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RESENHA
A. A. CANÇADO TRINDADE. I NTERNATIONAL L AW FOR
H UMANKIND : T OWARDS A N EW J US G ENTIUM . M ARTINUS
I
N IJHOFF P UBLISHERS , 2010.
ativa e passiva – dos indivíduos caminha internacional em geral, dos direitos fun-
paralelamente com o necessário reco- damentais inderrogáveis e das obriga-
nhecimento de sua capacidade jurídica ções erga omnes de proteção em sua dupla
para reivindicar direitos no plano inter- dimensão. Para Cançado trindade, os
nacional.16 tais considerações conduzem conceitos de jus cogens e de obrigações
naturalmente ao acesso direto lato sensu à erga omnes de proteção – horizontais e
justiça internacional – droit au Droit – verticais – já integram o universo con-
por meio do direito de petição individual ceitual do direito internacional, na linha
no nível internacional (jus standi) e do da visão universal do droit des gens pro-
direito à realização da justiça no nível posta pelos pais fundadores da disciplina.
internacional.17 Com efeito, o direito de o conceito de jus cogens, que transcende
acesso à justiça lato sensu traduz o direito o domínio do direito dos tratados para
a uma ordem jurídica capaz de proteger abarcar, dentre outros, a responsabilida-
efetivamente os direitos fundamentais da de internacional dos estados, é conside-
pessoa humana.18 Marca, como sustenta rado pelo autor como um dos pilares do
o autor, a emancipação do indivíduo com novo jus gentium. Além do jus cogens, são
relação a seu próprio estado e a primazia citados outros conceitos que também
da raison de l’humanité perante a raison emergem do novo jus gentium do início
d’État. Constitui, para Cançado trinda- do século XXi, como sendo fruto da
de, o mais importante legado do pensa- consciência jurídica universal. tais cons-
mento jurídico internacional da segunda truções conceituais acabam por reco-
metade do século XX.19 Além dos indi- nhecer as limitações dos estados no que
víduos, a humanidade é igualmente con- tange ao atendimento das necessidades
siderada como sendo um sujeito de e aspirações da humanidade. dentre as
direito internacional, pois permeia o construções conceituais abordadas pelo
corpus juris da disciplina. A dificuldade autor, figura a responsabilidade estatal
reside na construção conceitual de por crimes internacionais e a jurisdição
representação legal de humanidade que universal. em seu âmbito, verifica-se
leva à consolidação da capacidade jurídi- em jurisprudência recente a comple-
ca internacional. mentaridade entre a responsabilidade
na quinta parte da obra, Cançado internacional dos estados e a responsa-
trindade busca construir o direito inter- bilidade dos indivíduos por crimes
nacional para a Humanidade, o novo jus internacionais. 20 Salienta que o princí-
gentium, partindo de construções concei- pio da jurisdição universal, que ultra-
tuais em curso que reafirmam seu cará- passa as fronteiras da territorialidade e
ter universal. trata-se de reconhecer, da nacionalidade, já traz em si mesmo
como sublinha o autor, a emergência de a ideia da complementaridade e da
considerações relativas à ordem pública, existência de interesses fundamentais
que se refletem nas construções concei- que devem ser protegidos pela comu-
tuais das normas imperativas do direito nidade internacional.
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384 : RESENHA DA OBRA INTERNATIONAL LAW FOR HUMANKIND: TOWARDS A NEW JUS GENTIUM
na mesma linha, o autor sublinha o afirma que “a busca da justiça deve ser
caráter positivo da multiplicidade de tri- preservada como objetivo último; asse-
bunais internacionais no direito interna- gurar justiça às vítimas compreende, in-
cional contemporâneo, o que indica uma ter alia, permitir que elas possam buscar
expansão da jurisdição internacional, e obter justiça pelos crimes sofridos”.27
conjuntamente com o processo de des- Contrariamente ao positivismo forma-
centralização da ordem jurídica interna- lista presente em grande parte dos jul-
cional para além da ótica puramente gados da Corte internacional de Justiça,28
interestatal.24 o processo de “jurisdicio- o autor adere a uma visão principista ten-
nalização” do direito internacional refor- dente a aplicar um direito internacional
ça a primazia do direito internacional evolutivo e atento aos valores da humani-
sobre a força, confortando o jusinterna- dade, na busca da realização da justiça.29
cionalista sensato. de fato, Cançado trin- A última parte da obra anuncia as
dade vê com bons olhos o fenômeno da perspectivas para o futuro. Cançado
multiplicação dos tribunais internacio- trindade retoma o legado do ciclo das
nais. o referido fenômeno (i) reflete uma Conferencias Mundiais das nações Uni-
necessidade da comunidade internacio- das ao longo dos anos 1990 até o ano de
nal contemporânea, (ii) contribui para o 2001. As Conferências contribuíram
antigo ideal de realização da justiça inter- para desenhar a agenda social internacio-
nacional, e (iii) reafirma a posição dos in- nal do início do século XXi, em conso-
divíduos como sujeitos de direito nância com as preocupações do direito
internacional. tais considerações corro- internacional contemporâneo e com as
boram o processo histórico de humaniza- aspirações da comunidade internacio-
ção do direito internacional, conducente nal. Analisa o exercício da codificação e
ao novo jus gentium. o progressivo desenvolvimento do di-
Para o autor, a função jurisdicional é reito internacional na perspectiva his-
guiada, sobretudo, pelo ideal de realiza- tórica, além de trazer lições e projeções
ção da justiça,25 que não constitui uma para o futuro. Pondera que o processo
noção abstrata. ora, não é possível jul- de codificação é guiado por necessida-
gar casos envolvendo violações graves des jurídicas da comunidade internacio-
dos direitos humanos e do direito inter- nal (e não apenas dos estados) que
nacional humanitário sem atentar para evoluem através dos tempos e, por esse
os valores humanos fundamentais, já que motivo, tende a ser complexo, dinâmi-
o direito e a ética são indissociáveis, con- co e multifacetado. A codificação e o de-
trariamente aos postulados da doutrina senvolvimento progressivo do direito
positivista.26 Um tribunal internacional internacional caminham pari passu,
não pode permanecer indiferente ao so- apontando para a universalização do di-
frimento humano, privilegiando a raison reito internacional. o autor insiste que
d’État e denegando justiça aos indivíduos o direito internacional contemporâneo
sob sua jurisdição. Cançado trindade não pode mais confinar-se nos rígidos
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17 PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA : 387
míopes tão presentes em momentos de enxergar o ser humano para além das amar-
crise de valores. É de leitura obrigatória ras da soberania estatal e de resgatar sua po-
para uma geração de juristas internacio- sição central enquanto sujeito de direito
nalistas guiada por valores, que é capaz de interno e internacional.
NOTAS
Horizonte, ed. del rey, 2011, pp. 73-83 e 127-132; A. A. Alegre, Brésil, éd. S. A. Fabris, 2002, p. 524, § 187; A.
CAnCAdo trindAde, Évolution du droit international au A. CAnCAdo trindAde, Évolution du droit international
droit des gens – l’accès des individus à la justice internationale : le au droit des gens - l’accès des individus à la justice
regard d’un juge, Paris, ed. Pedone, 2008, pp. 126-129. internationale, le regard d’un juge, op. cit., p. 117; A. A.
CAnCAdo trindAde, “el nuevo reglamento de la
10 Vide A. A. CAnçAdo trindAde, A Corte interamericana de derechos Humanos (2000) y
Humanização do Direito Internacional, op. cit., pp. 175-193. Su Proyección Hacia el Futuro: La emancipación del Ser
Humano como Sujeto del derecho internacional de los
11 Ibid, pp. 30-96; A. A. CAnçAdo trindAde, derechos Humanos”, 28 Curso de Derecho Internacional,
O Direito Internacional em um mundo em transformação, rio Comitê Jurídico interamericano – oAS (2001), pp. 33-
de Janeiro, ed. renovar, 2002, pp. 19-76. 92; A. A. CAnçAdo trindAde, El Acceso Directo
del Individuo a los Tribunales Internacionales de Derechos
12 Corte idH, Haitianos e Dominicanos de Origem Humanos, Bilbao, Universidad de deusto, 2001, pp. 9-
Haitiana na República Dominicana, Medidas Provisórias de 104; A. A. CAnçAdo trindAde, “Vers la consolidation
Proteção, 2000, Voto concordante do juiz A. A. de la capacité juridique internationale des pétitionnaires
CAnçAdo trindAde, par. 12; Corte idH, Bámaca dans le système interaméricain des droits de la
Velasquez versus Guatemala, 25 de novembro de 2000, personne”, 14 Revue québécoise de Droit International,
explicação de Voto do juiz A. A. CAnçAdo trindAde 2001, n. 2, pp. 207-239; A. A. CAnçAdo trindAde,
na sentença sobre o mérito, par. 28 e 16. “A emancipação do Ser Humano como Sujeito do
direito internacional e os Limites da razão de estado”,
13 Corte idH, Condição Jurídica e os Direitos dos in 6/7 Revista da Faculdade de Direito da Universidade do
Migrantes Indocumentados, 2003, Voto concordante do juiz Estado do Rio de Janeiro (1998-1999), pp. 427-428 e 432-
A. A. CAnçAdo trindAde no parecer n. 18, pars. 433; A. A. CAnçAdo trindAde, “el derecho de
23-25 e 28-30. Petición individual ante la Jurisdicción internacional”,
48 Revista de la Facultad de Derecho de México, UnAM,
14 Vide A. A. CAnçAdo trindAde, “Las 1998, pp. 131-151.
Cláusulas Pétreas de Protección internacional del Ser
Humano: el Acceso directo de los individuos a la Justicia 18 A. A. CAnçAdo trindAde, Tratado de
a nivel internacional y la intangibilidad de la Jurisdicción Direito Internacional dos Direitos Humanos, op. cit., pp. 523-
obligatoria de los tribunales internacionales de derechos 524; A. A. CAnCAdo trindAde, Évolution du droit
Humanos”, in El Sistema Interamericano de Protección de los international au droit des gens – l’accès des individus à la justice
Derechos Humanos en el Umbral del Siglo XXI – Memoria del internationale : le regard d’un juge, op. cit., pp. 116-119.
Seminario (nov. 1999), vol. i, 2ª ed., San José de Costa
rica, Corte interamericana de derechos Humanos, 2003, 19 Segundo Cançado trindade, “without the
pp. 3-68. right of individual petition, and the consequent Access
to justice at international level, the rights set forth in
15 Vide Corte idH, Direito à Informação sobre a human rights treaties would be reduced to a little more
Assistência Consular no âmbito das Garantias do Devido than dead letter” (p. 237). Vide também Corte idH,
Processo Legal, 1999, Voto concordante do juiz A. A. Castillo Petruzzi e Outros versus Peru (objeções
CAnçAdo trindAde no parecer n. 16, par. 3-4. Preliminares), julgamento de 04.09.1998, série C, n.
41, opinião concorrente do juiz A. A. CAnçAdo
16 Para mais detalhes, vide A. A. CAnçAdo trindAde, p. 62, par. 35; A. A. CAnçAdo
trindAde, A Humanização do Direito Internacional, op. cit., trindAde, A Humanização do Direito Internacional, op.
pp. 129-156; A. A. CAnçAdo trindAde, El Derecho cit., pp. 109-118.
Internacional de los Derechos Humanos en el siglo XXI, op. cit.,
pp. 319-376; A. A. CAnçAdo trindAde, El ejercicio de 20 Vide A. A. CAnçAdo trindAde,
la función judicial internacional – Memorias de la Corte “Complementarity between State responsibility and
Interamericana de Derechos Humanos, op. cit., pp. 109-126; A. individual responsibility for Grave Violations of Human
A. CAnCAdo trindAde, Évolution du droit international rights: the Crime of State revisited”, in International
au droit des gens – l’accès des individus à la justice Responsibility Today – Essays in Memory of O. Schachter (ed.
internationale : le regard d’un juge, op. cit., pp. 26-61; A. A. M. ragazzi), Leiden, M. nijhoff, 2005, pp. 253-269.
CAnçAdo trindAde, O Direito Internacional em um
mundo em transformação, rio de Janeiro, ed. renovar, 2002, 21 A. A. CAnçAdo trindAde, A Humanização do
pp. 550-584. Direito Internacional, op. cit., pp. 281-352; A. A. CAnçAdo
trindAde, El Derecho Internacional de los Derechos Humanos
17 A. A. CAnCAdo trindAde, Tratado de en el siglo XXI, op. cit., pp. 185-267; A. A. CAnçAdo
Direito Internacional dos Direitos Humanos, tome iii, Porto trindAde, El ejercicio de la función judicial internacional –
Memorias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, op. 26 C.i.J., acórdão de 3 de fevereiro de 2012,
cit., pp. 185-196. Immunités juridictionnelles de l’État (Allemagne c. Italie;
Grèce (Intervenant)), opinião dissidente do juiz A. A.
22 A. A. CAnçAdo trindAde, A Humanização CAnçAdo trindAde, p. 82, par. 289.
do Direito Internacional, op. cit., pp. 226-277; A. A. CAnçAdo
trindAde, O Direito Internacional em um mundo em 27 C.i.J., acórdão de 3 de fevereiro de 2012,
transformação, op. cit., pp. 749-789. Immunités juridictionnelles de l’État (Allemagne c. Italie;
Grèce (Intervenant)), opinião dissidente do juiz A. A.
23 Vide A. A. CAnçAdo trindAde, “the CAnçAdo trindAde, p. 84, par. 299.
relevance of international Adjudication revisited:
reflections on the need and Quest for international 28 Vide Corten (o.), “La thèse de la
Compulsory Jurisdiction”, in Towards World Constitutionalism déformalisation du droit international et ses limites :
– Issues in the Legal Ordering of the World Community (eds. l’exemple de la jurisprudence de la Cour internationale
r. St. J. Macdonald e d.M. Johnston), Leiden, nijhoff, de Justice”, L’Observateur des Nations Unies, 2011-i, vol.
2005, pp. 515-542. 30, pp. 75-98.
24 Vide A. A. CAnçAdo trindAde, “the 29 nesse sentido, afirma o juiz M. Bennouna que
Merits of Coordination of international Courts on Human “le monde du juriste n’est pas un monde aseptisé,
rights”, 2 Journal of International Criminal Justice, oxford, comme le serait celui d’un pur mathématicien, opérant
2004, pp. 309-312; A. A. CAnçAdo trindAde, “La dans sa tour d’ivoire, il est en prise avec les réalités
perspective transatlantique: La contribution de l’œuvre sociales en amont et en aval de la norme”. Continua
des Cours internationales des droits de l’homme au afirmando que o papel da Corte internacional de Justiça
développement du droit public international”, in La “n’est pas seulement de développer une argumentation
Convention européenne des droits de l’homme à 50 ans – Bulletin formelle mais de rendre la justice, en veillant à ce que
d’information sur les droits de l’homme, n. 50 (numéro ses arrêts soient perçus comme tels” (BennoUnA
spécial), Strasbourg, Conseil de l’europe, 2000, pp. 8-9. (M.), “Le formalisme juridique: pour quoi faire ? ”,
L’Observateur des Nations Unies, 2011-i, vol. 30, pp. 8 e 9).
25 C.i.J., acórdão de 3 de fevereiro de 2012,
Immunités juridictionnelles de l’État (Allemagne c. Italie; 30 Vide igualmente CAnçAdo trindAde (A.
Grèce (Intervenant)), opinião dissidente do juiz A. A. A.), Direito das Organizações Internacionais, 4ª edição, ed.
CAnçAdo trindAde, p. 3, par. 2. del rey, Belo Horizonte, 2009, p. XXV.