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“Jornal das Famílias”. Tomo 5, setembro de 1867, p. 257-275.

“Almerinda”

Dido era o nome de uma galera que navegava da Europa para os portos sul-
americanos, fazendo regularmente tres viagens em seis mezes do anno. Os outros seis
mezes do anno erão empregados em outras viagens da Europa rara a Africa.
Era a rainha das galeras, se para este titulo lhe bastavão a solidez, a elegancia, a
commodidade, o asseio... e a afabilidade do capitão.
O capitão e a galera fazião o mais unido e amante casal que ainda de vio. O
capirão olhava a galera com olhos de esposo, tratava d’ella como se tivese recebido
diante dos altares. Era um amor de marinheiro.
A galera pertencia a um negociante de Barcelona, parente remoto do capitão,
sendo este um tanto dono d’ella, em virtude de contracto anterior.
No dia em que se baptisou o navio houve conselho para escolher o nome que se lhe
havia dar. Muitos apparecérão, mas todos rejeitou o capitão, cuja opinião era
acatada.Emfim elle lembrou que se désse á galera o nome de Dido.
⎯ Dido! exclamou o negociante coçando a orelha, com ar descontente.
⎯ Que achas?
⎯ Não sei; é exquisito.
⎯ Não ha mais proprio nome do que este.
E como tivesse uns longes de estudos, referio o capitão o episodio da esposa
carthaginesa com as côres mais poeticas que achou á mão.
Foi adoptado o nome; a galera começou a fazer regularmente as suas viagens.
Estava no terceiro anno de existencia e achava-se no porto do Rio de Janeiro
quando de deu principio á historia que vou narrar.
Dido devia demorar-se quinze dias no porto para receber o pouco carregamento
que tinha de levar. Tinha chegado havia quatro dias. O capitão gozava nas horas mais
livres dos passeios e das visitas a alguns amigos que tinha no corpo do cammercio.
Ora, um dia lembrou-se elle de offerecer a esses amigos um jantar aa bordo da
galera. Marcou o dia, a hora, fez os convites e retirou-se para bordo. afim de dirigir o
banquete.
Á hora aprazada começárão a atracar á galera os escaleres que levavão os
convidados. Quando todos se achavão presentes sentárão-se á mesa e começou o jantar,
que, além de fino e escolhido, tinha a vantagem de reunir meia duzia de amigos, ou ao
menos pessoas que se ligavão por sympathia.
Todos erão negociantes, excepto um, que aliás, se o não era, prendia-se ao
commercio por ser filho de negociante. Era um rapaz de vinte e cinco annos, alto, bem
parecido, olhar intelligente, physionomia energica e resoluta.
O pai chamava-se José Braz e o filho Gustavo Braz. Havia entre ambos, além da
differença das idades, a differença da idéas politicas, que os trazião em perpetuas
discussões. O pai era conservador, o filho era libera. O pai não era da opiniaõ de um
consevador jornalista que eu conheci, e que me dizia uma vez a proposito das minhas
opiniões liberaes:
⎯ Vierão dizer-me ha dias que meu filho era liberal. Assim deve ser até aos vinte
e cinco annos. Depois será um conservador extremo, porque não se tira consevador bom
senão de massa liberal.
Fóra da divergencia politica nenhuma outra separava Gustavo de José Braz, posto
que outro ponto houvesse em que ambos devião divergir, mas que só appareceu quando
se deu o episodio que faz objecto d’estas paginas.
Começára o banquete no meio da mais franca alegria. O estomagos enchião-se,
circulavão as tortas e o Xerez, soltavão-se as linguas,avermelhavão-se os olhos, tudo
emfim tomava o aspecto animado e vivo de uma festa em que ninguem conservava um
cuidado no espirito.
Já para o fim do jantar atracou á galera novo escaler e entrárão para o navio duas
pessoas. O escaler pertencià á galera. As duas pessoas parecião ser de casa.
Era um rapaz e uma rapariga. O rapaz era alto, claro, de fronte rasgada, olhos
vivos tinha um aspecto que dizião logo, sem o rapaz fallar, a que raça pertencia. Era
Hespanhol. A rapariga baixa, morena, olhos grandes, pretros e scintillantes, cabellos da
mesma cor e abundantes, não pequena. Acrescia um véo preto, preso no cabello, á moda
hespanhola, cahido para trás com a pontas sobre o seio.
Quando entrárão os dous recem-chegados na sala de jantar, levantou-se o capitão,
e apresentou-os aos convivas. Depois mandou pôr duas cadeiras de honra á mesa.
⎯ Já jantámos, disse o rapaz.
A moã, antes de sentar-se, entregou a um criado uma pasta que trazia, e quando
este ia leval-a para dentro, o capitão deteve-o, perguntando á moça:
⎯ São desenhos?
⎯ São, respondeu ella.
O capitão abrio a pasta e tirou papeis, e mostrou-os aos convivas, dizendo-lhes em
portuguez:
⎯ São desenhos da senhorita Almerinda. Que habil artista, não é?
Os desenhos forão examinados um por um. Representavão paisagens.
⎯ Onde foi hoje a excursão? perguntou o capitão a Almerinda.
⎯ Á Tijuca, respondeu ella.
Dos conviva Gustavo era o unico que fallava quatro linguas, entre ellas o a
hespanhola. Travou, portanto, conversação com a moça e o rapaz.
Ora, agora, farei aos leitores a apresentação da senhorita Almerinda e de D.
Antonio Valdez.
Erão estes moços filhos de um capitão do exercito de Hespanha, ao qual, como
conviria ao romance, não succedeu morrer em campo de batalha, ou escalando uma
fortaleza sitiada, mas sim no fundo de um leito em Barcelona.
Orphãos de pai, como já o erão de um mài, os dous jovens procurárão liquidar
pouco que seus pais lhes deixárão. Mas erão moços, tinhão fututo e confiança. Uma vez
liquidada a herança dispuzerão-se a trabalhar. Mas trabalhar em que? Almerinda só tinha
uma occupação capaz, propria,muito sua : a pintura; Valdez só tinha igualmente uma
occupação, muito sua, propria, capaz : a musica. Ora, poderião n’esses sous misteres
achar a segurança da vida?
Eis que ambos pensavão mal formárão projectos de trabalhar. todavia, a
necessidade urgia e dominava as preferencias.O tendeiro apreciava o fandango e gastava
dous minutos diante de um atela, mas não entendia que isso o obrigasse a fiar os
generos, o que era logico e assinado. Diante de taes razões devião ceder os dous artistas.
Assim que, dispuzérão-se ambos, um acopear musica, e a outra a bordar, sendo
bordado e a musica erão encommendas para o theatro, onde, além de tudo, tinhão um
lugar para ver o espetaculo duas vezes por semana.

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D’este modo podião viver e economisar alguma cousa do patrimonio. Trabalhavão
com applicação digna de louvor; apresentado aos olhos de toda a gente uma vida digna
de ser imitada.
Mas a vocação não se esconde todo o tempo que se quer. Lá veio um dia em que
Valdez, ouvindo ao autor de uma peça que lhe faltava musica para certos versos,
offereceu-se para fazél-a, e tão bem se houve na empreza que conquistou as sympathias
do autor e do emprezario.
Desde esse dia foi olhado com maior attenção. Tirou-se-lhe o emprego de copista
para dar-se-lhe o de compositor, e com a differença da posição subio a differença do
ordenado.
Quanto a Almerinda, essa apenas dava expansão ao talento artistico nas horas
vagas, empregando as outras no mister a que se votára.
Um dia Valdez foi ao autor a que devia a mudança da posição e convidou-o a
escrecer o texto de uma zarzuella,. O autor fez o trabalho e deu-o a Valdez. Valdez
fechou-se lous dias em casa, e no fim d’esse tempo appresentou ao theatro a obra para
ser cantada e representada.
A execução foi um triumpho.
Valdez, d’aquelle dia em diante, começou uma reputação, que devia ser mais
auspiciosa, de as circumstancias posteriores não viessem interromper-lhe a carreira.
As circumstancias forão o que são estas circumstancias : um amor e um amulher.
Valdeza apaixonou-se por uma rapariga a quem a natureza e a sorte tinhão dotado da
mais completa belleza e da mais complerta pobreza. O caso não é raro.
A paixão de Valdez foi uma paixão verdadeira, sincera, profunda. As
circumstancias em que a vio e amou não interessão ao caso : o que interessa é saber que
no principio da carreira appareceu-lhe esta mulher.
Em outras condições Valdez tiraria de encontro o resultado natural, logico, unico :
casava-se e do amor de ambos colheria vontade e ardor para o trabalho, inspiração e
motivo par a produzir.
Mas nas circumstancias d’elle pdião fazél-o? Valdez pensou n’isso. Tinha uma
irmão que não podia viver por se e a quem elle mantinha; casar-se, era redobrar as
necessidades d vida, dividir o pão, mingoal-o á irmã, companheira resignada e contente
das suas vigilias, como á outra que viesse acompanhal-o do mesmo modo nas vigilias e no
trabalho. E o futurao? Podia não crescer a fortuna e crescer a necessidade , com a
presença na fmilia de novas creaturas a quem cumpriria alimentar.
Considerando todas estas cousas Valdez resolveu adiar o casamento até que os
lucros da profissão o puzessem na posição de poder satisfazer, a um tempo, o amor e o
dever.
Mas, á proporção que essa posição se fazia lentamente, caminhava com celeridade
a paixão pela moça.
Valdez, dominado pela paixão, esteve quasi, quasi a esquecer o dever e atirar-se
de olhos fechados n’aquilo que elle considerava um abysmo.
Ocorreu uma circumstancia que trantornou todos os projectos e abrio os olhos de
Valdez.
Cansada de esperar o casamento, a moça, que só procurava marido, voltou os
olhos para um pretendente, ao qual, visto ser menos empenhado e menos escrupuloso
que Valdez, prometteu a mão de esposa.
Valdez desesperou.

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Mas as cousas fazem-se assim no velho mundo, tal qual como no mundo nova , e
Valdez vio com dôr e mágoa do coração passar a infiel aos braços do concurrente.
Braços digo, e de proposito; uma mulher que pratica assim, não passa ao coração,
passa aos braços do homem que prefere.
Valdez não quiz assistir á felicidade do preferido, sendo que , além d’isso, doía-
lhe no coração a paga que recebêra da namorada.
É que ainda amava.
Entre os remedios para a doença de que f`òra atacado não vio outro remedio
senão a mudança de terra.
Dava-se então com o capitão da Dido, amigo antigo de seu pai. Fallou-lhe na sua
situação, e perguntou-lhe se poderia ir com elle na proxima viagem.
⎯ Pois não, respndeu o capitão; mas Almerinda?
⎯ Tambem vai. É possivel?
⎯ É.
Valdez foi para casa, achou Almerinda accupada em concluir um desenho.
⎯ Almerinda,disse elle, tu que tens tanto amor ás paisagens, queres ir ver o novo
mundo e pintar alguma cousa da natureza americana?
Almerinda sorrio.
⎯ Não é caçoada, continuou Valdez. Queres ir?
⎯ Como?
⎯ De um modo simples. Na galera do capitão D...
⎯ Deveras?
⎯ E já. Não gastamos nada. Vês o oceano, vês a America, dous mundos que não
conheces, e que te hão de inspirar.
Valdez convenceu Almerinda da conveniencia da viagem, e d’ahi a dias
encontrárão a bordo da galera, onde esperava o capitão.
Foi em consequencia d’estes acontecimentos que os dous irmãos artistas se
achavão no Rio de Janeiro na época em que se passa a historía.
Valdez e Almerinda erão duas creaturas amaveis e perfeitamente delicadas.
Gustavo teve consciencia d’isso em meia hora de conversa.
Dos convivas o unico moço era Gustavo. Era, como disse, o unico que falava
hespanhol. A intimidade entre Gustavo e os dous artistas não podia deixar de dar-se.
Quando o jantar acabou era noite.
Subirão todos á tolda, onde foi servido o café. Era então noite de lua, a qual d’ahi
a poucos minutos appareceu derramando na superficie das aguas uma luz limpida.
Almerinda admirou o espectaculo com a alma de artista. Os dous rapazes a
acompanhárão n’essa. admiração.
Travou-se uma conversa geral. Ás dez horas é que reparárão que a noite se
adiantava, e cada qual foi tomando o escaler em que viera.
Almerinda despedio-se de Gustavo, como se despedem as pessoas que s edesejão
ver. Era simplesmente uma sympathia nascida dos sentimentos d edelicadeza e de
elevação que o rapaz manifestára; e da parte d’elle, despedindo-se dos dous irmãos
determinou in petto voltar á galera, tão impressionado foi com as maneiras agradaveis e
distinctas de Almerinda e Valdez.
⎯ Desejo, disse Gustavo alguns minutos antes de sahir, que vão á nossa casa. São
artistas e minha familia os aprecia muito. Irão, sim?
⎯ Iremos, respondeu Valdez.

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⎯ Olhem ; um ha de deixar-me escripto, n’uma nesga de papel, algum
pensamento musical; outra ha de reproduzir alguma scena da natureza em outra nesga
de papel. Ah! eu não sou artista, mas comprehendo-os...
⎯ É artista, disse Almerinda. Tem o sentimento, si não tem a vocação...
⎯ É verdade, accrescentou Valdez.
⎯ Digam o que quizerem. O que peço é que não faltem.
⎯ Não faltamos.
⎯ Está entendido.
E voltando-se para o pai, Gustavo accrescentou :
⎯ Meu pai, vamos ter artistas um dia d’estes...
⎯ Ah!
⎯ Seu filho fez –nos o bsequio de convidar-nos, disse Valderez.
⎯ Meu filho adiantou-se-me. Eu tensionava fazer o mesmo convite.
⎯ Obrigado.
⎯ A proposito, tambem o capitão deve ir.
⎯ Que é lá isso comigo? acudiu o capitão.
⎯ Tambem ha de ir a nossa casa, repetiu JoséBraz.
⎯ Pois não!
⎯ Quando?
⎯ Quando quizer.
⎯ Domingo, sim?
⎯ Está dito? perguntou Jose Braz a Valdez e á sua irmã.
⎯ Está dito.
O escaler tinha atracado, José Braz e Gustavo descèrão da galera e mandárão
remar par ao cáes dos Mineiros.
Emquanto os remadores ferião as aguas com o remos, José Braz cochilava e
Gustavo olhava para a lua.
O mar estava de rosas.
O escaler deslisava como um dia feliz.
José Braz, depois de alguns cochilos, que o leitor calcula bem que não erão os de
Homero, procurou despertar, travando conversa com Gustavo.
⎯ A minha idéa convidando-os é dar-lhes um jantar. Que achas?
Gustavo, que estava na lua, desceu de um salto.
⎯ Não achas?
⎯ O que, meu pai?
⎯ Não achas que devo dar-lhes um jantar domingo?
⎯ Acho.
⎯ São boas pessoas. O capitão já conhecia ; é um homem excellente.
⎯ Excellente!
⎯ Os dous rapazes não me parecem más creaturas. Ao principio não lhes fiz boa
cara. Não são raros os aventureiros , e aquelles podião ser. Mas indaguei do capitão, e o
capitão deu-me boas informações.
⎯ Parecem boas pessoas.
⎯ São, são.

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José Braz foi sobresaltado por um novo cochilo e deixou cahir a conversação.
Gustavo voltou os olhos para o luar e continuou a scismar.
D’ahi a pouco o escaler atracou e o pai e o filho saltárão em terra.
Moravão em um dos arrabaldes. Era tempo de encontrar um carro ; achárão um e
partírão para casa.
Saltemos os dias de intervallo entre o do jantar do capitão e o jantar do
negociante. Nem ha nada que dizer. Almerinda e Valdez continuarão nas suas excursões
aos arrebaldes e Gustavo continuou na vida de medico sem clinica que levava.
No domingo marcado para o jantar de José Braz, foi assentado que Gustavo iria
buscar a bordo o capitão, Valdez e Almerinda, e viria em um carro para casa com os tres.
Fez-se assim.
Quando Gustavo chegou á galera já os tres se prepavão para descer a um escaler.
Gustavo subio e disse-lhes ao que ia. Almerinda agradeceu com um sorriso gracioso e
uma palavra de sentimento o acto do rapaz.
Partirão os tres.
⎯ Os meu desenho e a minha musica estão promptos? Olhe que não os deixo hoje
sem cumprirem a promessa...
⎯ Pois não, disse Valdez.
⎯ É uma lembrança, um asimples lembrança, que eu desejo ter de pessoas
entimaveis...
⎯ Tens irmãs, Sr. Doutor? perguntou Almerinda.
⎯ Dous cherubins.
⎯ Moças?
⎯ Treze e quinze annos.
⎯ Devo ir fazer um passeio á Europa, doutor, disse o capitão.
⎯ Tenho vontade.
⎯ Pois que lhe custa?
⎯ Deixar a familia sempre custa, mas eu hei de de fazer um esforço, e quando
mal pensarem dou uma fugida.
⎯ É o que deve fazer. Até o velho podia ir tambem...
⎯ Não sei se quererá.
⎯ É um excellente homem seu pai, disse o capitão.
E desfiou uma ladainha de elogios a José Braz, que Gustavo ouvio lisongeado e
commovido.
Desembarárão, mettèrão-se no carro e partírão para casa, onde já os esperava
José Braz e a familia.
Ahi passárão o dia todo.
Sómente, no fim do dia e á hora de se separarem Gustavo e Almerinda tinhão
adquirido a certeza de que se querião como velhos amantes.
A immpressão qu ecada umd’elles recebeu na vespera e os acontecimentos
posteriores produzírão este resultado.
Desde que elles vírão que os seus olhos se procuravão frequentemente e qu e
frequentemente se tocavão as suas mãos, não duvidárão mais : amavão-se.
Dos olhos ás palavras parece que ha um pouco apenas; mas não é assim, sobretudo
quando se ama deveras.

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Para prova tenho estes dous amantes que mais d euma vez tentárão durante o dia
dizer o que sentião um pelo outro, mas que não encontravão uma só palavra a proferir.
Quando estavão presentes alguns estranhos ( e estranhos aqui erão todos quantos
não fossem elles dous ) animavão-se,olhavão-se com intrepidez, sem susto nem enleio ;
mas uma vez a sós, fechavão os olhos e sentião as linguas presas.
E se fallavão era sempre em cousas remotas do coração.
Todavia em uma d’essas occasiões, á noitinha depois do jantar, procurávão cada
um de sua parte communicar ao outro os seus sentimentos, e chegárão a dizer alguma
cousa.
⎯ Vai amanhã a bordo? perguntou Almerinda.
⎯ Vou.
⎯ A que horas? Posso ter sahido aos passeios do costumme...
⎯ Ás que quizer...
⎯ Á tarde, disse ella.
Gustavo abrio a boca tres vezes e só á ultima pôde dizer :
⎯ Teria desgosto em não estar lá á hora em que eu fosse?
⎯ Teria... murmurou Almerinda.
Ora, eis aqui tudo quanto puderãodizer os dous namorados. É verdade que o
proverbio popular : a bom entendedor meia palavra basta, tem n ’estes casos,a mais que
em nenhum outro, um exemplo irrefutavel.
Gustavo e Almerinda não só sabião que amavão um ao outre, como até tinhão
relativamente ao amor do outro a mais solida certeza.
N’este sentimento se despedírão.
Despedírão-se?
Despedírão-se a bordo a galera, porque Gustavo, sendo de uma generosidade de
cavalleiro, não quiz deixar Almerinda senão quando fosse impossivel continuar ao pé
d’ella.
Almerinda, a pretexto de que o luar estava bonito e de que queria descansar antes
de descer, ficou emcima do navio, olhando fixamente para o escaler em que Gustavo
voltava para a cidade.
Quanto a Gustavo, só quando foi impossivel ver Almerinda e a galera é que se
dispòz a olhar para a frente.
Olhar! Olhava elle, n’aquelle momento, alguma cousa que não fosse a Hespanhola,
os cabellos noar, os sonhos de bemaventurança ?
Gustavo foi para casa arredado de si, todo alegria, scisma, chimera e desejo. A
imagem de Almerida acompanhou-o em todo o caminho, entrou com ella em casa, na
alcova, leu comella um volume de Esponceta, dormio com ella e coma ella sonhou.
Este sentimento que gradual e rapidamente dominava o rapaz tornou-se no fim de
poucos dias um sentimento exclusivo, dominante, absorvente. O pai e as irmãs de
Gustavo reparavão n’isso, mas nada podiam atinar com a causa de semelhante
phenomeno.
⎯ Andas doente, Gustavo? dizia uma vez José Braz á mesa do almoço.
⎯ Eu? não senhor.
⎯ Parece. Então que tens tu?
⎯ Nada...

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⎯ Pois se não tens nada acho exquisito que andes com esse ar acabrunhado; se
não tens nenhuma doença nem desgosto... Não é desgosto?
⎯ Desgosto, porque?
⎯ Alguma cousa o mano tem, disserão em côro as irmãs de Gustavo.
O rapaz teimava em dizer que nada tinha, e para isso affectava um ar alegre e
contente.
Mas a mudança era visivel e ninguem da familia tomou ao serio o ardil do
namorado.
O leitor perspicaz ou a experiente leitora perguntará ao contador d’esta istorieta
por que motivo, amando Almerinda, Gustavo mostrava-se triste e acabrunhado.
A leitora experiente ou o leitor perspicaz accrescentará a esta pergunta esta
observação :
⎯ Que o amor alvoroçasse o rapaz, que o tornasse vivo, alegre, feliz,
comprehende-se; é natural que assim fosse, visto que amava, era amado e podia ver a
amada, graças á facilidade de ir ter ao lugar em que ella residia.
Para responder à leitora experiente e ao leitor perspicaz devo dizer em duas linha
as circmstancias em que apparecèra Almerinda e Gustavo.
José Braz tinha, entre as qualidades que todos lhe reconhecião, um defeito que
ninguem lhe notava, por isso mesmo que esse defeito é a virtude do maior numero : o
defeito era fazer entrar na ordem das operações financerias o futuro matrimonial de seus
filhos.
Que os pais procurem o bem-estar e a commodidade dos filhos, guiando-os até
certo ponto com os conselhos da sua prudencia, nada de mais legitimo e de mais
obrigatorio; mas fazer depender os sentimentos do coração da realidade da cifra e das
probabilidades do juro, é uma cousa esta que só póde dar uma consequencia irrefutavel :
caracter baixo, coração nullo.
Ora, isto é exactamente o que fazia o honrado José Braz, para quem os filhos erão
objectos de extremo cuidado no que respetava ao melhor modo de empregal-os, digo, de
casal-os.
Este traço caracteristico, tão commum e para o qual é tão facil a tolerancia,
quando chega a haver tolerancia e não applauso, este traço, devo dizél-o em honra da
verdade, era observado e censurado por alguns amigos e collegas de José Braz.
De uma das censuras nasceu-lhe um capricho, isto é, cresceu-lhe a ruindade do
sentimento : prometeu entre si que casaria os filhos ... colossalmente.
Tão ouvido foi o juramento que logo depois surgio-lhe aos olhos um bom emprego
para o capital Gustavo. Era redonda a fortuna, representada em fazendas e apolices. A
moça que servia de pretexto a este casamento não era nem bonita, nem graciosa, nem
sympathica, nem mesmo boa de coração, era simplesmente feia, desenxabida,
antipathica e má. Mas caom tudo isto era anjo com duas azas, duas, meus leitores, duas.
Gustavo, que era moço e não calculava, achou disparatada a primeira proposta do
pai, julgiu que recusando-se teria posto um termo a tudo. Mas Jossé Braz não deu ao
braço a torcer e insistio; nova recusa e nova insistencia; á terceira recusa, não houve
proposta, houve imposição.
Amava uma mulher; sentia que não podia amar outra como aquella, e entretrato
era a outra que devia ser o juramento de esposo, separando-se d’aquella...
perpetuamente.

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Tal situação era na realidade propria para assustal-o, impressional-o, entristecèl-
o.
Esta mulher que lhe apparecia como um d’estes sonhos passageiros e delineados
por mãos angelicas, como uma d’estas boas horas da vida, d’estas que poucas vezes se
dão, ia partir, ia voltar para a patria, d’onde nunca mais voltaria e para onde elle não
poderia ir, ao menos solteiro.
Viver longe de uma que ama, e perto de outra que aborrece; atar-se a duas
cruzes, a cruz da ausencia e a cruz da presença; tal era o futuro que se antolhava ao
filho de José Braz.
Em um coração verde, generoso,leal, amante, esta situação era prenhe de
catastrolhes e torturas.
Eis a razão por que esse amor sincero e vivo em ambos dava a Gustavo mais
tristeza que prazer.
Apezar de tudo, Gustavo procurava utilisar o tempo, e era involuntariamente
levado a bordo da galera todos os dias. Lá se demorava atá á noite, qundo tomava o
escaler e voltava para a terra.
Mas, uma cousa em que eu acreditarei difficilmente, é nos amores escondidos.
Entre os dous corações que se querem, o olhar mais indifferente descobre logo, e uma
vez feita a descoberta, póde indicar com justeza o gráo de sympathia. A prudenciapóde
pouco, e não póde sempre; lá vem o minuto em que os dous olhares se confundem-se e
esqeu cem de que são d’este mundo, d’esse mundo indiscreto e ruim.
O capitão e Valdez nõa gastárão muito tempo em descobrir a harmonia de
sentimentos que existia entre Gustavo e Almerinda. Communicára-se por signaes, um
avez em que estavão á mesa; e puzerão-se, cada qual do seu lado, sem se avisarem, a
descobrirem o resto
O resto confirmou o começo.
Valdez fez logo comsigo as seguintes reflexões :
⎯ É fado nosso! Por causa d’ella fugi á dôr que me cercava lá; venho aqui e atiro
minha pobre irmão a uma dôr igual. Igual, porque este rapaz não póde casar com
Almerinda. Ame ou não ame Almerinda, não póde fazêl-a feliz; nunca o pai ha de
consentir n’isso : e fazêl-o á força seria entrarmos nós com complices n’um acto que
pareceria infame; porque elle é rico, e n’estas allianças o rico é generoso, o plbre é
calculista...
Valdez dispòz todas as idéas consequencia d’estas primeiras e concluio o monologo
no mesmo tom.
Quant o ao capitão, não fez monoligo algum; percebeu, calou-se e foi pensar em
outras cousas, não sem achar, nessas primerias solicitações que fez ao somno, quando se
deitou, qeu se a rapariga escolhêra bem, o rapaz escolhêra do mesmo modo.
E resolveu tocar no assumpto quando estivesse com o pai de Gustavo.
Succedeu exactamente estar com elle no dia seguinte.
⎯ Então como vai sua encantadora passageira? perguntou José Braz ao capitão,
depois dos primeiros comprimentos.
⎯ Como está?
E o capitão sorrio.
Ha certas pessoas que em se dizendo alguma cousa de uma mulher bonita,
acompanhada de um sorriso, riem tambem, com ar duvidoso, como para indicar que ha
preferencias em seu favor, mas que não convem publical-as.

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A este respeito contão-me uma anecdota que eu não dou por exacta, mas que é
verrosimil:
Conversava-se em uma roda de seis pessoas a respeito de mulheres bonitas e
mulheres feias.
Um dos interlocutores trouxera um amigo, esquecendo-se de apresental-o aos
outros, sem que por este motivo deixasse o tal amigo de tomar parte activa na conversa
e certa familiaridade na contradita.
Havia um individuo n’essa roda, a quem designaremos pela inicial Z..., o qual se
prezava de uma cousa : de saber da chronica de todos, com maior ou menor exactidão. E
para isto tinha um processo singular. Dizia a um, por exemplo:
⎯ Já sei quem foi hontem ao Flamengo, a cavallo, embrulhado em um capote, e
acompanhado por um moleque... Já sei...
Se o sujeito a quem erão dirigidas estas palavras balbuciava, hesitava em
contestar, Z... não perguntava mais nada; concluira que armára uma rede e colhêra o
incauto; e na primeira esquena dizia ligo ao primeiro o que encontrava:
⎯ Não sabes? Z. é sempre o mesmo homem. Adivinha onde foi elle hontem á
noite, a cavallo e embrulhado em um capote, e acompanhado por ummoleque? Ao
Famengo! É a filha de Y. São namorados.
E seguia aqui um rosario de invenções fresquinhas que o homem mettia na cabeça
do outro sem dó nem piedade.
Ora, este sujeito, depois de adivinhar nuitas cousasa d’este modo, em relação aos
outros contraventores, voltou-se para o quinto (o sexto era o desconhecido) e disse-lhe:
⎯ Não falo da mulher do V. porque temo offender-te... Maganão! eu sei das tuas
proezas!...
O outro olhou para elle, deixou deslisar nos labios um sorriso de desvanecimento e
disse com ar modesto e recatado :
⎯ Não diga isso...
A ultima sylaba do que ia dizendo entrou-lhe de novo para a garganta mediante
uma bofetada que V. (o desconhecido) applicou-lhe mal elle começava a fallar.
Póde-se garantir que o sujeito a quem succeder isto uma vez nunca mais ha de
tomar a responsabilidade das imputações gratuitas d’este genero.
Tudo isto veio para dizer que José Braz, attribuindo ao sorriso do capitão uma
significação que não tinha, rio tambem com um riso malicioso, e ia já entrar em umas
escusas calculandamente esarrapadas, quando o capitão continuou :
⎯Como está?...pergunte a seu filho.
⎯Gustavo tem ido lá?
⎯ Tem... tem...
⎯ Mas, capiatão... que há?
⎯ Há que Almerinda e seu filho amão-se... e que, eu que conheço Almerinda e
conheci o pai, posso dizer que formarião o melhor par d’este mundo.
⎯ Que me diz é verdade?
⎯ Pois não sabia? Deveras?
⎯ Não.
⎯ Pois é isto. Não acha que...
⎯ Veremos.

151
Passárão a outros assumptos. O capitão ficou meio abalado na convicção que
formára de que tinha de ver Almerinda feliz. José Braz despedio-se do capitão disposto a
ir fazer reprimenda ao filho.
Gustavo n’esse dia não foi á casa; só á noite é fque lá appareceu. De manhã tendo
de antemão sabido que Almerinda e Valdez irião a Tijuca, dirigio-se para lá, e alli se
encontrou com ambos.
Passárrão lá o resto do dia até a hora de voltar para bordo. Foi para os dous
namorados um dia feliz. Tiverão occasiãode dizerem um ao outro que se amavão e
jurárão fidelidade eterna.
Gustavo acompanhou-os a bordo.
No caminho Valdez, sorrindo maliciosamente á sua irmã, disse:
⎯ Almerinda, é singular; não fizeste hoje um traço... isto é, fizeste dous... uma
curva de montanha e uma linha do horizonte. Porque?
⎯ Não estava boa...
⎯ Que razão!
E voltando-se para Gustavo, Valdez accrescentou :
⎯ Que acha a esta razão?
⎯ Acho que pode aceital-a.
⎯ Pois eu acho que não...
O sorriso de Valdez foi meia luz para Gustavo. Todavia, a conversa aprou aqui e os
tres seguirão para bordo sem que Valdez, apezar das solicitações indiscretas de Gustavo,
voltasse a dar explicação do riso e das palavras.
Quando ás onze horas da noite, Gustavo voltou para casa, encontrou José Braz
acordado, á espera d’elle.
⎯ Ainda acordado, meu pai?
⎯ Á tua espera.
⎯ Ah!
⎯ É verdade. Vens cansado? Naturalmente vens do mar? Gostas do amr, pelo que
vejo? É o teu elemento?
Estas perguntas enfiadas e ditas em tom sarcastico derão a Gustavo a consciencia
da situação : o pai sabia de tudo.
Gustavo estremeceu; baixou os olhos e calou-se.
O pai, tomando então um ar serio, olhou fixamente para o rapaz e perguntou-lhe :
⎯ Que pretendes fazer?
⎯ Meu pai, amo-a, respondeu Gustavo.
⎯ Mas quem te deu licença?
Gustavo olhou espantado rar José Braz.
⎯ Sim, Não sabes quaes os meus projectos? Não tinhamos accordado em alguma
cousa? Por ventura vale mais essa Almerinda do que a tua noiva?
⎯ Minha noiva!
⎯ Tua noiva, sim! Pois que é mais? Era o faltava : arranja-se um casamento bom,
dás a tua palavra, e agora, porque apparecesse uma aventureira...
⎯ Meu pai!
⎯ Aventureira, repito!
⎯ Não é ...
⎯ Que sabes tu?

152
José Braz metteu as mãos nos bolsos e começou a passear pela sala com mostras
de grande agitação.
Gustavo ficou de pé, immovel, acompanhando seu pai com o olhar.
José Braz parou de repente.
⎯ Pois ames ou não ames, disse elle, não entendo o que são estas cousas de
amor. O que eu quero é que cumpres a tua palavra e a minha vontade. Digo-te isto e te
não arrependes. Toma sentido!
E retirou-se para o seu quarto.
Gustavo ficou algum tempo na sala, depois do que seguio tambem para o seu
quarto, triste e afflicto.
O resto da noite foi uma noite de tortura para o pobre Gustavo; não pòde conciliar
o somno e durante a vigilia vagueou-lhe o espirito entre as duas visões das duas
mulheres, a que lhe dava a desgraça, a que lhe levava a felicidade,. Não podia
conformar-se á lei ferrea que o obrigava a não seguir uma mulher honesta, formosa, boa,
a quem elle amava, para ficar ao lado de outra mulher feia, má, a quem elle aborrecia.
Mas ao mesmo tempo via que era impossivel não ceder, porque não ceder seria
revoltar-se contra a autoridade paterna, que elle estava affeito a olhar como infallivel e
absoluta.
No dia seguinte não sahio de casa para não despertar suspeitas do pai. Mas no
outro, ligo que pôde, vestio-se, tomou o chapéo e dirigio-se para bordo.
Achou todos tristes e calados. Estranhou isso e perguntou galhofeiramente que
motivo os trazia assim. Todos se esquivárão a responder. Interrogou Almerinda com o
olhar, e esta abaixou os olhos.
Gustavo ficou confuso e interdicto.
Encontraria n’aquella gente a mesma cruildade que achará em seu pai? Não o
amava Almerinda? Ou, tendo-se descoberto o segredo, fõra esta obrigada a repellir os
sentimentos d’elle?
Gustavo fazia estas perguntas a si mesmo sem poder, tão plausiveis lhe parecião
umas explicações como outras.
N’este interim Valdez desceu á camara
A conversa entre os tres versou sobre cousas indifferentes; Gustavo, despeitado
pela esquivança de todos, pela frieza crescente que a moça apresentava, tornou-se mais
esquivo ás resposta e mais frio na conversação.
De modo que a coonvesa cahio por si.
Cada um dos tres interlocutores pòz-se a olhar o horizonte.
N’isto subia pelo outro lado Josá Braz.
Á voz d’elle voltárão-se os tres.
Gustavo ficou pouco enfiado por ser visto ao pé de Almerinda, posto que a
presença do capitão fosse garantia de que a conversa ra a mais innocente e indifferente
do mundo.
Isto que Gustavo pensava, sabe o leitor que não era verdade; as circumstancia de
estar o capitão presente,reunida á circumstancia de ter sido o mesmo capitão que quem
lhe dera a noticia do ocarrido, fez suspeitar a José Braz uma complicidade que agravava
a situação.
Por issi fechou a cara apenas deu como os olhos no grupo.
Os tres dirigirão-se para José Braz, mostrando cada qual uma physionomia
differente segundo os sentimentos que o dominava.

153
José Braz não mostrou-se, entretanto, admirado com a presença de Gustavo a
bordo ; antes o tratou com benevolencia e cordialidade.
O motivo da ida de Josá Braz, segundo elle proprio declarou, era dizer ao capitão,
que dentrao de tres dias estarião as suas mercadorias a bordo. Era isso o que esperava a
galera par apartir.
Gustavo e Almerinda estremecèrão e olhárão, ao mesmo tempo, um para o outro.
Este olhar não escapou nem ao capitão, nem a José Braz, e quanto a este suggerio a idéa
de tocar no ponto em conversa com o capitão.
E emquanto o capitão e José Braz se retirárão á parte, Gustavo approximou-se de
Almerinda e perguntou-lhe com instancia o motivo da differença que lhe notava.
Almerinda respondeu então que soubera pelo capitão do desagrado do pai de
Gustavo, e que de modo nenhum desejava dividir uma familia feliz e tornar desprezado
pelos seus aquelle que amava de todo o coração. E mais que no mesmo sentido lhe
fallára Valdez ,, pedindo-lhe que esquecesse o rapaz e comprimisse ainda nascente um
amor que não podia ser feliz.
Gustavo ouvio silencioso a explicação de Almerinda.
Depois perguntou-lhe :
⎯ É capaz de me responder a duas cousas?
⎯ Diga...
⎯ Esse amor é, como diz Valdez, um amor nascente?
⎯ Não, disse Almerinda.
⎯ Bem. Seria capaz de esquecer-me?...
Almerinda levantou os olhos para Gustavo; depois voltou-os para o horizonte, e,
deixando correr duas lagrimas silenciosas, respondeu com voz sumida :
⎯ Seria capaz...
Gustavo sentio pulsar-lhe mais o coração.
⎯ Está bem, disse elle.
Não pôde dizer mais nada.
O pai e o capitão acercárão-se dos dous namorados. Gustvodespedio-se de
Almerinda e do capitão, e desceu com o pai para o escaler.
A viagem até o cáes e do cáes até ácasa foi silenciosa. Nenhum d’elles trocou uma
palavra.
Gustavo tunha o coração cheio de dòr e desespero. A presença do pai mal retinha
ao pobre rapaz a manifestação do estado em que se achava.
Quando se achou só comsigo, Gustavo deu toda a expansão ao sentimento de
pezar e de saudade.
Em um só minuto vio esboroar-se todo o castelo de felicidade que, em sua
imaginação, começára a construir.
Mas era preciso ceder : se entre elle e a felicidade apenas se interpuzesse a
vontade do pai, cederia, talvez, mas na ultima extremidade; mas a situação era outra. O
que se interpunha era , além da vontade do pai, o desprezo da amante. A situação era
extrema.
Os dias corrèrrão, isto é, corrèrão quatro dias depois da scena que referi, e a
galera sahio do porto em direcção da Europa.
Havião já oito dias que navegava, com vento em pôppa e mar de rosas. O capitão
contava que o resto da viagem fosse pelo mesmo teor e fazia communicação d’essas
esperanças aos pasageiros.

154
Mas quaesquer que fossem as esperanças de boa e rapida viagem, quaesquer que
fossem os prazeres inventados e accumulados pelo capitão e por Valdez, Almerinda
conservava-se triste,triste a mais não poder ser.
Isto era um desgosto para os dous.
⎯ Esquece-te d’elle, dizia-lhe Valdez abraçando a irmã.
⎯ Não, dizia Almerinda suspirando, não!
E passava horas e horas com o olhar fixo no horizonte procurando não sei que
consolação que não vinha.
Assim que, a viagem, longe de ser uma viagem alegre, como parecião indicar as
circmstancias propicias em que era feita, foi uma viagem triste e desconsolada.
Uma tarde estavão todos na coberta, conversando ácerca da cidade natal e do
prazer que ião causar aos amigos que lá tínhão. Almerinda parecia mais tranqueilla
n’esse dia e conversava com mais interesse.
O espectaculo do pôr do sol, no horizonte afogueado, e reflectindo os ultimos
raios na face das aguas, mal encrespada por um vento fresco, foi para Almerinda um
objecto de alegria desusada.
Parecia que era a primeira vez que via tal scena.
⎯ Que bello quadro farás tu, Almerinda, disse Valdez.
⎯ É verdade, respondeu ella. É magnifico!
E amoça ficava extasiada com os olhos fitos no foco de luz viva e resplendente.
Esta circumstancia alegrou Valdez e o capitão.
Entretanto, o sol sumio-se mais e mais, e do occidente começou a surgir a noite,
envolvida em sua mantilha escura.
A conversa entrou pela noite. Mas, quando Valdez se dispunha a descer,
acompanhando o capitão, Almerinda pedio-lhe que se demorasse.
⎯ Para que? Está um vento fresco...
⎯ Por isso mesmo. Lá em baixo é uma estufa. Meia hora só...
⎯ Está bem, eu já volto.
⎯ Pois sim.
Valdez desceu e Almerinda ficou.
Uma vez só, Almerinda olhou em roda de si : o mais proximo dos marinheiros
estava longe.
A noite não era de luar. O vento soprava cada vez mais rijo, e as aguas, aao passo
que crescia a violencia do vento, encrespavão-se mais.
Almerinda olhou para o mar e vio que a galera singrava com velocidade. Olhou
para o horizonte e vio que as mesmas estrellas parecião olhar para ella e solicital-a a um
banquete celeste.
Almerinda pôz a mão no coração.
⎯ Sim, disse ella á meia voz, o que vou fazer é justo. Viver com este amor
impossivel é curvar-me a uma tortura igualmente impossivel; melhor é que eu corte de
uma vez o fio que me prende a vida, já tão pouco consistente e prestes a romper-se por
si...
Depois arremeçou-se par a borda, mas hesitou. O instincto de consevação e a idéa
do dever de resistir á desgraça impedírão que ella commettese o acto.
Esteve perplexa dous minutos.

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Mas então a imagem de Gustavo tornou a a pparecer-lhe ao espirito, e com ella o
quadro de felicidade que podia gozar e que por uma fatlidade lhe foi desviada. Lembrou-
se de que o amante talvez áquella hora soffresse e a accusasse.
Então, cobrando novo esforço, Almerinda recuou um pouco e atirou-se no mar.
Nessa occasião apparecia do outro lado Valdez.
Valdez ainda vio fluctuar nas aguas as roupas de Almerinda.
Deu um grito.
Tudo acudio áquelle grito. Foi um desespero para salvar a moça. Foi impossivel.
Nem o cadaver achárão.
O resto da viagem foi desespero para Valdez e uma consternação para a
equipagem.

G G. G.

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