Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
net/publication/315940591
CITATIONS READS
0 53
3 authors:
Martin Domecq
Universidade Federal do Sul da Bahia
1 PUBLICATION 0 CITATIONS
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by Fábio Nieto Lopez on 18 October 2017.
2
Fabio Nieto Lopez
Denise Maria Barreto Coutinho
Martin Domecq
Universidade Federal da Bahia ( UFBA ), Brasil.
RESUMO. Este artigo apoia-se nas contribuições teóricas de Pierre Bourdieu, Philippe Ariès e Michel
Foucault com o objetivo de examinar conceitos e instituições centrais para a psicologia do
desenvolvimento. Utilizando o recurso do distanciamento histórico para compor o debate epistemológico,
observou-se que a noção de desenvolvimento sofre deslizamentos de significado em decorrência de
transformações históricas que conduzem à formação dos Estados Nacionais, forjados no ideal de
progresso. A noção de desenvolvimento recebe, assim, sustentação das instituições escolares,
encarregadas da formação dos novos cidadãos, e se reforça com o contexto capitalista. Finalmente,
debate-se como a psicologia do desenvolvimento, herdeira e colaboradora desse i deal – que alcançou
conquistas, mas conhece paradoxos e contradições –, poderia reposicionar reflexivamente o conceito de
desenvolvimento em diálogo com áreas diversas que sublinhem a importância do bem -viver coletivo, das
relações comunitárias e ancestrais. Trata-se, portanto, de propor uma perspectiva dialógica
pluriepistêmica como possibilidade de integração da psicologia ao mundo contemporâneo.
Palavras-chave: Desenvolvimento; psicologia do desenvolvimento; epistemologia da psicologia .
ABSTRACT. This article builds on the theoretical contributions of Pierre Bourdieu, Philippe Ariès and
Michel Foucault aiming at examining concepts and central institutions for Developmental Psychology.
Using the feature of historical distance to shape the epistemological debate, this article examines how the
notion of development, suffering shifts in meaning as a result of historical changes that leads to the
formation of nation states forged in the ideal of progress. The notion of development is supported by
educational institutions, which are engaged in formation of new citizens, and reinforced by th e capitalist
context. Finally, we discuss the way developmental psychology, heiress and collaborator of this ideal –
with achievements, but also paradoxes and contradictions – could reflexively rethink the concept of
development in dialogue with several areas, stressing the importance of collective welfare, as well as
communal and ancestral relations. The issue here is to propose a pluri -epistemic dialogical perspective as
a way of integrating Psychology into the contemporary world.
Keywords: Development; developmental psychology; epistemology of psychology.
RESUMEN. Este artículo se basa en los aportes teóricos de Pierre Bourdieu, Philippe Ariès y Michel Foucault, con la
finalidad de examinar los conceptos y las instituciones centrales de la psicología del desarrollo. Por medio del
distanciamiento histórico y del debate epistemológico, se observó cómo la noción de desarrollo sufre deslizamientos de
significado como resultado de las transformaciones históricas que condujeron a la formación de los estados nacionales,
forjados en el ideal de progreso. La noción de desarrollo recibe, así, apoyo de nuevas instituciones educativas, que
1
Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
2
E-mail: fabionieto@gmail.com
participan de la formación de nuevos ciudadanos, y se ve reforzada por el contexto capitalista. Por último, se interroga
cómo como la psicología del desarrollo, heredera y colaboradora de este ideal – que alcanzó logros, pero también
paradojas y contradicciones –podría, reflexivamente, revisar el concepto de desarrollo tomando aportes de diferentes
modelos en diálogo con otros campos. De esa forma se acentuaría la importancia del bienestar colectivo, de las
relaciones comunitarias y ancestrales. La cuestión aquí es proponer una perspectiva dialógica pluri-epistémica como
una manera de integrar la psicología en el mundo contemporáneo.
Palabras-clave: Desarrollo; psicología del desarrollo; epistemología de la psicología.
Introdução
Derivas Etimológicas
O termo progresso, do latim progressus, indica avanço para frente, crescimento. Avançar é deixar
coisas para trás, pisar em território novo. “O sentido etimológico espacial de ‘movimento para a frente
no espaço’ sobreviveu apenas no emprego militar da palavra” (Rey, 1993, p. 1643). A figura
geométrica que melhor ilustra o ideal do progresso é a reta ascendente. Lalande (1996, p. 871)
observa dois sentidos: marcha para uma direção definida e outro, valorativo e relativo, de mudança
gradual do “menos bom para o melhor”.
Para Rey, o sentido neutro, ligado à série de acontecimentos militares, “sem ideia de
melhoramento, recua nos séculos XVII e XVIII e desaparece no século XIX, com o emprego
generalizado da palavra evolução” (Rey, 1993, grifo do autor). No chamado século das luzes (o século
XVIII), o termo designa o ideal de ‘evolução da humanidade’, nas direções científica, técnica e política.
A palavra ‘progresso’ (e não ‘desenvolvimento’) seria essencial e a ideia neutra de ‘mudança’
expressaria ‘evolução’: “Os filósofos do progresso, típicos do século XVIII e, sobretudo, do século XIX
recuaram claramente no século XX, no qual o progresso científico é frequentemente julgado de modo
mais nuançado” (Rey, 1993, p. 1644).
Diferentemente de ‘desenvolvimento’ e ‘evolução’, ‘progresso’ não é muito encontrado na PD.
Apesar de usos distintos, os dois primeiros têm origens comuns. Enquanto ‘desenvolvimento’ conhece
um emprego abrangente, com difícil delimitação a um único corpo teórico, ‘evolução’ é mais utilizado
na abordagem evolucionista, com referências diretas a Charles Darwin. Lalande (1996), ao discutir o
termo ‘evolução’, lembra que este não foi utilizado no livro de Darwin, mas o foi nas obras de Herbert
Spencer.
Desenvolvimento vem do verbo volvere (rolar, fazer girar) e de dois prefixos: des, que
frequentemente indica oposição (desfazer, despenalizar), e en,que remete à posição interior ou
movimento para dentro (encéfalo, embrião). Na palavra desarrollo, encontramos a mesma ideia:
desenrolar, assim como em développement “Ação de desenrolar o que estava enrolado sobre si
mesmo” (Rey, 1993, p. 594). O sentido de ‘desenrolar’ era o mais comum desde o século XIV, mas no
século XVIII adquiriu novos valores semânticos: “Ação de desenvolver, de crescer” (Bonnet, 2006, p.
61); o sentido figurado, “ação de evoluir” (Bonnet, 2006, p. 143). O uso de ‘evolução’ seria mais
recente e o encontramos no século XVIII na psicologia e na retórica para nomear acréscimo ou
aprofundamento de um tema (Bonnet, 2006; Rey, 1993). Abbagnano (1966) observa que o sentido
mais otimista para desarrollo torna-se comum na filosofia do século XIX, ligado a ‘progresso’, mas sua
acepção anterior remonta ao conceito aristotélico de movimento, como passagem da potência ao ato.
O termo ‘evolução’ é analisado por Giddens (2009), interessado pela incidência dos princípios
evolucionistas de Darwin nas teorias sociais. Segundo o autor, o termo sofre oscilação, com um
momento de acentuada popularidade e posterior declínio. Do latim evolutia, derivado de e- (‘fora de’) e
volutus (‘enrolado’), relacionado ao desenrolar de livros em pergaminhos. No final do século XVII,
adquire sua acepção atual: processos ordenados de mudança, observados em estágios.
Os termos ‘evolução’ e ‘desenvolvimento’ têm gênese comum, marcada pelo elemento de
composição “volv-”, de raiz indo-europeia “wel-/welw-”, com sentido de rolar, rodar, com
correspondentes em diversas línguas. No grego, dois termos: elútron, para estojo, bainha de espada,
casca de frutos, reservatório de água e, por extensão, corpo como invólucro da alma; e héliks, ikos,
espiral, movimento circular. No latim volvo, volvi, volutum: rolar, revirar, rodar, enrolar, fazer passar o
tempo, pensar, meditar (Rey, 1993). Observamos, portanto, a constância das noções de movimento e
de desvencilhar-se de um envoltório. O exemplo do pergaminho (Giddens, 2009) parece apropriado e
coerente com o sentido mais antigo no percurso histórico do termo e na apropriação e cristalização de
determinada noção de infância, que discutiremos adiante.
Até o surgimento da imprensa, o principal suporte material do conhecimento fora o pergaminho
(Serres, 2013). ‘Desenvolvimento’, em psicologia, foi sendo utilizado como o desenrolar de uma
suposta essência, o desembaraço de uma situação provisória de incapacidades e fragilidades. O termo
‘infância’ (como infante e infantil) vem do latim infans (Rey, 1993), formado de in (prefixo negativo) e
fari (falar): aquele que não fala. Por sua vez, fari remete a “esclarecer”, como seu sucedâneo
“fenômeno”, e “falar”, como em afasia. Essa noção aproxima-se da concepção que Hall (2006)
identifica no “sujeito do Iluminismo”:
O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo
totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo
‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com
ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo – contínuo ou ‘idêntico’ a ele
– ao longo da existência do indivíduo (Hall, 2006, pp. 10-11).
tarefa emocional de constituir novos laços afetivos na universidade, ao tempo em que se reposiciona
em seu grupo de origem e incorpora exigências de tempo e espaço universitários, sobretudo quando
há migração de cidade.
A noção tradicional de desenvolvimento em psicologia não contempla, em geral, o protagonismo
da ação criadora do sujeito do processo tampouco a inseparável composição deste com seu contexto.
Em contrapartida, Vigotski, referência teórica importante na PD, desde o início do século XX, oferece
uma compreensão integral da constituição do sujeito na cultura e no convívio com seus pares, dando
ênfase às transformações, à criação e à arte. Contudo, no Brasil, seus estudos somente aparecem de
modo significativo nos congressos brasileiros de psicologia do desenvolvimento mais recentes, no
início do século XXI. Lopez (2015) observa que Vigotski é quase completamente ignorado nas
primeiras edições do principal congresso da área no país, enquanto nas últimas edições passa à
referência constante em trabalhos, títulos de conferências, mesas-redondas, comunicações orais e
pôsteres. Além disso aparecem outros autores, como os russos Alexander Luria, Alexei Leontiev e
Mikhail Bakhtin, o alemão Walter Benjamin, os cubanos radicados no Brasil, Fernando Luis González
Rey e Albertina Mitjáns Martínez, e Jaan Valsiner, nascido na Estônia e professor nos Estados Unidos.
González-Rey (2013) relaciona esse atraso na América Latina, com exceção de Cuba, à vigilância
ideológica, presente nesses países, que consideravam subversivas quaisquer produções científicas,
culturais ou artísticas, provenientes da antiga URSS, durante o extenso período da guerra fria. Nas
últimas décadas, aumentam investigações que tomam como ponto de partida a constituição da infância
como fenômeno multideterminado, do qual fazem parte indissociavelmente seu lugar e sua relação no
coletivo, isto é, família, cultura, rede de apoio, desejo de pertencimento ao grupo, condições físicas e
sociais, sentidos e significados atribuídos ou mesmo contexto histórico e político. Permanecem,
contudo, investigações que concebem a criança como universal, comparável em sua faixa etária com
qualquer outra nos mais distantes contextos, espacial e temporalmente.
A importância crescente do contexto para compreensão dos fenômenos que envolvem o sujeito
aparece nas propostas de classificação, de Hall (2006), de sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. A
noção do sujeito sociológico, com “núcleo” ou “essência interior”, compreende que é na relação deste
com o social que se constitui a “identidade”, pela mediação de valores, sentidos e símbolos. O “sujeito
pós-moderno”, tributário de uma filosofia não metafísica, não será mais herdeiro de uma essência
primeira. Se a noção de identidade esteve associada à fixidez e imutabilidade, passa a ser incorporada
em diálogo com o contexto. No limite, investigações, não apenas em psicologia, nas quais aparecem
ideias de formação e transformação contínuas, marcadas pela transitoriedade e pelo conceito de
identidades múltiplas e, por vezes, contraditórias: “A identidade plenamente unificada, completa,
segura e coerente é uma fantasia” (Hall, 2006, p. 13).
Na sociologia reflexiva de Pierre Bourdieu (2005, 2009, 2011) a compreensão de uma vida ou de
uma obra é indissociável de suas condições de realização, circunscritas a um “espaço dos possíveis”.
Nessa perspectiva, a compreensão do pesquisador deve voltar-se para o campo no qual e contra o
qual uma vida se fez e, primeiramente, para sua própria vida, no movimento reflexivo que Bourdieu
(2005) defendeu e exercitou. Para o autor, na vertente anterior estão implícitos pressupostos de que a
vida constitui um todo coerente, linear, expressão unitária de intenção ou projeto, que transcorre em
uma ordem cronológica e lógica, com origem e fim, dirigida para sua realização. Tentar compreender a
vida com essas características seria quase tão absurdo quanto analisar um trajeto no metrô sem
considerar a estrutura da rede, as condições e relações objetivas, a passagem por aqueles trilhos.
Para Bourdieu (2011), essa característica narrativa encontra paralelo na estrutura tradicional do
romance literário, no qual, por ilusão retórica, são estabelecidas conexões e coerência à sucessão de
acontecimentos, tornando a vida coerente, progressiva, totalizante, linear. Essa formulação biográfica
preocupa-se em atribuir sentido, em encontrar uma lógica de ligação entre acontecimentos passados e
futuros, uma sucessão de etapas de um desenvolvimento necessário. Bourdieu (2011) afirma que o
mundo social organiza-se por meio de mecanismos sociais que privilegiam e fomentam a
compreensão da vida como unidade e totalidade, em rituais mais ou menos institucionalizados de “falar
de si”, da confidência, da identidade social por meio do nome próprio e de sua constância no tempo e
no espaço, os ritos institucionais de atribuição, as “apresentações sociais de si”, como carteira de
identidade, curriculum vitae. Como alternativa, Bourdieu (2011) propõe a noção de trajetória para
colocar em evidência a série de posições ocupadas pelo agente, ou pelo grupo, em um campo que
está, assim como ele próprio, incessantemente submetido a pressões, mudanças, rupturas.
Acontecimentos são compreendidos como deslocamentos pelo espaço social, a partir da circulação e
do acúmulo de diferentes capitais, tensionado pelas diferentes forças e estratégias em jogo, e em um
específico espaço dos possíveis. O espaço dos possíveis “à maneira de uma língua, ou de um
instrumento de música, se oferece... como um universo infinito de possibilidades contidas em estado
potencial num sistema finito de imposições” (Bourdieu, 1996, p. 125).
formular conhecimentos e práticas que, na nossa linguagem atual, designaríamos como pedagógicos e
psicológicos” (p. 86).
Como vimos, a partir das contribuições de Foucault (1998) é justamente nesse espaço de vazio
discursivo e de práticas que novos saberes passam a operar. Segundo Ferreira e Araújo (2009), há um
longo percurso de invenção da infância e da escola como lugares privilegiados e “naturais” da
psicologia, sobretudo PD e psicologia escolar, com seus conhecimentos e saberes legítimos, portanto,
de poder.
Foucault (2011) afirma que a constituição da psicologia se dá no esforço de compreender e
classificar “o anormal” para dominar contradições humanas. Ao fazê-lo, advém, como consequência,
uma psicologia do “normal”. Assim constituída, estabelece relações com a prática da educação, da
medicina mental, da organização de grupos e passa a lidar com as dificuldades que a prática impõe e
que Foucault denomina de fracassos temporários. O autor vê nesse ponto o surgimento de diversas
especialidades da psicologia, incluindo a PD, concebida para lidar com as falhas no desenvolvimento.
O conceito de desenvolvimento, operado e naturalizado pela PD, sustenta procedimentos de
compreensão e regulação do normal e do patológico, do desvio e do esperado, do adiantado e do
atrasado. Lyra e Moura (2000) compreendem que o estudo do desenvolvimento deslocou seu
interesse dos processos de mudança para as distinções entre etapas ou estágios, marcados por
indícios de capacidades ou habilidades: “(...) respondendo à necessidade de uma psicologia das
diferenças na qual o objetivo está voltado para classificar, sobretudo atrasos de desenvolvimento, ou
separar os mais competentes daqueles menos competentes” (p. 218). Consideração bastante próxima
a essa faz Ferreira (2010), que analisa como diferentes teorias que embasam a PD criaram práticas de
adaptação e ajustamento, escalonando e separando grupos humanos em categorias e interessando-se
pelo “ajuste” aos “desajustados”, “adaptação” dos “desadaptados”. A participação da PD nesse
processo é apenas uma das inúmeras variantes que o termo ‘desenvolvimento’ experimentou.
aqueles deveriam encaminhar seu futuro para se aproximar das “metas universais” da civilização.
Embora tais facetas da noção sejam suficientes para nos colocar em sobreaviso com o termo,
podemos ainda analisar alguns desdobramentos. Como já discutimos anteriormente, a gênese da
noção de desenvolvimento se relaciona com a ascese cristã, com o trabalho sobre si e a realização
plena de uma essência que conduziria, por meio do merecimento, a uma vida futura feliz, inevitável,
em um ambiente saturado de graça e contentamento. É provável que a origem comum tenha guardado
o sentido de valorização de etapa futura, idealmente perfeita e plena, e de desqualificação do
momento atual: imperfeito, incompleto, marcado por embaraços que devem ser desfeitos e superados.
O campo da educação, com suas tecnologias e discursos, lugar no qual se origina e do qual
progressivamente se afasta a psicologia, ao padronizar métodos, exames, triagens, provas de
eficiência e competência, em etapas descritas em graus minuciosamente compartimentados, que
devem ser observados e superados pelo indivíduo, cria instrumentos e discursos que demandam
medir, classificar, comparar. Índices classificatórios ganham ampla circulação e estão facilmente
disponíveis para operações cotidianas de mensuração e exame. Basta a primeira consulta do pré-natal
para pais urbanos contemporâneos entrarem na corrida desenvolvimentista – algumas delas antes
mesmo do parto – com infinitos parâmetros a observar, como tamanho da tíbia, diâmetro do crânio,
desenrolar da marcha, da fala etc.
Estudos em PD evidenciam metodologicamente suas escolhas e crenças: consistem, muitos deles,
em um único encontro com a criança, para testes ou desempenhar tarefa a ser examinada. Essa
abordagem desenvolvimentista, além de potencializar individualismo e competição, pode aproximar-se
de um determinismo desenvolvimental que premia aqueles de melhor performance nos exames, ao
passo que desqualifica e constrange “atrasados” (em oposição aos precoces), “deficientes” (em
oposição aos eficientes), “desobedientes” (em oposição aos dóceis) e todos os demais, falhos, que se
encontram fora da curva normal de representação estatística (Ferreira & Araujo, 2009; Ferreira, 2010;
Lyra & Moura, 2000; Lopez, 2015). Além dessas características, a PD recebe críticas que a
caracterizam como operando pouca reflexão (Barros, 2013; Mota, 2010, 2005; Madureira & Uchoa,
2001; Lyra & Moura, 2000). Lopez (2015) observa que, em seu principal congresso científico, estudos
que tomaram a PD como objeto de debate ou reflexão não chegam a 4%.
O bem-viver andino visa a uma ética da suficiência para toda a comunidade, e não apenas para o
indivíduo. Pressupõe uma visão holística e integradora do ser humano na grande comunidade
terrenal que inclui, além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os
animais, o Sol, a Lua e as estrelas; e busca um caminho de equilíbrio e estar em profunda
comunhão com a Pacha (energia universal) que se concentra na Pachamama (Terra) (Boff, 2013, p.
62).
Há, nos países capitalistas, um forte e positivado investimento no termo ‘desenvolvimento’, para
além da esfera individual, com reverberações políticas, culturais, sociais e éticas. A fé capitalista no
progresso, limitado apenas por empecilhos técnicos, na suposta abundância inesgotável de recursos
materiais, assim como na equação em que crescimento econômico e científico, somados, se
traduziriam em crescimento humano já não convence. A ideia de desenvolvimento como desenrolar de
uma essência a partir de um centro estável e fixo não se sustenta. Além disso o termo
‘desenvolvimento’ sofreu duros golpes em sua formulação ideal que projetava bem-estar para todos,
como consequência do progresso científico. O contexto passa a ser, reconhecidamente, parte da
constituição do sujeito que se refaz ao construir e reconstruir o mundo à sua volta. No nível planetário,
começamos a compreender que o ritmo e o modelo de progresso econômico são de difícil conciliação
com valores relacionados à qualidade de vida e à proteção dos recursos naturais.
A ideia de desenvolvimento reproduziu práticas e concepções que extrapolam a esfera do
individual. Valores como produtividade, assiduidade, disciplina, obediência, competição são comuns
tanto em corporações industriais como em instituições escolares, assim como práticas de triagem,
classificação e seleção entre os mais e os menos aptos. Não por acaso, competência e competição
carregam a mesma gênese etimológica. Em contrapartida, movimentos planetários revisam o modelo
de desenvolvimento que tem no âmbito financeiro-econômico sua métrica. Práticas e discursos sobre
sustentabilidade expõem as características do modelo vigente: insustentabilidade ecológica,
descompromisso ético, social e moral com os lugares da Terra e suas populações.
Num contexto em que países definem seus papeis, levando em consideração tanto a
regionalização quanto a globalização, e no qual diferentes projetos de desenvolvimento competem
para garantir a necessária sustentabilidade socioambiental, se o pensamento não é único e as miradas
para abarcar tal complexidade são necessariamente plurais, o desenvolvimento também não pode ser
único nem universal.
O conceito de desenvolvimento humano implica o imperativo ético de não sacrificar o bem-viver
dos outros em nome de seu próprio crescimento, progresso ou evolução. Esse imperativo baseia-se
em ideais de justiça e fraternidade, em sentimentos como solidariedade e compaixão e em práticas de
cooperação e cuidado, tarefas que não podem ser assumidas por sujeitos cuja formação está contida
num único e mesmo campo disciplinar, como é o caso da psicologia ensinada no Brasil hoje. Diante da
histórica disciplinarização da psicologia, é importante perguntar qual será o posicionamento dessa
ciência doravante. Estudos de performances, com encontros únicos e amplas generalizações,
desalojando ou subdimensionando processo e contexto, favorecem a construção de tecnologias
eficazes, instantâneas e descompromissadas com a trajetória humana. Sem uma formação ampliada,
que inclua pelo menos a psicologia ambiental, e sem trajetos formativos que contemplem diálogos com
política, educação, ciências sociais e saúde coletiva, dificilmente ultrapassaremos a noção
desenvolvimentista de desenvolvimento. Trata-se, portanto, de propor uma perspectiva dialógica
pluriepistêmica como possibilidade de integração da psicologia ao mundo contemporâneo.
A tarefa de reconstituição da psicologia, em especial a que se propõe a acompanhar a trajetória
humana, inclui o desafio de desvencilhar-se das noções de progresso, evolução e desenvolvimento,
contidas no mantra capitalista que reúne individualismo, eficiência e competitividade como elementos
capazes de vencer escassez e insegurança. Assim, poderemos avançar em outros desenvolvimentos
ou ciclos possíveis, que acolham coletividades e diferenças humanas, com criatividade, pensamento
crítico, artístico e ecológico, em redes de compartilhamento humano, porque socialmente referenciado.
Referências
Abbagnano, N. (1966). I. México: Fondo de Cultura Foucault, M. (1998). Vigiar e punir (17 ed., R. Ramalhete,
Económica Trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Ariès, P. (2012). História social da criança e da família Foucault, M. (2011). A Psicologia de 1850 a 1950. In M
(2a ed., D. Flaksman, Trad.). Rio de Janeiro, RJ: LTC. Foucault, Ditos e escritos I - problematização do
Barros, R. (2013). Quadros teóricos e escolhas sujeito: psicologia, psiquiatria, psicanálise (3a ed.,
metodológicas de dissertações em Psicologia do Vol. 1, V. L. Ribeiro, Trad., pp. 133-151). Rio de
Desenvolvimento no Brasil entre os anos de 2007- Janeiro, RJ: Forense Universitária.
2009. Dissertação de mestrado, Instituto de Giddens, A. (2009). A constituição da sociedade (3a ed.,
Psicologia, Universidade Federal da Bahia. Salvador, Cabral, A., trad.). São Paulo, SP: WMF Martins
BA. Fontes.
Biaggio, A. M. (1989). Psicologia do desenvolvimento: Gonzalez-Rey, F. L. (2013). A psicologia soviética:
tendências e exemplos. In Anais do II Encontro de Vigotsky, Rubinstein e as tendências que a
Pesquisadores da ANPEPP. Gramado, RS: ANPEPP. caracterizaram até o fim dos anos 1980. In A. M.
Biaggio, A. M. Brasil. (2011). Psicologia do Jacó-Vilela, A. A. L Ferreira, & F. T. Portugal(Orgs.),
desenvolvimento. Petrópolis, RJ: Vozes. História da psicologia: rumos e percursos (3a ed., pp.
395-414). Rio de Janeiro, RJ: Nau.
Bock, A. M. B., Furtado, O., & Teixeira, M. L. T (2001).
Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. Hall, S. (2006). A identidade cultural na pós-modernidade
São Paulo, SP: Saraiva. (11a ed., T. T. Silva& G. L Louro, Trad.). Rio de
Janeiro, RJ: DP&A.
Boff, L. (2013). Sustentabilidade: o que é – o que não é.
Petrópolis, RJ: Vozes. Japiassu, H. (2006). A crise da razão no ocidente.
Pesquisa em educação ambiental, 1(1), 27-41. USP.
Bonnet, C. (2006). Essai de psychologie. Paris, França: Recuperado em 15 de janeiro, 2016,
L´Harmattan. dehttp://www.revistas.usp.br/pea/article/view/30007/3
Bourdieu, P. (2005). Esboço de auto-análise. (S. Miceli, 1894.
Trad.). São Paulo, SP: Companhia das Letras. Jacó-Vilela, A. M, Ferreira, A. A. L., & Portugal, F. T.
Bourdieu, P. (2009). A economia das trocas simbólicas (Orgs.) (2013). História da psicologia: rumos e
(6a ed., S. Miceli, trad.). São Paulo, SP: Perspectiva. percursos (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: NAU.
Bourdieu, P. (2011). Razões práticas: sobre a teoria da Lalande, A. (1996). Vocabulário Técnico e Crítico da
ação (11a ed., M. Corrêa, Trad.). Campinas, SP: Filosofia. (F. S. Correia, M. E. V. Aguiar, J. E. Torres,
Papirus. & M. G. Souza, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.
Coulon, A. (2008). A condição de estudante: a entrada na Lopez, F. N. (2011). Do interior do Estado ao interior da
vida universitária (M. R. Sampaio & G. G. Santos, UFBA: uma experiência de tempo-espaço.
Trad.). Salvador, BA: EDUFBA. Dissertação de mestrado, Instituto de Psicologia,
Dessen , M. A. & Guedea, M. T. D. (2005, abril). A Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA.
ciência do desenvolvimento humano: ajustando o foco Recuperado em 15 de janeiro, 2016, de
de análise. Paidéia, 15 (30), Recuperado em 20 de http://www.pospsi.ufba.br/Fabio_Nieto.pdf.
dezembro, 2016, de Lopez, F. N. (2015). De uma psicologia do
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid desenvolvimento ao desenvolvimento de uma
=S0103863X2005000100004&lng=en&nrm=iso psicologia: revisão de uma práxis científica. Tese de
Ferreira, A. A. (2010). A pluralidade do campo doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade
psicológico. Rio de Janeiro, RJ: UFRJ. Federal da Bahia. Salvador, BA. Recuperado em 20
de dezembro, 2016,
Ferreira, A. A. L. (2013) O Múltiplo Surgimento da defile:///C:/Users/Casa/Documents/Fábio/Tese%20de
Psicologia. In A. M Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, & F. %20Fábio%20Nieto%20Lopez.pdf.
T. Portugal(Orgs.), História da psicologia: rumos e
percursos (3a ed., pp. 19-54). Rio de Janeiro, RJ: Lyra, M. C. D. P. & Moura, M. L. S. (2000).
NAU. Desenvolvimento na interação social e no contexto
histórico-cultural: adequação entre perspectiva teórica
Ferreira, A. A. L. & Araujo, S. F. (2009). Da invenção da e metodologia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(2),
infância à psicologia do desenvolvimento. Psicologia 217-222. Recuperado em 04 de março, 2016, de
em Pesquisa, 3(2), 3-12. Recuperado em 20 de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
dezembro, 2016, 9722000000200002&script=sci_arttext.
dehttp://www.ufjf.br/psicologiaempesquisa/files/2010/0
6/v3n2a02.pdf. Madureira, A. F. A. & Uchoa, Â. (2001). A pesquisa
qualitativa em psicologia do desenvolvimento:
Figueiredo, L. C. M. (1995). Revisitando as psicologias: questões epistemológicas e implicações
da epistemologia à ética das práticas e discursos metodológicas. Temas em Psicologia da SBP, 9(1),
psicológicos. São Paulo, SP: EDUC. 63-75. Recuperado em 29 de janeiro, 2017, de
Fabio Nieto Lopez: Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB. Mestre e doutor em psicologia
pela Universidade Federal da Bahia. Psicólogo e diretor de teatro.
Denise Maria Barreto Coutinho: Professora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia -
UFBA. Docente dos PPGs em Artes Cênicas e em Psicologia, ambos da UFBA. Doutora em letras. Graduada em
psicologia com formação em psicanálise.
Martin Domecq: Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB. Doutor em artes cênicas pelo
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA. Graduado em filosofia na Universidad de Buenos Aires –
Argentina.