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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa.

Professor Carlos Paschoalik

ÍNDICE

Homicídio..........................................................................................................................02
Participação em Suicídio...................................................................................................44
Infanticídio........................................................................................................................53
Aborto................................................................................................................................59
Lesão Corporal.....................................................................................................................80
Periclitação da Vida e da Saúde..........................................................................................112
Crimes contra Honra............................................................................................................132
Calúnia...............................................................................................................................136
Difamação.........................................................................................................................144

Injúria..............................................................................................................................147

Disposições finais...........................................................................................................161

Constrangimento ilegal....................................................................................................174

Ameaça............................................................................................................................177

Sequestro e cárcere privado..............................................................................................179

Redução à condição análoga a de escravo.......................................................................187

Violação de domicílio........................................................................................................191

Violação de dispositivo informático..................................................................................196

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HOMICÍDIO
Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Introdução: de forma geral, o homicídio é o ato de destruição da vida de um homem por outro
homem. De forma objetiva, é o ato cometido ou omitido que resulta na eliminação da vida do
ser humano.

Conceito: eliminação da vida extrauterina praticada por outra pessoa. Se praticada pela
mesma pessoa haveria suicídio e se ação for intrauterina ocorrerá aborto.

Homicídio simples: é a conduta típica limitada a “matar alguém”. Esta espécie de homicídio
não possui características de qualificação, privilégio ou atenuação. É o simples ato da prática
descrita na interpretação da lei, ou seja, o ato de trazer a morte a uma pessoa.

Objeto material: O tipo penal prevê como crime de homicídio o ato de suprimir a vida
humana, não definindo o modo empregado para tanto. Assim, a norma admite criminosa
qualquer conduta voltada ao término da vida da vítima: disparar arma de fogo, desferir golpes
de faca, golpeá-la com pedras ou pedaços de pau, eletrocutá-la, provocar ou libertar animal
para que a ataque etc. São incontáveis as maneiras que o autor do fato pode usar para matar
alguém. Deve restar caracterizado, entretanto, o nexo causal entre a conduta e o resultado
morte. O crime também pode restar caracterizado pela omissão do autor, nas hipóteses de
crime omissivo impróprio (também designado comissivo-omissivo ou comissivo por
omissão), que ocorre quando a norma impõe ao autor obrigação de impedir a ocorrência crime
(fala-se também em impedir o resultado), previstas no artigo 13, §2.º, do Código Penal. A
conduta também admite a colaboração de terceiros: a coautoria e/ou a participação.

Sujeito passivo: Qualquer um (ser humano) pode ser vítima de homicídio, basta ter sido
concebido a partir do ventre materno (ter nascido de mulher) e ter vida.

Observação: também são vítimas de homicídio o deformado, o moribundo, o paciente terminal


etc., pois, mesmo quando severamente debilitados e acometidos de sofrimento imensurável,
são titulares do bem jurídico tutelado (a vida humana).

Elemento subjetivo: Constitui-se no animus necandi, no animus occidendi, que se traduzem a


intenção de tirar a vida do ser humano. O que configura o dolo do homicida é o agir
consciente na prática de ato cujo resultado será a morte de terceiro. Também é possível o dolo

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eventual, em que o autor age admitindo o óbito, no máximo, como possível, sem pretendê-lo
diretamente. Vamos ver algumas repercussões práticas:

CASUÍSTICA

Diferença da tentativa de homicídio com lesão corporal: reside no elemento subjetivo do


agente. Teoricamente a questão é de simples solução, contudo, na prática provoca calorosos
debates do júri.

Diferença da lesão seguida de morte: na lesão qualificada a morte é culposa e antecedida


de um dolo de lesão, o agente não quis o resultado morte e nem assumiu o risco de produzi-
lo.

Tentativa branca: a vítima não sofre lesões com a conduta, por exemplo, disparo de arma
que não atinge o alvo. Na tentativa cruenta a vítima sofre lesões.

Desistência voluntária: neste caso o agente desiste quando ainda tem possibilidade de
continuar no inter criminis. Por exemplo, disparou e não matou a vítima e ainda tendo mais
projéteis na arma, e sem nenhum fator exterior a impedir que continue sua conduta, cessa a
atividade criminosa. Caso atinja a vítima responde por lesões corporais e não por tentativa.
Agora, se cessou a atividade por que achou que a vítima estava morta ou porque a polícia
se aproximava não há desistência voluntária e sim tentativa.

Autoria colateral: duas pessoas querem praticar um crime e agem ao mesmo tempo sem
que uma tenha conhecimento da ação da outra. Como exemplo, podemos citar a casuística
de duas pessoas (A e B), uma em cada lado da estrada, aguardando um sujeito passar. Quando
este passa ambos atiram causando o óbito da vítima. Identificado que o tiro que causou a
morte partiu da arma de A este responde por homicídio e B responderá por tentativa, uma vez
que não causou a morte. Não há concurso de agentes pelo fato de que não houve liame
subjetivo entre os agentes.

Autoria Incerta: ocorre na autoria colateral quando não se consegue identificar qual dos dois
disparos matou a vítima. Neste caso há três correntes:

a. Ambos por crime consumado.

b. O fato é atípico para ambos.

c. Os dois por tentativa.

Espécies de homicídio: culposo, simples, privilegiado e qualificado.

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QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
a. Comum/próprio: comum: praticado por qualquer pessoa.

b. Simples/complexo: simples: apenas um bem jurídico.

c. Dano/perigo: perigo: há lesão ao bem jurídico vida (oposto de perigo).

d. Ação Livre/de ação vinculada: ação livre: pode ser praticado por qualquer modo
(diferente dos crimes vinculados em que o tipo prevê o modo específico de ação como
nos casos de omissão de socorro, maus tratos).

e. Instantâneo/permanente: instantâneo: consuma-se com a morte da vítima (cessação


da atividade encefálica Lei 9434/97).

f. Material/formal/mera conduta: material: consuma-se com a ocorrência do


resultado, ao contrário dos crimes formais em que o tipo descreve uma ação e um
resultado, mas dispensa a ocorrência deste para a consumação (extorsão mediante
seqüestro), e dos crimes de mera conduta em que há a descrição de uma ação sem
menção a qualquer resultado naturalístico (violação de domicílio, ato obsceno).

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Comentários: o crime se consuma quando a conduta do autor resulta na morte da vítima, pois
nesse caso o fato contém “... todos os elementos de sua definição legal.” (artigo 14, inciso I,
do código Penal). A tentativa ocorre quando, não obstante praticados os atos de execução
para a ocorrência da morte, ela não advém “... por circunstâncias alheias à vontade do
agente.” (artigo 14, inciso II, do Código Penal). Um simples exemplo disso é o da vítima que
sobrevive depois de alvejada por disparos de arma de fogo. O evento morte não ocorreu
apesar do esforço do autor em tentar obtê-lo. Quando a vítima sobreviver da tentativa e restar
lesionada, contudo, não se pode reconhecer o enquadramento da conduta do autor como sendo
crime de lesão corporal, como dito em tópico acima, justamente porque o dolo (o animus
necandi) dele foi muito além da mera intenção de ofender a integridade física. O elemento
subjetivo, nessas hipóteses, será, então, o que difere o homicídio frustrado (tentado) de algum
outro delito menos grave e (ao menos materialmente) consumado, como pode ser a lesão
corporal.

Conclusão: consuma-se com a morte da vítima atestada em laudo necroscópico, ou melhor,


cessação da atividade encefálica.

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HOMICÍDIO PRIVILEGIADO

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou


moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Análise do tipo: é uma causa de diminuição de pena pelo fato de que o legislador entendeu
que nos casos ali previstos a conduta homicida é menos danosa à sociedade. Embora no
artigo conste a expressão “o juiz pode” a doutrina entende que é obrigatório, uma vez que o
privilegio é votado pelos jurados.

Comentários: a doutrina fraciona o estudo do homicídio privilegiado em razão dos motivos


determinantes do crime. Num primeiro momento, considera o relevante valor social ou moral.
A seguir, considera privilegiado aquele homicídio impelido por violenta emoção, seguida da
injusta provocação da vítima. Vamos às hipóteses:

MOTIVO DE RELEVANTE VALOR SOCIAL

Comentários: diz respeito a interesses da sociedade, coletivos, como por exemplo, matar
marginal que apavora a comunidade ou um estuprador que assolava o bairro.

VALOR MORAL
Comentários: são os aprovados pela moralidade média, como por exemplo, eutanásia. O
relevante valor moral é aquele que toca o espírito de moralidade do autor (sua compaixão,
piedade etc.), citando a doutrina como clássico exemplo a possibilidade da eutanásia, pela
qual o autor encerra a vida da vítima em razão de um sofrimento interminável e incurável.

Caiu em prova (oral MP/SP 2015): Qual a diferença entre eutanásia, distanásia e
ortotanásia?

Eutanásia: hodiernamente é entendida como morte provocada por sentimento de


piedade à pessoa que sofre. Em vez de deixar a morte acontecer, a eutanásia age sobre a
morte, antecipando-a. Assim, a eutanásia só ocorrerá quando a morte for provocada em
pessoa com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal e movida pela
compaixão ou piedade. Portanto, se a doença for curável não será eutanásia, mas sim o
homicídio tipificado no art. 121 do CP, pois a busca pela morte sem a motivação humanística
não pode ser considerada eutanásia. Não há, em nosso ordenamento jurídico previsão legal
para a eutanásia, contudo se a pessoa estiver com forte sofrimento, doença incurável ou em
estado terminal dependendo da conduta, podemos classificá-la como homicídio privilegiado,

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no qual se aplica a diminuição de pena do parágrafo 1º do artigo 121 do CP ou como auxílio


ao suicídio, desde que o paciente solicite ajuda para morrer, disposto no art. 122 do mesmo
diploma legal.

Distanásia: é o prolongamento artificial do processo de morte e por consequência


prorroga também o sofrimento da pessoa. Muitas vezes o desejo de recuperação do doente
a todo custo, ao invés de ajudar ou permitir uma morte natural, acaba prolongando sua agonia.
Conforme Maria Helena Diniz, "trata-se do prolongamento exagerado da morte de um
paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de
morte" (DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001). Aqui
não há crime, não há a provocação da morte e sim o prolongamento da vida.

Ortotanásia: significa morte correta, ou seja, a morte pelo seu processo natural. Neste
caso o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para
que este estado siga seu curso natural. Assim, ao invés de se prolongar artificialmente o
processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente
(ortotanásia). Somente o médico pode realizar a ortotanásia, e ainda não está obrigado a
prolongar a vida do paciente contra a vontade deste e muito menos aprazar sua dor. Para parte
da doutrina a ortotanásia é conduta atípica frente ao código penal, pois não é causa de morte
da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado. Desta forma, diante de dores
intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por este como intoleráveis e inúteis, o
médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a consequência venha a ser, indiretamente, a
morte do paciente (VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 1999, p. 90.) Nucci entende que a ortotanásia é crime, já que o médico, na posição
de garantidor, não pode deixar de buscar os recursos para salvar a vida do paciente.

Observação: há posições em sentido contrário: A ortotanásia, por sua vez, não caracteriza
homicídio, pois, resumindo-se apenas à aplicação de paliativos para a dor e o sofrimento,
até a morte natural do doente terminal, disso não advirá nexo causal entre terapia
ministrada e o resultado fatal. Tampouco se pode reconhecer na hipótese o crime
comissivo por omissão, pois, não havendo cura para a doença, não haverá omissão
médica, em razão da falta de tratamento à espécie.

VIOLENTA EMOÇÃO APÓS INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA


Comentários: esta privilegiadora compõe-se de três elementos: a emoção violenta, a injusta
provocação da vítima e a reação imediata em razão da provocação.

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a. Violenta emoção: caracterizada por forte perturbação mental capaz de tirar o


agente de seu estado normal. A emoção violenta para fins deste parágrafo é aquela que
domina o autor, provocando-lhe um choque emocional, já que a lei fala “... sob o
domínio...”. Neste caso há uma diferença com a atenuante genérica (art. 65, III, c),
pois a atenuante diz influência e o homicídio privilegiado diz domínio.

b. Injusta provocação: (xingos, adultério, bastando a vítima se sentir provocada, não há


necessidade de intenção em irritar a vitima por parte do provocador). Injustiça da
provocação é a relação de contrariedade deste ato com a lei, a atitude legítima da
vítima não configura o homicídio privilegiado.

c. “Logo após”, neste caso a doutrina entende que não há um tempo determinado, porém
não pode haver interrupção entre a emoção e o ato homicida. Logo, a reação do
autor deve ser imediata, sem premeditações ou intervalos de tempo que permitam
compreender cessado o violento estado emotivo que o dominou.

Subjetivas: Todos os privilégios são de caráter subjetivo, portanto se comunicam aos


partícipes e aos coautores, desde que não tenham agido por outro motivo.

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: o porte ilegal de arma de fogo deve ser absorvido pelo crime de homicídio?
Se o agente, utilizando arma de fogo, atira e mata alguém, haverá homicídio e porte de arma
de fogo ou apenas homicídio? Se uma pessoa pratica homicídio com arma de fogo, a acusação
por porte deverá ser absorvida? Aplica-se o princípio da consunção? Depende da situação:

Situação 01: NÃO. O crime de porte não será absorvido se ficar provado nos autos
que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou
depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão somente para praticar o
assassinato. Ex: a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de fogo três meses antes de
matar Pedro e não a comprou com a exclusiva finalidade de ceifar a vida da vítima.

Situação 02: SIM. Se não houver provas de que o réu já portava a arma antes do
homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima. Ex: o agente
compra a arma de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima, e contra ela desfere dois
tiros, matando-a. No caso concreto julgado pelo STF, ficou provado que o réu havia
comprado a arma 03 meses antes da morte da vítima. Além disso, também se demonstrou
pelas testemunhas que o acusado, várias vezes antes do crime, passou na frente da casa da
vítima, mostrando ostensivamente o revólver utilizado no crime. Desse modo, restou provado
que os tipos penais consumaram-se em momentos distintos e que tinham desígnios
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autônomos, razão pela qual não se pode reconhecer o princípio da consunção entre o
homicídio e o porte ilegal de arma de fogo. STF. 1ª Turma. HC 120678/PR, rel. orig. Min.
Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 24/2/2015 (Info 775).

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HOMICIDIO QUALIFICADO
Análise do tipo: há três divisões das qualificadoras do homicídio que nos auxiliam a
compreender melhor o assunto. Ocorrendo uma qualificadora a pena passa a ser da 30 anos
além de ser considerado crime hediondo.

MOTIVO (INCISO I)

2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Paga (anterior) ou promessa de recompensa (posterior): é o chamado homicídio


mercenário, aquele que ocorre por conta de um pagamento feito pelo mandante e cumprido
geralmente por “pistoleiros”. Parte da doutrina entende que a vantagem não precisa ser de
caráter econômico (Damasio), contudo, há entendimento em sentido contrário, afirmando
que se não for vantagem econômica (vantagem sexual, por exemplo) incidiria na
parte final do artigo (motivo torpe) (Hungria e Noronha). É um crime de concurso
necessário que exige a participação de dois agentes.

Aplicação da qualificadora: duas correntes:

A. 1º Corrente: aplica-se ao mandante e ao executor, uma vez que a paga e a promessa


de recompensa SÃO ELEMENTARES DO CRIME, logo, se comunicam (art. 30 do
CP).

B. 2º Corrente: aplica-se somente ao executor, uma vez que paga e a promessa de


recompensa não são elementares, MAS CIRCUNSTÂNCIAS, logo, somente o
executor age por conta do lucro, portanto, não há a comunicação da qualificadora, já
que quem mata o faz por seus próprios motivos. Os tribunais superiores adotam a
primeira corrente.

OU OUTRO MOTIVO TORPE

Torpe: motivo abjeto vil que causa repugnância como matar a mãe para ficar com a
herança, por rivalidade profissional, inveja ou por a vítima ser homossexual (ou qualquer
outra forma de preconceito), rituais macabros e vampirismo (beber o sangue da vítima),
morte de policial por facção criminosa, Canibalismo, matar por prazer, etc.

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Observação: vingança e ciúmes: vingança por si só não qualifica é preciso analisar as


razões, uma vez que a vingança pode até servir como privilégio. Ciúme não é fútil e nem
torpe, é preciso analisar o caso concreto, aquilo que ocasionou o ciúme.

FÚTIL (INCISO II)


II - por motivo fútil;

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

É o motivo de pouca importância, desproporcional, de pouca monta, como exemplo,


matar o dono do bar que não serviu bebida, ou a mulher que não fez o jantar.

Observação: não devemos confundir futilidade com não se descobrir do motivo do crime.
Matar sem motivo é hipótese diversa de não se descobrir o motivo do homicídio.
Desse modo há duas situações distintas:

1º Situação: matar sem motivo, para a tese de acusação, consiste na qualificadora do


motivo torpe, uma vez que matou pelo prazer de tirar a vida, o que é diferente de não se
descobrir o motivo.

2º Situação: há decisões do STJ aplicando o homicídio simples quando o homicídio


foi praticado por ausências de motivos ou quando não se descobre o motivo do crime.
Essas são as teses de defesa que parecem prevalecer no STJ, conforme julgado abaixo.

JURISPRUDÊNCIA STF e STJ


Decidiram: na hipótese em apreço, a incidência da qualificadora prevista no art. 121, §
2º, inciso II, do Código Penal, é manifestamente descabida, porquanto motivo fútil não
se confunde com ausência de motivos, de tal sorte que se o crime for praticado sem
nenhuma razão, o agente somente poderá ser denunciado por homicídio simples (STJ, HC
152.548/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 22/02/2011, DJe 25/04/2011).

Observação II: uma forte discussão por motivo fútil afasta a qualificadora, já que o motivo
da morte foi a discussão e não a futilidade que a originou. Há decisões recentes do STJ nesse
sentido.

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: motivo fútil Se o fato surgiu por conta de uma bobagem, mas depois ocorreu
uma briga e, no contexto desta, houve o homicídio, tal circunstância pode vir a
descaracterizar o motivo fútil. Vale ressaltar, no entanto, que a discussão anterior entre
vítima e autor do homicídio, por si só, não afasta a qualificadora do motivo fútil. Assim, é

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preciso verificar a situação no caso concreto. Processo STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp
1.113.364-PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 21/8/2013.

Comentários ao julgado acima: uma das hipóteses de homicídio qualificado ocorre quando
o agente pratica o crime em razão de um motivo fútil: Homicídio qualificado § 2° Se o
homicídio é cometido: II - por motivo fútil; O que é motivo fútil? Ocorre quando a pessoa
pratica o homicídio por causa de um motivo bobo, insignificante, pequeno, mesquinho. Ex:
João matou Pedro pelo fato de a vítima não ter querido dar um cigarro para o homicida. Todo
motivo fútil é injusto, mas nem sempre o motivo injusto pode ser considerado fútil.
Exemplo: Maria anuncia que vai se separar de Abel após 10 anos de casamento em razão de
ter se apaixonado por Pedro, vizinho do casal. Inconformado, Abel mata Maria. O motivo é
injusto, considerando que não há justificativa para ceifar a vida de uma pessoa por conta do
fim de um relacionamento. Por outro lado, não se pode dizer que a razão que motivou o
agente seja insignificante (desprezível). Nesse sentido: STJ HC 77.309/SP, Rel. Min. Felix
Fischer, Quinta Turma, julgado em 06/05/2008. Se, no caso concreto, o réu, aparentemente,
não tinha motivo para matar a vítima, pode-se dizer que houve homicídio qualificado por
motivo fútil? A ausência de motivo pode ser equiparada a motivo fútil? NÃO (posição
majoritária). A lei pune mais gravemente o motivo fútil e não a ausência de motivo. Houve
uma falha da lei. Equiparar “ausência de motivo” a “motivo fútil” é fazer uma analogia in
mallan partem. Nesse sentido: Cezar Roberto Bitencourt. Se o agente pratica o crime por
causa de ciúmes, haverá homicídio qualificado por motivo fútil? NÃO (posição
majoritária). Um homicídio pode ser fútil (inciso II) e torpe (inciso I) ao mesmo tempo? NÃO.
Um homicídio nunca poderá ser fútil e torpe ao mesmo tempo. Se for fútil (bobo), não pode
ser torpe (repugnante). Se o fato surgiu por conta de uma bobagem, mas depois ocorreu uma
briga e, no contexto desta, houve o homicídio, tal circunstância pode vir a descaracterizar o
motivo fútil Cleber Masson fornece um exemplo: “Depois de discutirem futebol, “A” e “B”
passam a proferir diversos palavrões, um contra o outro. Em seguida, “A” cospe na face de
“B”, que, de imediato, saca um revólver e contra ele atira, matando-o. Nada obstante o início
do problema seja fútil (discussão sobre futebol), a razão que levou à prática da conduta
homicida não apresenta essa característica.” (Direito Penal esquematizado. 3ª ed., São
Paulo: Método, 2011, p. 31). Vale ressaltar, no entanto, que “a discussão anterior entre vítima
e autor do homicídio, por si só, não afasta a qualificadora do motivo fútil” (AgRg no REsp
1113364/PE, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 06/08/2013).
Assim, é preciso verificar a situação no caso concreto.

Caiu em prova: é possível que uma pessoa pratique homicídio qualificado por motivo fútil
agindo com dolo eventual? SIM. Nesse sentido: STF. 2ª Turma. HC 111442/RS, rel. Min.
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Gilmar Mendes, 28/8/2012. É possível que o homicídio seja qualificado por motivo fútil (art.
121, § 2º, II) e, ao mesmo tempo, privilegiado (art. 121, § 1º)? NÃO. A jurisprudência
somente admite que um homicídio seja qualificado e privilegiado ao mesmo tempo se esta
qualificadora for de natureza objetiva (ex: meio cruel, surpresa). Se a qualificadora for
subjetiva, entende-se que ela é incompatível com o privilégio. Veja essa afirmativa correta: “a
presença de qualificadoras não impede necessariamente o reconhecimento do homicídio
privilegiado (MP/SE – 2010)”.

Observação: o homicídio não pode ser “duplamente qualificado” (expressão incorreta) por
motivo torpe e fútil, uma vez que um exclui o outro, se é fútil não é torpe e vice-versa.

QUANTOS AOS MEIOS EMPREGADOS (INCISO III)

Meio Cruel
Comentários: a qualificadora é a seguinte:
§ 2º - Se o homicídio é cometido: III - com emprego de veneno,
fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel,
ou de que possa resultar perigo comum;
Observação: é claro que não vou ficar explicando todo o inciso III, já que ele é auto
explicativo. Vou me concentrar nos temas mais complexos que é o que cai em prova. Qual é o
recurso utilizado e no inciso I, neste inciso e no inciso IV pelo legislador? Interpretação
analógica. Ele dá exemplos de meios cruéis, insidiosos, ele dá exemplos de execuções que
possam executar perigo comum. Depois que fez isso, encerra de maneira genérica, permitindo
ao aplicador encontrar outros casos. Como no inciso I, o inciso III, trabalha com interpretação
analógica. É o legislador dizendo que não tem como prever todos os meios insidiosos,
cruéis, e que possam resultar em perigo comum: “Juiz, encontre outros!”.
VENENO
Comentários: eu quero explicar o emprego de veneno. O homicídio quando é praticado com
essa qualificadora é chamado venefício. Vamos conceituar veneno (estou conceituando meio
de execução, veneno): “Veneno: substância, biológica ou química, animal, mineral ou
vegetal, capaz de perturbar ou destruir as funções vitais do organismo humano.”Quando
eu falo em veneno o aluno tem mania de veneno de matar rato. Não. Eu não cataloguei como
proibida. É qualquer substância capaz de perturbar o organismo humano. Açúcar para o
diabético é um exemplo porque é um veneno. Aquele que introduz no diabético uma
quantidade de açúcar, querendo, com isso, destruir ou perturbar as suas funções vitais,
praticou crime.

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Observação: detalhe importantíssimo: “Para incidir a qualificadora, é imprescindível que a


vítima desconheça estar ingerindo a substância venenosa (ignora que está sendo
envenenada).” Presta atenção: Isso significa que se a vítima sabe, não incide esta
qualificadora. Se ela sabe que está sendo envenenada, não incide esta qualificadora. Caiu no
MP?MG: a vítima estava um bar, o agente colocou uma arma em sua cabeça e a mandou
beber o veneno. Ou você morre com o veneno ou você morre com tiro na cabeça. O
examinador perguntou: homicídio simples ou qualificado? Entenderam a sacanagem? Pelo
emprego de veneno não seria qualificado porque a vítima sabia que estava ingerindo veneno.
Mas isso não significa que o homicídio será simples. Haverá a qualificadora que dificultou
a defesa do ofendido. Quando ele sabe que está sendo envenenado pode não estar
presente esta qualificadora, mas pode estar presente outra e o homicídio não será
simples. Desaparece a qualificadora do emprego de veneno, mas permanece a do recurso que
dificultou a defesa do ofendido. Teve candidato que sacou a do veneno e classificou como
homicídio simples, mas errou porque continua qualificado, só que por outro motivo.
TORTURA
Comentários: agora prestem atenção. É importante o que vou falar. “Com emprego de
veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura.” Cuidado! Esse crime do código penal não se
confunde com a tortura qualificada pela morte na lei de tortura. O art. 121, § 2º, III não
se confunde com o art. 1º, § 3º da Lei 9.455/97. No Código Penal eu tenho tortura como meio
e a morte como um fim doloso. Já na tortura, eu tenho a tortura como um fim e a morte como
resultado culposo. Resultado qualificador culposo. Na verdade, no art. 121, § 2º, III, o crime é
doloso. No art. 1º, § 3º, da Lei de Tortura, eu tenho um crime preterdoloso. Pronto. Você
nunca mais erra. Se o agente, com o seu comportamento, quis a morte e usou a tortura como
meio, art. 121, § 2º, III. Se o agente queria torturar e a morte foi um resultado não querido, a
lei é especial (tortura qualificada pela morte culposa). Então, no seu problema, o que você
tem que perquirir? Se a tortura era meio ou se era fim.
FOGO E EXPLOSIVO

Comentários: nesta hipótese é comum, haja vista o alto potencial destrutivo desse meio
empregado, que o agente cause dano a propriedade alheia ao utilizar fogo ou explosivo. Neste
caso, o crime de dano fica absorvido, já que há menção expressa de subsidiariedade no
artigo 163 do CP.

ASFIXIA
Comentários: impedimento da função respiratória (esganadura, estrangulamento,
enforcamento, sufocação, afogamento, soterramento etc.). Há também a asfixia tóxica que se
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dá por meio de gás asfixiante. Confinamento: a vítima é colocada em um local onde não
consiga respirar (enterrar a vitima viva, por exemplo).

MEIO INSIDIOSO

Comentários: emprego de uma armadilha ou fraude que impede a vítima de perceber que está
ocorrendo um crime (sabotagem do freio do veículo ou do motor do avião).

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: homicídio qualificado pelo meio cruel e reiteração de golpes na vítima. O juiz,
na decisão de pronúncia, só pode fazer o decote (retirada) da qualificadora imputada se
ela for manifestamente improcedente, ou seja, se estiver completamente destituída de
amparo nos elementos cognitivos dos autos. Isso porque o verdadeiro julgador dos
crimes dolosos contra a vida são os jurados. O juiz togado somente deve atuar em casos
excepcionais em que a pretensão estatal estiver claramente destituída de base empírica idônea.
O fato de o agente ter praticado o crime com reiteração de golpes na vítima, ao menos em
princípio e para fins de pronúncia, é circunstância indiciária do “meio cruel”, previsto no art.
121, § 2º, III, do CP. STJ. 6ª Turma. REsp 1.241.987-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 6/2/2014.

Comentários ao julgado acima: o delito de homicídio é previsto, em sua forma simples, no


caput do art. 121 do CP: Homicídio simples: Art. 121. Matar alguém: Pena: reclusão, de seis a
vinte anos. O § 2º traz as hipóteses em que o homicídio é qualificado, ou seja, situações em
que o legislador considerou que a conduta do réu seria mais grave e, por isso, mereceria uma
punição mais rigorosa. Uma das hipóteses de homicídio qualificado ocorre quando o agente
pratica o crime com emprego de meio cruel: Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é
cometido: III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou
cruel, ou de que possa resultar perigo comum; O que é meio cruel? Ocorre quando o agente
pratica o homicídio de uma forma que causa maior sofrimento à vítima, mesmo sendo
possível cometer o crime de um modo menos doloroso. Imagine agora a seguinte
situação: Daniel ceifou a vida de Caio, desferindo 18 facadas em seu tórax. O Ministério
Público denunciou Daniel por homicídio qualificado pelo meio cruel (art. 121, § 2º, III, do
CP). Após a instrução, o juiz pronunciou o acusado, fazendo, no entanto, a desqualificação do
delito. A desqualificação ocorre quando o juiz pronuncia o réu, mas rejeita a qualificadora
imputada. Assim, Daniel foi pronunciado por homicídio simples. A decisão do magistrado foi
correta segundo o STJ? NÃO. O juiz, na decisão de pronúncia, só pode fazer o decote
(retirada) da qualificadora imputada se ela for manifestamente improcedente, ou seja, se

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

estiver completamente destituída de amparo nos elementos cognitivos dos autos. Isso porque
o verdadeiro julgador dos crimes dolosos contra a vida são os jurados. O juiz togado
somente deve atuar em casos excepcionais em que a pretensão estatal estiver claramente
destituída de base empírica idônea. O fato de o agente ter praticado o crime com
reiteração de golpes na vítima, ao menos em princípio e para fins de pronúncia, é
circunstância indiciária do “meio cruel”, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP. Assim, o
argumento do Ministério Público de que a reiteração de golpes na vítima constitui
qualificadora de meio cruel não é manifestamente improcedente a ponto de autorizar a sua
exclusão pelo juiz da pronúncia, sob pena de usurpação da competência constitucionalmente
atribuída ao Tribunal do Júri.

POSSA PROVOCAR PERIGO COMUM

Comentários: Além da vítima a conduta do agente causa risco a um número elevado e


indeterminado de pessoas (inundação, desabamento ou disparo contra multidão). A doutrina
diz que a mera possibilidade de risco já qualifica o crime, dispensando o risco concreto.
Por exemplo, agente que corta a energia da UTI para matar paciente, ignorando que o hospital
está vazio (exemplo de Damasio). Se utilizar fogo e explosivo e com isso causar perigo
comum, não se aplica esta qualificadora, já que há qualificadora específica para este caso.
Quanto ao concurso de crimes formaram-se duas correntes:

a. 1º Corrente: entende que o agente responde em concurso com crime de perigo


comum (art. 250 e seguintes do CP).

b. 2º Corrente: defende que não se aplica o concurso, pois neste caso haveria bis in iden.

MODO SURPRESA (ART. 121, § 2º, IV)


§ 2º - Se o homicídio é cometido: IV - à traição, de emboscada, ou
mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne
impossível a defesa do ofendido;
Análise do tipo: pergunto: qual o recurso de que se vale o legislador no inciso IV? Também
interpretação analógica. Ele dá exemplo de recursos que tornam impossível ou mais difícil a
defesa do ofendido e termina de maneira genérica, permitindo ao juiz encontrar outros casos.
Os incisos I, III e IV trabalham com interpretação analógica: “juiz encontre outros casos que
com esses se aproximam.”
Traição: o agente se aproveita de uma prévia confiança (já existente) que a vítima nele
deposita (esposa em relação ao marido, pai em relação ao filho). Se não houver confiança
prévia passa a ser dissimulação. É uma qualificadora objetiva que surge no modo como o
crime é executado e não com base na situação que gera confiança.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Emboscada: agente aguarda a passagem da vítima em determinado local (assassinato do


presidente Kennedy). A palavra emboscada vem de esperar no bosque.

Dissimulação recurso que engana a vítima e permite a aproximação do agente para realizar a
conduta. Pode ser material (disfarce) moral (simula amizade ou admiração). Neste caso,
podemos citar como exemplo o conhecido caso do maníaco do parque. Neste inciso
dispensa-se a confiança prévia da vítima.

Qualquer outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima

Comentários: neste caso usa-se uma forma genérica que permite interpretação analógica (tiro
pelas costas, pessoa dormindo, em coma, presa, linchamentos), ou seja, quando a conduta
não se encaixa nas hipóteses anteriores deste inciso.

Caiu em prova: MP/MG: A premeditação qualifica o crime? Homicídio premeditado é


qualificado? “A premeditação não constitui circunstância qualificadora do homicídio.
Muitas vezes, significa resistência prática delituosa (deve ser considerada pelo juiz na
fixação da pena-base).” Cuidado! Homicídio premeditado não é qualificado. A premeditação,
por si só, não gera qualificadora.
Caiu em prova II: MP/MG e Magistratura/PR (caiu em um seguido do outro): vocês acham
que a idade da vítima pode qualificar o crime nos termos do inciso IV? Vamos imaginar uma
vítima de idade avançada. É algo que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido?
Ainda que seja uma baita de uma idosa. Ou jogar uma menina de 06 anos do 10º andar do
edifício. O inciso IV fala de “outro recurso”. Recurso é o que o agente utiliza. Idade não é
recurso. Não é algo de que ele se valha. “A idade da vítima, por si só, não possibilita a
aplicação da qualificadora do inciso IV, porquanto constitui característica do ofendido, e
não recurso procurado pelo agente.” Esta foi exatamente a resposta do MP/MG seguindo
jurisprudência majoritária. Mãe espancou o seu filho de 05 anos até a morte. O que importa é
o seguinte: no júri o promotor defendeu essa tese. Com 05 anos, como ela ia se defender? O
fato é que o tribunal reformou: “o fato de ela ter 05 anos de idade não pode qualificar o
crime”.
FIM ESPECIAL (ART. 121, § 2º, V)
§ 2º - Se o homicídio é cometido:
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime.
Homicídio por Conexão: é a última qualificadora. Aqui, eu tenho o homicídio ligado a outro
crime. Ou anterior ou posterior. Por isso o inciso V traz o que chamamos de conexão. Traz
duas espécies de conexão:

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

1. Conexão teleológica – Aqui, o agente mata para assegurar a execução de outro crime
futuro (detalhe importante).
2. Conexão conseqüencial – Na conexão conseqüencial, o agente mata para assegurar a
impunidade, vantagem ou ocultação de outro crime, sendo que este outro crime, na
conexão conseqüencial é um crime passado, pretérito.
Observação: então, você matou, pensando no crime de amanhã, conexão teleológica. Você
matou, pensando no crime de ontem, conexão conseqüencial.
Exemplo: olha o exemplo: matei o segurança da Debora Secco para estuprá-la. Eu dou esse
exemplo desde 1999. Extremamente atualizado. Eu matei para assegurar a execução de um
crime futuro. Conexão teleológica. Agora, eu matei uma pessoa que me reconheceu como
estuprador da Debora Secco. Matei para assegurar e impunidade ou ocultação de um crime
passado.
Conexão temporal? Isso caiu no MP/MG. A conexão temporal, também conhecida como
conexão ocasional, gera qualificadora? Neste caso, o agente mata por ocasião de outro
crime, sem vínculo finalístico. Qualifica o crime? Não. A conexão ocasional não está
abrangida pelo § 2º. Cuidado! Ele só se refere à conexão teleológica e conseqüencial. Tem
que ter um vínculo finalístico entre o crime e o homicídio, seja esse crime passado ou futuro.
Caiu em prova: olha o que vou perguntar agora: na conexão teleológica, mata-se para
assegurar a execução de outro crime. Na conseqüencial, a gente mata para assegurar
impunidade, vantagem ou ocultação de outro crime. Esse outro crime tem que ter sido
praticado pelo próprio agente ou pode ter sido praticado por outra pessoa? Entenderam a
pergunta? Eu mato para assegurar a execução de outro crime a ser cometido pelo meu
irmão. Incide a qualificadora? Ou o agente do homicídio tem que ser o próprio agente
do crime futuro e pretérito. Pessoal, não precisa haver coincidência de agentes. Esse
outro crime não precisa ter sido praticado pelo homicida. Pode ter sido praticado por outra
pessoa. Então, não se exige coincidência de sujeitos ativos.
Caiu em prova II: na conexão teleológica o agente mata para assegurar a execução de outro
crime. Pergunto: para incidir a qualificadora tem que ocorrer esse outro crime ou não? Eu
matei o segurança da Debora Secco para estuprá-la. Eu não estuprei. Vai incidir a
qualificadora mesmo assim? Sim. Basta matar com esta finalidade. Ocorrendo outro crime,
haverá concurso de delitos. Ocorrendo ou não o outro crime, haverá concurso de delitos.
Caiu em prova III: se o homicida agiu para assegurar a ocultação de uma contravenção
penal? Incide essa qualificadora? Analogia in malam partem. Agora, cuidado com a resposta.
Se eu matei para assegurar a impunidade de uma contravenção penal, não é o homicídio dessa
qualificadora porque ela fala em crime. Querer abranger contravenção é analogia in malam

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

partem. Porém, não estou dizendo que o crime será de homicídio simples. Pode ser uma
hipótese de futilidade ou mesmo torpeza. Então, qualificado pelo inciso V não pode porque
fala em crime e não abrange contravenção. Mas pode ser que esse homicídio não seja simples,
pode ser que esteja qualificado pela torpeza ou pela futilidade. Ou torpeza ou futilidade.
Parágrafo 6º do artigo 121: a pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime
for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por
grupo de extermínio. Tal parágrafo foi inserido pela 12.720/2012.
Observações: o que vem a ser grupo de extermínio já que a lei dispõe: “Praticado em atividade
típica de grupo de extermínio (chacina)”. Esse dispositivo é extremamente criticado. Primeiro
porque, o que significa atividade de extermínio? Reparem que é um conceito extremamente
poroso. Atividade de extermínio, a doutrina acaba dizendo: É a famosa chacina.
Caiu em prova (MP/SP 2013): quantas pessoas devem integrar este grupo? Atividade típica
de grupo de extermínio. Reparem que o legislador fala em 'grupo ainda que praticado por um
só agente'. O Brasil tem grupo de uma pessoa só? Não. Na verdade, ele está querendo dizer,
'ainda que o crime seja cometido por uma só pessoa daquele grupo'. Então, tem que haver
um grupo. Quantas pessoas formam um grupo? Duas formam um grupo ou formam um par?
1ª Corrente: Grupo não se confunde com par. Par precisa da presença de duas
pessoas. Grupo também não se confunde com bando. Bando precisa de quatro (art. 288 do CP,
parcialmente modificado em 2013). Grupo precisa de três. Essa é a primeira corrente.
2ª Corrente: Diz que concorda que grupo não sem confunde com par, mas essa
expressão grupo precisa de um tipo penal próximo e o tipo penal mais próximo e o tipo penal
mais próximo de grupo é o bando. Se bando precisa de quatro, também o grupo precisa de
quatro. A interpretação tem que ser feita de acordo com o que existe e o que existe mais
próximo do grupo criminoso é o bando criminoso (não existe mais a definição de bando e sim
de associação que exige apenas três elementos). E se são quatro para formar um bando, serão
quatro para formar um grupo. Por causa de uma pessoa só, mas vejam que uma pessoa só pode
diferenciar o crime de hediondo para não hediondo. Prevalece a primeira corrente!
Observação: uma coisa é certa: Este homicídio é hediondo, mesmo que simples. Ele não
precisa ser qualificado. Vejam que o homicídio simples pode ser hediondo quando
praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Esse homicídio é hediondo, ainda
que simples. Se te perguntarem: o homicídio simples é hediondo? Pode ser, desde que
praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Como chama esse homicídio simples
que depende desta condição (ser praticado por grupo de extermínio) para ser hediondo?

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Homicídio condicionado: Já caiu isso em concurso: MP/PR. O que é homicídio


condicionado? É o homicídio simples, hediondo porque praticado em atividade típica de
grupo de extermínio.
Caiu em prova IV: por fim, eu pergunto: vocês acham possível no mesmo fato coexistirem
várias qualificadoras, que é o que o William Bonner, o Ratinho, O Datena ou sua vizinha
chamam de homicídio duplamente ou triplamente qualificado? Vocês acham que existe isso?
Não existe. Não existe isso de duplamente ou triplamente qualificado. Ou o homicídio é
simples ou ele é qualificado. O que pode acontecer é de ele ser qualificado por várias
circunstâncias. Vamos supor que ele praticou um crime por motivo torpe e meio cruel. É
possível ou não? Perfeitamente possível a coexistência dessas duas qualificadoras?
Perfeitamente possível. E aí, o que o juiz faz? Ele vai usar, por exemplo, o inciso I como
qualificadora. A partir desse momento, o inciso III não precisa mais qualificar porque o crime
já está qualificado. O crime do inciso III morre? Não!
1ª Corrente – Diz que a circunstância do inciso III tem que ser usada na fixação da
pena-base como circunstancia judicial desfavorável.
2ª Corrente – Diz que essa outra circunstância deve servir como agravante, pois
todas estão previstas também no art. 61.
Observação: eu, até algum tempo afirmava com toda convicção: a primeira corrente é do
Supremo. Mas recentemente o STF e o STJ adotaram a segunda corrente. Não digo que
mudou de posição, mas há julgados recentes dizendo que a circunstância não utilizada deve
servir como agravante.
É POSSÍVEL HOMICÍDIO QUALIFICADO PRIVILEGIADO?
Comentários: sim. Quando? Isso já foi pergunta para defensor público no TO, no ES,
magistratura/SP.
O § 1º traz as privilegiadoras:
1. Motivo de relevante valor social,
2. Motivo de relevante valor moral e a
3. Emoção.
O § 2º traz qualificadoras e prevê cinco qualificadoras:
1. Motivo torpe – subjetiva (ligada ao motivo)
2. Motivo fútil – subjetiva (ligada ao motivo)
3. Meio cruel – objetiva (ligada ao modo de execução)
4. Modo surpresa – objetiva (ligada ao modo de execução)
5. Fim especial (conexão) – subjetiva (ligada ao motivo)

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Vimos que o que está grifado é objetivo e o resto é subjetivo. E vocês vão aplicar a lei da
física que diz que os iguais se repelem. Os opostos se atraem. Então, só é possível homicídio
qualificado privilegiado se a qualificadora for de natureza objetiva. Qualificadora de
natureza subjetiva não coexiste com privilégio.
Conclusão: professor, você está me dizendo que eu nunca terei um privilégio com
qualificadora subjetiva (nunca! Você só terá privilégio convivendo com qualificadora
objetiva). Então, por que quando eu tenho privilégio subjetivo e eu tenho qualificadora
subjetiva desaparece a qualificadora subjetiva e não desaparece o privilégio? Por que
prepondera o privilégio sobre a qualificadora, já que os dois não podem conviver? “Sendo
assim, que desapareça o privilégio e fique a qualificadora.” Eu já expliquei isso. É que os
jurados respondem primeiro o privilégio. A partir do momento que os jurados
reconhecem o privilégio, está prejudicada a quesitação da qualificadora subjetiva. A
partir do momento em que o jurado reconheceu o privilégio, o juiz já julga prejudicado
qualquer quesito referente à qualificadora subjetiva. Então, o privilégio prepondera, não
porque é mais importante, mas porque ele é reconhecido em primeiro lugar.
Esse homicídio qualificado privilegiado continua hediondo?
1ª Corrente: o homicídio qualificado privilegiado permanece hediondo, pois a lei
8.072/90 não excepciona esta figura.
2ª Corrente: o homicídio qualificado privilegiado deixa de ser hediondo, pois o
privilégio prepondera sobre a qualificadora. STF e STJ (é pra usar essa corrente
em prova).
Observação: como é que a segunda corrente chegou à conclusão de que o privilégio
prepondera sobre a qualificadora? Qual foi o contorcionismo que fez a segunda corrente para
chegar nessa conclusão? Eu já falei sobre isso. Essa segunda corrente trabalha fazendo
uma analogia in bonam partem com o art. 67, do CP, que vocês já conhecem.
Concurso de Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite
indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos
motivos determinantes do crime (ou seja, as circunstâncias subjetivas), da
personalidade do agente e da reincidência.
Eu vou explicar como ela faz essa analogia. O art. 67, do Código Penal trabalha com
agravantes e atenuantes. E diz: prepondera a agravante subjetiva. Vamos fazer uma analogia:
ao invés de agravantes, vamos colocar qualificadora. Ao invés de atenuantes, vamos colocar
privilégios. E se diz que prepondera a subjetiva é porque prepondera o privilégio, que é
o único subjetivo. A qualificadora, nesse caso, tem que ser objetiva, senão não existe
coexistência. Então é uma analogia in bonam partem. Se o homicídio é qualificado e
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

privilegiado é porque a qualificadora é, necessariamente, objetiva. O privilégio é sempre


subjetivo. Se o art. 67 está dizendo que prepondera o que é subjetivo, prepondera o privilégio.
Conclusão: considerando que a lei de crimes hediondos dispõe que somente o homicídio
qualificado é hediondo surge o questionamento: o homicídio qualificado-privilegiado é
hediondo? Damásio diz que NÃO fundamentando sua posição no artigo 67 do CP que diz que
no concurso entre agravantes e atenuantes prevalece as de caráter subjetivo. Outra corrente
afirma que SIM ao afastar o artigo 67 por entender que qualificadora e privilégio são
aplicados em momentos distintos da pena, não são da mesma espécie como a agravante e
a atenuante.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

HOMICÍDIO CULPOSO – Art. 121, § 3º


Homicídio Culposo
§ 3º - Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos.

Conceito: Ocorre o homicídio culposo quando o agente, com manifesta imprudência,


negligencia e imperícia, deixa de empregar a atenção ou diligência de que era capaz,
provocando o resultado morte, previsto (culpa consciente) ou previsível (culpa
inconsciente), jamais querido ou aceito.
Observação: reparem que nesse conceito eu já estou mostrando para o examinador que eu sei
que existe uma culpa, chamada culpa consciente (culpa com previsão), e sei que existe uma
culpa chamada culpa inconsciente (culpa sem previsão, mas com previsibilidade). Mas seja
uma, seja outra, jamais o resultado morte é querido ou aceito na hipótese de dolo direto ou
eventual.
Violação do dever de cuidado: negligencia, imprudência e imperícia são hipóteses de
violação do dever de cuidado. Eu vou explicar isso bem rápido (é matéria da parte geral).
Vocês sabem que há três formas de violação do dever de cuidado:
a) Negligencia – Ausência de cautela.
b) Imprudência - Afoiteza
c) Imperícia – Falta de aptidão técnica para o exercício de arte, ofício ou profissão.
Culpa concorrente da vítima: a culpa concorrente da vítima não isenta o agente de
responsabilidade. O direito penal não trabalha com compensação de culpas. Porém a culpa
concorrente da vítima pode atenuar a responsabilidade do agente, nos termos do art. 59, do
CP:
Artigo 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime:
Observação: isso é muito comum em processo por crime culposo o agente querer colocar
também a culpa na vítima. Se ela teve culpa concorrente, não vai elidir a sua
responsabilidade. Pode atenuar. Diferente se a culpa é exclusiva da vítima. Aí não tem culpa,
óbvio.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Homicídio culposo na direção de veículo automotor


Análise do tipo: homicídio culposo na direção de veículo automotor não se ajusta mais ao
art. 121, § 3º. Agora é o art. 302, do CTB. Isso é de 1997.

CTB - Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:


Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Exemplos: eu aplico o CTB se o agente estiver na direção do veículo automotor. Não basta o
veículo ser o instrumento do crime. Ele tem que estar dando direção ao veículo, mesmo que
motor esteja desligado. Eu peguei um caso de um rapaz que empurrava o seu carro, porque
acabou a gasolina. Depois ele viu que tinha uma ladeira e o carro deslizou e matou uma
pessoa. Ele respondeu pelo CTB, porque estava dando movimento e direção ao carro,
mesmo com o motor desligado. Outro caso que o delegado colocou no CTB: a pessoa
colocou o carro na ladeira, não acionou corretamente o freio de mão, voltou da padaria, não
encontrou o carro. O carro parou na cabeça de um mendigo que morreu. O delegado indiciou
no art. 302, do CTB. Está certo? Não! Ele não estava dando direção ao carro. Ele mal
acionou o freio de mão. É o art. 121, do Código Penal.
Observação: olha por que é importante fazer essa diferença. O art. 121, § 3º, do Código Penal
(homicídio culposo) tem uma pena que varia de 01 a 03 anos. Reparem que permite até
suspensão condicional do processo. Agora, o art. 302, do CTB que pune igualmente o
homicídio culposo, porém na direção de veículo automotor, tem uma pena que varia de 02 a
04 anos. Não admite mais suspensão condicional do processo. O delegado, quando falou que
aquele senhor que mal acionou o freio de mão praticou o art. 302 estava retirando a
possibilidade de suspensão condicional do processo. Por isso, corrige-se no momento do
oferecimento da denúncia. Agora, pergunto: dois crimes idênticos, com o mesmo resultado,
justificam uma pena mais severa no CTB? Isso é inconstitucional ou não é? Tem uma
minoria que defende a inconstitucionalidade por falta de proporcionalidade. Para essa
minoria, que diz que as penas são proporcionais, o desvalor do resultado no Código Penal tem
o mesmo desvalor do CTB. O desvalor do resultado é o mesmo. Sendo assim, por que tem
conseqüências tão diferentes? Logo, inconstitucional, fere o princípio da proporcionalidade.
Se você olhar o crime só sob esta ótica, você vai concordar com isso. Mas não é a ótica
correta porque o crime não é constituído só de resultado. Antes de ter resultado, ele tem
conduta. Se você olhar o desvalor da conduta, logo perceberá que o desvalor da conduta é
diferente. A conduta é muito mais perigosa no transito do que fora dele, merecendo uma pena
menor. A conduta é potencialmente mais lesiva do que fora do transito. Assim, o que justifica
a diferença de pena não é o desvalor do resultado, mas o desvalor da conduta. E isso é o que
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

prevalece. Se você olhar só o desvalor do resultado, vai ser obrigado a concordar com a
inconstitucionalidade por falta de proporcionalidade. Se você se lembrar do desvalor da
conduta, encontra a razão para a diferença de penas.
MAJORANTES DO HOMICÍDIO
Análise do tipo: o art. 121, § 4º, tem que ser dividido em duas partes: a primeira parte diz
respeito às majorantes do homicídio culposo, a segunda, do homicídio doloso.
§ 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o
crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício,
ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura
diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em
flagrante.
São quatro majorantes para o homicídio culposo:
INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO, ARTE OU OFÍCIO.
Comentários: isso está lembrando o quê? Imperícia. Qual é a diferença desta majorante para
imperícia? Não se confunde com imperícia porque na imperícia falta a aptidão técnica. Ele
não está preparado ou gabaritado para o ato que vai executar. Nesse parágrafo, ele tem
aptidão técnica, mas não observa. Então, na verdade, estou diante de uma negligência
profissional. É aqui que você inclui o erro médico. O médico domina a técnica. Ele só não
observa aquilo que ele domina. É aqui que entra o erro profissional. Depois de muita
discussão doutrinária, temos dois julgados dos tribunais superiores. E pasmem, decidiram pela
pior das hipóteses: o erro do médico serve como negligência para configurar culpa e o
mesmo erro serve como majorante. Isso é bis in idem. Um ser normal, que não tem
capacidade para o ato, responde por homicídio culposo porque o erro serve para gerar a
negligência. O profissional habilitado para o ato e que comete o erro, além dele já servir para
configurar a negligencia, serve também para gerar o aumento. Será que ele não está sendo
punido duas vezes pelo mesmo erro, em bis in idem? Duas correntes quanto ao homicídio
culposo e erro profissional:
1ª Corrente: Ocorrência do bis in idem (STF: HC 95078, julgado em 10/03/09);
2ª Corrente: Não ocorrência do bis in idem. STJ: HC 63929, julgado em 13/03/07.
Observação: até 2007/2008, o STF e o STJ estavam falando a mesma língua. Em 2009,
Cezar Peluso já discordou. São dois julgados importantes. Ocorre que recentemente o STJ
manteve sua posição:

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: homicídio culposo cometido por médico e causa de aumento do art. 121, § 4º
do CP É possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do
CP no caso de homicídio culposo cometido por médico e decorrente do descumprimento
de regra técnica no exercício da profissão. Nessa situação, não há que se falar em bis in
idem. Processo STJ. 5ª Turma. HC 181.847-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. para
acórdão Min. Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR), julgado em 4/4/2013.

Comentários ao julgado acima: imagine a seguinte situação hipotética (adaptada em


relação ao caso concreto): Dr. M, médico, estava realizando uma cirurgia, no entanto, agiu
com desídia (negligência) ao deixar de observar um procedimento médico indispensável ao
caso. Em virtude disso, o paciente veio a óbito. Acusação: Dr. M foi denunciado pela prática
de homicídio culposo (§ 3º do art. 121 do CP), tendo o Ministério Público imputado
também uma causa de aumento prevista no § 4º do art. 121: Homicídio culposo § 3º Se o
homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicídio
culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra
técnica de profissão, arte ou ofício. Defesa: a defesa argumentou que não se pode utilizar
a alegação de que o médico foi negligente para enquadrar sua conduta como homicídio
culposo (art. 121, § 3º) e valer-se da mesma alegação (negligência) para dizer que ele não
observou regra técnica de profissão, aplicando a causa de aumento do § 4º. Para a
defesa, houve bis in idem, tendo em vista que um mesmo fato (“deixar de observar
determinado procedimento médico”) foi utilizado para enquadrar a conduta como
homicídio culposo e também para fazer incidir a causa de aumento. Em um caso análogo
a este, o que decidiu o STJ? A 5ª Turma do STJ, por maioria, decidiu que é possível a
aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP no caso de homicídio
culposo cometido por médico e decorrente do descumprimento de regra técnica no exercício
da profissão. Nessa situação, não há que se falar em bis in idem. Isso porque o legislador, ao
estabelecer a circunstância especial de aumento de pena prevista no referido dispositivo legal,
pretendeu reconhecer maior reprovabilidade à conduta do profissional que, EMBORA
TENHA O NECESSÁRIO CONHECIMENTO PARA O EXERCÍCIO DE SUA
OCUPAÇÃO, não o utilize adequadamente, produzindo o evento criminoso de forma
culposa, sem a devida observância das regras técnicas de sua profissão. De fato, caso se
entendesse caracterizado o bis in idem na situação, ter-se-ia que concluir que essa majorante
somente poderia ser aplicada se o agente, ao cometer a infração, incidisse em pelo menos duas
ações ou omissões imprudentes ou negligentes, uma para configurar a culpa e a outra para a

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

majorante, o que não seria condizente com a pretensão legal. Portanto, resumindo as duas
teses do acórdão:

1º Tese (Acusação): Dr. M foi denunciado pela prática de homicídio culposo (§ 3º do


art. 121 do CP), tendo o Ministério Público imputado também a causa de aumento prevista
no § 4º do art. 121: Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de
um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3
(um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou
ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as
conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.
2º Tese: (Defesa) A defesa argumentou que não se pode utilizar a alegação de que o
médico foi negligente para enquadrar sua conduta como homicídio culposo (art. 121, § 3º) e
valer-se da mesma alegação (negligência) para dizer que ele não observou regra técnica de
profissão, aplicando a causa de aumento do § 4º. Para a defesa, houve bis in idem, tendo em
vista que um mesmo fato (“deixar de observar determinado procedimento médico”) foi
utilizado para enquadrar a conduta como homicídio culposo e também para fazer incidir a
causa de aumento. O que decidiu o STJ? A 5ª Turma do STJ, por maioria, decidiu que é
possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP no
caso de homicídio culposo cometido por médico e decorrente do descumprimento de regra
técnica no exercício da profissão. Nessa situação, não há que se falar em bis in idem. Isso
porque o legislador, ao estabelecer a circunstância especial de aumento de pena
prevista no referido dispositivo legal, pretendeu reconhecer maior reprovabilidade à
conduta do profissional que, embora tenha o necessário conhecimento para o exercício
de sua ocupação, não o utilize adequadamente, produzindo o evento criminoso de
forma culposa, sem a devida observância das regras técnicas de sua profissão. De fato,
caso se entendesse caracterizado o bis in idem na situação, ter-se-ia que concluir que essa
majorante somente poderia ser aplicada se o agente, ao cometer a infração, incidisse em pelo
menos duas ações ou omissões imprudentes ou negligentes, uma para configurar a culpa e a
outra para a majorante, o que não seria condizente com a pretensão legal. Vai prestar
defensoria pública? Primeira corrente. Vai prestar MP? Segunda corrente.
OMISSÃO DE SOCORRO
ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima
Comentários: repare que no homicídio culposo a omissão de socorro não configura o art.
135. Só gera o aumento para evitar bis in idem, naturalmente. Então, é o crime culposo
majorado por omissão dolosa. Preste atenção nos dois detalhes:

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

• Não incide o aumento quando a vítima é imediatamente socorrida por


terceiros. Se terceiros se antecipam ao agente e socorre a vítima, é claro que o
agente não vai responder pelo crime. Se ele disparou culposamente a arma, não
vai responder pelo crime.
• Também não incide (salvo no CTB) o aumento no caso de morte instantânea.
Por quê? É hipótese de socorre inviável. Vai socorrer o quê?
Observação: nenhuma dessas duas hipóteses autoriza a fazer o seguinte: vamos imaginar que
você atropelou alguém, saiu do carro e disse: “nossa, que estrago!” A pessoa está viva, mas
você acha que não vai durar, e só reza por ele. Se você não socorreu porque ia ser inócuo, se
você acha que é perda de tempo, responde pelo crime com a pena majorada. Anote aí: “Se o
autor do crime, apesar de reunir condições de socorrer a vítima (ainda com vida), não o
faz, concluindo pela inutilidade da ajuda, sofrerá o aumento (STF).”
AGENTE NÃO PROCURA DIMINUIR AS CONSEQÜÊNCIAS DO SEU ATO
não procura diminuir as consequências do seu ato,
Comentários: reparem como houve uma redundância. Se ele omite socorro, é porque ele não
procurou diminuir as conseqüências do seu ato. Fragoso já diz isso: redundância. Eu não vou
nem perder tempo com isso.
Foge para evitar o flagrante: por que o legislador resolveu majorar a pena quando o agente
foge para evitar o flagrante? Porque o agente demonstra insensibilidade de espírito e moral e
prejudica as investigações. Melhor ficar ali no flagrante cuidando do calor dos
acontecimentos. A maioria da doutrina entende perfeitamente aplicável. Eu, particularmente,
acho que fere algumas garantias constitucionais, como a de não produzir prova contra si
mesmo. Você, ao majorar a pena porque o agente está prejudicando a investigação, você está
obrigando o sujeito a produzir prova contra si mesmo. É o que a AGU não percebeu quando
mandou aquele esplêndido parecer ao afirmar que não participar do bafômetro é
desobediência. Tem cabimento isso? Se cair, para AGU, não soprar o bafômetro é
desobediência. Ela diz que a garantia de não produzir prova contra si não é absoluta. Um
absurdo, isso ficar ao sabor de um parecer da AGU. A Polícia Rodoviária não está dando bola
para esse parecer. Não quer soprar, não sopra. Quem diz que eu tenho que confiar no
bafômetro?
MAJORANTE DO HOMICÍDIO DOLOSO – Art. 121, § 4º, in fine
§ 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o
crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício,
ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura
diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em
flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou


maior de 60 (sessenta) anos.
Observação: para incidir a majorante do homicídio doloso, é imprescindível que o homicida
conheça a idade da vítima, sob pena de responsabilidade penal objetiva. Se ele não
conhece, é um erro de tipo que desaparece na majorante.
Caiu em prova: MP/MG: Quando eu dei o tiro, a vítima era menor de 14 anos. Quando
morre, já era maior de 14 anos. Incide o aumento? Ou então, quando dei o tiro, a vítima era
menor de 60 anos e quando morre é maior de 60 anos. Incide o aumento? Eu sublinhei “se o
crime é praticado” e nos termo do art. 4º, do CP, considera-se praticado o crime no momento
da conduta. Então, é no momento da conduta que eu tenho que analisar a idade da
vítima. Se no momento da conduta ela era menor de 14 ou maior de 60, incide o
aumento.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

PERDÃO JUDICIAL
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as
consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária.
Conceito: o que é o perdão judicial (já estudamos isso na parte geral): É o instituto pelo qual
o juiz, não obstante a prática de um fato típico e antijurídico, por um sujeito
comprovadamente culpado, deixa de lhe aplicar a pena nas hipóteses taxativamente
previstas em lei, levando em consideração determinadas circunstâncias que concorrem
para o evento. O Estado perde o interesse de punir. O perdão judicial é causa extintiva da
punibilidade. Está também no art. 107, IX, do CP. Essa causa extintiva da punibilidade,
diferentemente do perdão do ofendido não precisa ser aceito. O perdão do ofendido, vocês
sabem, precisa ser aceito. Ou seja, é uma causa bilateral. Já o perdão judicial não precisa ser
aceito. Dispensa aceitação. Logo, é um ato unilateral. Não é uma faculdade do juiz. É direito
subjetivo do réu. Preenchidos os requisitos, o juiz tem que perdoar.
Natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial:
a. 1ª Corrente: Diz que a natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial é
condenatória.
b. 2ª Corrente: Diz que a natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial é
declaratória extintiva da punibilidade.
Ah, professor essa é uma discussão puramente acadêmica! Isso não importa, não traz
repercussão prática! Mas traz. Se você entende que é condenatória, ela interrompe a
prescrição. Se o promotor não concordar com a decisão do juiz, ele vai recorrer sabendo que
a prescrição foi interrompida. Agora, se você entende que é declaratória extintiva da
punibilidade, não interrompe a prescrição. Significa o quê? Se o promotor não concordar
com o perdão concedido pelo juiz, ele vai recorrer sabendo que a prescrição corre desde o
recebimento da denúncia. Quer dizer, a chance de prescrever é enorme. Se você entende que é
condenatória, serve como título Executivo. Esse perdão judicial pode ser executado no cível.
Se você entende que é meramente declaratória extintiva, não serve como título executivo.
Precisa do processo de conhecimento. Capez encontra uma terceira repercussão prática. Qual
é? Ele diz o seguinte: se você entende que é condenatória, depende do devido processo
legal. Se você entende que é declaratória extintiva da punibilidade, cabe na fase de
inquérito policial porque o juiz pode reconhecer a extinção da punibilidade a qualquer
tempo. Você pode arquivar IPL com base no perdão judicial. Você pode rejeitar denúncia
com base no perdão judicial. Vocês concordam com o Capez? Vocês já anotaram uma
expressão que demonstra que essa tese do Capez não pode prevalecer. Sim, porque perdão

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

judicial reconhece culpa. Como reconhece culpa, sempre depende do devido processo
legal, seja condenatória, seja declaratória extintiva da punibilidade. É só vocês pensarem
no que estamos falando: perdão! Você só perdoa quem tem culpa. Como é que você pode
perdoar alguém dizendo que ele tem culpa na fase de inquérito e não dando a oportunidade
dele tentar fazer valer a sua inocência? Qual das duas correntes prevalece? A segunda
corrente. É a Sumula 18, do STJ:
STJ Súmula nº 18 – DJ 28.11.1990 – A sentença concessiva do perdão judicial é
declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito
condenatório.
Caiu em prova: cabe perdão judicial para homicídio culposo (perdão judicial só cabe em
crime culposo!) no CTB? Isso é fácil, é só olhar para o que diz o CTB. O art. 300 do CTB
previa o perdão judicial. Olha o que aconteceu com ele: foi vetado. O art. 300, do CTB,
previa o perdão judicial, mas foi vetado. O que dá entender o veto? Que não quer o perdão
judicial. Vocês têm que ler as razões do veto e as razões do veto dizem o seguinte: “esse
artigo é dispensável porque já tem o art. 121, § 5º, do CP.” Erro crasso do Presidente da
República à época porque o perdão judicial só pode ser concedido nas hipóteses
expressamente previstas em lei. É melhor deixar do que fazer o perdão remetido. Conclusão:
É possível o perdão judicial no art. 312, do CTB. Fundamento: razões do veto e também
analogia in bonam partem com o artigo 12 do CP. O Presidente, quando vetou o art. 300,
do CTB ele vetou dizendo que se aplicaria o CP. Em nenhum momento ele não quis o perdão
judicial. Tecnicamente, não foi feliz. Seria melhor ter deixado o art. 300, do CTB. Então,
cuidado! Quem olha e vê que foi vetado, diz que não cabe. Quem vai às razões do veto, diz
que cabe. Essa questão foi objeto da segunda fase do MP/SP em 2013.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

FEMINICÍDIO
Introdução: foi publicada em 10/03/2015 a Lei n.° 13.104/2015, que prevê o FEMINICÍDIO
como qualificadora do crime de homicídio, incluindo-o no rol dos crimes hediondos. Vejamos
algumas impressões iniciais a respeito da novidade legislativa.

O que é feminicídio? Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por


“razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando,
desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo
feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino.

Caiu em prova (oral magistratura RS): existe diferença entre feminicídio e femicídio?

Femicídio: significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher);

Feminicídio: significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de


sexo feminino” (por razões de gênero). A nova Lei trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune
mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por
razões de gênero). Não basta a vítima ser mulher.

Observação: como era a punição do feminicídio? Antes da Lei n.° 13.104/2015, não havia
nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões
da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma
genérica, como sendo homicídio (art. 121 do CP). A depender do caso concreto, o
feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio
qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda,
em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que
não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher
por razões de gênero. A Lei n.° 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu,
expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.

Observação II: a Lei Maria da Penha já não punia isso? NÃO. A Lei Maria da Penha não
traz um rol de crimes em seu texto. Esse não foi seu objetivo. A Lei n.° 11.340/2006 trouxe
regras processuais instituídas para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem
tipificar novas condutas, salvo uma pequena alteração feita no art. 129 do CP. Desse modo, o
chamado feminicídio não era previsto na Lei n.° 11.340/2006, apesar de a Sra. Maria da
Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei, ter sido vítima de feminicídio duas vezes
(tentado). Vale ressaltar que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha poderão ser
aplicadas à vítima do feminicídio (obviamente, desde que na modalidade tentada).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Caiu em Prova (analista MP/SP 2015): onde foi inserido o feminicídio? Foi acrescentado o
inciso VI ao § 2º do art. 121 do CP O rol de qualificadoras do homicídio encontra-se
previsto no § 2º do art. 121 do CP. A Lei n.° 13.104/2015 acrescentou um sexto inciso ao rol
do § 2º para tratar do feminicídio. Confira:

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

(...)

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa (trata-se de crime comum). O sujeito ativo do
feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher.

Sujeito passivo: obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta,
idosa, desde que do sexo feminino).

Questões de concurso: mulher que mata sua companheira homoafetiva? Pode haver
feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino. Homem que mata seu
companheiro homoafetivo? Não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo
feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio.

Transexual, homossexual e travesti. Diferenças:

Transexual: é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das


características psíquicas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a transexualiade é um
transtorno de identidade de gênero. A identidade de gênero é o gênero como a pessoa se
enxerga (como homem ou mulher). Assim, em simples palavras, o transexual tem uma
identidade de gênero (sexo psicológico) diferente do sexo físico, o que lhe causa intenso
sofrimento. Existem algumas formas de acompanhamento médico oferecidas ao transexual,
dentre elas a cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização), que pode ocorrer tanto para
redesignação do sexo masculino em feminino, como o inverso. A cirurgia para a
transformação do sexo masculino em feminino é chamada de “neocolpovulvoplastia” e
consiste, na maioria dos casos, na retirada dos testículos e a construção de uma vagina
(neovagina), utilizando-se a pele do pênis ou de parte da mucosa do intestino grosso. O
Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1652/2002-CFM regulamentando os
requisitos e protocolos médicos necessários para a realização da cirurgia de
transgenitalização.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Homossexualidade: importante, ainda, esclarecer que transexual não é o mesmo que


homossexual ou travesti. A definição de cada uma dessas terminologias ainda está em
construção, sendo ponto polêmico, mas em simples palavras, a homossexualidade (não se fala
homossexualismo) está ligada à orientação sexual, ou seja, a pessoa tem atração emocional,
afetiva ou sexual por pessoas do mesmo gênero. O homossexual não possui nenhuma
incongruência de identidade de gênero.

Travestis: a travesti (sempre se utiliza o artigo no feminino), por sua vez, possui
identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, mas, diferentemente dos transexuais, não
deseja realizar a cirurgia de redesignação sexual.

Conclusão: Vítima homossexual (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio,


considerando que o sexo físico continua sendo masculino. Vítima travesti (sexo biológico
masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo
masculino.

Observação: Transexual que realizou cirurgia de transgenitalização (neovagina) pode


ser vítima de feminicídio se já obteve a alteração do registro civil, passando a ser
considerada mulher para todos os fins de direito? NÃO. A transexual, sob o ponto de vista
estritamente genético, continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo após a cirurgia. Não
se discute que a ela devem ser assegurados todos os direitos como mulher, eis que esta é a
expressão de sua personalidade. É assim que ela se sente e, por isso, tem direito, inclusive de
alterar seu nome e documentos, considerando que sua identidade sexual é feminina. Trata-se
de um direito seu fundamental e inquestionável. No entanto, tão fundamental como o direito à
expressão de sua própria sexualidade, é o direito à liberdade e às garantias contra o poder
punitivo do Estado. O legislador tinha a opção de, legitimamente, equiparar a transexual à
vítima do sexo feminino, até porque são plenamente equiparáveis. Porém, não o fez. Não
pode o intérprete, a pretexto de respeitar a livre expressão sexual do transexual, valer-se de
analogia para punir o agente. Enfim, a transexual que realizou a cirurgia e passou a ter
identidade sexual feminina é equiparada à mulher para todos os fins de direito, menos
para agravar a situação do réu. Isso porque, em direito penal, somente se admitem
equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência ao princípio da estrita legalidade. Deve-
se salientar, contudo, que, em sentido contrário, a Professora Alice Bianchini, maior
especialista do Brasil sobre o tema, defende, em palestra disponível no Youtube, que a
transexual que realizou a cirurgia pode sim ser vítima de feminicídio.

Observação II: há inúmeros julgados aplicando a Lei Maria da Penha aos transexuais com
efetivaram alteração no registro de nascimento, contudo, cumpre ressaltar que não se trata da

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

mesma situação explicitada no parágrafo acima, já que a Lei Maria da Penha não é uma lei
penal.

Razões de condição de sexo feminino


Comentários: “Razões de gênero”, essa expressão foi substituída no Congresso. A
expressão escolhida é péssima. A redação é confusa, truncada e não explica nada. No projeto
de lei, a locução prevista para o tipo era: se o homicídio é praticado “contra a mulher por
razões de gênero”. Ocorre que, durante os debates, a bancada de parlamentares evangélicos
pressionou para que a “gênero” da proposta inicial fosse substituída por “sexo
feminino”, com objetivo de afastar a possibilidade de que transexuais fossem abarcados pela
lei. A bancada feminina acabou aceitando a mudança para viabilizar a aprovação do projeto.
Melhor seria se tivesse sido mantida a redação original, que, aliás, é utilizada na Lei Maria da
Penha: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero” (art. 5º) e nas legislações internacionais.

Caiu em prova: mas, afinal, o que são “razões de condição de sexo feminino”? O
legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um
dispositivo para esclarecer o significado dessa expressão.

§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime


envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR (INCISO I)

Comentários: haverá feminicídio quando o homicídio for praticado contra a mulher em


situação de violência doméstica e familiar. Ao afirmar isso, o legislador ampliou bastante o
conceito de feminicídio, já que, pela redação literal do inciso I não seria necessário discutir os
motivos que levaram o autor a cometer o crime. Pela interpretação literal, não seria
indispensável que o delito tivesse relação direta com razões de gênero. Tendo sido praticado
homicídio (consumado ou tentado) contra pessoa do sexo feminino envolvendo violência
doméstica, haveria feminicídio. Ocorre que a interpretação literal e isolada do inciso I não
me parece a melhor. É preciso contextualizar o tema e buscar a interpretação
sistemática, socorrendo-se da definição de “violência doméstica e familiar” encontrada
no art. 5º da Lei n.°° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assim a conceitua:

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio


permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos


que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha


convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Conclusão: desse modo, conclui-se que, mesmo no caso do feminicídio baseado no inciso I do
§ 2º-A do art. 121, será indispensável que o crime envolva motivação baseada no gênero
(“razões de condição de sexo feminino”). Exemplos:

Caso 01: marido que mata a mulher porque acha que ela não tem “direito” de se
separar dele

Caso 02: companheiro que mata sua companheira porque quando ele chegou em casa
o jantar não estava pronto.

Observação: por outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente doméstico ou
familiar e mesmo que tenha a mulher como vítima, não haverá feminicídio se não existir, no
caso concreto, uma motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo
feminino”). Exemplo: duas irmãs, que vivem na mesma casa, disputam a herança do pai
falecido; determinado dia, uma delas invade o quarto da outra e a mata para ficar com a
totalidade dos bens para si; esse crime foi praticado com violência doméstica, já que envolveu
duas pessoas que tinha relação íntima de afeto, mas não será feminicídio porque não foi um
homicídio baseado no gênero sexual (não houve violência de gênero, menosprezo à condição
de mulher), tendo a motivação do delito sido meramente patrimonial.

MENOSPREZO OU DISCRIMINAÇÃO À CONDIÇÃO DE MULHER (INCISO II)

Comentários: para ser enquadrado neste inciso, é necessário que, além de a vítima ser mulher,
fique caracterizado que o crime foi motivado ou está relacionado com o menosprezo ou
discriminação à condição de mulher. Exemplo: funcionário de uma empresa que mata sua
colega de trabalho em virtude de ela ter conseguido a promoção em detrimento dele, já que,
em sua visão, ela, por ser mulher, não estaria capacitada para a função.

Tentado ou consumado: o feminicídio pode ser tentado ou consumado.

35
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Tipo subjetivo: o feminicídio pode ser praticado com dolo direto ou eventual.

Natureza da qualificadora: a qualificadora do feminicídio é de natureza subjetiva, ou seja,


está relacionada com a esfera interna do agente (“razões de condição de sexo feminino”).
Ademais, não se trata de qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o meio ou modo
de execução. Por ser qualificadora subjetiva, em caso de concurso de pessoas, essa
qualificadora NÃO se comunica aos demais coautores ou partícipes, salvo se eles
também tiverem a mesma motivação. Exemplo: João deseja matar sua esposa (Maria) e,
para tanto, contrata o pistoleiro profissional Pedro, que não se importa com os motivos do
mandante, já que seu intuito é apenas lucrar com a execução; João responderá por feminicídio
(art. 121, § 2º, VI) e Pedro por homicídio qualificado mediante paga (art. 121, § 2º, I); a
qualificadora do feminicídio não se estende ao executor, por força do art. 30 do CP:

Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,


salvo quando elementares do crime.

Impossibilidade de feminicídio privilegiado: o § 1º do art. 121 do CP prevê a figura do


homicídio privilegiado nos seguintes termos:

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou


moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Caiu em prova: é possível aplicar o privilégio do § 1º ao feminicídio? É possível que


exista feminicídio privilegiado? NÃO. A jurisprudência até admite a existência de homicídio
privilegiado-qualificado. No entanto, para isso, é necessário que a qualificadora seja de
natureza objetiva. No caso do feminicídio, a qualificadora é subjetiva. Logo, não é possível
que haja feminicídio privilegiado.

Causas de aumento de pena: a Lei n.° 13.104/2015 previu também três causas de aumento de
pena exclusivas para o feminicídio. Veja:

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o


crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 03 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou


com deficiência;

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Inciso I: A pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a vítima
(mulher) estava grávida ou havia apenas 03 meses que ela tinha tido filho (a). A razão de ser
dessa causa de aumento está no fato de que, durante a gravidez ou logo após o parto, a mulher
36
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

encontra-se em um estado físico e psicológico de maior fragilidade e sensibilidade, revelando-


se, assim, mais reprovável a conduta.

Inciso II: a pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a mulher
(vítima) tinha menos de 14 anos, era idosa ou deficiente. A vítima, nesses três casos,
apresenta uma fragilidade (debilidade) maior, de forma que a conduta do agente se revela com
alto grau de covardia. Como o tipo utiliza a expressão “com deficiência”, devemos entendê-la
em sentido amplo, de forma que incidirá a causa de aumento em qualquer das modalidades
de deficiência (física, auditiva, visual, mental ou múltipla). O conceito de deficiência está
previsto no Decreto n.° 3.298/99, sendo definida como “toda perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (art. 3º,
I). No art. 4º são conceituadas as diversas categorias de deficiência (física, auditiva, visual,
mental e múltipla).

Inciso III: A pena imposta ao feminicídio será aumentada se o delito foi praticado na
presença de descendente ou de ascendente da vítima. Aqui a razão do aumento está no intenso
sofrimento que o autor provocou aos descendentes ou ascendentes da vítima que presenciaram
o crime, fato que irá gerar graves transtornos psicológicos. Importante esclarecer algo muito
importante: semanticamente, quando se fala que foi praticado “na presença de alguém”, isso
não significa, necessariamente, que a pessoa que presenciou estava fisicamente no local.
Assim, o tipo não exige a presença física do ascendente ou descendente. Poderá haver esta
causa de aumento mesmo que o ascendente ou descendente não esteja fisicamente no mesmo
ambiente onde ocorre o homicídio. É o caso, por exemplo, em que o filho da vítima presencia,
por meio de webcam, o agente matar sua mãe; ele terá presenciado o crime, mesmo sem estar
fisicamente no local do homicídio. Ascendente: é o pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó e assim
por diante. Descendente: é o filho(a), neto(a), bisneto(a) etc. Atenção: não haverá a causa de
aumento se o crime é praticado na presença de colateral ex: irmão, tio) ou na presença do
cônjuge da vítima.

Observação: dolo: para que incidam tais causas de aumento, o agente deve ter ciência das
situações expostas nos incisos, ou seja, ele precisa saber que a vítima estava grávida, que ela
era menor que 14 anos, que tinha deficiência etc.

Agravantes genéricas: cuidado com o bis in idem: Algumas dessas causas de aumento
especiais são também previstas como agravantes genéricas no art. 61, II, do CP. No caso de
feminicídio, o magistrado deverá aplicar apenas as causas de aumento, não podendo fazer
incidir as agravantes que tenham o mesmo fundamento sob pena de incorrer em bis in idem.

37
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Exemplo: se o feminicídio é praticado contra mulher idosa, o agente responderá pelo art. 121,
§ 2º, VI com a causa de aumento do inciso II do § 7º; não haverá, contudo, a incidência da
agravante do at. 61, II, “h”.

Constitucionalidade: a qualificadora do feminicídio é inconstitucional por violar o


princípio da igualdade? NÃO. O STF enfrentou diversos questionamentos nesse sentido
ao julgar a ADC 19/DF proposta em relação à Lei Maria da Penha (Lei n.°° 11.340/2006)
e na oportunidade decidiu que é possível que haja uma proteção penal maior para o caso
de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero (STF. Plenário. ADC 19/DF,
rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012). Assim, não há violação do princípio constitucional da
igualdade pelo fato de haver uma punição maior no caso de vítima mulher. Na visão da Corte,
a Lei Maria da Penha e, agora, a Lei do Feminicídio, são instrumentos que promovem a
igualdade em seu sentido material. Isso porque, sob o aspecto físico, a mulher é mais
vulnerável que o homem, além de, no contexto histórico, ter sido vítima de submissões,
discriminações e sofrimentos por questões relacionadas ao gênero. Trata-se, dessa forma, de
uma ação afirmativa (discriminação positiva) em favor da mulher. Ademais, a criminalização
especial e mais gravosa do feminicídio é uma tendência mundial, adotada em diversos países
do mundo.

Vigência e irretroatividade: a Lei n.° 13.104/2015 entrou em vigor no dia 10/03/2015, de


forma que se a pessoa, a partir desta data, praticou o crime de homicídio contra mulher por
razões da condição de sexo feminino responderá por feminicídio, ou seja, homicídio
qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP. A Lei n.° 13.104/2015 é mais gravosa e,
por isso, não tem efeitos retroativos, de sorte que, quem cometeu homicídio contra mulher por
razões da condição de sexo feminino até 09/03/2015, não responderá por feminicídio (art.
121, § 2º, VI).

LEI 13.142/2015
Introdução: foi publicada a Lei n.° 13.142/2015 que trata da O homicídio cometido contra
integrantes dos órgãos de segurança pública (ou contra seus familiares) passa a ser
considerado como homicídio qualificado, se o delito tiver relação com a função exercida. A
Lei n.° 13.142/2015 acrescentou o inciso VII ao § 2º do art. 121 do CP prevendo o seguinte:

Art. 121.

Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

(...)

Homicídio qualificado

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

§ 2° Se o homicídio é cometido:

(...)

VII – contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição
Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública,
no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro
ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

REQUISITO 01: VÍTIMA DO CRIME


Comentários: autoridades ou agentes do art. 142 da CF/88. O art. 142 da CF/88 trata sobre
as Forças Armadas (Marinha, Exército ou Aeronáutica). Já as autoridades ou agentes do
artigo 144 da CF/88 são os órgãos que exercem atividades de segurança pública. O caput
desse dispositivo tem a seguinte redação:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é


exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária
federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos
de bombeiros militares.

Observação: e os guardas municipais? Como se vê pela redação do caput do art. 144 da


CF/88, não há menção às guardas municipais. Diante disso, indaga-se: o homicídio
praticado contra um guarda municipal no exercício de suas funções pode ser
considerado qualificado, nos termos do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP? Essa nova
qualificadora aplica-se também para os guardas municipais? SIM. A qualificadora do inciso
VII do § 2º do art. 121 do CP aplica-se em situações envolvendo guardas municipais.
Chega-se a essa conclusão tanto a partir de uma interpretação literal como teleológica.
O inciso VII fala em “autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da
Constituição Federal”. Repare que o legislador não restringiu a aplicação da
qualificadora ao caput do art. 144 da CF/88. As guardas municipais estão descritas no
art. 144, não em seu caput, mas sim no § 8º, que tem a seguinte redação:

Art. 144 (...) § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à


proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Desse modo, a interpretação literal do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP não exclui a sua
incidência no caso de guardas municipais. Vale aqui aplicar o vetusto brocardo jurídico:
“onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”. Ressalte-se que não se trata de
interpretação extensiva ou ampliativa contra o réu. A lei fala no art. 144 da CF/88, sem

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

qualquer restrição ou condicionante. O art. 144 é composto não apenas pelo caput, mas
também por parágrafos. Ao se analisar todo o artigo para cumprir a remissão feita pela lei (e
não apenas o caput) não se está ampliando nada, mas apenas dando estreita obediência à
vontade do legislador. Além disso, há razões de natureza teleológica que justificam essa
interpretação. O objetivo do legislador foi o de proteger os servidores públicos que
desempenham atividades de segurança pública e que, por estarem nessa condição,
encontram-se mais expostos a riscos do que as demais pessoas. Os guardas municipais, por
força de lei que deu concretude ao § 8º do art. 144 da CF/88, estão também incumbidos de
inúmeras atividades relacionadas com a segurança pública. Refiro-me à Lei n.° 13.022/2014
(Estatuto das Guardas Municipais), que prevê, dentre as competências dos guardas
municipais, a sua atuação em prol da segurança pública das cidades (artigos 3º e 4º da Lei).
Vale ressaltar que essa também é a posição de Rogério Sanches em excelente artigo sobre o
tema, cuja leitura recomendo: NOVA LEI 13.142/15: Breves comentários. Disponível em:
http://www.portalcarreirajuridica.com.br/noticias/nova-lei-13-142-15-

Familiares das autoridades, agentes e integrantes dos órgãos de segurança pública.

Comentários: também será qualificado o homicídio praticado contra cônjuge, companheiro ou


parente consanguíneo até 3º grau das autoridades, agentes e integrantes dos órgãos de
segurança pública. Quando se fala em cônjuge ou companheiro, isso inclui, tanto
relacionamentos heteroafetivos como homoafetivos. Assim, matar um companheiro
homoafetivo do policial, em retaliação por sua atuação funcional, é homicídio qualificado, nos
termos do art. 121, § 2º, VII, do CP. A expressão “parentes consanguíneos até 3º grau”
abrange: Ascendentes (pais, avós, bisavós); Descendentes (filhos, netos, bisnetos); Colaterais
até o 3º grau (irmãos, tios e sobrinhos). Não estão abrangidos os parentes por afinidade, ou
seja, aqueles que a pessoa adquire em decorrência do casamento ou união estável, como
cunhado, sogros, genros, noras etc. Assim, se o traficante mata a sogra do Delegado que o
investigou não cometerá o homicídio qualificado do art. 121, § 2º, VII, do CP. A depender do
caso concreto, poderá ser enquadrado como motivo torpe (art. 121, § 2º, I, do CP) ou
conforme a sogra talvez nem crime haja.

Conclusão: resumindo as vítimas que estão abrangidas pela nova qualificadora: O


homicídio será QUALIFICADO se for cometido contra as seguintes vítimas: AUTORIDADE,
AGENTE OU INTEGRANTE da (o) (s): Forças Armadas (Marinha, Exército ou
Aeronáutica); Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal;
Polícias Civis; Polícias Militares; Corpos de Bombeiros Militares; Guardas Municipais;
Sistema Prisional (agentes, diretores de presídio, carcereiro etc.); Força Nacional de

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Segurança Pública. OU CÔNJUGE, COMPANHEIRO ou PARENTE consanguíneo até


3º grau de algumas das pessoas acima listadas.

REQUISITO 02: RELAÇÃO COM A FUNÇÃO


Comentários: não basta que o crime tenha sido cometido contra as pessoas acima listadas. É
indispensável que o homicídio esteja relacionado com a função pública desempenhada pelo
integrante do órgão de segurança pública. Assim, três situações justificam a incidência da
qualificadora: O indivíduo foi vítima do homicídio no exercício da função. Ex: PM que, ao
fazer a ronda no bairro, é executado por um bandido. O indivíduo foi vítima do homicídio em
decorrência de sua função. Ex: Delegado de Polícia é morto pelo bandido como vingança por
ter prendido a quadrilha que ele chefiava. O familiar da autoridade ou agente foi vítima do
homicídio em razão dessa condição de familiar de integrante de um órgão de segurança
pública. Ex: filho de Delegado de Polícia Federal é morto por organização criminosa como
retaliação por ter conduzido operação policial que apreendeu enorme quantidade de droga. De
outro lado, não haverá a qualificadora do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP se o crime foi
praticado contra um agente de segurança pública (ou contra seus familiares), mas este
homicídio não tiver qualquer relação com sua função. Ex: policial civil, em seu período de
folga, está em uma boate e paquera determinada moça que ele não viu estar acompanhada. O
namorado da garota, com ciúmes, saca uma arma e dispara tiro contra o policial. Não haverá a
qualificadora do inciso VII, mas o crime, a depender do conjunto probatório, poderá ser
qualificado com base no motivo fútil (inciso II). Em suma, a novel qualificadora não protege a
pessoa do militar, do policial, do delegado etc. A nova qualificadora tutela a FUNÇÃO
desempenhada por esses indivíduos. Esse é o bem jurídico protegido.

OUTRAS OBSERVAÇÕES
Tentado ou consumado; Incidirá a qualificadora tanto nos casos de homicídio tentado, como
consumado.

Elemento subjetivo: é indispensável que o homicida saiba (tenha consciência) da função


pública desempenhada e queira cometer o crime contra o agente que está em seu exercício
ou em razão dela ou ainda que queira praticar o delito contra o seu familiar em decorrência
dessa atividade. Ex: João, membro de uma organização criminosa, está “jurado de morte” pela
organização criminosa rival e, por isso, anda sempre armado e atento. João não sabia que
estava sendo investigado pela Polícia Federal, inclusive sendo acompanhado por dois agentes
da PF à paisana. Determinado dia, ao perceber que estava sendo seguido, João, pensando se

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

tratar dos membros da organização rival, mata os dois policiais. Não incidirá a qualificadora
do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP porque ele não tinha dolo de matar especificamente os
policiais no exercício de suas funções. A depender do conjunto probatório, João poderá, em
tese, responder por homicídio qualificado com base no motivo torpe (inciso I), desde que não
fique caracterizada a legítima defesa putativa.

Natureza da qualificadora: a qualificadora do inciso VII é de natureza subjetiva, ou seja,


está relacionada com a esfera interna do agente (ele mata a vítima no exercício da função,
em decorrência dela ou em razão da condição de familiar do agente de segurança pública).
Ademais, não se trata de qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o meio ou modo
de execução. Por ser qualificadora subjetiva, em caso de concurso de pessoas, essa
qualificadora não se comunica aos demais coautores ou partícipes, salvo se eles também
tiverem a mesma motivação. Ex: João, por vingança, deseja matar o Delegado que lhe
investigou e, para tanto, contrata o pistoleiro profissional Pedro, que não se importa com os
motivos do mandante, já que seu intuito é apenas lucrar com a execução; João responderá por
homicídio qualificado do art. 121, § 2º, VII e Pedro por homicídio qualificado mediante paga
(art. 121, § 2º, I); a qualificadora do inciso VII não se estende ao executor, por força do art. 30
do CP: Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo
quando elementares do crime.

Impossibilidade do inciso VII ser conjugado com o privilégio do § 1º: O § 1º do art. 121
do CP prevê a figura do homicídio privilegiado nos seguintes termos: § 1º Se o agente comete
o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um
sexto a um terço. A jurisprudência até admite a existência de homicídio privilegiado-
qualificado. No entanto, para isso, é necessário que a qualificadora seja de natureza objetiva.
No caso do novo inciso VII a qualificadora é subjetiva. Logo, não é possível que seja
conjugada com o § 1º.

LESÃO CORPORAL
Comentários: A pena da LESÃO CORPORAL será aumentada de 1/3 a 2/3 se essa lesão tiver
sido praticada contra integrantes dos órgãos de segurança pública (ou contra seus familiares),
desde que o delito tenha relação com a função exercida. A Lei n.° 13.142/2015 acrescentou o
§ 12 ao art. 129 do CP, prevendo o seguinte:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
(...) Aumento de pena (...)

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e
144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa
condição, a pena é aumentada de um a dois terços.
Para quais espécies de lesão corporal se aplica o novo § 12? A causa de aumento prevista
no novo § 12 do art. 129 do CP aplica-se para todas as espécies de lesão corporal
DOLOSA, incluindo: Lesão corporal leve (art. 129, caput); Lesão corporal grave (art. 129, §
1º); Lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º); Lesão corporal seguida de morte (art. 129, §
3º). Fica de fora, portanto, a lesão corporal culposa (art. 129, § 6º do CP).
Valem as mesmas observações sobre o homicídio qualificado: para que incida essa causa
de aumento, serão necessários também dois requisitos:
Requisito 01: lesão corporal contra integrantes dos órgãos de segurança pública ou
contra seus familiares.
Requisito 02: o delito deve ter relação com a função desempenhada.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO
Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o
faça:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão,
de 01 (um) a 03 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de
natureza grave.

Análise do tipo: vocês vão ver cada pergunta que cai em concurso envolvendo o art. 122, que
vocês vão ficar bestas. Para entendermos o art. 122, sabendo que ele pune participação no
suicídio, eu tenho que explicar o que é suicídio. Tem um conceito que, se você lembrar, você
não erra em concurso, porque há muitas perguntas que você resolve com o simples conceito.
Conceito de suicídio – “Eliminação voluntária e direta da própria vida.” Erra em
concurso quem fala em eliminação da própria vida, porque ela tem que ser voluntária. Erra
quem fala em eliminação voluntária porque ela tem que ser também direta. Guardem isso.
Qualificação doutrinária:

a. Comum: praticado por qualquer pessoa.

b. Simples: apenas um Bem Jurídico.

c. Dano: pelo fato de que ocorre lesão (oposto de perigo).

d. De ação livre: pois pode ser executado de qualquer modo (diferente da omissão de
socorro, maus tratos que são crimes de ação vinculada).

e. Instantâneo: pelo fato de consumar-se em momento determinado ou certo não se


prolongando no tempo e Material: alei descreve o resultado e exige a sua ocorrência
para a consumação, no presente caso, consuma-se com a ocorrência do resultado
morte ou lesão grave.

Caiu em prova: olha a pergunta que caiu em concurso. A resposta você encontra em Cezar
Roberto Bittencourt. Olha que importante: qual foi a teoria adotada no Código Penal para
punir o partícipe? Para a punibilidade do partícipe? Nós temos que trabalhar com a bagagem
do Penal Geral. Quando estudamos concurso de pessoas, uma das matérias que eu tratei é que
a punibilidade do partícipe é norteada pela Teoria da Acessoriedade Limitada. Isso
significa que para punir o partícipe, o fato principal tem que ser típico e antijurídico.
Pergunto: suicídio é típico? Nós estamos punindo a participação no suicídio, só que suicídio
não é crime. Quem tentou se matar e não conseguiu, não vai preso. Se não é sequer típico,
como é que eu posso punir aquele que induz, instiga ou auxilia? É que aqui, a participação
não é um mero acessório, mas elementar do tipo. Aqui, os núcleos da participação são

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

elementares do tipo. Significa que o art. 122 não está punindo uma atividade acessória,
mas principal. Ele não está punindo uma participação acessória. Cezar Roberto Bittencourt.
Caiu em concurso: por que punir quem induz alguém a se suicidar, se suicídio não é crime?
Se você não pune o principal, por que punir o acessório? Ele não é acessório. Ele é
principal. A participação aqui é atividade principal.
Sujeito ativo: quem pode participar em suicídio de alguém. O tipo exige alguma qualidade
ou condição especial do agente? Não. O crime é comum. Pode ser praticado por qualquer
pessoa.
Caiu em prova II: MP/MG (2004) – Nessa prova, de dez questões seis envolveram crimes
contra a vida. “A” induz “B” a auxiliar “C” a praticar suicídio. “C” morreu. Que crime pratica
“B”, que auxiliou “C” a se suicidar? O do art. 122, mas não foi essa a pergunta deles. Eles
queriam saber que crime praticou “A”. Uma das alternativas apontava fato atípico. “A” é
partícipe do crime do art. 122. Ele, sim é o partícipe estricto sensu de um ator principal. A
conduta dele é acessória de uma principal. Ele responde nos termos do art. 29, do CP. Ele
vai responder pelo art. 122 também, mas na condição de partícipe. Então, cuidado! O
crime admite concurso de agentes. Em nenhum momento eu quis dizer que não admite.
Quanto ao sujeito ativo, isso é o que tem de mais difícil.
Sujeito passivo: quem pode ser vítima do crime de participação em suicídio? Cuidado com a
resposta porque é qualquer pessoa capaz. Por isso vocês colocaram no conceito “eliminação
voluntária.” Quando eu digo capaz, é capacidade de entendimento. E se eu induzir a
suicidar um incapaz? Qual é o crime? Art. 121. A incapacidade é um instrumento de que se
vale o agente. A incapacidade passa a ser um instrumento de que se vale o agente. Se a vítima
é incapaz, art. 121. A incapacidade passa a ser um instrumento na mão do agente.
Observação importante: A vitima deve ser determinada. Não haverá o crime se a vítima
for indeterminada. Só tem crime se você instiga pessoa certa e determinada a se suicidar. Já
foi objeto de reportagem jornalística no Brasil: um grupo de rock numa de suas músicas,
incentiva ao suicido. Um fã dessa banda coloca a música e se joga da janela. A polícia chega
e vê que o disco estava tocando incessantemente na faixa que induz ao suicídio. A banda
respondeu pelo art. 122? Não. Qual crime praticou a banda? Apologia ao crime? Não, suicídio
não é crime. Nesse caso, é fato atípico. Cuidado que muitos colocam apologia ao crime.
Vítimas incertas e indeterminadas, fato atípico.
Observação: repara que é um crime plurinuclear. Tem três núcleos. Você, na sua denúncia,
obviamente, tem que dizer qual foi o núcleo praticado. Vamos colocar o que significa cada
um deles:
• Induzir – Fazer nascer a idéia mórbida: “você já pensou em se matar?”

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

• Instigar – Reforçar idéia já existente. A pessoa te conta um problema e diz que


está pensando em se matar: “demorou pra tomar essa postura nobre!”.
• Auxiliar – Dar assistência material. Você empresta a corda, o veneno, etc.
Nós temos, nas duas primeiras hipóteses, o que a doutrina chama de participação moral ao e
na última hipótese, participação material.
Caiu em prova III: o sujeito está no alto de um prédio e o povo embaixo: “pula, pula!” É
crime? Sim. É instigar. Vejam que se houver três pessoas lá embaixo, associadas de forma
estável e permanente, pega associação também.
É possível auxílio por omissão?
1ª Corrente: o art. 122 é claro ao falar em “prestar-lhe auxílio”. A expressão indica
somente conduta “ação” e nunca uma omissão. Frederico Marques (já morreu, mas era fera e
é muito respeitado ainda).
2ª Corrente: é perfeitamente possível o auxílio por omissão, desde que o omitente
tenha o dever jurídico de agir. Hipótese de garante ou garantidor. Pai com filho, por exemplo.
Nelson Hungria (maior penalista brasileiro e, para alguns, do mundo, foi o autor do CP e
ministro do STF). É a que prevalece.
Observação: o auxílio deve ser sempre acessório, não podendo intervir diretamente nos atos
executórios.
Caiu em prova IV: MP/MS caiu um exemplo que eu dou desde 2004: a pessoa quer morrer,
você empresta a corda e depois ela pede para você chutar o banquinho. Você emprestou a
corda vai ficar no art. 122. Agora, chutar o banquinho é o art. 121 porque, nesse caso,
você matou. Você interveio nos atos executórios.
Caiu em prova V: você auxilia alguém a se matar. Você ajuda. Essa pessoa começa a sofrer
e se arrepende. Pede para você ajudá-la a viver. E você: “agora não. Não sou palhaço! Você
pediu para morrer, eu te ajudei. Agora morre, ora!” Que crime você pratica? Cuidado. Se
você auxiliou a pessoa a se matar, ela se arrepende e você não a socorre incide o art. 121.
Você passou a ser garantidor também. Todo arrependido que pede auxílio para aquele
que o ajudou, que prestou auxílio, se não prestar socorro, a pessoa responde por
homicídio. Você auxiliou alguém a se suicidar. O suicida se arrepende, você tem que socorrer
sob pena de responder pelo art. 121.
Observação: para finalizar o tipo objetivo, quero fazer um alerta que está no art. 146, § 3º:
Art. 146, § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo (constrangimento
ilegal): II - a coação exercida para impedir suicídio.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Se você trancou um suicida no quarto, você não vai responder por constrangimento ilegal. A
coação exercida para impedir o suicídio não é crime. Esse é só um alerta porque o texto é
autoexplicativo. Não preciso nem perder tempo.
Elemento subjetivo: o crime somente é punido a título de dolo, direto ou eventual. Não se
pune a modalidade culposa.
Caiu em prova VI: que crime comete alguém que deixou veneno de rato perto de um
suicida? Você sabe que ele é suicida e, negligentemente, deixou veneno de rato perto dele.
Por que crime você responder?
1ª Corrente: Homicídio culposo.
2ª Corrente: Fato atípico (no máximo omissão de socorro, a depender do caso).
As perguntas mais importantes vêm agora. São duas. É a parte mais importante do art. 122:

CONSUMAÇÃO
Vamos ao preceito secundário:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos, se da tentativa de
suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Quando que o crime do art. 122 se consuma? São três correntes:

1ª Corrente
Comentários: adotada pela doutrina clássica. Dou como exemplo Nélson Hungria. Para a
doutrina clássica, o núcleo induzir, instigar ou auxiliar, quando praticado, eu já estou diante
da consumação. O crime se consuma com o simples fato de induzir, auxiliar ou instigar.
Porém, a punibilidade fica condicionada à morte, onde a pena de 02 a 06; ou lesão grave,
onde a pena é de 01 a 03. Para essa corrente, os resultados morte ou a lesão grave, na
verdade, configuram condições objetivas de punibilidade. Portanto, olha que importante:
1ª Hipótese: O agente induz e a vítima morre. O que eu tenho para esta corrente?
Artigo 122 consumado e punível.
2ª Hipótese: você induz e a vítima não morre, mas sofre lesão grave. Induziu, já tem o
art. 122 consumado. A vítima sofre lesão grave. Punível. Pena de 01 a 03.
3ª Hipótese: Você induz. A vítima não morre e nem sofre lesão grave. O que você
tem? Você tem o art. 122 consumado. Ela morreu? Não. Sofreu lesão grave? Não. Então, é o
art. 122 consumado, mas não punível. Já caiu isso na OAB: exemplo de crime consumado
não punível. Olha o exemplo clássico! Detalhe: não admite tentativa!

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

2º Corrente
Comentários: adotada pela doutrina moderna (Mirabete). Olha o que Mirabete diz: induzir,
instigar e auxiliar, na verdade, é execução do crime. Já deu para ver a diferença. A morte (02
a 06) e a lesão grave (01 a 03) configuram consumação. Esta corrente discorda da primeira.
Naquilo que a primeira entendia como consumação, como condição objetiva de
punibilidade, para esta corrente é execução. E, realmente, a primeira corrente erra. Por que
jamais a morte ou a lesão grave poderia ser condição objetiva de punibilidade? Por que isso
está errado? Porque ela não pode fazer parte do dolo do agente. E aqui a morte e a lesão
grave fazem parte do dolo do agente. A condição objetiva de punibilidade não é alcançada
pelo dolo do agente. Por exemplo, encerramento da instancia administrativa no caso dos
crimes de sonegação. Isso não faz parte do dolo do agente, mas condiciona a punibilidade.
Como é que você quer colocar a morte e a lesão grave, que fazem parte do dolo do agente,
numa mera condição objetiva de punibilidade? Isso está errado. Correta a doutrina moderna
que etiquetou como consumação. Agora eu vou repetir as três hipóteses e vocês vão me dizer
o que é
1ª Hipótese: O agente induz e a vítima morre. O que eu tenho para a doutrina
moderna? Art. 122 consumado e eu posso dizer punível com pena de 02 a 06 anos. Aqui, por
caminhos diversos, as duas correntes chegaram ao mesmo lugar.
2ª Hipótese: Você induz e a vítima não morre, mas sofre lesão grave. Induziu, já tem o
art. 122 consumado, punível com 01 a 03 anos. Também reparem que, por caminhos diversos,
chegaram ao mesmo resultado.

3ª Hipótese: Você induz. A vítima sofre lesão leve. O que você tem para a doutrina
moderna? Para a clássica, você tem o art. 122 consumado, porém não punível. E para a
doutrina moderna? Fato atípico!

3º Corrente
Comentários: Cezar Roberto Bittencourt – Ele concorda em quase tudo com a doutrina
moderna. Ele também concorda que induzir/instigar/auxiliar configuram execução. Ele
concorda que o resultado morte com pena de 02 a 06 é consumação. Onde ele discorda? Na
lesão grave. Para ele, a lesão grave é tentativa. Para ele, ocorrendo lesão grave, eu estou
diante de tentativa. É uma tentativa punida deforma sui generis, que não precisa do art.
14, II. O legislador já diminuiu a pena. Então, para Cezar Roberto Bittencourt o crime está
sendo executado (induzir, auxiliar ou instigar), realmente, só se consuma com a morte. E se a
vítima sofre lesão grave, é uma tentativa e é uma tentativa punida de forma sui generis.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Conclusão: prevalece a 2º corrente e prevalece MUITO. A doutrina moderna não admite


tentativa. Já caiu isso em concurso. Caiu no MP/SP. O examinador perguntou: “me dê
exemplo de um crime material, plurissubsistente que não admite tentativa.” E não
admite pelo fato: ou a vítima morre ou sofre lesão corporal grave e o crime se consuma
ou nada sofre (lesões leves também tornam o fato atípico) e temos um indiferente penal.
Prevalece: hoje, prevalece a doutrina moderna, inclusive nos concursos. Na primeira fase,
vocês vão ficar com ela. Na prova escrita, tem que colocar todas as correntes.

Causa de aumento de pena (Parágrafo único)


Parágrafo único - A pena é duplicada:

Aumento de pena

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de


resistência.

Comentários: primeira coisa: falou em pena duplicada, o aluno fica em dúvida: eu estou
diante de uma qualificadora, pois, se for qualificadora, será o norte do critério trifásico. Mas
não será uma causa de aumento? Se assim for, eu vou dobrar só na terceira fase, depois que
aplicou as agravantes e as atenuantes, ou seja: você dobra a pena ou você vai dobrar o
preceito secundário (pena em abstrato) e sobre ele aplicar o critério trifásico, ou seja, ao
invés de aplicar o critério trifásico em cima de 02 a 06, vai aplicar em cima de 04 a 12?
Acho que está claro porque o que fala depois dos dois pontos? Aumento de pena. Nós
estamos diante de majorante a ser considerada pelo juiz na terceira fase. Causa de
aumento de pena a ser considerada pelo juiz na terceira fase.
1ª Causa de aumento Se o crime é praticado por motivo egoístico (para satisfazer interesses
pessoais do agente) – Induzir uma pessoa a se matar para ficar com a herança. Estou dando
um exemplo besta.
2ª Causa de aumento – Se a vítima é menor, a pena também é dobrada. Pergunto: o que é
menor? Prevalece (e isso é tranqüilo) que menor é quem ainda não atingiu 18 anos. E para
baixo de 18 anos, há algum limite para a aplicação dessa causa de aumento? Para
variar, duas correntes:

1ª Corrente
Comentários: faz uma analogia com o 217-A. Se a pessoa abaixo de 14 não tem capacidade
para consentir num ato sexual (estupro de vulnerável, art. 217-A), o que dirá no ato que vai
eliminar a própria vida. Então, por essa corrente, induzir um menino de 13 anos a se
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

matar, que crime você pratica? Art. 121. Você fez analogia in malam partem. Você está
aplicando o crime mais grave. Quem adota? Guilherme de Souza Nucci e Luiz Régis Prado.

2ª Corrente
Comentários: diz que vai depender do caso concreto. O menor é aquele absolutamente
incapaz de entendimento. É alguém sem capacidade de entendimento. E o caso concreto dirá.
Vai depender do grau de instrução. “Menor, para efeito do art. 122, § único, é todo aquele
com idade inferior a 18 anos, que não tenha suprimida, por completo, a sua capacidade de
resistência, devendo o juiz analisar o caso concreto.”Essa é adotada por Mirabete e Nélson
Hungria.
Observação: então, vejam que para a segunda corrente, um menino de 13 anos, não
necessariamente é incapaz. Pode ser só um menor. Olha o que vai cair na sua prova: você
induziu uma vítima de 19 anos a se matar. Qual é o crime? Art. 122, caput. E se a vítima tem
17 anos, qual é o crime? Mesma coisa: se não incapaz, art. 122, § único; se incapaz, art. 121.
Vítima tem 13 anos. As três situações possíveis e imagináveis estão aí. Não tem como errar.
3ª Causa de aumento – Se a vítima tem, por qualquer causa, diminuída a sua resistência. Se
estiver eliminada, é o art. 121 (enfermo, ébrio, senil). Mas não está eliminada a capacidade de
resistência.
DUELO AMERICANO, ROLETA RUSSA E PACTO DE MORTE.
Introdução: em continuação do art. 122 vamos analisar o duelo americano, roleta russa e
pacto de morte. São três assuntos que despencam em concurso, principalmente em prova-
teste. Normalmente o examinador dá um exemplo envolvendo uma dessas três práticas e
pergunta qual o crime praticado pelos envolvidos.
Duelo Americano – O examinador em concurso vai perguntar: que crime pratica os
participantes de um duelo americano? Você tem que saber o que é isso. Cuidado! Não fique
pensando que duelo americano é aquela história de um ficar de costas para o outro, dão dez
passos (tem sempre um que dá nove), viram e atiram. Isso não é duelo americano. Isso é
artigo 121. Um matou o outro. O que é o duelo americano, então? É outra brincadeira
saudável também. Temos duas armas: “A” e “B”. Cada um escolhe uma arma e atira contra a
própria cabeça, pois só uma está municiada. Nós temos duas armas, só uma tem munição. Nós
não sabemos qual é. As duas estão em cima da mesa. Na hora que tocar o sino, cada um pega
a arma e cada um atira na sua própria cabeça. Quem ganha é quem sobrevive. O objetivo é
não se apoderar da arma municiada. Quem ganha o jogo responde por qual crime? Art.
122. Ele participou do suicídio daquele que se apoderou da arma municiada. O vencedor
do duelo americano responde pelo art. 122. Ele participou do suicídio daquele seu adversário.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Roleta Russa – Só tem uma arma que tem um tambor e esse tambor está municiado com um
projétil. O que fazemos? Nós rolamos o tambor e atiramos contra própria nossa própria
cabeça. Rola o tambor e passa para o outro. Acaba a brincadeira quando a cabeça explode. O
vencedor na roleta russa também responde pelo art. 122. Ele participou do suicídio do
adversário. Seja duelo americano, seja roleta russa, o vencedor responde pelo art. 122. O que
mais cai em concurso não é nem roleta russa e nem duelo americano. É o pacto de morte.
Pacto de Morte ou Ambicídio – Quando duas pessoas combinam a morte, tem um nome
especial. Em concurso não cai “pacto de morte”, cai ambicídio: duas pessoas combinarem a
própria morte. O examinador perguntou: “o que é ambicídio”. Teve gente que ficou
imaginando crime ambiental. Duas pessoas ou mais combinando a própria morte. Vamos
imaginar um casal de namorados que combinam despedir da vida. Eles resolvem morrer
asfixiados juntos para alcançar o amor eterno. Eles entram no cômodo fechado, ele percebe
que não vai entrar gás se não ligar a torneira. Ele sai para ligar a torneira.
Primeira situação: Ele não morre. Ela morre. Que crime ele, namoradinho
praticou? Art. 121, porque ele praticou atos executórios de homicídio. Apesar de
haver combinado a morte, ele executou a namorada. Ele ligou a torneira. Responde
pelos atos executórios do homicídio. Responde pelo art. 121. Essa é a primeira
situação.
Segunda situação: Ele morre. Ela não morre. E agora? Ela praticou atos
executórios? Não. Ela participou do suicídio dele? Sim. Então, ela responde pelo
art. 122.
Terceira situação: Ninguém morre (é essa que vai cair). Que crime ele pratica?
Ele praticou atos executórios. Tentativa de homicídio. E ela? Cuidado com a
resposta porque depende. Se o namoradinho sofreu lesão grave ela responde pelo
art. 122, com pena de 01 a 03. Se ele sofreu lesão leve, ou se sequer lesão sofreu,
fato atípico.

Forma Omissiva
Comentários: sobre a possibilidade deste crime ser praticado na forma omissiva, para
variar, há duas correntes:

1º Corrente: Damásio e Delmanto entendem que o tipo não comporta a forma


omissiva (quando há dever jurídico de impedir o resultado, como exemplo o caso do
bombeiro que assiste a vítima se atirar de um prédio e nem tenta impedir o ato suicida, para
esta corrente o bombeiro responderia por omissão de socorro). Argumento: os verbos do
tipo são incompatíveis com a forma omissiva.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

2º Corrente: outra corrente defende que sim (majoritária) quando o agente estiver
na posição de garante (comissivo por omissão) de acordo com o artigo 13, parágrafo 2º
do CP. No mesmo exemplo acima, para os adeptos desta corrente o bombeiro responderia
pela instigação ou induzimento ao suicídio.

Participação após o suicídio: não configura o tipo. Pode ser omissão de socorro (vê
sangrando quem cortou os pulsos e não auxilia) ou homicídio se praticar uma ação para
consumar morte de quem se arrependeu do suicídio (leva a vítima para local diverso do
socorro que já fora pedido pela vítima arrependida).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

INFANTICÍDIO
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto
ou logo após:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Análise do tipo: presta atenção. O crime de infanticídio nada mais é do que um homicídio
privilegiado, em razão do estado fisiopsíquico da autora. Eu vou provar que o infanticídio
nada mais é do que uma forma especial de homicídio. O art. 121, do CP, que pune o
homicídio, prevê que é crime matar alguém. O art. 123, do CP, que pune o infanticídio
também prevê como crime matar alguém. A diferença entre os dois é que no infanticídio você
tem um sujeito ativo especial, um sujeito passivo também especial, você tem um elemento
cronológico e você tem um elemento psíquico. Pronto. O infanticídio nada mais é do que o
homicídio acrescido de elementos especiais:
Sujeito ativo especial
Sujeito passivo especial
Elemento cronológico
Elemento psíquico.

PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
Comentários: quando eu digo que o infanticídio nada mais é do que o homicídio acrescido de
elementos especiais, significa que a relação entre os dois é uma relação de gênero-espécie. É
aqui que vocês enxergam muito bem o Princípio da Especialidade. A relação do infanticídio
para o homicídio é de norma especial derrogando norma geral. Compreenderam? O que eu
quero saber é o seguinte: como chamam esses elementos que tornam o infanticídio especial
quando comparados ao homicídio? Isto que está listado são elementos que acrescidos ao
matar alguém torna o infanticídio especial em relação ao homicídio. Como chamam essas
elementares especiais que tornam o infanticídio especial quando comparadas ao homicídio? Já
caiu em concurso: “quais são as especializantes do art. 123?” quando ele perguntou isso, ele
queria saber o quê, no art. 123, é especial em relação ao art. 121.
Caiu em prova: duas observações óbvias, que caem em concurso:
1. Infanticídio não é crime hediondo, por mais hedionda que seja a forma que a
mãe matou o próprio filho. Mesmo que praticado com crueldade, não é hediondo.
2. É também, a exemplo dos artigos 122 e 121, o infanticídio é crime doloso contra a
vida: vai à júri.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Sujeito ativo – Não é um crime comum. É um crime próprio. Quem pode praticá-lo?
Somente a parturiente. Quem é o sujeito ativo? A parturiente sob a influência do estado
puerperal. Só ela pode praticar esse crime.

Concurso de agentes
Observação: o que cai nas provas é isso. Admite concurso de agentes ou não?

1ª Corrente
Comentários: o estado puerperal é elemento personalíssimo, incomunicável. Não admite
concurso de agentes. Conclusão: não admite concurso de agentes. Sabe quem inventou isso?
Nélson Hungria. Por que você diz que ele inventou? Primeiro porque não existe elemento
personalíssimo. O CP reconhece ou o elemento objetivo ou o subjetivo. Elemento
personalíssimo não existe. Invenção dele. Por isso que hoje prevalece a segunda corrente.

2ª Corrente
Comentários: o estado puerperal é elemento subjetivo do tipo comunicável nos termos do
art. 30 do CP. Conclusão: admite concurso de agentes. Essa corrente viu bem: o elemento
não é personalíssimo. É subjetivo. Sabe quem adota? Nélson Hungria. Nas últimas edições do
seu livro ele reconhece que inventou e abandonou a primeira corrente. Hoje prevalece que é
perfeitamente possível concurso de agentes.
Caiu em prova II: o que cai na OAB são as três situações que abaixo vamos destrinchar:
1ª Situação – Parturiente e médico executam o verbo matar. Por qual crime
respondem? Eu preciso dizer que ela está no estado puerperal? Não. Eu estou
falando do art. 123, não vou ficar falando estado puerperal toda hora. Vocês já
sabem que ela está sob a influência desse estado. A mulher pratica infanticídio. E o
médico? Infanticídio. Pelo art. 123, na condição de coautor. Se você entender
que ele responde por homicídio, vocês estão adotando a primeira corrente,
que entende que o estado puerperal é incomunicável e aqui é comunicável.
Essa primeira situação não cai em concurso.
2ª Situação – A parturiente, auxiliada pelo médico, realiza sozinha a conduta
matar. Por qual crime respondem? Ela responde por infanticídio. O médico, que
de qualquer modo concorreu para o resultado, responde pelo art. 123, agora
na condição de partícipe. Isso também não cai na sua prova. O que vai cair é a
terceira situação.
3ª Situação – Médico, auxiliado pela parturiente pratica, sozinho, o verbo
matar. E agora? Por que crimes respondem? O médico responde por homicídio

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

porque quem matou não estava sob a influência do estado puerperal. E ela? Ela
concorreu de qualquer modo para o homicídio, e também deveria responder por
homicídio, porém, na condição de partícipe. Comparem a segunda situação com
terceira. Se ela mata, responde por homicídio privilegiado (infanticídio), se ela
só auxilia, responde por homicídio. Então, é melhor, ao invés de auxiliar, matar
logo. Isso que eu acabei de colocar é o que está tecnicamente correto, mas gera
uma incoerência. Você punir o mais com menos e o menos com mais. Isso é o que
está tecnicamente correto, mas para evitar essa incoerência, temos duas correntes:
1º Corrente: para que não haja esta incoerência, os dois respondem pelo art. 123.
Eu fico louco com essa primeira corrente porque a incoerência não era com relação ao
médico. Era só com relação à parturiente. Ele acabou se beneficiando.
2ª Corrente: O médico responde pelo art. 121 e a mãe responde pelo art. 123 por
razões de política criminal. Se a incoerência é só com relação a ela, vamos corrigir com
relação a ela. O médico continua respondendo pelo art. 121.
Observação: vejam que eles criaram uma exceção pluralista à teoria monista aqui. A
primeira corrente trabalha com o monismo. A segunda corrente trabalha com a exceção
pluralista à teoria monista (vimos isso na parte geral). Qual prevalece? É a primeira corrente.
E foi a resposta certa na polícia civil em SP.
Sujeito passivo: quem é a vítima do art. 123? O próprio filho. Quando eu falo o próprio filho,
não é o filho de 18 anos dormindo. É o próprio filho que acabou de nascer ou que está
nascendo. É o filho nascendo ou neonato. Matar outro filho que já nasceu é homicídio. Não vá
chegar em casa e matar o filho que está dormindo.
Caiu em prova III: pergunta de concurso: vamos imaginar uma mulher num hospital e o
filho vai para o berçário. Na madrugada ela acorda, sob a influência do estado puerperal e
esfaqueia aquele que pensava ser seu filho. Ela acorda com o escândalo da colega de quarto.
Aí ela descobriu que esfaqueou o filho errado. Por que crime vai responder? O crime é matar
o próprio filho e não qualquer filho. Aqui é erro de tipo acidental sobre a pessoa. Art. 20, §
3º, do CP. Você vai levar em consideração as qualidades da vítima querida e não as
qualidades da vítima atingida:
Erro sobre a Pessoa
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
Então, ela vai responder por infanticídio, mesmo que seu filho esteja vivo. Tudo porque eu
considero as qualidades da vítima virtual. Erro de tipo acidental sobre a pessoa. Art. 20, § 3º.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Caiu em prova IV: professor, se ela matou o filho da outra pensando que era dela, mas o
filho dela já estava morto e ela não sabia. Ela foi lá matar o filho dela que já estava morto e
matou o outro. Crime impossível? Como é que vocês respondem que não é crime impossível?
O art. 20, § 3º, trabalha no campo da hipótese. Ele analisa a situação hipotética. Se você
matou alguém vai responder pelo crime. Agora, qual é a vítima? Aí nós saímos da realidade e
vamos para o campo da hipótese. E o campo da hipótese não trabalha com crime impossível
porque o crime já aconteceu. E se o filho dela fosse atingido e estivesse vivo? Você vai
trabalhar no campo da hipótese porque, na verdade, o crime já aconteceu. Saia da realidade e
vai para o campo da hipótese. O § 3º trabalha com o campo hipotético: “e se tivesse atingido o
próprio filho (obviamente, se tivesse vivo)?” Vou repetir: se ela matou o filho da outra,
você não tem que falar em crime impossível porque uma criança morreu. Qual é a
vítima? Aí você sai da realidade e vai para a hipótese: e se ela tivesse atingido o próprio
filho, e mais, considerando que ele tivesse vivo.
Elementos do art. 123: observações importantes. Matar o próprio filho é um crime de
execução livre. Ou seja, pode ser praticado por ação ou omissão. Por meios diretos ou
indiretos. Ação ou omissão, meios diretos ou indiretos.
Circunstância elementar de tempo – Você tem que matar o próprio filho durante ou logo
após o parto. Agora, preste atenção. Se for antes do parto, o crime é de aborto. Se for
muito depois do parto, o crime é o do art. 121. Então, para que você tenha o delito de
infanticídio é imprescindível que você obedeça a essa baliza: durante ou logo após o parto.
Para que seja infanticídio tem que ser durante ou logo após.
Significado da expressão “logo após”: olha que importante que eu vou falar: durante o parto
todo mundo sabe reconhecer. Mas, até quando dura o logo após? Enquanto perdurar o “logo
após”, você tem o art. 123. Para que não haja dúvida, a doutrina e a jurisprudência dizem: o
logo após perdura enquanto perdurar o estado puerperal. Varia conforme o caso. O caso
concreto dirá. Vai depender de perícia. Os peritos vão dizer se ela estava ou não sob estado
puerperal.
Sob a influência do estado puerperal: é outra elementar importantíssima. O que é estado
puerperal? E olha a pergunta do MP/RJ (1ª fase): o que é estado puerperal e no que se
diferencia no puerpério?
“Estado puerperal: é o estado que envolve a parturiente durante a expulsão da
criança do ventre materno, trazendo profundas alterações psíquicas e físicas,
transformando a mãe (deixando-a sem plenas condições de entender o que está fazendo)”.
Mirabete chega a dizer que o estado puerperal não é nem uma frieza de espírito, espírito cruel,
nem uma imputabilidade. É um meio termo.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

“Puerpério: é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às


condições pré-gravidez.”
Observação: vocês anotaram que a terceira elementar é “sob influência do estado puerperal”.
Isso significa que: É imprescindível o nexo entre o estado puerperal e a morte, porque nem
sempre esse estado gera vontade mórbida. Para configurar o art. 123, é imprescindível a
relação de causa e efeito entre o estado puerperal e o crime, pois nem sempre tal estado
produz perturbações psíquicas na parturiente. Essa necessária relação de causa e efeito está
na exposição de motivos do Código Penal. “O Brasil adotou o critério fisiopsicológico.”
Presumida ou provada? A doutrina diz que tem que ser provada. Toda elementar de crime
deve ser provada (por perícia que comprove a alteração psíquica proveniente do parto), não
bastando mera presunção. Em caso de dúvida (exame realizado longo tempo após o parto)
prevalece a presença do estado puerperal.

Caiu em prova: MP/SP (fase oral): Antepenúltimo concurso. O estado puerperal não é um
caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade? A parturiente não mereceria medida de
segurança? Resposta: dependendo do grau de desequilíbrio fisiopsíquico ela pode ser
equiparada a inimputável ou semi-imputável. Guilherme Nucci diz que ela, pelo menos,
semi-imputável é. O estado dela é, pelo menos, de semi-imputabilidade. Dependendo do grau
de desequilíbrio fisiopsíquico ela pode ser tratada como inimputável.
Caiu em prova II: olha outra pergunta boa que caiu em concurso: qual é a diferença do artigo
123 (infanticídio) para o artigo 134, § 2º, do CP, que é o abando de recém-nascido com
resultado morte?
Exposição ou Abandono de Recém-Nascido
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de 02 (dois) a 06 (seis) anos.
Esse crime é só pagar cesta básica. Uma mãe que abandona seu filho recém-nascido paga
cesta básica. É mais grave você chamar um senhor de idade de velho babão. Você, mãe,
que abandonou seu filho recém-nascido, por causa de desonra própria (para ocultar
uma gravidez), terá direito a sursis.
Caiu em prova: qual a diferença do artigo 123 para o artigo 134? Isso caiu no MP/MG (2ª
fase). Infanticídio é crime contra a vida. O art. 134, § 2º é periclitação da vida ou saúde. Isso
significa que o art. 123 vai a júri. O art. 134, § 2º, não vai a júri porque não é crime doloso
contra a vida.
No infanticídio o agente age com dolo de dano. No art. 134, § 2º, o agente age
com dolo de perigo.
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

No infanticídio, portanto, a morte é dolosa. Já no art. 134, § 2º, a morte é


culposa.

Infanticídio culposo
Comentários: o infanticídio é punido a título de dolo, direto ou eventual. Vocês já sabem que
o crime do art. 123 é punido a título de dolo. Não se pune a modalidade culposa. Sendo assim,
que crime pratica a parturiente que, sob a influência do estado puerperal, sufocou o filho
durante a amamentação, matando o recém-nascido. Tem jurisprudência sobre isso. Diferente
dos irmãos xifópagos. Que crime pratica essa mãe que, culposamente, sufocou o filho? Pode
ser o art. 123? Não, porque o art. 123 não pune a modalidade culposa.
1ª Corrente: o fato é atípico, vez que inviável, na hipótese, atestar a ausência da
prudência normal em mulher desequilibrada psiquicamente. Então, não tem como você
atentar a falta de diligência normal de uma mulher que está em franco desequilíbrio
fisiopsíquico. Damásio adota essa corrente. Essa corrente é minoritária.
2ª Corrente: Suprimir a vida de alguém, independentemente do momento cronológico,
com manifesta negligência, tipifica homicídio culposo. Ou seja, ela vai responder por
homicídio culposo, pouco importa se durante ou logo após o parto, pouco importa se houve
desequilíbrio fisiopsíquico. Bittencourt, Hungria e Magalhães Noronha. Porém, neste caso
haveria perdão judicial.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ABORTO – Art. 124 a 128 do CP


Introdução: eu começo perguntando uma coisa: o certo é aborto ou abortamento? Tem gente
que não vê diferença alguma. Porém, corretamente, a medicina legal diz: não é aborto, é
abortamento. Abortamento é a conduta. O aborto é o resultado da conduta. O resultado de um
abortamento é o aborto. Para essa corrente, é tão errado chamar abortamento de aborto como
chamar homicídio de um crime de cadáver. O cadáver não é crime. É o resultado do crime
que se chama homicídio. Então, você falar em aborto ao invés de abortamento, está trocando
a ação pelo seu produto.
Conceito: “É a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção.” O que
protegemos aqui? Protege-se a vida intrauterina e vai a júri, por ser crime doloso contra a
vida.
Início da gestação: pergunto: quando a mulher já se considera grávida? É aqui que a coisa
pega. Caiu no MP/MG. Com a fecundação, ela já está grávida ou é imprescindível a nidação?
São conceitos de biologia. O que é fecundação? É o encontro do espermatozóide com o óvulo.
Isso é fecundação. O óvulo fecundado depositado na parede do útero é nidação. Se você
interromper a fecundação praticou abortamento? Se você evitar que da fecundação venha a
nidação, você praticou abortamento? São duas opções: nidação ou fecundação. Se você acha
que é com a fecundação, vocês conhecem a pílula do dia seguinte? Essa pílula você tomou
e espera que a medicina faça a parte dela. Se você acha que é com a fecundação, essa pílula
passa a ser abortiva. No direito (eu não vou falar da medicina porque esses aí batem na tecla
da fecundação), prevalece que a gravidez se dá com a nidação. Se você olha do ponto de
vista técnico não está correto. A religião, por exemplo, bate na tecla fecundação. Para fins de
direito penal, é com a nidação.
Homicídio vs. Aborto: somente configura aborto se a conduta homicida se inicia antes da
ruptura da bolsa, após (a ruptura) é homicídio ou infanticídio.

Crime impossível: feto morto por causa natural não há crime (médico apenas retira).
Manobra abortiva com feto morto. Quando o meio utilizado é ineficaz para a prática abortiva
(medicamento sem potencial, rezas e simpatias).

Método: medicamentos, objetos pontiagudos, raspagem ou curetagem, agentes elétricos e


sucção.

Aborto por omissão: gestante informada por seu médico do risco da gravidez deixa de
tomar a medicação prescrita com a intenção de matar o feto tem sido tipificado como
crime omissivo.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Contravenção Penal: tem uma contravenção penal que a gente não imagina que existe que é
anunciar meios abortivos. Isso é contravenção. Art. 20, do DL 3688/41:
CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DE ABORTO
Abortamento natural – A doutrina fala do aborto natural. É a interrupção espontânea da
gravidez, normalmente causada por problemas de saúde da gestante. Obviamente que o
aborto natural é fato atípico.
Abortamento acidental – Vejam que estou falando abortamento, mas estou escrevendo
aborto porque estou sendo fiel ao código que fala em aborto. Vocês, na prova, coloquem
aborto e entre parêntesis, abortamento. “Decorrente de quedas, traumatismos e acidentes em
geral.” Também é um fato atípico.
Abortamento criminoso – Está previsto nos artigos 124 a 127, do CP.
Abortamento legal ou permitido – Está previsto no artigo 128 e vai cair em concurso. Ele
sofreu reflexo da reforma penal de 2009. A Lei 12.015 traz uma repercussão importante no
art. 128 e vamos estudar.
Abortamento miserável ou econômico-social – Praticados por razões de miséria,
incapacidade financeira para sustentar vida futura. No Brasil, esse aborto é permitido? Não. É
crime.
Abortamento honoris causae – Realizado para interromper gravidez adulterina. É crime.
Abortamento eugênico ou eugenésico: muito importante esse tipo de aborto. “Praticado em
face dos comprovados riscos de que o feto nasça com graves anomalias psíquicas ou
físicas.” Este é crime? Deixa o ponto de interrogação. Vamos explicar isso no final da aula,
em especial o abortamento do feto anencefálico (aliás, foi dissertação da magistratura em SP).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

FORMAS DE ABORTAMENTO CRIMINOSAS


Aborto Provocado pela Gestante ou com Seu Consentimento
Art. 124 - Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos.
Aborto Provocado por Terceiro
Art. 125 - Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 03 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou e o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Conclusão:
O art. 124 pune o auto-aborto ou o consentimento para que outro lho
provoque.

O art. 125 pune o aborto praticado por terceiro SEM consentimento válido da
gestante – forma mais grave.

O art. 126 pune o aborto praticado por terceiro COM consentimento válido
da gestante. Se o consentimento for inválido, cai no art. 125.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento


Aborto Provocado pela Gestante ou com Seu Consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 01 (um) a 03 (três) anos.

Análise do tipo: nós temos duas condutas punidas no art. 124. Quem é o sujeito ativo? Quem
pode praticar o art. 124? Somente a gestante. Sendo somente a gestante, estou diante de um
crime próprio ou de mão própria (comum, não é, exige condição pessoal do agente). Qual a
diferença do próprio e o de mão própria? Os dois exigem qualidade especial, mas qual a
diferença entre eles? Vamos ver a diferença:
Crime comum Crime próprio Crime de mão própria
Não exige qualidade Exige qualidade especial Exige qualidade especial
especial do agente do agente do agente
Admite coautoria e Admite coautoria e
Só admite participação
participação participação

Próprio ou de mão própria: a resposta vai depender se ele admite coautoria ou somente
participação. Vamos anotar porque há divergência.
1º Corrente: Cezar Roberto Bittencourt – O crime é de mão própria. Só admite
participação. O terceiro potencial coautor responde pelo artigo 126 e não pelo artigo 124.
Então, não tem como ter coautoria no art. 124.
2ª Corrente: Luiz Régis Prado – O crime é próprio. Admite coautoria, mas pune
cada autor por tipo diverso. Cada autor responde por um crime. Isso é exceção pluralista à
teoria monista. E exceção pluralista à teoria monista é exceção de concurso de agentes ou não
é? Então, a segunda corrente diz: é claro que admite coautoria. É que o tipo penal é que
vai ser diferente para cada um dos autores. É a exceção pluralista à teoria monista. Caiu
exatamente isso no TJ/PR. Era exatamente essa a resposta que vocês tinham que dar. Foi
segunda fase e vocês tinham que colocar as duas correntes. Mas prevalece a primeira
corrente.
Sujeito passivo: quem é a vítima do autoaborto ou do consentimento da gestante para que
outro lho provoque? Duas correntes:
1ª Corrente: não sendo o feto titular de direitos (salvo aqueles expressamente
previstos na lei civil), a vítima do art. 124 é o próprio Estado.
2º Corrente: sujeito passivo é o feto. Quando eu falo feto, falo feto em sentido amplo.
Observação: tem algum interesse prático saber se o Estado é vítima ou se o feto é vítima?
Gravidez de gêmeos. Se você adota a primeira corrente, na interrupção da gravidez de

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

gêmeos, o crime é um só. Se você adota a segunda corrente, concurso formal de delitos. E é
exatamente a segunda corrente que prevalece. Então, essa discussão tem interesse prático na
gravidez de gêmeos.
Objeto da conduta: e quais são as condutas punidas no art. 124, do CP? Ele pune duas
condutas:
Autoaborto – Aqui a gestante pratica nela mesma as manobras abortivas, seja de
maneira física, química. Interessa que ela interrompe sua própria gravidez.
Consente para que outro lho provoque – O terceiro que prova esse abortamento
vai responder pelo art. 126. Exceção pluralista à teoria monista.
Observação: não tem muita coisa para comentar aqui. Isso é muito tranqüilo. Eu apenas
quero saber de vocês agora: o art. 124 é punido a título de dolo ou culpa? O Brasil só pune o
aborto doloso. Não importa a forma. Não se pune modalidade culposa. O art. 124 só é
punido a título de dolo, direto ou eventual.
Dolo eventual: exemplo de dolo eventual no aborto: tem um exemplo famoso de Nelson
Hungria que despenca em prova: gestante suicida. Ela não morre, mas interrompe a
gravidez. Para Nelson Hungria, ela agiu com dolo eventual no abortamento do feto. Se a
conduta é praticada, não para interromper a gravidez, mas para acelerar, antecipar o
nascimento, não existe aborto. A pessoa agride a gestante visando à antecipação do
nascimento. Não é aborto. É lesão corporal. Nós vamos estudar isso. É uma lesão corporal,
inclusive, qualificada pela antecipação do parto.
Consumação - Quando o crime se consuma? A maioria responde assim: o crime se consuma
com a morte do feto, com a destruição do produto da concepção. Cuidado porque essa
resposta é incompleta. O crime se consuma com a morte da vida intrauterina, mesmo que
ocorra fora, desde que decorrente das manobras abortivas. O crime se consuma com a
morte do feto, mesmo que fora do ventre materno. O crime se consuma com a morte do feto,
pouco importando se esta ocorre dentro ou fora do ventre materno, desde que decorrente
das manobras abortivas. Trata-se de crime plurissubsistente, admitindo a tentativa. Prestem
atenção. Três situações:
1ª Situação – A gestante praticou manobra abortiva e destruiu a vida ainda no
seu ventre. Que crime ela praticou? Aborto. Com manobras especiais, ela
consegue interromper a gravidez, matando o feto no interior do seu ventre. Aborto.
2ª Situação – Ela praticou manobras abortivas, o feto é expulso com vida, mas
morre logo depois, em razão das manobras anteriores. Que crime ela praticou?
Aborto.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

3ª Situação (que é a que cai) – Ela pratica manobras abortivas, o feto nasce com
vida, ela renova a execução e tira a vida daquele feto que nasceu com vida. Que
crime ela praticou? Não é mais aborto porque quando nasceu com vida, só seria
aborto se ele morresse em razão das manobras abortivas. Se ela renovou a
execução, a exceção dela agora está recaindo sobre vida extrauterina. Sendo assim,
o crime é de homicídio ou infanticídio. Depende do caso concreto. Nesse caso,
absorve a tentativa de abortamento? Prevalece que sim.
Participação e autoria: o participe de abortamento responde por qual dos artigos, pelo
artigo 124 ou pelo art.126? Depende a quem a conduta do partícipe se liga, se ligada ao
médico é participe no artigo 126. Se ligado à gestante é partícipe no artigo 124.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Aborto Provocado sem consentimento da gestante


Aborto Provocado por Terceiro
Art. 125 - Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 03 (três) a 10 (dez) anos.

Análise do tipo: prestem atenção: o art. 125 já não está punindo mais a gestante. O art. 125
está punindo o terceiro provocador. A gestante é punida no art. 124. Cuidado!
Sujeito ativo: quem pode praticar o art. 125? Quem pode provocar aborto sem o
consentimento da gestante? O tipo exige alguma qualidade ou condição especial do agente?
Não. Trata-se de crime comum. Não precisa ser médico, nada! Qualquer pessoa pode
praticar. Quem é a vítima? É a gestante? A gestante (que não consentiu) e o feto são vítimas.
Estou diante de um crime de dupla subjetividade passiva.
Observação: o que se está punindo? Estamos punindo aqui, um tipo objetivo: a interrupção
da gravidez sem consentimento da gestante. Esse não consentimento. Esse dissentimento da
gestante pode ser um dissenso real, onde ela, efetivamente não consente ou então, um
dissenso presumido, art. 126, §único do Código Penal. Não consentimento da gestante pode
ser real (ela efetivamente não consentiu) ou presumido, hipótese em que ela até consente, mas
é um consentimento que a lei ignora. Hipótese do art. 126, § único:
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Caiu em prova: jurisprudência que despenca em concurso: “quem desfere violento pontapé
no ventre de mulher sabidamente grávida pratica o crime do aborto (art. 125).” Isso é
tranqüilo na jurisprudência.
Dissenso presumido: gestante menor de 14, gestante alienada, consentimento obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência – São as hipóteses do dissenso presumido. Essas
circunstâncias têm que fazer parte do dolo do agente. Ele tem que saber que a menor tinha
menos de 14 anos para responder pelo art. 125. Se ele não sabia que ela tinha menos de 14
anos, ele não vai responder. Para responder pelo art. 125, com o dissenso presumido ele
tem que conhecer as qualidades da vítima ou das condições do consentimento.
Observação: o crime do art. 125 é punido a título de dolo, apenas e tão-somente.
Caiu em prova: que crime pratica alguém que atira para matar mulher grávida? Ele sabe que
está grávida. Atira para matar mulher que sabe que está grávida. A mulher o traiu,
engravidou, ele quer se vingar matando a mulher que sabe que está grávida. Ele pratica dois
crimes em concurso formal: homicídio e aborto.
Consumação: momento consumativo: não precisa nem perder tempo. O crime se consuma
com a destruição do produto da concepção e admite tentativa.
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Aborto provocado por terceiro com consentimento da gestante


Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos.

Análise do tipo: o art. 126 pune a mesma coisa do art. 125, com a diferença que aqui ele tem
o consentimento válido da gestante. Quem é o sujeito ativo? Qualquer pessoa (crime
comum). Quem é o sujeito passivo? A gestante não é. Ela consentiu. Ela vai responder pelo
art. 124. Ela não é vítima. A única vítima do art. 126 é o feto.
Conduta – Interrupção da gravidez. O que o artigo pune? Interrupção da gravidez com o
consentimento válido da gestante. A gestante consentiu e, durante as manobras, ela se
arrepende. Você não dá ouvidos ao arrependimento dela e prossegue. Que crime você pratica?
Ela consentiu. Ela vai até uma clínica para realizar o abortamento. Durante as manobras, ela
fala: para, não quero mais. E ele não para. Que crime ele praticou? Ele praticou o art. 125
(sem o consentimento da gestante). A partir do momento que ela se arrependeu, se você
prosseguir é o artigo 125. E a gestante que se arrependeu? Quase nenhuma doutrina fala disso,
mas você não pode esquecer que o arrependimento só lhe beneficia se eficaz. Mas eu,
particularmente, acho que você tem que tomar cuidado com o momento do arrependimento
porque eu vejo isso mais como desistência voluntária. Mas é discutível.
Observação: o crime só é punido a título de dolo. Não se pune a modalidade culposa. E
quando se consuma? Mesma coisa: é crime material, se consuma com a morte do feto,
admitindo a tentativa.
Casuística nos abortos criminosos do art. 124, o art. 125 e o art. 126.
1ª Situação: namorado que leva namorada para praticar o abortamento – Ele é
partícipe de qual crime? Ele é partícipe do artigo 124.
2ª Situação: namorado convence a namorada a praticar o abortamento. Que crime
ele praticou? Partícipe do artigo 124.
3ª Situação – É a que cai. Namorado paga médico para realizar abortamento com
consentimento da namorada. Que crime ele praticou? Aqui a jurisprudência diz:
se ele pagou o médico, ele é partícipe do art. 126. Ele está pagando o terceiro
provocador. Ele está induzindo o terceiro provocador. Ele está realizando conduta
sem a qual o abortamento não ocorreria. Ele está pagando terceiro provocador. Na
verdade, ele participou dos dois artigos (124 e 126). Como não pode responder
pelos dois, responde pelo mais grave.
parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14
(quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante
fraude, grave ameaça ou violência.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Aborto Majorado
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Análise do tipo: o aborto será majorado quando? Aborto majorado quando a gestante sofre
lesões graves ou lhe sobrevém a morte. Vamos a alguns detalhes: O artigo 127 só se aplica
aos artigos 125 e 126, aos dois anteriores. E por que as majorantes do artigo 127 não se
aplicam no caso do art. 124? Das duas uma: ou ela sofreu lesões graves e o direito penal
não pune a autolesão, ou ela morreu e não tem 124. Detalhe importante: se eu falei que o
art. 127 não se aplica ao artigo 124, não se aplica nem à gestante e nem aos partícipes da
gestante. Não aumenta a pena nem da gestante e nem do namoradinho que convenceu à
gestante. Se não se aplica para o principal, também não se aplica para o acessório.
Preterdolo: detalhe importante: nessas duas hipóteses, haja lesão grave ou morte, estamos
diante da figura do preterdolo. São resultados culposos. Dolo no abortamento, culpa na lesão
grave. Dolo no abortamento, culpa na morte. Crime preterdoloso ou preterintencional. O
aborto qualificado é crime preterdoloso ou preterintencional. O aborto majorado é crime
preterdoloso ou preterintencional.
Caiu em prova: pergunto: para incidir a majorante do art. 127 é dispensável ou
indispensável à interrupção da gravidez? Tem que ocorrer a morte do feto ou não, ele pode
incidir sem a morte do feto, basta, por exemplo, que a gestante sofra lesão grave? É
dispensável a morte do feto ou indispensável. A resposta está no próprio art. 127: “se em
conseqüência do aborto”, opa, aí ocorreu a morte do feto. “Ou dos meios empregados para
provocá-lo”. Aqui não ocorreu a morte do feto, mas os meios geraram a morte da gestante ou
sua lesão grave. Em resumo: a morte do feto é DISPENSÁVEL.
Caiu em prova II: caiu para Delegado/DF: no ato de provocar dolosamente as manobras
abortivas, a gestante morre culposamente, mas o feto não. Que crime praticou o terceiro
provocador? O terceiro provocador, negligentemente, provoca a morte da gestante sem lograr
interromper a gravidez. O feto nasce com vida. Qual crime ele pratica? Você já sabe que o art.
127 se aplica independentemente do abortamento, basta a gestante sofrer lesão grave ou
morte. Aqui ela morreu. E agora?
1ª Corrente: Capez. Tratando-se de crime preterdoloso, não se admite tentativa.
Conclusão: ele vai responder por aborto majorado consumado. Sabe o que essa corrente faz?
Ela usa o mesmo raciocínio da súmula 610 do Supremo para o latrocínio. A súmula diz que o
latrocínio é consumado mesmo que a subtração seja tentada. Aqui, essa corrente está falando:

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

o aborto é consumado mesmo que a morte do feto seja tentada. Seria dizer: há crime de
aborto, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente o abortamento. Olha o
que diz a súmula: STF Súmula nº 610 - DJ de 31/10/ - Há crime de latrocínio, quando o
homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da vítima.
2º Corrente: Rogério Greco. Mesmo se tratando de delito preterdoloso, admite a
tentativa quando a parte frustrada do crime é dolosa. Vocês já viram isso na parte geral.
Vocês não podem esquecer que o aborto majorado é um crime preterdoloso. Há o aborto que
é doloso seguido de morte que é culposa. Jamais haverá tentativa quanto à morte culposa, mas
é perfeitamente possível a tentativa quando o que fica frustrado é a parte dolosa. Então ele
responde por aborto majorado, porém, tentado. Essa segunda corrente foi a resposta correta
pra delegado/DF. Questão boa. Prevalece a segunda corrente.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Aborto Legal ou Permitido – art. 128


Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Análise do tipo: é isso que vai cair na sua prova. O art. 128 traz o aborto legal ou permitido e
tem duas hipóteses:
Inciso I – Aborto necessário ou terapêutico
Inciso II – Aborto sentimental, humanitário ou ético.
Natureza jurídica: para a maioria da doutrina (eu não falei que é unânime), hipóteses
especiais de exclusão da ilicitude. Por quê? O necessário é uma forma de estado de
necessidade e o sentimental, uma forma especial de exercício regular de direito. Luiz Flávio
Gomes diz que se no inciso I é hipótese de estado de necessidade e o inciso II é hipótese de
exercício regular de direito, esse inciso II, na verdade, exclui a tipicidade, porque ele trabalha
com tipicidade conglobante. LFG fala: o inciso I, sim, é forma especial de exclusão da
ilicitude. O inciso II não porque eu já tirei o exercício regular de direito da ilicitude há muito
tempo. Exclui a tipicidade. Essa tese do LFG, se vocês tiverem que comentar o art. 128 é
importante colocar. Vocês estão demonstrando que dominam tipicidade conglobante.
Abortamento Necessário: vamos aos requisitos
1º Requisito – Praticado por médico.
2º Requisito – Perigo de vida da gestante.
3º Requisito – Inevitabilidade do meio. Impossibilidade do uso de outro meio
para salvá-la.
Caiu em prova: que crime pratica se o abortamento necessário foi realizado por enfermeiro
ou farmacêutico? Tem crime? Eu não vou aplicar o art. 128 porque o art. 128 é só para
médico. Mas vou aplicar o art. 24 (estado de necessidade). Cuidado! O fato de não ser
médico não significa que responde pelo crime. Eu não aplico o artigo 128, mas ele tem como
estudo o próprio art. 24, estado de necessidade. Cuidado! Tem que haver perigo de vida da
gestante. Não basta risco à sua saúde.
Observação: o comportamento abortivo tem que ser inevitável. Não basta ser o meio mais
prático, mais eficaz. Tem que ser eficaz e inevitável. Se o médico utilizou o abortamento por
ser o mais cômodo, vai responder pelo crime.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Detalhes importantes:
a. Dispensa consentimento da gestante. Ela não precisa consentir. Mesmo diante do
dissentimento dela, o médico tem que salvar a sua vida.
b. Dispensa autorização judicial – Acreditem: o juiz não sabe mais que o médico. Se o
médico diz que a vida dela corre risco, não é o médico que tem que dizer se o juiz acertou
ou não acertou. Não existe interesse e necessidade. Ele não tem que pedir autorização.

Abortamento Sentimental, Humanitário ou Ético


1º Requisito – Praticado por médico.
2º Requisito – Gravidez resultante de estupro.
3º Requisito – Consentimento da gestante ou do seu representante legal.
Observação: e se foi praticado por enfermeiro ou profissional de enfermagem? Tem crime?
Aqui tem crime porque a vida dela não corria risco. Não havia exercício regular de direito
porque o direito é do médico, não dele. Qualquer pessoa que não seja médico, responde pelo
crime. Não é direito de ninguém mais realizar esse abortamento. Não adianta falar em estrito
cumprimento porque a lei não impõe esse dever. É só para médico! A gravidez tem que ser
resultante de estupro. Antes se discutia se abrangia também o atentado violento ao pudor.
Hoje se discute isso? Não porque hoje, estupro e atentado violento ao pudor é tudo estupro em
sentido amplo: abrange atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Agora, eu estou falando
do art. 213, do CP, que abrange o antigo atentado violento ao pudor. Detalhe importante:
abrange o estupro de vulnerável. Abrange o art. 217-A. O próprio artigo diz, então abrange
também o estupro de incapaz. É o estupro do art. 213, que abrange o atentado violento ao
pudor e o estupro de vulnerável todos admitem o abortamento permitido.
Observação: dispensa autorização judicial. Você não contorna a jurisprudência do STF
exigindo, pelo menos o Boletim de Ocorrência. Absurdo. Onde que a lei exige B.O?
Autorização judicial já seria um absurdo. Imagina! O MP discorda e recorre. Acabou!
Autorização judicial não se exige mesmo, mas onde que o Supremo arrumou Boletim de
Ocorrência? Vocês vão encontrar julgados do Supremo exigindo Boletim de Ocorrência
para o médico praticar isso. Isso já caiu 04 vezes em concursos públicos. Todas as
bancas negaram a posição do Supremo. O médico que exija alguma formalidade que não
necessariamente um Boletim de Ocorrência. Pede uma declaração firmada em cartório,
alguma coisa. Mas exigir Boletim de Ocorrência é ridículo.
Caiu em prova: caiu recentemente em concurso se é necessária a condenação pelo crime de
estupro. Dá para ter cinco filhos. Não precisa autorização judicial, muito menos uma prova de
condenação por estupro.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Observação: se a gestante é menor de 14 anos ou possui enfermidade mental significa que foi
vitima de estupro de vulnerável (217-A, parágrafo 1º) neste caso o aborto é licito, desde que
haja autorização do representante legal. Se o médico realiza o aborto sem este
consentimento, comete aborto sem consentimento da gestante, uma vez que esta, por ser
menor de 14 anos, não pode consentir validamente.

ABORTAMENTO DE FETO ANENCEFÁLICO


Comentários: a dissertação da magistratura/SP e a questão de segunda fase do MP/SP foi
abortamento anencefálico. Aliás, tem sido uma constante. Os concursos públicos que têm
dissertação, a tendência é explorar penal especial e legislação penal especial. Penal especial
tem sido a tendência porque não há mais o que perguntar. Para vocês entenderem bem este
aborto, o que precisam conceituar em primeiro lugar? O que vem a ser
anencéfalo?“Anencéfalo é embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita
não possui uma parte do sistema nervoso central, faltando-lhe os hemisférios cerebrais e
sem uma parcela do tronco encefálico.” Quando estou falando em abortamento do feto
anencefálico estou falando do abortamento de um feto que apresenta essas características
físicas. Esse abortamento é crime, não é crime, é permitido não é permitido, e aí? É isso o que
o examinador queria saber. Essa dissertação eu começaria pelo conceito e depois
desenvolveria do jeito que vou fazer com vocês, sob o ponto de vista legal, sob o ponto de
vista doutrinário e jurisprudencial.
Sob o ponto de vista legal: o que diz a lei sobre o abortamento do feto anencefálico?
Analisando nosso direito posto, este abortamento não é permitido. Vocês não podem
esquecer que as hipóteses de abortamento permitido estão no artigo 128 do Código Penal.
Dentre as hipóteses, vocês não vão encontrar o abortamento do feto anencefálico.
Observação: para não vir pergunta nesse sentido: professor, mas e se a gestante corre risco
de vida?”Aí tudo bem, você está praticando o abortamento porque ela corre risco de vida.
Uma coisa não necessariamente implica na outra. Logo, no Brasil, é crime. A exposição de
motivos expressamente proíbe o abortamento do feto anencefálico. Se você tem alguma
dúvida, você vai lá ver. Existe projeto de lei autorizando, no entanto, ainda está em fase de
projeto de lei. Então, um juiz legalista (que trabalha com o direito posto e mais nada), jamais
vai autorizar o abortamento do feto anencefálico, ele vai dizer: “esse abortamento não está
permitido e é crime”. A exposição de motivos proíbe este aborto apesar de haver projeto de
lei, mas projeto de lei não tem eficácia jurídica e nem social.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Sob o ponto de vista doutrinário: você vai encontrar doutrina dizendo que o abortamento do
feto anencefálico é hipótese de exclusão da culpabilidade para a gestante. Inexigibilidade
de conduta diversa. É inexigível de uma gestante de feto anencefálico conduta diversa.
Quando percebe que vai dar à luz um recém-nascido com vida extrauterina inviável é
inexigível dela conduta diversa. Quem adota essa corrente? Cezar Roberto Bittencourt. A
doutrina, com base em estudos da medicina chega a dizer que feto anencefálico não tem vida
intrauterina. Logo, não morre juridicamente. Por quê? Ela está ligando vida à atividade
encefálica. Por conta da anencefalia, a doutrina diz: não tem vida intrauterina, logo, você
não pode matar aquilo que já está morto. Um terceiro argumento da doutrina diz que a
questão diz respeito à saúde e direito da mulher. Isso significa, em apertada síntese, que,
quem tem que decidir é a gestante e não o legislador, e não a coletividade e o Estado. A
questão diz respeito à saúde e direito da mulher. Então, a doutrina quando fala do
abortamento do feto anencefálico busca excluir a culpabilidade da gestante com a
inexigibilidade de conduta diversa, diz que o feto anencefálico não tem vida
intrauterina, logo, não morre juridicamente e a questão diz respeito à saúde e ao direito da
mulher, não da coletividade e do Estado.
Sob o ponto de vista jurisprudencial: a jurisprudência admite, desde que:
1. Somente para as anomalias que inviabilizem a vida extrauterina.
2. Deve estar a anomalia devidamente atestada em perícia médica
3. Prova do dano psicológico da gestante.
Na defensoria pública já caiu isso. O candidato teve que falar quais os argumentos para
possibilitar a interrupção de um feto anencéfalo. Somente nesses três casos. São três
requisitos cumulativos, que a jurisprudência tem autorizado a interrupção da gravidez.
Posição do STF: o Supremo foi chamado a se manifestar e ao analisar a argüição de
descumprimento de preceito fundamental n.º 54 que postulava a autorização ou não do
abortamento do feto anencefálico e decidiu pela autorização. Vale a pena mencionar o voto do
Ministro Marco Aurélio: “Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar
mão dos avanços médico-tecnológicos postos à disposição da humanidade, não para
simples inserção, no dia a dia, de sentimentos mórbidos, mas justamente, para fazê-los
cessar.” Essa expressão do Ministro Marco Aurélio foi explorada por todos os jornais e
também por bancas de concurso. Ele está dizendo que a medicina não vai trazer o
sentimento mórbido “matar”. Ela vai evitar o sofrimento maior. Em nenhum momento, em
sala de aula eu vou me posicionar a favor ou contra, mesmo porque envolve sentimentos
religiosos. Mas, na audiência pública, teve uma mulher que usou uma expressão que me fez
refletir. Não estou dizendo que eu concordo, nem que discordo, não estou dizendo nada. Mas

72
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ela, por questões pessoais, quis seguir com a gravidez e deu à luz ao feto anencefálico que
viveu minutos. E ela falou. “Eu, ao contrário das outras mães, não preparei um berço. Eu já
preparei o caixão.” Eu escutei aquilo e começo a perceber que é algo muito mais particular,
da gestante, da família, do que do próprio Estado. Cada um com a sua consciência. A
audiência pública é riquíssima em doutrina, em conhecimentos técnicos.
Observação: o STF neste julgamento adotou a tese de que o aborto de feto anencéfalo é
causa excludente da tipicidade. Essa pergunta foi objeto do concurso do Ministério Público
de SP em 2013. Entre as alternativas constava: exclusão de ilicitude, exclusão de
culpabilidade e exclusão de punibilidade.

JURISPRUDÊNCIA STF e STJ


INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NO PRIMEIRO TRIMESTRE DA GESTAÇÃO

Requisitos para que a tipificação de uma conduta seja compatível com a Constituição

Comentários: segundo o Min. Roberto Barroso, para ser compatível com a Constituição, a
criminalização de uma conduta exige o preenchimento de três requisitos:

a. Este tipo penal deverá proteger um bem jurídico relevante;

b. O comportamento incriminado não pode constituir exercício legítimo de um direito


fundamental; e

c. Deverá haver proporcionalidade entre a ação praticada e a reação estatal.

Em outras palavras, se determinada conduta for prevista como crime, mas não atender a
algum desses três requisitos, este tipo penal deverá ser considerado inconstitucional.

Conclusão: a conduta de praticar aborto com consentimento da gestante no primeiro trimestre


da gravidez não pode ser punida como crime porque não preenche o segundo e terceiro
requisitos acima expostos (letras "b" e "c").

Entendendo o julgado: os artigos 124 e 126 do CP protegem um bem jurídico relevante que é a
vida potencial do feto. No entanto, a criminalização do aborto antes de concluído o
primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de
não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. A criminalização da
interrupção voluntária da gestação ofende diversos direitos fundamentais das mulheres, com
reflexos sobre a sua dignidade humana. A mulher que realiza um aborto, o faz por se
encontrar diante de uma decisão trágica e não precisa que o Estado torne a sua vida ainda
pior, processando-a criminalmente. Desse modo, a mulher que realiza aborto age de forma

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

legítima, sendo também, por via de consequência, legítima a conduta do profissional de saúde
que a viabiliza. Verifique abaixo os argumentos invocados pelo Min. Relator Roberto
Barroso:

VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MULHERES

Violação à autonomia da mulher: a criminalização viola, em primeiro lugar, a autonomia da


mulher, que corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pelo
princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88). Autonomia significa a
autodeterminação das pessoas, isto é, o direito de elas fazerem suas escolhas existenciais
básicas e de tomarem as próprias decisões morais sobre o rumo de sua vida. Todo indivíduo
– homem ou mulher – tem assegurado um espaço legítimo de privacidade dentro do qual
lhe caberá viver seus valores, interesses e desejos. Neste espaço, o Estado e a sociedade
não têm o direito de interferir. Quando se trata de uma mulher, um aspecto central de sua
autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele
relacionadas, inclusive cessar ou não uma gravidez.

Observação importante do STF: como pode o Estado – isto é, um Delegado de Polícia, um


Promotor de Justiça ou um Juiz de Direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais
da gestação, que leve esta gestação até o fim mesmo contra a sua vontade? Isso
significaria considerar como se este útero estivesse a serviço da sociedade, e não de uma
pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida.

Violação do direito à integridade física e psíquica: em segundo lugar, a criminalização do


aborto afeta a integridade física e psíquica da mulher. A integridade física é abalada porque é
o corpo da mulher que sofrerá as transformações, riscos e consequências da gestação. Aquilo
que pode ser uma bênção quando se cuide de uma gravidez desejada, transmuda-se em
tormento quando indesejada. A integridade psíquica, por sua vez, é afetada pelo fato de ela
estar sendo obrigada a assumir uma obrigação para toda a vida, exigindo renúncia, dedicação
e comprometimento profundo com outro ser. Também aqui, o que seria uma bênção se
decorresse de vontade própria, pode se transformar em provação quando decorra de uma
imposição heterônoma. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave
violação à integridade física e psíquica da mulher.

Violação aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher: a criminalização viola, também, os


direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que incluem o direito de toda mulher de
decidir sobre se e quando deseja ter filhos, sem discriminação, coerção e violência, bem
como de obter o maior grau possível de saúde sexual e reprodutiva. A sexualidade
feminina atravessou milênios de opressão. O direito das mulheres a uma vida sexual ativa e
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

prazerosa, como se reconhece à condição masculina, ainda é objeto de tabus, discriminações e


preconceitos. Parte dessas disfunções é fundamentada historicamente no papel que a natureza
reservou às mulheres no processo reprodutivo. O reconhecimento dos direitos sexuais e
reprodutivos das mulheres como direitos humanos percorreu uma longa trajetória, que
teve como momentos decisivos a Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994, conhecida como Conferência do Cairo, e a IV
Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Pequim. A partir desses marcos,
vem se desenvolvendo a ideia de liberdade sexual feminina em sentido positivo e
emancipatório. A criminalização do aborto afeta a capacidade de autodeterminação
reprodutiva da mulher, ao retirar dela a possibilidade de decidir, sem coerção, sobre a
maternidade, sendo obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada.

Violação à igualdade de gênero: a punição do aborto traduz-se, ainda, em quebra da igualdade


de gênero. Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o
homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito
de decidir acerca da sua manutenção ou não. "Se os homens engravidassem, não tenho
dúvida em dizer que seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta" (Min.
Ayres Britto, na ADPF 54-MC, j. 20.10.2004).

Discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres pobres: a tipificação penal do


aborto produz também discriminação social, já que prejudica, de forma desproporcional, as
mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se
valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo. Por meio da
criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um
procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer a clínicas
clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos,
que lhes oferecem elevados riscos de lesões, mutilações e óbito.

Em suma: a criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo


essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher. Trata-se, portanto, de restrição
que ultrapassa os limites constitucionalmente aceitáveis.

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Funções do princípio da proporcionalidade nos crimes e penas: o legislador, ao definir crimes


e penas, deverá fazê-lo levando em consideração dois valores essenciais:

• O respeito aos direitos fundamentais dos acusados;

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

• A necessidade de garantir a proteção da sociedade, cabendo-lhe resguardar


valores, bens e direitos fundamentais dos indivíduos.

Assim, o princípio da razoabilidade-proporcionalidade funciona com uma dupla dimensão,


tendo por objetivo proibir os excessos e também a insuficiência. Sendo assim se subdivide
em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, vamos a eles:

Subprincípio da adequação: aqui, deve-se analisar se os tipos penais previstos nos artigos 124 e
126 do CP protegem realmente o feto. A medida adotada (punir o aborto consensual) é
idônea para proteger o feto? O STF entendeu que não. De acordo com estudos da
Organização Mundial da Saúde (OMS) a criminalização não produz impacto relevante sobre o
número de abortos. As taxas de aborto nos países onde esse procedimento é permitido são
muito semelhantes àquelas encontradas nos países em que ele é ilegal. Atualmente, existem
medicamentos que são facilmente encontrados e que a mulher, ao usá-los, consegue
interromper a gravidez sem que o Poder Público tenha meios para tomar conhecimento e
impedir a sua realização. Desse modo, a criminalização não gera uma diminuição na
quantidade de abortos. Eles continuam sendo realizados constantemente, de forma
clandestina e perigosa para a saúde da mulher. Por outro lado, se não houvesse a punição
haveria a possibilidade de estes procedimentos serem realizados de forma segura e sem tantos
riscos. Na prática, portanto, a criminalização do aborto é ineficaz para proteger o direito
à vida do feto. Do ponto de vista penal, ela constitui apenas uma reprovação “simbólica” da
conduta.

Subprincípio da necessidade: aqui, a pergunta a ser analisada e respondida é a seguinte: existe


meio alternativo à criminalização que proteja igualmente o direito à vida do nascituro,
mas que produza menor restrição aos direitos das mulheres? O Min. Roberto Barroso
defendeu que sim. Há instrumentos que são eficazes à proteção dos direitos do feto e,
simultaneamente, menos lesivos aos direitos da mulher. Uma política alternativa à
criminalização implementada com sucesso em diversos países desenvolvidos do mundo é
a descriminalização do aborto em seu estágio inicial (em regra, no primeiro trimestre),
desde que se cumpram alguns requisitos procedimentais que permitam que a gestante
tome uma decisão refletida. É assim, por exemplo, na Alemanha, em que a grávida que
pretenda abortar deve se submeter a uma consulta de aconselhamento e a um período de
reflexão prévia de três dias. Procedimentos semelhantes também são previstos em Portugal, na
França e na Bélgica. Além disso, o Estado deve atuar sobre os fatores econômicos e sociais
que dão causa à gravidez indesejada ou que pressionam as mulheres a abortar. As duas razões
mais comumente invocadas para o aborto são a impossibilidade de custear a criação dos filhos

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

e a drástica mudança na vida da mãe (que a faria, p. ex., perder oportunidades de carreira).
Nessas situações, é importante a existência de uma rede de apoio à grávida e à sua família,
como o acesso à creche e o direito à assistência social. Além disso, muitas gestações não
programadas são causadas pela falta de informação e de acesso a métodos contraceptivos. Isso
pode ser revertido, por exemplo, com programas de planejamento familiar, com a distribuição
gratuita de anticoncepcionais e assistência especializada à gestante e educação sexual. Logo, a
criminalização do aborto também não é aprovada no teste relacionado com o subprincípio da
necessidade.

Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito: as restrições aos direitos


fundamentais das mulheres decorrentes da criminalização são ou não compensadas pela
proteção à vida do feto? O fato de as mulheres serem privadas do direito de abortar gera uma
maior proteção ao feto? O STF entendeu que não. Conforme demonstrado, a tipificação penal
do aborto produz um grau elevado de restrição a direitos fundamentais das mulheres. Por
outro lado, a criminalização do aborto promove um grau reduzido (se algum) de
proteção dos direitos do feto, uma vez que não tem sido capaz de reduzir o índice de
abortos. Dessa forma, não há proporcionalidade em sentido estrito em se manter a punição do
aborto consentido nos três primeiros meses da gravidez. Praticamente nenhum país
democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante a fase inicial da
gestação como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França,
Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.

Primeiro trimestre da gravidez


Comentários: vale ressaltar que, pela decisão do STF, só não será punido o aborto consentido
(realizado pela mulher ou por terceiro com sua concordância) e desde que feito nos três
primeiros meses da gravidez. Se for realizado após o primeiro trimestre, continua sendo
crime. Por que este critério de três meses? Existe uma intensa e polêmica discussão sobre
quando se inicia a vida e qual é o status jurídico do embrião durante a fase inicial da
gestação. Dentre outras, há duas posições principais e antagônicas em relação a isso:

1. De um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o
espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células.

2. De outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso
central e da presença de rudimentos de consciência (o que geralmente se dá após o
terceiro mês da gestação) não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha
religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém, existe um dado científico que
é inquestionável: durante os três primeiros, meses o córtex cerebral (que permite que o
feto desenvolva sentimentos e racionalidade) ainda não foi formado nem há qualquer
potencialidade de vida fora do útero materno. Assim, não há qualquer possibilidade de o
embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá
integralmente do corpo da mãe. Justamente com base nessas premissas científicas, diversos
países do mundo adotam como critério que a interrupção voluntária da gestação não deve ser
criminalizada, desde que feita no primeiro trimestre da gestação. É o caso da Alemanha,
Bélgica, França e Uruguai.

ESCLARECIMENTOS SOBRE OS EFEITOS DA DECISÃO COMENTADA

Comentários: tão logo esta decisão foi proferida, surgiram várias notícias na imprensa no sentido
de que o STF teria descriminalizado o aborto realizado nos três primeiros meses de gravidez.
Esta afirmação não é tecnicamente correta. Vamos entender os motivos. No caso concreto, o
STF analisava um habeas corpus impetrado por dois médicos que foram presos em flagrante
no momento em que supostamente estariam realizando um aborto com o consentimento da
gestante (art. 126 do CP). No HC impetrado, os pacientes buscavam a liberdade provisória. O
Min. Roberto Barroso, ao analisar o writ, entendeu que não estavam presentes os pressupostos
da prisão preventiva. Um desses pressupostos é a existência de crime, o que é exigido na
parte final do art. 312 do CPP:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria.

Segundo o Ministro, não havia motivo para a prisão preventiva, considerando o fato de que a
gravidez da mulher estava ainda no primeiro trimestre, razão pela qual a punição prevista nos
artigos 124 e 126 do CP não seria compatível com a Constituição Federal, ou seja, não teria
sido recepcionada pela atual Carta Magna. Por conta disso, o Ministro concedeu a ordem de
habeas corpus para afastar a prisão preventiva dos pacientes, concedendo-lhes liberdade
provisória. É importante, no entanto, pontuar três observações:

1. Esta decisão foi tomada pela 1ª Turma do STF (não se sabe como o Plenário
decidiria);

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

2. A discussão sobre a criminalização ou não do aborto nos três primeiros meses da


gestação foi apenas para se analisar se seria cabível ou não a manutenção da prisão
preventiva;

3. O mérito da imputação feita contra os réus ainda não foi julgado e o STF não
determinou o "trancamento" da ação penal. O habeas corpus foi concedido apenas para
que fosse afastada a prisão preventiva dos acusados.

Obviamente, esta decisão representa um indicativo muito claro do que o STF poderá decidir
caso seja provocado de forma específica sobre o tema, tendo o Min. Roberto Barroso
proferido um substancioso voto que foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin e Rosa
Weber. Os demais Ministros da 1ª Turma (Marco Aurélio e Luiz Fux) não se comprometeram
expressamente com a tese da descriminalização e discutiram apenas a legalidade da prisão
preventiva. Dessa forma, existem três votos a favor da tese, não se podendo afirmar que o
tema esteja resolvido no STF. Ao contrário, ainda haverá muita discussão a respeito.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

LESÃO CORPORAL – Art. 129, do CP


Introdução: tem aluno que pensa que a lesão corporal é de somenos importância, quando nós
temos crimes bem mais importantes no CP. Pessoal, o art. 129, além de ser o artigo que mais
possui parágrafos no Código Penal, ele é um artigo muito rico em detalhes. Vocês vão ver
quantas questões importantes caem em concurso, principalmente MP/RJ (caiu uma questão
boa recentemente).
Bem jurídico: eu começo perguntando, só para vocês verem como a questão não é simples:
qual é o bem jurídico tutelado no art. 129? Pensou em incolumidade física? O examinador
fala assim para o candidato: NÃO. E você pensa que o código dele não é o mesmo que o seu.
O bem jurídico tutelado no art. 129 é a incolumidade pessoal do indivíduo. Isso significa
que o bem jurídico é muito mais amplo do que a incolumidade física. Protege o indivíduo
na sua:
• Saúde física ou corporal, também protege o indivíduo na sua
• Saúde fisiológica (correto funcionamento do organismo), também protege o
indivíduo na sua
• Saúde mental.
Portanto: guardem isso! O art. 129 não protege somente a integridade física. Também, a
fisiológica, correto funcionamento do organismo e a saúde mental. Vocês vão ver que o
desmaio é lesão corporal e não traz ofensa à sua saúde física, mas principalmente à
fisiológica e mental. Presta atenção! Isso que eu acabei de colocar está também na exposição
de motivos, rica fonte de doutrina. Essa abrangência gigante do bem jurídico está estampada
na exposição de motivos do Código Penal.
Análise do tipo: constitui lesão corporal:

a) Ofensa á integridade física (qualquer alteração anatômica prejudicial) ao corpo


humano, ou seja, dano físico em que se atinge tecido externo ou interno do corpo
humano (fraturas, cortes, queimaduras, escoriações) Esquimose (rouxidão decorrente
do rompimento de pequenos vasos) hematomas (esquimose com inchaço).

b) Ofensa á saúde compreende perturbações fisiológicas (desajuste no funcionamento de


algum órgão, por exemplo, provocação de vômitos, paralisia, impotência sexual,
transmissão de doença etc) ou mentais (desarranjo no funcionamento cerebral como
convulsões desmaios, doenças mentais, etc ).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

c) Não constitui lesão corporal: eritemas (vermelhidão passageira decorrente de tapas,


beliscões). Dor não constitui lesão corporal (ausência de materialidade) Dano
irrisório (alfinetada, pequenas lesões causadas por acidente de trânsito por conta do
princípio da insignificância).

TOPOGRAFIA DO ART. 129


Guardem essa topografia!
a. Art. 129, caput: Lesão dolosa leve.
b. Art. 129, § 1º: Lesão dolosa grave – Cuidado que aqui temos a primeira
pegadinha em concurso porque o § 1º não traz somente a lesão dolosa grave.
Vocês vão ver que ele também tem lesão preterdolosa grave. O candidato tem
o vício de imaginar que o preterdolo só está no § 3º, na lesão seguida de morte.
Não! O § 1º também tem o preterdolo.
c. Art. 129, § 2º: Lesão dolosa gravíssima – É a segunda pegadinha em concurso.
Também no § 2º tem preterdolo. Ela também pode ser preterdolosa. Vocês vão ver
daqui a alguns minutos que algumas modalidades dos §§ 1ºe 2º, necessariamente
são preterdolosas.
d. Art. 129, § 3º: Lesão seguida de morte (esta genuinamente preterdolosa, onde o
crime preterdoloso melhor se explica).
e. Art. 129, §§ 4º e 5º: Lesão dolosa privilegiada

f. Art. 129, §6º: Lesão culposa

g. Art. 129, §7º: Majorantes

h. Art. 129, §8º: Perdão judicial

i. Art. 129, §§ 9º, 10 e 11: Violência doméstica e familiar (aqui não é só contra a
mulher).
Assim está a topografia da lesão corporal no nosso código. Depois que eu fizer uma análise
geral da lesão corporal, aí eu enfrento cada um dos dispositivos.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ART. 129: GENERALIDADES


Sujeito ativo: quem é o potencial sujeito ativo? Quem pode praticar lesão corporal? Exige-se
alguma qualidade ou condição especial do agente? “Trata-se de crime comum, não se
exigindo qualidade especial do agente.” Qualquer pessoa pode praticar lesão corporal em
outra. Isso não cai, é muito fácil.
Caiu em prova I: eles vão perguntar para vocês que crime pratica o policial militar que
agride uma pessoa. A jurisprudência majoritária diz que o policial militar, sujeito ativo,
pratica dois crimes: abuso de autoridade + lesão corporal. Então, se o sujeito ativo for
policial militar, ele pratica dois crimes. Olha o detalhe: sujeito ativo, policial militar, pratica
abuso + lesão corporal. Pergunto: quem vai julgá-lo? Justiça militar ou justiça comum?
• O abuso será julgado na justiça comum
• A lesão corporal será julgada na justiça militar.
Súmula 172, do STJ: haverá separação de processos? Sim. O abuso de autoridade vai para a
justiça comum e a lesão corporal vai para a justiça militar. Por quê? Porque a lesão corporal é
crime militar impróprio. Está previsto no CPM. O abuso não está previsto no CPM. Vamos
ver o que diz a súmula:
STJ Súmula nº 172 - DJ 31.10.1996 - Compete à Justiça Federal
processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que
praticado em serviço.
Sujeito passivo – Quem pode ser sujeito passivo da lesão corporal? Olha a resposta do seu
concorrente: “qualquer pessoa”. Vocês vão dizer o seguinte: “em regra, qualquer pessoa
pode ser vítima de lesão corporal porque nós temos duas hipóteses claras de vítimas
especiais.” Cuidado! Nós temos duas hipóteses de sujeitos especiais. Primeira hipótese? Art.
129, § 1º, IV, onde a vítima, necessariamente é gestante. E o art. 129, § 2º, V, onde a vítima,
também, necessariamente é gestante. O inciso IV fala da aceleração do parto, quando a lesão
provoca a aceleração do parto. E o inciso V fala da lesão que resulta aborto. Nessas duas
hipóteses, a vítima é personagem principal. Nessas duas hipóteses, a vítima deve ser gestante.
Só vocês vão anotar isso. A maioria vai colocar que qualquer pessoa pode ser vítima de lesão
corporal. Concordo, mas em regra porque há duas hipóteses de lesão em que a vítima é
especial.
Caiu em prova II: vocês já estão cansados de saber que o direito penal não pune a autolesão.
Você não tem como ser sujeito ativo e passivo ao mesmo tempo. Eu quero saber: que crime
pratica uma pessoa que convence um inimputável (seja um doente mental, seja um ébrio) a
praticar lesão corporal em si mesmo? Eu Carlos, convenci um doente mental a se ferir no
braço. Que crime eu pratiquei? Respondo por algum crime? Qual é a resposta? Já caiu isso em

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

concurso. Que crime eu pratico ao me valer da sua incapacidade para feri-lo? Eu respondo
por lesão corporal na condição de autor mediato. O meu instrumento? A incapacidade dele.
Caiu em prova III: mais uma questão interessante: imaginem uma pessoa se dirigindo para
dar um soco em outra. Essa vítima desvia do soco, porém, se desequilibra, cai e fratura o
braço. Quem deu o soco vai responder pela fratura do braço ou vai responder por tentativa de
lesão? O examinador perguntou a resposta e mandou fundamentar. Ele vai responder pela
fratura do braço. Por quê? Porque a queda da vítima é uma concausa relativamente
independente superveniente que não por si só produziu o resultado. Logo, quem começou
responde pelo resultado final. O agressor responde pela fratura do braço da vítima, pois a
sua queda é uma concausa relativamente independente superveniente que não por si só
produziu o resultado. Embasamento legal: art. 13. § 1º, do CP, a contrario sensu.
Objeto da conduta: o que pune o art. 129, de modo geral? Pune “ofender a incolumidade
pessoal de outrem.” Vão acostumando: não falem em incolumidade física porque não é o
único bem jurídico. É ofender a incolumidade pessoal de outrem. Agora, prestem atenção:
trata-se de crime de execução livre. Pode ser praticado por ação ou omissão. O crime pode
ser causar a enfermidade ou agravar a enfermidade que já existe. Responde por lesão
corporal aquele que causa a enfermidade, bem como aquele que agravou uma
enfermidade que já existe. Pratica lesão quem cria ferimento ou quem agrava o ferimento
que já existe. Tudo isso é lesão.
Dor e lesão corporal: vocês acham dispensável ou indispensável a dor? A vítima tem que
sentir dor? Não. A dor é dispensável. É circunstancia que será analisada pelo juiz na fixação
da pena. Cuidado! Esse crime não precisa produzir dor. Desmaio pode ser lesão corporal.
Observação: cortar cabelos da vítima, sem autorização dela, é lesão corporal? É crime ou não
é crime?
1ª Corrente: pode configurar lesão corporal se a conduta provocar uma alteração
desfavorável no aspecto exterior do indivíduo.
2ª Corrente: Pode configurar injúria real.
3ª Corrente (minoritária): pode configurar a chamada vias de fato.
Observação: vocês vão até encontrar jurisprudência dizendo que o cabelo pode ser objeto de
furto. Particularmente, eu fico com as duas primeiras correntes porque elas se complementam.
Tudo depende do dolo do agente. Pode ser um ou outro, a depender do dolo do agente.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Caiu em prova IV: eu quero saber o seguinte: numa briga, a pluralidade de ferimentos na
vítima, gera pluralidade de crimes? A vítima fica com hematomas no corpo, perna esfolada,
maxilar quebrado, cada um gera um crime? Anotem: A pluralidade de ferimentos no mesmo
contexto fático não desnatura a unidade do crime, isto é, o crime continua um só. Porém,
será considerada na fixação da pena.
Questão controversa: eu quero saber o seguinte: a incolumidade pessoal é um bem
disponível ou indisponível? A vítima consente que você ofenda o corpo dela, você praticou
algum crime? Para você saber se o consentimento da vítima exclui ou não a ilicitude, você
tem que saber primeiro se o bem jurídico lesado é disponível ou indisponível. A incolumidade
pessoal do indivíduo é bem disponível ou indisponível? Você pode me pedir para te dar um
soco? Se eu dou, eu dou o soco, eu pratiquei algum crime?

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Disponibilidade ou Indisponibilidade do Bem Jurídico


Comentários: se você acha que é indisponível (e é o que pensa a doutrina tradicional),
imaginem aquela jovem que vai até o local adequado e pede para colocar um piercing no
umbigo. O homem perfura e na hora que ele vai cobrar, ela diz: “ah, não. Você está preso em
flagrante, lesão corporal”. “Ah, mas a senhora concordou.” E daí, a incolumidade é
indisponível, o senhor está preso. Vou chamar a polícia. É isso? Por isso, a doutrina
moderna vem dizendo o seguinte: a incolumidade pessoal é um bem relativamente
disponível. “Será disponível quando se tratar de lesão leve e não contrariar a moral e os
bons costumes.” Cezar Roberto Bittencourt e o legislador seguiram essa tendência. Quem me
dá uma prova de que a lei seguiu essa tendência? É só se lembrar da Lei 9.099/95 que diz que
nessas hipóteses, a ação penal fica condicionada à representação da vítima. É a maior prova
de que a lei também acha que a incolumidade pessoal é um bem disponível quando leve e não
contrariar a moral e os bons costumes.

Lesão em esportes
Comentários: há esportes que a lesão faz parte de sua essência (boxe, vale-tudo, artes
marciais) nestes casos há a excludente do exercício regular de direito (para alguns, fato
atípico, para outros causa de exclusão da culpabilidade), desde que observadas às regras do
esporte, caso contrário, incide o crime de lesão (pequenas faltas no futebol são admitidas,
mesmo que fora das regras, desde que não haja por parte do agressor excesso injustificável
ou dolo de lesão).

Consentimento do ofendido
Comentários: Parte da doutrina entende que é aplicável no contexto das lesões corporais, sob
o fundamento de causa supralegal de exclusão da antijuridicidade. Embora parte da
doutrina sustente que a incolumidade física é bem indisponível, de modo que o consentimento
da vitima não excluiria o crime. A evolução dos costumes desmente tal posicionamento,
uma vez que na sociedade é comum atividades lícitas ofenderem a integridade física
(exemplo sexo masoquista entre adultos, lesões socialmente aceitas, como brincos, piercing,
operações de mudança de sexo etc.).

Ablação de órgãos
Comentários: e o transexual que realiza a ablação do órgão, construindo outro de
conformidade feminina? O médico vai responder por lesão corporal? Reparem que não se
trata de lesão leve. Logo, o consentimento da vítima, não interessa. O médico vai estar

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

escudado pelo exercício regular de um direito. Só locais autorizados a realizar essa cirurgia é
que podem realizá-la. O médico, na ablação do órgão de um transexual pode alegar exercício
regular de um direito.

Conduta médica e cirurgia de emergência ou reparadora


Comentários: por que o médico não responde pelo crime de lesão? Eu sei que ele não
responde. Mas eu quero saber a razão. Esse médico, quando corta a sua carne de maneira
drástica não responde por lesão por quê? Já foi objeto de dissertação: “intervenção médica
sob a luz da teoria geral do delito”. Por que o médico não responde por lesão corporal?
1. 1ª Corrente: é hipótese de atipicidade – Bento de Faria defende isso. Não defende
o ajuste do comportamento do médico ao tipo penal.
2. 2ª Corrente: ausência de dolo – Francisco de Assis Toledo. Ele diz que quando o
médico intervém, ele não tem o dolo de ofender, mas o dolo de curar, o que é
diferente.
3. 3ª Corrente: no caso de lesão leve, não podemos nos esquecer do consentimento
do ofendido nos termos da lição de Bittencourt.
4. 4ª Corrente: exercício regular de um direito.
5. 5ª Corrente: tipicidade Conglobante – se você adota a tipicidade conglobante,
vocês sabem que exercício regular de direito é hipótese de atipicidade. E, para
excluir o comportamento criminoso do médico, é possível aplicar ainda:
6. 6ª Corrente: imputação objetiva.
Conclusão: era isso que o examinador queria na segunda fase. Ele queria que você explicasse,
principalmente, essas correntes modernas: tipicidade conglobante e imputação objetiva. Não
há criação de risco proibido. Então, o médico não responde pelo crime, diante de qualquer um
desses ângulos. Há seis maneiras de justificar o comportamento médico nessas hipóteses.
Consumação: O crime de lesão corporal se consuma com a efetiva ofensa à incolumidade
pessoal. Trata-se de crime material.
Tentativa – Admite tentativa nas modalidades dolosas.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ART. 129: caput – LESAO DOLOSA LEVE


Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano.
Análise do tipo: vamos a alguns detalhes: aqui eu tenho exclusivamente a lesão leve.
Nenhuma outra se encaixa aqui. E o que é lesão leve? Quando que uma lesão é leve? O
conceito é dado por exclusão: ela é leve quando não for grave, gravíssima ou seguida de
morte. O conceito de “leve” nos é dado por exclusão. Trata-se de infração penal de menor
potencial ofensivo – detenção de 03 meses a 01 ano – cuja ação penal depende de
representação da vítima. Art. 88, da Lei 9.099.
Possibilidade de flagrante: vocês escreveram que o art. 129, caput traz uma lesão dolosa
leve. Quero saber, admite flagrante? Sim ou não? Pergunta de concurso. Infração penal de
menor potencial ofensivo admite flagrante? Claro que admite! O autor dos fatos escapa do
auto de prisão em flagrante se ele se compromete a comparecer no juizado. Isso significa que
se ele não se compromete, instaura-se, inclusive, o auto de prisão em flagrante. Cuidado com
isso! O candidato desavisado tem a mania de pensar que infração de menor potencial ofensivo
não admite flagrante. Admite captura, admite condução à delegacia e admite auto de
prisão em flagrante se ele não se comprometer a comparecer no Juizado. Se ele se
compromete a comparecer, ele só evita o auto de prisão em flagrante. Eu já ouvi policial
falar: “é doutor, bateu nela e eu não posso prender em flagrante.” E eu falei: “e eu não posso
prender o senhor em flagrante porque não existe prevaricação culposa ou por ignorância.”
Que absurdo! Claro que admite flagrante, condução à delegacia e, na delegacia, se ele se
compromete a comparecer no Juizado, evita a terceira fase do flagrante, que é a lavratura do
auto. Só isso. Idem para o desacato, etc. O policial fala: “me xingou, não posso fazer nada.”
Como não? Prende em flagrante.
Absorção: há delitos em que a lesão faz parte de sua execução, haja vista que contém em sua
estrutura típica a expressão violência (roubo, estupro, extorsão). Nestes casos se ocorrerem
lesões leves as mesmas ficam absorvidas, salvo menção expressa no próprio artigo (injúria
real, dano qualificado, resistência etc.).

Princípio da insignificância: o art. 129, caput, traz a lesão leve. Aplica-se o princípio da
insignificância? É aplicável o princípio da insignificância? A jurisprudência e a doutrina
admitem o princípio da insignificância mesmo na lesão leve, excluindo a tipicidade: pequenas
arranhaduras, passageira dor de cabeça, etc. Heleno Fragoso e Pierangeli admitem o princípio
da insignificância excluindo a tipicidade.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE


§ 1º - Se resulta:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos.
Análise do tipo: o § 1º traz quatro incisos indicadores de lesão corporal de natureza grave. Eu
vou analisar cada um deles separadamente. Só para vocês perceberem, pela pena significa que
estou diante de qualificadora. O § 1º é qualificadora. Não é causa de aumento. Deixa de ser de
menor potencial ofensivo (01 a 05 anos), mas continua admitindo suspensão condicional do
processo.

Inciso I: incapacidade para as ocupações habituais, por mais de


30 (trinta) dias.
Comentários: qualifica-se o crime de lesão corporal de natureza grave se resulta na vítima
incapacidade para ocupação habitual por mais de 30 dias. Não tem como explicar o inciso I
sem, primeiro, conceituar ocupação habitual: Ocupação habitual é qualquer atividade
corporal rotineira, não necessariamente ligada a trabalho ou ocupação lucrativa, devendo
ser lícita, ainda que imoral. Se você ficar incapacitado por mais de trinta dias para qualquer
atividade desse tipo, você sofreu lesão corporal de natureza grave, reclusão de 01 a 05 anos.
Observação: prostituta não pode exercer o comércio carnal por mais de trinta dias por conta
da lesão que sofreu. É grave? Sim. A prostituição é lícita? Sim, ainda que imoral. Então, ela
pode ser vítima.
Caiu em prova: olha que caiu no MP/SP quando a 1ª fase era escrita (era o que hoje é a
segunda fase): Bebê de 02 meses pode ser vítima de lesão corporal de natureza grave pelo
inciso I? Ele só mama e dorme. Se ele não conseguir mamar por mais de 30 dias, que é a
atividade rotineira dele, lesão corporal de natureza grave. Professor, mas se ele não
mamar por mais de 30 dias, ele morre. Não, vai ser alimentado por outros modos!
Caiu em prova II: pergunta que vai cair no seu concurso: a mulher ficou com o olho roxo e
falou: “enquanto esse olho não voltar ao normal, eu não saio de casa.” Ela ficou por mais de
30 dias, por vergonha, sem sair de casa, logo, sem exercer suas ocupações habituais. Incide
esta qualificadora ou não? Se ela, por vergonha, ficar em casa por mais de trinta dias?
Cuidado! A lesão tem que incapacitá-la, não a vergonha da lesão. Então, a simples vergonha
não autoriza esta qualificadora. Ela tem que ficar incapacitada em face da lesão. Tem
jurisprudência nesse sentido. O que tem que incapacitar é a lesão, não a vergonha da lesão.
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Observação: a incapacitação é por mais de 30 dias. Isso significa o quê? Significa que eu
tenho o dia da lesão. Nesse dia, você faz uma perícia. Para saber se você ficou ou não
incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias, quando chegar o 30º dia você
tem que fazer nova perícia. No dia da lesão, nós atestamos a materialidade com uma primeira
perícia que não tem poderes divinatórios. Ela não tem como adivinhar se você vai ficar mais
de 30 dias incapacitado. Então, o que o médico legista faz? Ele determina o retorno do
paciente, decorridos trinta dias e vai fazer nova perícia para saber se está ou não apto a voltar
para as ocupações habituais. Então, vou precisar de duas perícias. A primeira e a segunda,
chamada de complementar. Isso está onde? Art. 168, §2º do CPP.
Prazo penal ou processual: respondam se o laudo complementar é válido ou inválido: vamos
supor que no dia 10/10/12, a pessoa sofreu uma lesão. O médico já percebe que essa lesão
aparenta ser grave. Então, ele vai determinar o retorno para o exame complementar. A partir
de que dia esse exame complementar pode ser realizado? O prazo é penal? Se o prazo é penal,
você computa o dia do início e exclui o dia do fim. Então, o 30º dia, se o prazo é penal, é o
dia 09/11, significando que o exame complementar só pode ser realizado no dia 10 e
seguintes. Agora, se você entende que o prazo é processual penal, aí você exclui o dia do
início e inclui o dia do fim. O 30º dia será o dia 10/11. Isso significa que o exame
complementar só pode ser realizado a partir do dia 11. Quando eu posso realizar o exame
complementar? Esses 30 dias configuram prazo penal ou processual penal? É só você pensar:
o prazo está ligado ao direito de perseguir, ou ao direito de punir e tipificar o delito? Está
ligado à tipificação do delito? Então é um prazo penal. O exame complementar já pode ser
realizado dia 10. Isso está escrito no art. 168, do CPP (“contado da data do crime” – o prazo é
penal).

Se resulta: II – perigo de vida:


Comentários: também será grave, com pena de 01 a 05 anos, se a lesão resulta na vítima
perigo de vida. Vamos entender o que significa esse perigo de vida para compreender quando
que ocorre essa qualificadora. “Perigo de vida é probabilidade séria, concreta e imediata do
êxito letal, devidamente comprovado por perícia.” Isso é perigo de vida! Isto gera a
qualificadora.
Observação: extremamente importante o que vou falar agora. Já dá para perceber que o
simples local da lesão não presume essa qualificadora. Ela tem que ser comprovada por
perícia. Não é porque a pessoa sofreu uma lesão no pescoço que você vai concluir por perigo
de vida. Tem que haver perícia nesse sentido. Não é porque uma pessoa sofreu lesão perto do
coração que você vai presumir essa qualificadora. Não. Tem que ter uma perícia que vai

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

avaliar, inclusive, a probabilidade séria da lesão corporal levar a vítima à óbito. Então,
cuidado! Tem que haver perícia. A simples região da lesão não permite presunções.
Crime preterdoloso: vocês estão lembrados que bem no comecinho da aula eu falei que o §
1º é doloso, mas também pode ser preterdoloso? O inciso I pode ser doloso se você agride,
querendo incapacitar a pessoa por mais de trinta dias e pode ser preterdoloso: você agride e,
culposamente, deixou a pessoa incapacidade por mais de trinta dias para as suas ocupações. O
inciso II, necessariamente, é preterdoloso. E agora vocês nunca mais vão pensar que o
preterdolo só está no § 3º. Vou repetir porque é importante: o preterdolo na lesão corporal não
está só no § 3º. Você tem preterdolo no § 1º e no § 2º. O § 1º, inciso I, por exemplo, pode
ser preterdoloso. Você, dolosamente, quer incapacitar a pessoa por mais de 30 dias para
as suas ocupações habituais ou, culposamente, você provoca esse resultado. Agora, o
inciso II, não. O inciso II, necessariamente, é preterdoloso. O inciso II não pode ser doloso!
Você não pode assumir o risco de vida, pois, do contrário, você responderá por tentativa de
homicídio. Então, no inciso II você age com dolo na lesão e culpa no perigo de vida. Se você
assume o risco de ceifar a vida da pessoa, você vai responder por tentativa de homicídio.
Então, cuidado! O inciso II,necessariamente é preterdoloso. Contudo, como sempre há duas
correntes: Quanto o crime em questão exigir que o perigo de vida tenha de ser culposo há
duas correntes:
a. 1º Corrente (majoritária) há dolo na conduta antecedente (lesão) e culpa no resultado
mais grave (perigo de vida), pois se houvesse dolo em ambas as partes haveria tentativa
de homicídio.
b. 2º Corrente o perigo de vida também pode ser doloso, uma vez que não foi
expressamente afastado pelo legislador como no caso do parágrafo 3º, deste mesmo
artigo (Guilherme Nucci e Esther Figueiredo Ferraz).
Observação II: o laudo informará no que consistiu o perigo de vida (perda de sangue,
ferimento em órgão vital, cirurgia etc.). Para a caracterização do inciso é necessário que o
risco de morte venha diretamente das lesões e não de causas externas (vítima que leva um
soco e por isso se desequilibra quase caindo de um penhasco).

Se resulta: III – debilidade permanente


Análise do tipo: o inciso III traz a qualificadora da debilidade permanente de membro,
sentido ou função. Eu preciso explicar o que é membro, sentido e função? Não. Aliás,
bastava colocar só função, que é gênero, e já abrange membro e sentido. O que importa é o
seguinte: no inciso III, a sua lesão provocou o quê na vítima? Uma debilidade permanente
nesse membro, nesse sentido, ou nessa função. Dolosa ou culposamente. Frouxidão duradoura

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

no corpo ou na saúde que se instala na vítima. É um enfraquecimento da capacidade


funcional.
1. Membros são os braços, as mãos, as pernas e os pés. Os dedos são partes dos
membros de modo que sua perda constitui debilidade permanente da mão ou do pé
ou ainda a perda da mobilidade de um braço.
2. Sentido mecanismos sensoriais, como tato, olfato, paladar, visão e audição. Como
exemplo, podemos citar uma lesão que causa diminuição da capacidade auditiva
da vítima ou a perda da visão de um dos olhos (para ser gravíssima tem de ficar
cego).
3. Função ação própria de algum órgão ou aparelho do corpo humano. Por
exemplo, quando a lesão acarreta alteração permanente na função respiratória,
circulatória, reprodutora, etc. A perda de um rim, por exemplo, é debilidade
permanente e não perda de função, uma vez que se trata de órgão duplo.
Significado de “debilidade” e “permanente”: Debilidade significa enfraquecimento,
diminuição da capacidade funcional. A pessoa fica diminuída na sua capacidade funcional,
permanentemente, para o resto da vida? NÃO! Permanente não significa perpétuo:
Permanente significa recuperação incerta e por tempo indeterminado. Isto é permanente.
Ninguém está falando em perpetuidade.
Caiu em prova: essa jurisprudência sempre cai em concurso: vamos supor que uma pessoa
ficou debilitada na sua capacidade motora, mas essa capacidade motora pode ser atenuada ou
mesmo suprida com o auxílio de próteses. Incide essa qualificadora? Isso é jurisprudência
tranqüila. Não importa que o enfraquecimento possa se atenuar ou se reduzir com o
aparelho de prótese. Vejam que aparelhos de prótese não excluem essa qualificadora.
Caiu em prova II: a perda de um dente gera essa qualificadora? O que vocês acham? Você
levou um soco e perdeu um dente. O que acha? Gera ou não gera a qualificadora? Ou
depende? Você levou um soco, pulou o dente do siso. Gera essa qualificadora? Para quê serve
o dente do siso? E se você perdesse o dente da frente? A resposta é: depende do dente. Só vai
gerar esta qualificadora aquele dente que, perdido, compromete o órgão de mastigação. O que
a perícia vai fazer? Vai relacionar o dente perdido com o órgão de mastigação e vai falar: qual
era a função desse dente? Sem esse dente há uma redução no órgão? Se houver, gera
qualificadora. Se não houver interferência alguma, não gera qualificadora.
Perda de dedo: concurso cai bastante isso. Você perdeu o dedão do pé. Não fiquem pensando
na parte estética! Vamos pensar na sua capacidade motora, na função que desempenha o
dedão do pé. E aí? É lesão grave? A mesma coisa: vai depender de perícia. A perícia vai
analisar a função daquele dedo no órgão a que ele está ligado.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Se resulta: IV – aceleração do parto


Análise do tipo: o inciso IV qualifica o crime de lesão corporal se da conduta do agente
advém na vítima aceleração de parto. Pode ser uma qualificadora dolosa ou preterdolosa. Ele
pode querer acelerar o parto ou, culposamente, acelerar o parto na vítima. Vejam! Eu falei em
aceleração de parto. Não falei em aborto. O feto nasce com vida. Aqui se quer agredir a
vítima, aceitando ou querendo a aceleração do parto. Eu agredi a vítima culposamente,
acelerando o parto, jamais assumindo o risco do aborto.
Observação: é imprescindível que o agente saiba ou pudesse saber que a vítima é gestante.
Por quê? Porque pode ser preterdoloso. Com isso, você evita a responsabilidade penal
objetiva.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

LESAO CORPORAL DE NATUREZA GRAVÍSSIMA


§ 2º - Se resulta:
I - incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
Análise do tipo: o§ 2º também traz qualificadoras. Olha o que diz o final: reclusão de 02 a 08
anos. Significa o quê? Não admite mais suspensão condicional do processo. Mas admite só
sursis. Então, o § 2º também é qualificadora, a pena mínima foi de 01 foi para 02 e a máxima
de 05 foi para 08, não admite mais suspensão condicional do processo, mas agora admite
o sursis.
Observação: agora prestem atenção: eu falei para vocês que o § 2º trazia lesão corporal de
natureza gravíssima. Onde está escrito isso? Vejam que o § 1º o CP chamou de lesão de
natureza grave. E no § 2º não disse nada sobre lesão corporal de natureza gravíssima. É
criação doutrinária que a jurisprudência aceitou. A expressão lesão corporal de natureza
gravíssima é criação doutrinária. O Código Penal, quando fala em lesão grave está se
referindo ao § 1º e ao § 2º. Ele não conhece a expressão “gravíssima”. Caiu para delegado de
polícia em SP essa questão. Agora, a doutrina é que diferencia. Diz: lesão grave é o § 1º.
Lesão gravíssima é o § 2º. Vejam, então, que há uma criação da doutrina que a jurisprudência
aceitou. Quando o CP fala em lesão grave, abrange os dois parágrafos. A doutrina, não.
Quando ela fala em lesão grave, só quer o parágrafo 1º. Quando ela quer o parágrafo 2º, ela
fala em lesão gravíssima. Tem uma lei que, finalmente, adotou a expressão da doutrina e hoje
é uma expressão legal: lei de tortura. Cuidado! Observação: “A lei de tortura adotou essa
expressão.”

Incapacidade permanente para o trabalho.


Análise do tipo: comparando o inciso I do § 1º, com o inciso I do § 2º, dá para ver que este
aqui é mais grave. Lá você fica incapacitado para as atividades habituais por mais de 30 dias.
Aqui você fica incapacitado para o trabalho! E de forma permanente.
Alcance do termo permanente: permanente é duradouro no tempo e sem previsibilidade de
cessação. Você fica incapacitado permanentemente para o trabalho. Não mais para meras
ocupações habituais. Pergunto: qual trabalho? Para qualquer trabalho ou só para o trabalho
que você exercia anteriormente à lesão? O que gera essa qualificadora? Você ficar
incapacitado para jogar futebol (se é jogador de futebol) ou você ficar incapacitado para

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

exercer qualquer outra espécie de profissão? Prevalece que só incide essa qualificadora se
você ficar incapacitado para todo e qualquer tipo de trabalho, o que eu acho um absurdo.
Você fica um inútil. Agora eu pergunto: quem me dá exemplo de uma lesão que não seja o
estado vegetativo que te deixe afastado para todo e qualquer trabalho. O Christopher Reeve
(Superman), depois do acidente, não ficou incapacitado para o trabalho. Ele atuou, virou
diretor. Eu estou aqui apenas e tão-somente demonstrando que se essa qualificadora depende
da pessoa ficar incapacitada para todo e qualquer tipo de trabalho, está relegada à total
inaplicabilidade. Por isso, eu fico com a minoria, com Mirabete, que diz que basta você
ficar incapacitado para o trabalho que anteriormente exercia. Mas, Mirabete é minoria.
Acho mais razoável.

Se resulta: enfermidade incurável.


Análise do tipo: o inciso II qualifica a lesão corporal como sendo de natureza gravíssima, se
resulta na vítima enfermidade incurável. “Enfermidade incurável é alteração permanente da
saúde em geral por processo patológico, ou seja, a transmissão intencional de uma doença
para a qual não existe cura no estágio atual da medicina.”
Caiu em prova: a jurisprudência já entendeu como exemplo a vítima ficar manca. O fato de
ela ter ficado manca não é uma debilidade de função. Ela continua se movimentando,
mas o fato de ficar manca é uma enfermidade que a medicina não cura. Já temos
jurisprudência nesse sentido. Cuidado! Não pode ser uma doença letal, como a AIDS. Se for
uma doença letal, o STJ já decidiu: tentativa de homicídio. Transmissão intencional do
vírus da AIDS é tentativa de homicídio. E por quê? Porque você está transmitindo uma
doença de natureza letal. Você sabe que tem projeto de lei no Congresso criando o crime de
transmissão intencional do vírus da AIDS.
Observação: já há jurisprudência no sentido de que a transmissão do vírus HIV seria lesão
corporal gravíssima, já que a vítima não vem a óbito, salvo se não tomar a medicação
adequada, em suma, ninguém mais morre de AIDS.

Se resulta: – perda ou inutilização de membro, sentido ou função.


Análise do tipo: o § 1º falava em perda ou inutilização de membro sentido ou função? Não.
Falava em debilidade. No §1º, o seu membro, o seu sentido, a sua função ficou enfraquecida.
Aqui, não. Você perdeu ou foi inutilizada. É situação bem mais grave.
• Perda: amputação ou mutilação.
• Inutilização: membro, sentido ou função inoperante.
Caiu em prova: você sabe a diferença entre amputação e mutilação? Caiu para delegado de
polícia. Quem amputa? O médico? Quem mutila? O agressor. Se na agressão, ele arrancou o

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

seu braço, ele mutilou o seu braço. Se o médico, na cirurgia, teve que tirar o seu braço para
salvar a sua vida, ele amputou. Caiu isso em concurso! Na inutilização, o seu membro
continua no corpo, mas sem utilidade alguma. São situações bem mais graves do que a
do § 1º, que já era grave.
Caiu em prova II: TJ/RS (2009): em razão da lesão corporal, a vítima perdeu um rim. Foi
vítima de qual crime? Lesão corporal gravíssima ou não? Vocês não podem esquecer que,
para ser do tipo gravíssima, quando se tratar de órgãos duplos, os dois têm que ficar
inutilizados ou perdidos. Não basta perder ou inutilizar um. Tratando-se de órgãos duplos
tem que perder os dois. Essa pergunta também caiu em concurso falando de testículo. Para
ser gravíssima, você tem que perder os dois testículos. Dois rins. Perdeu um? Debilidade,
parágrafo 1º! Para ser parágrafo 2º tem que perder os dois. Perdeu um rim? Debilidade e não
inutilização.
Perda do pênis: e se em razão da lesão, você ficou impotente para gerar vida. Impotência
instrumental ou não? É lesão gravíssima? Impotência generandi é lesão gravíssima? Sim. E
tem até um exemplo. O médico, sem avisar a paciente, realizou a laqueadura. Sem avisar o
paciente, realizou vasectomia. São exemplos de lesão corporal de natureza gravíssima.

Se resulta – deformidade permanente


Análise do tipo: o inciso IV fala da deformidade permanente como hipótese de lesão
gravíssima. O que é sofrer deformidade permanente?“Deformidade permanente é dano
estético, aparente, considerável, irreparável pela própria força da natureza e capaz de
provocar impressão vexatória.” O que é impressão vexatória? “Desconforto para quem olha,
humilhação para a vítima.”
Caiu em prova: pergunta que caiu em concurso: “o que é vitriolagem?” “É lesão corporal
gravíssima em razão do emprego de ácidos.” Você provoca na vítima uma deformidade
permanente.
Observação: a idade da vítima é considerada pelo juiz no momento de analisar se há ou não
deformidade permanente? A idade, o sexo e a condição social são circunstâncias a serem
consideradas para se concluir se houve ou não deformidade permanente? A idade, o sexo e a
condição social são circunstâncias consideradas para concluir pela deformidade ou não.
Idade, sexo e condição social interferem na conclusão sobre se há ou não deformidade.
Olha como é legal estudar por Nelson Hungria (você lê um parágrafo e demora 05 horas para
entender o que ele fala, mas que é profundo é)! Olha o que ele diz: “ninguém pode duvidar
que devem ser diversamente apreciadas uma cicatriz no rosto de uma bela mulher e outra
na carantonha de um quasímodo; uma funda marca em um torneado pescoço feminino e

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

outra no perigalho de um septuagenário; um sinuoso gilvaz no braço roliço de uma jovem e


outro no braço cabeludo de um cavouqueiro.” Em síntese, ele quis dizer o seguinte: a
idade, o sexo, a condição social interferem na deformidade. Pronto.
Observação II: cuidado! Nós temos países, como Itália e Argentina que só consideram a
deformidade permanente se ela estiver no rosto da vítima. No Brasil, não. Não importa a
região. Abrange todo o corpo, desde que passível de exposição, ainda que essa exposição seja
num momento mais íntimo.

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: lesão corporal qualificado pela deformidade permanente e posterior cirurgia
plástica reparadora. Alguns livros defendem o contrário do decidido neste julgado! A
qualificadora “deformidade permanente” do crime de lesão corporal (art. 129, § 2º, V, do
CP) não é afastada por posterior cirurgia estética reparadora que elimine ou minimize a
deformidade na vítima. Isso porque, o fato criminoso é valorado no momento de sua
consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente quando não usuais (pelo
risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos prolongados, dolorosos ou
geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo da vítima. STJ. 6ª Turma. HC
306.677-RJ, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. para
acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/5/2015 (Info 562).

Comentários ao julgado acima: O art. 129 do Código Penal prevê o crime de lesão corporal.
No § 2º estão previstas as hipóteses chamadas pela doutrina de lesão corporal gravíssima.
Imagine agora a seguinte situação: João, com uma garrafa de vidro quebrada, desfere golpe
na face de Pedro, causando-lhe enorme corte na bochecha, que se transforma em cicatriz
parecida com a do jogador francês Ribery. O Ministério Público oferece denúncia contra João
por lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º, IV, do CP). Ocorre que, antes de o processo ser
julgado, Pedro é submetido à cirurgia plástica reparadora, operação que é bem sucedida,
sendo eliminada a cicatriz outrora existente. Diante disso, a defesa pede que a qualificadora
da deformidade permanente seja excluída da imputação. O pedido da defesa foi aceito? NÃO.
A qualificadora “deformidade permanente” do crime de lesão corporal (art. 129, § 2º,
IV, do CP) não é afastada por posterior cirurgia estética reparadora que elimine ou
minimize a deformidade na vítima. Isso porque, o fato criminoso é valorado no
momento de sua consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente
quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos
prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo
da vítima. Cuidado: A grande maioria dos livros defende posição contrária ao que foi

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

decidido pelo STJ. Assim, muita atenção para o tipo de pergunta que será feita na hora da
prova para não se lembrar do que leu no livro e errar a questão, especialmente em concursos
CESPE.

Se resulta: aborto.
Análise do tipo: aqui também, é uma qualificadora necessariamente preterdolosa. Dolo na
lesão, culpa no aborto. Se ele assumiu o risco do aborto, vai responder pelos dois crimes. Esta
qualificadora é, necessariamente, preterdolosa. E, a exemplo do inciso IV do §1º, ele aqui
também tem que saber ou ter condições de saber que a vítima é gestante, para evitar a
responsabilidade penal objetiva.
Caiu em prova: é possível a coexistência de qualificadoras do § 1º com qualificadoras do §
2º? É perfeitamente possível. Você ficar com debilidade permanente + deformidade
permanente. Então, é perfeitamente o art. 129, § 1º + o art. 129, § 2º. E aí? Você juiz faz o
quê? Lembrando que no § 1º a pena é de 01 a 05 e no § 2º a pena é de 02 a 08? O que você,
juiz, faz? Você vai usar o § 2º como qualificadora e o § 1º como circunstancia judicial
desfavorável. A circunstância do § 2º vai qualificar o crime e a do §1º vai servir na pena-base.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

LESAO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE


§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de 04 (quatro) a 12 (doze) anos.
Análise do tipo: o art. 129, § 3º tem um sinônimo que já vimos aqui: homicídio
preterdoloso ou preterintencional. Aqui, em nenhum momento se quis ou se assumiu o
risco de produzir a morte. Aqui, em nenhum momento ele quis (ou seja, exclui-se o dolo
direto) ou assumiu o risco (esquece o dolo eventual), no que diz respeito à morte. Homicídio
preterdoloso ou preterintencional. É a lesão corporal seguida de morte. Por isso, não vai a júri.
Pelo amor de Deus! Não é crime doloso contra a vida! Lesão corporal seguida de morte não
vai a júri!
Observação: professor, então nós estamos diante de um crime preterdoloso? Genuinamente
preterdoloso. Quais são os elementos do crime preterdoloso? Quais são os elementos do dolo
(isso todo mundo sabe, são dois)?
• Consciência e
• Vontade.
A culpa tem seis elementos. Quais são os elementos da culpa?
• Conduta
• Resultado
• Nexo
• Previsibilidade Objetiva
• Previsibilidade Subjetiva
• Tipicidade.
Elementos do preterdolo: e quais são os elementos do preterdolo? Vocês já viram isso
comigo na parte geral. A doutrina não costuma tratar o preterdolo em elementos, o que é um
absurdo, porque a culpa tem elementos, o dolo tem elementos, por que o preterdolo não tem?
Então, vamos para os elementos: art. 129, § 3º, crime preterdoloso. Vamos para os elementos
do crime preterdoloso:
a. 1º Elemento do preterdolo: Conduta dolosa, dirigida a ofensa à incolumidade pessoal.
b. 2º Elemento do preterdolo: Resultado culposo mais grave (morte).
c. 3º Elemento do preterdolo: Nexo causal.
Observação: agora, cuidado! O resultado mais grave tem que ser culposo. Se proveniente
de caso fortuito ou força maior, a pessoa responde somente pela lesão. Se o resultado morte
for proveniente de caso fortuito ou força maior, o agressor responde somente pela lesão.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Caiu em prova: agora eu quero saber qual crime eu tenho (vocês já viram esse mesmo
exemplo na parte geral): eu dou um empurrão numa pessoa, essa pessoa cai, torce o pé na
sarjeta, escorrega, bate a cabeça e morre. Ou eu estou numa boate, dou um empurrão numa
pessoa que se desequilibra, cai, bate a cabeça numa mesa e morre. Primeira coisa: o resultado
morte era previsível ou imprevisível? Eu não estou falando em resultado previsto. Quando eu
falo em previsível é: havia possibilidade de se prever que em uma boate onde tem mesas ele
pudesse cair bater a cabeça e morrer? Era potencialmente previsto? Era. Então, era previsível.
Eu que empurrei, tendo previsibilidade (não previsão) que ele poderia bater a cabeça e
morrer, que crime eu pratiquei? Lesão corporal seguida de morte? Não. Não por quê?
Porque empurrão não é lesão. Empurrão é vias de fato. Cuidado com essa pegadinha em
concurso! Você tem aqui: vias de fato seguida de morte. E tem algum crime “vias de fato
seguida de morte?” Não! Isso configura homicídio culposo. Vai configurar homicídio
culposo. Vias de fato seguida de morte não tem um tipo específico. Então, a vias de fato fica
absorvida pelo homicídio culposo. Eu só estou recordando e caiu exatamente esse exemplo no
concurso. O agente empurrou a vítima, que tropeçou, caiu, bateu a cabeça e morreu. Primeira
coisa: o resultado era previsível? Sim! Que crime ele praticou? Vias de fato seguida de morte
culposa? Isso é homicídio culposo! Obviamente, tratando-se de crime preterdoloso, não
admite a tentativa. Em geral.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA


Análise do tipo: o parágrafo 4º traz hipótese de diminuição de pena. Eu quero que vocês
leiam com cuidado porque ele despenca em primeira fase de concurso. Nós, praticamente, não
conhecemos os parágrafos 4º e 5º. De rara aplicação prática, mas cai.
Diminuição de Pena
§ 4º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Observação: pergunto: vocês já viram alguma coisa parecida em algum lugar? Já! Onde?
Homicídio privilegiado. Pode anotar: o § 4º traz a lesão privilegiada. Significa que tudo o
que nós falamos no art. 121, § 1º, vale para cá. Eu preciso ficar redundante aqui, repetindo
tudo? Não, né? Então, vamos para o que interessa:
Alcance do tipo: o privilegio alcança qualquer uma das modalidades anteriores. O privilégio
se aplica ao caput, o privilégio se aplica ao § 1º, o privilégio se aplica ao § 2º e ao § 3º.
Aplica-se a qualquer uma das lesões dos §§ anteriores. Você pode ter lesão leve
privilegiada, lesão grave privilegiada, lesão gravíssima privilegiada e lesão seguida de
morte privilegiada. Só para que não haja dúvida, trata-se de direito subjetivo do réu, não
faculdade do juiz. A discricionariedade do juiz diz respeito somente ao quantum da redução.
ART. 129: § 5º – SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Substituição da Pena
§ 5º - O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção
pela de multa:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Análise do tipo: vocês já anotaram que o § 4º se aplica a todas as figuras anteriores. O § 5º,
não. O § 5º só se aplica no caso de lesão leve (só se aplica ao caput)! E mesmo assim, basta
ser leve? Não! Tem que ser:
I. Lesão leve privilegiada ou
II. Lesão leve recíproca.
Então, se for lesão leve privilegiada cabe substituição por multa. Se for lesão leve recíproca,
cabe também substituição de multa.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

LESÃO CORPORAL CULPOSA


§ 6º - Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de 02 (dois) meses a 01 (um) ano.
Análise do tipo: voltamos a falar de uma infração penal de menor potencial ofensivo cuja
ação penal depende de representação da vítima. Se a lesão é dolosa, o fato de ser leve incide o
caput com pena de 03 meses a 01 ano. O fato de ser grave incide no § 1º, com pena de 01 a 05
anos. O fato de ser gravíssima incide no §2º, 02 a 08 anos.
Observação: agora, no caso da lesão culposa, pouco importa se é leve, se é grave ou se é
gravíssima, tratando-se de lesão culposa, as três hipóteses vão desembocar no § 6º, com
pena de 02 meses a 01 ano. Cuidado! A gravidade da lesão interfere na tipificação, se
dolosa. Se culposa, a gravidade da lesão vai desembocar sempre no § 6º, com pena de 02
meses a 01 ano. É o juiz que vai considerar a gravidade da lesão na fixação da pena-base.
Então, cuidado com isso. Então, o § 6º traz a lesão culposa leve, grave ou gravíssima e o grau
de gravidade da lesão vai repercutir na fixação da pena-base. Vocês estão lembrados daquele
velejador brasileiro, Lars Grael? A pessoa acabou mutilando as pernas dele, não foi isso?
Respondeu pelo art. 129, § 6º. Pronto. E o Jô Soares dizia que isso era um absurdo, que tinha
mutilado e, por isso, tinha que ser na gravíssima. Mas ele esqueceu que não foi na dolosa. Só
isso ele esqueceu!
Observação: vocês não podem esquecer que lesão culposa no transito não é mais no Código
Penal. Lesão culposa na direção de veículo automotor é o art. 303, do CTB:
Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo
automotor:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.

Lesão no CTB: ela continua sendo de menor potencial ofensivo, mas tem um detalhe
importante. O art. 129, § 6º, do CP, traz a lesão culposa, com pena de 02 meses a 01 ano. O
art. 303, do CTB também traz a lesão culposa na direção de veículo automotor. Qual é a
pena? Varia de 06 meses a 02 anos. E agora? Nós já vimos isso no homicídio. No homicídio
aconteceu uma coisa parecida, ou seja, 02 resultados idênticos com penas claramente
desiguais. Isso é inconstitucional? Lá no homicídio, como nós defendemos a
constitucionalidade? Fizemos o seguinte: o crime tem o desvalor da conduta e tem o desvalor
do resultado. Apesar do resultado ser o mesmo (lesão culposa e lesão culposa), a conduta no
trânsito é mais perigosa, merecendo uma pena maior. Estão lembrados disso? Então, aqueles
que limitarem o ângulo do desvalor do resultado vão dizer que isso é inconstitucional. Agora,

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

aqueles que lembrarem que crime é conduta e resultado e lembrarem-se do desvalor da


conduta vão defender a constitucionalidade. Mas aqui tem um problema. Aqui fica difícil
defender a constitucionalidade mesmo assim. Por quê? Porque se ele tivesse agindo
dolosamente no transito, a pena dele seria de 03 meses a 01 ano. Se ele tivesse com o
carro, agindo dolosamente e praticado uma lesão leve, por exemplo, a pena da lesão
culposa é o dobro. Por isso, fica difícil não reconhecer a desproporcionalidade. Olha: eu,
com meu carro, engatei a marcha-ré e, sem querer, acertei a sua coxa, ferindo-a. A minha
pena é de 06 meses a 02 anos. Mas se eu tivesse feito de propósito, a minha pena seria de 03
meses a 01 ano. Então, aqui fica difícil defender a constitucionalidade.
Em suma: quando você lembra que a lesão DOLOSA leve tem a metade da pena na
lesão culposa no trânsito fica difícil não reconhecer a desproporcionalidade. É punir o
mais com o menos e o menos com o mais. Perde o sentido. Então, na lesão corporal, fica
difícil defender a constitucionalidade.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA


§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do Art. 121,
§ 4º.
Análise do tipo: tudo o que eu falei no art. 121, § 4º, vocês aplicam aqui. Na verdade, só para
refrescar a memória, o art. 121, § 4º é aquele dispositivo que prevê majorantes para o
homicídio culposo e majorantes para o homicídio doloso.

PERDÃO JUDICIAL
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do Art. 121.
Análise do tipo: o qu2e significa isso? O art. 129, § 8º está permitindo o perdão judicial para
a lesão culposa. O § 8º está permitindo o perdão judicial para a lesão culposa! Guardem o que
eu vou falar! Só para a lesão culposa. Não se aplica para a preterdolosa, muito menos para
a dolosa. Então, o perdão judicial é só para a lesão culposa, abrangendo o Código de
Trânsito Brasileiro.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ART. 129: §§ 9º, 10 e 11


Introdução: vamos ler os parágrafos 9º, 10 e 11. Vamos analisar como eles surgiram no
Código Penal.

Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o
agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Acrescentado
pela L-010.886-2004) (Alterado pela L-011.340-2006)
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 03 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as
indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Acrescentado
pela L-010.886-2004)
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o
crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
Análise do tipo: prestem atenção. Vamos analisar isso com calma. Você precisa saber que os
parágrafos § 9º e o § 11 foram acrescentados pela Lei Maria da Penha. Nesta tema, eu sempre
gosto de fazer o seguinte esquema que vocês não podem esquecer:
• Até 1990 – a violência no Brasil era tratada num mesmo caldo. Qualquer
violência era tratada no caldo comum do Código Penal.
• A partir da década de 90 – Começa a onda de especialização da violência
(guardem o que vou falar!), com base em estatísticas. Exemplos de
especialização da violência. Por exemplo, em 1990, vem a Lei 8069 (ECA)
que, nada mais nada menos, especializou a violência contra o menor. Também
em 1990, não podemos nos esquecer da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes
Hediondos), especializando as violências mais graves contra o ser humano.
Olha só, a onda de especialização chegou também no consumidor. A Lei
8.078/90 CDC), nada mais fez, do que especializar a violência contra o
consumidor (sempre com base em estatísticas).
• Em 1995 – Veio a Lei 9.099/95, especializando as violências de menor
potencial ofensivo.
• Em 1997 – Veio a Lei 9.455/97, especializando a tortura. Veio a Lei 9.503/97,
o CTB, que especializou a violência no trânsito.
• Em 1998 – Veio a Lei 9.605/98, especializando a violência contra o meio
ambiente.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

LEI MARIA DA PENHA


Comentários: tudo isso é especialização da violência. A Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha,
disciplina a violência doméstica e familiar contra a mulher. Então, o que esta lei fez nada
mais foi fazer o que as outras já vinham fazendo desde 1990, que é a especialização da
violência. O problema é que a Lei Maria da Penha tocou numa questão delicada: sexo.
Cuidado! Professor, você falou que a Lei Maria da Penha nasceu para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher. Será que ela não reconhece que o homem pode ser
vítima dessa espécie de violência? Reconhece, claro que reconhece! A lei Maria da Penha
sabe que o homem pode ser vítima dessa espécie de violência. Como? Basta lermos outra vez
os parágrafos 9º, 10 e 11:
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se
o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Acrescentado
pela L-010.886-2004) (Alterado pela L-011.340-2006) Pena - detenção, de 3 (três)
meses a 3 (três) anos.
Observação: quando se usa irmão como se utilizou aqui é porque quer abranger homem. E
também o cônjuge ou companheiro (gênero), abrangendo homem ou mulher. O § 9º tem
como vítima homem ou mulher no ambiente doméstico ou familiar.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as
circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se
a pena em 1/3 (um terço). (Acrescentado pela L-010.886-2004)
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um
terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
(Acrescentado pela L-011.340-2006).
Observação II: no § 10 não ficou claro se abrange homem e mulher. No § 11 falou
“pessoa”: homem ou mulher.
Conclusão: com isso, o que estou querendo esclarecer? Que a Lei Maria da Penha, apesar de
só buscar a proteção da mulher, reconhece que o homem pode ser vítima. Tanto que os
parágrafos 9º, 10 e 11 do CP não limitam vítima mulher e sim, membros da família ou
agregados. Eu vou analisar com calma esses parágrafos, sabendo que eles não estão
protegendo só a mulher, apesar de incluídos pela Lei Maria da Penha.

PARÁGRAFO 9º
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o
agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena -
detenção, de 03 (três) meses a 03 (três) anos.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Análise do tipo: então, vamos entender. O § 9º nada mais é do que uma qualificadora.
Qualifica o quê? Lesão corporal. O art. 129, caput, traz lesão dolosa leve com pena de 03
meses a 01 ano. Agora, o art. 129, § 9º, traz a lesão dolosa leve qualificada com pena de 03
meses a 03 anos. O § 9º nada mais é do que uma qualificadora do caput. O § 9º trata da lesão
leve, porém, qualificada porque praticada no ambiente doméstico e familiar. Com isso, vocês
já perceberam o seguinte: a lesão leve é de menor potencial ofensivo, salvo se praticada no
ambiente doméstico e familiar. Aqui, ela não é de menor potencial ofensivo. Olha que
importante. A lesão leve é de menor potencial ofensivo, salvo se praticada no ambiente
doméstico ou familiar. Aqui ela deixa de ser de menor potencial ofensivo. Eu vou insistir
nisso e vocês vão entender por quê. Ela continua leve, só não é de menor potencial ofensivo
porque a pena máxima suplantou 02 anos. Reparem que a natureza da lesão não tem nada a
ver com a natureza do crime.
Caiu em prova: já caiu isso em concurso. O examinador perguntou: “tem algum caso em que
a lesão leve deixa de ser de menor potencial ofensivo?” O candidato errou a questão, pois se
esqueceu do parágrafo 9º.
Sujeitos: quem é o sujeito passivo? Vocês estão lembrando que eu alertei o seguinte: a Lei
Maria da Penha protege a mulher, mas no § 9º, pode ser homem ou mulher. Quando a vítima
é homem, eu aplico o art. 129, § 9º, quando a vítima é mulher, EU APLICO O ART. 129, §
9º + LEI MARIA DA PENHA. É exatamente nesse “+” que a lei tem a sua
constitucionalidade questionada. Por que “+” só para a mulher e não para o homem?
Decisão do STJ: Apesar da Lei Maria da Penha ser destinada à proteção da mulher, o referido
acréscimo visa tutelar as demais desigualdades encontradas nas relações domésticas. Assim,
não há irregularidade em aplicar a qualificadora de violência doméstica às lesões corporais
contra homem. Contudo, vale ressaltar que os institutos peculiares da Lei Maria da Penha só
se aplicam quando a vítima for mulher. No caso concreto julgado pelo STJ, o filho empurrou
seu pai que, com a queda, sofreu lesões corporais (art. 129, § 9º). Processo Quinta Turma.
RHC 27.622-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/8/2012.

Observação: o art. 129, § 9º é crime comum ou é crime próprio? A doutrina diz que é um
crime bi-comum, mas, se vocês analisarem com cautela, observarão que é bi-próprio e não bi-
comum. Olha só: se a lesão for praticada contra ascendente ou descendente ou irmão ou
cônjuge ou companheiros ou convivente. Já deu para perceber que o tipo penal exige uma
relação entre os personagens. Não pode qualquer pessoa ser sujeito ativo, muito menos sujeito
passivo, logo, crime bi-próprio. Exige-se uma relação especial unindo os dois sujeitos. Essa
relação especial deixa claro que não será qualquer pessoa o sujeito ativo e não será

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

qualquer pessoa o sujeito passivo. Mas vocês vão encontrar farta doutrina dizendo que o
crime é bi-comum, mas atentem que o crime é bi-próprio.
Pessoas envolvidas: e quem são esses personagens? O art. 129, § 9º tem como envolvidos:
a. Lesão praticada contra ascendente, descendente, irmão.
b. Lesão praticada contra cônjuge ou companheiro.
c. Lesão praticada contra quem o agente conviva ou tenha convivido.
Caiu em prova: eu quero saber o seguinte: este terceiro grupo (letra c) é um terceiro grupo de
vítimas ou, na verdade, é um complemento dos dois anteriores, exigindo uma convivência
presente ou pretérita? Guilherme de Souza Nucci entende que não se trata de um terceiro
grupo, mas um complemento dos grupos anteriores. Isso significa que Nucci exige que
ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro convivam ou tenham convivido. Se
você jamais conviveu com seu ascendente, com o seu descendente, não incide o parágrafo
9º. Então, Nucci não enxerga esse “com quem convida ou tenha convivido” como um 3º
grupo. Para ele, estamos diante de um complemento indispensável para configurar os
outros dois.
Observação: não dá para concordar com ele porque existe a expressão “ou com quem
conviva ou tenha convivido” demonstrando que se trata sim, de um terceiro grupo não
relacionado à ascendência, descendência, cônjuge, companheiro, irmão. É um terceiro
grupo, de pessoa que você convive ou tenha convivido. Exemplo: namorado, amantes,
república de estudantes. Sabe o que significa isso? Que o § 9º dispensa coabitação. Se você
concorda com a maioria, e não com Nucci, é assim. Dispensa coabitação presente ou
pretérita.
Abrangência do parágrafo: o § 9º relaciona ainda, “prevalecendo-se o agente das relações
domésticas de coabitação ou hospitalidade.” Na relação de hospitalidade, o que o legislador
olhou? Olhou para a visita. Alguém aqui já bateu numa visita? Hospitalidade abrange visita.
Rol é taxativo ou exemplificativo: é taxativo. Então, não abrange os parentes colaterais,
a não ser que entrem “conviva ou tenha convivido”. Eu comentei que a sogra está
protegida pela LMP, mas vejam que o espectro de proteção da Lei Maria da Penha é bem
maior do que o do § 9º. Ela abrange os parentes por afinidade. O § 9º, não, a não ser que se
encaixem no “convivam ou tenham convivido”, a não ser que a sogra esteja visitando. Mas o
simples fato de ser afim não está abrangido pelo § 9º.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

PARÁGRAFO 10.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as
indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
(Acrescentado pela L-010.886-2004)

Análise do tipo: o que ele está dizendo? Se a lesão é grave, a pena é de 01 a 05 anos. Mas, se
estiver nas circunstancias do parágrafo 9º (ambiente doméstico e familiar) aí a pena é
aumentada de 1/3. A lesão grave tem uma segunda forma, que é a do § 2º, que é a chamada
lesão gravíssima. Se a lesão é gravíssima, a pena passa a ser de 02 a 08 anos. Quando
praticada no ambiente doméstico e familiar, aumenta de um terço.
Observação: e, por fim, a lesão seguida de morte que está no § 3º tem pena é de 4 a 12 anos.
Porém, quando praticada no ambiente doméstico e familiar, a pena aumenta de 1/3. Então:
• § 1º - a lesão grave, pena de 01 a 05; quando praticada nos termos do § 9º aumenta
1/3
• § 2º - a lesão gravíssima, pena de 02 a 08; quando praticada nos termos do § 9º
aumenta 1/3
• § 3º - a lesão seguida de morte, pena de 04 a 12; quando praticada nos termos do
§9º aumenta 1/3
Suspensão do processo: isso significa que o § 10 não traz qualificadora, mas majorante
de pena, na verdade ele traz uma causa de aumento de pena. O § 10 traz alguma outra
conseqüência que não somente o mero aumento de 1/3? Não fiquem pensando que ele só
aumentou a pena de 1/3! Vejam o que aconteceu: o § 1º, quando praticado fora do ambiente
doméstico, admite suspensão do processo. Se praticado no ambiente doméstico e familiar,
não admite. Quando você pratica lesão grave em alguém, tem direito, preenchidos os
requisitos, à suspensão do processo. Praticada no ambiente doméstico e familiar, não cabe a
suspensão. Já caiu isso em concurso.
Sursis e regime aberto: o § 2º, traz a pena mínima de 02 anos. Se condenado à pena mínima,
cabe sursis. No ambiente doméstico e familiar, não mais admite sursis. Lesão gravíssima
admite, em tese, sursis, salvo se praticada no ambiente doméstico e familiar. Lesão seguida
de morte tem pena mínima de 04 anos. Em tese, regime aberto, salvo se praticada no ambiente
doméstico e familiar. Aqui, apena vai suplantar 04 anos e não admite regime aberto. Então,
quando enxergamos o aumento de 1/3, não percebemos das conseqüências com relação aos
benefícios penais e processuais penais. Vejam que aumentar de 1/3 você retira desses três
crimes os benefícios que essas lesões ordinárias admitem.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

PARÁGRAFO 11
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o
crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Acrescentado pela L-
011.340-2006).

Análise do tipo: primeira pergunta que eu quero que vocês me respondam: esse § 11 é um
aumento que se aplica para o § 10 e para o § 9º, ou é um aumento exclusivo do § 9º? Vocês
viram que haverá o aumento de 1/3 se a vítima, além de ascendente, descendente, irmão,
cônjuge ou companheiro ou prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade, além desses predicados é ainda portadora de deficiência. Eu quero saber: esse
aumento é só para o § 9º, quando a lesão é leve, ou esse aumento é para qualquer um dos
parágrafos anteriores, 9º e 10? Só para o 9º! Ele fala em “na hipótese do § 9º” e só haverá o
aumento no caso de lesão cometida contra pessoa portadora de deficiência se a lesão for
leve. Professor, e se a lesão for grave, gravíssima ou seguida de morte?”O juiz que
considere isso na pena-base. Então, cuidado! O art. 129, § 11, trata da vítima portadora de
deficiência. Nesse caso, a pena é aumentada de 1/3 nas hipóteses do § 9º e o fato de ela ser
portadora de deficiência é circunstância judicial a ser considerada nos demais parágrafos. O
fato da vítima ser portadora de deficiência é aumento de 1/3 só para o § 9º. Nos demais
parágrafos será mera circunstância judicial.
Caiu em prova: agora eu pergunto: o que significa pessoa portadora de deficiência? “Eu bati
no meu irmão e ele usa óculos. Isso é deficiência?” Aqui nós vamos analisar o Decreto
3298/99, nos seus artigos 3º e 4º. Esse decreto relaciona quais os casos em que a pessoa é
portadora de deficiência. Seja física, seja mental. Então, temos que analisar com base no
Decreto 3298/99. Cezar Roberto Bittencourt discorda. Ele entende que tem que ser analisado
o caso concreto. Agora, é óbvio que em se tratando de crime doloso, o agente tem que saber
que a vítima é portadora de deficiência.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

A AÇÃO PENAL NA LESÃO CORPORAL


Análise do tipo: um assunto que eu já analisei, em parte quando tratamos da Lei Maria da
Penha e que agora vamos analisar de forma global: Pergunto: qual é a ação penal na lesão
corporal? A pena na lesão corporal é perseguida mediante qual ação penal? Aqui, nós temos
que analisar o seguinte:
Até 1995 – Até 1995, a lesão corporal só tinha como ação penal a pública
incondicionada. Só tinha sua pena perseguida mediante ação penal pública incondicionada.
Por mais que a vítima se arrependesse ou perdoasse, o promotor tinha que oferecer a
denúncia, pouco importando a gravidade da lesão. Aí veio a Lei 9009/95 que ditou uma regra:
lesão corporal tem uma regra.
• Qual é a regra? Ação penal pública incondicionada.
• Porém, previu exceções. Quais são elas? Lesão leve e lesão culposa. Nestes
dois casos, a ação penal é pública condicionada. Depende o MP de autorização
da vítima.
Em 2006 - Veio a Lei Maria da Penha: violência doméstica e familiar contra a mulher:
não se aplica a Lei 9.099/95. Eu pergunto: lesão corporal dos §§ 9º, 10 e 11, qual a espécie de
ação penal? É a pergunta que vai cair na sua prova. Qual é a resposta? Primeira coisa que
vocês têm que diferenciar: É vítima homem ou mulher? E esses parágrafos podem ter como
vítima homem ou mulher:

VÍTIMA HOMEM
Comentários:– nada mudou. A regra: ação penal pública incondicionada e há duas exceções:
no caso de lesão leve e lesão culposa – ação penal pública condicionada. Então, quando a
vítima é homem, nada mudou. Aí um aluno me fez a seguinte pergunta: Mas professor, se o §
9º tem como vítima homem, a pena máxima passou a ser de 02 anos, deixando de ser de
menor potencial ofensivo. Como é que você está aplicando a Lei 9.099 para tornar a ação
penal dele pública condicionada? Como é que você está usando a Lei 9.099/95 para o § 9º
cuja pena máxima suplantou 02 anos? Entenderam o raciocínio dele? Como é que você sai
dessa? Vamos ao art. 88, da Lei 9.099/95:
Art. 88 - Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial,
dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões
corporais leves e lesões culposas.
Ou seja, o art. 88 está preocupado, não com a pena, mas com a natureza da lesão, o que é
diferente. Ele tornou pública condicionada a lesão leve, não importando a pena. O que
importa para o art. 88 é a natureza da lesão, e não a pena. Então, o art. 88 diz: se a lesão é
leve (não estou preocupado com a pena), depende de representação. E no § 9º a lesão é
109
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

leve. Aí vocês devem estar pensando: Professor, mas não está implícito que o art. 88 só está
se referindo à infração de menor potencial ofensivo? Não está não! Porque o art. 89 traz a
suspensão do processo para crimes que não são de menor potencial ofensivo. Os artigos 88 e
89 são maiores do que a própria Lei 9.099/95, eles atingem crimes que não são
necessariamente de menor potencial ofensivo.
Observação: então, olha o raciocínio que vocês vão ter que imprimir na prova: o art. 88 não
está preocupado com a pena, e sim com a lesão. Os artigos 88 e 89 são maiores do que o
conceito de menor potencial ofensivo, já que se aplicam aos crimes que não são
necessariamente de menor potencial ofensivo. Questão boa para cair.
Art. 89 - Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a
um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a
denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos
desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam
a suspensão condicional da pena (Art. 77 do Código Penal).

VÍTIMA MULHER
Comentários: e no caso de vítima mulher? Aí, não há dúvida de que a regra é ação penal
pública incondicionada. Mas e quando a lesão é leve? Nós já vimos essa discussão, mas
vamos ver novamente. Eu estou analisando a lesão leve contra mulher no ambiente
doméstico e familiar (§ 9º, do art. 129). Duas correntes:
1ª Corrente: A ação penal é pública incondicionada, pois o art. 41 da Lei 11.340/06
(LMP) proíbe aplicação da Lei 9.099/95. Não bastasse, trata-se de grave violação aos
direitos humanos da mulher, incompatível com a ação pública condicionada. Quem adota?
LFG e STJ. Eu já comentei que essa parte final é um absurdo porque o estupro, que é uma das
formas mais graves de violar os direitos humanos da mulher, tem como regra hoje a ação
pública condicionada.
2ª Corrente: A ação é pública condicionada. O art. 41, da Lei Maria da Penha
proíbe somente as medidas despenalizadoras exteriores à vontade da vítima, preservando o
seu direito de representar. Quem adota? Damásio e STJ(matétia controvertida)
Representação e Lei Maria da Penha: a lei 9.099/95 trouxe 04 medidas despenalizadoras:
1. Composição civil;
2. Transação penal.
3. Suspensão condicional do processo (não chama isso de sursis processual.
Sursis não tem nada a ver com esse benefício).
4. Representação na lesão corporal leve e na culposa.

110
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Comentários: o raciocínio da segunda corrente é o seguinte: o que o art. 41, da Lei Maria da
Penha proíbe são essas três primeiras medidas despenalizadoras exteriores à vontade da
vítima (composição civil, transação penal, suspensão condicional do processo). Essas três
medidas despenalizadoras nós não aplicamos. A representação permanece, pois é uma
medida inerente à vontade da vítima. Então, na verdade, o que o art. 41 quer impedir são as
medidas despenalizadoras exteriores à vontade da vítima. Aquela que depende da vontade da
vítima permanece. É ela que vai escolher. O que não queremos é despenalizar contra a
vontade dela, mas se ela quer a medida despenalizadora, ela é capaz de escolher. Por isso,
permanece a representação na lesão leve contra a mulher mesmo no ambiente doméstico e
familiar. É óbvio que mesmo quando a vítima é mulher, independentemente dessa discussão,
se a lesão é culposa, depende de representação. Se a lesão é culposa, depende de
representação.

111
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE


Introdução: para um entendimento mais adequado dos crimes que estudaremos a seguir, se
faz necessário um esclarecimento a respeito do quem vem a ser crimes de dano e crimes de
perigo. A distinção assinalada leva em consideração a intensidade do mal visado pela conduta
do agente.

CRIMES DE DANO

Comentários: são os que somente se consumam com a perda real do bem jurídico.
Exemplos: homicídio, lesão, furto, dano, etc.

CRIMES DE PERIGO

Comentários: são os que se consumam com a probabilidade de lesão ao bem jurídico. Para
a sua consumação, basta que se produza uma situação de perigo para o bem jurídico
tutelado. Os crimes de perigo se subdividem em perigo abstrato e perigo concreto.

a. Abstrato: é o que se consuma com a simples conduta, independentemente de efetiva


demonstração do perigo. Há, portanto, uma presunção júris et de jure de que
determinada conduta advém uma situação de perigo. Exemplos: quadrilha ou bando
(art. 288), omissão de socorro (art. 135).

b. Concreto: é o que somente se consuma com a efetiva demonstração do perigo. É


preciso demonstrar no caso concreto que a conduta produziu a probabilidade de dano.
Exemplos: perigo de vida (art. 132), incêndio (art. 250).

Os crimes de perigo podem ainda ser subdivididos em:

a. Perigo individual (atinge um número determinado de pessoas (artigos 130 a 137)).

b. Coletivo (número indeterminado de pessoas (artigos 250 e 251)).

PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO (art. 130)


Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a
contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º - Somente se procede mediante representação.

112
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Conceito: este crime tem como objeto a proteção da incolumidade física da vítima. O sujeito
passivo pode ser qualquer vítima, porém, quanto ao sujeito ativo há divergência doutrinária:

1. 1º Corrente: qualquer um, crime comum.

2. 2º Corrente: crime próprio, uma vez que somente quem está


contaminado pode praticar a conduta descrita no tipo.

Tipo objetivo: quando o agente mantém relações sexuais ou qualquer ato libidinoso apto a
transmitir a doença venérea à vítima. O uso de preservativo afasta a tipicidade, uma vez
que quem a utiliza não pratica o verbo constante no caput “Expor”.

ELEMENTO SUBJETIVO

Comentários: Na hipótese do caput é a vontade de manter a relação sexual. As divergências


doutrinárias surgem no que tange ao conhecimento ou não acerca da doença por parte do
agente, uma vez que no caput há as expressões “sabe” e “deve saber”.

1. Sabe: no que diz respeito à expressão ”sabe” não há dúvida, o agente


age com dolo de perigo (ele não quer transmitir a doença, mas mantém
relação sexual com a vítima sabendo que é portador de doença
venérea). Se efetivamente transmite a doença responde pelo caput,
uma vez que por se tratar de dolo de perigo, presume-se que o agente
não queria transmitir a doença (poderia se argumentar que seria
lesão culposa, mas como nesta a pena é menor do que o art. 130 do
CP, aplica-se este último.

2. Deve saber: a respeito da expressão “deve saber” há dois


posicionamentos.

1º Corrente a expressão “deve saber” consiste no dolo eventual,


querendo dizer que o agente diante do estado de saúde que apresenta
deveria ter noção de que está contaminado e, conseqüentemente,
assume o risco de transmitir a doença.

2º Corrente entende que o alcance da expressão “deve saber” indica


culpa. Os que discordam desta corrente afirmam que a culpa não pode
ser presumida e deve vir expressa na lei penal, o que não é o caso
deste artigo.

No parágrafo há situação diversa a do caput.

113
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Na hipótese do parágrafo 1º: há dolo de dano (e não dolo de perigo como no caput), uma
vez que lá consta a expressão “se é intenção do agente transmitir a moléstia”. Neste caso se
a vítima sofrer lesões leves essas ficam absorvidas pelo art. 130 parágrafo 1º, no entanto,
se sofrer lesões graves ou gravíssimas, o agente responderá por lesão corporal (já que este
artigo 130 é artigo subsidiário em relação ao art. 129 do CP).

Tentativa: é possível quando o agente quer manter a relação sexual, mas não consegue.

CONCURSO COM O CRIME DE ESTUPRO (ART. 213)

Comentários: na hipótese do artigo 130 (caput) no caso do crime de estupro (artigo 213 do
CP) o estuprador que sabe ou deve saber estar contaminado por doença venérea responde
por este artigo em concurso formal com estupro. Neste caso o agente não quer transmitir a
doença à vítima.

Estupro e artigo 130 (parágrafo1º): o caso do artigo 130 (parágrafo1º) é a forma qualificada
(dolo de dano) em que o agente quer transmitir a doença à vítima. Neste responde em
concurso formal impróprio (somam-se as penas, uma vez que há autonomia de desígnios)
pelos dois delitos (estupro e artigo 130 parágrafo1º). É delito de perigo, logo não pode haver
a transmissão, se houver responde pela qualificadora 234-B, IV do CP.

Ação Penal: condicionada à representação.

Qualificação doutrinária: crime comum (para alguns seria crime próprio, uma vez que
necessita que o agente seja pessoa contaminada), formal, vinculado (só pode ser cometido
por meio de relação sexual) comissivo, instantâneo, perigo abstrato unissubjetivo e
plurissubsistente.

Observação: AIDS não é considerada doença venérea, uma vez que possui outras formas de
transmissão que não as vias sexuais.

PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE


Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está
contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Análise: no presente artigo há um crime formal de perigo com dolo de dano. O agente pratica
ato capaz de transmitir a doença da qual é portador com o claro objetivo de transmiti-la,
causando-lhe mal a saúde, o que configuraria lesão corporal. No entanto, a intenção do

114
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

legislador ao criar esse tipo penal, é tipificar o agente que pratica ATO CAPAZ de
transmitir a moléstia, sem a efetiva contração da enfermidade pela vítima, uma vez, que,
como dito, se a moléstia efetivamente se transmite há o crime de lesão corporal.

Consumação: com a prática do ato capaz de ocasionar o contágio (espirrar na vítima,


contaminar os talheres e toalhas usados por ela, etc.). Se do ato resulta lesões leves essas são
absorvidas, se resulta lesão grave ou gravíssima o agente responde pelo artigo 129 do CP e
não por este delito.

ELEMENTO SUBJETIVO

Comentários: tem de ser dolo direto (chamado de elemento específico do tipo, que
geralmente vem acompanhado da expressão “com o fim de”), não se admitindo o dolo
eventual. Portanto, se o agente realiza ato capaz de transmitir a moléstia, mas sem a especial
intenção de transmiti-la, o fato será ATÍPICO (não há forma culposa), SALVO se
ocorrer o contágio, que neste caso será lesão corporal culposa.

Moléstia grave: é uma doença séria que inspira preciosos cuidados, sob pena de causar
seqüelas ou até mesmo a morte. Não se trata no caso de norma penal em branco, pois essa
depende de um complemento que não pode ser dado pelo magistrado, e sim por outra norma.
No presente caso trata-se de elemento normativo do tipo, embora o magistrado possa (não é
indispensável) recorrer a um auxílio médico, contudo, o elemento do tipo penal moléstia
grave poderá ser preenchido por conceitos de ordem cultural.

PERIGO PARA A SAÚDE OU VIDA DE OUTREM

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida


ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação
de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as
normas legais. ( Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

Análise: Expor significa colocar a vida de uma pessoa a perigo concreto, a uma situação de
dano. A pessoa exposta ao perigo deve ser pessoa(s) determinada(s).

Perigo concreto: como dito tem que ser um perigo direto contra pessoa(s) determinada(s),
uma vez que se forem pessoas indeterminadas incidirá o crime de perigo comum, crime este
previsto no art. 250 e seguintes do CP. Não basta a descrição do fato ao juiz, será necessário
que a acusação descreva o perigo concreto sofrido pela vítima. Exemplo: dar tiros em um

115
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

local deserto é o fato; provar que esses tiros quase mataram alguém é o perigo concreto
(Exemplo de Guilherme Nucci).

Subsidiariedade expressa (conflito aparente de normas): o art. 132 é uma hipótese de


subsidiariedade expressa já que no tipo consta a expressão: “se o fato não constituir crime
mais grave”.

Confronto com o Estatuto do desarmamento (art. 15 da lei 10.826/2003): Neste estatuto


há o crime de disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que a conduta não tenha como
finalidade a prática de outro crime. Portanto, quem dispara arma de fogo ou aciona munição
em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, expondo
pessoa determinada a risco concreto responde pelo estatuto do desarmamento e não pelo
art. 132, já que aquele (do estatuto) é crime mais grave e este (art. 132) é subsidiário. Por
outro lado, se o agente dispara em meio a uma floresta ou lugar desabitado e deserto e
com esse disparo expõe pessoa determinada a risco concreto responde pelo art. 132, uma
vez que tal conduta não se enquadra no art. 15 do estatuto. Contudo, se não há por parte
do agente intenção de expor alguém a risco o fato é atípico.

Crime de perigo: portanto de a vítima não é atingida, mas há por parte do agente dolo de
morte, ou de lesão corporal, haverá tentativa de homicídio, ou lesão corporal (caso seja
atingida), conforme o elemento subjetivo do agente.

Causa de aumento de pena: o fim desta causa de aumento é punir mais severamente os
proprietários de veículos que transportam trabalhadores sem lhes garantir a necessária
segurança. Ataca-se frontalmente o transporte clandestino de bóias frias, maiores vítimas
desse tipo de conduta.

ABANDONO DE INCAPAZ (art. 133)


Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

116
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Aumento de pena

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I - se o abandono ocorre em lugar ermo;

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da


vítima.

III - se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

Análise do tipo: “abandonar” significa deixar sem assistência, expor a risco afastando-se do
incapaz. Não é abandono imaterial (não é o caso do pai que deixa o filho sem alimentos) e sim
físico (deixar a criança ao léu sem condições de se proteger).

Observação: pode ser praticado por ação (levar a vítima a certo local e ali deixá-la) ou por
omissão (deixar de prestar assistência a vítima quando esta necessitar). Não haverá crime se o
agente apenas se afasta, mas fica próximo ao incapaz aguardando que alguém o auxilie, ou no
caso em que o assistido é quem se afasta daquele que tem o dever de assistência.

Sujeito ativo crime próprio, ou seja, somente pode ser praticado por quem dever de zelar pela
vítima (se não houver a relação de assistência entre as partes poderá configurar o crime de
omissão de socorro).

Sujeito passivo não se refere apenas a pessoas menores e sim aos adultos que não podem se
defender por si, inclusive casos de incapacidade temporária (embriagados, cegos, doentes).

Consumação: com a efetiva situação de risco em razão do abandono por aquele que tem
dever de assistência. È crime instantâneo, logo, se o incapaz sofre o perigo, mas depois o
agente reassume a vigilância, o crime já estará consumado.

Formas qualificadas: a morte e a lesão só podem ocorrer por culpa (preterdolo), uma vez
que o tipo em questão é de perigo, que é, por natureza, incompatível com o dolo de dano. Em
relação ao lugar ermo cumpre ressaltar que o local somente poderá ser relativamente ermo,
uma vez que se for absolutamente ermo, sem qualquer possibilidade de socorro, configurará
o crime de homicídio.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

EXPOSIÇÃO E ABANDONO DE RECÉM NASCIDO

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

Análise: protege-se a segurança do recém nascido. O verbo “expor” se configurará quando a


recém nascido for removido para local diverso daquele em que lhe é prestada assistência, e o
verbo “abandonar” quando o agente omitir à vítima a devida assistência.

Sujeito ativo: Há divergência:

a. 1º Corrente: crime próprio que poderá ser cometido pela mãe para esconder gravidez,
ou pelo pai para ocultar filho adulterino ou incestuoso.

b. 2º Corrente somente pode ser praticado pela mãe, uma vez que o tipo fala
“desonra própria”, portanto se o pai pratica a conduta responderá pelo art. 133 do
CP. Guilherme Nucci defende a 1º corrente, argumentando que desonra própria é
elemento normativo do tipo, portanto será avaliado pelo magistrado no caso concreto.
Sendo assim, em seu entendimento, é perfeitamente concebível que um pai abandone
ou exponha recém nascido para ocultar desonra própria a respeito do mesmo, por
exemplo, ser fruto de concepção adulterina.

Sujeito passivo: é considerado recém nascido até o corte do cordão umbilical (por parte
significativa da doutrina e jurisprudência). Outra parte da doutrina afirma ser um conceito
vago que deverá ser analisado no caso concreto pelo magistrado.

Elemento subjetivo: dolo de perigo com elemento específico do tipo: “ocultar desonra
própria”. Ausente esse elemento, ou se o agente não for pai ou mãe da criança, configura-
se outro delito (abandono de incapaz).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

OMISSÃO DE SOCORRO (art. 135).


Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou
em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão


corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Análise: O verbo do tipo diz “deixar” que significa abandonar, soltar, ou seja, não prestar
assistência, não prestar socorro. “Pedir” neste tipo significa acionar a autoridade competente.
Há uma ordem clara nesse crime: em primeiro lugar o sujeito deve prestar socorro, e,
caso não seja possível ou haja risco pessoal, deve acionar socorro da autoridade pública.

Sujeito ativo (qualquer um).

Sujeito passivo somente as constante no tipo penal.

Criança abandonada: Preliminarmente é preciso definir qual o significado do elemento


normativo do tipo “criança”. Parte da doutrina adota o critério utilizado pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, ou seja, até doze anos incompletos. Vamos ás hipóteses:

a. Extraviada (perdeu-se de seu responsável).

b. Abandonada (largada a própria sorte) é a que está em local em que não tenha
condições de se defender, portanto se for criança de rua não incide o tipo, mesmo
porque não foi abandonada ou extraviada. Diferentemente ocorre se no caso é uma
criança perdida que não possui condições de se “virar” nesse ambiente.

Observação: diverge do crime de abandono de incapaz porque neste é o agente que põe em
risco o incapaz, enquanto na omissão de socorro o sujeito não lhe presta socorro.

Pessoa inválida ou ferida: é a deficiente física ou mentalmente enferma, a que não possua
capacidade de se defender. E pessoa ferida é a que sofreu alguma lesão corporal. Há delito
próprio para pessoa idosa em iminente perigo (art. 97 da Lei 10741/2003 Estatuto do
Idoso).

Pessoa em grave e iminente perigo: é preciso a ocorrência de perigo iminente e sério à


vida da pessoa ou a sua saúde (nesse caso a pessoa pode ser saudável física e mentalmente,
não importa). Pequenos ferimentos (um corte no dedo) não são passíveis de caracterizar o
delito.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Vítima que recusa ajuda: Há duas correntes:

1º Corrente mesmo quando a vítima recusa o socorro haverá o crime, uma vez que a
incolumidade física é bem indisponível.

2º Corrente depende da vítima, uma vez que se esta estiver consciente e lúcida
(embora ainda esteja em perigo) e pretendendo buscar socorro por si só, não haveria
neste caso a configuração deste tipo penal. Seria absurdo constranger alguém a ser
socorrido contra sua vontade, mesmo porque do socorro recusado e imposto à força, poderia
resultar maiores problemas à vítima. Contudo, essa corrente defende a obrigação de socorro
nos casos de pessoa gravemente ferida, moribunda, que balbucia não querer ajuda.

CASUÍSTICA

a. Não importa quem causou o perigo (a própria vítima exposta, forças da natureza,
terceiro, etc.), até o próprio omitente pode ser o causador. Contudo, se ele agiu
culposamente e causou lesões corporais e não socorreu a vítima, responde pelo crime
de lesões corporais culposas com a pena agravada (art. 129, parágrafos 6º e 7º). Se o
objetivo era lesionar ou matar e depois não socorreu, responderá somente por lesão ou
homicídio.

b. Não se exige que o indivíduo seja um herói para socorrer a vítima. Nos casos de
bombeiro ou outras profissões somente não haverá omissão de socorro se o risco
for muito grande. Em alguns casos pode haver aplicação do artigo 13 do CP (dever
legal de enfrentar o perigo), respondendo o agente (bombeiro, salva vidas, por
exemplo) não pela omissão de socorro, e sim pelo resultado que teria de impedir, e,
podendo, não impediu.

c. Não existe a forma culposa, portanto a omissão tem de derivar de dolo direto ou dolo
eventual.

d. Se várias pessoas deixam de prestar socorro todas respondem pelo crime. Se uma
apenas socorre quando demais presentes no local poderiam fazê-lo não há crime, uma
vez que a vítima foi socorrida e no caso trata-se de obrigação solidária.

e. Não se admite a tentativa, já que é crime omissivo próprio, ou o agente se omite e


está consumado, ou não se omite e presta o socorro.

f. Assistência imediata: se a vítima sabe nadar, por exemplo, terá de tentar salvar a
vítima de afogamento, desde que não haja risco pessoal, portanto, nesse caso, não
pode solicitar auxílio da autoridade. O auxílio mediato (acionar autoridade pública)
não é uma opção e sim uma impossibilidade de socorro direto pelo agente.
120
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

g. Autoridade pública é qualquer funcionário do Estado que tem obrigação de prestar


socorro (não adianta ligar para a casa do Promotor de Justiça solicitando ajuda para
socorrer uma pessoa ferida).

h. “Fator perigo” há entendimento que na hipótese prevista no tipo “grave e iminente


perigo” o crime seria de perigo concreto (necessário provar a ocorrência do
risco), nas demais (criança extraviada, pessoa inválida ou ferida, ao desamparo)
seria de perigo abstrato (basta provar que a pessoa se enquadra em uma das
situações descritas no tipo). Contudo, há entendimentos em sentido contrário,
afirmando que mesmo nessas espécies deverá haver prova da ocorrência de
perigo concreto, uma vez que uma criança extraviada, por exemplo, se for vivaz,
poderá encontrar sozinha o caminho de casa sem que com isso sofra qualquer
risco pessoal. Punir quem não lhe prestou auxílio seria responsabilidade objetiva. O
mesmo raciocínio vale para as demais hipóteses.

i. Casos médicos: não se concebe que médicos aleguem estar em horário de almoço,
que a vítima não tenha condições de pagar seus honorários, ou ainda ausência de
cobertura do plano de saúde. Mesmo assim devem prestar socorro sob pena de
responderem pelo art. 135. Podem ainda, conforme o caso, nos termos do art. 13 do
CP, responderem pelo resultado na posição de garante.

j. Causas de aumento de pena são todas elas preterdolosas. O nexo causal deve ser
analisado de forma inversa, ou seja, deve ficar provado que se o agente tivesse agido
a lesão ou morte não teriam ocorrido.

k. Omissão de socorro no trânsito: o artigo 304 do Código de trânsito Brasileiro tipificou


a conduta do condutor de veículo deixar de prestar imediato socorro a vítima. Esse
delito, contudo, não será aplicado ao condutor que de forma culposa lesione alguém,
uma vez que neste caso, responde pelo crime especial de lesão culposa na direção de
veículo automotor (art. 303 da Lei). Portanto, o referido art. 304 somente se aplica ao
condutor de veículo que agindo sem culpa se envolveu no acidente. Logo, o
condutor de veículo não envolvido no acidente, bem como qualquer outra pessoa,
responderá pelo art. 135 do CP.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

MAUS TRATOS (art. 136)


Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou
vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor


de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)

Análise: o crime de maus tratos é crime de ação vinculada, ou seja, somente ocorrerá com a
prática das situações descritas no tipo. Protege a vida e a saúde da pessoa. Expor significa
colocar em risco, sujeitar alguém a uma situação que inspira cuidado.

Hipóteses legais:

1. Privar a vítima de alimentos ou cuidados indispensáveis: para a


qualificação do delito basta a retirada parcial de cuidados ou alimentos,
por exemplo. Não precisa ser total. Cuidados indispensáveis são os
necessários para o bom desenvolvimento de quem está sendo educado, tratado
ou custodiado por alguém (tratamento médico, vestimenta adequada, etc.).

2. Sujeitar a vítima a trabalhos excessivos ou inadequados: trabalho excessivo


é o que compromete a vida e a saúde de alguém, não podendo ser educativo ou
terapêutico. Inadequado é o trabalho impróprio para determinada pessoa, que
não conseguirá desenvolvê-lo sem colocar em risco sua saúde ou sua vida.
Nessas modalidades se faz necessário confrontar o tipo da vítima com o
trabalho imposto.

3. Abusar dos meios de disciplina e correção: abusar significa usar em excesso


ou de modo inconveniente. Não significa que a correção é proibida, e sim que
não pode haver “abuso de direito”, uma vez que a correção e disciplina é
prerrogativa dos que tem autoridade guarda e vigilância sobre terceiros.
Haverá abuso quando forem aplicados castigos violentos (socos e chutes e não
palmadas ou chineladas).
122
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Sujeito ativo e passivo: ambos são qualificados além de se exigir um liame jurídico
entre agente e vítima, ou seja, o autor deve ter sobre vítima guarda vigilância e
autoridade, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. O agente necessita ser
pessoa responsável por outra, que é mantida sob sua autoridade, guarda ou vigilância, de
acordo com a lei.

CASUÍSTICA

a. Se o meio empregado pelo agente não expõe a vítima a perigo mais a situação
constrangedora ou vexatória (desde que seja criança ou adolescente) não
configura o artigo em estudo, e sim o artigo 232 do ECA.

b. Consumação: há divergências doutrinárias quanto à instantaneidade ou


permanência do delito de maus tratos. Há entendimentos que somente as duas
primeiras (privação de alimentos ou cuidados indispensáveis e sujeição a
trabalho excessivo ou inadequado) seriam permanentes, a restante configuraria
crime instantâneo. Outra corrente estende a permanência a todas as figuras
descritas no tipo. Guilherme Nucci defende que todas as condutas são instantâneas,
uma vez que o verbo “expor” denota essa circunstância, ou seja, basta que o
agente, através de uma única conduta, consiga colocar em perigo a vida e a saúde
alheia. Se continuar na prática delituosa haverá mero exaurimento e não
permanência. Argumenta Nucci que uma das características da permanência é a
possibilidade do agente fazer cessar o prolongamento da consumação, o que não
acontece neste delito, já que se o agente voltar a alimentar a vítima, por exemplo,
não haverá restituição do bem jurídico lesado a sua inteireza (houve perigo à vida
ou a saúde).

c. Não se admite tentativa nas formas omissivas, mas admite nas comissivas. Não
há hipótese culposa, somente dolo direto ou eventual.

d. Diferença com o crime de tortura: se o meio empregado pelo agente causa


INTENSO sofrimento físico ou mental, configura-se o artigo 1º, II, da Lei
9.455/97 (Lei de tortura) que possui redação quase idêntica ao crime de maus
tratos. A distinção deve ser feita no caso concreto.

e. Maus tratos contra esposa não caracteriza o crime em estudo, uma vez que
esta não está sob autoridade, guarda ou vigilância do marido. O marido pode
cometer o crime de lesões corporais qualificadas pela violência doméstica ou o

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

artigo 132 do CP. Irmão somente se um estiver sob a guarda do outro, caso
contrário não incide o tipo.

f. No caso de privação absoluta de alimentos somente incidirá o tipo em estudo se


ela for por tempo determinado, pois se for por tempo demasiado prolongado com a
intenção de morte, incidirá o artigo 121 consumado ou tentado.

124
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

RIXA (art. 137).


Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo
fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.

Análise do tipo: É um tipo aberto, principalmente pelo fato que não há um conceito legal do
que vem a ser “rixa”. Participar significa tomar parte, enquanto rixa é definida como uma
briga desordenada, um tumulto, um motim que envolve troca de agressões entre três ou mais
pessoas em que os contendores visam todos os outros indistintamente.

Configuração do delito: para a configuração do delito de rixa se faz necessário que não haja
dois grupos definidos, lutando um contra o outro. Se assim ocorrer, as lesões ocorridas na luta
serão de responsabilidade dos integrantes do grupo contrário.

Sujeito ativo e passivo: trata-se de crime de concurso necessário (condutas contrapostas),


cuja configuração exige a participação de no mínimo três indivíduos.

Elemento subjetivo e a tentativa: é o dolo, não se admitindo a figura tentada (há


entendimento de Damásio, do que ele denominou de rixa ex-propósito, em que três ou mais
lutadores combinam dia e local para uma briga, na qual cada um lutará com qualquer deles, e
a polícia intervém no momento impedindo o combate).

CASUÍSTICA

a. Não é possível alegar legitima defesa no crime de rixa, uma vez que quem dela
participa comete ato antijurídico. Poderá haver a excludente de ilicitude em relação
a outro crime eventualmente praticado durante a rixa (homicídio, por exemplo), mas
não em relação ao crime de rixa.

b. Trata-se de crime de perigo abstrato em que se pune a simples troca de agressões, sem
a necessidade de que haja lesão nos participantes.

c. Se houver lesões leves e o causador das mesmas for identificado responderá pela rixa e
pelo art. 129 do CP, no entanto se houver lesões graves ou morte haverá rixa
qualificada.

d. A participação pode ser moral (incentiva os demais a brigar) desde que o partícipe seja
no mínimo o quarto elemento, já que a rixa exige no mínimo três participantes.
Participação material ocorre quando o sujeito participa na troca de agressões.

125
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

e. Rixa qualificada é um resquício de responsabilidade penal objetiva do CP, uma vez


que todos os participantes envolvidos em uma rixa qualificada (é a que ocorre morte
ou lesão grave) respondem pela qualificadora mesmo que não sejam os responsáveis
pela morte ou lesão grave (há entendimento que neste caso os responsáveis pela morte
ou lesão grave responderiam por rixa simples em concurso material com homicídio ou
lesão, caso contrário haverá bis in idem). Consigne que até mesmo a vítima das lesões
graves responderá pela qualificadora. Se houver tentativa de morte ou de lesão não
se qualificará a rixa, uma vez que o tipo exige a consumação do evento (morte ou
lesão).

f. Se um participante saiu da rixa antes do evento morte responderá por rixa


qualificada, uma vez que seu comportamento contribuiu para o resultado mais
lesivo. Se adentrar na rixa após o evento morte responderá por rixa simples.

126
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR

Introdução: já está em vigor a Lei n.°12.653/2012, que inclui um novo tipo no Código
Penal: o crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial. Vamos
conhecer um pouco mais sobre esse novo delito:

Artigo 135-A: Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem


como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição
para o atendimento médico hospitalar emergencial:

Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa. Parágrafo único. A


pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão
corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.

Posição topográfica: o art. 135-A foi inserido no Capítulo III do Título I do Código Penal.
Esse capítulo trata dos crimes que envolvam “periclitação da vida e da saúde”. Periclitar
significa “correr perigo”. Este Capítulo III, portanto, traz diversos crimes de perigo. Desse
modo, entendo que o art. 135-A, pelo menos em sua forma simples (caput), é um crime de
perigo.

Crime de perigo abstrato: penso que o art. 135-A é crime de perigo abstrato, presumido ou de
simples desobediência. Assim, para a consumação do delito basta a prática da conduta típica
pelo agente, sem ser necessário demonstrar que houve, concretamente, a produção de uma
situação de perigo. Pela simples redação do tipo percebe-se que não se exige a
demonstração de perigo, havendo uma presunção absoluta (juris et de jure) de que ocorreu
perigo pela simples exigência indevida.

O STF e o perigo abstrato: vale ressaltar que, apesar de haver polêmica na doutrina, o STF
entende que: “A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só,
comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas
que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida
mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo,
como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de
suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e
necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher
espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo.” (HC 104410, Relator Min.
Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 06/03/2012).

Bem jurídico protegido: vida e saúde das pessoas humanas.

Sujeito ativo: trata-se de crime próprio, uma vez que somente pode ser praticado pelos
responsáveis (sócios, administradores etc.) ou prepostos (atendentes, seguranças, médicos,
127
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

enfermeiras etc.) do serviço médico hospitalar emergencial. Imaginemos o seguinte exemplo:


O diretor geral do hospital edita uma norma interna determinando que todas as recepcionistas
somente podem aceitar a internação, ainda que de emergência, de pessoas que apresentem
cheque-caução. Duas semanas depois, chega um paciente em situação de emergência e a
recepcionista do hospital faz a exigência do cheque-caução como condição para que ele
receba o atendimento médico-hospitalar emergencial. Quem cometeu o crime, o diretor
geral ou a recepcionista? Os dois. Pela teoria do domínio do fato, o diretor-geral seria o
autor intelectual e a recepcionista a autora executora. A recepcionista poderia alegar
obediência hierárquica? NÃO. A obediência hierárquica é uma causa excludente da
culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa (art. 22 do CP). Ocorre que um dos
requisitos para que seja reconhecida a excludente pela obediência hierárquica é que deve
haver uma relação de direito público. Não incide essa excludente se a relação for de direito
privado, como no caso da relação empregatícia em um hospital privado.

Sujeito passivo: pessoa destinatária do atendimento médico-hospitalar emergencial. Atenção:


se a exigência de caução foi feita a um parente da pessoa que seria internada, a vítima é
apenas a pessoa que seria internada e não o seu parente. Isso porque o bem jurídico protegido
é a vida e a saúde da pessoa em estado de emergência. Desse modo, não se trata de crime
patrimonial, pouco importando de quem se exigiu a caução.

Tipo objetivo: Exigir cheque-caução. O que é isso?

a. Cheque caução: é um cheque normal (título de crédito) assinado pela pessoa a ser
atendida ou por terceiro (familiar, amigo, etc.) com determinado valor ou mesmo com
valor em branco e destinado a servir como garantia de futuro pagamento das despesas
que forem realizadas com o tratamento. Se as despesas forem pagas, o cheque é
devolvido; se não forem, o cheque é descontado.

b. Nota promissória: consiste em um título de crédito (documento escrito) no qual uma


pessoa (sacador) faz a promessa, por escrito, de pagar certa quantia em dinheiro em
favor de outra (beneficiário). A nota promissória, neste caso, também funcionaria
como um instrumento de garantia de que as despesas médicas seriam pagas.

c. Qualquer garantia: como exemplo, podemos citar a fiança prestada por um parente
do paciente; uma jóia dada em penhor; a exigência de que se passe o cartão de
crédito para desconto futuro, como é feito na locação de veículos.

d. Preenchimento prévio de formulários administrativos: o preenchimento prévio de


formulários administrativos é vedado porque muitas vezes eles escondem um contrato

128
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

de adesão, com a previsão de cláusulas abusivas. O paciente ou seus familiares, no


momento de desespero em virtude da enfermidade, é compelido psicologicamente a
assinar sem ter o necessário discernimento quanto ao conteúdo do documento.

Observação: todos os títulos acima citados remetem ao elemento do tipo: como condição
para o atendimento médico-hospitalar emergencial. Segundo o Conselho Federal de
Medicina, emergência é a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem
em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico
imediato (art. 1º, parágrafo 2º, da Resolução CFM n.°1451/95).

Observação II: quanto à exigência de preenchimento prévio de formulários administrativos


como condição para que seja prestado o atendimento médico-hospitalar emergencial, deve-se
alertar, contudo, que é possível imaginar que, em alguns casos, seja lícita a exigência de
prévio preenchimento de formulários administrativos, nas hipóteses em que essa
imposição for imprescindível para a saúde e a vida do paciente ou para resguardar a
equipe médica que faz o atendimento. É o caso, por exemplo, do fornecimento de
informações relacionadas com o tipo sanguíneo da pessoa a ser atendida, caso seja
imediatamente constatada a necessidade de uma transfusão de sangue.

Exigência de garantia após o atendimento médico-hospitalar de Emergência: pessoa sofre


acidente e é levada para hospital particular, onde é prontamente atendida, sem que seja feita
qualquer exigência. Após cessar o quadro de emergência do paciente, o responsável pelo
hospital procura os familiares, apresenta a tabela de valores dos serviços do hospital e exige
um cheque-caução para que o paciente continue internado. Esse responsável pelo hospital
praticou o delito do art. 135-A? NÃO, trata-se de conduta atípica. Somente é crime a
exigência como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. Não
havendo mais situação de emergência, ainda que o paciente continue necessitando dos
serviços médico-hospitalares, é lícita a exigência de garantias para que o paciente
continue recebendo o atendimento.

Formas de praticar o delito: o crime somente pode ser praticado de forma comissiva (por
ação), não sendo possível ser perpetrado por omissão. No entanto, trata-se de crime de
execução livre, podendo ser realizado de modo verbal, gestual ou escrito.

Tipo subjetivo: o crime somente é punido a título de dolo. Não há previsão de modalidade
culposa.

129
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Consumação: o crime é formal. Logo, consuma-se com a simples exigência. A consumação


ocorre no exato instante em que é exigida a garantia ou o prévio preenchimento do formulário
administrativo como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial.

Tentativa: é possível, em tese, a tentativa. Trata-se, contudo, de difícil ocorrência na prática.


Caso hipotético “A” está sofrendo um ataque cardíaco e é levado por seu irmão “B”, ao
hospital. “B” para o veículo na porta do hospital para que “A” desça e dê entrada o mais
rápido possível na emergência, enquanto ele vai estacionar o veículo. Em um período de
tempo curtíssimo (5 minutos, p. ex.), “B” consegue estacionar o automóvel e se dirigir à
entrada de emergência do hospital. Quando lá chega, descobre que seu irmão ainda não foi
internado porque a responsável pelo hospital está exigindo a apresentação de um cheque-
caução. “B”, que é advogado, argumenta fortemente que esta prática é abusiva, ameaçando
formular representação contra o hospital na Agência Nacional de Saúde Complementar,
momento em que a responsável autoriza a internação mesmo sem a garantia anteriormente
exigida. Nesse exemplo hipotético, haverá o crime do art. 135-A (tentado ou consumado)?
Haverá desistência voluntária? Haverá arrependimento eficaz? Penso que nessa hipótese,
haverá o crime do art. 135-A consumado. Não terá havido desistência voluntária nem
arrependimento eficaz. As razões são as seguintes: O delito do art. 135-A é formal, logo,
consuma-se com a simples exigência. O fato de logo depois a funcionária do hospital ter
permitido a internação não importa para fins de consumação considerando que a exigência já
foi feita, completando o tipo penal. Na desistência voluntária (1ª parte do art. 15, CP), o
agente inicia a execução do crime e, antes dele se consumar, desiste de continuar os atos
executórios. Não se trata de desistência voluntária no exemplo dado, considerando que a
execução já tinha se encerrado e o crime se consumado com a simples exigência. No
arrependimento eficaz (2ª parte do art. 15, CP), o agente, após ter consumado o crime, resolve
adotar providências para que o resultado não se consume. Ocorre que o resultado de que trata
o art. 15 do CP é o resultado naturalístico. Desse modo, somente existe arrependimento eficaz
no caso de crimes materiais, isto é, naqueles que exigem a produção de resultado naturalístico.
O delito do art. 135-A é, como dito, formal, portanto, incompatível com o
arrependimento eficaz. O fato de o funcionário do hospital ter permitido a internação, após a
exigência inicial da caução, não torna a conduta atípica, servindo apenas como circunstância
favorável na primeira fase de dosimetria da pena.

Ação penal: trata-se de crime de ação penal pública incondicionada (art. 100, CP). Na forma
simples (caput do artigo), a pena é de detenção, de 03 meses a 01 ano, e multa. Logo, como
conseqüência, trata-se de crime de menor potencial ofensivo, submetido, portanto, ao rito
sumaríssimo (juizados especiais), não cabendo prisão em flagrante (art. 69 da Lei
130
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

n.°9.099/95). É possível o oferecimento de transação penal (art. 76 da Lei n.° 9.099/95). Cabe
a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.° 9.099/95); não cabe prisão preventiva
(art. 313, I, do CPP). Em caso de condenação, é possível, em tese, a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).

Forma majorada: o parágrafo único do art. 135-A prevê duas causas especiais de aumento
de pena (observação: não se trata de qualificadora, mas sim de majorante). Este parágrafo
único constitui-se em tipo preterdoloso, havendo: · dolo no antecedente (na conduta de fazer a
exigência indevida); e culpa no conseqüente (na lesão corporal grave ou morte). Esta forma
majorada não é infração de menor potencial ofensivo. Se da negativa de atendimento
resultar Lesão corporal GRAVE a pena é aumentada até o DOBRO. A pena é aumentada
até o TRIPLO se resulta morte.

Dever de afixar aviso: a Lei n.°12.653/2012 previu ainda que o estabelecimento de saúde que
realize atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível,
cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-
caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento
prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-
hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei no 2.848, de 07 de
dezembro de 1940 - Código Penal.

Punição desta conduta por outros ramos do direito: a conduta punida por este novo tipo penal
já era sancionada pelos demais ramos do direito O Código de Defesa do Consumidor (Lei
n.°8.078/90) prevê que é prática abusiva o fato do fornecedor de serviços se prevalecer da
fraqueza do consumidor diante de um problema de saúde. O Código Civil de 2002, por sua
vez, prevê o estado de perigo como vício de consentimento, apto a gerar a anulabilidade do
negócio jurídico. A doutrina civilista em peso classifica a exigência de cheque-caução para
atendimentos emergenciais em hospitais como típico exemplo de estado de perigo.

131
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

CRIMES CONTRA A HONRA


Introdução: quando nós falamos em delitos contra a honra, nós estamos no Capítulo V e
esses delitos são, basicamente, três:
• Calúnia
• Injúria
• Difamação
Observação: quando falamos dos crimes contra a honra, é claro que temos uma lei geral, que
é o Código Penal. Se você foi caluniado, difamado ou injuriado (“eu fui desacatado. Por isso
dei uma facada nele” Tem gente que entende que desacato é sinônimo de injúria e não é), o
Código Penal é a lei geral. Mas não é somente o Código Penal que protege a honra da pessoa.
Eu tenho leis especiais também assim fazendo. Por exemplo:
• Código Brasileiro de Telecomunicações também protege a honra contra esses
tipos de crime.
• Código Eleitoral que também protege a honra contra calúnia, difamação e
injúria. E com uma observação importante: no Código Eleitoral, os crimes
contra a honra são de ação pública incondicionada.
• Código Penal Militar – também protege a honra. Lá vocês vão encontrar
calúnia, difamação, injúria.
• Lei de Segurança Nacional – Também protege a honra.
• Lei de Imprensa.
Lei de imprensa: a Lei de Imprensa era a lei mais famosa que tínhamos. O que aconteceu com
ela? Foi considerada não recepcionada pela Constituição. ADPF 130. E agora? A minha honra
não está mais protegida quando se trata de imprensa? Está. Mas apenas e tão-somente
partimos para a regra geral. O que a Lei de Imprensa trazia e o Código Penal traz, continua
sendo punido. Não vai extinguir processo nenhum, o jornalista continuará cumprindo pena.
Não houve abolitio criminis. Quanto aos crimes da Lei de Imprensa que há
correspondência no Código Penal, não há abolitio criminis. Já os crimes da Lei de
Imprensa que não encontrarem correspondência em nenhuma outra lei, haverá a abolitio
criminis. Repetindo: os crimes da lei de imprensa que encontrarem correspondência no CP,
não há abolitio criminis. Agora, tem crimes na lei de imprensa que não encontram
correspondência em nenhuma outra lei. Aí, sim, abolitio criminis. Eu nem gosto muito desse
“abolitio criminis” porque não veio uma lei revogando. Ela apenas foi considerada não
recepcionada. Mas tudo bem.

132
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Definição: como eu comentei, basicamente, nós temos três crimes contra a honra: calúnia,
difamação e injúria. Vocês sabem, com segurança, a diferença entre os três? Eu vou dar o
exemplo e vocês vão dizer se é calúnia difamação ou injúria. “Fulano é ladrão!” E eu sei que
fulano não é ladrão – Calúnia, difamação ou injúria? Vou fazer um esquema. É para não errar
mais em concurso.
• Calúnia (art. 138): “Imputação de determinado fato previsto como crime
sabidamente falso”.
• Difamação (art. 139): “Imputação de determinado fato desonroso, em regra
não importando se verdadeiro ou falso”.
• Injúria (art. 140) - “Atribuição de qualidade negativa”.
A calúnia ofende a honra objetiva. O que vem a ser honra objetiva, bem resumidamente?
Reputação. É o seu conceito perante a sociedade. O que terceiros pensam de você. A
difamação também ofende a honra objetiva, isto é, reputação. Já a injúria, ofende a honra
subjetiva. E o que é a honra subjetiva? Se a objetiva é o que os terceiros pensam de você, a
subjetiva é o que você pensa de você mesmo. É a sua auto-estima, sua dignidade ou decoro.
Vamos definir:
• Honra objetiva: é o julgamento que a sociedade faz do indivíduo, vale dizer, é a
imagem que a pessoa possui no seio social, ou seja, é a imagem que o indivíduo possui
perante terceiros. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva. Ambas se
consumam, portanto, quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa proferida.

• Honra subjetiva: é o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo, considerando-se


honesto, responsável, inteligente, bonito, leal. A honra subjetiva divide-se em a) honra
dignidade que diz respeito aos atributos morais da pessoa e b) honra decoro que se
refere aos atributos físicos e intelectuais. A injúria atinge a honra subjetiva e, assim, se
consuma quando a própria vítima toma conhecimento da ofensa que lhe foi feita.

• Honra comum e honra especial: alguns doutrinadores diferenciam a honra comum,


inerente a todas as pessoas, da honra especial, relativa a certos grupos sociais ou a
determinados indivíduos. Assim, chamar um militar de covarde faz parte da honra
especial, e chamar uma pessoa normal de burra diz respeito à honra comum. Em outro
sentido, chamar um cientista de burro terá um significado diverso ao do exemplo
acima mencionado (pessoa comum). Os que negam a distinção entre a honra subjetiva
e a honra objetiva, afirmam que nada mais é do que diversos aspectos de um mesmo
fenômeno e que a honra não passa de um conceito aberto que ganha contornos
especiais de acordo com a vítima.

133
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Consumação: e já vou dar uma dica: a depender da honra ferida, o delito se consuma num
determinado momento. É a dica. Vou repetir a pergunta: “Fulano é ladrão”, é calúnia,
difamação ou injúria? Olha o raciocínio que vocês vão ter que fazer: eu disse que fulano é
ladrão, mas eu imputei determinado fato em dia, hora ou local? Não. Se eu não imputei
determinado fato não é nem calúnia, nem difamação. Pronto! É injúria. É uma qualidade
negativa que ofende a honra subjetiva.
Exemplo seguinte: eu digo “fulano assaltou o Banco do Brasil no mês passado”, sabendo que
não fez isso. Eu imputei determinado fato (então, não pode ser injúria). Aí eu tenho que
analisar se este fato está previsto como crime ou não. Sendo previsto como crime é calúnia.
Se não, mas é desonroso, difamação. Assalto a banco é crime. Portanto, calúnia.
Caiu em prova: agora vamos às questões de concurso. Vamos começar com as mais fáceis
até chegar uma questão da magistratura aqui de SP que rodou galeras.
a. Eu estou conversando e digo: “sabe fulana? Ela roda bolsinha, tanto que o apelido dela é
ventilador.” Calúnia, difamação ou injúria? Eu imputei determinado fato a essa menina
ventilador? Sim. Então, injúria não pode ser. Rodar bolsinha na esquina é fato desonroso
ou criminoso? Desonroso. Então é difamação.
b. “Fulano sustenta banca de jogo do bicho.” Calúnia, difamação ou injúria? É um fato
determinado ou qualidade? É fato determinado, então, vocês já podem esquecer a injúria.
Agora ficou a calúnia e ficou a difamação. E aí, é fato criminoso? Não. Contravenção
penal cai na difamação. É fato desonroso. Fato desonroso abrange contravenção penal.
Então, imputação de contravenção penal é difamação. Sabe qual é o problema disso? É
que se é difamação, pouco importa se é verdadeiro ou falso. Se fosse crime, só pune o
sabidamente falso. Entenderam a questão? Mas vamos explorar isso daqui a pouco. Tudo
isso vamos explorar durante a análise dos três tipos penais. Só mais duas observações e
começo calúnia.
c. “Tá vendo aquele policial militar? Eu o flagrei mantendo relações homossexuais com seu
colega de farda no quartel.” eu imputei determinado fato. Calúnia ou difamação? Calúnia!
É que relação homossexual ou não, é crime no CPM. Sendo a relação homossexual ou
não, se é feita nas dependências da instituição militar, é crime.
d. Agora olha o que caiu na magistratura/SP, 2ª fase. Olha como o examinador é cruel: “A”
imputou a “B”, sabendo que era que tal fato era falso, a prática de jogo do bicho. “B”,
ofendido em sua honra, entrou com uma queixa-crime e descreveu que lhe foi imputada
uma contravenção penal mentirosa, mas capitulou como calúnia. Você, juiz, receberia ou
rejeitaria a queixa? Entenderam o problema? Fulano pratica jogo do bicho. Isso é
contravenção penal. A vítima entrou com uma queixa-crime. Descreveu certinho, mas na

134
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

hora de capitular, ao invés de colocar difamação (porque contravenção penal é só fato


desonroso), capitulou como calúnia. Você rejeita ou recebe? Você recebe, inclusive, você
diz o quê? Ao juiz você narra os fatos. Se aquela capitulação está errada, lá na
frente, eu corrijo, no momento da emendatio libelli. Era o que vocês iam responder?
Pois bem: resposta: rejeita a queixa-crime. Qual era a posição do examinador? Ele era
adepto da Teoria Social da Ação. Ele entendia que o jogo do bicho tinha sido revogado
pelo costume e não era mais ofensivo à honra. Olha que loucura! Todo mundo que se
deparou com essa questão, fez o quê? Falou que ao juiz se narra os fatos e que no
momento oportuno ele corrige o libelo, art. 383, e teve gente que diferenciou emendatio
de mutatio. “Arrebentei!” Não! Você se ferrou! Você tinha que ter rejeitado a queixa
porque o fato é atípico. Você não está imputando um fato desonroso porque a
contravenção penal do jogo do bicho não existe mais. Foi revogada pelo costume.
Acho que uns três acertaram. E esse examinador foi questionado: “eu não coloquei minha
posição. A questão foi discursiva. Eu queria que eles colocassem todas as posições e eles
não colocaram. É ou não é sabido que existe discussão sobre se a contravenção penal jogo
do bicho foi ou não revogada pelo costume? É posição reconhecida e que ele queria que
fosse explorada na questão.” Mas por que você deu ZERO para todo mundo? Coisas de
concurso

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: possibilidade da prática de calúnia, difamação e injúria por meio da divulgação
de uma única carta É possível que se impute, de forma concomitante, a prática dos crimes
de calúnia, de difamação e de injúria ao agente que divulga, em uma única carta, dizeres
aptos a configurar os referidos delitos, sobretudo no caso em que os trechos utilizados
para caracterizar o crime de calúnia forem diversos dos empregados para demonstrar a
prática do crime de difamação. Ex: João, síndico do prédio, brigou com Pedro em virtude
de desavenças quanto à prestação de contas. Pedro escreveu, então, uma carta, distribuída a
todos os demais condôminos, na qual dizia que João, no mês de 09/2014, desviou R$ 10 mil
da conta do condomínio em proveito próprio (calúnia); que, no dia da assembleia ocorrida em
22/10/2014, estava tão bêbado que não conseguia parar em pé (difamação) e que ele era um
gordo, feioso e burro (injúria). STJ. 5ª Turma. RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,
julgado em 3/3/2015 (Info 557).

135
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

CALÚNIA – ART. 138


Introdução: no art. 138 você vai acrescentar e quem tem o código acrescenta também a
seguinte expressão: “determinado”:
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente (DETERMINADO) fato definido
como crime:
Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Observação: você vai ver que é importante, ao ler o art. 138, enxergar a expressão
“determinado”.

Sujeito ativo
Comentários:: pergunto: quem é o sujeito ativo? Quem é o sujeito ativo da calúnia? Exige
alguma qualidade ou condição especial do agente? Não. Mas cuidado com a resposta! Porque
o sujeito ativo é “qualquer pessoa, salvo as pessoas detentoras de inviolabilidade.” Quem
são elas? Parlamentares: deputados, senadores, vereadores no limite do município.
Observação: advogado tem inviolabilidade para calúnia? Tem ou não tem? Advogado no
exercício da função é imune à calúnia, sim ou não? Art. 7.º, § 2º, do Estatuto da Advocacia e
da Ordem dos Advogados do Brasil. Esse dispositivo diz o seguinte:
§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria,
difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte,
no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das
sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer
Vejam que esta imunidade não abrange a calúnia. Então, o advogado tem imunidade
profissional para difamação e injúria. Não abrange calúnia.

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: advogado não comete calúnia se não ficar provada sua intenção de ofender a
honra. A manifestação do advogado em juízo para defender seu cliente não configura
crime de calúnia se emitida sem a intenção de ofender a honra. STJ. 3ª Seção. Rcl 15.574-
RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 9/4/2014.

Sujeito passivo
Comentários: quem é a vítima de calúnia? Quem é o sujeito passivo da calúnia? Também
qualquer pessoa. Mas temos casos especiais: menor, pessoa jurídica, morto e chefe de poder
(Presidente da República, do Senado da Câmara e do STF). Vamos ver cada um deles:

136
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Caiu em prova I: MENOR INIMPUTÁVEL pode ser vítima?


a. 1ª Corrente: “Calúnia nada mais é do que imputar crime. Conclusão: como menor não
pratica crime, não podendo ser vítima de calúnia, mas de difamação.”
b. 2º Corrente: “Calúnia é imputar fato previsto como crime. Conclusão: menor pratica
fato previsto como crime chamado ato infracional, podendo ser vítima de calúnia.”
Caiu em prova II: PESSOA JURÍDICA pode ser vítima de calúnia? O STF já decidiu isso.
Diz o quê? STF: não pode ser vítima de calúnia, pois pessoa jurídica não pratica crime, só
podendo ser responsabilizada penalmente em caso de infrações ambientais. Percebam o
argumento do Supremo: ser responsabilizada penalmente, não significa que ela possa praticar
crime. Pessoa jurídica não pratica crime, nem mesmo os ambientais. Ela é responsável
penalmente por eles no sistema da dupla imputação. Ela não pratica crime, nem mesmo os
ambientais. Só pode ser responsabilizada penalmente neste caso, logo, não pode ser vítima de
calúnia. Agora, cuidado! Dependendo do que você falou, você pode ter atingido a pessoa do
dirigente da pessoa jurídica, aí ele é vítima da calúnia. Dependendo de como tenha sido
colocada a calúnia, você atinge a honra dos diretores da pessoa jurídica. Eles podem ser
vítimas. Claro!
Caiu em prova III: MORTO pode ser vítima de calúnia? Cuidado! Se você responder que
pode, é o morto que vai ter que entrar com a queixa-crime e eu não quero ser o juiz nesse
caso. Morto pode ser vítima? Não! Leiam o art. 138, § 2º e cuidado com pegadinha em
concurso:§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos. Uma coisa é a calúnia contra os mortos
ser punível, outra coisa é dizer que o morto é a vítima. É punível a calúnia contra os mortos,
mas a família do morto figura como vítima. “É punível a calúnia contra o morto, figurando
como vítima sua família, interessada na manutenção do seu bom nome.” Esse, inclusive, é
um crime vago, aquele crime cujo sujeito passivo é um ente sem personalidade jurídica (in
casu, a família).
Calúnia e Segurança Nacional: calúnia contra Presidente da República, Presidente do
Senado, Presidente da Câmara, Presidente do Supremo. Crime contra honra desses
personagens pode ser crime contra a segurança nacional. Quando FHC assumiu, surgiu um
dossiê nas Ilhas Caiman. Criaram um dossiê dizendo que FHC tinha contas em paraísos
fiscais. Aí a PF descobriu que aquele dossiê era mentiroso, que foi só para divulgar a calúnia.
Pergunto: foi crime contra a segurança nacional? Sim, mas só se tiver motivação política. Se
não tiver motivação política, é crime contra a honra comum. Então, crime contra a honra
desses personagens pode ser contra a segurança nacional se tiver motivação política. Se não
tiver motivação política é crime comum.

137
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Objeto da conduta
Comentários: o que pune o art. 138? Vejamos rapidamente. Vocês já têm isso no caderno,
mas eu preciso partir desse ponto. O art. 138 pune “imputar fato determinado previsto como
crime sabidamente falso”. O “imputar” pode ocorrer de forma explícita ou implícita. Nós
temos que lembrar também que nós estamos diante de um delito de execução livre. Isto é,
pode ser praticado por meio de palavras, escritos ou gestos, etc.

Formas de calúnia:
a. Explícita: ofensa feita ás claras, sem margem de dúvida da intenção e da conduta do
agente.

b. Implícita: de forma velada, sub-reptícia na qual o agente dá a entender que alguém


teria praticado determinada conduta ou fato.

c. Reflexa em que o agente querendo caluniar determinada pessoa, acaba atribuindo


também à prática de um crime a terceiro. Ao atribuir a prática de corrupção ativa a um
particular, o agente também atribui ao funcionário público o crime de corrupção
passiva.

Observação: quando eu digo “fato previsto como crime” não abrange contravenção penal.
Contravenção penal configura difamação. Vou insistir muito nisso! Então, essa parte
introdutória é só para ter certeza que vocês entenderam o básico do delito.
Caiu em prova IV: essa questão caiu em concurso: calúnia é você imputar a alguém um
crime inexistente sabendo que é inexistente ou é imputar a alguém um crime que existe, mas
você sabe que aquela pessoa não foi autora? É somente a imputação subjetiva ou as duas
hipóteses? E aí? As duas formas configuram calúnia. Haverá calúnia quando o fato
imputado jamais ocorreu (falsidade que recai sobre o fato) ou, quando real o
acontecimento, não foi a pessoa apontada (falsidade que recai sobre a autoria do fato).
Disponibilidade da honra: agora, vocês acham que a honra é um bem disponível ou
indisponível? A pessoa consente em ser ofendida na sua reputação. Exclui o crime? Se você
for ler em livros muito antigos, de Nelson Hungria, no começo, doutrinadores muito clássicos,
diziam que a honra é um bem indisponível. Esqueça! Hoje prevalece que a honra é um bem
disponível.

Art. 138, §1º


§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga
Comentários: quem o tipo está punindo no §1º? O fofoqueiro. O caput pune quem cria a
calúnia. O § 1º pune o divulgador. Você tem que analisar se está diante do criador da calúnia,

138
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ainda que ele esteja divulgando (caput) ou se está diante de um divulgador (aí é § 1º). Os dois
têm a mesma pena, mas vai ter um reflexo importante daqui a pouco. Criador, caput;
divulgador; § 1º.
Observação: o crime é punido a título de dolo, sendo indispensável a vontade de ofender a
honra. Agora, vejam: no caso do caput, do Criador, o dolo é direto ou eventual. Já no caso
do §1º, de quem só divulga, a doutrina diz: o dolo só é direto. Não se pune o dolo eventual
do mero divulgador. É aí a importância de você saber se está diante do caput ou do § 1º.
Vejam que no § 1º o dolo eventual é impunível.

Elemento subjetivo do tipo


Comentários: é imprescindível a vontade de ofender a honra. Isso significa que animus
jocandi não há crime. O que é animus jocandi? Brincadeira. Vontade só de brincar.
Brincadeira não é crime porque não há dolo necessário para sua configuração. A mesma coisa
aplica-se para o animus narrandi. Esse é o animus da testemunha. Também não há crime. Se
ela está com o espírito de apenas narrar o fato, sem intenção de ofender a honra, não há crime.
Também não há crime no animus criticandi. E não há crime no animus consulendi. Vontade
de só aconselhar. Também não há crime. Animus corrigendi. Vontade de corrigir. E, por fim,
não há crime no animus defendendi. De autodefesa. Em nenhuma dessas hipóteses há dolo
caracterizador do delito.

Consumação
Comentários: quando que o crime se consuma? O momento consumativo está
umbilicalmente ligado ao tipo de honra. A calúnia ofende a honra objetiva, o que terceiros
pensam de mim. Então, quando se consuma? Quando terceiros tomarem conhecimento do que
eu disse. “A calúnia se consuma no momento em que terceiro toma conhecimento da
imputação criminosa, independentemente do efetivo dano à reputação ofendido.” Se eu estou
dizendo isso, estou afirmando que o crime é formal. Estou diante de um crime formal. Admite
tentativa? Calúnia admite tentativa? Em regra, não, salvo quando praticada por escrito e
for interceptada pela própria vítima. Quando o bilhete ou a carta for interceptado por
terceiro que ler o seu conteúdo, é óbvio que está consumado. Se interceptada pela própria
vítima, tentativa de calúnia. Carta caluniosa interceptada por terceiro que não a vítima, crime
consumado. Vamos imaginar que eu vou caluniar alguém por escrito e me valho de um
telegrama. Você liga para a telefônica, você dita a mensagem, a pessoa lá materializa a
mensagem e manda o telegrama. Pergunto: esse telegrama foi interceptado pela própria
vítima. Tentativa? Não, porque terceira pessoa já tomou conhecimento quando materializou.
Então, no caso do telegrama e no fonograma, a consumação ocorre no momento em que

139
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

o funcionário está recebendo a mensagem. “Ah, professor, mas eles têm que manter sigilo.”
Não importa! Importa é que, para ele, a sua reputação já era.

EXCEÇÃO DA VERDADE
Conceito: é um incidente processual (exceção da verdade) que deve ser resolvido antes da
questão principal. É uma defesa indireta por meio da qual o acusado de ter praticado calúnia
pretende provar a veracidade do que alegou, demonstrando ser realmente autor de fato
definido como crime a pretensa vítima. Como dito, só haverá calúnia se a imputação for falsa,
pois, se for verdadeira, o fato é atípico. Como a falsidade da imputação é presumida (relativa)
a lei permite que ofensor tente provar, no mesmo processo, a veracidade de sua alegação.

Razão do instituto: interesse público. O Estado tem interesse em descobrir a autoria de


crimes, principalmente nos crimes de ação pública.

Análise do instituto: admite-se a prova da verdade, salvo: vamos colocar o que vem a ser
essa exceção da verdade que nada mais é do que o expediente para provar a verdade:
“Incidente processual, forma de defesa indireta através da qual o acusado pretende provar a
veracidade do que alegou.” Olha que interessante: então, “A” ingressa com uma queixa
imputando calúnia a “B”. “B” entra com uma exceção da verdade para provar a veracidade do
fato. Agora, vejam: a procedência da exceção da verdade gera o quê? O que acontece com
“B”? Vai ser absolvido por fato atípico. E por que é absolvição por atipicidade? Porque a
falsidade é elementar do tipo. Se você prova que é verdade, o tipo perde uma elementar.

Vedação a exceção da verdade


Comentários: em três hipóteses o Código Penal nega essa defesa processual: em crime de
ação privada quando o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível, nas pessoas
elencadas no I do art. 141 e se do crime imputado, o ofendido foi absolvido por sentença
irrecorrível. I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi
condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas
indicadas no nº I do Art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido
foi absolvido por sentença irrecorrível. Vamos analisar cada uma delas.

Inciso I
I-Crime de ação privada quando o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível

Comentários: nos crimes de ação privada somente a vítima pode iniciar o processo, por conta
de que nesses delitos o processo pode lhe causar constrangimentos e desconforto e, assim, o
legislador entendeu que cabe exclusivamente a ela decidir se vai processar ou não. Portanto,

140
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

se o autor da imputação quiser provar em juízo que sua alegação é verdadeira em crime de
ação privada (sem condenação por este fato) estará passando por cima da vontade da
vítima e abordando assunto que ela mesma quis evitar. Por conta disso, não se permite a
exceção. Vamos imaginar um crime de ação privada. Quem me lembra de um crime bobo,
comum? Antigamente eu dava o exemplo do estupro (imaginando que o estupro seja ainda de
ação privada). “A” imputou a “B” o estupro de “C”. O que “B” faz? Entra com uma queixa
por calúnia contra “A”. “B” se sentiu caluniado por ter “A” imputado-lhe o estupro. Pode
“A” provar a verdade desse estupro? Não, porque somente “C”, vítima do estupro, pode
discutir esse fato. Se “C” preferir o silêncio, você não pode deixar “A” fazer o trabalho
que a lei diz que é só de “C”. Se “C” prefere o silêncio, “A” não pode revelar o que “C” não
quer revelar. Professor, mas hoje estupro não é mais de ação privada. Então, dá para você
arrumar um crime que seja de ação privada? Então, hoje, ao invés de estupro, trabalhem, por
exemplo, com exercício arbitrário das próprias razões. Eu coloquei estupro para você
enxergar melhor. Agora, substitui. Então, “A” imputou a “B” o exercício arbitrário das
próprias razões contra “C”. “B”, sentindo-se caluniado, entrou com a queixa. “A” pode provar
esse exercício arbitrário das próprias razões? Não! Só “C” pode. Se “C” quer o silêncio, “A”
não pode desrespeitar.

Inciso II
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do Art. 141;

Comentários: não caberá a exceção quando a calúnia envolver o Presidente da República ou


chefe de governo estrangeiro. Em um singelo processo criminal não há espaço para uma
exceção que envolva o mais alto mandatário da nação. O processo contra o Presidente é
complexo envolvendo a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, além da competência
para processá-lo pertencer ao STF. No caso de chefe de governo estrangeiro tal exceção seria
inócua uma vez que este não está sob a jurisdição brasileira. Conclusão: Calúnia contra
Presidente da República não admite exceção da verdade. Calúnia contra chefe de governo
estrangeiro não admite exceção da verdade. Por quê? Razões políticas e diplomáticas ditam a
vedação.

Inciso III
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença
irrecorrível.

Comentários: permitir nova discussão sobre fato já definitivamente julgado seria afrontar o
instituto da coisa julgada. Vamos entender isso. Olha que interessante. Vamos supor que “A”
141
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

imputou a “B” o homicídio de “C”. Por este homicídio “B” foi absolvido definitivamente.
Então, “A” imputou a “B” o homicídio de “C”. “B” já foi processado e absolvido. “B”
ingressa com uma queixa contra “A”. “A” pode provar a verdade desse homicídio? Não. Se
eu permitir a “A” provar a verdade desse homicídio eu estou afrontando a coisa julgada, eu
estou exumando fato que foi acobertado pela coisa julgada, gerando insegurança jurídica. Não
pode!
Observação: nestas hipóteses, você não pode alegar exceção da verdade. “Então, professor, o
que eu faço pra me defender”? Diga que não foi você, diga que não teve a intenção, diga
que está prescrito, menos buscar provar a verdade que a lei não deixa.
Inconstitucionalidade do instituto: agora, vejam, vocês escreveram que a exceção da
verdade é uma espécie de defesa indireta. Olha um argumento. O Código Penal de 1940 traz
vedações ao direito de provar a verdade. A CF/88 garante a ampla defesa, ou seja, já estão
alegando que o § 3º, I, II e III não foram recepcionados pela Constituição Federal porque
estão limitando defesa. Se a exceção da verdade é defesa indireta, vedar a exceção da
verdade nessas três hipóteses é restringir a defesa. Então, tem gente dizendo que esses
incisos não foram recepcionados pela Constituição Federal. Para esta corrente, é possível
exceção da verdade, sempre, na calúnia. Há julgados nesse sentido no TJ/MG, mas não é o
que prevalece.

EXCEÇÃO DE NOTORIEDADE
Art. 523 - Quando for oferecida a exceção da verdade ou da
notoriedade do fato imputado, o querelante poderá contestar a
exceção no prazo de 02 (dois) dias, podendo ser inquiridas as
testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas naquele prazo,
em substituição às primeiras, ou para completar o máximo legal.

Comentários: ajudem-me no seguinte: qual é a segunda hipótese que não se admite exceção
da verdade? Crime contra a honra do Presidente da República. Vamos supor que eu chegue
em casa e diga para minha mãe: “mãe, o que está acontecendo no Governo da Dilma? Parece
que loteou o governo, parece que é um governo de corrupção.” Falo isso para minha mãe e a
Dilma fica sabendo. Ingressa com uma queixa-crime contra mim dizendo que eu a caluniei.
Eu poderia entrar com exceção da verdade? Não. Mas a minha mãe, quando eu falei isso, sabe
o que ela falou? Carlos há aproximadamente 06 milhões de pessoas fazendo passeata para
retirá-la do Governo. Isso que você falou é fato público e notório. Ele entra com uma queixa-
crime contra mim, eu não posso fazer prova da verdade, sendo que é público e notório?
Entenderam? O que vocês fariam? O que vocês alegariam? Tem algum expediente? Pessoal, o
art. 523, do CPP, traz dois expedientes:

142
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Art. 523 - Quando for oferecida a exceção da verdade ou da notoriedade do fato


imputado, o querelante poderá contestar a exceção no prazo de 02 (dois) dias,
podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas
naquele prazo, em substituição às primeiras, ou para completar o máximo legal.
Tem uma exceção para esse caso. Chama-se exceção da notoriedade! Isso caiu para
defensor público/ES. Qual é a finalidade da exceção da verdade? Provar a verdade. E se você
conseguir provar a verdade, resultado: absolvição por atipicidade. Mas o art. 523, do CPP
prevê também a exceção de notoriedade. Se você consegue provar que o fato não é
verdadeiro, mas que é público e notório, o que eu tenho aqui? Absolvição por crime
impossível. Se a reputação dele já estava mais do que abalada, que era público e notório,
aqui também gera absolvição por crime impossível. Não foi você que deu conhecimento a
terceiros. Terceiros já conheciam aquilo. Então, eu não vou provar que era verdade porque a
lei não me permite, mas eu vou provar que é público e notório. Se chegou ao conhecimento de
terceiros, não foi por intermédio do que falei. Terceiros já conheciam. A reputação dele já
estava ofendida suficientemente. Importante isso! Exceção de notoriedade. Caiu para
defensor/ES.

143
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

DIFAMAÇÃO
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe (DETERMINADO) fato ofensivo à sua
reputação:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa.
Análise do tipo: mais uma vez não se esqueçam do “determinado”. Daqui a pouco vocês
vão entender por que eu insisto no determinado.

Sujeito ativo
Comentários: não vou ficar me repetindo, a resposta é praticamente a mesma da calúnia.
Mas aqui tem um detalhe importante. É qualquer pessoa, mas cuidado com os invioláveis.
Cuidado com imunidades, lembrando sempre dos Parlamentares. E aqui eu pergunto:
advogado tem imunidade na difamação? Tem. Só não tem na calúnia. Na Difamação e na
injúria tem: art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB. Advogado só não tem imunidade na calúnia,
mas tem na difamação e na injúria.

Sujeito passivo
Comentários: qualquer pessoa. Mas como tudo no Direito tem exceção:
Caiu em prova: pessoa jurídica pode ser vítima de difamação?
1º Corrente: posição do STF: pode ser vítima, pois tem honra objetiva, isto é, tem
reputação a ser preservada. Então, o STF entende que pessoa jurídica pode ser vítima, sim,
de crime de difamação porque tem honra objetiva, tem reputação a ser preservada na
sociedade.
2º Corrente: Mirabete diz que não. Ele diz que não pode ser vítima de nenhum crime
contra a honra. E por que entende que não pode? Porque o Capítulo V só protege honra de
pessoa física. O Supremo já pacificou essa questão. Para o STF, pessoa jurídica pode ser
vítima de difamação sim! Para Mirabete não pode ser vítima de nenhum crime contra a honra
porque o Capítulo V só protege honra de pessoa física. Não se lembrou da pessoa jurídica.
Conduta punida: o art. 139 pune imputar fato desonroso. Aqui é a mesma coisa: o imputar
pode ocorrer de forma implícita ou explícita e eu estou diante de delito de execução livre. Até
aqui, sem novidades. Também sem novidades o que vou falar agora. Quando eu digo fato
desonroso, abrange contravenção penal. Lá na calúnia, vimos que o caput pune o criador e
o § 1º pune quem propaga ou divulga. E na difamação, existe algum parágrafo específico para
quem propala ou divulga? Pergunto: pune-se o fofoqueiro? A maioria entende que o
fofoqueiro também difama e isso está no caput. Criador e divulgador estão no mesmo
dispositivo: art. 139 caput. A maioria diz: quem cria difama e quem divulga também difama.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Então, o caput pune o criador e o divulgador. Questão boa para concurso. Quem divulga
acaba difamando novamente.
Elemento subjetivo: o crime é punido a título de dolo, direto ou eventual, também sendo
imprescindível a vontade de ofender a honra. Ou seja, todos aqueles ânimos: jocandi,
narrandi, consulendi, etc, excluem o dolo.
Consumação: e quando se consuma? Tem novidade na consumação? Não, então não vou
perder tempo e ficar me repetindo, porque vimos que a consumação vive da honra ofendida,
que é a mesma honra da calúnia. A difamação se consuma quando terceiros tomam
conhecimento da imputação desonrosa. Admite tentativa? Admite, na forma escrita. Carta
desonrosa interceptada pela própria vítima.

Exceção da verdade
Comentários: é possível exceção da verdade? Nós vimos que no crime de calúnia, a regra é
que se admite. E com uma observação: sua procedência gera absolvição por atipicidade.
Excepcionalmente, não se admite. Isso foi o que vimos na calúnia. Agora, estou na difamação
e fica mais fácil para compararmos. É possível exceção da verdade (fazer prova da verdade
que se alegou) na difamação? Vamos ao §único:
Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é
funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Então, é possível a exceção da verdade? Sim, mas em regra não é cabível. Na difamação, em
regra, não se admite. Excepcionalmente se admite. Quando? Quando há ofensa contra
funcionário público e é uma ofensa relativa à função. São dois requisitos para permitir a
exceção da verdade. Ofensa contra funcionário público tem que ser ofensa relativa à função:
ofensa propter oficio. Só nesta hipótese é que se admite exceção da verdade na difamação.
Não basta ofender funcionário público para poder provar a verdade. Você tem que ofender
funcionário público e essa ofensa tem que ter relação com a função. Aí, sim, será permitido a
você provar a verdade porque a Administração tem interesse em saber se é verdade ou não o
que você falou. É a única hipótese.
Observação: sua procedência gera o quê? Vocês viram que na calúnia a procedência gera
absolvição por atipicidade. E por que gera absolvição por atipicidade na calúnia? Porque a
falsidade é elementar do tipo. E na difamação, a falsidade é elementar do tipo? Não é! Pouco
importa se o fato é verdadeiro ou falso. Tanto pouco importa se o fato é verdadeiro ou falso,
que não se admite exceção da verdade em regra. Então, se você conseguir provar a verdade
sobre o que você falou a respeito desse funcionário público em razão da função, você vai
ser absolvido. Sem dúvida gera absolvição. Mas qual o fundamento dessa absolvição? Não
pode ser a atipicidade porque é a falsidade ou não da elementar do tipo. Então, gera

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

absolvição por quê? É uma hipótese especial de exercício regular de direito. Sua
procedência geral absolvição, sendo hipótese especial de exercício regular de direito. Então,
seu fato é típico, mas não é ilícito, salvo se você adotar a tipicidade conglobante de Zaffaroni
que LFG adaptou. Aí nem é típico.
Caiu em prova: agora, presta atenção: pergunta importante: qual é o único caso que cabe
exceção da verdade na difamação? Crime contra a honra de funcionário público. Existe
funcionário público na Constituição Federal? Qual é o termo correto? Servidor público. Cabe
exceção da verdade quando a difamação é contra Presidente da República? Calúnia contra
Presidente não cabe exceção da verdade. Tem proibição expressa. E difamação contra
Presidente da República, cabe exceção da verdade? EU andei dizendo que o Presidente anda
trabalhando bêbado e ele entra com uma queixa-crime contra mim. Eu posso provar a exceção
da verdade, provando que ele trabalha bêbado? A lei diz que se for funcionário público, eu
posso entrar com a exceção da verdade. Mas e sendo Presidente da República, eu posso ou
não? Não posso. A exposição de motivos do Código Penal, no seu item 49, alerta que a
exceção da verdade na difamação não alcança Presidente da República pelas mesmas
razões do art. 138, § 3º, II, do CP. O problema é que a exposição de motivos do Código
Penal não é lei. É uma interpretação doutrinária. Por isso tem gente que discute. Isso no CP. A
exposição de motivos no CPP é lei.
Exceção da notoriedade: cabe exceção de notoriedade na difamação? Cabe também. Então,
essa história de você falar que a menina fica rodando bolsinha na esquina. Se ela entrar com
uma queixa-crime contra você, não adianta você querer provar que o fato é verdadeiro. Não te
socorre em nada. Ajuda se você comprovar que o fato era público e notório. Vamos supor que
eu diga que a Xuxa fez filme pornô. Ela entra com uma queixa-crime contra mim. Mas o
filme está entre os mais vendidos. Isso é fato público e notório.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

INJÚRIA
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade (honra subjetiva) ou o decoro:
Pena - detenção, de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa.

Sujeito ativo
Comentários: eu quero perguntar o seguinte: quem pode ser sujeito ativo do delito? Ele exige
alguma condição especial do agente? Não. Logo, o crime é comum. Mas eu ensinei vocês a
responder essa pergunta. Se te perguntarem quem é sujeito ativo na injúria, vocês vão dizer
que o sujeito ativo é qualquer pessoa, mas cuidado com as imunidades. Quem detém
imunidade nas suas palavras e opiniões não pratica calúnia, não pratica difamação, não pratica
injúria. Exemplos: e o advogado? Ele tem imunidade? Vocês viram comigo que ele não
tem imunidade na calúnia. Tem imunidade na difamação e tem imunidade profissional
na injúria. Só relembrando que este é o art. 7.º, § 2º, do Estatuto da OAB. Injúria e
difamação ele tem. Calúnia, não. E, aliás, o Supremo acabou de decidir isso. Tem uma
decisão recente que não reconheceu imunidade para advogado na calúnia contra promotor. Se
o Supremo decidiu isso recentemente, pode ter certeza: vai ser pergunta da prova do Cespe.
Lembrem-se: advogado tem imunidade profissional, mas só para difamação e injúria.´
Observação: agora é que vem o ponto fundamental decidido recentemente no STF. Vimos que
há imunidade quanto aos senadores, deputados federais, deputados estaduais ou distritais,
vereadores nos limites do município que exerce a vereança. Vereador também tem imunidade
absoluta, também tem imunidade material no limite em que exerce a vereança. Contudo
abaixo colaciono um julgado importante e recentíssimo do STF:

CASO BOLSONARO
Comentários: considerando a recentre repercussão das declarações do deputado Jair
Bolsonaro, o presente texto pretende explicar os aspectos jurídicos relacionados com a
decisão do STF, sem realizar qualquer análise política sobre o tema.

Observação: os argumentos expostos são dos Ministros do STF.

Caso concreto: a situação analisada foi a seguinte: o Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-
RJ), durante uma discussão no plenário da Câmara, afirmou que a também Deputada Federal,
Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada”. No dia seguinte, em entrevista
concedida em seu gabinete ao jornal "Zero Hora", Bolsonaro reiterou as declarações, dizendo
que Maria do Rosário “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não faz meu
gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece".

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ARCABOUÇO LEGAL

Denúncia e queixa-crime: o Procurador-Geral da República ofereceu denúncia contra o


parlamentar afirmando que ele, ao fazer essas declarações, teria incentivado o crime de
estupro incorrendo, portanto, no delito do art. 286 do CP: Incitação ao crime:

Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Além disso, a própria Deputada ajuizou contra ele queixa-crime sob a alegação de que teria
sido vítima de injúria:

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Defesa do Deputado: a defesa argumentou que o parlamentar não cometeu qualquer crime
com seu comentário, considerando estar acobertado pela imunidade material prevista no art.
53 da CF/88:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por


quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

A denúncia e a queixa-crime foram recebidas pelo STF. Existem elementos indiciários


para se prosseguir com a ação penal?O STF entendeu que sim.

JURISPRUDÊNCIA STF e STJ


Comentários: a imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) protege os Deputados
Federais e Senadores, qualquer que seja o âmbito espacial (local) em que exerçam a liberdade
de opinião. No entanto, para isso é necessário que as suas declarações tenham conexão
(relação) com o desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas em razão dela.
Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser consideradas como "relacionadas
ao exercício do mandato", elas devem ter, ainda de forma mínima, um teor político. Exemplos
de afirmações relacionadas com o mandato: declarações sobre fatos que estejam sendo
debatidos pela sociedade; discursos sobre fatos que estão sendo investigados por CPI ou pelos
órgãos de persecução penal (Polícia, MP); opiniões sobre temas que sejam de interesse de
setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou grupos representados no parlamento
etc. Palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de
fatos ou ideias não possuem vínculo com o exercício das funções de um parlamentar e,
portanto, não estão protegidos pela imunidade material. No caso concreto, as palavras do

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Deputado Federal dizendo que a parlamentar não merecia ser estuprada porque seria
muito feia não são declarações que possuem relação com o exercício do mandato e, por
essa razão, não estão amparadas pela imunidade material. STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet
5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Observação: existe uma posição jurisprudencial anterior a ao julgado acima no sentido


de que as declarações proferidas pelo parlamentar dentro do Congresso Nacional seriam
sempre protegidas pela imunidade parlamentar ainda que as palavras não tivessem
relação com o exercício do mandato. Há diversos julgados do STF afirmando que a
imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) é absoluta quando as afirmações do
Deputado ou Senador sobre qualquer assunto ocorrem dentro do Congresso Nacional. A
situação poderia ser assim resumida:

1º corrente: Ofensas feitas DENTRO do Parlamento: a imunidade é absoluta. O


parlamentar é imune mesmo que a manifestação não tenha relação direta com o exercício de
seu mandato.

2º corrente: Ofensas feitas FORA do Parlamento: a imunidade é relativa. Para que


o parlamentar seja imune, é necessário que a manifestação feita tenha relação com o exercício
do seu mandato. Veja um precedente do STF neste sentido: “A palavra 'inviolabilidade'
significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou
contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar,
porque em jogo a representatividade do povo. (...) Assim, é de se distinguir as situações em
que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas
últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com
o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (Inq 390 e 1.710). Para os
pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o
conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da
inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir
eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário
da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as
entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada
manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.” (STF.
Plenário. Inq 1.958, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgado em 29/10/2003). No mesmo
sentido: STF. 1ª Turma. RE 463671 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em
19/06/2007.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Observação: este entendimento não poderia ser aplicado ao caso concreto, considerando
que as palavras e a entrevista foram dadas dentro das dependências da Câmara dos
Deputados? O STF afirmou que as declarações prestadas pelo Deputado dentro do plenário
até poderiam estar abarcadas por este entendimento. No entanto, no dia seguinte ele deu uma
entrevista na qual reafirmou as palavras. Portanto, neste momento, a imunidade não é
absoluta.

Observação II: Mas a entrevista não foi dada dentro do gabinete no Deputado? Sim,
mesmo assim, para o STF, o fato do parlamentar estar em seu gabinete no momento em que
concedeu a entrevista é um fato meramente acidental, de menor importância. Isso porque não
foi ali (no gabinete) que as ofensas se tornaram públicas. Elas se tornaram públicas por meio
da imprensa e da internet, quando a entrevista foi veiculada. Dessa forma, tratando-se de
declarações prestadas em entrevista concedida a veículo de grande circulação não incide o
entendimento de que a imunidade material seria absoluta. É necessário avaliar, portanto, se as
palavras proferidas estavam ou não relacionadas com a função parlamentar. E, como, no caso
concreto não estavam, ele não estará protegido pela imunidade material do art. 53 da CF/88.

Observação III: a defesa do Deputado alegou, ainda, que a conduta por ele praticada não
configurou o crime do art. 286 do CP porque as afirmações feitas foram genéricas e não
incentivaram que pessoas praticassem estupro. Afirmou, ainda, que não teve a intenção de
incentivar o crime de estupro. O STF acolheu estes argumentos? NÃO. A manifestação do
Deputado tem o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à
violência física, sexual, psicológica e moral, considerando que foi proferida por um
parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais. O crime de estupro tem
consequências graves, e sua ameaça constante mantém todas as mulheres em situação de
subordinação. Portanto, discursos que relativizam essa gravidade e a abjeção do delito
contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro. O
parlamentar, ao utilizar o vocábulo “merece” transformou o estupro em algo como se
fosse um prêmio, um favor, uma benesse à mulher. Além disso, transmitiu a ideia de que
as vítimas podem merecer os sofrimentos a elas infligidos pelo estupro. Essa fala reflete os
valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera e até incentiva a prática de atitudes
machistas e defende a naturalidade de uma posição superior do homem, nas mais diversas
atividades. Para que se consuma o tipo penal do art. 286 do CP não é necessário que o agente
incentive, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. Este delito pode ser praticado
por meio de qualquer conduta que seja apta a provocar ou a reforçar em terceiros a intenção
da prática criminosa. Ademais, o delito do art. 286 do CP é crime formal, de perigo abstrato, e
independe da produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas apenas
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

o "dolo genérico", consistente na consciência de que o comportamento do agente instigará


outros a praticar crimes. No caso, a frase do parlamentar tem potencial para estimular a
perspectiva da superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso da
violência. Assim, a afirmação pública do Deputado tem, em tese, o potencial de reforçar a
ideia eventualmente existente em outros homens de praticarem violência contra a mulher.
STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info
831).

Conclusão: por fim, o STF afirmou que as declarações do Deputado atingiram a honra
subjetiva da Deputada, porque rebaixaram sua dignidade moral, expondo sua imagem à
humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser
vítima de estupro. STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados
em 21/6/2016 (Info 831).

Observação: vale ressaltar que o Deputado ainda não foi condenado. Na verdade, agora que se
inicia o processo criminal e, após toda a instrução, o mérito das acusações ainda será
analisado. Importante destacar, ainda, que o STF ainda não se manifestou sobre um dos
argumentos do Deputado, qual seja, o de que ele teria apenas se defendido de prévias
agressões verbais praticadas pela Deputada (tese da "retorsão imediata" ou da "reação a
injusta provocação"). O STF afirmou que esta alegação somente deveria ser apreciada ao final
do processo, após a instrução.

Sujeito Passivo
Comentários: uma questão importante é a seguinte: quem pode ser sujeito passivo? Quem
pode ser vítima de injúria? Ora, você vai encontrar em livros afirmação que é qualquer
pessoa. Não é bem assim. É qualquer pessoa com capacidade de entender a expressão
ofensiva. Isso significa que o sujeito passivo tem que ter capacidade para entender a ofensa
contida na expressão. Isso porque o crime ofende a dignidade e o decoro. Se você não
entendeu a ofensa contida na expressão, a sua dignidade ou decoro não foi atingida. Chegar
para uma criança de três anos e falar: “sua anencéfala!” ela vai entender? Ou seja, não tem
condições de entender. Uma dúvida, chamar alguém, “Filho da puta!”, quem é a vítima, o
filho ou a puta? Os dois? Concurso formal! Mas é verdade. Vocês já pararam para pensar?!
“Fulano, você é um filho da puta”. Você pode entrar com a queixa crime ou tem que avisar a
puta da sua mãe? Vocês pensam que isso é brincadeira? Caiu na fase oral de concurso
público. O examinador chegou e perguntou: “doutor, sabe aquela expressão, ‘filha da...’?
quem é a vítima da injúria? O filho ou a mãe?” Eu, particularmente, acho que é a mãe porque
ser filho não é injurioso. Injurioso é ser puta. Mas o examinador entendeu diferente. Nessa
151
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

injúria, você é a vítima porque ele falou aquilo para ofender a sua honra, não a honra da sua
mãe. Eu não concordei, mas foi a resposta do examinador que falou que a expressão “filho da
puta” é para ofender a honra do filho e não a da mãe. É para o filho entender-se um bastardo.
Caiu isso em concurso. Ele não falou “puta”. Falou “filho da”.
Pessoa jurídica: pessoa jurídica pode ser vítima de injúria? Tem como você injuriar uma
pessoa jurídica? Não. Não por quê? Porque pessoa jurídica não tem honra subjetiva. Não tem
dignidade ou decoro. Aliás, não se esqueçam. Mirabete entende que pessoa jurídica não pode
ser vítima de nenhum crime contra a honra, pois o capítulo só protege a honra das pessoas
físicas.
Injúria contra os mortos: vamos rever: é punível calúnia contra os mortos. Tudo bem,
lembrando que a vítima é a família. A família do morto é a vítima. Não é punível difamação
contra os mortos. Não é punível a difamação contra os mortos. Eu falei isso e fiz uma
observação: a Lei de Imprensa punia a difamação contra os mortos, mas a Lei de Imprensa
não foi recepcionada. Isso significa que difamação contra os mortos não é punível nem mais
por Lei da Imprensa. Agora eu quero saber da injúria. Anotem a resposta: não é punível
injúria contra os mortos. A mesma observação tem que ser feita: a Lei de Imprensa punia a
injúria contra os mortos, mas a Lei de Imprensa não foi recepcionada. Logo, a injúria contra
os mortos não é punível nem mesmo por meio da imprensa. Já caiu isso em concurso: “como
tratar a ofensa contra a honra dos mortos. Você tem aqui a resposta: como tratar a ofensa
contra uma calúnia, contra uma injúria, contra uma difamação e o que aconteceu com a Lei de
Imprensa.
Objeto da conduta: o que o art. 140, do CP, pune? “injuriar alguém, ofendendo-lhe a
dignidade ou decoro.” A conduta punida é “injuriar alguém” e como você pode injuriar
alguém? Simples. Atribuindo qualidade negativa. Pronto. Assim, você passa a injuriar
alguém, atribuindo-lhe qualidade negativa. Agora vejam, cuidado! É um crime de execução
livre. O que significa isso? Pode ser praticada por palavras, por escritos, por gestos. Pode ser
praticado por ação ou omissão. Isso já caiu em concurso: “dá um exemplo de injúria por
omissão.” É o único exemplo que tem. Toda a doutrina dá o mesmo exemplo. É o único
exemplo de injúria por omissão: não retribuir cumprimento. A pessoa vai te cumprimentar,
você não retribui como forma de humilhá-la na frente das pessoas. É interessante o exemplo.

DETERMINADO
Comentários: lembram que eu falei para vocês acrescentarem o determinado na calúnia e na
difamação. Aqui vai a razão. Vocês repararam que, ao contrário da calúnia e da difamação, à
injúria não se atribui fato. Portanto, cuidado! Essa é a observação mais importante da aula no
que diz respeito à injúria. Vocês viram que imputar determinado fato criminoso é igual à
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

calúnia. Vocês viram que imputar determinado fato desonroso é igual à difamação. E agora
viram que atribuir qualidade negativa é injúria. Cuidado! No seu concurso vai cair: que
crime configura imputar fato indeterminado a alguém? Fato genérico, um fato vago a
alguém? Que crime configura? Vejam: não pode configurar calúnia porque na calúnia o fato
tem que ser determinado. Não pode configurar difamação porque na difamação o fato,
igualmente, tem que ser determinado. Só sobrou injúria. Cuidado! Então, vejam que a
imputação de fato pode, sim, ser injúria, desde que indeterminado, genérico, vago ou
impreciso. Aí pode. Aí é injúria. Vocês entenderam por que eu insisti no código de vocês
para vocês acrescentarem nos artigos 138 e 139 a palavra determinado em “fato”? Porque se
for fato indeterminado é injúria, se assemelha a qualidade negativa. Entenderam essa
observação?
Injúria reflexa: eu quero saber de vocês se a autoinjúria é punida. Uma pessoa se
autoinjuriar. Você consegue imaginar? “Ah, eu sou um idiota.” Você pode ser punido por
isso? Então, a resposta é: em regra, não. Salvo quando a expressão ultrapassa a ordem da
personalidade do indivíduo. Então, em regra, não se pune a autoinjúria, salvo quando a
expressão injuriosa ultrapassa a órbita da personalidade do indivíduo. Quem me dá um
exemplo? “Ai, eu sou um corno.” Se você está dizendo que é corno é porque sua esposa te
traiu. Ou seja, o fato de você admitir ser corno, você está injuriando alguém. A expressão que
você utilizou ultrapassou a órbita da sua personalidade.
Injúria absoluta e injúria relativa: já ouviram falar disso? Isso tem em dois livros: no de
Manzini (caro) e no do Rogério Sanches:
Injúria absoluta – É aquela expressão que é injuriosa em qualquer lugar em qualquer
momento, em qualquer lugar e contra qualquer pessoa.“Injúria absoluta: a expressão tem
por si mesma e para qualquer um significado ofensivo constante e unívoco.” Há um gesto
que é universal. É uma injúria absoluta.
Injúria relativa – É aquela expressão que será injuriosa dependendo do momento, do
local ou da pessoa. “Injúria relativa: a expressão assume caráter ofensivo se proferida em
determinadas circunstâncias de forma, tom, modo, tempo, lugar, pessoa, etc.” Isso caiu em
concurso. Até porque já dá para perceber que a absoluta é mais severamente punida porque a
ofensa parece ser mais clara.
Elemento subjetivo: o delito é punido a título de dolo. Dolo com a vontade de ofender a
honra subjetiva. É o animus injuriandi. Então, você quando diz aquilo para vítima, você diz
para ofender a honra subjetiva dela, para ferir a dignidade, o decoro da pessoa. No mais, é só
se lembrar do que falamos da calúnia e da difamação. Estão lembrados do animus jocandi,
criticandi, narrandi, consulendi, etc.? Tudo isso exclui o dolo.

153
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Consumação
Comentários: agora quando o crime de injúria se consuma? Isso caiu em concurso. Nós
vimos na aula passada que o momento consumativo do crime contra a honra está
umbilicalmente ligado à modalidade de honra que ele protege. A calúnia e a difamação
protegem a honra objetiva, então se consumam quando terceiros tomam conhecimento. Já
injúria protege a honra subjetiva. Se consuma quando a vítima toma conhecimento,
dispensando efetivo dano à sua honra. É crime formal. Então, a vítima tomou
conhecimento da expressão injuriosa, o crime se consumou. Dispensa o efetivo dano. Basta a
potencialidade. O crime é formal.
Tentativa: a pergunta que caiu em concurso: cabe tentativa de injúria?
1ª Corrente: não se admite tentativa na injúria. Para essa corrente é impossível. Essa
corrente entende assim: se a pessoa da vítima é quem deve representar ou ingressar com
a queixa-crime, no momento em que ela representa ou ingressou com a queixa-crime, ela
mostrou que tem conhecimento, por essa razão, o crime estará sempre consumado. Tem
farta doutrina neste sentido, mas não está certo.
2º Corrente: Para essa corrente, quando a injúria é plurissubsistente, admite a
tentativa. O que significa injúria plurissubsistente? A sua execução admite fracionamento.
Quando a execução da injúria admite fracionamento, admite tentativa. O exemplo é o
seguinte: eu ofendo um aluno. Antes de que a ofensa chegue ao seu conhecimento, ele
morre. Esse fato não chegou ao conhecimento do aluno por circunstâncias alheias à minha
vontade.
Observação: o erro da primeira corrente é confundir possibilidade de tentativa com a
possibilidade de condenação por tentativa quando a vítima ingressa com a ação penal. Uma
coisa não tem nada a ver com a outra. É claro que se e vítima ingressou com a queixa-crime,
ela tomou conhecimento e o crime está consumado. Mas haverá casos em que a vítima não
tomou conhecimento do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente e o crime já
existe na forma tentada, inclusive correndo prescrição. Esse exemplo é claro. Eu ofendi o
aluno. O crime já está na forma tentada, correndo, inclusive, prescrição. O aluno, antes
de tomar conhecimento morre. Pronto! É um crime de injúria tentado, que a família
eventualmente vai querer processar, mas vai processar na forma tentada. Zaffaroni admite até
a tentativa da injúria verbal. Você fala: “ô seu filho da ...” e nesse momento alguém coloca a
mão na sua boca e não deixa você terminar. Zaffaroni diz que se você vai xingar,
menosprezar, achincalhar alguém, no momento de fazer isso, se alguém tampa a sua boca,
para Zaffaroni é tentativa, mesmo na forma verbal. Ele entende que houve o fracionamento da
execução.
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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

EXCEÇÃO DA VERDADE
Comentários: agora eu quero analisar se é possível ou não exceção da verdade na injúria.
Você xingou: “seu idiota!” O cara entra com uma queixa-crime e daí você vai querer provar
para o juiz que ele é um idiota mesmo. É possível exceção da verdade? Quando eu falei da
calúnia eu disse que exceção da verdade, em regra, é admita e que excepcionalmente, não se
admite. Isso quanto à calúnia. Quando falamos da difamação, vimos que é exatamente o
contrário. Na difamação, em regra, não se admite. Excepcionalmente, admite-se. Vocês
lembram qual é o único caso? Contra o funcionário público propter oficium, ou seja, a ofensa
tem que ser feita a funcionário público e tem de ser relativa ao exercício da função. E quanto
à injúria? Na injúria não se permite exceção da verdade e não se admitem exceções.
Então:
Calúnia: Regra –admite exceção da verdade/Excepcionalmente – não admite
Difamação: Regra – não admite exceção da verdade/Excepcionalmente – admite
Injúria: Regra – não admite exceção da verdade/Excepcionalmente – não admite

EXCEÇÃO DE NOTORIEDADE
Comentários: caiu para defensor público/ES – É possível exceção de notoriedade na calúnia?
O art. 523, do CPP traz a exceção de notoriedade. É possível exceção de notoriedade na
difamação? Vimos que é possível. Agora eu quero saber se é possível exceção de
notoriedade na injúria? Eu não tenho como provar que você é um idiota, mas eu posso
provar que é público e notório que todos te acham um idiota?
Calúnia: Cabe exceção de notoriedade na calúnia
Difamação: Cabe exceção da notoriedade na difamação
Injúria: Não cabe exceção de notoriedade.
E por que não cabe exceção de notoriedade na injúria? Foi exatamente essa a pergunta de
defensor/ES. Teve gente que não sabia nem o que era exceção de notoriedade. Não é possível
na injúria? Por quê? Vamos ao art. 523, do CPP:
Art. 523 - Quando for oferecida a exceção da verdade ou da notoriedade do fato
imputado, o querelante poderá contestar a exceção no prazo de 02 (dois) dias,
podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas
naquele prazo, em substituição às primeiras, ou para completar o máximo legal.
São duas as razões penas quais não se admite exceção da notoriedade na injúria:
1ª Razão: A injúria ofende a honra subjetiva, incompatível com a notoriedade, que
está ligada à honra objetiva.
2ª Razão: Na injúria, atribuem-se qualidades, não se imputam fatos. A exceção da
verdade ou notoriedade é atribuída ao fato. E quais são os crimes praticados mediante
155
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

imputação de fato? Só a calúnia (fato criminoso) e difamação (fato desonroso) admitem


exceção de notoriedade. Essa era a resposta correta na prova de defensor/ES do ano retrasado.

PERDÃO JUDICIAL
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
Comentários: qual é a natureza jurídica do § 1º quando diz que o juiz pode deixar de aplicar
a pena? É perdão judicial e isso é importante porque se é perdão judicial, é ato unilateral.
Dispensa concordância do perdoado. A natureza jurídica desse dispositivo, pois, é de perdão
judicial. Dispensa a concordância de quem é perdoado. Só o perdão do ofendido tem que ser
aceito. O perdão do juiz você não tem que aceitar. Ele é imposto. O juiz pode deixar de
aplicar a pena, significa que é direito subjetivo do réu ou faculdade do juiz perdoar? Hoje é
tranqüilo. Cuidado! Sempre que você vê “pode” em um artigo, guarda como “poder-dever”.
Significa que, preenchidos os requisitos, o juiz deve perdoar. Esse “pode”, na verdade, é um
“Poder-dever”.
Hipóteses de perdão judicial: são duas as hipóteses em que cabe o perdão judicial:
a. Primeira hipótese: “A” provoca “B”. “B” retruca e, com isso, realiza uma retorsão com
injúria.
b. Segunda hipótese: “A” também provoca “B” e “B” devolve a provocação com a injúria.
Distinção: ora, qual a diferença professor, eu não estou entendendo nada. Nas duas
hipóteses “A” provocou e “B” respondeu. Qual é a diferença?”É que na primeira hipótese,
a provocação é diversa de uma injúria. Já na segunda hipótese, consiste numa injuria. A
primeira hipótese é um tapa seguido de uma injúria. A segunda hipótese é uma injúria seguida
de uma injúria. Se você não fica com esse esquema na cabeça, você não entende. Na
primeira hipótese, “A” provocou. Ele provocou de qualquer modo, menos com injúria
(um tapa no rosto, por exemplo). Já na segunda situação, ele provoca com injúria e
recebe injúria de volta. É importante saber isso? É, porque o perdão judicial, na primeira
hipótese é só para “B”. Agora, cuidado! Na segunda hipótese, o perdão judicial é para os dois.
“A” e “B” são perdoados. Então, na primeira hipótese, se o juiz for perdoar alguém, só pode
perdoar a “B”, que foi quem praticou a injúria em retorsão. Na segunda hipótese, o perdão
do juiz alcança os dois, quem provocou com injúria e quem retorquiu com injúria. Isso é
Nélson Hungria puro, e ele seguido por toda doutrina e jurisprudência.
Observação: Nucci entende que a retorsão seria uma espécie de legítima defesa anômala,
portanto, exclusão da ilicitude. Agora, a lei elenca a retorsão como causa de perdão judicial,
que por sua vez está elencado no artigo 107 como extinção da punibilidade.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

INJÚRIA REAL
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo
meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa, além da pena
correspondente à violência.

Análise do tipo
Comentários: aqui, eu tenho a chamada injúria real. Injúria real, nada mais é, do que um
injúria mediante violência ou vias de fato. Reparem, então, que a violência ou a vias de fato
são meio. A injúria é o fim. Ele usa a violência para ofender a dignidade. Ele usa a vias de
fato para ofender a dignidade. Nélson Hungria diz: mais do que a integridade física, o
agressor quer atingir a alma. Mais do que o corpo, atinge-se a alma. A intenção dele não é
ferir o seu corpo, mas a sua dignidade, seu decoro. Exemplos: puxões de orelha, de cabelo,
cuspir em alguém (exemplo de injúria real de jurisprudência).
Conseqüência da injúria real: primeiro a pena que é detenção de 03 meses a 01 ano, além
da pena correspondente à violência. Vamos extrair algumas conclusões:
Absorção: se for injúria real com vias de fato, a vias de fato fica absorvida. Reparem que a
soma da pena ocorrerá apenas quando houver violência.

Concurso de crimes
Comentários: antes de estudar a segunda conclusão, eu quero saber o seguinte: quando ele
diz que você vai responder também pelo crime correspondente à violência, qual é o concurso
de crimes que ele está exigindo aqui? Material. Todo mundo concorda com isso? É o que
prevalece na doutrina, mas eu vou dar minha humilde opinião que isso não está correto.
Essa expressão “além da pena correspondente à violência” significa, para a doutrina, que
o legislador quer, entre a injúria real e a lesão corporal, por exemplo, concurso material.
Mas isso não está certo. Olha que importante: temos concurso material quando duas
condutas produzem dois resultados. Aí eu tenho soma das penas. Eu não tenho dúvida de que
ele está exigindo soma das penas, eu não tenho dúvida de que ele está exigindo dois
resultados. A minha dúvida é se houve duas condutas. Não houve duas condutas! Então, como
é que você está dizendo que houve concurso material? “Ah, Professor, porque tem dois
resultados e somam as duas penas.” Mas tem um concurso, que eu não vou falar o nome, em
que você tem uma conduta, produzindo dois resultados com soma das penas: é o concurso
formal imperfeito. Então, quando a doutrina diz que é concurso material, esquece porque não
é concurso material. Eu não tenho duas condutas! Eu tenho uma conduta produzindo dois
resultados com soma de penas e isso é concurso formal impróprio, imperfeito, com desígnios

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

autônomos, acabou. Vocês anotaram que prevalece concurso material! Mas não está correto,
porque não há duas condutas para defender concurso material. Para defensoria pública:
como criticar o art. 140, § 2º? Você deixaria seu assistido sofrer essa pena correspondente à
violência? Quando ele diz além da pena correspondente à violência significa o quê? Qual é a
pena da injúria simples? 01 a 06 meses ou multa. Agora, vejam: na injúria real, o que
acontece? Por conta da violência ou vias de fato, a pena passou a ser de 03 meses a 01 ano.
Isso significa que a violência gerou uma qualificadora. Como pode a violência gerar uma
qualificadora e, ao mesmo tempo, soma das penas? Isso significa que você está
considerando a violência duas vezes em desfavor do réu. Bis in idem. Você está usando a
violência para qualificar o crime e, em seguida, usa a mesma violência para somar as
penas. Bis in idem. Isso é só para quem for prestar defensoria pública ou OAB. É tese
típica de defensoria pública. Você enxergar o bis in idem aqui você se diferencia
tranqüilamente. Vamos supor que você consiga incluir o bis in idem aqui, você detonou!

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

INJÚRIA RACIALVS RACISMO


§ 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
Comentários: A Lei 12.033 mudou a ação penal para esse crime. Diferenciou da injúria
simples, então, é certeza que vai cair. Por isso, eu quero analisar com calma. Nós temos aqui o
que a doutrina chama de injúria qualificada pelo preconceito. É o que o Ratinho e o Datena
chamam de racismo. Pergunto: é racismo? Não. Qual é a diferença do racismo? Vocês não
podem confundir injúria preconceito com racismo. Vocês viram isso comigo na parte geral.
Injúria-preconceito está no art. 140, § 3º, do CP e o racismo está previsto na Lei 7.716/89. Na
injúria preconceito o agente atribui qualidade negativa à vítima. Diferente do racismo.
No racismo, o agente segrega a vítima, appartaid social, em razão de sua raça, cor, etc.
No primeiro caso, ele usa a cor para atribuir à vítima qualidade negativa. No segundo
caso, ele usa a cor para separar a vítima do convívio social (appartaid social). Então, no
jogo de futebol, o jogador chamar o outro de macaquito ele atribuiu qualidade negativa ou
segregou do convívio social? Atribuiu qualidade negativa, injúria preconceito. Diferente de
falar: “você não joga no meu time porque você é negro”, aí é racismo porque você está
realizando verdadeira segregação (appartaid). Isso é muito importante porque tem
conseqüências diversas. No caso da injúria preconceito, o crime é prescritível. Já no caso
do racismo, o crime é imprescritível. Na injúria preconceito o crime prescreve. No racismo,
não. É uma das duas hipóteses de imprescritibilidade previstas na Constituição. A injúria
preconceito é afiançável. Já o racismo é inafiançável. Pessoal, acabou! A injúria preconceito
agora é de ação penal pública condicionada. E o racismo? É de ação penal pública
incondicionada. Não tem como errar mais.
Pessoa idosa: vejam que o art. 140, § 3º fala ainda em condição de pessoa idosa. “Seu velho
babão!” Pena de 01 a 03 anos. É mais grave que rixa com morte. Você tem raiva de um
idoso? Não xingue de velho babão, pratique uma rixa e mate o idoso, porque a pena é só de
06 meses a 02 anos. Se você chamar de velho babão, 01 a 03 anos. Então, não xinga. Pega e
mata numa rixa, você paga cesta básica. É a proporcionalidade do nosso legislador.

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: A pena prevista para o crime de injúria qualificada (art. 140, § 3º do CP)
não é desproporcional, sendo compatível com a CF/88, considerando que tem por
objetivo proteger a dignidade da pessoa humana. Processo STF. 1ª Turma. HC 109676/RJ,
rel. Min. Luiz Fux, 11/6/2013.

159
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Comentários ao julgado acima: o delito de injúria é previsto no art. 140 do CP, sendo que o
§ 3º traz a figura da injúria qualificada, nos seguintes termos: Art. 140 - Injuriar alguém,
ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. (...) §
3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião,
origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a
três anos e multa. Determinada pessoa foi condenada por injúria qualificada e impetrou
habeas corpus no STF alegando que o preceito secundário do § 3º do art. 140 seria
inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade, considerando que a pena imposta
seria muito alta. O STF concordou com a tese? NÃO. Para a 1ª Turma do STF, a pena
prevista no § 3º do art. 140 do CP não é desproporcional, considerando que este tipo
qualificado de injúria tem como escopo a proteção do princípio da dignidade da pessoa
humana como postulado essencial da ordem constitucional.

Caiu em prova: a pergunta que eu quero fazer, ligada ao § 3º do art. 140, pergunta
importantíssima é a seguinte: o art. 140, § 1º permite perdão judicial na injúria quando o outro
provocou. É possível perdão judicial na injúria quando a injúria é injúria preconceito? A
pessoa deu um tapa na sua cara e você devolve o tapa com uma injúria fazendo referência à
cor dela. Você pode ser perdoado? Você viu que é perfeitamente possível perdão judicial na
injúria quando ela está retribuindo uma provocação, mas essa retribuição pode ser com injúria
preconceito? Tem alguma proibição? Anote o seguinte: O perdão judicial não alcança a
injúria preconceito. Fundamentos:
a. “A posição topográfica do perdão judicial permite concluir não se aplicar ao § 3º.” Se o
legislador quisesse perdoar a injúria preconceito, ele colocaria o perdão judicial como
parágrafo de encerramento. Mas dizem que posição topográfica não é interpretação e se é,
é uma interpretação pobre.
b. “A injúria preconceito consiste em violação séria à honra da vítima, ferindo uma das
metas fundamentais do Estado democrático de direito, logo, incompatível com o perdão
judicial.”

160
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

DISPOSIÇÕES FINAIS – Art. 141, do CP


Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se
qualquer dos crimes é cometido:
1ª Observação: O art. 141 não traz qualificadora. Ele traz causa de aumento de pena a
ser considerada pelo juiz na fixação da pena definitiva, na terceira fase de aplicação da
pena, no critério trifásico.
2ª Observação: é uma majorante aplicada a todos os crimes do capítulo: injúria,
difamação e calúnia. O art. 141 aumenta a pena de qualquer crime contra a honra
descrito no capítulo. Nenhum dos crimes escapa do aumento quando preenchidos os
requisitos. Vocês vão ver que só esse aumento na calúnia, já faz com que ela deixe de ser
crime de menor potencial ofensivo. O art. 141 c/c a calúnia já faz o crime sair do juizado
especial e ir para o juízo comum. Caluniar uma pessoa é crime de menor potencial ofensivo,
salvo se funcionário público. Caluniar funcionário público aí já não é mais de menor potencial
ofensivo. Quer ver a importância do artigo 141? Aumenta-se de 1/3 em quais hipóteses?
I - Contra o presidente da república, ou contra chefe de governo estrangeiro.
Comentários: eu não preciso explicar muito, só fazer algumas observações. Por que nesse
caso, do Presidente da República, a pena aumenta de 1/3? Isso porque se você ofende o
Presidente da República, você ofende toda a nação. Ofender o Presidente da república é
ofender todos os cidadãos. Ofenderam a DILMA, sinta-se ofendido também. E por que
aumenta a pena quando você ofende chefe de governo estrangeiro? “Ah, professor porque aí
você ofende todos os cidadãos do mundo.” Não! Ofendendo o chefe de governo estrangeiro
você pode estremecer relações internacionais das quais o Brasil participa. Relações
internacionais pátrias. Agora vejam, cuidado. Aqui eu tenho que lembrar que, se houver
motivação política contra o Presidente da República, você está fora do Código Penal. Você
está na Lei de Segurança Nacional.
II - contra funcionário público, em razão de suas funções
Comentários: é a segunda hipótese que gera aumento de 1/3. Não basta ofender o funcionário
público. A ofensa tem que ser propter oficium. Aí, sim, gera o aumento de 1/3. Por que tem
esse aumento? Isso, diz a doutrina, é porque você prejudica o andamento da vida funcional
dele. Qual o conceito de funcionário público? Está no art. 327. O § 1º traz o funcionário
público por equiparação. Pergunto: o aumento só incide quando o funcionário é o típico do
caput? Aumenta-se de 1/3 quando o funcionário é só equiparado? Mirabete entende que
aumenta a pena bastando ser funcionário público, não importa se típico ou atípico, se
próprio ou equiparado. A pena é aumentada, não importando se o funcionário está no caput

161
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

ou no § 1º. Mirabete e, parece que hoje, a jurisprudência se inclina nesse sentido: o


funcionário público, sempre que referido no Código Penal, é o caput mais o § 1º.
III - na presença de várias pessoas
Comentários: a primeira parte fala em crime praticado na presença de várias pessoas. O que
é isso? O que são várias pessoas? Mais de uma? Mais de duas? Bento de Faria entende que
várias pessoas são mais de uma. Nélson Hungria, junto com a maioria, discorda. Para ele há
que ter, pelo menos, três. É óbvio que nesse mínimo de 03 pessoas, não vou computar
coautores, partícipes e pessoas que não conseguem entender o que está sendo dito, pessoas
que não conseguem compreender a expressão ofensiva. E a vítima, é computada? Pergunta de
concurso. Em regra, não, salvo quando ela é testemunha de outro crime contra a honra. Quem
traz essa questão é Noronha. Vamos imaginar que “A” ofende “B”, “C”, “D” e “E”. Na ofensa
de “A” contra “B”, eu não computo “B”, vítima. Mas computo “C”, “D” e “E”, que, nesse
caso, são testemunhas. Na ofensa de “A” contra “C”, é claro que não computo “C”, mas vou
computar “B”, “D” e “E”, que são testemunhas. E por aí vai. Vejam que essa questão já caiu
em concurso: quando há pluralidades de vítimas e as vítimas são testemunhas das outras
vítimas, aí serão computadas como testemunhas. Vejam que aqui ele vai responder por 04
crimes contra a honra majorados. A próxima causa de aumento, também do inciso III, é
certeza, vai cair em concurso.
III por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria
Comentários: eu costumava dizer o seguinte: é uma calúnia por meio de alto-falantes, em
palanques. Mas eu dizia que esse crime não abrange a imprensa porque crime contra a honra
por meio da imprensa tem lei especial. E agora? Agora acabou. Agora crime contra a honra
por meio da imprensa é crime contra a honra do Código Penal, mais o art. 141, III. Eu vejo
muita gente comemorando, falando: crime contra a honra lá na Lei de Imprensa era mais
severamente punido. Agora melhorou. Melhorou nada! Agora, crime contra a honra por meio
da imprensa sempre vai sofrer o aumento do art. 141, III, 2ª parte. A Lei de Imprensa não foi
recepcionada. Então, crime contra a honra por meio de imprensa cai aqui, no art. 141,
III, 2ª parte. Vai ter candidato que nem vai se tocar. Que vai colocar calúnia, difamação e
injúria e vai se esquecer de ver que hoje, a imprensa, gera, inevitavelmente, o aumento do
art.141, III, 2ª parte.
IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no
caso de injúria
Comentários: o inciso IV aumenta a pena de 1/3 se o crime é praticado contra pessoa maior
de 60 anos ou portadora de deficiência. Exceto no caso de injúria. Por que excepciona a
injúria? Porque a injúria já tem uma qualificadora, que é a injúria preconceito,

162
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

evitando-se o bis in idem. Ele tem que saber que a pessoa é maior de 60 ou portador de
deficiência. O dolo dele tem que atingir todas as circunstâncias, não só do inciso IV, mas as
anteriores. O dolo do agente tem que abranger todas essas circunstâncias, condições e
qualidades.
V - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena
em dobro
Comentários: volto a dizer: causa de aumento de pena. Não é qualificadora. Você vai
dobrar a pena na terceira fase. É uma causa de aumento. Você não vai aplicar o critério
trifásico já com a pena em dobro. Tem gente falando em qualificadora? Sim. Eu,
particularmente, acho que é causa de aumento de pena e isso é tranqüilo. É o que a doutrina
chama de ofensa mercenária. O parágrafo único traz o que a doutrina chama de ofensa
mercenária. O agente age mediante torpeza.

EXCLUSÃO DO CRIME
Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:
Natureza jurídica: o art. 142 só é aplicável para injúria ou difamação. Eu sei que isso está
explícito, mas na hora de você fazer a prova, vai esquecer que o art. 142, diferente do art. 141
que traz majorantes. Este traz exclusão de crimes e só exclui crime de injúria ou difamação.
Não se aplica para calúnia. Ou seja, a calúnia, jamais será beneficiada pelas hipóteses do art.
142. Na sua prova, o examinador vai colocar: injúria, difamação ou calúnia. Esqueça a
calúnia. A calúnia não está abrangida pelo art. 142. A segunda observação, antes de
explicar os incisos é: qual a natureza jurídica do art. 142, do CP? Há 04 correntes:
a. 1º Corrente: causa especial de exclusão da ilicitude. Quem adota? Damásio.
b. 2ª Corrente: nós estamos diante de uma causa de exclusão da punibilidade. Quem
adota essa segunda corrente? Noronha.
c. 3ª Corrente: trata-se de causa de exclusão do elemento subjetivo do tipo, isto é, da
especial intenção de ofender. Quem adota? Eu coloquei exatamente na ordem de
preferência. Ou seja, prevalece a primeira. Agora, olha só: nós já podemos trabalhar
uma quarta corrente. Damásio entende que as três hipóteses configuram ou o estrito
cumprimento de um dever legal ou o exercício regular de um direito. E se ele tem
razão, no que tange a ser estrito cumprimento de um dever legal ou exercício regular
de um direito, eu posso aplicar aqui qual teoria? Tipicidade conglobante. Podemos
acrescentar uma quarta corrente:
d. 4ª Corrente: Para os adeptos da tipicidade conglobante, estamos diante de causa de
atipicidade. A tipicidade conglobante tem caído em concurso. Vamos agora analisar as
três hipóteses de exclusão do crime:

163
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

I - A ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador
Comentários: estamos diante da imunidade judiciária. Caiu recentemente em concurso. O
inciso I, que traz a imunidade judiciária, abrange a parte e seu procurador. E advogado? O
advogado, vocês já estudaram comigo. Vocês viram que ele está imune, não graças ao
art. 142, mas graças ao art. 7.º, § 2º, do Estatuto da OAB. O advogado também está imune,
mas o dispositivo para esse não é o art. 142. Antes do Estatuto até era, mas agora o estatuto é
norma especial e vocês têm que citar norma especial.
Observação: Em regra, o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria ou
difamação puníveis a sua manifestação, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele,
ainda que contra o magistrado. Determinado advogado participava de uma audiência na
Justiça Federal e, segundo ele alega, a juíza do feito teria temporariamente se ausentado do
interrogatório de seu cliente, deixando de assinar o referido ato. Este advogado peticionou no
processo afirmando isso Com base nesta petição do advogado, a juíza do feito ofereceu
representação ao Ministério Público Federal requerendo que fossem tomadas as medidas
criminais cabíveis contra o causídico por não concordar com tais afirmações. Então, o MPF
ofereceu denúncia contra o mencionado advogado, alegando que ele praticou o crime de
difamação (art. 139 do CP) contra a juíza. A OAB-SP impetrou HC em favor do advogado e o
STJ concedeu a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal. O STJ entendeu que a
conduta do advogado foi atípica por não ter sido caracterizado o animus difamandi,
consistente no especial fim de difamar, na intenção de ofender, na vontade de denegrir,
no desejo de atingir a honra do ofendido, sem o qual não se perfaz o elemento subjetivo
do tipo penal de difamação. O STF também decidiu nesse sentido: “os atos praticados pelo
Advogado no patrocínio técnico da causa, respeitados os limites deontológicos que regem a
sua atuação como profissional do Direito e que guardem relação de estrita pertinência com o
objeto do litígio, ainda que expressem críticas duras, veementes e severas, mesmo se dirigidas
ao Magistrado, não podem ser qualificados como transgressões ao patrimônio moral de
qualquer dos sujeitos processuais, eis que o "animus defendendi" importa em
descaracterização do elemento subjetivo inerente aos crimes contra a honra (HC 98237). Vale
ressaltar, contudo, que tal imunidade não é absoluta, dela se excluindo "atos, gestos ou
palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou
moral), o insulto pessoal e a humilhação pública". (STF, AO 933/AM) Processo Quinta
Turma. HC 202.059-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/2/2012.

Observação: a expressão “desacato” foi considerada inconstitucional pelo STF no


julgamento da ADI 1.127-8. Entendeu-se que a imunidade profissional do advogado não

164
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da


atividade jurisdicional.

Caiu em prova: e o MP? A imunidade do MP está no art. 41, V, da Lei 8.625/93. E o juiz?
Na Lei Orgânica da Magistratura você não vai encontrar nada. Na discussão da causa, tem
imunidade a parte, tem imunidade o procurador, tem imunidade o advogado, tem imunidade o
MP. E o juiz? Dizem que o juiz é um expectador de pedra. A doutrina diz que o juiz
também tem imunidade e ele vai usar o art. 23, do CP (estrito cumprimento do dever
legal) o juiz dá a sentença e quando passa a adjetivar pessoas e comportamentos estará no
estrito cumprimento do dever legal. Quando o juiz chama o estuprador de tarado, não vai
responder por injúria porque ele entende que, assim agindo, está no estrito cumprimento de
um dever legal. O juiz também está imune, mas ele não tem uma norma especial. Será
aplicado o art. 23, do CP. Questão boa de concurso. Caiu recentemente.
Observação: a jurisprudência entende que essa imunidade do inciso I é relativa. Quando ficar
inequívoca a intenção de difamar ou injuriar, ele vai responder. Apesar de não estar
escrito isso aí, está implícito. É imprescindível que ele haja no exercício da função, no estrito
cumprimento do dever legal. Se qualquer destes personagens extrapola, se excede, o excesso
será punido.
II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando
inequívoca a intenção de injuriar ou difamar
Comentários: o inciso II traz a chamada imunidade literária, artística ou científica. Vejam
que o inciso II é muito claro: salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar. A
crítica literária, artística ou científica tem uma imunidade relativa. Ela tem que agir como
crítica. Se eu percebo que aquela crítica, na verdade, está camuflando uma verdadeira
intenção de injuriar ou difamar, vai responder pelo crime.
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou
informação que preste no cumprimento de dever do ofício
Comentários: o inciso III traz a chamada imunidade funcional. A imunidade do inciso I é
relativa (o excesso é punido). A imunidade do inciso II é relativa (quando inequívoca a
intenção de ofender, vai responder pelo crime). E a do inciso III? É absoluta ou relativa?
Nélson Hungria e Fragoso defendem que esta imunidade é absoluta, ilimitada, irrestrita. Não
é o que prevalece: funcionário público também será e deverá ser punido pelo excesso.
Essa imunidade não agasalha quando presente o excesso. Sabe por quê? Se a sua imunidade é
importante, a honra é constitucionalmente protegida. Nós temos um embate importante aqui e
esse embate só é resolvido entendendo-se que o excesso será. O que estiver no âmbito do

165
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

exercício da função, não, mas o excesso será punido. Então, você consegue preservar a
imunidade e a honra.
Nos casos dos incisos I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá
publicidade.
Comentários: já caiu isso em concurso. Terceiros que dão publicidade para a injúria e para a
difamação respondem pelo crime na imunidade judiciária e na imunidade funcional. Na crítica
literária, não. Se uma crítica literária criticou um artista, é claro que o fez publicamente e se
pode divulgar essa crítica para qualquer um. Agora, a opinião judicial, a opinião funcional,
não. Estas têm que ficar restrita ao processo. Quem divulgar vai responder. Se eu, Carlos,
ao pedir a condenação de um estuprador eu o chamo de tarado e alguém fala “fulano é tarado,
estava no processo”, você que está falando isso é você quem vai responder, eu não.

RETRATAÇÃO
Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou
da difamação, fica isento de pena.
Análise do tipo: primeira coisa: o que significa retratação? O querelado quer dizer o acusado
na ação privada. Retratação significa confissão? Não. É muito mais do que isso. Retratar-se é
desdizer o que foi dito, retirar o que disse, trazer a verdade novamente à tona. Somente
quando o querelado (acusado) retirar o que disse, devolver a verdade ao mundo, é que ele tem
direito à isenção de pena. A retratação é uma causa extintiva da punibilidade unilateral.
Dispensa concordância da parte contrária. Ela é analisada pelo juiz. Se o juiz entende que
houve retratação e foi sincera, não precisa nem ouvir a parte contrária. É uma causa extintiva
da punibilidade unilateral. Dispensa concordância da parte contrária. Agora presta atenção:
ela extingue a punibilidade, mas não impede a conseqüência cível. A retratação isenta o
querelado de pena, mas não isenta de responsabilidade civil. Se você caluniou alguém e se
retratou, tudo bem. Você está isento de pena, mas vai responder pelos danos morais
eventualmente causados. A isenção é só penal, não traz reflexos extrapenais. A retratação só
é possível na calúnia e na difamação. Não existe retratação extintiva da punibilidade na
injúria. Você pode devolver a verdade na calúnia e na difamação e está isento de pena. Na
injúria, mesmo que retire o que disse, responderá pelo crime.
Observação: olha que interessante. Presta atenção que vai cair: a retratação só abrange
calúnia e difamação. A Lei de Imprensa abrangia também injúria, mas não foi recepcionada.
Isso significa que a injúria não admite retratação jamais. Nem mesmo por meio da imprensa.
Quem se retrata e até quando: quem tem que se retratar? O querelado, que é o acusado na
ação penal privada. Não existe retratação extintiva em ação penal pública, mesmo se houver
crime contra a honra. Não existe retratação em crime contra a honra em crime de ação

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

pública. Só extingue a punibilidade em crime de ação privada. Então, se a calúnia ou


difamação for de ação privada, existe retratação extintiva. Se for de ação pública, não adianta
querer se retratar que não extingue a punibilidade. A lei é clara: querelado. Não fala do
denunciado. Agora eu pergunto: até quando o querelado pode se retratar para ver extinta a
sua punibilidade? A lei é clara: antes da sentença. Mas que sentença? Se ele se retratar antes
da sentença, ele está isento de pena. Pergunto: existe retratação extintiva da punibilidade em
grau de recurso? Essa sentença é decisão do juiz de primeiro grau ou é termo atécnico
abrangendo qualquer decisão ainda não transitada em julgado? Prevalece que a retratação
tem que ocorrer até a sentença de primeiro grau. Não existe retratação extintiva em
grau de recurso. Se você for condenado, não adianta querer se retratar no tribunal. Não
extingue mais a sua punibilidade. É o que prevalece. Eu não concordo, mas é o que
prevalece.
Caiu em prova: pergunto: a retratação do querelado se estende a eventuais coautores ou
partícipes que não se retrataram? Vamos imaginar que três pessoas caluniaram a outra. Só
uma se retratou. A lei é clara: o querelado fica isento de pena. O querelado! Dá para perceber
que a retratação aqui é incomunicável. É só do querelado. É uma circunstancia subjetiva
incomunicável. Se liga à pessoa do querelado e não ao fato. É só para quem se retrata.
Não se estende aos demais coautores e partícipes.

Pedido de explicações
Art. 144: se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou
injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se
recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.
Conceito: Medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa quando, em
virtude dos termos empregados, não se mostra evidente a intenção de ofender a honra,
gerando dúvidas. Você está em dúvida: será que ele quis ou não quis ofender? Isso é muito
comum naquelas injúrias relativas. Peça explicações em juízo. Vou dar um exemplo. Eu
chego e digo: “fulano é flex”. Eu estou querendo que ele é versátil ou estou querendo
dizer que ele bebe todas ou que ele é bicombustível? Ele pode pensar que eu quis ofendê-
lo. O “fulano” pode pedir explicações: “juiz, o professor falou que eu sou flex. Chama ele
para ele se explicar.” É uma medida preparatória e facultativa. O que significa isso? Pede
explicações quem vê necessidade. O pedido de explicações não interrompe ou suspende o
prazo decadencial. Vai você pedir explicações em juízo e fica esperando 06 meses as
explicações. Quando elas vierem, decaiu do direito. Então, é uma medida facultativa. Sendo
facultativa, pede quem quer. Isso não interfere no prazo decadencial que continua correndo. O
pedido de explicações não interrompe ou suspende o prazo decadencial.

167
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Obrigação de prestá-las: vocês viram que o pedido é facultativo. E as explicações são


obrigatórias? Pede quem vê necessidade. E a quem são pedidas as explicações ele é obrigado
a dá-las? Se ele não explica, presume-se a ofensa? Lendo o final do dispositivo, parece que se
não quiser responde é como se tivesse ofendido. Mas, não. O pedido é facultativo e a resposta
também. Pelo silêncio, não se conclui a infração penal. Nós não podemos presumir a ofensa
em razão do silêncio. Você tem que analisar o fato concretamente. O juiz não pode concluir:
“eu até achava que não tinha nada, mas como ele não respondeu, agora vai ser processado.”
Não! Você tem que analisar o fato concretamente. O silêncio na resposta não gera presunção.
Se ele resolver não explicar, o ofendido que ingresse com a ação penal e o juiz tem a
liberdade de rejeitar, absolver ou condenar. O silêncio não tem como presumir o crime, muito
menos a condenação. O juiz não pode te obrigar a dar explicações. Temos um caso em que o
juiz intimou a pessoa para explicar em juízo na presença dele. O Supremo concedeu habeas
corpus por ser constrangimento ilegal. Obrigar uma pessoa a se explicar é constrangimento
ilegal passível de habeas corpus. Ele não está obrigado a explicar. A vítima é que faz o que
achar por bem fazer.
“Modus operandi”: como fazer esse pedido em juízo? Qual o rito? Pede para quem? Para o
juiz? Qual juiz? A Lei de Imprensa trazia o rito. Mas o que aconteceu com ela? Foi abolida.
Então, qual é o rito? É o mesmo rito das notificações judiciais.

AÇÃO PENAL
Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa,
salvo quando, no caso do Art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do
inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no
caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste
Código. (Alterado pela L-012.033-2009)
Análise do tipo: o art. 145 trata da ação penal. Agora, o parágrafo único teve acrescentado
pela Lei 12.033 a requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141
deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo,
bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código.

168
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA

ANTES da Lei 12.033/09 DEPOIS da Lei 12.033/09

Regra: ação privada Regra: ação privada

Exceções (havia 03): Exceções (agora 04):


• Injúria real com lesão que passava a ser • Injúria real com lesão que passa a ser
ação pública incondicionada. * ação pública incondicionada. *
• Crime contra a honra do Presidente da • Crime contra a honra do Presidente da
República ou chefe estrangeiro: ação República ou chefe estrangeiro: ação
penal pública condicionada à requisição penal pública condicionada à requisição
do Ministro da Justiça. do Ministro da Justiça.
• Crime contra a honra de funcionário • Crime contra a honra de funcionário
público em razão da sua função: ação público em razão da sua função: ação
penal pública condicionada à penal pública condicionada à
representação. ** representação. (ou queixa crime como
visto acima) **
• Injúria preconceito – agora é de ação
penal pública condicionada à
representação

Observação: nem toda injúria real é exceção. Somente a injúria real com lesão. Injúria real
com vias de fato cai na regra, ação penal privada. Tem um livro que escreve que injúria real é
sempre de ação pública. Está errado! Só a injúria real com lesão é que cai na exceção! Injúria
real com vias de fato está na regra. Olha a pergunta sacana em concurso: “injúria real é de
ação pública.” Verdadeiro ou falso? Falso. Injúria real com lesão é de ação pública. Injúria
real com vias de fato é de ação privada.
Observação II: aqui tem uma observação. Vocês perceberam que crime contra a honra de
funcionário público depende de representação, desde que propter oficium. Olha o que
acontecia e não era incomum. Um delegado era ofendido em razão de sua função. Foi
chamado de corrupto. O que o delegado tinha que fazer? Ele representava. Essa representação
gerava um inquérito que ia parar nas mãos do promotor. O promotor olhava e dizia que o
delegado não foi ofendido na honra, que foi uma coisa à toa e requer o arquivamento,
aplicando o princípio da insignificância. O delegado procurava o promotor: “teve um preso
que me chamou de corrupto, eu representei. O que deu aquele inquérito?” Eu arquivei porque
169
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

não achei que você tivesse sido ofendido na sua honra. “Mas a honra é minha, a dignidade é
minha, o decoro é meu. Como é que você pode saber se fui ofendido na minha honra?” Sabe
o que esses funcionários públicos começaram a fazer? Em vez de representar, entravam
com queixa-crime, mesmo nesta hipótese. E os tribunais começaram a aceitar. Inclusive
tem um julgado que diz: “ninguém pode ter a sua honra refém do Ministério Público.” Bateu
no Supremo, o que o Supremo fez:
STF Súmula nº 714 - DJ de 13/10/2003 –É concorrente a legitimidade do
ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à
representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de
servidor público em razão do exercício de suas funções.
A Súmula 714 deu ao funcionário público um direito de opção. Ele vai escolher se ele quer
queixa, ou se ele quer representação. Direito de opção.
Caiu em prova: agora, olha só a pergunta que caiu em concurso! Pergunta muito boa: o
servidor opta pela representação. O MP arquiva. Ele pode entrar com a queixa? Isso
aconteceu. O juiz e o promotor se desentenderam. E eles começaram a não se dar por causa
disso. O juiz soltou um estuprador de uma criança de 08 anos. O juiz entendeu que ele era
primário, de bons antecedentes e que crime hediondo cabe liberdade provisória, soltou o
estuprador. O promotor ficou louco. Deu uma semana, o estuprador foi preso novamente
estuprando outra criança. O promotor fez assim no flagrante: “flagrante formalmente em
ordem, senhor Juiz, aguardo a vinda dos autos principais e que o senhor durma com essa.”
Você não soltou? Então está aí: mais uma criança estuprada. Aí começou uma rusga entre
eles. Aí deu uma briga. Esse juiz se sentiu ofendido numa manifestação do promotor e
representou o promotor criminalmente para o Procurador-Geral: “o promotor praticou crime
contra a minha honra e eu estou representando. Processe o seu promotor.” O Procurador-
Geral olhou e falou: estrito cumprimento de um dever legal. Arquivou. Esse juiz fez o
quê? Não existe o art. 28 em foro de prerrogativa. Ele, então, recorreu para o Colégio de
Procuradores que fez o quê? Manteve o arquivamento. Aí o juiz foi no dia do recurso. Sentou
lá para ver qual seria a decisão. Por unanimidade, insistiram no arquivamento contra o
promotor. Aí o Procurador-Geral falou: “o juiz está presente, boa tarde. O senhor optou por
representar, agora não pode entrar com queixa-crime porque a opção por uma via torna
a outra preclusa.” É por isso que eu conto a história! Para vocês lembrarem! Não é para
lembrar só da história. Olha que interessante: a opção pela representação torna preclusa a
queixa-crime. Essa é a posição do STF. Anotem o julgado: HC 84659-9. O Supremo
decidiu exatamente isso: se você optou pela representação, a queixa-crime está preclusa. É
uma preclusão lógica e consumativa. As duas. Questão boa! Caiu no TJ/SC.

170
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Observação: olha que interessante: eu tenho como vítima um funcionário público. Vocês
acabaram de ver que ele, funcionário público pode preferir a queixa ou representação. Se ele
preferir a representação, não cabe perdão do ofendido como causa extintiva da punibilidade.
Mas se ele preferiu a queixa, cabe perdão do ofendido que nunca teve cabimento em
casos como esse. Se ele preferir a representação, não cabe perempção. Se ele preferir a
queixa, é possível perempção que nunca se admitiu num caso como esse. Se ele preferir a
representação, não cabe retratação do acusado como causa extintiva. Se ele preferir a queixa,
cabe retratação do querelado como causa extintiva. Então, prestem atenção! Por que o juiz,
no caso que eu dei, preferiu a representação? Para não correr risco de perempção e
para não admitir a retratação do acusado como causa extintiva da punibilidade. Ele não
é bobo. É juiz! Ele sabe isso. Então, por que esse juiz não entrou com a queixa-crime? Ele não
quis arriscar uma perempção, ele não quis arriscar que o promotor se retratar e por isso ter
extinta a sua punibilidade. Ele falou: “eu quero ir até o fim.” Se ele optasse pela queixa, um
erro dele, poderia gerar perempção porque o promotor, vendo que a coisa estava perdida,
poderia se retratar.
Alteração da Lei 12.033/09: como ficou agora, com a Lei 12.033/09? Ficou igualzinho,
praticamente. A regra está mantida. As exceções estão mantidas. Porém, acrescentamos uma
quarta exceção: o art. 140, § 3º, do CP, a chamada injúria preconceito, agora é de ação
penal publica condicionada. Ela era de ação privada. Agora é pública condicionada. Então,
qual foi a mudança trazida por essa lei? Está aqui: limita-se à introdução da quarta exceção.
Retroatividade da alteração da Lei 12.033/09: pergunto: essa mudança é retroativa ou
irretroativa? A injúria aconteceu antes da lei, mas o processo só vai ser inaugurado depois da
lei. Ele vai ser inaugurado com queixa (o que era antes) ou com denúncia (o que é hoje)? A
pessoa injuriou por preconceito antes. O inquérito só está relatado depois. Relatado com base
na lei nova, eu tenho que pedir ao promotor para denunciar, ou eu continuo entrando com
queixa? E aí? Retroage ou não retroage? Você vai encontrar gente dizendo o seguinte: ação
penal? Queixa ou denúncia? Isso é matéria processual, eu aplico o tempus regit actum. É a lei
vigente ao tempo da inicial. Se a lei vigente ao tempo da inicial é denúncia, então é denúncia
e acabou. Então, tem uma primeira corrente que vai defender o tempus regit actum, é dizer, a
lei vigente ao tempo do ato processual. Se a lei vigente ao tempo do ato processual é
denúncia, então a denúncia deve ser a inicial. Mas essa corrente não está correta. A ação
penal está umbilicalmente ligada ao direito de punir. Você transformado de ação privada
para ação pública, você está retirando do acusado causas extintivas da punibilidade que a
situação atual não tem e a anterior tinha. Ou seja, você está prejudicando o acusado. É uma
retroatividade maléfica. Ação privada tem renúncia, tem perdão, tem perempção. Nada disso

171
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

tem na ação pública. Então transformar de ação privada para ação pública é você retirar do
acusado três causas extintivas da punibilidade. Se você faz isso, você está ampliando do
direito de punir do Estado. Então, a retroatividade é maléfica. Não pode retroagir. Os fatos
pretéritos continuam dependendo de queixa. Isso vai cair com certeza!

Concluindo, vamos à casuística:


Pessoas consideradas desonradas: não há. Qualquer pessoa possui um mínimo de
honradez, até porque é um direito humano fundamental, irrenunciável em gênero. É possível
que em determinado contexto a pessoa possa deixar de reclamar de certa ofensa, mas isso não
significa que renunciou ao seu direito fundamental e nem que não o possua.

Doentes mentais e o menor de 18 anos: como sujeitos passivos do crime de injúria e


difamação é preciso averiguar o caso concreto. Uma criança em tenra idade não tem a menor
noção do que seja honra e decoro, já um adolescente, sim. Quanto aos loucos, dependerá do
estágio e do grau de sua doença. Se tiver noção de dignidade ou de decoro sim.

Inimputáveis no crime de calúnia: podem ser vítimas do tipo, pois o tipo fala em
“atribuição de fato definido como crime” e não na prática de um crime.

Crime de dano: os crimes contra a honra são crimes de dano, porém formais, uma vez
que não se exige a ocorrência do resultado (desonra) para a configuração do delito.

Consentimento da vítima ou por representante legal do menor: a honra é bem


disponível (exercício), por isso o prévio consentimento exclui o crime. Se o consentimento for
posterior pode acarretar a renúncia ou o perdão, uma vez que tais crimes são de ação penal
privada. O consentimento do representante legal de menor ou louco não afasta o crime, uma
vez que a honra não é dele

Diferença entre o desacato e a injúria: o desacato tem que ser praticado na


presença do funcionário público, enquanto a injúria em sua ausência. Observa-se que a
injúria, de um modo geral, pode ser praticada tanto na presença como na ausência da vítima.
Somente nos casos de funcionário público é que a ofensa na presença do mesmo se constitui
em crime mais grave, ou seja, desacato.

Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa: na calúnia há apenas intenção de


atingir a honra da vítima. Já na denunciação caluniosa (art. 339 do CP) a conduta do
agente prejudica a vítima junto às autoridades constituídas, dando causa ao início de
uma investigação policial ou a uma ação penal imputando-lhe crime ou contravenção
(no crime de calúnia não se admite a imputação de contravenção) de que o sabe
inocente. Na verdade, a denunciação caluniosa é um crime complexo, ou seja, é constituído
172
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

do crime de calúnia + comunicação à autoridade. A denunciação caluniosa é crime de ação


pública incondicionada, enquanto a calúnia é de ação penal privada.

Uso de drogas: a imputação de que viu alguém drogado em uma festa configura
difamação (mesmo se for verdadeira a imputação), uma vez que o uso não é crime. Contudo,
se a imputação for referente a uma pessoa portando droga (sem ser para uso próprio), o
fato se enquadraria no crime de calúnia, se a imputação fosse falsa, uma vez que o art. 28 da
11.343/2006 não considera crime somente o porte de entorpecente para uso próprio, o porte
para tráfico é crime.

Calúnia e fato verdadeiro: é possível nos casos em que não se admite exceção da
verdade. Consigne-se que há entendimentos que as vedações ao uso da exceção da verdade
ferem o princípio constitucional da ampla defesa.

Abolicio criminis: se uma conduta deixa de ser considerado crime haverá


desclassificação do crime de calúnia para o crime de difamação ou injúria, conforme o caso.
Por exemplo, quem afirma que viu uma mulher em adultério (com a revogação do delito em
comento) comete difamação e não calúnia.

Erro de tipo e calúnia: o agente que acredita sinceramente que a acusação que faz
é verdadeira não pratica o crime, uma vez que há erro tipo quanto à expressão “falsamente”
e não se admite crime contra a honra na modalidade culposa.

173
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL (art. 146).


Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe
haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a
lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do


crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu


representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II - a coação exercida para impedir suicídio.

Análise do tipo: constranger significa forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus
movimentos para que deixe de fazer. A objetividade jurídica deste tipo é a liberdade dos
cidadãos para fazer ou não aquilo que lhes aprouver, dentro dos limites legais.

Sujeito ativo e passivo: qualquer um, valendo a ressalva quanto ao sujeito passivo que
necessariamente deve ter capacidade de autodeterminação sobre seus atos, logo, os
menores de pouca idade, os embriagados e os doentes mentais não podem ser sujeitos
passivos.

Elementos objetivos do tipo: constranger (obrigar, coagir, forçar). Pode ocorrer de duas
maneiras, uma quando a vítima é forçada a fazer algo que não quer fazer, como por exemplo,
uma viagem, escrever uma carta, dirigir, submeter-se a um tratamento etc. Uma segunda
maneira ocorre no caso da vítima ser impedida de fazer alguma coisa. A vítima é obrigada a
uma conduta omissiva, ou obrigada a tolerar que o agente faça algo. Nesta hipótese (omissiva)
a tentativa é perfeitamente possível, quando a vítima é coagida, mas mesmo assim realiza a
conduta vedada pelo agente.

Violência, grave ameaça ou qualquer meio que reduza a capacidade de resistência


Comentários: quanto à violência há de ser física, e a grave ameaça diz respeito a uma
intimidação, uma promessa de mal futuro e sério. A pretensão do agente deve estar
desamparada pela lei e pode ser de dois tipos:

174
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

a. Absoluta: o agente não tem qualquer direito de exigir o comportamento omissivo


ou ativo da vítima (exemplo: constranger a vítima a beber, a viajar a entrar em
determinado estabelecimento, etc).

b. Relativa: há o direito, mas a vítima não pode ser forçada (constranger a vítima a
pagar uma dívida de jogo, dívida com prostituta, etc.).

Elemento subjetivo: exige-se dolo, não se admitindo a forma culposa. Há divergências


quanto ao elemento específico do tipo. As expressões “a não fazer o que a lei permite” e “a
fazer o que ela não manda” constituem para a maioria elemento objetivo do tipo e não
subjetivo. Não há por parte do agente um propósito ou um dolo especial, pois o
constrangimento somente é ilegal caso haja a realização de algo que a lei não manda ou não
realização de algo que ela permite. Quando o agente pratica a conduta descrita neste tipo não
precisa ter a visão especial de estar descumprindo a lei, mas única e tão-somente necessita
tolher a liberdade alheia. O dolo neste tipo é genérico e não específico.

Consumação: no momento em que a vítima coagida, pratica a conduta ou o comportamento


que não queria. A tentativa é admissível.

Caráter subsidiário: a existência de crime mais grave, como roubo, estupro, seqüestro afasta
sua incidência. Consigne-se que se da violência resultar ofensa à integridade corporal de
alguém, o agente será punido por constrangimento ilegal e lesão corporal em concurso
material (art. 146, parágrafo 2º).

Causas de aumento de pena (art. 146, parágrafo 1º)

Comentários:A redação deste parágrafo exige para o aumento de pena a reunião de mais de
três pessoas tomando parte nos atos executórios. Quanto ao emprego de arma (própria ou
imprópria), exige-se a sua efetiva utilização, não bastando à simulação. Embora a lei fale no
plural (armas) entende-se que basta uma, pois a expressão foi utilizada como gênero.

Excludente da tipicidade (art. 146, parágrafo 3º, I e II)

Natureza jurídica: para alguns nesta hipótese ocorre uma espécie de estado de necessidade,
que é uma exclusão da ilicitude. Para outros seria uma causa de exclusão da tipicidade, pois a
lei usa a seguinte expressão “não se compreendem na disposição deste artigo.”

Intervenção médico cirúrgica: é possível que um paciente, correndo risco de vida, se recuse
a submeter-se a uma cirurgia, seja por medo, por motivos religiosos, ou ainda por outras
razões. Nestes casos, já que a vida é bem indisponível, a lei fornece autorização para que o
médico realize a cirurgia ainda que contra a vontade da vítima, não praticando para tanto

175
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

constrangimento ilegal (transfusão de sangue nos casos de testemunha de Jeová). Mesmo


ausente este dispositivo o médico agiria em estado de necessidade.

Impedimento ao suicídio: o suicídio, embora não seja crime, é conduta ilícita, haja vista a
indisponibilidade da vida humana. Deste modo, ainda que ausente este dispositivo, que
impede alguém de se suicidar (amarrando-o, por exemplo, para não cometer o ato suicida) não
cometeria nenhum fato típico.

Casuística

a) Com a promulgação da lei de tortura, não mais configura constrangimento ilegal


(em concurso com o crime eventualmente praticado) o emprego de violência ou
ameaça para a prática de crime, uma vez que a Lei 9.455/97 tipifica como tortura
esta conduta (art. 1º, I, b). No entanto, se a coação for para a prática de contravenção
penal, haverá concurso entre esta e o constrangimento ilegal.

b) O crime de constrangimento ilegal é subsidiário em relação crime de extorsão (art.


158) porque, neste, o agente obriga a vítima a fazer ou deixar de fazer algo visando
vantagem econômica ilícita, enquanto no constrangimento não há essa especificação.

c) No que se refere à arma de brinquedo para a causa de aumento de pena há dois


entendimentos:

1º Corrente entende configurado o aumento de pena porque a vítima não sabe


que a arma é de brinquedo, e assim o agente consegue uma facilitação maior na prática
do crime.

2º Corrente sustenta que como não se trata de arma, uma vez que não tem
poder vulnerante, não incide a causa de aumento. Essa corrente tem prevalecido por
conta do cancelamento da súmula 174 do STJ.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

AMEAÇA (art. 147).


Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação

Análise do tipo: ameaçar significa intimidar alguém, anunciando mal futuro, ainda que
próximo. O verbo ameaçar já é claro por si só, mas o tipo ainda acrescentou a expressão; “mal
injusto e grave”. O tipo protege a tranqüilidade e o sossego das pessoas.

Ameaçar: pode ser por diversas formas: por palavras, gestos, escritos ou qualquer forma apta
a amedrontar a vítima. Pode ser ainda de um mal na própria vítima (direta) ou em alguém
próximo a ela (indireta). Será também explícita (exibir uma faca, um revólver) ou implícita
(de forma velada dando a entender que prejudicará alguém).

Elemento subjetivo: crime doloso, não há a forma culposa e não se exige elemento subjetivo
específico do tipo, embora se exija de quem profira uma ameaça que tenha consciência do que
esta fazendo.

Consumação: no momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ameaça,


independentemente de sua real intimidação. É crime formal, portanto basta que haja intenção
de intimidar e que a ameaça tenha potencial para tanto. Tentativa somente por escrito. A ação
é condicionada a representação.

Casuística

a) A ameaça deve ser futura. Uma ameaça imediata, atual, não configura o tipo. Não tem
sentido processar alguém por ameaça quando diz que vai agredir a vítima de imediato,
sendo seguro por terceiros. Se a ameaça estiver condicionada a uma ação ou omissão
imediata da vítima haverá constrangimento ilegal. Portanto, se o agente diz: “se você
se casar de novo eu te mato” configura o crime de ameaça (mal futuro), no entanto, se
diz: “se você não entrar agora neste ônibus lhe agredirei fisicamente” estará tipificado
o crime de constrangimento ilegal, sendo a ameaça meio de execução do mesmo.

b) Em uma discussão, quando os ânimos estão exaltados, a jurisprudência tem entendido


que não há o crime, uma vez que as ameaças trocadas neste estado não oferecem
concretude de sua realização, malgrado a emoção ou a paixão não excluírem a
imputabilidade (art. 28, I). O mesmo raciocínio aplica-se a quem está embriagado (art.
28, II), contudo, a melhor orientação em ambos os casos e aferir o caso concreto.
177
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

c) No que tange ao mal injusto (não acobertado pela lei) e grave (morte, lesões, fogo na
residência, etc.) a jurisprudência tem entendido que é preciso que seja algo nocivo a
vítima, além de se constituir em prejuízo significativo. Inexiste ameaça quando o mal
é improvável e inverossímil.

d) Não é necessário que a ameaça seja proferida na presença da vítima, embora somente
se consume quando a mesma tome conhecimento do fato.

e) Para a consumação há duas correntes.

1º Corrente: é necessário que a vítima se sinta intimidada, acreditando que algo de


mal possa lhe acontecer. Esta corrente defende que por pior que seja a intimidação, a
vítima deve ser abalada em sua tranqüilidade e paz de espírito, caso contrário, o crime
não se consuma, não obstante o potencial intimidador da ameaça.

2º Corrente: o crime se consuma quando a vítima toma conhecimento do fato,


independentemente da ameaça lhe abalar a tranqüilidade. Basta, para a consumação,
que a ameaça tenha potencial de intimidar, não necessitando a efetiva intimidação por
parte da vítima. O resultado naturalístico dispensado pelo fato do crime ser formal é a
concretização do mal injusto e grave.

178
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO


Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante
seqüestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos.
Análise do tipo: é um crime de médio potencial ofensivo.
Bem jurídico tutelado – a liberdade de movimento da pessoa.
Sujeito ativo: pode ser praticado por qualquer pessoa. É crime comum. Só faço uma
observação: se o sujeito ativo for funcionário público, pode ocorrer abuso de autoridade.
Sujeito passivo: Quem pode ser vítima? Vocês já viram que o sujeito ativo é comum.
Qualquer pessoa. E quem é a vítima do delito de seqüestro e cárcere privado? Eu vou fazer
uma observação e vou criticar, mas saibam que essa observação existe. Tem uma minoria
que diz que a vítima só será a pessoa com liberdade própria de movimento. Isto é, pessoa
que tem liberdade de movimento e não depende de nenhuma outra. Entenderam essa
corrente? Se vocês concordarem com essa corrente, quem não pode ser vítima desse crime?
Paraplégico, criança de tenra idade que não anda sozinha, criança de colo. Segundo eles,
essas pessoas são vítimas de outro crime, por exemplo, constrangimento ilegal. Não colou.
Prevalece que qualquer pessoa pode ser vítima de seqüestro e cárcere privado, mesmo
aquelas que precisam de aparelhos ou outros para locomoção, porque elas não perdem sua
liberdade de movimento. O fato de elas dependerem de aparelhos, de instrumentos ou outras
pessoas, não retira delas a liberdade de escolher aonde ir, onde ficar, quando vir. Isso, no
Brasil, não vingou. Na Itália, há muita gente defendendo essa tese. Essas pessoas não
perderam a liberdade de ir, vir e ficar. Apenas exercem essa liberdade com auxílio.
Observação: se a vítima for Presidente da República, do Senado, da Câmara ou do Supremo
(Dilma, Renan Calheiros, ou Lewandovisk), o delito é contra segurança nacional se houver
motivação política. Art. 28, da Lei de Segurança Nacional.
Art. 28 - Atentar contra a liberdade pessoal de qualquer das
autoridades referidas no art. 26. Pena: reclusão, de 4 a 12 anos.
Disponibilidade do bem jurídico tutelado: liberdade de movimento. Esse é um bem jurídico
disponível ou indisponível? A vítima consente em ficar privada da liberdade de locomoção.
Exclui o crime? Prevalece hoje que a liberdade de movimento é um bem disponível. Se
você consente em privar privada da sua liberdade de locomoção, não há crime. Eu comentei
que no passado já houve doutrina dizendo que é um bem indisponível. Hoje prevalece que é
um bem disponível. Tanto é disponível que o diretor do Big Brother está solto. Guardem o
exemplo do Big Brother. O crime tem um bem jurídico disponível.

179
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Meios de execução: o art. 148 pune qual comportamento? Pune a privação da liberdade de
alguém. E essa privação da liberdade ocorre mediante dois meios. Os meios para se praticar o
crime são:
• Seqüestro e
• Cárcere privado.
Distinção: são sinônimos? Não. Seqüestro não se confunde com cárcere privado. Vocês vão
encontrar doutrina dizendo que seqüestro é gênero e cárcere privado é espécie. Mas não se
confundem. Quando há seqüestro e quando há cárcere privado?
• Seqüestro – Privação da liberdade sem confinamento – você fica privado da sua
liberdade de locomoção num sítio, numa fazenda, etc.
• Cárcere privado – É o meio de execução em que ocorre privação da liberdade
com confinamento. Por exemplo, você fica privado da liberdade num cômodo da
casa.
Observação: então, na denúncia, quando você denunciar o art. 148 tem que descrever se
houve seqüestro ou cárcere privado, se houve privação da liberdade com ou sem
confinamento. Mas, eu estou na dúvida se houve um ou se houve o outro. Dica: usa o gênero.
Se puder ser técnico, se tiver condições de apurar que houve cárcere privado, use cárcere
privado. Se tiver dúvida, use seqüestro, gênero. Não tem como errar. Alguns dizem que não
tem sentido essa diferença prática, mas já que o legislador diferenciou, você, juiz, pode usar
essa diferença como? Qual dos dois traz mais aflição para a vítima? O cárcere privado. Então,
o juiz considera o cárcere privado na fixação da pena-base.
Observações importantes
Observação 01: a privação da liberdade pode ser antecedida de fraude ou qualquer
outro meio. Pode ser antecedida de violência, ou grave ameaça ou fraude, ou qualquer outro
meio, demonstrando que é de execução livre.
Observação 02: o crime pode ser praticado mediante ação ou omissão. Quem me dá
exemplo de um cárcere privado/seqüestro por omissão? É o exemplo que todo livro de
doutrina traz. Preste atenção no exemplo e cuidado com o que vocês vão anotar. O exemplo é
sempre o mesmo: médico que não concede alta para paciente já curado. Ponto. Para por aí. Se
você disser que o médico assim agiu para se ressarcir de despesas médicas, o crime mudou.
Então, cuidado! Médico que não concede alta para paciente já curado, este é o exemplo
de seqüestro por omissão. Não coloque a finalidade de ressarcimento porque aí o crime
muda.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Observação 03: no delito de seqüestro/cárcere privado, é o que mais rotineiramente


ocorre, mas não necessita que a vítima saia de um local e vai para o outro. Que personalidade
do show business foi vítima de cárcere privado sem sair da própria cozinha? Silvio Santos. O
seqüestrador da filha dele foi até a casa dele e trancou o Silvio Santos na cozinha. Foi vítima
de seqüestro/cárcere privado sem sair da sua cozinha. Não pressupõe a locomoção da vítima
de um local para o outro, apesar de ser o que rotineiramente ocorre.
Elemento subjetivo: o crime de art. 148 é punido a título de dolo. Importante! Dolo
consistente na vontade consciente de privar alguém da liberdade de locomoção. É um dolo
sem finalidade especial. É importante que vocês entendam isso porque se houver uma
finalidade especial animando o agente, muito provavelmente mudou o crime. Olha os
exemplos:
1. Se tiver por finalidade a escravização de fato da vítima, o crime passa a ser de
redução à condição análoga de escravo do art. 149 (e não do art. 148).
2. Se a finalidade do agente é econômica, ele assim age buscando uma finalidade
econômica, aí eu posso estar diante do crime de seqüestro relâmpago (art. 158, §
3º) ou mesmo extorsão mediante seqüestro (art. 159).
3. Se a finalidade dele é fazer justiça privada, aí o crime pode ser do art. 345, do CP
e aí entra o exemplo do médico que não libera o paciente para ressarcir despesas
médicas. Ao acrescentar essa finalidade especial do médico, muda o crime. Então,
o médico que não solta paciente curado (art. 148) e se não faz ISS para se ressarcir
das despesas médicas, é o art. 345. Vejam como a finalidade alterou o tipo.
4. Dependendo da finalidade especial, eu posso cair no crime de tortura – se a
finalidade dele é torturar a vítima, submetendo-a a sofrimento físico e mental,
estou na Lei 9.455/97.
Conclusão: com esses quatro exemplos, eu quero convencê-los do quê? De que o crime do
art. 148 não tem finalidade especial. Se a finalidade especial anima o agente, muda o crime.
Ou, muito provavelmente, muda o crime.
Consumação: quando este crime se consuma? Com a privação da liberdade da vítima. E
detalhe: durante todo o tempo da privação, a consumação se protrai, isso significa que estou
diante de um crime permanente. Pergunto: a privação da liberdade tem que perdurar tempo
juridicamente relevante para o crime se consumar ou não, privou da liberdade, o crime já está
consumado? O tempo da privação interfere?
a. 1º Corrente: É irrelevante o tempo de privação, consumando-se o delito a partir do
momento em que a vítima tem subtraído seu direito de locomoção.

181
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

b. 2ª Corrente: para consumação do crime, exige-se tempo de privação juridicamente


relevante. Prevalece a primeira corrente eu vou provar daqui a pouco que é a corrente
correta.
Tentativa: sim, estamos diante de crime plurissubsistente
QUALIFICADORAS
Análise do tipo – Agora temos que analisar as qualificadoras, que é o assunto que mais cai.
Falou em art. 148, 90% das questões envolvem qualificadoras A pena que era de 01 a 03 anos
(caput) passa a ser de 02 a 05:
§ 1º - A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:
I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos. (Alterado
pela Lei 011.106-2005)
Inciso I, ascendente, descendente, onjuge ou companheiro ou maior de sessenta anos
Ascendente/descendente – Só há uma questão boba para ser analisada aqui:
obviamente estamos abrangendo parentesco civil, oriundo de adoção. Claro! A CF já não
permite a discriminação de parentesco legítimo, ilegítimo, civil ou natural. Reparem que essa
ascendência ou descendência pode ser fruto de adoção.
Cônjuge/companheiro – Até o advento da Lei 11.106/05 só existia qualificadora no
caso do cônjuge. Então, não dava para incluir o companheiro porque seria analogia in malam
partem. Isso vai cair! Antes, o art. 148, § 1º, I, só abrangia cônjuge. Eu não podia colocar o
companheiro sob pena de analogia em malam partem. Mas a Lei 11.106/05 fez inserir o
companheiro do agente. Então, não preciso mais trabalhar com analogia in malam partem. Eu
tenho o companheiro. Cuidado quando o crime foi praticado antes da Lei 11.106/05 pelo
companheiro! Retroagir é analogia in malam partem. Então, antes, quando se tratava de
companheiro, o máximo que o juiz podia fazer era considerar essa circunstância na fixação da
pena-base, no máximo. No concurso caiu seqüestro de companheiro antes da Lei 11.106/05. O
candidato não lembrou que foi lei posterior que incluiu essa qualificadora e condenou por essa
qualificadora.
Caiu em prova: olha o que vai cair para você: ele seqüestrou o companheiro antes da Lei
11.106, mas o companheiro só foi libertado após a lei 11.106/05. Incide a qualificadora? Aqui
incide porque, se o crime é permanente, eu vou aplicar sempre a última lei vigente na
permanência ainda que mais gravosa. Súmula 711, do STF: - DJ de 13/10/2003 - A lei penal
mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é
anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Então, o seqüestro de companheiro
antes da Lei 11.106/05 não sofria qualificadora, era mera circunstância judicial. O seqüestro

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

de companheiro que iniciou antes, mas só terminou depois desta lei, sobre a lei nova (Súmula
711, do STF).
Maior de 60 anos – Também incide a qualificadora se a vítima é maior de 60 anos – é
a qualificadora incluída pelo Estatuto do Idoso. Antes de 2003, não havia essa qualificadora.
Era uma circunstância que o juiz incluía na hora da fixação da pena. Depois do Estatuto do
Idoso, incluíram essa qualificadora. Cuidado, portanto, com a retroatividade da lei maléfica. É
o mesmo raciocínio da Lei 11.106. Detalhe no que diz respeito ao maior de 60 anos. Ele tem
que ter mais de 60 anos antes da sua liberdade. Se ele foi seqüestrado com menos de 60 anos
e foi libertado já tendo mais de 60 anos, a qualificadora está caracterizada. Mesmo que você
tenha privado alguém menor de 60 anos. Se no momento da liberdade, já atingiu a condição
de maior de 60, incide a qualificadora. Então, eu não vou analisar a idade no momento da
privação, e sim, no momento da liberdade.
Observação: no inciso I, essas condições da vítima têm que ingressar no dolo do agente para
evitar responsabilidade penal objetiva. Ele tem que saber que a vítima é seu ascendente, seu
descendente, seu cônjuge, tem que saber que a vítima é maior de 60 anos. Essas condições da
vítima têm que fazer parte do dolo do agente, para evitar responsabilidade penal objetiva.
Natureza do rol: esse rol é taxativo ou exemplificativo? Taxativo! Vocês perceberam que
eles se esqueceram do irmão? Cuidado que seqüestro entre irmãos não gera qualificadora.
Irmão não está abrangido, não abrange os afins. Agora, o juiz pode considerar isso na fixação
da pena-base. A qualificadora não abrange os colaterais, não abrange os afins.
Internação fraudulenta: inciso II
Comentários: se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou
hospital. O inciso II qualifica o delito, deixando a pena de ser de 1 a 3 para ser de 2 a 5 anos
se o delito é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital. É o que a
doutrina chama de internação fraudulenta ou simulada. Você interna alguém sem que ela
necessite ou contra a sua vontade valendo-se de fraude ou violência. Clínicas de recuperação
de drogados é um bom exemplo
III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias
Comentários: o inciso III qualifica o crime se a privação da liberdade dura mais de 15 dias.
Esse inciso III confirma ou, pelo menos, fortalece a corrente de que o tempo da privação da
liberdade é irrelevante para a consumação. Ele pode ser considerado na pena, mas não
interfere na consumação. É irrelevante para a consumação é relevante somente no que diz
respeito à pena. Agora, cuidado, não adianta o seqüestrado concordar antes de 15 dias pela
liberdade. Esse prazo é para libertar a vítima. Se você demorar mais de 15 dias, ainda que

183
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

tenha concordado com a sua liberdade, incide a qualificadora. Portanto, quinze dias para você
libertar.
IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos
Comentários: o inciso IV qualifica o delito se o crime é praticado contra menor de 18 anos
(criança ou adolescente). O agente tem que conhecer a idade da vítima para evitar a
responsabilidade penal objetiva. Você vai analisar a idade da vítima no momento da privação.
Pouco importa a idade que ela tenha no momento da liberdade. Se ela foi seqüestrada com
17 anos, incide a qualificadora mesmo que durante o seqüestro ela atinja a maioridade.
Importa é que, durante o seqüestro em algum momento ela tenha 18 anos. Eu não vou olha a
idade com que ela foi libertada, mas a idade em que foi seqüestrada. É exatamente o contrário
do maior de 60 anos.
V - se o crime é praticado com fins libidinosos
Comentários: essa é a qualificadora que mais cai. Essa qualificadora é novidade trazida pela
Lei 11.106/05. Vamos analisar isso com calma: privação com finalidade libidinosa:
PRIVAÇÃO COM FINALIDADE LIBIDINOSA
ANTES da Lei 11.106/05 DEPOIS da Lei 11.106/05
Configurava: • Rapto violento – o conteúdo
• Rapto violento (privação com criminoso migrou para o art. 148, § 1º,
finalidade libidinosa + violência ou V (que fenômeno é esse? Princípio da
grave ameaça) previsto no art. 219, do continuidade normativo-típica*)
CP
• Supressão da figura criminosa do
• Rapto consensual (art. 220, do CP) rapto consensual (abolitio criminis)

Caiu em prova: olha o que tem caído em concurso: vamos trabalhar com o rapto violento.
Rapto violento: antes da Lei 11106/05, privação da liberdade com fim libidinoso configurava
o art. 219, do CP com pena de 02 a 04 anos. Agora, a privação da liberdade configura o art.
148, § 1º, V, do CP, com pena de 02 a 05 anos. O rapto ocorreu antes da Lei 11.106/05,
quando ainda vigente o art. 219, com pena de 02 a 04. Porém, o inquérito policial foi relatado
e enviado para a Justiça depois da Lei 11.106/05. Você juiz vai condenar este autor por qual
crime e por qual pena? A sentença vai ser proferida depois da Lei 11.106/05. Você juiz,
diante de um fato ocorrido antes, vai condená-lo por qual crime e por qual pena? O seqüestro
foi rolando, a sentença, quando for proferida, haverá um tipo novo com pena nova. Vejam: a
resposta certa da Procuradoria do Estado foi: não posso retroagir porque a retroatividade seria
maléfica. Então, a resposta na Procuradoria do Estado/SP foi: você tem que condenar pelo
art. 219, com pena de 02 a 04 anos, evitando retroatividade maléfica. Não está correto.
184
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Esqueceram que havia o princípio da continuidade normativo-típica. Esse princípio diz: você
tem que condenar pelo art. 148, § 1º, V, com a pena de 02 a 04, para evitar a retroatividade
maléfica, mas o tipo é novo. O tipo é novo. Compreenderam? O princípio da continuidade
normativo-típica exige que você condene o agente pela prática daquele crime considerando o
tipo penal respectivo. Qual é o tipo penal respectivo? O artigo 219 não existe mais. O tipo
penal agora é o art. 148, § 1º, V. Efeito primário do art. 148, § 1º, V, mas, respeitando a
pena anterior por ser mais benéfica. Na prática isso aqui não faz diferença alguma porque
você está respeitando a pena mais benéfica. Na prática! Mas se você pega um examinador que
está querendo técnica ele vai descontar. O princípio da continuidade normativo-típica
exige que você condene pelo tipo novo, mas respeitando a pena mais benéfica. Como é
que você vai condenar por um tipo penal cujo conteúdo migrou para outro? Não tem que
condenar por rapto porque você tem um tipo novo. Condene pelo tipo novo com a pena
antiga e acabou o problema.
Ação Penal: eu falei que isso já caiu. Sabe como vai cair para vocês? Guardem tudo isso que
eu falei porque vocês vão abreviar a minha exposição nos crimes contra a dignidade sexual. O
próximo problema é o seguinte: antes, o art. 219 era de ação penal de iniciativa privada.
Agora, esse comportamento que estava no art. 219 está no art. 248 e é de ação penal
pública incondicionada. Pergunto: o fato ocorreu antes, porém, o inquérito policial foi
relatado depois da Lei 11.106/05. Qual é a inicial do processo? Queixa ou denúncia? Essa
pergunta ainda não caiu, mas vai cair. Eu vou falar disso outra vez nos crimes contra a
dignidade sexual porque vai acontecer exatamente o mesmo fenômeno: o estupro antes e o
estupro depois da Lei 12.015. O mesmo fenômeno que vamos analisar aqui, nós voltaremos a
analisar quando eu falar do estupro. Por isso, se vocês entenderem aqui, quando eu falar do
estupro vai ficar ridículo. Aliás, esse fenômeno nós já na alisamos quando eu falei da
mudança na injúria real. Então, vamos lá: queixa ou denúncia? O crime, quando ocorreu,
dependia de queixa, mas o inquérito foi relatado e a inicial vai ser oferecida quando o
assunto previu denúncia. Eu vou obedecer à ação penal do fato (lei vigente ao tempo do fato
– queixa) ou a lei vigente ao tempo do ato processual (denúncia)? Eu não tenho dúvida de que
uma primeira corrente vai defender a denúncia com base no tempus regit actum. Tratando a
questão como se fosse meramente processual penal, mas não é. Por isso, prevalece que a
inicial deve ser queixa. E por quê? Vocês não podem esquecer que a ação privada tem
decadência que a pública não tem, se incondicional. A ação privada tem renúncia da vítima,
causa extintiva, que a ação pública não tem. A ação privada tem perdão do ofendido, causa
extintiva que a ação pública não tem. A ação privada tem perempção, causa extintiva que a
ação pública não tem. Ou seja, você defendendo a denúncia e não a queixa, você está

185
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

retirando do agente quatro causas extintivas da punibilidade possíveis. E se você retira a causa
extintiva da punibilidade você amplia o espectro de punir. E isso é prejudicial. Eu falei disso
na injúria real. E vou voltar a falar disso nos crimes contra a dignidade sexual. Aqui, nós
vamos aplicar a ultratividade da lei mais benéfica. Isso vai cair e não vai cair aqui, vai cair
no estupro ou na injúria qualificada pelo preconceito.
Finalizando
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da
detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos.
Comentários: esse parágrafo é muito simples, é claro por si só. O que cai em concurso? Eu já
vi cair em concurso o § 2º sem a expressão “grave” e a resposta era errada. Cuidado! Não
basta o sofrimento físico ou moral. Tem que ser de forma grave.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a


trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº
10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à


violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

o
§ 1 Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim
de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou


objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído
pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

o
§ 2 A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº
10.803, de 11.12.2003)

I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei
nº 10.803, de 11.12.2003)

Análise do tipo: é um crime de ação vinculada, pois somente haverá sua tipificação se o
fato ocorre por uma das formas de execução descritas na lei. Reduzir significa subjugar,
transformar a força, impelir uma situação penosa. É um tipo de ação múltipla ou misto
alternativo, em que a realização de mais de uma conduta em relação à mesma pessoa constitui
crime único.

Sujeito ativo e passivo: podem ser qualquer pessoa. Quanto à vítima, seu consentimento é
irrelevante. No entanto, há entendimentos da possibilidade do consentimento da vítima
quando não houver ofensa a ética social ou aos bons costumes.

Consumação: como se exige que a vítima seja reduzida a condição análoga de escravo exige-
se que a situação perdura por um lapso temporal de modo a se poder configurar que sua
situação se assemelha a de um escravo. È um crime permanente, havendo possibilidade de
prisão em flagrante enquanto perdura a conduta e a redução a condição análoga.

As condutas descritas no tipo são:

a) Submetendo-se a vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva.

b) Sujeitando-a à condições degradantes de trabalho;

187
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

c) Restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto;

d) Cerceando o uso de qualquer meio de transporte, com o intuito de retê-la no local de


trabalho;

e) Mantendo vigilância ostensiva no local de trabalho ou apoderando-se de


documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho.

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA STF E STJ


Decidiram: Para configurar o delito do art. 149 do Código Penal (redução a condição
análoga à de escravo) NÃO É imprescindível a restrição à liberdade de locomoção dos
trabalhadores. O delito pode ser praticado por meio de outras condutas como no caso em
que os trabalhadores são sujeitados a condições degradantes, subumanas. STJ. 3ª Seção.
CC 127.937-GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014 (Info 543).

Comentários ao julgado acima: imagine a seguinte situação adaptada: O MPF


denunciou João (fazendeiro) pelo crime previsto no art. 149 do CP (redução a condição
análoga à de escravo). Segundo a denúncia, na fazenda, havia quatro empregados que
eram submetidos a condições degradantes de trabalho, que foram assim descritas:
“conviver com escorpiões, aranhas, lacraias; repousar em camas velhas os corpos
cansados, doloridos do trabalho exaustivo e feridos pela falta de equipamento de proteção
individual; beber água armazenada em baldes e ainda tomar um café preto pela manhã
desacompanhado de qualquer alimento.” Decisão do juiz O juiz federal entendeu que os
fatos narrados não configuravam o crime do art. 149 do CP. O argumento invocado pelo
magistrado foi o de que, para que se caracterize esse delito, é necessário que haja, de
alguma forma, a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores. Veja trecho da
decisão: “Deve-se esclarecer que não basta simplesmente submeter alguém a trabalhos
forçados ou jornadas exaustivas, bem como a condições degradantes de trabalho, para se
caracterizar o crime de redução a condição análoga à de escravo. Isso porque, o tipo penal
está inserido no capítulo VI do Título I do Código Penal, ou seja, DOS CRIMES
CONTRA A LIBERDADE PESSOAL, necessitando de algum meio - e qualquer que seja
- de cerceamento da liberdade, seja, v.g., fraudulento ou artificioso.” O STJ concordou
com a fundamentação invocada pelo juiz? Para que se caracterize o crime do art. 149
do CP é indispensável que haja restrição à liberdade de locomoção das vítimas? NÃO.
Para a configuração do delito de “redução a condição análoga à de escravo” (art. 149

188
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

do CP) é desnecessária a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador. A


restrição à liberdade de locomoção do trabalhador é apenas uma das formas de
cometimento do delito, mas não é a única. Conforme se infere da redação do art. 149 do
CP, o tipo penal prevê outras condutas por meio das quais se pratica o delito do art. 149:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos


forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de
trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à


violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio
de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II –
mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (...)

Esse é também o entendimento do STF: (...) Para configuração do crime do art. 149 do
Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo
o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas
alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do
século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos
econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua
dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só
mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos
básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno
impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso
também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação
dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho
é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a
trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em
tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão
recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua
dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. STF. Plenário. Inq 3412,
Rel. p/ Acórdão Min. Rosa Weber, julgado em 29/03/2012 Vale lembrar que a competência
para julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do CP) é da Justiça
Federal (art. 109, VI, da CF/88).

189
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Causa de aumento de pena (art. 149, parágrafo 2º)

Comentários: quando a vítima for criança ou adolescente ou ainda por conta de preconceito
de raça, cor, etnia religião ou origem, haverá aumento da metade da pena.

Observação: a ação penal é pública incondicionada e da competência da Justiça Federal (RE


398041 do STF). Por expressa disposição legal, se houver lesão corporal, ainda que leves,
haverá concurso de crimes.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO (art. 150)


Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade
expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de


violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à


violência.

§ 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público,


fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei,
ou com abuso do poder.

§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas


dependências:

I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou
outra diligência;

II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado
ou na iminência de o ser.

§ 4º - A expressão "casa" compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta,


salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

Análise do tipo: a lei protege a tranqüilidade doméstica. Não há propriamente a finalidade de


proteção da pessoa ou do patrimônio, já que o ingresso em casa desabitada ou abandonada
não configura o delito. Entrar significa a ação de ir de fora para dentro, enquanto permanecer
implica inação, ou seja, deixar de sair.

FORMAS DE EXECUÇÃO

a. Entrar em casa alheia: o agente invade, ingressa totalmente na residência da vítima


ou em suas dependências.

191
Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

b. Permanecer em casa alheia: neste tipo há em um primeiro momento autorização para


a entrada do agente que em determinado momento, quando cessada a autorização, e
contra a vontade da vítima, se recusa a deixar o domicílio.

MODALIDADES DE INVASÃO

a. Clandestina: ás ocultas, sem se deixar notar, justamente por isso se pressupões que é
contra a vontade de quem de direito.

b. Astúcia: significa agir fraudulentamente, criando um subterfúgio para ingressar em lar


alheio de má-fé, o que também pressupõe ausência de consentimento.

c. Contra a vontade de quem de direito: é a invasão que se dá as claras contra a


vontade do proprietário. Consigne-se que o consentimento pode ser manifestado de
modo explícito ou implícito.

De quem de direito: é o que tem poder de impedir a entrada de pessoas em sua casa
(proprietário, locador, possuidor, etc.). Ficou claro que o legislador quis conferir apenas a
certas pessoas o poder legal de controlar a entrada de pessoas em domicílio. No caso de
edifícios cada unidade autônoma vela por sua respectiva área, bem como nas áreas comuns,
contudo, neste último caso, não pode haver violação do direito de outros condôminos. Em
habitações coletivas prevalece o entendimento que havendo oposição de um dos moradores
persiste a vedação. No entanto, no caso de pais e filhos divergirem, prevalece o desejo do
pai, salvo de o imóvel pertencer ao filho maior de idade. Os empregados têm o direito de
impedir a entrada de pessoas estranhas em seus aposentos, salvo se for o proprietário da casa.

Conceito de casa: é o local onde alguém habite, que em regra, não é um local público.
Qualquer habitação merece proteção, mesmo as de caráter provisório ou precário, como uma
barraca de camping ou barraco na favela. A lei protege as dependências da casa (quintal,
garagem, terraço) e exclui os locais abertos ao público (bares, estabelecimentos, igrejas)
salvo se houver uma parte própria destinada à habitação. Os veículos também não estão
incluídos (salvo no caso de trailers), bem como as pastagens de uma fazenda, o gramado de
uma casa não murada ou cercada e as repartições públicas.

JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ


Decidiram: configura invasão de domicílio a invasão de gabinete de Delegado de Polícia.
Configura o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP) o ingresso e a permanência,
sem autorização, em gabinete de Delegado de Polícia, embora faça parte de um prédio
ou de uma repartição públicos. No caso concreto, dezenas de manifestantes foram até a

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Delegacia de Polícia Federal cobrar agilidade na conclusão de um inquérito policial. Como


não foram recebidos, decidiram invadir o gabinete do Delegado. STJ. 5ª Turma. HC 298.763-
SC, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/10/2014 (Info 549).

Comentários ao julgado acima: dezenas de manifestantes foram até a Delegacia de Polícia


Federal cobrar Agilidade na conclusão de um inquérito policial. Na recepção da Delegacia, o
grupo foi informado que o Delegado somente receberia em seu gabinete para conversar um
único representante do movimento. Os manifestantes não aceitaram e, então, invadiram o
gabinete do Delegado para protestar. Ressalte-se que não houve nenhum ato de ameaça ou
violência por parte dos manifestantes. Os manifestantes cometeram algum delito? Qual?
Praticaram invasão de domicílio, crime previsto no art. 150 do CP. Mas o gabinete do
Delegado pode ser considerado “casa”? SIM, o gabinete de Delegado de Polícia, embora
faça parte de um prédio ou de uma repartição públicos, pode ser considerada “casa”
para fins penais. Isso porque se trata de um compartimento não aberto ao público em
geral, salvo com a autorização do seu titular. Assim, enquadra-se no inciso III do § 4º do
art. 150:

§ 4º - A expressão "casa" compreende: III - compartimento não aberto ao público,


onde alguém exerce profissão ou atividade.

Para o STJ, sendo a sala de um servidor público um compartimento com acesso restrito e
dependente de autorização, e, por isso, um local fechado ao público, onde determinado
indivíduo exerce suas atividades laborais, há o necessário enquadramento no conceito de
“casa” previsto no art. 150 do CP. Se considerássemos de forma diferente, isso significaria a
ausência de proteção à liberdade individual de todos aqueles que trabalham em prédios
públicos, já que poderiam ter os recintos ou gabinetes invadidos por terceiros não autorizados
a qualquer momento, o que não se coaduna com o objetivo do tipo penal em questão. Se tal
situação fosse permitida, o próprio serviço público ficaria inviabilizado, pois qualquer cidadão
que quisesse protestar poderia ingressar no prédio público, inclusive nos espaços restritos à
população, sem que tal conduta caracterizasse ilícito. No caso concreto, quem será
competente para julgar esse delito? Justiça Federal, por ter sido praticado contra bem e
serviço da União (art. 109, IV, da CF/88)

Sujeito ativo: qualquer um até mesmo o proprietário quando invade a casa do inquilino.
Sujeito passivo o que tem direito de proibir o ingresso de terceiro.

Elemento subjetivo: é o dolo, não se admitindo a forma culposa. Quando o agente ingressa
para fugir de um bandido, por exemplo, afasta-se o tipo. Não há tipicidade também na

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

conduta do agente que ingressa em casa alheia pensando se tratar de outro local. Nesse caso
há erro de tipo que afasta o dolo, e como não há a modalidade culposa, o fato é atípico.

Consumação: quando agente ingressa na casa da vítima no primeiro caso e quando, ciente
que deve sair, não faz por tempo juridicamente relevante no segundo. Na primeira hipótese o
crime é instantâneo, na segunda permanente. O presente tipo penal é definido como crime de
mera conduta, que são aqueles em que a lei descreve uma conduta, sem descrever nenhum
resultado naturalístico.

FORMAS QUALIFICADAS (art. 150, parágrafo 1º)

Comentários: são as hipóteses que alteram o mínimo e o máximo da pena, por implicarem em
uma maior reprovação social da conduta.

Noite: é o período em que não há luz solar que vai do anoitecer ao alvorecer. Há
proteção maior ao domicílio no período noturno, uma vez que neste caso ele se torna asilo
inviolável até mesmo às ordens judiciais, somente cedendo quando há flagrante delito ou para
prestar socorro em caso de acidente.

Lugar ermo: é o local afastado dos centros habitados, de um ponto desértico,


descampado. No caso de haver apenas uma casa no local não o torna habitado.

Violência: é a empregada contra a pessoa e também contra a coisa, já que a lei não faz
distinção. Se a vítima sofre lesões aplicar-se-á as penas do art. 129 em concurso com este
artigo.

Emprego de arma: pode ser a arma própria ou imprópria. Vale o mesmo do dito em
relação ao crime de ameaça no que se refere à arma de brinquedo:

a. 1º Corrente entende configurado o aumento de pena porque a vítima não sabe que a
arma é de brinquedo, e assim o agente consegue uma facilitação maior na prática do
crime.

b. 2º Corrente sustenta que como não se trata de arma, uma vez que não tem poder
vulnerante, não incide a causa de aumento. Essa corrente tem prevalecido por conta do
cancelamento da súmula 174 do STJ.

Concurso de pessoas: bastam duas, ainda que uma delas seja mera partícipe, como no
caso da empregada doméstica que facilita a entrada de terceiro no local.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA (art. 150, parágrafo 2º)

Observação: essas causas de aumento aplicam-se ás formas simples e às qualificadas do


parágrafo 1º.

Funcionário público: seu conceito está no art. 327 do CP. A lei fala em fora dos
casos legais, logo, se o funcionário entra ou permanece em casa alheia sem mandado judicial,
fora da hipótese de flagrante delito e desastre, ou sem prestar socorro em caso de acidente,
está agindo fora dos casos legais (quando ingressa em residência com mandado judicial, mas
durante o período noturno, por exemplo).

Abuso de autoridade (Lei 4.898/65): em torno deste fato surgiram duas correntes:

a. 1º Corrente: a lei de abuso de autoridade, adotando o princípio da especialidade,


revogou o parágrafo 2º do art. 150. Logo, invasão de domicílio praticada por
funcionário público configura abuso de autoridade e não violação ao art. 150 do CP.

b. 2º Corrente: não são incompatíveis, respondendo o funcionário público por violação


de domicílio na forma simples (caput) em concurso com o crime de abuso de
autoridade.

Excludentes da ilicitude (art. 150, parágrafo 3º): as hipóteses mencionadas neste parágrafo
são desnecessárias, haja vista que já estão mencionadas no art. 23, III do CP (estrito
cumprimento do dever legal) e pela própria Constituição no art. 5º, inciso XI.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO


Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores,
mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou
destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou
instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (Incluído pela Lei nº 12.737, de
2012)

Pena - detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.737,
de 2012)

§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou
programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
(Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.


(Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas,


segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o
controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de
2012)

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime
mais grave. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

§ 4º Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação,


comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações
obtidos. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: (Incluído


pela Lei nº 12.737, de 2012)

I - Presidente da República, governadores e prefeitos; (Incluído pela Lei nº 12.737, de


2012) Vigência

II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)


Vigência

III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de


Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou (Incluído
pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência

IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do


Distrito Federal. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência

Ação penal (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência

Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação,
salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos
Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas
concessionárias de serviços públicos. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Primeiros comentários à Lei 12.737/2012: a referida Lei, que tipifica a invasão de


dispositivo informático, foi publicada recentemente, chamada pela imprensa de “Lei
Carolina Dieckmann”, por tratar da tipificação do crime de invasão de computador alheio,
situação da qual a atriz foi vítima recentemente, quando tal conduta não era prevista, de forma
específica, como infração penal. O tema certamente ainda será objeto de muito estudo pelos
especialistas e de várias controvérsias, no entanto, apresento algumas impressões para
conhecimento prévio a respeito do debate que certamente surgirá sobre esta importante
inovação legislativa. Para os leitores que tem seu interesse voltado apenas para os concursos
públicos fica a sugestão de que se limitem a memorizar o novo art. 154-A do CP porque
as questões que serão cobradas nas provas durante os próximos dois anos exigirão
apenas o conhecimento da literalidade do tipo penal, não sendo feitas perguntas a
respeito dos temas polêmicos, salvo quando começarem a ser dirimidos pelos Tribunais
Superiores.

Conteúdo da Lei n.° 12.737/2012: esta Lei altera o Código Penal, trazendo a tipificação
criminal do que ela chama de “delitos informáticos”. A Lei n.° 12.737/2012 promoveu as
seguintes alterações no Código Penal:

a. Acrescentou os artigos 154-A e 154-B, inserindo um novo tipo penal denominado de


“Invasão de dispositivo informático”.

b. Inseriu o § 1º ao art. 266 prevendo como crime a conduta de interromper “serviço


telemático ou de informação de utilidade pública”.

c. Inseriu o parágrafo único ao art. 298 estabelecendo que configura também o crime
de falsidade de documento particular (art. 298) a conduta de falsificar ou alterar
cartão de crédito ou de débito.Vejamos cada uma dessas inovações:

INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO

Art. 154-A: invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de


computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de
obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular
do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

Bem jurídico protegido: o bem jurídico protegido é a privacidade, gênero do qual são
espécies a intimidade e a vida privada. Desse modo, esse novo tipo penal tutela valores
protegidos constitucionalmente (art. 5º, X, da CF/88). O direito à privacidade, em sentido
mais estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco da observação por terceiros, de

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

não ter os seus assuntos, informações pessoais e características particulares expostas a


terceiros ou ao público em geral.

Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa (crime comum). Obviamente que não será sujeito
ativo desse crime a pessoa que tenha autorização para acessar os dados constantes do
dispositivo.

Sujeito passivo: é o titular do dispositivo. Em regra, a vítima é o proprietário do dispositivo


informático, seja pessoa física ou jurídica. No entanto, é possível também identificar, em
algumas situações, como sujeito passivo, o indivíduo que, mesmo sem ser o dono do
computador, é a pessoa que efetivamente utiliza o dispositivo para armazenar seus
dados ou informações que foram acessados indevidamente. É o caso, por exemplo, de um
computador utilizado por vários membros de uma casa ou no trabalho, onde cada um tem
perfil e senha próprios. Outro exemplo é o da pessoa que mantém um contrato com uma
empresa para armazenagem de dados de seus interesses em servidores para acesso por meio
da internet (“computação em nuvem”, mais conhecida pelo nome em inglês, qual seja, cloud
computing).

ANÁLISE DAS ELEMENTARES DO TIPO

Invadir: ingressar, sem autorização, em determinado local. A invasão de que trata o


artigo é “virtual”, ou seja, no sistema ou na memória do dispositivo informático.

Dispositivo informático: em informática, dispositivo é o equipamento físico


(hardware) que pode ser utilizado para rodar programas (softwares) ou ainda para ser
conectado a outros equipamentos, fornecendo uma funcionalidade. Exemplos: computador,
tablet, smartphone, memória externa (HD externo), entre outros

Alheio: O dispositivo no qual o agente ingressa deve pertencer a terceiro. É prática


comum entre os hackers o desbloqueio de alguns dispositivos informáticos para que eles
possam realizar certas funcionalidades originalmente não previstas de fábrica. Como exemplo
comum tem-se o desbloqueio do IPhone ou do IPad por meio de um software chamado
“Jailbreak”. Caso o hacker faça o invada o sistema de seu próprio dispositivo informático
para realizar esse desbloqueio, não haverá o crime do art. 154-A porque o dispositivo
invadido é próprio (e não alheio).

Conectado ou não à rede de computadores: apesar do modo mais comum de invasão


em dispositivos ocorrer por meio da internet, a Lei admite a possibilidade de ocorrer o crime
mesmo que o dispositivo não esteja conectado à rede de computadores. É o caso, por

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

exemplo, do indivíduo que, na hora do almoço, aproveita para acessar, sem autorização, o
computador do colega de trabalho, burlando a senha de segurança.

Mediante violação indevida de mecanismo de segurança: somente configura o crime


se invasão ocorrer com a violação de mecanismo de segurança imposto pelo usuário do
dispositivo. Retomando o exemplo anterior, não haverá, portanto, o crime se o indivíduo,
na hora do almoço, aproveita para acessar o computador do colega de trabalho, que não
é protegido por senha ou qualquer outro mecanismo de segurança. Também não haverá
crime se alguém encontra o pen drive (não protegido por senha) de seu colega de trabalho e
decide vasculhar os documentos e fotos ali armazenados. Trata-se de uma falha da Lei porque
a privacidade continua sendo violada, mas não receberá punição penal. Exemplos de
mecanismo de segurança: firewall (existente na maioria dos sistemas operacionais), antivírus,
anti-malware, antispyware, senha para acesso, entre outros.

Com o fim de: o tipo exige obter, como elemento subjetivo específico, adulterar ou
destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo.
Exemplo: cracker que ingressa no computador de uma atriz para obter suas fotos lá
armazenadas. Atenção: se houver autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo, não
haverá crime. Exemplo: determinado banco contrata uma empresa especializada em segurança
digital para que faça testes e tente invadir seus servidores.

Instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. É o caso, por exemplo, do


indivíduo que invade o computador e instala programa espião que revela as senhas digitadas
pela pessoa ao acessar sites de bancos.

Elemento subjetivo É o dolo, que deve ser acrescido de um especial fim de agir (“dolo
específico”). Qual é o especial fim de agir desse tipo penal? A invasão deve ocorrer com o
objetivo de:

a. Obter, adulterar ou destruir dados ou informações do titular do dispositivo.

b. Instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

Consumação Cuida-se de crime formal. Consuma-se com a invasão, não se exigindo a


ocorrência do resultado naturalístico. Desse modo, a obtenção, adulteração ou destruição de
dados do titular do dispositivo ou a instalação de vulnerabilidades não precisam ocorrer para
que o crime se consume. Em regra, para que seja provada a invasão, será necessária a
realização de perícia (art. 158 d o CPP). No entanto, é possível que o delito seja comprovado
por outros meios, como a prova testemunhal (art. 167 do CPP).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Invasão de dispositivo informático (art.154-A) x Furto mediante fraude (art. 155, § 4º,)
Comentários: se o agente invade o computador da vítima, lá instala um malware
(programa malicioso), descobre sua senha e subtrai valores de sua conta bancária, comete
qual delito? O entendimento consolidado, até então, era o de que se tratava de furto mediante
fraude. Essa posição deve ser alterada com o novo art. 154-A? A referida conduta pode ser
classificada como invasão de dispositivo informático? Reputo que não. O art. 154-A prevê
como crime invadir computador, mediante violação indevida de mecanismo de segurança,
com o fim de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. O art. 155, § 4º, por sua
vez, pune a conduta de subtrair coisa alheia móvel (dinheiro, p. ex.) mediante fraude
(inclusive por meio virtual). Desse modo, parece que a conduta narrada amolda-se, de forma
mais específica e completa, no art. 155, § 4º, sendo o delito do art. 154-A o crime meio
para a obtenção da finalidade do agente, que era a subtração. Aplica-se, no caso, o
princípio da consunção, punindo o agente apenas pelo furto, ficando a invasão absorvida. Em
suma, essa conduta não deixou de ser furto. Vamos, no entanto, imaginar outras situações
correlatas:

a. O agente tenta invadir o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e


obter a senha para realizar o furto, mas não consegue: responderá por tentativa de
invasão (art. 154-A) e não por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II).

b. O agente invade o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter


a senha para realizar o furto, porém não inicia os atos executórios da subtração:
responderá por invasão consumada (art.154-A) e não por tentativa de furto qualificado
(art. 155, § 4º, II).

c. O agente invade o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter


a senha para realizar o furto, inicia o procedimento para subtração dos valores, mas
não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade: responderá por tentativa de
furto qualificado (art. 155, § 4º, II).

d. O agente invade o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter


a senha para realizar o furto, conseguindo efetuar a subtração dos valores: responderá
por furto qualificado consumado (art. 155, § 4º, II).

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Obtenção de vantagem: para a consumação do crime do art. 154-A não se exige que o
invasor tenha obtido qualquer vantagem. Basta que tenha havido a invasão. No entanto, se
houver prejuízo econômico por parte da vítima, haverá causa de aumento prevista no § 2º do
art. 154-A: aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo
econômico. Atenção: se a vítima sofreu prejuízo econômico porque o invasor dela subtraiu
valores, não haverá o crime do art. 154-A, com essa causa de aumento do § 2º, mas sim o
delito de furto qualificado. Isso porque, conforme explicado acima, o furto é mais específico
que o delito de invasão. Quando então seria o caso de aplicar o § 2º? Nas hipóteses em que
da invasão ocasionar prejuízo, desde que não seja um delito mais específico. Exemplo:
incidirá essa causa de aumento se, por conta da invasão, a vítima teve sua máquina danificada,
precisando de consertos.

Tentativa: a tentativa é perfeitamente possível. Exemplo: o agente iniciou o processo de


invasão do computador de um terceiro, mas não conseguiu violar o mecanismo de segurança
do dispositivo.

Pena: a pena é irrisória e representa proteção insuficiente para um bem jurídico tão
importante. Em virtude desse quantum de pena, será muito freqüente a ocorrência de
prescrição retroativa pela pena concretamente aplicada.

Infração de menor potencial ofensivo: o art. 154-A do CP é crime de menor potencial


ofensivo, sujeito à competência do Juizado Especial Criminal (art. 61 da Lei n.° 9.099/95).
Em regra, nos delitos sujeitos ao Juizado Especial Criminal o instrumento de apuração do fato
utilizado pela autoridade policial é o termo circunstanciado (art. 69 da Lei n.° 9.099/95).
Entretanto, nos casos do art. 154-A do CP muito provavelmente o termo circunstanciado não
será suficiente para apurar a autoria e materialidade do delito, sendo quase que imprescindível
a instauração de inquérito policial, considerando que, na grande maioria dos casos, será
necessária a realização de busca e apreensão na residência do investigado, perícia e oitiva
de testemunhas etc.

Delegacias especializadas em crimes virtuais: vale ressaltar que a Lei n.° 12.735/2012,
publicada na mesma data desta Lei, determinou que os órgãos da polícia judiciária (Polícia
Civil e Polícia Federal) deverão estruturar setores e equipes especializadas no combate à ação
delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado
(art. 4º). Em suma, as polícias deverão criar delegacias ou núcleos especializados em crimes
cibernéticos, como, aliás, já existem em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, entre
outros.

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Figura equiparada: § 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou
difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta
definida no caput. É o caso, por exemplo, do indivíduo que desenvolve um programa do tipo
“cavalo de troia” (trojan horse), ou seja, um malware (software malicioso) que, depois de
instalado no computador, libera uma porta para que seja possível a invasão da máquina. Em
alguns cursos de informática, o professor desenvolve softwares espiões para testarem a
segurança da rede e aprimorarem técnicas de contra-espionagem. Há também empresas que
elaboram e comercializam tais programas. Obviamente que, em tais situações, não haverá
crime considerando que o objetivo não é o de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa ou tácita do titular, havendo o intuito acadêmico,
docente ou de melhorar a segurança das redes empresariais, descobrindo as brechas
existentes. O fato seria atípico, portanto, por faltar o elemento subjetivo do injusto. O § 1º
menciona tanto programas de computador (softwares) como também dispositivos (hardwares)
destinados à invasão indevida de outros dispositivos informáticos, como é o caso dos
chamados “chupa cabra”.

Observação: segundo o § 1º, tanto quem produz, como quem oferece, distribui, vende ou
divulga o programa ou dispositivo é punido. Nesse sentido, existem inúmeras páginas na
internet que divulgam softwares espiões e invasores. Deve-se ter cuidado com a
divulgação de tais conteúdos porque essa conduta passa a ser crime pela nova Lei se
ficar provado que a finalidade do agente, ao disponibilizar esse programa, era o de permitir
que o usuário do software possa invadir dispositivo informático para “obter, adulterar ou
destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou
instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”

Invasão que gera prejuízo econômico (causa de aumento): aumenta-se a pena de um sexto
a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. Essa causa de aumento, que já foi
explicada acima, refere-se apenas ao caput do art. 154-A, não podendo ser aplicada para o §
3º.

Invasão qualificada pelo resultado (qualificadora): se da invasão resultar a obtenção de


conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais,
informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do
dispositivo invadido a pena será de reclusão de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa, se a
conduta não constitui crime mais grave. Haverá a qualificadora prevista neste § 3º se, com a
invasão, o agente conseguir obter o conteúdo de:

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

a. Comunicações eletrônicas privadas (e-mails, SMS, diálogos em programas de troca


de mensagens etc).

b. Segredos comerciais ou industriais

c. Informações sigilosas.

Observação: o sigilo que qualifica o crime é aquele assim definido em lei. Incidirá também a
qualificadora no caso do invasor conseguir obter o controle remoto do dispositivo invadido.
Esse § 3º constitui exemplo de aplicação do princípio da subsidiariedade expressa (explícita),
considerando que o próprio tipo penal prevê que não haverá invasão qualificada se a conduta
do agente constituir um crime mais grave.

Causa de aumento de pena: Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se


houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou
informações obtidos. O § 4º traz uma causa de aumento específica para o delito previsto no §
3º. Assim, o agente responderá pela pena aumentada se, além de obter, divulgar,
comercializar ou transmitir a outros o conteúdo contido em:

a. Comunicações eletrônicas privadas (e-mails, SMS, diálogos em programas de troca de


mensagens etc.).

b. Segredos comerciais ou industriais.

c. Informações sigilosas.

Observação: caso o agente pratique o art. 154-A, §§ 3º e 4º o delito deixa de ser de


competência do Juizado Especial Criminal, considerando que, aplicada a causa de aumento
sobre a reprimenda prevista no § 3º o crime terá pena máxima superior a 02 anos.

Causa de aumento de pena: No § 5º aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for


praticado contra: I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do
Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de
Assembléia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara
Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual,
municipal ou do Distrito Federal. O § 5º traz causas de aumento para os casos em que a
invasão de dispositivo informático ocorrer contra determinadas autoridades. Entendo que essa
causa de aumento incide tanto para o crime cometido no caput do art. 154-A como também
para a figura qualificada do § 3º.

Ação penal: nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação,
salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos

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Direito Penal Especial. Crimes contra a Pessoa. Professor Carlos Paschoalik

Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas


concessionárias de serviços públicos. Regra: o crime do art. 154-A, em regra, é de ação
penal pública condicionada à representação. Isso se justifica em razão da intimidade e da
vida privada serem bens disponíveis e também pelo fato de que a vítima tem o direito de
avaliar se deseja evitar o processo judicial e assim se proteger contra os efeitos deletérios que
podem advir da divulgação das circunstâncias que envolvem o fato (strepitus iudicii). A
depender do caso concreto, a instauração da investigação e do processo penal poderá implicar
nova ofensa à intimidade e privacidade do ofendido considerando que outras pessoas
(investigadores, Delegados, servidores, Promotor, Juiz etc.) terão acesso ao conteúdo das
informações que a vítima preferia que ficassem em sigilo, tais como fotos, correspondências,
mensagens, entre outros. Dessa forma, é indispensável que a vítima ofereça representação
para que seja iniciada qualquer investigação sobre o fato (art. 5º, § 4º, do CPP), bem como
para que seja proposta a denúncia por parte do Ministério Público.

Exceções: o crime do art. 154-A será de ação pública incondicionada se for cometido contra:
A administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados,
Distrito Federal ou Municípios.

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