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Doi: 10.5212/Emancipacao.v.13iEspecial.

0009

Aspectos do Contratualismo Clássico na


Formulação do Ideário do Estado Moderno:
Subsídios para Análise do Pensamento Político
Contemporâneo

Classic Contractual Aspects in the Formulation of


Modern State Ideals: Subsidies for the Analysis of
Contemporary Political Thought

Olegna Guedes*
Silmara Carneiro e Silva**

Resumo: Parte-se, neste artigo, do suposto de que a análise de aspectos do


contratualismo clássico auxilia na compreensão do ideário sob o qual se funda o
Estado Moderno. A partir do jusnaturalismo, Hobbes, Locke e Rousseau formulam
teorias que apresentam diferentes interpretações sobre conceitos que estruturam
o pensamento político na modernidade. Suas concepções fornecem elementos
teóricos que podem subsidiar a análise das relações entre o Estado e a sociedade
civil em meio ao jogo ideopolítico no qual se estruturam, na contemporaneidade. A
partir desse suposto, objetiva-se, neste artigo, trazer à tona aspectos fundamentais
do contratualismo clássico e apontar de que forma eles auxiliam na análise do
pensamento político contemporâneo.
Palavras-chave: Jusnaturalismo. Contratualismo. Pensamento político. Estado
moderno.

Abstract: This paper is based on the assumption that the analysis of the aspects of
classical contractualism helps the understanding of the ideals upon which modern
state is founded. Based on natural law, Hobbes, Rousseau and Locke formulate
theories that have different interpretations of concepts that structure modern
political thought. Their conceptions provide theoretical elements that support the
analysis of the relations between the state and civil society in face of the ideological/
political game in which they are structured nowadays. Based on this analysis, this
papers aims to discuss the fundamental aspects of classical contratualism and
demonstrate how they aid the analysis of contemporary political thought.
Keywords: Natural Law. Contractualism. Political Thought. Modern State.

*
Dra. em Serviço Social pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Docente do Curso de Graduação e Pós Graduação
em Serviço Social e Política Social da  Universidade Estadual de Londrina (UEL).  Bolsista  Produtividade da Fundação Araucária -Apoio
ao desenvolvimento científico e tecnológico do Paraná. E-mail: olegnasg@gmail.com
**
Doutoranda em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Assistente Social da Secretaria de
Estado da Família e Desenvolvimento Social do Paraná Ponta Grossa, Paraná, Brasil. E-mail: verdesilmara@yahoo.com.br.

Emancipação, Ponta Grossa, 13, nºEspecial: 133-143, 2013. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao 133
Olegna Guedes; Silmara Carneiro e Silva

Introdução Hobbes, Locke e Rousseau e o


Contratualismo Clássico: subsídios para a
Um dos aspectos que concorre para a análise política contemporânea
construção do ideário que sustenta a concepção
do Estado Moderno refere-se à construção de A formação da sociedade civil e do Estado
argumentos para explicar as suas relações com compõe o movimento histórico-político que
sociedade civil. estrutura a sociedade moderna. Ambos, produtos
Dentre os autores que se debruçaram da transformação das bases da estrutura
a desenvolver tais explicações destacam-se econômica, social e política, inscrevem-se na
Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques história como instituições que dão sustentação
Rousseau, expoentes do contratualismo clássi- à convivência humana na modernidade.
co. Suas construções teóricas versam sobre a Os autores contratualistas preocupam-se
formação do Estado e da sociedade civil, com em interpretar esse movimento político no perí-
base em uma relação contratual; sustentam odo de gênese e consolidação do capitalismo,
suas análises numa acepção jusnaturalista; uma final do século XVII e primeira década do século
compreensão metafísica do homem em estado XVIII. É um período que demarca a gênese da
de natureza, portador de direitos naturais, ante- sociedade moderna, marcada pelos rebatimen-
riores ao Estado. tos de uma nova forma de produção sob a qual se
Denominados de autores jusnaturalistas, reconstruía a forma como o homem interpretava
Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jaques as bases de sua relação com o mundo e com os
Rousseau conjugam sob as mesmas premissas, outros homens. Uma nova forma de sociedade
porém, com argumentos diversos; elementos que nascia e, nela, idealizava-se a orientação da con-
compõem o corpo ideológico, teórico e político duta e das escolhas humanas pela razão. Diante
que estão na base de sustentação, ou da crítica, disso, diferentes perspectivas foram construídas
do Estado Moderno. pelos teóricos e, dentre elas, os contratualistas,
Parte-se, neste artigo, do suposto de que a para interpretar a constituição dos pactos polí-
análise de aspectos desse contratualismo clássi- ticos construídos à luz dos novos paradigmas
co auxilia na compreensão do ideário sob o qual emergentes nesse contexto.
se funda o Estado Moderno e fornece elemen- Impera-se a racionalidade, sob a qual se
tos teóricos que podem subsidiar a análise das
selava uma nova explicação à relação para a
relações entre o Estado e a sociedade civil em
meio ao jogo ideopolítico no qual se estruturam, necessária convivência entre os homens. É nesse
na contemporaneidade. A partir desse suposto, contexto que emerge a necessidade de superação
objetiva-se, neste artigo, trazer à tona aspectos das explicações teológicas com relação à sobera-
fundamentais desse contratualismo e apontar nia, sob a qual se constitui um corpo político deno-
formas pelas quais eles nos auxiliam na análise minado Estado, que se relaciona e se sustenta a
do pensamento político contemporâneo. partir de uma determinada forma de associação:
O artigo foi construído a partir de revisão a sociedade civil. Essa nova estruturação polí-
bibliográfica limitada às seguintes obras: “O tica tem como uma de suas principais matrizes
Leviatã” (Thomas Hobbes), “O segundo tratado a formulação teórica de pactos societários, nos
sobre o governo” (John Locke), “Discurso sobre
quais os indivíduos sociais, compreendidos como
as desigualdades sociais” e “O Contrato Social”
(Jean Jaques Rousseau). Procurou-se, nesta homens em estado de natureza, renunciam sua
revisão, apreender as idealizações apresentadas liberdade natural e, em troca, passam a ter direitos
pelos autores acerca da relação entre sociedade políticos assegurados pelo Estado. Nessa ideali-
civil e Estado, a partir das seguintes categorias: dade, para os contratualistas, na nova sociedade
estado de natureza, natureza do contrato social, – a sociedade moderna - o estado de natureza dá
liberdade, sociedade política (Estado). lugar à sociedade civil e ao Estado. Funda-se, en-
tão, um ideário de soberania política baseada na
ideia de um contrato. Daí advém a denominação
de contratualismo.
Verifica-se que os contratualistas, embora
tenham se debruçado a entender a sociedade

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moderna nascente, sob um mesmo conjunto E, nessa busca, destacam-se três motivos para
de premissas interpretativas, cada filósofo con- a constante discórdia: “Primeiro, a competição;
tratualista, à sua maneira, construiu diferentes segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.”
argumentos que sustentaram suas distintas Hobbes (1979, p. 75). E, se é assim, porque en-
interpretações sobre a soberania e ofereceram tão a necessidade da sociedade? Para o autor, a
socialização se constrói devido ao desejo huma-
explicações que contribuem para a compreensão
no de segurança, mediante o medo da opressão.
das relações ideológicas e políticas que compu- Assim, procura-se “[...] ajuda na associação, pois
seram o período de estruturação das bases da não há outra maneira de assegurar a vida e a
sociedade moderna. Portanto, as explicações liberdade.” (HOBBES, 1979, p. 61).
teóricas construídas por Hobbes, Locke e Rous- No estado de natureza, para o autor, o
seau, sob as determinações do período histórico homem não encontra outros meios para sua pre-
em questão, expressam particularidades da servação e proteção que não seja o uso da força
interpretação que cada autor faz acerca dos e ou da astúcia, o que não é seguro e nem estável
elementos históricos e políticos presentes no para sua conservação. Nas palavras do autor,
contexto em que estavam inseridos. [...] nenhuma maneira, de se garantir [a se-
Dentre esses autores, Hobbes (1588-1679) gurança] é tão razoável como a antecipação;
é o precursor. Nasceu em um contexto político isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar
desfavorável para a Inglaterra. Viveu durante o as pessoas de todos os homens que puder,
período da reforma anglicana e acompanhou o durante o tempo necessário para chegar ao
efervescer da Inglaterra imersa na guerra dos 30 momento em que não veja qualquer outro po-
anos. Esses são alguns dos fatos históricos que der suficientemente grande para ameaçá-lo.
corroboram para a formação de uma análise pes- E isto não é mais do que sua própria conser-
vação exige, conforme geralmente admitido.
simista da realidade construída por Hobbes e que
(HOBBES, 1979, p. 75).
permitem identificá-lo como um sujeito temeroso
mediante o contexto de fragilidade política no Mediante o estado de natureza, na tradi-
qual vivera. O próprio filósofo apresenta-se: “mi- ção hobbesiana, o direito natural compreende
nha mãe pariu gêmeos, eu e o medo” (HOBBES “[...] a liberdade que cada homem possui de
apud RIBEIRO, 1984, p. 11). Ressalta-se, assim, usar seu próprio poder, da maneira que quiser,
na sua argumentação política, a defesa da troca para a preservação de sua própria natureza, ou
da liberdade, que interpretava como inerente ao seja, de sua vida; [...]” (HOBBES, 1979, p. 78). A
estado natural, pela segurança oferecida pelo liberdade constitui-se, portanto, como um direito
Estado, corpo político formado mediante um con- natural de conservação do homem, ao passo
trato, por meio do consentimento dos homens. que considerando a lei da natureza, o homem
Hobbes parte da premissa de que os ho- deve se esforçar para viver em paz. Caso não
mens em estado de natureza estão em condições alcance meios para tanto, “[...] pode procurar e
de igualdade. Iguais tanto na força física como usar todas as ajudas e vantagens da guerra.”
espiritual; voltam-se aos mesmos objetos; são
(HOBBES, 1979, p. 78).
instáveis; portadores dos mesmos desejos; e
reúnem-se, sobretudo, motivados pelo desejo de A lei, na concepção hobbesiana, é enten-
se beneficiar da companhia do outro. E porque dida como um “[...] preceito ou regra geral, esta-
são iguais, e se voltam para a satisfação dos belecido pela razão, mediante o qual se proíbe
mesmos desejos, estão em constante disposição a um homem fazer tudo o que possa destruir
para a guerra, ou seja, são expostos a um estado sua vida ou privá-lo dos meios necessários para
de guerra de todos contra todos, traduzida na preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder
expressão Homo homini lúpus, que significa o contribuir melhor para preservá-la.” (HOBBES,
‘homem é o lobo do homem’. 1979, p. 78). É, portanto, uma forma racional
Na convivência entre os homens impera a encontrada pelo homem para garantir a sua pró-
desconfiança entre todos, sobretudo, pelo medo
pria vida. Entretanto, a guerra é ainda um meio
da morte violenta. Frente a tal desconfiança,
torna-se fundamental o instinto de conservação, utilizado para a preservação do direito natural à
pelo qual os homens buscam valer-se de qual- vida. Daí a necessidade do pacto, sem o qual,
quer forma, a fim de salvaguardar suas vidas. o homem apenas em seu estado de natureza

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Olegna Guedes; Silmara Carneiro e Silva

está em constante insegurança, medo e risco em Quando, finalmente, firmamos todo o pacto
relação à preservação da própria vida. Diante pelo qual se institui o Estado, cada um de nós
dessa condição, o homem consente ao Estado está cedendo algo no ato (o direito a todas
o poder soberano, mediante todos os homens. as coisas, de que antes desfrutávamos) – e
assim retira, de todos os outros, as razões
Através da celebração de um contrato, o
para a suspeita recíproca. O que é absoluta-
homem perde o direito natural à liberdade e em mente brilhante nesse caso é que o contrato
troca recebe proteção do Estado, o que estabe- de todos com todos faz com que cada qual
lece um estado de segurança entre todos. Em ocupe as duas posições, a de quem desconfia
Hobbes (1979, p. 80), o contrato configura-se (B) e a daquele de quem os outros deveriam
como “[...] transferência mútua de direitos [...]”. desconfiar (A). Cada um (A), cedendo de ime-
No caso do contrato firmado entre os homens diato, retira dos outros (os B) a razoabilidade
para a formação do Estado, uma lei se constituiu dele suspeitar. O caráter simultâneo da opera-
necessária entre os homens. ção faz com que, sendo todos A e B, a guerra
encontre fim. (RIBEIRO, 2006, p. 31).
Que os homens cumpram os pactos que ce-
lebrem. Sem esta lei os pactos seriam vãos, Nessa acepção hobbesiana de formação
e não passariam de palavras vazias; como o do Estado criam-se as condições políticas ne-
direito de todos os homens a todas as coisas cessárias ao enfrentamento do estado de guerra
continuaria em vigor, permaneceríamos na de todos contra todos, uma situação inerente às
condição de guerra. (HOBBES, 1979, p. 86). relações entre os homens em estado de natu-
reza, pois todos criam o Estado colocando-se
O Estado hobbesiano configura-se num
cada qual em posições recíprocas, portanto na
corpo político soberano capaz de proteger o
de desconfiar e na de ser alvo de desconfiança.
homem do próprio homem e das vicissitudes
A partir do contrato, os homens firmam um
inerentes à convivência humana em seu estado
compromisso no qual cada um não se coloca
natural. Sobre o poder do Estado Hobbes (1979)
exclusivamente nas posições de sujeitos ou ob-
afirma:
jetos de desconfiança. Mas, como cada qual sabe
O maior dos poderes humanos é aquele que aprioristicamente que no estado de guerra pode-
é composto pelos poderes de vários homens, ria, a qualquer tempo, ocupar ambas as posições.
unidos por consentimento numa só pessoa, Nessa nova relação, pautada na reciprocidade do
natural ou civil, que tem uso de todos os seus contrato, o homem deixa de desconfiar do outro,
poderes na dependência de sua vontade: é
na medida em que o outro demonstra ter deixado
o caso do poder de um Estado. (HOBBES,
de desconfiar dele também. Constitui-se, assim,
1979, p. 53).
a reciprocidade que advém da formação do con-
Diante dos elementos teóricos construídos trato e a afirmação do Estado enquanto instância
na teoria hobbesiana para interpretar a formação política soberana, criada pelos próprios indivídu-
do Estado Moderno, verifica-se que no ideário os, que se tornam no ato de criação autores do
construído por Hobbes, no Leviatã, o Estado ab- Estado, como forma de conquistarem uma forma
solutista configurava-se como a forma de gover- de conviver com segurança.
no que conseguiria melhor sanar as demandas Forma-se, portanto, uma sociedade civil
humanas. Sua soberania seria suficientemente regida por um corpo político governado por um
forte para impor limites aos homens, mediante homem artificial, maior que todos os outros ho-
a segurança proporcionada por algo que está mens, erigido por cada contrato, criado por esses
acima de todos os homens. Sua função seria homens, para governá-los – cuja soberania evita
garantir a manutenção do direito do homem à a morte violenta entre os homens e garante a
preservação, minimizando os riscos desse feito, preservação da vida e da paz entre todos. Cabe
mediante os motivos que levam os homens à ao representante legal o papel de atuar, carregar
discórdia. a máscara, ou seja, portar um rosto que não lhe é
Para Ribeiro (2006, p. 31), a interpreta- próprio e, como ator, deve engajar nos seus atos,
ção hobbesiana do Estado impunha a seguinte a vontade (o ato) dos homens (dos outros). Como
conclusão: autores, que concordaram com o pacto, cabe aos

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homens apenas obedecer ao governante para O estado de natureza tem uma lei de natureza
o qual entregaram, racionalmente, o poder de para governá-lo, que a todos obriga; e a ra-
atuar e de agir (Hobbes, 1979). O poder político zão, que é essa lei, ensina a todos os homens
apresenta-se, portanto, em Hobbes, simultane- que tão só a consultem, sendo todos iguais e
independentes, que nenhum deles deve pre-
amente como produto da razão e resultado de
judicar a ordem na vida, na saúde, na liberda-
sua impotência. de ou nas posses. (LOCKE, 1979, p. 36).
Um contraponto a essa concepção de so-
berania constitui-se o formulado por John Locke Verifica-se, em Locke, que tanto a liberda-
(1641-1704), filósofo inglês que se destaca como de, como a igualdade são condições apriorísticas
um dos principais formuladores do liberalismo. ao indivíduo e, portanto, não se configuram como
Locke foi crítico do absolutismo monárquico e finalidades de uma construção coletiva. A liberda-
teórico da burguesia em ascensão no final do de e a igualdade, para Locke, estão presentes no
século XVII. estado de natureza e são próprias dos indivíduos.
Inserido na chamada Época de Ouro, na “A liberdade natural do homem consiste em estar
Inglaterra que estendia seu domínio sobre o livre de qualquer poder superior na Terra [...].”
mundo, Locke (1979) afirmou que na monarquia (LOCKE, 1979, p. 43).
absolutista imperava um estado de guerra con- Partindo da referida lógica de estrutura-
tinuado entre o conquistador e o homem cativo, ção das concepções de liberdade e igualdade,
que se submetera à condição de súdito diante do para Locke a concepção de estado de natureza
soberano. Sobre o poder absoluto, considera que constitui-se um estado de igualdade, no “[...] qual
é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguém
Livrar-se de semelhante força é a única segu-
tendo mais do que qualquer outro [...]” (LOCKE,
rança de preservação; e a razão ordena con-
1979, p. 35).
siderar como inimigo à própria preservação
aquele que arrebatar a alguém a liberdade A formação da sociedade civil, que con-
que a assegura, de sorte que quem tenta es- grega representantes da classe dos indivíduos
cravizar a outrem se põe com ele em estado proprietários é, nesse sentido, uma sociedade
de guerra. (LOCKE, 1979, p. 40). de homens livres e iguais. Iguais em condições
de preservar a própria propriedade.
E, com relação ao estado de guerra, Lo- Nessa interpretação lockeana, destaca-se
cke o considera como “um estado de inimizade a associação da liberdade à igualdade formal
e destruição; [...].” (LOCKE, 1979, p. 40). Mas, como sinônimo de justiça, em detrimento à de-
contrapondo-se aos argumentos de Hobbes, afir- sigualdade das condições materiais de existên-
ma que nenhum poder superior na Terra poderia cia, em que sua discussão está cativa ao seio
se sobrepor à liberdade do homem constitutiva das relações entre os proprietários. Conforme
de seu estado de natureza. Este, para Locke, Kuntz (1997), a igualdade para Locke possui
configura-se como uma situação na qual os ho- dois componentes essenciais: um positivo e
mens gozam de perfeita liberdade e igualdade. outro negativo. O positivo é “[...] a comunidade
Tais conceitos, em Locke, são introduzidos em da espécie e das faculdades características de
sua interpretação do estado de natureza, como cada um de seus indivíduos. O outro, indicado
pilares de sustentação à condição dos homens de de forma negativa, é a ausência de subordinação
dispor de suas posses e pessoas (KUNTZ, 1997). transitiva.” (KUNTZ, 1997, p. 6).
A liberdade é compreendida, na inter- Para Locke, os homens convivem sob
pretação liberal, como um estado em que os ‘jurisdição recíproca’. O que significa que cada
indivíduos dispõem de perfeitas condições para um, fazendo parte de um corpo, tem a respon-
a preservação de sua propriedade e igualdade. sabilidade pela sua autopreservação. A preser-
Não é nada além do que a igual condição entre vação do corpo de indivíduos que representa a
os homens de preservá-la. Condição esta, recí- humanidade.
proca a todos que a possuem. Assim, no estado de natureza, conforme a
Kuntz (1997, p. 5) aponta que a perspectiva lei de jurisdição recíproca, todos têm poder de
de “indiferenciação de poder” sustenta o perfeito empreender ação que tenha por objetivo a auto-
estado de liberdade e de igualdade em Locke. preservação e ainda que enseje punir qualquer

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um dos indivíduos, que no estado de natureza comum a todos os homens - o mundo e razão.
coloque em risco a autopreservação - a preser- Deus, afirma o autor, concedeu “[...] a terra e tudo
vação do conjunto de homens. quanto ela contém ao homem para sustento e
Segundo Kuntz (1997, p. 7), “Para a ‘pre- conforto da existência.” (LOCKE, 1979, p. 44).
servação de toda a humanidade, a execução da Locke (1979, p. 44) diz que
lei da natureza é, naquele estado, (no estado
de natureza) posto nas mãos de cada homem’”. [...] embora a terra e todas as criaturas inferio-
res sejam comuns a todos os homens, cada
(parênteses nossos). Explicita-se, aqui, a preo-
homem tem uma propriedade em sua própria
cupação de Locke em sustentar a preservação pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito
da sociedade enquanto conjunto de homens senão ele mesmo. O trabalho de seu corpo e
proprietários. Portanto, a preservação da pro- a obra das suas mãos pode dizer-se, são pro-
priedade é elemento agregador do conjunto de priamente dele. Seja o que for que ele retire do
homens na sociedade burguesa. estado que a natureza lhe forneceu e no qual o
A burguesia compõe a sociedade civil expli- deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho,
citada por Locke. Seus argumentos de sustenta- juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por
ção da liberdade e da igualdade enquanto bases isso mesmo, tornando-o propriedade dele.
das relações entre os homens são os princípios O direito natural da propriedade, na teoria
de sustentação das relações econômicas bur- política de John Locke, uma das principais bases
guesas – bases para a agregação da sociedade do liberalismo, tem como um de seus pilares fun-
civil como corpo político construído em prol da damentais a formação de uma sociedade políti-
manutenção de seus interesses. ca, com vistas à garantia de leis necessárias para
Locke, portanto, levanta argumentos cen- defesa e proteção da vida e dos bens; haja vista
trais para consolidação do ideário da burguesia que, segundo o autor, embora todos os homens,
e torna-se um dos expoentes teóricos dos prin- no estado de natureza, sejam livres e iguais; não
cípios políticos que davam sustentação à sua há garantia de segurança da propriedade.
manutenção da burguesia no poder. Ressalta-se, Na referida teoria política, o objetivo do
entre esses argumentos, a defesa da proprieda- governo seria, então, garantir a segurança e paz
de privada no rol de direitos naturais do homem, entre as pessoas para que possam gozar das
associada à igualdade e à liberdade. “[...] propriedades que tiverem e desfrutando de
Baseado, ainda na doutrina jusnaturalista, maior proteção contra quem quer que não faça
Locke interpreta a propriedade privada como parte dela” (LOCKE, 1979, p. 71).
resultado do trabalho humano livre e a liberda- O Estado, nessa perspectiva, não se resu-
de como uma condição anterior à formação do me, portanto, no coletivismo e ou em uma tirania,
Estado, portanto inerente ao estado natural. Ar- mas no corpo político formado pelo consentimen-
gumenta que o estado de natureza se configura to da maioria dos indivíduos pertencentes à so-
como um estado de “[...] perfeita liberdade para ciedade civil. A gênese da sociedade é atrelada
ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses à necessidade dos indivíduos garantirem o que
e as pessoas conforme acharem conveniente, os levou a aceitá-la: a propriedade privada, um
dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir direito natural (LOCKE, 1979).
permissão ou depender da vontade de qualquer A sociedade civil é considerada o estado
outro homem.” (LOCKE, 1979, p. 35). de união de todos os homens em um corpo
Inserido nessa lógica, a propriedade priva- que possui leis comuns para que os indivíduos
da, interpretada como fruto do trabalho humano possam apelar quando tiverem situações de
livre, constitui-se um direito natural e, portanto, controvérsias entre si e que serve para prote-
não deve se submeter a um poder soberano ger a propriedade privada, enquanto forma de
exterior ao próprio homem porque posterior, em autopreservação das relações entre os homens
termos ontológicos, à propriedade privada, in- no âmbito de um Estado, no qual a propriedade
trínseca ao homem em seu estado de natureza. é considerada um direito natural e, portanto
A propriedade é extensão do trabalho inviolável, nem por qualquer um dos indivíduos
humano. É fruto da apropriação do homem atra- pertencentes à sociedade civil, nem pelo Estado.
vés de seu trabalho, daquilo que Deus deu em

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O governo civil, para Locke, é, portanto, condições econômicas e políticas e ideológicas


resultado do consentimento dos indivíduos e de estruturação do capitalismo e do estado libe-
tem por finalidade a preservação da propriedade, ral, eram tidas como uma ameaça à propriedade
mediante as leis estabelecidas entre os membros privada. Resta, portanto, ao Estado, o uso da for-
da sociedade civil. ça e da violência para reprimir e castigar aqueles
Diferentemente da concepção de Estado que viessem a perturbar a ordem estabelecida
em Hobbes, na qual o Estado é soberano a todos pela sociedade civil e política, cuja burguesia
os homens e detentor de toda a liberdade que per- constitui a classe dominante.
tencia aos indivíduos no estado de natureza, em Em Locke, portanto, a noção de igualdade
Locke o Estado possui uma única e bem definida não contempla as noções de coletividade. Os
finalidade – a preservação da propriedade. Assim, indivíduos não proprietários aparecem, em sua
o Estado se constitui em um corpo político a ser- argumentação, como homens desprovidos de
viço dos proprietários, da defesa de seus bens razão, não pertencentes ao pacto social e ex-
e da legitimação da ordem capitalista burguesa, cluídos da sociedade civil. Portanto desiguais
nascente na Inglaterra, no final século XVII. em condições não só econômicas, mas também
Conquanto, o liberalismo de Locke se políticas.
constituiu historicamente em uma teoria política Igualdade em Locke não é sinônimo de
que pressupunha a superação da ordem monár- igualdade política e não contempla igualdade de
quica; a consolidação da burguesia como classe condições econômicas entre todos. Apenas justi-
dominante na sociedade moderna nascente; e fica a coesão dos indivíduos da classe burguesa,
a defesa da propriedade privada, da vida e da que sobrepostos à classe dos despossuídos,
liberdade dos burgueses, como condição para julgam-se iguais entre si e livres para preservar
a dominação econômica e política da burguesia suas propriedades, manter seus interesses e
na modernidade. reprimir aos demais indivíduos por não serem
Enquanto o desenvolvimento e a expansão compatíveis com a perspectiva de sociedade civil
econômica ainda estavam sob o comando régio, construída sob os limites da ideologia burguesa.
a burguesia buscava no liberalismo os argumen- Ao analisar as interpretações lockeana e
tos centrais para a formação do Estado, sob o hobbesiana, segundo Várnagy (2006), percebe-
comando de um governo que não interferisse -se que existem pontos que correspondem a uma
nas relações sociais inerentes à sociedade civil. mesma lógica de pensamento. Tais pontos são
Assim, a liberdade econômica e a proprie- os seguintes:
dade privada dela derivada mantinham-se ins-
[...] a convenção individualista do homem, a
critas nos liames da sociedade civil, conferindo
lei natural como lei de autopreservação, a re-
à classe burguesa a hegemonia econômica e alização de um pacto ou contrato para sair do
política da sociedade. estado de natureza, e por último, a sociedade
Nessa lógica, ao Estado incumbe-se um política como remédio contra os males e pro-
papel instrumental; a soberania política estava blemas do estado de natureza. (VÁRNAGY,
relacionada ao exclusivo cumprimento das leis 2006, p. 57).
construídas pelos indivíduos pertencentes à
sociedade civil. A garantia das condições para Entre os autores jusnaturalistas, Rousseau
a defesa da propriedade e a manutenção das (1712-1778) abre um novo debate, ampliando
relações sociais conforme estabelecidas no seio os horizontes da discussão teórica do contra-
da sociedade civil são as ações delegadas ao tualismo clássico. O referido autor considera
Estado liberal. que esses, ao examinarem os fundamentos da
A defesa da propriedade frente aos indiví- sociedade, “[...] sentiram todos a necessidade de
duos que não fazem parte do pacto é necessá- voltar até o estado de natureza, mas nenhum de-
ria, na medida em que se julgam tais indivíduos les chegou até lá.” (ROUSSEAU, 1973, p. 241).
como não possuidores de razão para contrair o Compreende tal estado como contrário à “guerra
referido pacto. de todos contra todos” formulada por Hobbes e à
Nessa perspectiva, as classes pobres, associação entre perfeita liberdade e igualdade
emergentes em meio ao desenvolvimento das como sustentáculos para defesa da propriedade.

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Parte do suposto que esse estado natural é o da cravos para submeter outros, só pensaram
perfeita harmonia entre o homem e a natureza, em subjugar e dominar seus vizinhos, como
no qual o homem goza de plenas possibilidades aqueles lobos famintos que, uma vez comen-
de utilização do mundo; sem divisões. do carne humana, recusam qualquer outro ali-
mento e só querem devorar homens.
O espírito humano não é, portanto, original-
mente competitivo e conflitivo; tais características É para essa sociedade que Rousseau
derivam da história (ROUSSEAU, 1979). E é por procura construir uma saída, na qual os homens
ela que se torna possível apreender a gênese pudessem selar um poder supremo que defen-
e o desenvolvimento da sociabilidade humana desse todos os membros comuns. A sociedade
conflituosa. política seria, neste ideário, aquela na qual o
Um marco histórico, para Rousseau, é a homem poderia reencontrar a sua liberdade,
sociedade civil. É a partir dela que nasce a pro- na medida em que cada um cedesse um pouco
priedade, e a consequente desigualdade entre para que se alcançasse a vontade geral de toda
os homens. Rousseau (1973, p. 265) afirma a sociedade. O bem comum seria o objetivo do
que “O verdadeiro fundador da sociedade civil contrato social.
foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, No contrato social rousseauniano não há,
lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou portanto, garantia de interesses particulares. Ao
pessoas suficientemente simples para acreditá- contrário, a vontade geral que dele deriva é a
-lo.” Assim, confrontando as posições teóricas expressão de todos os homens que participam
de Hobbes e Locke, Rousseau deflagra o ato de pessoalmente do corpo político. Nessa síntese
formação da propriedade privada, vinculando-a entre o homem particular com o homem político
à fundação da sociedade civil, enquanto estado constrói-se uma noção de soberania coletiva e
de sua preservação entre os homens. essa soberania possui limites, impostos pelos
Se para Hobbes a sociedade civil era um es- membros do corpo político.
tado de plena segurança de todos e para Locke um Para Rousseau (1973, p. 54),
estado de paz e proteção de todos os homens, de
suas vidas e de suas propriedades, para Rousse- Assim como a natureza dá a cada homem po-
au, ela não passa de um estado em que o homem der absoluto sobre todos os seus membros, o
deixa de ser senhor e passa a ser escravo da na- pacto social dá ao corpo político um poder ab-
soluto sobre todos os seus, e é esse mesmo
tureza. “Tornando-se sociável o escravo, torna-se
poder que, dirigido pela vontade geral, ganha,
fraco, medroso e subserviente, e sua maneira de como já disse, o nome de soberania.
viver, frouxa e afeminada, acaba por debilitar ao
mesmo tempo sua força e sua coragem.” (ROUS- O corpo político expressa o coletivo dos
SEAU, 1973, p. 247). Ricos e pobres convivem sob homens. O povo é o protagonista, de forma que a
relações pautadas nas necessidades derivadas da liberdade civil passa a ser sinônimo de liberdade
preservação da propriedade. natural e igualdade natural é também política.
A sociabilidade baseada nesse estado de “Cada um de nós põe em comum sua pessoa
desigualdade passa a reificar as relações huma- e todo o seu poder sob o supremo comando da
nas; configura-se como utilitarista e constituída vontade geral e haverá de receber ainda cada
por relações de trabalho fundadas na escravidão membro como parte indivisível do todo.” (ROUS-
e na miséria; e dela deriva o lucro dos ricos. SEAU, 1973, p. 39).
Rompe-se, portanto, a igualdade natural e se Conforme Reale e Antiseri (1990, p.
estabelece um estado de maior desordem, no 771),“Rousseau destaca, com extremo vigor, a
qual o trabalho alienado e a propriedade priva- interiorização da vida social e dos seus deveres.
da se constituem nas bases de sustentação da Não há nada de privado. Tudo é público ou, pelo
sociedade civil. menos, deve tornar-se tal.”
Rousseau (1973, p. 274) argumenta que Rousseau (1973, p.52) afirmara que
Os ricos, de sua parte, nem bem experimen- [...] a vontade geral é sempre certa e tende
taram o prazer de dominar, logo desdenharam sempre à utilidade pública; donde não se se-
todos os outros e, utilizando seus antigos es- gue, contudo, que as deliberações do povo

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Aspectos do Contratualismo Clássico na Formulação do Ideário do Estado Moderno: Subsídios...

tenham sempre a mesma exatidão. Deseja- A soberania é, então, coletiva e o Estado,


-se sempre o próprio bem, mas nem sempre por sua vez, constitui-se funcionário do povo, que
se sabe onde ele está. Jamais se corrompe o se constitui nos membros do corpo político. “Pelo
povo, mas frequentemente o enganam e só pacto social demos existência e vida ao corpo
então é que ele parece desejar o que é mau.
político.” (ROUSSEAU, 1973, p. 59). Enquanto
Assim, para Rousseau, o Estado é o cor- um corpo político criado pelo ato de vontade de
po político garantidor da vontade geral, que é o seus membros, o Estado da visão rousseauniana
resultado das deliberações do povo. O soberano constitui-se
deve ser guardião da vontade do povo. Assim, [...] uma pessoa moral, cuja vida consiste na
no Estado deve sempre prevalecer a vontade união de seus membros, e se o mais impor-
geral às vontades particulares. Portanto, para tante de seus cuidados é o de sua própria
Rousseau (1973, p. 41), conservação, torna-se-lhe necessária uma
força universal e compulsiva para mover e
Cada indivíduo, com efeito, pode, como ho- dispor cada parte da maneira mais convenien-
mem, ter uma vontade particular, contrária ou te a todos. (ROUSSEAU, 1973, p. 54).
diversa da vontade geral que tem como cida-
dão. Seu interesse particular pode ser muito Verifica-se, portanto, que enquanto Hobbes
diferente do interesse comum. Sua existência, demarca uma posição de defesa do absolutismo
absoluta e naturalmente independente, pode monárquico, Locke dá sustentação à dominação
levá-lo a considerar o que deve à causa co-
política burguesa. Rousseau, contrapondo-se
mum como uma contribuição gratuita, cuja
perda prejudicará menos aos outros, do que
à tirania de um rei e à oligarquia de um grupo
será oneroso o cumprimento a si próprio. e/ou classe social, incorporou em sua teoria a
formação de elementos que estruturam um cor-
Em contraposição à concepção de Estado po político que contribui para a sustentaçãodo
hobbesiana, para Rousseau o poder do Estado é Estado Democrático, a partir da construção da
limitado, deve sempre passar pelo crivo do povo e noção da ‘vontade geral’.
respeitar a vontade geral. Ou seja, o homem não Contudo, envolto de uma posição totalitária,
renuncia a sua liberdade para viver sob a proteção acabou por desembocar na defesa de um Estado
de um Estado, mas encontra a sua liberdade na ético e totalitário (REALE; ANTISERI, 1990). O
medida em que é parte constituinte do próprio Estado era, portanto, na interpretação rousse-
Estado. Para Rousseau (1973, p. 43), o Estado, auniana, um corpo político que deveria garantir
ao homem o bem comum e a sua liberdade, na
[...] perante seus membros, é senhor de todos
medida em que o próprio homem se transformava
os seus bens pelo contrato social, contrato
esse que, no Estado, serve de base a todos os
em parte constitutiva do próprio Estado.
direitos, mas não é senhor daqueles bens pe- Hobbes, Locke e Rousseau, portanto, fo-
rante as outras potências senão pelo direito de ram autores que compuseram um conjunto de
primeiro ocupante, que tomou dos particulares. elementos que contribuiu para a filosofia política
moderna, fundando explicações que dão susten-
Com efeito, a vontade geral para Rousseau tação à interpretação do Estado e da sociedade
não se confunde com as vontades particulares, civil para a formação dos fundamentos da cons-
assim como a propriedade, na visão rousse- trução da modernidade.
auniana, deve estar submetida ao Estado, que Para Hobbes (1979), a formação do Estado
através do contrato social torna-se senhor de moderno se dava em decorrência da necessida-
todos os bens. Assim, contrapõe-se às con- de de por fim à ‘guerra de todos contra todos’; e
cepções de Estado formuladas por Locke, na preservar o direito de conservação do homem em
medida em que o Estado rousseauniano não uma condição de segurança e paz. Para Locke
preserva a propriedade enquanto direito natural. (1960), a mediação do Estado era necessária em
Ao contrário, os bens, a natureza e tudo o que virtude da necessidade da ‘preservação da pro-
há na sociedade torna-se indivisível, na medida priedade’. Já para Rousseau (1979) a sociedade
em que se busca o bem comum, em detrimento política, por ele denominada, tinha por objetivo a
dos interesses individuais. garantia da ‘vontade geral’ de todos os homens.

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Entre Hobbes, Locke e Rousseau, este envolvem interpretações sobre a democracia e


último é o que mais se diferencia, desde a questões correlatas, nas quais a participação dos
noção de estado de natureza, como na ques- cidadãos e a constituição do Estado e da própria
tão da soberania do Estado, que se diferencia sociedade civil vão sendo construídas em meio
radicalmente, na medida em que para a visão ao histórico desenvolvimento da sociabilidade
rousseauniana esta possui origem no povo e humana, no seio da moderna sociedade – de-
pretende preservar a vontade coletiva. Assim, mocrática capitalista.
nem a segurança individual, nem a propriedade
burguesa são elementos importantes em sua Considerações finais
análise, pois a vontade geral não constitui para
Rousseau a soma das vontades individuais, mas Ao longo da discussão foi possível perce-
é uma construção coletiva. ber, no que se refere aos pontos de semelhan-
Essas interpretações, próprias da filosofia ça e divergência entre os contratualistas, que
política moderna, formam a base de sustenta- Hobbes e Locke divergiram especialmente nos
ção da formação das relações entre Estado e pontos sobre o estado de natureza, sociedade
sociedade civil na modernidade e compõem os civil e Estado. No entanto, preservam os referidos
conteúdos ideopolíticos presentes no âmbito elementos no âmbito de uma mesma estrutura
das diferentes perspectivas ideopolíticas que lógica. Rousseau também se utiliza da mesma
sustentam o debate democrático na contempo- estrutura. Contudo, insere nessa estrutura uma
raneidade. Sejam elas pautadas no liberalismo,
nova interpretação fundada em uma concepção
calcadas na liberdade do indivíduo superior e
acima do Estado e ou críticas desse modelo, de soberania em que o indivíduo não está sepa-
sejam pautadas por questões inerentes à cultura rado do Estado, mas se funde ao corpo político,
da participação direta do cidadão na política e/ se elevando à sua condição, quando forma o
ou crentes na relevância do Estado enquanto contrato e funda a sociedade política.
instituição forte, capaz de suprimir a guerra e Percebe-se, assim, que a partir da constru-
garantir um estado de segurança mútua para ção do pacto, a liberdade passa a se constituir
toda a sociedade, todas representam o desen- parte inerente ao próprio Estado. Funda-se uma
volvimento político e ideológico, historicamente interpretação em que a soberania estatal não é
construído na modernidade e tornam-se substra- compreendida mais como exterior e/ou acima
to para a interpretação dos conflitos, desafios e
dos homens, mas tem origem e se consolida
possibilidades acerca dos ‘pactos possíveis’ no
âmbito das relações entre Estado e sociedade pela vontade geral.
civil na contemporaneidade. São, portanto, cal- Verificou-se que o contratualismo clássico
cadas no jusnaturalismo presente nas diferentes guarda elementos importantes para a interpreta-
interpretações contratualistas. ção das relações entre o Estado e a sociedade
Diversos foram os aspectos levantados civil na modernidade. A democracia, enquanto
pelo contratualismo clássico que ainda estão sistema de governo predominante na contempo-
presentes no debate político e ideológico na raneidade, em suas perspectivas hegemônicas
contemporaneidade e servem de sustentação ou não, carregam per si elementos de sustenta-
para a compreensão da importante contribuição ção que se explicam no seio dos aspectos levan-
dos autores Hobbes, Locke e Rousseau para tados pelas teorias contratualistas. Os aspectos
a fundamentação dos pactos firmados entre a elencados pelos autores do contratualismo
sociedade e o Estado na contemporaneidade. clássico contribuem na identificação de elemen-
Neste artigo, destacaram-se alguns desses as- tos relacionados aos conflitos de interesses, à
pectos considerados relevantes para o debate relação público-privado, à legitimidade ou não do
acadêmico atual em torno de estudos sobre as poder, ao uso da força estatal, à participação dos
relações entre o Estado e a sociedade civil. cidadãos nas deliberações públicas, à formação
Atualmente, os autores contratualistas das instituições e aos arranjos participativos,
são revisitados quando da análise de questões dentre outros aspectos constitutivos da política.
como os novos arranjos político-institucionais; Perspectivas liberais de democracia so-
a participação popular; a governança e a go- brevivem em conflito com perspectivas radicais
vernabilidade pública; entre outros estudos que de democracia. As questões da liberdade, da

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Aspectos do Contratualismo Clássico na Formulação do Ideário do Estado Moderno: Subsídios...

igualdade, da segurança, da proteção da proprie- ______.Thomas Hobbes, ou: a paz contra o clero. In:
dade fazem ainda, na atualidade, parte do caldo BORON, A. (Org.). Filosofia política moderna: de
ideológico e político que compõe as discussões Hobbes a Marx. São Paulo: CLACSO, DCP-FFLCH,
democráticas. Embora haja diversificação so- USP, 2006, p. 19-43.
ciocultural, política, ideológica e cultural da so- ROUSSEAU, J. J. O discurso sobre a desigualdade
ciedade, muito do que se observa no pluralismo humana. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
democrático atual pode-se ressaltar que possui
implícitos elementos discutidos pelo contratua- ______. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural,
1973.
lismo clássico.
As lutas ideológicas, políticas, econômicas, VÁRNAGY, T. O pensamento político de John Locke
sociais e culturais que conjugam historicamente e o surgimento do liberalismo. In: BORON, A. (Org.).
valores contrapostos e perfazem o debate de- Filosofia política moderna: de Hobbes a Marx. São
mocrático na contemporaneidade estão direta e Paulo: CLACSO, DCP-FFLCH, USP, 2006, p. 45-79.
indiretamente vinculadas e/ou se explicam, em
determinadas questões, quando analisadas à luz
das diferentes perspectivas teóricas inerentes às
teorias da filosofia política, nas quais o contra-
tualismo ainda sobrevive como fundamento, em
meio aos novos elementos teóricos que foram
sendo agregados ao longo do desenvolvimento
do Estado, da democracia e das lutas políticas
travadas pela sociedade civil.
Considera-se que tais lutas constituem-se
plurais, em meio às diferentes perspectivas de
Estado e de sociedade que coabitam no espaço
da política, mas os fundamentos do contratu-
alismo clássico lançam mão de aspectos que
iluminam a análise das complexas relações
políticas e ideológicas presentes na sociedade
contemporânea, servindo de parâmetro para a
compreensão de muitas de suas contradições,
conflitos e desafios na atualidade.

Referências
HOBBES, T. A. O Leviathan. São Paulo: Abril cultural,
1979.

KUNTZ, R. Locke, liberdade, igualdade e


propriedade: texto da Conferência realizada por
Rolf Kuntz no Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo. 1997. Disponível em:
<www.iea.usp.br/artigos>. Acesso em: 01, out., 2012.

LOCKE, J. Segundo tratado do governo civil. São


Paulo: Abril Cultural, 1979.

REALE, R.; ANTISERI, D. História da filosofia: do


humanismo a Kant. v. 2, 2. ed. São Paulo: Paulus,
1990.

RIBEIRO. R. J. Ao leitor sem medo: Hobbes


escrevendo contra seu tempo. São Paulo: Brasilense,
1984.

Emancipação, Ponta Grossa, 13, nºEspecial: 133-143, 2013. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao 143

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