,0%; em 1950,
era de 50,5% e, em 1960, 39,35% (RIBEIRO, 1986).
[...] país cresceu economicamente – com a consolidação
Em uma sociedade com quase a metade de sua
do capitalismo industrial – mas não resolveu em
profundidade suas graves e históricas desigualdades população analfabeta, quem eram os alunos e quem
sociais e regionais (TOLEDO, 2005, p. 11). eram os professores? Os primeiros eram os que
conseguiam superar todos os obstáculos para chegar
No contexto político entre esquerda e direita, até à escola, uma vez que o Brasil era
nacionalistas versus entreguistas, no início dos anos predominantemente rural e escolas nas fazendas
1960, após 13 anos de conflitos ideológicos e de lutas eram raras. Esse era o mais forte obstáculo à
pela educação pública brasileira, foi aprovada a escolarização8. Urbanização e escolarização,
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei portanto, são dois fenômenos que precisam ser
n. 4.024, de 1961)7, que incorporou os princípios do considerados conjuntamente na história do Brasil.
direito à educação, da obrigatoriedade escolar e da Diante da alta taxa de analfabetismo (39,35%) no
extensão da escolaridade obrigatória nos seguintes Brasil na década de 60, teve início a experiência de
termos: “A educação é direito de todos e será dada educação popular, dentre as quais se destacou o
no lar e na escola” (Artigo 2º); “O direito à educação método de alfabetização de adultos de Paulo Freire.
é assegurado pela obrigação do poder público e pela Com o apoio da União Nacional dos Estudantes
liberdade de iniciativa particular de ministrarem o (UNE) e de uma parte da Igreja Católica que aderiu
ensino em todos os graus, na forma da lei” (Artigo à Teologia da Libertação, o educador pernambucano
3º) (ROMANELLI, 1986, p. 176). começou a alfabetizar segundo a sua máxima: “[...]
O retrocesso dessa Lei em relação à Constituição educação como prática da liberdade” (FREIRE,
de 1946 foi ter estabelecido casos de isenção pelos 1978, p. 1). Coerente com essa teoria e com a sua
quais o Estado não era obrigado a garantir matrícula: compreensão do Brasil, Paulo Freire preconizava
que, ao enorme contingente que nunca pisara o chão
a) comprovado estado de pobreza do pai ou
de uma escola, não bastaria apenas alfabetizar com
responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrícula
encerrada; d) doença ou anomalia grave da criança
métodos convencionais. Ao contrário, no processo
(ROMANELLI, 1986, p. 174). da alfabetização, ao mesmo tempo em que se deveria
fornecer aos adultos desescolarizados o instrumental
de levar o país – através da ação estatal (planejamento e intervenção
da escrita, seria necessário fornecer-lhes também as
econômica) e de uma ampla frente classista – à superação do atraso econômico- ferramentas para interpretar o mundo, ou melhor,
social e da alienação cultural (TOLEDO, 2005).
7
A primeira LDB do País tramitou no Congresso Nacional de 1948 a 1961. Na para ler o mundo. Contudo, a sua inovadora atuação,
primeira fase, de 1948 a 1958, o projeto apresentado pelo Ministro da Educação,
Clemente Mariani, foi alvo da polêmica centrada no aspecto da centralização ou
que no futuro seria reconhecida mundialmente, foi
da descentralização da Política Nacional de Educação. Nessa época, o deputado interrompida em abril de 1964.
federal Gustavo Capanema, do Partido Social Democrático (PSD), ex-Ministro da
Educação, acusava o projeto de ser centralizador. Com hegemonia Essas características da educação brasileira,
conservadora no Congresso Nacional, em 1958 o deputado Carlos Lacerda, da
União Democrática Nacional (UDN), apresentou um substitutivo ao anteprojeto, herdeira de três séculos de escravidão e com as suas
deslocando o foco da discussão para a ‘liberdade de ensino’, rejeitando a
centralização e propondo que o Estado outorgasse igualdade de condições às
escolas de elite, trazem à mente as palavras de
escolas oficiais e particulares (ROMANELLI, 1986). Segundo alegava, o Estado
pretendia o monopólio sobre o ensino. Esses debates no Congresso Nacional
8
suscitaram, em 1959, o início da Campanha em Defesa da Escola Pública, Foi depois de 1930 que a demanda por escolarização começou a crescer no
liderada por Florestan Fernandes e Fernando de Azevedo, com centro na Brasil, como consequência do projeto econômico implantado pelo governo de
Universidade de São Paulo (USP). A Campanha insurgiu-se contra o substitutivo Getúlio Vargas, pautado na industrialização. Antes disso, vivendo a maioria da
de Carlos Lacerda. Ainda em 1959, foi publicado um Manifesto em favor da população na área rural, em um país recém-liberto da escravidão sem qualquer
escola pública, redigido por Fernando de Azevedo, que tratava do aspecto social política indenizatória ou compensatória, além de manter a estrutura agrária de
da educação e dos deveres do Estado democrático. produção, a necessidade de escolas era pouco percebida.
Manacorda (1989, p. 41), para quem, desde que a universidade ao modelo econômico preconizado
sociedade se dividiu em dominantes e dominados, pelo regime, instituindo os departamentos, a
“[...] para as classes excluídas e oprimidas [...], matrícula por crédito e não mais em disciplinas, a
nenhuma escola”. extinção da cátedra, etc. Inspirada no princípio de
organização da universidade norte-americana, essa
A expansão da escola pública brasileira durante o Reforma, realizada em contexto de repressão
regime militar (1964-1985) política, de um lado, instituiu o modelo da eficiência
A política educacional da ditadura militar, e produtividade e, de outro, o controle sobre as
instituída em 1964, por meio de um golpe de atividades acadêmicas. A repressão se abateu
Estado9, provocou mudanças estruturais na história principalmente sobre o movimento estudantil
da escola pública brasileira. Para alguns, um fato organizado pela UNE, proibido de qualquer
paradoxal, pois, como se explica que exatamente manifestação de caráter político. Foram atingidos
durante um regime autoritário que prendeu, também os professores universitários e intelectuais
torturou e matou seus opositores, a escola pública que atuavam por uma reforma democrática da
tenha se expandido? A resposta deve ser buscada na universidade, que na época era acessível apenas a
própria base produtiva do modelo econômico uma pequena parcela da sociedade brasileira.
instaurado pelos governos militares. A consolidação A relação da Reforma Universitária com a escola
da sociedade urbano-industrial durante o regime pública encontra-se na conexão estabelecida entre os
militar transformou a escola pública brasileira cursos para formar professores e a facilitação da
porque na lógica que presidia o regime era expansão do ensino superior privado. Nesses cursos,
necessário um mínimo de escolaridade para que o muitos dos quais noturnos, começaram a ser
País ingressasse na fase do “Brasil potência”, titulados os novos professores para a escola pública
conforme veiculavam slogans da ditadura. Sem brasileira. Outra consequência da política
escolas isto não seria possível. Entretanto, a expansão educacional da ditadura militar consistiu na
quantitativa não veio aliada a uma escola cujo padrão formação de uma nova categoria docente que veio a
intelectual fosse aceitável. Pelo contrário: a expansão substituir aquela que até então era formada nas
se fez acompanhada pelo rebaixamento da qualidade poucas instituições universitárias ou nos Cursos
de ensino, segundo a maioria dos estudiosos. É Normais. Desse novo contexto, nasceu uma
imperioso constatar, porém, que a expansão, em si categoria massiva que, pela condição de vida e de
mesma, foi um dado de qualidade, pois se qualidade trabalho a que seria submetida, logo iria se organizar
e quantidade são duas categorias filosóficas que não em sindicatos, um fenômeno típico do novo
se separam, o fato de as camadas populares professorado e inteiramente distinto do perfil dos
adentrarem pela primeira vez em grande quantidade professores brasileiros até a década de 60.
na escola pública brasileira constituiu-se em um dos Tendo feito a Reforma ‘antes que outros a
elementos qualitativos dessa escola. Em outras fizessem’, expressão que indicava o temor dos
palavras: se no passado a escola pública brasileira era militares quanto à força do movimento estudantil da
tida como de excelente qualidade, não se pode época, a ditadura militar editou também a reforma
esquecer que essa qualidade implicava na exclusão da do ensino fundamental conhecida como Lei n.
maioria. 5.692, de 1971, transformando o antigo curso
A ditadura militar, ancorada no pensamento primário, de quatro anos, e o ginásio, também de
tecnocrático e autoritário que acentuou o papel da quatro anos, em oito anos de escolaridade
escola como aparelho ideológico de Estado, editou obrigatória mantida pelo Estado, isto é, o ensino de
um rol de medidas consubstanciadas, basicamente, primeiro grau que duplicou os anos de escolaridade
em duas reformas educacionais que mudaram a face obrigatória.
da educação brasileira. A primeira delas foi a Com essa reforma, o regime militar pretendeu
Reforma Universitária10, de 1968, que adequou a conferir um novo caráter ao segundo grau de ensino.
Com o propósito de lhe conferir caráter terminal e de
9
Esse golpe destituiu, em 31 de março de 1964, o governo do presidente eleito
diminuir a demanda sobre o ensino superior, a reforma
João Goulart, filiado politicamente ao nacional-populismo. Durante o período imprimiu-lhe o carimbo de ‘profissionalizante’, ou seja,
decorrido após 1930, as forças políticas predominantes no Brasil se dividiram
entre os que apoiavam o projeto político-econômico nacional-populista, como acabava-se com o ensino médio de caráter formativo,
trabalhadores e setores da classe média, e os conservadores, como
latifundiários e oligarquias tradicionais. Quando a conjuntura internacional se
polarizou em consequência da Guerra Fria, no período após 1945, essas forças porque o movimento estudantil estava mobilizado exigindo a democratização da
à direita, alegando que o Brasil caminhava para o comunismo, tramaram o golpe universidade brasileira desde o pré-64 e o governo militar pretendia calar a sua
de Estado que acabou sendo desfechado pelo Exército, colocando fim ao voz. No entanto, embora realizada pelo Estado autoritário, acabou incorporando
nacional-populismo e subordinando o País à política norte-americana. algumas reivindicações do período anterior à ditadura. Essa Reforma mudou a
10
A Reforma Universitária (Lei n. 5.540/1968) foi consequência do trabalho de face do ensino superior no Brasil, instituindo a indissociabilidade entre ensino,
um grupo de especialistas, atendendo a uma determinação do general Arthur da pesquisa e a pós-graduação no âmbito universitário, além de ter aberto caminho
Costa e Silva, então presidente do Brasil, e foi realizada em curto prazo. Isso para a expansão do ensino privado.
com base humanística, para fornecer ‘uma profissão’ alfabetização, dentre as quais a do Movimento
aos jovens que não pudessem ingressar na Brasileiro de Alfabetização (Mobral), um verdadeiro
universidade. fracasso. O pior, porém, foi o fato de que os
Quanto ao ensino de primeiro grau de oito anos, governos que sucederam a ditadura também não
a expansão física das escolas foi uma característica resolveram esse problema. Além disso, por não ter
dos 21 anos de ditadura. Mas que escola era essa? cumprido a universalização da escola básica, tarefa
Sem dúvida, a das crianças das camadas populares; a realizada pela maioria dos países ocidentais na
escola em que funcionava o turno intermediário, passagem do século XIX para o XX, o Brasil
com pouco mais de três horas de permanência na ingressou no século XXI com essa vergonhosa
sala de aula, mal aparelhada, mal mobiliada, sem herança11.
biblioteca, precariamente construída, aquela em que Em termos de políticas de desenvolvimento
os professores recebiam salários cada vez mais científico e tecnológico, é importante registrar a
incompatíveis com a sua jornada de trabalho e com a criação, no início da década de 60, da Fundação de
sua titulação. A escola na qual era obrigatória a Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Educação Moral e Cívica, disciplina de caráter (Fapesp)12, a primeira de uma série de fundações
doutrinário, que além de justificar a existência dos estaduais de apoio à pesquisa que foram sendo
governos militares, veiculava ideias preconceituosas criadas nos Estados brasileiros, com o objetivo de
fomentar a pesquisa científica e tecnológica no País,
sobre a formação histórica brasileira, e na qual o
bem como a criação dos programas de pós-
ensino da Língua Portuguesa, da História, da
graduação stricto sensu. No final dos anos 1960,
Geografia e das Artes ficou desvalorizado.
observa-se também o crescimento das Reuniões
Quanto à expansão quantitativa de matrículas nas
Anuais da SBPC e os embates de cientistas e
escolas públicas, alguns dados mostram o que
intelectuais contrários à ditadura. Nos anos 1970, a
ocorreu após a Reforma de 1971. Em 1950, apenas
SBPC incorporou cientistas das áreas das Ciências
36,2% das crianças de 7 a 14 anos de idade tinham
Humanas e Sociais e na segunda metade da década
acesso à escola. Em 1989, os dados indicavam
de 1980, participou ativamente da transição
27.557.492 matrículas no ensino de primeiro grau
democrática, transformando-se em um “[...] fórum
público ante 3.442.934 no privado. Em 1990, eram
de discussão de políticas públicas para o país”
88% (GOLDEMBERG, 1993). O Censo Escolar de
(SBPC, 2012, p. 2).
1991-2002 registrou 35.150.362 de matrículas no
No campo da pesquisa em Ciências Humanas e
ensino de primeiro grau, e desse montante apenas
Sociais, foram criadas, em 1976 e 1977,
3.234.777 estavam na rede privada (CENSO respectivamente, a Associação Nacional de Pós-
ESCOLAR, 2003). O ensino de segundo grau, por Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)13 e a
sua vez, em 1960, registrava 1.177.427 alunos Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
matriculados (ROMANELLI, 1986). Em 2002, o em Ciências Sociais (Anpocs), que desempenharam
Censo Escolar (2003) indicava 8.710.584 de alunos papel importante no enfrentamento à ditadura
matriculados nesse nível de ensino, dos quais 1.122. militar, bem como na organização dos Programas de
970 na rede privada. Apesar desses avanços Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais,
quantitativos, a disparidade de matrículas entre um reunindo pesquisadores de todo o Brasil e sendo
grau e outro persistia e um grave problema não foi fundamentais no processo de redemocratização da
equacionado: o analfabetismo. Dados da Pesquisa sociedade brasileira e da consolidação da pesquisa no
Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), País.
de 2003, evidenciaram que, No final da década de 80, no contexto da
[...] 10,6% dos brasileiros com dez anos ou mais de Assembleia Nacional Constituinte, após intenso
idade declararam-se incapazes de ler e escrever. Esse
número vem caindo ano a ano, independentemente 11
A situação do professorado brasileiro se deteriorou fortemente desde o arrocho
de qualquer campanha, pelo simples fato de que a salarial imposto pelo regime e depois foi seguido de empobrecimento crescente
após o fim da ditadura. Na década de 90, a crise se aprofundou, pois “[...] uma
maioria dos analfabetos no Brasil são idosos. Aos 14 parte dos professores públicos aderiu a planos neoliberais de demissão
anos, o analfabetismo no Brasil se limita a 2% da voluntária, além de levas que abandonaram em massa a profissão pela
impossibilidade de subsistirem do seu próprio trabalho” (FERREIRA JÚNIOR.;
faixa etária, e o total cai naturalmente à medida que BITTAR, 2006, p. 80).
12
vão minguando as gerações mais antigas Outras Fundações de Pesquisa de maior expressão nacional são a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), de 1964; a
(SCHWARTZMAN, 2005, p. 41). Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), criada
em 1980, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
Os dados indicam que o método de alfabetização (Fapemig), criada em 1985.
13
A Anped (2012) organiza-se por meio de 24 Grupos de Trabalho (GTs) fixos e
de adultos criado por Paulo Freire foi interrompido comporta em sua estrutura o Fórum Nacional de Coordenadores de Programas
de Pós-Graduação em Educação. Além disso, mantém um periódico
pela ditadura, que instituiu caríssimas campanhas de internacional, a Revista Brasileira de Educação (RBE).
processo de discussão e organização dos mais ensino médio, investimento muito abaixo do valor
variados segmentos da sociedade política e da investido por muitos países desenvolvidos e em
sociedade civil, o Brasil promulgou a sua nova desenvolvimento (WREFORD, 2003, p. 17)14.
Constituição (1988). Denominada de ‘Constituição c) a dedicação, o “[...] talento dos indivíduos que
Cidadã’, a nova Carta Magna brasileira define em conheci nas redes municipal e estadual, em todos os
seu artigo 208 que o dever do Estado com a níveis, e nos sindicatos. “Conheci pessoas que
educação será efetivado mediante a garantia de enfrentam grandes desafios no compromisso de
‘ensino fundamental obrigatório e gratuito’, melhorar o sistema”( WREFORD, 2003, p. 6). Ela
considerado ‘direito público subjetivo’. A efetivação concluiu o seu relatório anotando:
desse direito, um avanço em termos de políticas
As crianças e jovens que conheci nesta vasta, violenta
públicas educacionais, proporcionou mudanças
e caótica periferia são acolhedores, inteligentes e
importantes na educação pública brasileira, a seguir
generosos. São um recurso de que o Brasil precisa
analisadas. cuidar. Eles merecem melhores oportunidades
(WREFORD, 2003, p. 17).
A redemocratização e as políticas educacionais de
caráter neoliberal Muito do que está registrado nesse Relatório é
herança da política educacional da ditadura militar.
Conforme análises anteriores, o período dos Mas não só, pois na década de 90, especialmente
governos militares empreendeu a expansão desde os dois governos de Fernando Henrique
quantitativa da escola que, por sua vez, não veio Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-2002), com a
acompanhada das condições indispensáveis para adoção de medidas neoliberais no âmbito do
propiciar a aprendizagem aos alunos e para cumprir, capitalismo globalizado, a escola pública brasileira
portanto, a sua função essencial. Terminada a continuou se expandindo quantitativamente, mas a
ditadura militar, os governos que se seguiram não ineficiência do ensino tem sido constatada pelas
cumpriram essa tarefa de interesse nacional. Uma
avaliações de desempenho adotadas pelo Estado
ideia da situação pode ser obtida observando-se
desde então.
trechos do Relatório intitulado Um ensino que tem
Quanto à transição política que marcou o fim da
muito a aprender, elaborado por Jane Wreford, da
ditadura militar no Brasil, ela manteve traços mais
Comissão de Auditoria da Inglaterra, que, a pedido
do Instituto Fernand Braudel, passou um mês conservadores do que de mudança. A eleição de um
visitando escolas públicas paulistas na Grande São presidente de direita, Fernando Collor de Mello
Paulo, em 2002. (PRN, 1990-1992), depois de vinte e um anos de
Além de registrar problemas sobre a didática dos ditadura e de lutas democráticas que forjaram
professores, a falta de foco individual no aluno lideranças progressistas e de esquerda no cenário
devido à alta carga horária de trabalho, bem como o nacional brasileiro, evidencia que a transição para a
grande número de faltas, a rotatividade e os baixos democracia transcorreu de forma conservadora,
salários, Jane Wreford acrescentou que nas duas mantendo traços estruturais da formação histórica
aulas de Geografia a que assistiu, não havia sequer brasileira. O fato é mais significativo ainda porque o
mapas à disposição. As bibliotecas, com uma única derrotado nessas primeiras eleições diretas para
exceção, estavam trancadas. Embora Física, Química presidente (1989) foi Luiz Inácio Lula da Silva, cujo
e Biologia fossem disciplinas do currículo, os partido (PT) estava em franca ascensão junto aos
laboratórios eram raros. Nas salas de aula do ensino movimentos populares. Por seu lado, envolvido em
fundamental, exceto uma, não havia livros de escândalo de corrupção, Fernando Collor de Mello
leituras para diferentes graus de habilidade, nem não terminou o mandato.
mesmo simples livros de histórias. Os dois governos de Fernando Henrique
Quanto aos pontos positivos, ela realçou: a) a Cardoso adotaram medidas que expandiram as
merenda, “[...] um grande sucesso, gratuita e matrículas na escola pública15, mas diminuíram o
apetitosa, preparada na hora, com ingredientes
frescos e de alta qualidade” (WREFORD, 2003, p. 14
Em abril de 2002, segundo dados da Secretaria de Estado da Educação de
5), tornando as refeições “[...] melhores do que na São Paulo, citados no Relatório de Jane Wreford, as despesas anuais por aluno,
maioria das escolas britânicas”( WREFORD, 2003, em todo o sistema, eram de 500 dólares. Os Estados do Nordeste gastavam
menos que 150 dólares por aluno.
p. 5); b) o apoio financeiro, que aumentou “[...] nos 15
A universalização da escola pública brasileira recebeu impulso no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), especialmente no ensino fundamental
últimos 15 anos” (WREFORD, 2003, p. 4), embora que, em 2004, apresentava 94,4% de Taxa de Escolarização Líquida. Esse
registrando o pouco que se gasta por aluno: porcentual se deve em grande parte à Constituição Brasileira de 1988 e à atual
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394/1996, que
instituiu dois níveis de ensino: a) Educação Básica, formada pela Educação
O Brasil gasta apenas 14% do PIB per capita para cada Infantil (zero a seis anos), Ensino Fundamental (7 a 14 anos) e Ensino Médio (15
aluno da escola fundamental e 16% por aluno do a 17 anos); b) Educação Superior. Para Oliveira (2007, p. 674), a LDB contribuiu
para essa universalização, “[...] ao explicitar a possibilidade de adoção de
papel do Estado na educação superior ocasionando ensino que o País ostenta a menor taxa de
estagnação das universidades públicas além de Escolarização Líquida, isto é, apenas 13% dos jovens
aposentadorias precoces de professores que as de 18 a 24 anos frequentavam um curso superior em
deixaram para atuar nas universidades privadas, fato 2007 (IPEA, 2008). Esse sistema revela também que,
que prejudicou, principalmente, as universidades apesar de a Constituição Brasileira de 1988 exigir
públicas federais. Uma das principais medidas que as universidades sejam pautadas na
educacionais de seu governo foi desencadear o indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e apenas 8% das IES que compõem o sistema são
Bases da Educação (LDB), prevista na Constituição caracterizadas como tal, ou seja, 92% do Sistema de
Brasileira de 1988. Para Bittar, Oliveira e Morosini Educação Superior no Brasil é constituída por
(2008), a aprovação dessa Lei, após oito anos de Faculdades, Centros Universitários, Escolas Isoladas,
intensos debates no Congresso Nacional: entre outros tipos de instituições, que não são
obrigadas a desenvolver políticas de pesquisa e de
[...] constituiu-se em um marco histórico pós-graduação stricto sensu. Resta, portanto, aos 8%
importante na educação brasileira, uma vez que esta caracterizados como ‘universidades’, o oferecimento
lei reestruturou a educação escolar, reformulando os
da pesquisa e da pós-graduação; isto significa que a
diferentes níveis e modalidades da educação. [...]
possibilidade do desenvolvimento da ciência, da
desencadeou um processo de implementação de
reformas, políticas e ações educacionais [...] em vez tecnologia e do avanço do conhecimento não se
de frear o processo expansionista privado e redefinir estende a todo o sistema.
os rumos da educação superior, contribuiu para que No que diz respeito ao período conhecido como
acontecesse exatamente o contrário: ampliou e ‘era FHC’, a SBPC (2012, p. 3) entendeu que houve
instituiu um sistema diversificado e diferenciado, “[...] uma tentativa de desmonte do sistema de ciência e
por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da tecnologia e da pós-graduação”, mediante as políticas
organização acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse de privatização, flexibilização e desresponsabilização
contexto, criou os chamados cursos seqüenciais e os
implementadas pelo Estado, em consonância com as
centros universitários; instituiu a figura das
universidades especializadas por campo do saber; orientações emanadas dos organismos multilaterais.
implantou Centros de Educação Tecnológica; Esse processo de expansão e privatização
substituiu o vestibular por processos seletivos; orientado pela lógica de que ao Estado caberia
acabou com os currículos mínimos e flexibilizou os regular o sistema, instituiu-se um sistema complexo
currículos; criou os cursos de tecnologia e os de avaliação de todos os níveis de ensino
institutos superiores de educação, entre outras aumentando o seu controle com a intenção de
alterações (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, melhorar a qualidade da educação oferecida, o que,
2008, p. 10-11).
entretanto, não aconteceu. A política de avaliação
Um dos efeitos das reformas educacionais sistemática que passou a ser praticada pelo
instituídas no governo de Fernando Henrique Ministério da Educação, por meio do INEP,
Cardoso foi a intensificação do processo de possibilitou o conhecimento de dados dos Censos da
privatização da educação superior brasileira. Iniciada Educação Básica e da Educação Superior e a
nos anos da ditadura militar, especialmente após a constatação de que os níveis de aprendizagem no
Reforma Universitária de 1968, a expansão desse País, na Educação Básica, eram muito baixos,
nível de ensino colocou o Brasil como um dos países necessitando de políticas públicas mais eficazes para
com maior índice de privatização na educação enfrentá-los. Quanto à Educação Superior, a
superior, na América Latina e no mundo. O Censo constatação centrava-se na extrema desigualdade de
da Educação Superior relativo ao ano de 2008 acesso e permanência, na exclusão de milhões de
registra que do total de 2.252 Instituições de jovens desse nível de ensino, em especial negros e
Educação Superior (IES), somente 236 estão indígenas, na privatização, e no ensino de baixa
vinculadas ao setor público, enquanto 2.016 ao setor qualidade, entre outros.
privado, ou seja, 90% do total. Com relação às Depois da instituição das reformas neoliberais na
matrículas, do total de 5.080.056 alunos, 1.273.965 década de 90, o ex-ministro da Administração Federal e
estão frequentando as IES públicas, o que representa Reforma do Estado do primeiro governo de Fernando
25%; enquanto 75%, ou 3.806.091, estão
matriculados em IES privadas16. É nesse nível de Em termos de números significa que essas dez universidades detinham, em
2008, 686.638 matrículas de graduação. As duas públicas (Universidade de São
Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquista Filho (Unesp)
mecanismos como os ciclos, a aceleração de estudos, a recuperação paralela e registravam apenas 82.482 matrículas, inferior à primeira (Universidade Paulista
a reclassificação, entre outras medidas [...]”. (UNIP) que, isoladamente, mantinha 166.601 matrículas de graduação. Das oito
16
Para se ter uma ideia da privatização da educação superior no Brasil, deve-se universidades privadas, apenas uma caracteriza-se como
verificar os dados divulgados pelo Censo da Educação Superior, relativo ao ano ‘comunitária/confessional/filantrópica’, a Pontifícia Universidade Católica de
de 2008, os quais mostram que das dez maiores universidades brasileiras, em Minas Gerais (PUC-MG), com 34.017 alunos. As outras são universidades de
relação ao número de matrículas, oito eram privadas e apenas duas públicas. caráter empresarial, com finalidade lucrativa (BRASIL, 2009).
Inácio Lula da Silva, o Brasil inicia o século XXI com BRASIL. INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
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temos tarefas que deveriam ter sido cumpridas no Estado de S. Paulo. São Paulo, 26 nov. 2006. Caderno
século XIX e, por isso, não haveria maior Aliás, p. J3. (Entrevista).
homenagem que o País pudesse prestar a Paulo CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Freire do que ter construído um sistema escolar Nível Superior. Disponível em: <http://www.capes.gov.
br/sobre-a-capes/historia-e-missao>. Acesso em: 30 abr.
público, de qualidade e que proporcionasse as
2012.
mesmas oportunidades a todas as crianças e jovens
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brasileiros. A democracia brasileira continuará Pedagógicos, v. 81, n. 199, p. 525-568, 2003.
carente de conteúdo social enquanto esse desafio não DOSSIÊ ESTADO: Qualidade da Educação. O Estado
for cumprido. Uma população letrada e uma escola de S. Paulo. São Paulo, 29 abr. 2007. Caderno H, p. 2-19.
básica que cumpra a sua função de proporcionar (Edição Especial).
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sua forma mais plena, tal como preconizado FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 8.
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historicamente pela filosofia grega: a educação para
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atuação na polis, que deveria romper o sentido
Revista Estudos Avançados, v. 7, p. 65-137, 1993.
meramente individual, visando o bem comum, isto
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é, da cidade, o que hoje pode ser entendido como Disponível em: <http://portalideb.inep.gov.br/>. Acesso
um projeto democrático de Nação. em: 19 fev. 2012.
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RESUMO
Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR 279
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à educação no Brasil...
ABSTRACT
The article deals with the relationships between the problems of access,
retention and quality and historical configuration of the Brazilian state and
therefore the educational policy that was drawn from this setting. Highlights
the profound social and regional inequality and exclusionary process cor-
related to the right to education in Brazil, both in terms of normative and
political, as the point of view of the school dynamics. The findings highlight
the need for reflection on the historical debt of the country with the estab-
lishment of a national education system and ensuring the right to education.
Keywords: State; educational policy; right to education.
Introdução
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brasileiro, representada por autores como Tavares Bastos e Rui Barbosa, nunca
foi alheia à ideia de uma limitada intervenção estatal que, sem desconsiderar
a ideia de direitos individuais e a extensão das liberdades, pudesse compensar
tanto o atraso do país em matéria educacional, quanto à impossibilidade ou falta
de vontade política para a criação de escolas.
Todavia, tanto o Império, com a edição do Ato Adicional de 1834, quanto
a Primeira República, com o seu federalismo oligárquico, não levaram a frente
a ideia de intervenção estatal moderada na área de educação, típica do libera-
lismo clássico: a educação não era uma tarefa do Estado nacional, mas sim das
províncias e, posteriormente, com a Proclamação da República, dos estados.
Assim, enquanto a Europa constituía, no final do século XIX, o seu sistema
nacional de educação, o Brasil mitigava essa possibilidade com uma organiza-
ção de Estado liberal que servia apenas para atender aos interesses políticos e
econômicos das elites regionais, adaptando-os a uma estrutura social marcada
pelos acordos políticos “pelo alto” e pela concentração de terras, riquezas e saber.
Apenas a partir de 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde que
significou o reconhecimento, no plano institucional, da educação como uma
questão nacional. Ato contínuo, o país teve uma série de reformas, medidas e
debates de alcance nacional: em 1931 as reformas de Francisco Campos; em
1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, dirigido ao povo e ao go-
verno no sentido da construção de um sistema nacional de educação; em 1934 a
promulgação da Constituição que reconhecia a educação como direito, colocava
a exigência de fixação das diretrizes da educação nacional e a elaboração de
um plano nacional de educação; durante todo o período de Vargas no poder, a
edição das leis orgânicas de ensino.
Essas medidas são correspondentes à configuração de um modelo inter-
vencionista de Estado no país. A crise de 1929, bem como a Grande Depressão
que a seguiu, desautorizou o funcionamento pleno do modelo de Estado liberal
no Brasil, tornando-se necessária não só a sistemática planificação estatal nos
domínios econômicos, como também a incorporação das massas trabalhadoras
e das classes médias urbanas ao sistema político.
O objetivo principal desse modelo de Estado não era tanto a redistribuição
de renda e de provimento do bem-estar social como foi o caso de muitos países
Europeus, mas a transição de uma economia eminentemente agrária para uma
industrial. Daí a adoção da concepção de que o Estado seria a grande alavanca do
progresso econômico e social do País. Posição que foi reforçada pelas políticas
keynesianas aplicadas em diversas partes do mundo a partir de 1930. Para tanto,
foi necessária a criação da moderna burocracia – na verdade uma tecnocracia
formada por profissionais, civis e militares, engajada em serviço integral, que
atuou como o principal agente da transformação econômica do País.
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2 Que se tornou obrigatório no ano de 2009, como critério parcial ou único para ingresso
em cursos superiores.
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3 Desde 1940, de acordo com o Código Penal Brasileiro, pais e responsáveis que não
enviam crianças à escola incorrem em crime de abandono intelectual, cuja pena varia de reclusão
ao pagamento de multas. Já a obrigatoriedade de oferta de educação gratuita, só foi inscrita na
Constituição Federal de 1988 que prevê responsabilização da autoridade competente pela não-oferta
ou pela oferta irregular da etapa obrigatória de escolarização.
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Conclusões
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REFERÊNCIAS
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte:
UFMG,1999.
292 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR
ENSINO SUPERIOR: trajetória histórica e políticas recentes
ADILSON PEREIRA DOS SANTOS
EUSTAQUIO AMAZONAS DE CERQUEIRA
RESUMO
INTRODUÇÃO
“... produção da desigualdade, de cujo peso a realidade atual ainda é detentora, vai nos
mostrando a face dos sujeitos da privação: negros, pardos, migrantes do campo e de regiões
mais pobres do país, trabalhadores manuais, moradores de bairros periféricos e pessoas fora da
faixa etária legal.” (p. 9)
1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA
2
Durham, 1998). Citando Benjamin (1964), Trindade (2000) esclarece ainda que “... as
colônias norte-americanas da costa leste, após enviarem seus filhos para estudar em Oxford e
Cambridge - de 1650 e 1750 - adotaram o modelo dos colégios ingleses, a partir de 1636, em
Cambridge (Harvard), Philadelphia, Yale e Princeton e Columbia.” (P. 123)
A origem do ensino superior no Brasil data do século XIX, o que, na opinião de alguns
estudiosos, Cunha (1980) e Durham (2005), reflete o seu advento tardio. Para fins de
contextualização, neste trabalho pontuaremos algumas características do ensino superior
brasileiro, tendo como principal referência a periodização proposta por Durham (2005).
Recorreremos ainda a contribuições de outros autores.
3
Começou naquele momento, a diversificação do sistema que vai perdurar até os dias
de hoje no âmbito do ensino superior brasileiro: instituições públicas e leigas, federais ou
estaduais, ao lado de instituições privadas, confessionais ou não.
Durante esse período, o sistema de ensino superior continuou crescendo lentamente até
1960, época da formação da rede de universidades federais; criação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (a primeira de uma série de universidades católicas);
expansão do sistema universitário estadual paulista e o surgimento de instituições estaduais e
municipais de ensino de menor porte em todas as regiões do país. Entre 1946 e 1960, foram
criadas 18 universidades públicas e dez particulares de maioria confessional católica e
presbiteriana (Sampaio, 2000: p. 70-71).
4
Na segunda metade da década de 1950, o movimento estudantil entrou em cena, pela
“reforma profunda de todo o sistema educacional” (Idem, p. 208). Para o movimento
estudantil, o mais importante era alterar toda a estrutura existente e romper com o modelo
resultante dos compromissos com o Estado Novo.
Apesar de tudo, podemos tratar esse período como uma das primeiras experiências de
expansão do sistema. Ao contrário do crescimento do setor privado, o que se pretendia era a
ampliação das vagas nas universidades públicas e gratuitas, que associassem o ensino à
pesquisa, com foco no desenvolvimento do país, aliado às classes populares na luta contra a
desigualdade social no ensino superior.
Uma das reivindicações da União Nacional dos Estudantes, a UNE, era a substituição
de todo o setor privado. Admitiam a manutenção das PUCs, do Rio de Janeiro e de São Paulo,
a partir do direcionamento da Igreja Católica para as causas sociais, com base nas teorias da
Teologia da Libertação. Mais tarde, essas instituições de ensino superior apoiaram o
movimento estudantil, por meio da juventude católica, que se transformou num segmento
importante na luta contra o regime militar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), votada em 1961, atendeu
aos anseios dos setores privatistas e conservadores, o que acabou por legitimar e ampliar o
sistema existente. A LDB se preocupou basicamente em estabelecer mecanismos de controle
da expansão do ensino superior e do conteúdo a ser trabalho.
5
Apesar da proposta, a reforma foi incompleta; não houve verdadeira reforma curricular
e a ampliação do sistema se deu simplesmente através da multiplicação da matrícula nos
mesmos cursos tradicionais. A reforma tentou organizar todo o sistema federal em
universidades e de promover a pesquisa, o que ia ao encontro das reivindicações dos
estudantes e constava do ideário modernizador desde 1930.
Na década de 1970, os resultados de um grande desenvolvimento econômico
produziram o chamado “milagre econômico”. A classe média brasileira foi, então,
diretamente beneficiada: enriquecida dentre outros hábitos de consumo, aumentou a demanda
pelo ensino superior com o aumento providencial dos recursos federais e o orçamento
destinado à educação.
Durante esse período, tanto o setor público quanto o setor privado foram beneficiados
com os resultados da política econômica do regime militar. No Brasil, ao contrário de alguns
países da América Latina, a repressão política promoveu o ensino superior, tanto público
quanto privado. O número de matrículas, em cerca de vinte anos, passou de 95.961 (em
1960), para 134.500 (em 1980). Os anos de 1968, 1970 e 1971 foram os que apresentaram as
maiores taxas de crescimento.
O aumento da demanda por ensino superior está associado ao crescimento das
camadas médias e às novas oportunidades de trabalho no setor mais moderno da economia e
da tecnoburocracia estatal. O setor público não se preparou para esse momento do ensino
superior. Já o setor privado foi capaz de absorvê-lo, porque se concentrou na oferta de cursos
de baixo custo e no estabelecimento de exigências acadêmicas menores, tanto para o ingresso
como para o prosseguimento dos estudos até a graduação.
As instituições privadas de ensino superior tornaram-se um grande negócio. Os
empresários, donos dessas instituições, não tinham nenhum comprometimento com a
educação e viam na necessidade imediata, por parte de um grande percentual da sociedade, da
obtenção de um diploma a oportunidade de ganhar muito dinheiro. Pragmaticamente, esse
fenômeno ocorreu na região mais rica do país, o Sudeste, enquanto que no Norte e no
Nordeste o ensino ficava a cargo, quase que completamente, do setor público. O setor privado
não tinha grandes preocupações com a pesquisa e nem com a qualidade do ensino.
A década de 1980 foi de crise econômica e de transição política que culminou, com
uma nova Constituição em 1988 e, logo no início da década seguinte, a eleição direta para
presidente. No período, tanto o setor público quanto o privado foram atingidos pela
estagnação no ensino superior, porém, os reflexos da crise econômica causaram maior efeito
no setor privado.
No período, verificou-se uma expansão dos cursos noturnos, que, dentre outros
objetivos, são criados para atender a uma nova demanda. Concentra-se no setor privado e se
revela numa oportunidade “mais fácil” de ingresso em setores da sociedade já inseridos no
mercado de trabalho, impossibilitados de frequentar cursos diurnos. Em 1986, 76,5% das
matrículas no ensino superior se concentravam no setor privado. As universidades federais
resistiam à implementação de cursos noturnos, com um percentual de apenas 16% das
matrículas.
Começa uma grande competitividade entre as instituições privadas, provocadas,
principalmente, pela escassez de candidatos, no que as universidades e os grandes
estabelecimentos levam vantagem em relação às faculdades menores.
Ainda nos anos de 1980, o setor privado amplia o tamanho de seus estabelecimentos
por processos de fusão e incorporação de estabelecimentos menores, no intuito de fugir ao
controle do Conselho Federal de Educação (CFE).
6
Entre 1985 e 1990, aumenta em 145% o número de instituições privadas, passando de
20 para 49. Essa multiplicação não foi positiva para o ensino como um todo e nem para a
clientela que dela fazia uso. Destacam-se ainda nesse período, as lutas travadas no interior das
instituições, onde a organização sindical dos docentes universitários, que deu origem à
Associação Nacional dos Docentes Universitários (ANDES), assumiu um papel importante. A
ANDES, em tese, substituiu o movimento estudantil, resgatando bandeiras de lutas pela
democratização da e na educação superior. Essa entidade atuava basicamente no setor púbico
e surgiu das marcas profundas que a repressão militar deixou nos que combateram no período
autoritário. Na agenda da ANDES, os temas prioritários eram autonomia e democratização,
traduzidas em participação de docentes e de discentes na gestão da universidade, por meio de
mecanismos de representação.
7
“medidas visando a adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que diz respeito às
suas respectivas estruturas regimentais, bem assim sobre a eficácia da gestão, os aspectos
organizacionais, administrativos e operacionais, a melhoria da qualidade dos serviços e
instrumentos de avaliação de desempenho” (Idem).
Essa iniciativa foi alvo de muitas críticas advindas das universidades federais,
particularmente das associações de docentes, que liam no Decreto, mais uma vez na história, a
tentativa de o governo desobrigar o Estado das suas responsabilidades para com a educação
como um bem público. Para os críticos da iniciativa, o enfoque de análise, tendo como
pressuposto a “crise das IFES”, imputava nelas uma responsabilidade que não cabia a elas
somente. As mazelas de um sistema historicamente excludente e objeto de forte processo de
sucateamento em período recente não podiam ser atribuídos a quem na verdade sobreviveu a
duras penas.
Durante a existência do GT, os debates foram intensos e, em dezembro de 2003, o
grupo divulgou seu relatório no qual foi apresentado um diagnóstico do ensino superior dando
conta de que “a última década foi de desarticulação do setor público brasileiro; as
universidades federais não foram poupadas” (Grupo de Trabalho Interministerial, 2003).
Sofreram conseqüências da crise fiscal do Estado que afetaram seus recursos humanos, sua
manutenção e investimento. A prioridade ao setor privado chegou ao setor do ensino superior
ocasião em que as universidades privadas experimentaram uma expansão recorde, porém, se
encontravam ameaçadas pelo risco de uma grande inadimplência e crescente desconfiança
quanto a seus diplomas.
Naquela conjuntura, houve quem avaliasse que a iniciativa de criação do GT e a forma
como iniciaram as discussões sobre o ensino superior foi atabalhoada, conflituosa e incoerente
com as relações históricas do presidente Lula com os movimentos sociais, associações
científicas, sindicatos e centrais sindicais. Para Mancebo e Silva Júnior (2004), essas
entidades ainda buscavam
8
concentrou na defesa da necessidade de complementação de recursos e da garantia de
gestação de um novo modelo em relação ao atual. A última parte apontou as etapas
necessárias para a formulação e a implantação da Reforma Universitária brasileira (Grupo de
Trabalho Interministerial, 2003).
Poderíamos inferir que os debates ocorridos em 2003 reacendiam as discussões acerca
da “Reforma Universitária”. Tema antigo, recorrente e controverso, que pelo menos, desde
1968, com o advento da Lei 5.540, que reorganizou o ensino superior num contexto de
ditadura militar, mobiliza a universidade e todos aqueles que sobre ela procuram refletir. Em
se tratando de Reforma Universitária, alguns aspectos sempre se fazem presentes no debate:
gestão, autonomia acadêmica e financeira, avaliação e regulação, estrutura e organização,
democratização e acesso etc.
Neste trabalho interessa-nos mais de perto as preocupações relacionadas à questão da
democratização do ensino superior, em particular das políticas públicas destinadas à
ampliação do acesso. A esse respeito, em 2001 o Plano Nacional de Educação (PNE)
estabeleceu como meta a necessidade de ampliação das matrículas no ensino superior de
jovens entre 18 e 24 anos de 12% para 30%. Segundo o próprio PNE, os 12% de matrículas
colocavam o Brasil numa posição de desvantagem na América Latina, inclusive comparando-
o com países em situação econômica inferior, como são os casos de Argentina, Chile,
Venezuela e Bolívia, nos quais os índices de matrículas no ensino superior são,
respectivamente, 40%, 20,6%, 26% e 20,6%. Além disso, 40% das matrículas deveriam se
concentrar no setor público.
Na avaliação do Grupo Interinstitucional (2003), “para atingir os 40% de
universitários matriculados no setor público determinados pelo PNE, seria preciso chegar a
2,4 milhões de vagas no sistema público, dos quais a metade no subsistema federal.” (p.5).
Ao governo Lula, que tomou posse em janeiro de 2003, entre outras preocupações no
âmbito do ensino superior, o atingimento dessas metas ainda se colocava como um desafio. A
leitura das Sinopses Estatísticas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
“Anísio Teixeira” demonstram que se houve algum avanço, esse foi tímido.
As críticas e questionamentos quanto à função e ao relatório produzido pelo Grupo
Interistitucional de 2003 desqualificavam o produto do trabalho desenvolvido e faziam com
que o governo recuasse em relação a essa estratégia para a implementação da “Reforma
Universitária”. A própria saída do ministro Cristovão Buarque do MEC sugere uma mudança
de rumo em face de uma tática malsucedida. Dessa forma, empossado no MEC, Tarso
Fernando Herz Genro, homem forte do Presidente Lula, assumiu como tarefa prioritária
realizar a Reforma Universitária.
Em sua curta passagem, no Ministério 3 , Genro até tentou encaminhá-la na forma de
pacote. Participou de debates em conferências e seminários, realizou oitivas públicas,
consultou as instituições etc, com vistas a realizar a Reforma Universitária. Por essa via,
assim como o antecessor, também não teve êxito. De forma fragmentada, no entanto,
conseguiu alguns avanços. Aprovou a Lei que criou o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Sinaes) 4 ; apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 5 que
instituia a política de reserva de vagas para egressos de escolas públicas, negros e indígenas
nas instituições públicas de ensino superior e criou, por meio de Medida Provisória 6 , o
Programa Universidade Para Todos (Prouni).
Numa conjuntura de crise política, convocado pelo Presidente Lula, Genro saiu do
MEC para assumir a presidência do Partido dos Trabalhadores (PT). Em seu lugar, foi
empossado o então secretário executivo do MEC, professor Fernando Haddad, que deu
continuidade às ações do sucedido. Por ocasião da sua posse, Genro afirmou que o sucessor
possuia “...características técnicas e políticas importantes para exercer o cargo...” É dotado de
“...requisitos absolutamente especiais para ser ministro. Além de ser uma pessoa que tem uma
9
formação técnica e científica vinculada à Educação, ele também é um brilhante quadro
político’” (UNIVERSIA, 2005).
Haddad chegou ao MEC com Tarso no início de 2004; juntos finalizaram o
anteprojeto da Reforma Universitária. O novo ministro assumiu o MEC diante de uma agenda
de quatro itens prioritários: 1) alfabetização com inclusão, 2) reforma do ensino superior, 3)
reorganização do ensino técnico e 4) aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica (Fundeb). O início do mandato de Haddad coincidiu com a conclusão da
terceira versão do Projeto de Reforma Universitária, que foi entregue ao Presidente Lula por
Genro na cerimônia de sua posse.
A despeito de ainda não ter sido aprovada a Reforma Universitária, sob a batuta de
Haddad, além das iniciativas em curso, uma série de novas ações e/ou políticas foram e vêm
sendo empreendidas pelo MEC. O que poderíamos supor que a conta-gotas o governo vem
colocando em prática a Reforma Universitária.
2. POLÍTICAS RECENTES
“apoiar atividades acadêmicas que integram ensino, pesquisa e extensão. Propicia aos alunos
(...) a realização de atividades extracurriculares que complementem a formação acadêmica (...)
e atendam às necessidades do próprio curso de graduação. O estudante e o professor tutor
recebem apoio financeiro de acordo com a Política Nacional de Iniciação Científica”. (Idem)
10
Parte integrante do Sinaes, o Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes
(Enade), substituiu o Provão em 2004 e se realiza pela aplicação de provas para concluintes e
ingressantes dos cursos de graduação.
Também articulado ao Sinaes, o Índice Geral de Cursos (IGC) é um indicador
gerado pelo Sistema que caracteriza um determinado curso com base na articulação de
diversos instrumentos e fontes de avaliação.
“Oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao
estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício do
magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas
de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o PIBID faz uma articulação entre a educação
superior (por meio das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais.” (Ibidem)
“projetos voltados para a formação e o exercício profissional dos futuros docentes, além de
implementar ações definidas nas diretrizes curriculares da formação de professores para a
educação básica. Os objetivos do programa são: contribuir para a elevação da qualidade da
educação superior, formular novas estratégias de desenvolvimento e modernização do ensino
no país, dinamizar os cursos de licenciatura das instituições federais de educação superior,
propiciar formação acadêmica, científica e técnica dos docentes e apoiar a implementação das
novas diretrizes curriculares da formação de professores da educação básica.” (Ibidem)
11
2.1.5. Programas/ações de acesso e permanência
Além dos programas/ações diretamente ligados à SESu, uma outra ação mais ampla do
MEC e tão importante quanto às já descritas é o Sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB), criado em 2005. Esse sistema objetiva a expansão e interiorização da oferta de cursos
e programas de educação superior, por meio de parcerias entre as esferas federais, estaduais e
municipais do governo.
“que 34,4% dos alunos de instituições superiores da rede pública fazem parte dos 10% mais
ricos da população. Quando se trata do sistema privado, esse percentual vai para 50%. A renda
familiar dos alunos de universidades públicas no Brasil é menor que a de universitários da rede
12
particular, pois enquanto a renda média mensal da família de estudantes das instituições
públicas é de R$ 2.433, na particular esse valor sobe para R$ 3.236. Além disso, de cada cem
universitários do setor público, 12 estão entre os mais pobres, com renda mensal de R$ 482 ou
menos. Nas instituições privadas, a proporção passa para cinco a cada cem alunos.” (Mancebo
2004, p. 3)
13
encaminhamento ao Congresso por meio de instrumentos jurídicos diferentes, suscitou muito
debate, visto que uma MP tem caráter de urgência e validade imediata, ao passo que um PL,
dependendo da natureza da matéria, tende a se arrastar por longo período, é o que está
ocorrendo com o 3.627 de 2004, aditado ao PL 73/99.
Numa avaliação do desempenho dos bolsistas do Prouni Gaspari (2009) escreveu em
sua coluna na Folha de São Paulo:
“A demofobia pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e
negros. Ao longo dos anos o elitismo convencional ensinou que, se um sistema de cotas levasse
estudantes negros para as universidades públicas, eles não seriam capazes de acompanhar as
aulas e acabariam fugindo das escolas” (GASPARI, 2009).
No entanto, constata o colunista, que a “lorota” não pegou; dados oficiais do INEP
informam que no ENADE 2004 “... o desempenho dos bolsistas do Prouni ficou acima da
média dos demais estudantes...” (Idem)
Do ponto de vista acadêmico, pesquisas 9 em nível de mestrado e doutorado começam
a revelar que, a despeito das críticas macroestruturais que o Prouni possa merecer, seus
resultados concretos para os individuos têm demonstrado sua parcela de contribuição ao
processo contraditório e desafiador da democratização do acesso ao ensino superior.
Por tudo que tratamos até aqui, não somos ingênuos ao ponto de ignorar os efeitos
perversos das escolhas econômicas neoliberais do país e seus reflexos na educação superior,
tão bem tratados pela literatura especializada. Entretanto, arriscamos dizer que, diante de um
sistema originariamente elitista, com as devidas ressalvas, o atual governo tem demonstrado,
ainda que contraditoriamente, um interesse e uma disposição em favorecer o acesso e a
permanência de determinados setores da sociedade até então excluídos deste nível de
escolarização.
Nessa mesma perspectiva crítica, concordamos com Santos (2009) para quem ao se
discutir democratização do ensino superior é preciso ter consciência de que “o problema mais
crônico está intimamente relacionado ao estoque de vagas disponíveis em face da sua real
demanda”, o que converge com o ponto de vista de Carvalho (2006, p. 1) para quem “o
empecilho à democratização está na escassez de vagas públicas e gratuitas”. Considere-se
ainda a contribuição de Pacheco & Risttof, segundo os quais
“para atingir índices de matrícula na educação superior, minimamente comparáveis aos índices
internacionais, ou ainda, para atingir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação
(PNE), qual seja, a de abrigar 30% da população da faixa etária apropriada na educação
superior até 2010, o Brasil não pode mais depender exclusivamente da força inercial do
mercado.”(p.8)
REFERÊNCIAS
14
CARVALHO, C. H. A. O Prouni no governo Lula e o jogo político em torno do acesso ao
ensino superior. Campinas. Educação e Sociedade. vol. 27, n. 96, p. 979-1000, out. 2006.
GASPARI, E. A cota de sucesso da turma do Prouni. São Paulo. Folha de São Paulo. 17 de
julho de 2009.
15
NEVES, C. E. B. et. al. Acesso, expansão e equidade na educação superior: novos desafios
para a política educacional brasileira. Porto Alegre. Sociologias. ano 9, n. 17, jan./jun. 2007.
SAMPAIO, H. Ensino Superior no Brasil – o setor privado. São Paulo, Hucitec, 2000.
16
7
http://www.mec.gov.br
8
CUNHA (2003); LEHER (2003); MANCEBO (2004); CATANI et. al. (2006); NEVES et. al. (2007);
SEVERINO (2008); SGUISSARDI (2008).
9
No Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS destacam a dissertação de Mestrado Política
Pública Para o Acesso ao Ensino Superior: o Prouni no contexto do Centro Universitário do Leste de
Minas Gerais, defendida por Edna Imaculada Inácio de Oliveira, em fevereiro de 2009 e o trabalho de
doutoramento de Marialua Linda Moog Pinto: Qualidade da Educação Superior e o Prouni: Limites e
possibilidades de uma política de inclusão.
17
A ABORDAGEM DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS PARA ALÉM DA
RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE
Resumo: O presente artigo destaca resultados parciais do estudo bibliográfico de uma pesquisa em andamento,
na qual se investiga a categoria de Educação Integral proposta pelo Programa Mais Educação do MEC. Com o
objetivo de realizar uma análise ampla e aprofundada sobre a política educacional em questão, assumindo uma
abordagem em acordo com a perspectiva metodológica adotada ao longo da pesquisa, se realizou um resgate
histórico sobre a relação entre Estado e Sociedade no Brasil e a configuração das políticas educacionais de
diferentes épocas. A partir da análise de documentos e estudo de referenciais teóricos, se investigou ainda os
enfoques das políticas educacionais nas últimas décadas. Como resultados parciais deste estudo bibliográfico
destaca-se a importância fundamental do resgate histórico e de uma abordagem dialética das políticas
educacionais, visando compreendê-las a partir da relação entre as determinações globais da sociedade e as
especificidades históricas do contexto em que são implementadas e re-significadas.
Introdução
Xavier; Ribeiro; Noronha (1994) destacam que, por seu caráter elitista, a política
educacional brasileira concretizada na legislação do ensino até a década de 1910, revelou o
predomínio pelo ensino superior. Entretanto, é neste período que se verifica a emergência de
pressões de diferentes grupos sociais pelo ensino popular, impulsionadas também pelo
aumento da demanda escolar com a chegada dos trabalhadores imigrantes europeus em busca
de melhores condições de vida. Desta forma
Ainda na década de 1910, o modelo de escola que vinha sendo difundido, passa a ser
duramente criticado por lideranças educadas pela teoria socialista de movimentos operários da
Europa e também por participantes dos movimentos abolicionista, comunista e anarquista
(XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
Como se pode observar, diferentemente dos períodos anteriores, ao final da Primeira
República e início da República Nova, a demanda pela educação aumenta e diversifica-se
com a disputa de grupos com diferentes interesses e concepções em relação à educação
formal.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra perde sua influência enquanto
centro do capitalismo internacional e aos poucos vai sendo substituída pelos Estados Unidos,
que passa a exercer maior influência sobre os setores sociais brasileiros. É neste período que
intelectuais brasileiros, em contato com o movimento Nova Escola, fundam em 1924 a
Associação Brasileira de Educação (ABE), que propunha reformas ao sistema de ensino
(XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
De forma inversa aos movimentos operários, este grupo considerava a escola como
elemento central na reprodução das desigualdades sociais, e não reconheciam a escola, como
reflexo da sociedade desigual da época. O movimento contribuiu para a expansão dos ideais
liberais em confronto com setores conservadores da sociedade brasileira. Além disto, seu
pensamento liberal influenciou concepções pedagógicas e políticas públicas educacionais dos
períodos seguintes.
É neste contexto que, procurando a conciliação entre os setores liberais e
conservadores da sociedade brasileira, a partir da década de 1930 até a década de 1950 é
5
aplicada no Brasil uma política governamental de desenvolvimento capitalista sobre uma base
nacional (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
As transformações políticas, sociais e econômicas ocorridas a partir de 1930, tiveram
importância fundamental para a reorganização do sistema educacional brasileiro.
Como característica deste período observa-se que a sociedade política passa a atuar
de forma cada vez mais intensa na sociedade civil, submetendo-a ao seu controle a partir do
aperfeiçoamento da burocracia. Já na Constituição de 1934 apresenta-se a necessidade de
elaboração de um Plano Nacional de Educação que coordene e supervisione as atividades de
ensino em todos os níveis (FREITAG, 1980).
Entretanto, mesmo ampliando o acesso à educação formal e prevendo sua
importância na constituição do Estado nacional, manteve-se neste período o caráter dual do
sistema de ensino.
Na passagem da década de 1950 a 1960 tem-se um período que Xavier; Ribeiro;
Noronha, (1994) denominam capitalismo monopolista em que o futurismo de Juscelino
Kubitschek derruba o nacionalismo de então e prepara o terreno para a internacionalização da
economia. Neste contexto, a abertura ao capital internacional foi considerada a solução para o
crescimento econômico, porém, os investimentos do período ampliaram a dívida externa e
consequentemente a inflação, as desigualdades e conflitos sociais. Além disto, este processo
de internacionalização da economia contribuiu para o surgimento de uma burguesia
multinacional aglutinada a burguesia nacional e aos setores conservadores, reduzindo a
influência dos movimentos de resistência de cunho nacionalista e populista.
As autoras destacam que após a Segunda Guerra Mundial com a criação da
Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
expandem-se os ideais de democratização e cresce a preocupação com a expansão quantitativa
da educação. Contudo, a democratização do acesso à educação formal, estava fortemente
vinculada aos ideais de modernização e é neste sentido que passa a ser pensada como forma
de qualificar a mão-de-obra. Neste período se observa então, a radicalização das posições
ideológicas consideradas de esquerda e direita em torno das concepções que deveriam orientar
os rumos da educação, sendo que na primeira metade dos anos 60 tem-se a intensificação dos
movimentos de Educação Popular.
Procurando contemplar as necessidades do projeto de modernização do país, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, estimulou a expansão dos cursos
profissionalizantes de nível médio, embora com qualidade duvidosa devido à precariedade das
condições objetivas das instituições de ensino (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994).
6
Nas últimas décadas, observa-se que os países da América Latina de modo geral,
iniciaram reformas em seus sistemas de ensino tendo por base, em grande medida, um
processo de indução externa que articula as políticas sugeridas por organismos internacionais
à concessão de empréstimos aos países desta região.
De acordo com Krawczyk; Rosar (2001), estas reformas partem de pesquisas que
demonstraram a ineficiência de seus sistemas de ensino frente às necessidades de
reestruturação do sistema produtivo e da relação Estado e sociedade de acordo com os
padrões da nova ordem mundial. Neste sentido, para a consolidação de um cenário
globalizado, se exige de todos os países, assegurar a competitividade de seus mercados
investindo na formação de recursos humanos. Aos seus governos, cabe adequar os serviços
educacionais às demandas do mercado, garantindo o cumprimento das estratégias sugeridas
para “a melhoria da qualidade do ensino”.
Shiroma; Moraes; Evangelista (2000) destacam que no Brasil, para realizarem estas
reformas, os governos nacionais aproveitaram-se do consenso construído entre educadores
brasileiros durante a luta pela democratização nas décadas de 1970 e 1980. Destacam ainda,
que no período pós-ditadura para a consolidação de seus interesses, o Estado passa a utilizar o
convencimento com uso mínimo de ação estatal e de força, procurando através da persuasão
“construir um novo consenso”. Além disto, em parte, este consenso apoiou-se no fetichismo
do conhecimento instrumental como elemento essencial para a inserção dos países latino-
americanos no mercado mundial.
Entretanto, cabe destacar que, embora os organismos internacionais, de modo geral,
considerem o progresso técnico e o capital humano como principais elementos de assimetria
entre os países, nos últimos anos começam a recuar na ideia de que o sistema de ensino
apresente em si potencial para superação das desigualdades sociais, ideia amplamente
defendida na década de 1990.
Nos informes sobre os anos de 1999 e 2000 já não há o mesmo destaque para a
educação que anteriormente. Em contrapartida, destacam-se os “ambientes
adversos” produzidos pelas crises econômicas, o aumento do desemprego, desastres
naturais, etc. entre os setores sociais mais vulneráveis (Banco Mundial, 2000). Neste
sentido, várias questões são propostas para gerar as condições propícias para que a
educação recupere seu potencial de capital humano (KRAWCZYK, 2002, p. 57).
medidas para garantir a permanência dos estudantes na escola. Segundo Leher (2007), estas
medidas fazem parte da reorganização do capitalismo em nível mundial, conduzindo a
reprimarização dos países subdesenvolvidos de acordo com as novas demandas do capital.
em que são aplicadas, pois passam por um processo de re-contextualização com base nas
características históricas da sociedade a que se destinam.
Os padrões definidos pelos rumos da globalização são localmente re-significados,
apesar de não perderem as marcas advindas das decisões em escala mundial. Nesse
sentido, é preciso considerar que a estruturação e implementação das políticas
educativas constituem uma arquitetura em que se fazem presentes, dentre outras
dimensões: as soluções técnico-políticas escolhidas para operacionalizar
internamente os princípios ditados pelo espaço global; o conjunto de valores que
articulam as relações sociais; o nível de prioridade que se reserva à própria
educação; as práticas de acomodação ou de resistência forjadas nas instituições que
as colocam em ação, seja nos sistemas de ensino ou nas próprias escolas. Na medida
em que as orientações globalizadas se direcionam para contextos socioculturais que
não são homogêneos, resultam em processos que buscam articular a lógica do
global, do regional e do nacional, e, no interior das sociedades, as lógicas que regem
as instituições e, em particular, os espaços, locais.
Segundo a autora, neste processo, ainda que a política educacional se apresente como
um fenômeno com características comuns a nível global, localmente reveste-se das
singularidades próprias de cada contexto. Portanto, sua apreensão requer uma análise
relacional sobre a forma como estes níveis diversos se articulam, buscando-se assim, o
entendimento das contradições específicas que resultam das determinações globais.
Ainda que se considere a política educacional como parte da totalidade de um projeto
de sociedade, podendo somente ser compreendida em relação a este, cabe também considerar
que a política educacional concretiza-se no espaço escolar, sendo que
O cotidiano escolar, portanto, representa o elo final de uma complexa cadeia que se
monta para dar concretude a uma política – a uma policy – entendida aqui como um
programa de ação. Política que, nesta forma de compreensão, diferencia-se do
significado de politicsou política-domínio (LAFER, 1975). Isto não significa
desconhecer que uma policy - o programa de ação – seja construída em função de
decisões políticas – da politics ou da política-domínio - refletindo, assim, as relações
de poder e de dominação que se estabelecem na sociedade (AZEVEDO, 2004, p.
59).
Considerações finais
Como resultados parciais desta etapa do estudo bibliográfico, se observa a
necessidade de uma abordagem da política educacional que contemple não apenas suas
dimensões macro ou microssociais mas, sobretudo, que apreenda o movimento histórico pelo
qual estas dimensões se articulam na definição e implementação de determinada política.
Neste sentido, percebe-se a importância de, partindo das contradições materiais
presentes no momento em que esta política é proposta, resgatar o movimento histórico pelo
qual esta se configurou. Desta forma, percebe-se ainda, que o desafio colocado à investigação
das políticas educacionais, vai além da análise das concepções e propostas apresentadas em
seus programas. Apreender suas contradições, requer também uma investigação sobre as
relações concretas pelas quais são implementadas e re-significadas em determinado contexto.
É importante que a investigação da política educacional avance para além da
evidência dos grandes imperativos globais e das limitações que estes colocam às práticas
comprometidas com a transformação da sociedade. É importante que estas pesquisas
possibilitem compreender a relação dialética em que as diversas dimensões da realidade
investigada atuam na configuração da política educacional. A partir deste entendimento, na
sequência desta pesquisa observou-se a necessidade de um estudo de campo que investigue as
contradições concretas que permeiam a implementação da Educação Integral proposta pelo
Programa Mais Educação.
Conforme é possível observar, nesta perspectiva exige-se do investigador mais do
que a ação de constatar as relações de fundo que implicam na configuração da política
educacional, mas sim apreender de forma dialética o movimento histórico - global e local -
pelo qual suas propostas reproduzem-se e/ou modificam-se. Neste sentido, tem-se a
possibilidade de ir além da denúncia, percebendo-se que as práticas sociais por não serem
15
Referências
AZEVEDO, J. L. de. A educação como política pública. 3ª Ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004.
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 4 ed. São Paulo: Moraes, 1980.
SARDAGNA, Helena Venites. Educação Para Todos: uma política do mundo global.
Revista Liberato, Novo Hamburgo, v. 2, p. 7-13, 2006.
SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia M. de; EVANGELISTA, Olinda. Política
Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
MOACIR GADOTTI
Professor da Universidade de São Paulo e Diretor do Instituto Paulo Freire.
Autor, dentre outras obras, de Perspectivas atuais da educação.
Resumo: O conhecimento tem presença garantida em qualquer projeção que se faça do futuro. Por isso há um
consenso de que o desenvolvimento de um país está condicionado à qualidade da sua educação. Nesse contex-
to, as perspectivas para a educação são otimistas. A pergunta que se faz é: qual educação, qual escola, qual
aluno, qual professor? Este artigo busca compreender a educação no contexto da globalização e da era da
informação, tira conseqüências desse processo e aponta o que poderá permanecer da "velha" educação, indi-
cando algumas categorias fundantes da educação do futuro.
Palavras-chave: política educacional; globalização e ensino; educação e sociedade.
as últimas duas décadas do século XX assistiu- rida entre a educação e a catástrofe”. A julgar pelas duas
3
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000
mo exprime o mesmo conceito de possibilidade mas de da educação atual, podem ser destacados alguns marcos,
um ponto de vista mais genérico e que menos compro- algumas pegadas, que persistem e poderão persistir na
mete, dado que podem aparecer como perspectivas coi- educação do futuro.
sas que não têm suficiente consistência para serem possi-
bilidades autênticas”. Para o Dicionário Aurélio, muito Educação Tradicional
conhecido entre nós, brasileiros, perspectiva é a “arte de
representar os objetos sobre um plano tais como se apre- Enraizada na sociedade de classes escravista da Idade
sentam à vista; pintura que representa paisagens e edifí- Antiga, destinada a uma pequena minoria, a educação tra-
cios a distância; aspecto dos objetos vistos de uma certa dicional iniciou seu declínio já no movimento renascentista,
distância; panorama; aparência, aspecto; aspecto sob o mas ela sobrevive até hoje, apesar da extensão média da
qual uma coisa se apresenta, ponto de vista; expectativa, escolaridade trazida pela educação burguesa. A educação
esperança”. Perspectiva significa ao mesmo tempo nova, que surge de forma mais clara a partir da obra de
enfoque, quando se fala, por exemplo, em perspectiva Rousseau, desenvolveu-se nesses últimos dois séculos e
política, e possibilidade, crença em acontecimentos con- trouxe consigo numerosas conquistas, sobretudo no cam-
siderados prováveis e bons. Falar em perspectivas é falar po das ciências da educação e das metodologias de ensi-
de esperança no futuro. no. O conceito de “aprender fazendo” de John Dewey e as
Hoje muitos educadores, perplexos diante das rápidas técnicas Freinet, por exemplo, são aquisições definitivas
mudanças na sociedade, na tecnologia e na economia, na história da pedagogia. Tanto a concepção tradicional
perguntam-se sobre o futuro de sua profissão, alguns com de educação quanto a nova, amplamente consolidadas,
medo de perdê-la sem saber o que devem fazer. Então, terão um lugar garantido na educação do futuro.
aparecem, no pensamento educacional, todas as palavras A educação tradicional e a nova têm em comum a con-
citadas por Abbagnano e Aurélio: “projeto” político-pe- cepção da educação como processo de desenvolvimento
dagógico, pedagogia da “esperança”, “ideal” pedagógi- individual. Todavia, o traço mais original da educação
co, “ilusão” e “utopia” pedagógica, o futuro como “pos- desse século é o deslocamento de enfoque do individual
sibilidade”. Fala-se muito hoje em “cenários” possíveis para o social, para o político e para o ideológico. A peda-
para a educação, portanto, em “panoramas”, representa- gogia institucional é um exemplo disso. A experiência
ção de “paisagens”. Para se desenhar uma perspectiva é de mais de meio século de educação nos países socialis-
preciso “distanciamento”. É sempre um “ponto de vista”. tas também o testemunha. A educação, no século XX,
Todas essas palavras entre aspas indicam uma certa dire- tornou-se permanente e social. É verdade, existem ainda
ção ou, pelo menos, um horizonte em direção ao qual se muitos desníveis entre regiões e países, entre o Norte e o
caminha ou se pode caminhar. Elas designam “expectati- Sul, entre países periféricos e hegemônicos, entre países
vas” e anseios que podem ser captados, capturados, siste- globalizadores e globalizados. Entretanto, há idéias uni-
matizados e colocados em evidência. versalmente difundidas, entre elas a de que não há idade
para se educar, de que a educação se estende pela vida e
UM PASSADO SEMPRE PRESENTE que ela não é neutra.
4
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO
ternacional de Novas Escolas, por iniciativa do educador nos debates educacionais. Nesta perspectiva, pode-se in-
Adolphe Ferrière. Como resultado, tem-se hoje uma gran- cluir as reflexões de Edgar Morin, que critica a razão
de uniformidade nos sistemas de ensino. Pode-se dizer que produtivista e a racionalização modernas, propondo uma
hoje todos os sistemas educacionais contam com uma estru- lógica do vivente. Esses paradigmas sustentam um prin-
tura básica muito parecida. No final do século XX, o fenô- cípio unificador do saber, do conhecimento, em torno do
meno da globalização deu novo impulso à idéia de uma edu- ser humano, valorizando o seu cotidiano, o seu vivido, o
cação igual para todos, agora não como princípio de justiça pessoal, a singularidade, o entorno, o acaso e outras cate-
social, mas apenas como parâmetro curricular comum. gorias como: decisão, projeto, ruído, ambigüidade,
finitude, escolha, síntese, vínculo e totalidade.
Novas Tecnologias Essas seriam algumas das categorias dos paradigmas
chamados holonômicos. Etimologicamente, holos, em gre-
As conseqüências da evolução das novas tecnologias, go, significa todo e os novos paradigmas procuram centrar-
centradas na comunicação de massa, na difusão do co- se na totalidade. Mais do que a ideologia, seria a utopia
nhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente no que teria essa força para resgatar a totalidade do real, tota-
ensino – como previra McLuhan já em 1969 –, pelo me- lidade perdida. Para os defensores desses novos para-
nos na maioria das nações, mas a aprendizagem a distân- digmas, os paradigmas clássicos – identificados no
cia, sobretudo a baseada na Internet, parece ser a grande positivismo e no marxismo – seriam marcados pela ideo-
novidade educacional neste início de novo milênio. A edu- logia e lidariam com categorias redutoras da totalidade.
cação opera com a linguagem escrita e a nossa cultura Ao contrário, os paradigmas holonômicos pretendem res-
atual dominante vive impregnada por uma nova lingua- taurar a totalidade do sujeito, valorizando a sua iniciativa
gem, a da televisão e a da informática, particularmente a e a sua criatividade, valorizando o micro, a complementa-
linguagem da Internet. A cultura do papel representa tal- ridade, a convergência e a complexidade. Para eles, os
vez o maior obstáculo ao uso intensivo da Internet, em paradigmas clássicos sustentam o sonho milenarista de uma
particular da educação a distância com base na Internet. sociedade plena, sem arestas, em que nada perturbaria um
Por isso, os jovens que ainda não internalizaram inteira- consenso sem fricções. Ao aceitar como fundamento da
mente essa cultura adaptam-se com mais facilidade do que educação uma antropologia que concebe o homem como
os adultos ao uso do computador. Eles já estão nascendo um ser essencialmente contraditorial, os paradigmas
com essa nova cultura, a cultura digital. holonômicos pretendem manter, sem pretender superar,
Os sistemas educacionais ainda não conseguiram ava- todos os elementos da complexidade da vida.
liar suficientemente o impacto da comunicação audio- Os holistas sustentam que o imaginário e a utopia são
visual e da informática, seja para informar, seja para bi- os grandes fatores instituintes da sociedade e recusam uma
tolar ou controlar as mentes. Ainda trabalha-se muito com ordem que aniquila o desejo, a paixão, o olhar e a escuta.
recursos tradicionais que não têm apelo para as crianças Os enfoques clássicos, segundo eles, banalizam essas di-
e jovens. Os que defendem a informatização da educação mensões da vida porque sobrevalorizam o macro-estru-
sustentam que é preciso mudar profundamente os méto- tural, o sistema, em que tudo é função ou efeito das supe-
dos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe restruturas socioeconômicas ou epistêmicas, lingüísticas
é peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvol- e psíquicas. Para os novos paradigmas, a história é
ver a memória. Para ele, a função da escola será, cada essencialmente possibilidade, em que o que vale é o ima-
vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso é ginário (Gilbert Durand, Cornelius Castoriadis), o proje-
preciso dominar mais metodologias e linguagens, inclu- to. Existem tantos mundos quanto nossa capacidade de
sive a linguagem eletrônica. imaginar. Para eles, “a imaginação está no poder”, como
queriam os estudantes em maio de 1968.
Paradigmas Holonômicos Na verdade, essas categorias não são novas na teoria da
educação, mas hoje são lidas e analisadas com mais simpa-
Entre as novas teorias surgidas nesses últimos anos, tia do que no passado. Sob diversas formas e com diferentes
despertaram interesse dos educadores os chamados significados, essas categorias são encontradas em muitos in-
paradigmas holonômicos, ainda pouco consistentes. Com- telectuais, filósofos e educadores, de ontem e de hoje: o “sen-
plexidade e holismo são palavras cada vez mais ouvidas tido do outro”, a “curiosidade” (Paulo Freire), a “tolerân-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000
cia” (Karl Jaspers), a “estrutura de acolhida” (Paul Ricoeur), temunha o Fórum Paulo Freire, que se realiza de dois em
o “diálogo” (Martin Buber), a “autogestão” (Celestin Freinet, dois anos, reunindo educadores de muitos países.
Michel Lobrot), a “desordem” (Edgar Morin), a “ação co- As práticas de educação popular também constituem-
municativa”, o “mundo vivido” (Jürgen Habermas), a se em mecanismos de democratização, em que se refletem
“radicalidade” (Agnes Heller), a “empatia” (Carl Rogers), a os valores de solidariedade e de reciprocidade e novas
“questão de gênero” (Moema Viezzer, Nelly Stromquist), o formas alternativas de produção e de consumo, sobretu-
“cuidado” (Leonardo Boff), a “esperança” (Ernest Bloch), a do as práticas de educação popular comunitária, muitas
“alegria” (Georges Snyders), a unidade do homem contra as delas voluntárias. O Terceiro Setor está crescendo não
“unidimensionalizações” (Herbert Marcuse), etc. apenas como alternativa entre o Estado burocrático e o
Evidentemente, nem todos esses autores aceitariam mercado insolidário, mas também como espaço de novas
enquadrar-se nos paradigmas holonômicos. Todas as clas- vivências sociais e políticas hoje consolidadas com as
sificações e tipologias, no campo das idéias, são necessa- organizações não-governamentais (ONGs) e as organiza-
riamente reducionistas. Não se pode negar as divergên- ções de base comunitária (OBCs). Este está sendo hoje o
cias existentes entre eles. Contudo, as categorias apontadas campo mais fértil da educação popular.
anteriormente indicam uma certa tendência, ou melhor, Diante desse quadro, a educação popular, como mo-
uma perspectiva da educação. Os que sustentam os pa- delo teórico reconceituado, tem oferecido grandes alter-
radigmas holonômicos procuram buscar na unidade dos nativas. Dentre elas, está a reforma dos sistemas de
contrários e na cultura contemporânea um sinal dos tem- escolarização pública. A vinculação da educação popu-
pos, uma direção do futuro, que eles chamam de pedago- lar com o poder local e a economia popular abre, tam-
gia da unidade. bém, novas e inéditas possibilidades para a prática da edu-
cação. O modelo teórico da educação popular, elaborado
Educação Popular na reflexão sobre a prática da educação durante várias dé-
cadas, tornou-se, sem dúvida, uma das grandes contri-
O paradigma da educação popular, inspirado original- buições da América Latina à teoria e à prática educativa
mente no trabalho de Paulo Freire nos anos 60, encontra- em âmbito internacional. A noção de aprender a partir do
va na conscientização sua categoria fundamental. A prá- conhecimento do sujeito, a noção de ensinar a partir de
tica e a reflexão sobre a prática levaram a incorporar outra palavras e temas geradores, a educação como ato de
categoria não menos importante: a da organização. Afi- conhecimento e de transformação social e a politicidade
nal, não basta estar consciente, é preciso organizar-se para da educação são apenas alguns dos legados da educação
poder transformar. Nos últimos anos, os educadores que popular à pedagogia crítica universal.
permaneceram fiéis aos princípios da educação popular
atuaram principalmente em duas direções: na educação Universalização da Educação Básica e
pública popular – no espaço conquistado no interior do Novas Matrizes Teóricas
Estado –; e na educação popular comunitária e na edu-
cação ambiental ou sustentável, predominantemente não- Neste começo de um novo milênio, a educação apresen-
governamentais. Durante os regimes autoritários da Amé- ta-se numa dupla encruzilhada: de um lado, o desempenho
rica Latina, a educação popular manteve sua unidade, do sistema escolar não tem dado conta da universalização
combatendo as ditaduras e apresentando projetos “alter- da educação básica de qualidade; de outro, as novas matri-
nativos”. Com as conquistas democráticas, ocorreu com zes teóricas não apresentam ainda a consistência global ne-
a educação popular uma grande fragmentação em dois sen- cessária para indicar caminhos realmente seguros numa época
tidos: de um lado ela ganhou uma nova vitalidade no in- de profundas e rápidas transformações. Essa é uma das preo-
terior do Estado, diluindo-se em suas políticas públicas; cupações do Instituto Paulo Freire, buscando, a partir do le-
e, de outro, continuou como educação não-formal, dis- gado de Paulo Freire, consolidar o seu “Projeto da Escola
persando-se em milhares de pequenas experiências. Per- Cidadã”, como resposta à crise de paradigmas. A concep-
deu em unidade, ganhou em diversidade e conseguiu atra- ção teórica e as práticas desenvolvidas a partir do conceito
vessar numerosas fronteiras. Hoje ela incorporou-se ao de Escola Cidadã podem constituir-se numa alternativa vi-
pensamento pedagógico universal e orienta a atuação de ável, de um lado, ao projeto neoliberal de educação, ampla-
muitos educadores espalhados pelo mundo, como o tes- mente hegemônico, baseado na ética do mercado, e, de ou-
6
PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO
tro lado, à teoria e à prática de uma educação burocrática, uma área ou especialidade para se tornar uma dimensão
sustentada na “estadolatria” (Antonio Gramsci). É uma es- de tudo, transformando profundamente a forma como a
cola que busca fortalecer autonomamente o seu projeto po- sociedade se organiza. Pode-se dizer que está em anda-
lítico-pedagógico, relacionando-se dialeticamente – não mento uma Revolução da Informação, como ocorreram no
mecânica e subordinadamente – com o mercado, o Estado e passado a Revolução Agrícola e a Revolução Industrial.
a sociedade. Ela visa formar o cidadão para controlar o mer- Ladislau Dowbor (1998), após descrever as facilidades
cado e o Estado, sendo, ao mesmo tempo, pública quanto ao que as novas tecnologias oferecem ao professor, se pergun-
seu destino – isto é, para todos – estatal quanto ao financia- ta: o que eu tenho a ver com tudo isso, se na minha escola
mento e democrática e comunitária quanto à sua gestão. não tem nem biblioteca e com o meu salário eu não posso
Seja qual for a perspectiva que a educação contempo- comprar um computador? Ele mesmo responde que será pre-
rânea tomar, uma educação voltada para o futuro será ciso trabalhar em dois tempos: o tempo do passado e o tem-
sempre uma educação contestadora, superadora dos limi- po do futuro. Fazer tudo hoje para superar as condições do
tes impostos pelo Estado e pelo mercado, portanto, uma atraso e, ao mesmo tempo, criar as condições para aprovei-
educação muito mais voltada para a transformação so- tar amanhã as possibilidades das novas tecnologias.
cial do que para a transmissão cultural. Por isso, acredi- As novas tecnologias criaram novos espaços do conhe-
ta-se que a pedagogia da práxis, como uma pedagogia cimento. Agora, além da escola, também a empresa, o es-
transformadora, em suas várias manifestações, pode ofe- paço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos.
recer um referencial geral mais seguro do que as pedago- Cada dia mais pessoas estudam em casa, pois podem, de
gias centradas na transmissão cultural, neste momento de casa, acessar o ciberespaço da formação e da aprendiza-
perplexidade. gem a distância, buscar “fora” – a informação disponível
nas redes de computadores interligados – serviços que res-
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO pondem às suas demandas de conhecimento. Por outro lado,
a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas,
Costuma-se definir nossa era como a era do conheci- etc.) está se fortalecendo não apenas como espaço de tra-
mento. Se for pela importância dada hoje ao conhecimento, balho, em muitos casos, voluntário, mas também como
em todos os setores, pode-se dizer que se vive mesmo na espaço de difusão de conhecimentos e de formação conti-
era do conhecimento, na sociedade do conhecimento, so- nuada. É um espaço potencializado pelas novas tecnolo-
bretudo em conseqüência da informatização e do proces- gias, inovando constantemente nas metodologias. Novas
so de globalização das telecomunicações a ela associa- oportunidades parecem abrir-se para os educadores. Es-
do. Pode ser que, de fato, já se tenha ingressado na era do ses espaços de formação têm tudo para permitir maior
conhecimento, mesmo admitindo que grandes massas da democratização da informação e do conhecimento, por-
população estejam excluídas dele. Todavia, o que se cons- tanto, menos distorção e menos manipulação, menos con-
tata é a predominância da difusão de dados e informa- trole e mais liberdade. É uma questão de tempo, de políti-
ções e não de conhecimentos. Isso está sendo possível cas públicas adequadas e de iniciativa da sociedade. A
graças às novas tecnologias que estocam o conhecimen- tecnologia não basta. É preciso a participação mais inten-
to, de forma prática e acessível, em gigantescos volumes sa e organizada da sociedade. O acesso à informação não
de informações, que são armazenadas inteligentemente, é apenas um direito. É um direito fundamental, um direito
permitindo a pesquisa e o acesso de maneira muito sim- primário, o primeiro de todos os direitos, pois sem ele não
ples, amigável e flexível. É o que já acontece com a se tem acesso aos outros direitos.
Internet: para ser “usuário”, basta dispor de uma linha Na formação continuada necessita-se de maior inte-
telefônica e um computador. “Usuário” não significa aqui gração entre os espaços sociais (domiciliar, escolar, em-
apenas receptor de informações, mas também emissor de presarial, etc.), visando equipar o aluno para viver me-
informações. Pela Internet, a partir de qualquer sala de lhor na sociedade do conhecimento. Como previa Herbert
aula do planeta, pode-se acessar inúmeras bibliotecas em McLuhan, o planeta tornou-se a nossa sala de aula e o
muitas partes do mundo. As novas tecnologias permitem nosso endereço. O ciberespaço não está em lugar nenhum,
acessar conhecimentos transmitidos não apenas por pala- pois está em todo o lugar o tempo todo. Estar num lugar
vras, mas também por imagens, sons, fotos, vídeos (hiper- significaria estar determinado pelo tempo (hoje, ontem,
mídia), etc. Nos últimos anos, a informação deixou de ser amanhã). No ciberespaço, a informação está sempre e per-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000
manentemente presente e em renovação constante. O entar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na busca
ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a de uma informação que os faça crescer e não embrutecer.
aprendizagem. Não há tempo e espaço próprios para a Hoje vale tudo para aprender. Isso vai além da “reci-
aprendizagem. Como ele está todo o tempo em todo lu- clagem” e da atualização de conhecimentos e muito mais
gar, o espaço da aprendizagem é aqui – em qualquer lugar – além da “assimilação” de conhecimentos. A sociedade do
e o tempo de aprender é hoje e sempre. A sociedade do co- conhecimento possui múltiplas oportunidades de apren-
nhecimento se traduz por redes, “teias” (Ivan Illich), “árvo- dizagem: parcerias entre o público e o privado (família,
res do conhecimento” (Humberto Maturana), sem hierarqui- empresa, associações, etc.); avaliações permanentes; de-
as, em unidades dinâmicas e criativas, favorecendo a bate público; autonomia da escola; generalização da ino-
conectividade, o intercâmbio, consultas entre instituições e vação. As conseqüências para a escola e para a educação
pessoas, articulação, contatos e vínculos, interatividade. A em geral são enormes: ensinar a pensar; saber comuni-
conectividade é a principal característica da Internet. car-se; saber pesquisar; ter raciocínio lógico; fazer sínte-
O conhecimento é o grande capital da humanidade. Não ses e elaborações teóricas; saber organizar o seu próprio
é apenas o capital da transnacional que precisa dele para trabalho; ter disciplina para o trabalho; ser independente
a inovação tecnológica. Ele é básico para a sobrevivên- e autônomo; saber articular o conhecimento com a práti-
cia de todos e, por isso, não deve ser vendido ou compra- ca; ser aprendiz autônomo e a distância.
do, mas sim disponibilizado a todos. Esta é a função de Neste contexto de impregnação do conhecimento, cabe
instituições que se dedicam ao conhecimento apoiado nos à escola: amar o conhecimento como espaço de realiza-
avanços tecnológicos. Espera-se que a educação do futu- ção humana, de alegria e de contentamento cultural; se-
ro seja mais democrática, menos excludente. Essa é ao lecionar e rever criticamente a informação; formular hi-
mesmo tempo nossa causa e nosso desafio. Infelizmente, póteses; ser criativa e inventiva (inovar); ser provocadora
diante da falta de políticas públicas no setor, acabaram de mensagens e não pura receptora; produzir, construir e
surgindo “indústrias do conhecimento”, prejudicando uma reconstruir conhecimento elaborado. E mais: numa pers-
possível visão humanista, tornando-o instrumento de lu- pectiva emancipadora da educação, a escola tem que fa-
cro e de poder econômico. zer tudo isso em favor dos excluídos, não discriminando
A educação, em particular a educação a distância, é o pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode cons-
um bem coletivo e, por isso, não deve ser regulada pelo truir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder.
jogo do mercado, nem pelos interesses políticos ou pelo Numa perspectiva emancipadora da educação, a tecnologia
furor legiferante de regulamentar, credenciar, autorizar, contribui muito pouco para a emancipação dos excluídos
reconhecer, avaliar, etc. de muitos tecnoburocratas. Quem se não for associada ao exercício da cidadania.
deve decidir sobre a qualidade dos seus certificados não Como diz Ladislau Dowbor (1998:259), a escola dei-
é nem o Estado e nem o mercado, mas sim a sociedade e xará de ser “lecionadora” para ser “gestora do conhecimen-
o sujeito aprendente. Na era da informação generalizada, to”. Segundo o autor, “pela primeira vez a educação tem a
existirá ainda necessidade de diplomas? possibilidade de ser determinante sobre o desenvolvimen-
O que cabe à escola na sociedade informacional? Cabe to”. A educação tornou-se estratégica para o desenvolvi-
a ela organizar um movimento global de renovação cul- mento, mas, para isso, não basta “modernizá-la”, como
tural, aproveitando-se de toda essa riqueza de informa- querem alguns. Será preciso transformá-la profundamente.
ções. Hoje é a empresa que está assumindo esse papel ino- A escola precisa ter projeto, precisa de dados, precisa
vador. A escola não pode ficar a reboque das inovações fazer sua própria inovação, planejar-se a médio e a longo
tecnológicas. Ela precisa ser um centro de inovação. Te- prazos, fazer sua própria reestruturação curricular, ela-
mos uma tradição de dar pouca importância à educação borar seus parâmetros curriculares, enfim, ser cidadã. As
tecnológica, a qual deveria começar já na educação infantil. mudanças que vêm de dentro das escolas são mais dura-
Na sociedade da informação, a escola deve servir de douras. Da sua capacidade de inovar, registrar, sistemati-
bússola para navegar nesse mar do conhecimento, supe- zar a sua prática/experiência, dependerá o seu futuro. Nes-
rando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis” se contexto, o educador é um mediador do conhecimento,
para a competitividade, para obter resultados. Deve ofe- diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação.
recer uma formação geral na direção de uma educação Ele precisa construir conhecimento a partir do que faz e,
integral. O que significa servir de bússola? Significa ori- para isso, também precisa ser curioso, buscar sentido para
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PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO
o que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dos longo de toda a vida (Lifelong Learning) fundada em
seus alunos. quatro pilares que são ao mesmo tempo pilares do co-
Em geral, temos a tendência de desvalorizar o que fa- nhecimento e da formação continuada. Esses pilares po-
zemos na escola e de buscar receitas fora dela quando é dem ser tomados também como bússola para nos orientar
ela mesma que deveria governar-se. É dever dela ser ci- rumo ao futuro da educação.
dadã e desenvolver na sociedade a capacidade de gover-
nar e controlar o desenvolvimento econômico e o merca- Aprender a conhecer – Prazer de compreender, desco-
do. A cidadania precisa controlar o Estado e o mercado, brir, construir e reconstruir o conhecimento, curiosidade,
verdadeira alternativa ao capitalismo neoliberal e ao so- autonomia, atenção. Inútil tentar conhecer tudo. Isso su-
cialismo burocrático e autoritário. A escola precisa dar o põe uma cultura geral, o que não prejudica o domínio de
exemplo, ousar construir o futuro. Inovar é mais impor- certos assuntos especializados. Aprender a conhecer é mais
tante do que reproduzir com qualidade o que existe. A do que aprender a aprender. Aprender mais linguagens e
matéria-prima da escola é sua visão do futuro. metodologias do que conteúdos, pois estes envelhecem
A escola está desafiada a mudar a lógica da constru- rapidamente. Não basta aprender a conhecer. É preciso
ção do conhecimento, pois a aprendizagem agora ocupa aprender a pensar, a pensar a realidade e não apenas “pen-
toda a nossa vida. E porque passamos todo o tempo de sar pensamentos”, pensar o já dito, o já feito, reproduzir
nossas vidas na escola – não só nós, professores – deve- o pensamento. É preciso pensar também o novo, reinventar
mos ser felizes nela. A felicidade na escola não é uma o pensar, pensar e reinventar o futuro.
questão de opção metodológica ou ideológica, mas sim
uma obrigação essencial dela. Como diz Georges Snyders Aprender a fazer – É indissociável do aprender a conhe-
(1998) no livro A alegria na escola, precisamos de uma cer. A substituição de certas atividades humanas por má-
nova “cultura da satisfação”, precisamos da “alegria cul- quinas acentuou o caráter cognitivo do fazer. O fazer dei-
tural”. O mundo de hoje é “favorável à satisfação” e a xou de ser puramente instrumental. Nesse sentido, vale
escola também pode sê-lo. mais hoje a competência pessoal que torna a pessoa apta
O que é ser professor hoje? Ser professor hoje é vi- a enfrentar novas situações de emprego, mas apta a tra-
ver intensamente o seu tempo, conviver; é ter consciên- balhar em equipe, do que a pura qualificação profissio-
cia e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro nal. Hoje, o importante na formação do trabalhador, tam-
para a humanidade sem educadores, assim como não bém do trabalhador em educação, é saber trabalhar
se pode pensar num futuro sem poetas e filósofos. Os coletivamente, ter iniciativa, gostar do risco, ter intuição,
educadores, numa visão emancipadora, não só trans- saber comunicar-se, saber resolver conflitos, ter estabili-
formam a informação em conhecimento e em consci- dade emocional. Essas são, acima de tudo, qualidades
ência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos humanas que se manifestam nas relações interpessoais
falsos pregadores da palavra, dos marketeiros, eles são mantidas no trabalho. A flexibilidade é essencial. Existem
os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de hoje perto de 11 mil funções na sociedade contra aproxima-
que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber (não damente 60 profissões oferecidas pelas universidades. Como
o dado, a informação e o puro conhecimento), porque as profissões evoluem muito rapidamente, não basta prepa-
constróem sentido para a vida das pessoas e para a rar-se profissionalmente para um trabalho.
humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo,
mas produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles Aprender a viver juntos – a viver com os outros. Compre-
são imprescindíveis. ender o outro, desenvolver a percepção da interdependência,
da não-violência, administrar conflitos. Descobrir o outro,
PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO FUTURO participar em projetos comuns. Ter prazer no esforço co-
mum. Participar de projetos de cooperação. Essa é a tendên-
Jacques Delors (1998), coordenador do “Relatório para cia. No Brasil, como exemplo desta tendência, pode-se citar
a Unesco da Comissão Internacional Sobre Educação para a inclusão de temas/eixos transversais (ética, ecologia, cida-
o Século XXI”, no livro Educação: um tesouro a desco- dania, saúde, diversidade cultural) nos Parâmetros Curricu-
brir, aponta como principal conseqüência da sociedade lares Nacionais, que exigem equipes interdisciplinares e tra-
do conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao balho em projetos comuns.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000
Aprender a ser – Desenvolvimento integral da pessoa: única nação?” Que conseqüências podemos tirar para alu-
inteligência, sensibilidade, sentido ético e estético, res- nos, professores e currículos?
ponsabilidade pessoal, espiritualidade, pensamento autô-
nomo e crítico, imaginação, criatividade, iniciativa. Para Sustentabilidade – O tema da sustentabilidade originou-se
isso não se deve negligenciar nenhuma das potencialidades na economia (“desenvolvimento sustentável”) e na ecolo-
de cada indivíduo. A aprendizagem não pode ser apenas gia, para se inserir definitivamente no campo da educação,
lógico-matemática e lingüística. Precisa ser integral. sintetizada no lema “uma educação sustentável para a so-
Iniciou-se este texto procurando situar o que significa brevivência do planeta”. O que seria uma cultura da susten-
“perspectiva”. Sem pretender fazer qualquer exercício de tabilidade? Esse tema deverá dominar muitos debates edu-
futurologia e muito mais no sentido de estabelecer pontos cativos das próximas décadas. O que estamos estudando nas
para o debate, serão apontados aqui algumas categorias em escolas? Não estaremos construindo uma ciência e uma cul-
torno da educação do futuro, que indicam o surgimento de tura que servem para a degradação/deterioração do planeta?
temas com importantes conseqüências para a educação.
As categorias “contradição”, “determinação”, “repro- Virtualidade – Esse tema implica toda a discussão atual
dução”, “mudança”, “trabalho”, “práxis”, “necessidade”, sobre a educação a distância e o uso dos computadores
“possibilidade” aparecem freqüentemente na literatura nas escolas (Internet). A informática, associada à telefo-
pedagógica contemporânea, sinalizando já uma perspec- nia, nos inseriu definitivamente na era da informação.
tiva da educação, a perspectiva da pedagogia da práxis. Quais as conseqüências para a educação, para a escola,
Essas categorias tornaram-se clássicas na explicação do para a formação do professor e para a aprendizagem? Con-
fenômeno da educação, principalmente a partir de Hegel seqüências da obsolescência do conhecimento. Como fica
e de Marx. A dialética constitui-se, até hoje, no paradig- a escola diante da pluralidade dos meios de comunica-
ma mais consistente para analisar o fenômeno da educa- ção? Eles abrem os novos espaços da formação ou irão
ção. Pode-se e deve-se estudá-la e estudar todas as cate- substituir a escola?
gorias anteriormente apontadas. Elas não podem ser
negadas, pois ajudarão muito na leitura do mundo da edu- Globalização – O processo da globalização está mudando a
cação atual. Elas não podem ser negadas ou desprezadas política, a economia, a cultura, a história e, portanto, tam-
como categorias “ultrapassadas”. Porém, também pode- bém a educação. É um tema que deve ser enfocado sob vá-
mos nos ocupar mais especificamente de outras, ao pen- rios prismas. A globalização remete também ao poder local
sar a educação do futuro, categorias nascidas ao mesmo e às conseqüências locais da nossa dívida externa global (e
tempo da prática da educação e da reflexão sobre ela. Eis dívida interna também, a ela associada). O global e o local
algumas delas a título de exemplo. se fundem numa nova realidade: o “glocal”. O estudo desta
categoria remete à necessária discussão do papel dos muni-
Cidadania – O que implica também tratar do tema da au- cípios e do “regime de colaboração” entre União, estados,
tonomia da escola, de seu projeto político-pedagógico, municípios e comunidade, nas perspectivas atuais da educa-
da questão da participação, da educação para a cidada- ção básica. Para pensar a educação do futuro, é necessário
nia. Dentro desta categoria, pode-se discutir particular- refletir sobre o processo de globalização da economia, da
mente o significado da concepção de escola cidadã e de cultura e das comunicações.
suas diferentes práticas. Educar para a cidadania ativa
tornou-se hoje projeto e programa de muitas escolas e de Transdisciplinaridade – Embora com significados dis-
sistemas educacionais. tintos, certas categorias como transculturalidade,
transversalidade, multiculturalidade e outras como com-
Planetaridade – A Terra é um “novo paradigma” (Leo- plexidade e holismo também indicam uma nova tendên-
nardo Boff). Que implicações tem essa visão de mundo cia na educação que será preciso analisar. Como cons-
sobre a educação? O que seria uma ecopedagogia (Fran- truir interdisciplinarmente o projeto pedagógico da escola?
cisco Gutiérrez) e uma ecoformação (Gaston Pineau)? O Como relacionar multiculturalidade e currículo? É neces-
tema da cidadania planetária pode ser discutido a partir sário realizar o debate dos PCN. Como trabalhar com os
desta categoria. Podemos nos perguntar como Milton Nas- “temas transversais”? O desafio de uma educação sem
cimento: “para que passaporte se fazemos parte de uma discriminação étnica, cultural, de gênero.
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PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO
Dialogicidade, dialeticidade – Não se pode negar a atu- ção de, com isso, encerrá-lo. Existem muitos outros desa-
alidade de certas categorias freireanas e marxistas, a va- fios para a educação. A reflexão crítica não basta, como
lidade de uma pedagogia dialógica ou da práxis. Marx, também não basta a prática sem a reflexão sobre ela. Aqui,
em O capital, privilegiou as categorias hegelianas “de- são indicadas apenas algumas pistas, dentro de uma visão
terminação”, “contradição”, “necessidade” e “possibili- otimista e crítica – não pessimista e ingênua – para uma
dade”. A fenomenologia hegeliana continua inspirando análise em profundidade daqueles que se interessam por
nossa educação e deverá atravessar o milênio. A educa- uma “educação voltada para o futuro”, como dizia o gran-
ção popular e a pedagogia da práxis deverão continuar de educador polonês, o marxista Bogdan Suchodolski.
como paradigmas válidos para além do ano 2000.
A análise dessas categorias e a identificação da sua pre-
sença na pedagogia contemporânea podem constituir-se, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sem dúvida, num grande programa a ser desenvolvido hoje
em torno das “perspectivas atuais da educação”. Não se DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo, Cortez, 1998.
DOWBOR, L. A reprodução social. São Paulo, Vozes, 1998.
pretende aqui dar respostas definitivas. Com esse peque-
GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre, Ed. Artes Médi-
no texto introdutório, procurou-se apenas iniciar um de- cas, 2000.
bate sobre as perspetivas atuais da educação, sem a inten- SNYDERS, G. A alegria na escola. São Paulo, Ed. Manole, 1988.
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