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Gustavo Oi, Moema, bom dia!

Um dos teus livros, o Guernica, caiu nas minhas mãos


bem num momento em que eu estava pensando e apostando na ideia de "violência
estética" como alternativa de resistência cultural. Eu tinha acabado de ficar sabendo que
o Zé Celso ia reencenar O Rei da Vela, 50 anos depois, e fiquei entusiasmado porque
achei que era exatamente o tipo de coisa que o momento estava pedindo. Mas aí, como
eu disse, apareceu o Guernica, e deu um nó no meu raciocínio. Porque, na minha
opinião, é um livro que aposta em outra forma de resistência, aquela lírica e sutil da
"permanência"; é um livro que mostra a necessidade de falar de amor, amizade e
agregação, mesmo no meio das guerras de todos os dias; onde se encontra a fraternidade
como tarefa difícil - mas, absolutamente, possível. Nesse sentido, minha pergunta é a
seguinte: tu acha que a literatura pode ser vista também como um gesto de carinho, de
cuidado, para nos fortalecer na bagunça da vida? Essa é uma busca tua?

Moema A literatura pode ser um gesto de carinho como? Fortalecer como? Qual
literatura? Para que? Quando recebi tua pergunta fiquei assim meio Beckett no O
Inominável, me perguntando um monte de coisa. Acho que foi porque sua questão
juntou duas interrogações muito vivas para mim, uma que quer saber o que a literatura
faz com as pessoas, a outra é como aquele título do Barthes: Como Viver Junto? Como
viver junto mais bonito, como viver junto sem se matar?

Fiquei nessa viagem, pensando que ler e escrever tem tantas dobras e desdobramentos, a
ação da literatura responde em tantos endereços para mim, que ao ler na tua pergunta a
literatura colocada do lado da palavra “cuidado” me fez ver que o cuidado também tem
muitas formas de ser. Um lugar que a poesia cuida em mim é o do entusiasmo, do
deslumbramento, um pouco do milagre mesmo da existência das coisas. A literatura em
geral, mas a poesia em especial. Essa foi a primeira coisa que me veio. “Quando nada
acontece, há um milagre que não estamos vendo”, diz o Rosa, uma frase que anda
comigo na rua, nas aulas, com os amigos, na conversa do bar – faz anos que venho me
estragando essa frase, meio como colocar a música preferida para tocar de despertador
no celular. Mas ela estranhamente resiste e eu a repito – mesmo que, assim, às vezes,
meio culpada, né, colocar Rosa para tocar de despertador sete da manhã...

Embora isso pareça individual, isso de ganhar olhos de ver milagres, eu vejo como me
conecta também com as outras pessoas e com uma potência milagrosa de realizar, de
fazer. Com meu corpo potente de estar vivo, eu me movo no mundo de forma diferente.
Também vejo que algo que acontece muito junto desse deslumbre, e faz parte da causa
do deslumbre também, é eu não entender alguma coisa no poema, ou não entender a
mim, não entender totalmente por que aconteceu a mágica do impacto que eu sofri, e
isso é estimulante, tem um convite para apreciar e entender algo novo, ampliar minha
percepção da vida, porque o que aconteceu eu não esperava e não entendo. Então ler um
poema muito bom às vezes parece que me abre um portal, uma porta dessas de filme do
Fellini, que dá para um outro universo, tão estrangeiro, tão alienígena ao universo
anterior que eu só posso vivê-lo como ampliação do mundo mesmo. Nesse mundo cabe
mais coisa, cabe mais gentes, cabe mais sensibilidade, mais liberdade, mais criatividade
– que é um negócio necessário para caramba para responder a essa pergunta de como
viver junto.

Eu acho que, sim, é preciso falar de amor, amizade e agregação no meio das guerras de
todos os dias. É bom, é importante, é potente. Muda as coisas. É preciso celebrar o que
há de maravilhoso e também reconhecer o horror. Falar do que não está bem, do que
está péssimo. Mas acho que isso independe de literatura, sabe? Não é preciso literatura
para comer bolo nem para pisar o pé de alguém no forró. E para perguntar se é possível
fazer poesia depois de Auschwitz, é preciso literatura? Para mim, pessoalmente, foi
preciso e ainda é. No nosso caso, que hoje investimos nosso tempo, esse tecido da vida
como diz o Candido, gastamos tanto do nosso tempo em ler e escrever, decerto
podemos acabar fazendo também um pouco disso na literatura - falar do bom e do ruim,
enxergar o cuidado e o descuido, comer bolo, pisar o pé, mostrar possíveis e
imagináveis, criar possíveis e imagináveis. Encontrar nela um pouco de ambulância,
enfermaria, guerrilheira e lança-chamas – palavras que ficaram comigo de uma
entrevista da Júlia de Carvalho Hansen. E as mãos dadas do Drummond, o Still I Rise da
Maya Angelou, o olhar que não vai poupar nada da Elvira Vigna. Se você emprestar
esse olhar para olhar para qualquer coisa... Esses dias, numa reunião, me peguei com
uma narradora da Elvira Vigna na cabeça, quando subi para o apartamento abri uma
Wislawa Szymborska rapidinho, com medo mesmo de me sumirem as nuvens e as
pedras e os gatos porque eu estava tão cheia de informações confidenciais sobre as
pessoas, não sobrava escondido nem a sujeira debaixo da unha do dedão do pé. Elvira
Vigna é foda. (Quase ia acabando a resposta aqui, mas daí me veio o Caetano. Wislawa
Szymborska é foda, Caetano Veloso é foda, rir das coisas pode ser muito foda. Essa é
outra verdade. Olha só como escrever e cuidar da vida pode ter muitas verdades).

Gustavo "Ganhar olhos de ver milagres..." Acho que a minha sensação é exatamente
essa. Parece que as tuas palavras estão andando por aí distraídas, sem se importar
demais com o que está em alta-visibilidade – sob os holofotes, chamando a atenção de
toda a gente – e preferem se embrenhar pelos "vazios" (só que são "vazios" apenas de
olhares) onde encontram os espaços que precisam para entrar e perceber o outro lado
como uma "ampliação do mundo". Tudo o que parecer mais insignificante pode ganhar
uma potência poderosa no lirismo do teu texto. E acho que isso só é possível se
estivermos abertos à possibilidade de deslumbre constante. Será que o deslumbre é
aquele lugar-momento em que poesia e vida se encontram indiferenciadas, como na
criança que ainda não consegue separar muito bem o que é "eu" e o que é "outro" e o
que é "mundo"? Será que o deslumbre não é justamente essa "incapacidade de
diferenciação", ou melhor: "capacidade de indiferenciação"? Será que o deslumbre é
causa e consequência de todo gesto milagroso? Será que o milagre é um gesto, uma
ação? Aliás: será que o próprio deslumbre não é uma coisa ativa, como se precisasse ser
"vivido", e não apenas "sofrido"? Sei lá, tô viajando aqui, pensando em voz alta...

Moema Gostei dessa ideia do milagre como ação, como coisa ativa, vivida. É o que me
intriga ultimamente na frase do Rosa, do milagre que não estamos vendo. O bom de
ficar repetindo uma frase é que você começa a estranhá-la, né? Daí tem essa história de
“quando nada acontece”. O que quer dizer isso? Os milagres estão aí no mundo, em
estado anterior ao de “acontecimento”, só esperando que alguém os veja e complete a
mágica? Seja como for, na frase, a visão milagrosa é necessária para a atuação do
milagre no mundo. O olhar ativa um acontecimento.

Agorinha eu estava bisbilhotando o livro novo do Agamben, que é um livro sobre


criação e escrita, e ele fala ali de uma literatura que se mantém em “justa relação com o
mistério”, e que é, portanto, precária. Você sabia que “precário” vem de praex, pedido
verbal, como uma prece? Eu não sabia. Fiquei pensando nessa mercê da criação que é
passageira, sem estabilidade, extraordinária, milagrosa. Peguei carona na graça da
palavra “precária”, e é essa graça que também me faz lembrar da proposta da Marília
Floôr Kosby de “buscar a letra xucra” – foi o nome de uma oficina de poesia que ela
deu na Aldeia aqui em Porto Alegre. “Mãos em concha na bica dos sonhos, a poesia está
com sede!”, ela escreveu no programa, fui olhar agora porque me lembrava desse
frescor de palavras. Para mim, isso significa buscar também o que não é garantido,
condicionado, repetido à exaustão, ao ponto da perda de uma capacidade também de
(se) deslumbrar, de ver, sonhar, fazer acontecer o extraordinário. “É necessário, o
impossível”, diz o título de um livro da Carla Ferro, já que estou nessa de citar as vozes
que conversam com minha mente no agora dessa entrevista. Mais uma citação que me
vem, então: uma tia uma vez me falou, meio a sério, meio rindo: “Hoje estou precária”.
Nesses tempos de tantos rebuliços humanos, crise ecológica, social, política, muitas
vezes sinto mais precariedade agora do que há dez anos, então uma criação que
converse com esse presente, que investigue esse presente, muito me interessa no
momento. “Presente” no sentido de atual, que ocorre no momento da fala, e também de
dádiva. Presente que é tudo, mesmo presente de grego.

Gustavo Acho que a tua literatura tem algo dessa precariedade que tu tá falando - essa
de parentesco com a prece mesmo, ou de "convocação do divino". Tem algo de
"mântrico" em várias passagens do Guernica - por exemplo, aquelas frases que o livro
evoca volta e meia como uma reza, como se pra reestabelecer o equilíbrio ("viver como
se a verdade fosse verdadeira", "o mundo são mundos demais"). E se, por um lado,
como já falei, tanto no Guernica como em Quis Dizer, teu livro de poemas, uma das
coisas que mais chamou a minha atenção foi o aguçamento da tua sensibilidade pras
"coisas pequenas" (e que, ao mesmo tempo, são coisas que "permanecem"), por outro
não é difícil reparar que teus livros também se apresentam como "formas breves"
(Guernica é meio que uma miniatura de novela (ou um "romance bonsai", como o de
Alejandro Zambra?)), e muitos dos melhores trechos de Quis Dizer são instantâneos de
situações fugazes. E, agora, tu tá pra lançar outro (A Dupla Vida de Dadá) que, na
sinopse de divulgação, é descrito como um livro de minicontos que investiga as "formas
breves contemporâneas". Há nexo nessa coexistência das formas breves e da
precariedade como forma de relação com o mistério, o extraordinário e o milagroso na
tua literatura?

Moema Bá, fiquei bem feliz com teu retorno, Gustavo, muito bonito o que você viu no
livro. Fico agradecida por este teu olhar, é uma graça que ganhei com o Guernica, mais
do que com qualquer outro escrito. Ter tido leituras fortes, comoventes, profundas como
a tua. Essa foi uma das coisas mais legais que o livro me trouxe.

Esses dias, ouvindo o Jeferson Tenório, fiquei pensando sobre as frases fortes de um
livro, as frases que ficam na cabeça. Ele falou que é o leitor que deveria encontrar as
frases de efeito de um livro, o autor não pode as exibir demais. Fiquei pensando sobre
isso, sobre como parece mais interessante e desafiador as frases impactantes que se
escondem um pouco, que não carregam uma placa de “frase de efeito” sobre si. Mas
também depende: uma frase do Guimarães Rosa não é uma frase de Lydia Davis, que
não é uma frase de Hemingway, uma frase da Maria Gabriela Llansol. Eu sou bem
ligada na frase, nos componentes mínimos de sentido de um texto, adoro ficar
enxergando as palavras únicas de uma obra, ficar experimentando como seria se a
estrutura fosse outra.

Também acho que tenho mesmo um amorzinho por essa ideia de olhar para o pequeno –
e foi essa a proposta da minha tese também, sabia, criar ensaios e ficções que se
enveredassem por formas de extensão curta, mas também que dessem atenção ao menor
também no sentido do que está em segundo plano —, do tema que é, em certo contexto,
mais despercebido, ou até considerado inferior a outros em importância e valor. Quis
achar temas e recortes de que falamos menos na Teoria Literária e na Escrita Criativa.
Um pouco disso vem de um gosto pela aventura, um gosto pela descoberta. Outro tanto
por, sei lá, implicância, crítica, vontade de enxergar com mais liberdade. E tem muitas
graças no breve. Uma, direta e reta: de um sonho breve, a gente acorda rápido. Outra:
uma graça rápida é mais fácil de compartilhar que uma muito da grande. Por exemplo:
uma flor do Issa eu posso estender aqui e agora, falar meu, olha isso! Até uma lua do
Issa. Vai querer compartilhar um trocado de um Uma viagem à Índia, do Gonçalo
Tavares, um rato do Submundo, do Don Delillo, um romanção que eu adoro... a pintura
da Lily Briscoe no Ao farol, da Virgínia Woolf... leva tempo. Sobre a relação do tempo
com o milagroso e o extraordinário estou pensando, faz dias. Desde que você
perguntou. Não sei uma resposta. É um presente que sua entrevista me deu. Vou
continuar pensando...

Gustavo Muito obrigado, Moema, adorei conversar contigo! Ainda tem um espacinho
pra tu dizer qualquer coisa que quiser e que minhas perguntas e colocações não tenham
dado oportunidade. Algo?

Moema Aproveito para convidar para o lançamento do meu livro novo, A dupla vida de
Dadá, que vai ser na Aldeia (Rua Santana, 252) no dia 11/08, às 18h30. Vai rolar uma
conversa com a Natalia Borges Polesso e a Priscila Pasko sobre a compulsão de narrar e
a sina de inventar narrativas na ficção e na vida, aproveitando o gancho dessa coisa de
criar diferentes universos ficcionais que a ficção breve pode convidar a fazer muito
rápida e freneticamente, né? Vamos conversar sobre temas que orbitem essa ideia. Por
exemplo: agora que voltei de Corumbá, onde fiz um lançamento do livro, fiquei
pensando muito nos contadores de causos do Pantanal e sobre as narrativas
maravilhosas de minhas avós. Vamos ver o samba que dá tudo isso no dia 11/8...

Gustavo Anotadíssimo. Estarei lá. Um beijo, Moema!

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