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assenhorear do que estava fazendo.

As
WEISZ, TELMA – O diálogo entre o ensino e a situações que criava em classe demandavam
aprendizagem que o professor cumprisse determinados passos,
Capítulo I – Meu batismo de fogo e eu os cumpria. Os meninos colaboravam muito,
faziam tudo o que eu mandava, mas na verdade
Fiz o curso normal no Instituto de Educação, no eu não compreendia o que resultava daquilo, era
Rio de Janeiro. Até hoje não sei exatamente por como se estivesse apenas preenchendo o tempo
que, mas aos dez anos de idade havia decidido de aula.
que, depois do ginásio, faria o normal. Não conseguia avaliar o resultado do trabalho,
Provavelmente porque gostava da minha nem o que devia esperar das propostas que
professora do primário. punha em prática. No curso normal havia
Ao longo do curso, quis sair. Uma das razões é aprendido apenas uma seqüência de atos cegos
que estava muito envolvida com outros para realizar - agora o professor faz isso, depois
interesses, sobretudo com artes plásticas; outra é aquilo, depois aquilo -, sem compreender que
que o curso me parecia fraco e desinteressante. efeito esses atos causariam. Isso me levou a
Mas meus pais me convenceram do contrário. viver inúmeras situações que me deixaram
Diziam que, se eu quisesse, faria depois uma confusa e impotente - como essa, que foi um
faculdade em outra área, mas que o importante momento de crise para mim: muitos meninos e
era, aos dezoito anos, ter já uma profissão. Coisa meninas da minha classe
de imigrante. Meu pai costumava repetir que se trabalhavam, os meninos, quase todos. Eram
aos dezoito anos não tivesse uma profissão - e favelados e faziam carreto na feira, vendiam
ele tinha - sua família teria passado um mau balas na porta do cinema, batiam carteiras. Um
pedaço, porque havia perdido tudo o que deles, por exemplo, dormia muito na aula porque
possuía. era gandula no Tênis Clube. Acordava às quatro
Fiquei. Mas fiz o Instituto de Belas-Artes (atual horas da manhã, ia para lá, depois vinha a pé até
escola de Artes Visuais do Parque Lage) ao a escola, que era muito longe. Inseridos na vida
mesmo tempo, durante dois anos. Em 1962, prática, eles faziam trabalhos que exigiam o
quando cursava meu último ano do normal, a desenvolvimento de operações matemáticas.
repetência fabricada pelas escolas finalmente No domingo eu ia ao cinema, e na porta estava
ultrapassou os limites: não havia rnais vagas na sempre um menino que era meu aluno, vendendo
na 1ª. série para os novos alunos. O governador balas. Eu comprava. Dava uma nota de
tomou então três providências: aprovou as cinqüenta para comprar um saco de baias que
crianças por decreto - e foi todo mundo para a 2a custava dezessete e ele nem piscava. Fazia a
série, soubesse ou não soubesse ler -, montou conta mais rápido do que eu e dava o troco na
escolas de madeira, com telhado de zinco, mesma hora: três para fazer vinte, depois mais
horrorosas, e convocou todas as normalistas que dez, para fazer trinta, e seguia até chegar aos
estavam no último ano do curso para dar aulas. cinqüenta, como faz todo mundo que dá troco.
Assim, lá fui eu para uma escola, onde me Na segunda-feira eu botava na lousa um
confiaram uma classe de alunos que tinham entre problema do tipo "João tem cinco figurinhas,
onze e doze anos e que, depois de repetirem comprou mais três, quantas figurinhas João
várias vezes a Ia série, haviam passado para a tem?", e esse mesmo menino me perguntava:
2a por decreto. Quando eles faziam fila, na "Fessora, é de rnais ou é de menos?"
entrada, para cantar o hino nacional - porque Aquilo me deixava perplexa. E eu argumentava:
essas coisas se usavam, naquela época -, meus "Mas você não sabe? Se eu te der tanto e depois
alunos eram os mais altos e de outra cor. Dos te der mais tanto...". Ele respondia "sei". "E por
meus 45 alunos, apenas três não eram negros. que aqui você não sabe?".
Não eram todos analfabetos. Mas isso não Lamento muito não ter registrado na época, mas
significa que fossem considerados alfabetizados. lembro que essas situações revelavam para mim
Nós, professores, não estávamos preparados o abismo que existia entre o desempenho desses
para lidar com alunos que, ainda tateando na meninos na escola e o que a vida lá fora exigia
leitura, produziam escritas fora dos padrões deles. Depois que me mudei para São Paulo, e
convencionais. Eu percebia que alguns meninos emoutras circunstâncias, encontrei também
sabiam escrever alguma coisa, que outros só situações absurdas desse tipo. Como a de um
copiavam e outros, para mim, eram uma menino de doze anos que ganhava a vida
incógnita. Tinha algumas idéias genéricas sobre fabricando pipas, retido numa classe que só fazia
o fato de que todas as crianças eram capazes de coordenação motora. Diziam que ele não
aprender e de que havia técnicas para ensinar. aprendia a ler porque não tinha coordenação
Passei a empregá-las. E não demorei a perceber motora.
que havia coisas inteiramente absurdas Como pode alguém que vive de fabricar pipas
acontecendo e que eu não tinha como me não ter coordenação motora?
A sensação de que a escola parecia uma Mas a sensação mais profunda que me ficou ao
armadilha montada para que esses meninos não sair dessa experiência foi a de ignorância.
pudessem se sair bem, e a convicção de que Durante esse ano foi se tornando
esse tipo de situação tinha um papel político extraordinariamente claro para mim que as
muito importante, me perseguiram durante toda a informações e idéias que circulavam na
minha vida profissional. Para mim aqueles educação não davam conta do problema do
meninos eram uma representação da classe ensino. Um professor não era alguém que
dominada, nos termos que se usavam na época. soubesse o que estava fazendo na sala de aula e
E eu — que buscava na história e na política fazer direitinho tudo o que havia aprendido no
elementos para compreender como era possível curso normal não lhe garantiria bons resultados.
que a maioria da população fosse dominada pela Na verdade, o professor era um cego. Seguia um
minoria — naquele momento me dei conta de conjunto de rituais com a esperança de que, lá no
que a escola desempenhava um papel central fim, os meninos demonstrassem ter aprendido.
nessa possibilidade. Compreendi que a Mas de que maneira o que ele fazia afetava ou
percepção que as crianças tinham do que não o aprender das crianças, isto era
mereciam no mundo era marcada pela sensação completamente desconhecido.
de fracasso pessoal que a escola construía para Formada no normal, um curso técnico de 2° grau,
elas. Que a capacidade de brigar pelos seus supunha-se que a professora deveria aprender
direitos era determinada ali - seja porque sem um conjunto de procedimentos para realizar sua
boas condições intelectuais é difícil sair da tarefa de ensinar.
miséria, seja pelo fato de que se você acha que é Tínhamos aulas de metodologia da linguagem,
o culpado do seu fracasso escolar, certamente da matemática, das ciências, dos estudos
vai ser mais fácil se conformar de ser culpado do sociais. Essas metodologias eram um conjunto
seu fracasso econômico. de práticas que aprendíamos e deveríamos
Ficava muito impressionada também - porque na reproduzir com nossos alunos. Saíamos da
época eu conversava com muitas mães, apesar escola menos preparadas que um mecânico, a
disso não ser um costume na escola - com a quem se ensina a apertar este parafuso e soltar
visão que elas tinham dos próprios filhos. aquele, mas que tem de conhecer muito bem o
Não achavam que fosse natural eles passarem motor com o qual está trabalhando, para
de ano e terem sucesso na escola, já que essa compreender o que se modifica lá quando se
era uma sorte reservada a apenas alguns. E mexe aqui ou ali. [...]
aceitavam facilmente a idéia de que seus filhos Em classe eu tinha uma relação muito boa com
não eram capazes, diziam mesmo que eles não as crianças. Gostava delas, reconhecia que eram
tinham boa cabeça para o estudo. Muitas inteligentes e capazes. E elas tinham claro que
deixavam claro que eu podia bater neles para ver eu não as jogava no fogo, mas defendia quando
se estudavam. Eu ficava profundamente o resto da escola atacava, porque elas eram a
chocada. Enquanto uma mãe de classe média "rapa do fundo do tacho" da escola, os eternos
faria um escarcéu se alguém encostasse o olho culpados de qualquer coisa que acontecesse.
torto no filho dela, a mãe pobre chegava até a Consegui fazer trabalhos interessantes com
professora e, para ganhar sua simpatia, dizia que esses meninos. Desenvolvíamos projetos [...]
podia bater em seu filho. Para uma mocinha com como montar uma peça teatral, com as milhares
a cabeça cheia de idealismo e de um marxismo de coisas que precisavam ser feitas. [...] Fizemos
de manual, isso tinha um impacto enorme. bonecos de teatro, roupas para o espetáculo,
Esse foi o meu batismo de fogo, e fez com que cenários, o que aparecesse. Desenhava-se muito
eu me afastasse durante os doze anos seguintes também. Por conta da minha própria experiência
da educação. Penso hoje que a experiência com pessoal como estudante de belas-artes, eu
esses meninos está na origem de tudo o que fiz acabava inventando propostas que faziam os
depois e do rumo que minha vida profissional alunos trabalhar com diferentes linguagens. E
tomou. Ao trabalhar com eles pude ter uma eles praticamente não faltavam. Eu tinha 45
dimensão da realidade que minha condição de alunos todos os dias, o que era impressionante.
adolescente de classe média não me havia Alguns desses meninos aprenderam.
permitido antes. Era uma garota ainda, com Mas não sei o que aprenderam, nem como
muito envolvimento político - do tipo que se tinha aprenderam, acho que aprenderam apesar de
na época, algo que ficava entre o ativismo mim. [...] a questão central para mim era a minha
estudantil e a militância política -, me achava própria cegueira, a sensação de que eu fazia um
muito sabida e nunca havia me defrontado com trabalho mecânico, que não compreendia, como
uma situação tão aguda de fracasso. Pois foi se fosse o apertador de parafusos do filme
assim que a vivi: como um fracasso terrível, que Tempos modernos, e isso era muito angustiante.
me deixou, no final do ano, fisicamente doente de Acho que meu ideal de professor era alguém que
tão deprimida. pensa, uma espécie de intelectual com a mão na
massa, capaz de equacionar e propor soluções, e
não alguém que é arrastado e faz coisas que não
compreende nem quando dão certo, nem quando
dão errado.
Acho que o professor continua chegando hoje na
escola com as mesmas insuficiências com que eu
cheguei em 1962. Ele acaba ganhando
experiência e também algum conhecimento de
natureza intuitiva mas, dependendo da formação
que recebe, continua tão cego e perdido quanto
eu estava. O que mudou, hoje, é a maneira pela
qual ele pode, se quiser, tentar resolver essa
situação. Por exemplo: durante muitos anos os
professores do sistema público, que viviam uma
situação semelhante à minha, consolaram-se
com a idéia de que uma quantidade enorme de
seus alunos, a cada nova turma, eram crianças
com algum tipo de deficiência, por isso é que
repetiam e iam continuar repetindo. Eles não
conseguiam ensinar a essas crianças, só que
pensavam que a culpa não era deles,
professores, mas das crianças. Hoje seria mais
difícil sustentar uma afirmação como essa, pois o
conhecimento que se desenvolveu nos últimos
vinte anos aponta numa direção contrária.
O que está à disposição dos professores hoje é
um corpo de conhecimentos que, se não dá
conta de tudo, pelo menos ilumina os processos
através dos quais as crianças conseguem ou não
aprender certos conteúdos. Já é possível
observar uma situação de sala de aula e
interpretar as ações das crianças e do professor
com um grau de profundidade que não existia
antes. Cada vez mais a concepção que se tem
do ato de ensinar desenha o perfil de um
professor que reflete enquanto age, pode tomar
decisões, mudar rapidamente o rumo de sua
ação, interpretar as respostas que os alunos dão,
autocorrigir-se. O entendimento que se tem de
um professor hoje é o de alguém com condições
de ser sujeito de sua ação profissional.
Assim, vai ficando ultrapassada aquela prática
educacional na qual alguém pensava
procedimentos técnicos, passava-os como um
pacote para o professor, que entrava na classe e
simplesmente os executava.

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