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Fernando Pessoa
A Arte é apenas e simplesmente a expressão de uma emoção.
1910?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 5.
Fernando Pessoa
ARTE — IDEALIZAÇÃO
ARTE — IDEALIZAÇÃO
1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 5.
Fernando Pessoa
OS DESVIOS IDEATIVOS DA POESIA MODERNA
Emoção que não seja vaga, pensamento que o seja não prestam. Os modernos
poetas franceses têm o contrário:
são nítidos e (. . .) na emoção e vagos, deploravelmente vagos na ideia.
Uma obra literária procura sentimentos que têm que ver com: a ideia,
a emoção, a imaginação (que vem a ser uma combinação inteira de ideia
e emoção). A ideia deve ser nítida, a emoção vaga, a imaginação, como é
composta essencialmente de ambos, ao mesmo tempo vaga e nítida.— A arte
deve dirigir-se a estas 3 faculdades, que não a uma ou duas delas isoladamente.
1913?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 6.
Fernando Pessoa
Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a
vida,
Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida, passa,
mas a beleza com vida, que, como é beleza, não pode perecer.
A cada conceito da vida cabe não só uma metafísica, mas também uma
moral. O que o metafísico não faz porque é falso, e o moralista não faz porque
é mau, o esteta não faz porque é feio.
1930?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 6.
Fernando Pessoa
INTRODUÇÃO À ESTÉTICA
INTRODUÇÃO À ESTÉTICA
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já em toda outra mente humana. O que compete, pois, ao artista que quer
exprimir determinado sentimento, por ex., é extrair desse sentimento aquilo
que ele tenha de comum com os sentimentos análogos dos outros homens, e
não o que tenha de pessoal, de particular, de diferente desses sentimentos.
A obra de arte, ou qualquer seu elemento, deve produzir uma impressão, e
uma só; deve ter um sentido, e só um; seja sugestivo o processo, ou explícito.
Isto se vê claramente no emprego do epíteto em literatura. Muito se tem bradado
contra o emprego de adjectivos estranhos, ou juntos a substantivos com os quais
não parecem poder ligar-se. Não há, porém, adjectivos estranhos, nem é possível
construir uma fase a que se não possa atribuir um sentido qualquer. O que é
necessário é que esse “sentido qualquer” seja só um, e não possivelmente um
de vários. Ésquilo, numa frase célebre, refere-se ao “riso inúmero das ondas”; o
epíteto é daqueles a que é uso chamar ousados, pois que tudo é ousado para
quem a nada se atreve. Toda a gente, porém, compreende a frase, nem lhe é
atribuível mais que um sentido. Há, porém, uma poetisa francesa que deu a
um seu livro o título, mimado desta frase, de “O Coração inúmero”, frase esta
que pode ter vários sentidos, porém que não é certo que tenha este ou aquele.
A “ousadia” do epíteto é igual no grego e na francesa; uma, porém, é a ousadia
da inteligência, a outra a do capricho.
Pode ser, no caso de um epíteto desta última ordem, que a sensibilidade de
várias pessoas convenha na mesma interpretação, e, ainda, que essa interpreta-
ção seja — o que também poderia não acontecer — aquela mesma que lhe o
autor deu. Como, porém, a sensibilidade é passageira e local, local e passageira
é também a interpretação que dela procede.
Estas considerações têm que ser interpretadas em relação às diversas artes,
diversamente para cada uma, conforme sua matéria e fim. Aquele trecho musical
cuja frescura e alegria me dá a mim a impressão de madrugada, pode dar a
outro a impressão de Primavera. Como, porém, não é função da música definir
as coisas, senão a emoção que geram, o trecho produziu, em verdade, a mesma
impressão em mim e no outro, pois ambos sentimos nele frescura e alegria;
o lembrar-me essa frescura a madrugada, e a outro a Primavera, é apenas
a tradução pessoal que cada um de nós faz da sensação que recebeu, pois a
sensação abstracta de alegria e de frescura é comum à madrugada e à Primavera.
A um terceiro esse mesmo trecho poderia evocar, por exemplo, certa cena de
amor, ou certa paisagem, sem que em alguma coisa saísse do seu fim próprio,
logo que a essa cena de amor e a essa paisagem estejam nele ligadas as ideias
de frescura e alegria. Do mesmo modo a frase de Ésquilo “riso inúmero das
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ondas” não é diversa em mim e num veneziano por em mim evocar o Atlântico
e nele o Adriático.
1925?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 7.
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Fernando Pessoa
Se a obra de arte proviesse da intenção de fazê-la,
1916?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 7.
Fernando Pessoa
1. A arte é a notação nítida de uma impressão errada (falsa).
1914?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 12.
Fernando Pessoa
A obra de arte é primeiro obra, depois obra de arte.
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Mas a fusão do fim e dos meios é o que, segundo vimos, caracteriza o acto de
instinto. A invenção de um valor é portanto um acto de instinto.
Provado assim, pelo modo directo, pode isto provar-se também pelo absurdo
do contrário. Suponha-se que a invenção é um acto da vontade consciente; como
esta se divide na determinação e na inteligência, que aquela emprega, a obra
há-de provir, ou de uma, ou de outra, ou de ambas juntas. Da intenção já vimos
que não vem, e na verdade todos sabemos que a intenção de inventar nunca fez
ninguém inventor. Da inteligência não vem, porque o conhecimento dos meios
(que é o que a simples inteligência fornece) também não faz inventores, e os
que mais conhecem os princípios da poesia e a história dela não são os maiores
poetas. E se não pode vir de uma ou de outra, também não pode provir das
duas reunidas.
O instinto, porém, não origina. O instinto de andar não descobre novos
processos de andar. Há no caso da invenção uma fusão do instinto com a
inteligência.
Não é difícil encontrar uma explicação científica. Por natureza, a inteligência,
embora não crie, constantemente se transforma. Um longo uso da inteligência
pela humanidade criou um instinto nessa inteligência, e como a inteligência por
natureza transforma, e o instinto por natureza operas uma fusão dos dois, ou,
por outras palavras, um instinto intelectual será uma qualidade do espírito que
transforme operando. Mas a transformação reduzida a acto é precisamente a
essência da invenção, pois que a invenção é um acto, e um acto que transforma
o que há.
A obra de arte, no que invenção de um valor, deriva portanto do que com
propriedade se pode chamar um instinto intelectual.
Há, porém, invenções de vários géneros, e nem todas são arte. Invenção foi
a de Watt, quando descobriu a máquina de vapor; invenção a de Descartes,
quando uma manhã, na cama, viu de repente a geometria por coordenadas.
Ambas são invenções de um valor, de nenhuma delas diremos — salvo em
qualquer sentido, que por translato não tem cabimento aqui — que é uma
obra de arte. O valor da obra de arte é portanto diferente do daquelas outras.
Cumpre que distingamos bem em que difere.
O que é um valor? Como há diferenças de valores, o valor é uma quanti-
dade. . . É uma quantidade medida por um princípio ou critério qualitativo.
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Como, pois, a obra de arte, para que deveras o seja, nem seja apenas o
simulacro de uma, tem de provir do instinto; como, porém, esse instinto, como
é intelectual, pode ser imitado nas suas operações pela inteligência; como a
obra da inteligência não pode ter valor no género a que pertence, porém pode
simulá-lo; como, portanto, o que primeiro temos que fazer é distinguir se uma
aparente obra de arte pode ter ou não valor, isto é, provém ou não do instinto,
temos primeiro que determinar por que processos objectivos se distingue ime-
diatamente uma obra do instinto intelectual de uma composição da inteligência.
Para muitos de nós, bastará o gosto, ou senso estético, para o determinar; esse,
porém, não é um princípio objectivo, nem podemos cientificamente propor a
outrem que aceite o nosso gosto por critério com que ele aprecie.
A inteligência não pode dar-me o desejo de comer; pode porém dar-me o
desejo de não comer senão o que me for útil. E quando, em doença, eu não
sinta o desejo de comer, vendo, pela inteligência, que devo fazê-lo, para me não
desalimentar, guio-me pela utilidade e não pelo simples desejo de comer.
Assim o acto de inteligência, quando colabore nas coisas do instinto, ou
se substitua ao instinto, distingue-se por isto — que se guia sempre por uma
ideia acessória da ideia central do instinto, nunca pela central, para a qual só o
instinto pode guiar.
Nisto, pois, se encontra a distinção entre a inteligência e o instinto: que o
instinto, desde que funcione, acerta sempre com a essência do objecto para
que tende, sendo que a inteligência não acerta com a essência nunca, ficando
sempre nos acessórios.
Entende-se bem que, por ideia central de um instinto, se entende aquela que
se define pelo próprio fim do instinto.
Assim um produto do instinto difere de um da inteligência em que no
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primeiro o essencial está com certeza dado, no segundo o essencial está com
certeza por dar.
1916
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 12.
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António Mora
REGRESSO DOS DEUSES: Estética [a]
1916?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 18.
António Mora
REGRESSO DOS DEUSES: Estética [b]
Objectar-se-á, sem dúvida, que, havendo sentimentos que são vagos, senti-
mentos que são confusos, impulsos do ânimo (espírito) que, de confundidos
com outros, se nos não apresentam claros, é abusivo exigir do artista que os
delineie como nítidos, como qualquer coisa que eles não são.
A resposta a esta observação está na pergunta, se esses estados do ânimo são
legitimamente representáveis em arte? O artista subjectivo parte do princípio
que o fim da sua arte é exprimir as suas próprias emoções. Critério é esse que
o artista objectivo não aceita, e com razão absoluta o não aceita, porque a arte
objectiva é que é a arte, por isso que é uma coisa realizada, que passa para fora
do artista, e não fica nele, como a emoção que a produz.
De feito, perguntemos, porque é um pensamento confuso, porque é um
sentimento vago, por que razão não se apresenta nítido um impulso volitivo?
Para todos a razão é uma: é que o pensamento se não pôs em contacto com a
realidade, é que o sentimento se não comparou com a sua realização, é que a
vontade se não mediu com o exterior.
Uma obra de arte é um objecto exterior; obedece portanto às leis a que estão
subordinados os objectos exteriores, no que objectos exteriores.
O artista não exprime as suas emoções. O seu mister não é esse. Exprime,
das suas emoções, aquelas que são comuns aos outros homens. Falando para-
doxalmente, exprime apenas aquelas suas emoções que são dos outros. Com
as emoções que lhe são próprias, a humanidade não tem nada. Se um erro da
minha visão me faz ver azul a cor das folhas, que interesse há em comunicar isso
aos outros ? Para que eles vejam azul a cor das folhas? Não é possível, porque é
falso. Para que eles saibam que eu vejo azuis as folhas? Não é preciso porque
não tem importância nenhuma. O mais que o fenómeno é curioso, e o curioso
é senti-lo; senti-lo sinto-o eu, não os outros. O que há de realmente estético,
pois, nas sensações estranhas é que cada um as guarde para si, gozando-as em
silêncio, se para tal lhe dá o gozo.
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1916?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 18.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1909
António Mora
Na Grécia a ciência não estava desenvolvida ao ponto. . .
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1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 21.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1920
António Mora
Não repararam na natureza da arte.
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1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 23.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1931
António Mora
A arte é a interpretação individual dos sentimentos gerais.
1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 25.
Fernando Pessoa
The aim of art is not to please.
The aim of art is not to please. Pleasure is here a means; it is not in this case
an end. The aim of art is to elevate.
Before this principle then the famous question of art and morality is quite
easy of solution. We do not elevate a thing by making it tend towards evil.
But is not then philosophy an art? Is not the aim of philosophy to elevate
also? It is, for knowledge elevates — it cannot lower anyone. My definition of
the end of art is then too wide, too extensive. Considering better, then, the aim
of art is elevation of man by the means of beauty. The aim of science is the
elevation of man by means of truth. The aim of religion is the elevation of man
by means of good.
By this classification we can see how it is that religion means so much; how
it is so hard to make men relinquish it. It is that religion is the practical art.
But I am far from attempting a defence of religion. Indeed it is my hope that
we found a religion without God — a religion purely of man, one which has
benevolence and kindness as its basis instead of faith an of belief.
By religion — be it noticed — I do not mean theology. Theology is, if it
be anything, a science, forming a part of metaphysics. Theology, being this, is
theory; religion is practical. The creed of Auguste Comte is more religion than
theology — it is perhaps even more, for it has not the egoistic element of a care
for self-salvation.
How do we explain the taste of so many authors for subjects which are
coarse, unpleasant, repugnant? How are we to explain the (. . .) of Zola; how the
“Black Cat” of Edgar Allan Poe?
One reason for this taste is, I believe, to be found in the scientific and analytic
spirit of the author. Another consists in the originality of the subject. Is it in the
cultivation of a novelty of sensations?
Is such a taste pathologic or is it not?
Do these poets and the psychologist [. . .]
Do they, as Baudelaire in his “Le voyage”, descend “au fond de l’enfer pour
trouver du nouveau”?
In idealistic compositions the symbol must be vague. By vague, however,
I do not mean obscure. Its meaning should be grasped as vague in its limits
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and in its boundaries — in itself it must be clear. The idealistic symbol must
resemble those lofty woman [?] creations of Shelley; the outlines, the contours
of whose ineffable beauty are uncertain and undestined.
The satiric symbol, on the other hand, must be clear, quite clear. If it be
vague it ceases to be striking.
1907?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 26.
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Fernando Pessoa
AS ARTES [a]
AS ARTES
Há as artes cujo fim é entreter, que são a dança, o canto e a arte de represen-
tar.
Há as artes cujo fim é agradar, que são a escultura, a pintura e a arquitectura.
Há as artes cujo fim é influenciar, que são a música, a literatura e a filosofia.
Há uma arte cujo fim é entreter, não podendo derivar a sua força, ou o seu
valor, nem do tempo que entretém, porque esse tempo forçosamente tem de ser
limitado, nem da qualidade de almas que entretém, porque entreter não inclui
[?] um valor — só pode derivar a sua força do número de gente que consegue
entreter (e, também) da intensidade com que entretém.
Uma arte cujo fim é agradar deriva já a sua força, ou o intenso do seu
valor, não só do número de gente a quem agrada, mas deste número somado à
intensidade do agrado que causa. Em vez de valer extensamente como as artes
anteriores, vale intensamente.
Entreter não comporta intensidade, porque entreter está ligado a variar,
variar a não-durar, e o que não dura nunca pode ser muito intenso.
As artes cujo fim é influenciar, para influenciarem quantitativamente e
qualitativamente, têm que ter qualidades que façam com que se dirijam ao
melhor público de um grande número de épocas. Para isso é preciso que
tenham qualidades que se dirijam à média superior das almas de várias épocas,
no que todas as épocas têm de fundamentalmente comum. O que é isso? As
épocas superiores têm de comum, ou as épocas têm de comum nas suas pessoas
superiores: 1º a análise psicológica, 2º a especulação metafísica, 3º a emoção
abstracta. (1º literatura, 2º filosofia, 3º música).
1925?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 29.
Fernando Pessoa
Athena — O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte
média. . .
ATHENA
1924
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 30.
Fernando Pessoa
1) Artes de agrado
1) Artes de agrado
2) Artes de aperfeiçoamento
[. . .]
Artes de influenciar
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1925?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 31.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/4062
Álvaro de Campos
A INFLUÊNCIA DA ENGENHARIA NAS ARTES
RACIONAIS
Quanto piu un’ arte porta seco fatica di corpo, tanto piu è vile.
Leonardo da Vinci
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1924
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 33.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/4075
Fernando Pessoa
Argumento do jornalista
Argumento do jornalista
As artes todas são uma futilidade perante a literatura. As artes que se diri-
gem à visualidade, além de serem únicos seus produtos, e perecíveis, podendo
portanto, de um momento para o outro, deixar de existir, não existem senão
para criar ambiente agradável, para distrair ou entreter — exactamente como as
artes de representar, de cantar, de dançar, que todos reconhecem como sendo
inferiores em relação às outras. A própria música não existe senão enquanto
executada, participando portanto da futilidade das artes de representação. Tem
a vantagem de durar, em partituras; mas essa não é como a dos livros, ou
coisas escritas, cuja valia está em que são partituras acessíveis a todos que
sabem ler, existindo ali para a interpretação imediata de quem lê, e não para a
interpretação do executante, transmitida depois ao ouvinte.
As literaturas, porém, são escritas em línguas diferentes, e, como não há
possibilidades de haver uma língua universal, nem, se vier a havê-la, será o
grego antigo, onde tantas obras de arte se escreveram, ou o latim, ou o inglês
ou outra qualquer, e se for uma delas não será as outras, segue que a literatura,
sendo escrita para a posteridade, não a atinge senão, na maioria dos casos, em
referências indirectas, nomes sem sentido, numa vida de citação traduzida e
dicionário.
O jornalismo, sendo literatura, dirige-se todavia ao homem imediato e ao
dia que passa. Tem a força directa das artes inferiores mas humanas, como o
canto e a dança; tem a força de ambiente das artes visuais; tem a força mental
da literatura, por de facto ser literatura. Como, porém, o seu fim não é senão
ser literatura naquele dia, ou em poucos dias, ou, quando muito, numa breve
época ou curta geração, vive perfeitamente conforme com os seus fins.
Concedo, disse, que Ésquilo seja hoje, ainda que translatamente, uma in-
fluência. Nego que uma influência translata possa ser uma influência literária. É
para nós como um homem agradável que nos fala uma língua estranha. Como é
agradável, admitimos que esteja dizendo coisas simpáticas. Como, porém, o fim
de dizer é ser entendido, e o não entendemos, há erro em tudo que está nisto.
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s. d.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 36.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1663
Fernando Pessoa
A arte suprema tem por fim libertar. . .
A arte suprema tem por fim libertar — erguer a alma acima de tudo quanto
é estreito, acima dos instintos, das preocupações morais ou imorais.
A arte nada tem com a moral, quanto ao fim; tem, quanto ao conteúdo.
Toda a arte deve dar prazer — o tipo de prazer é que varia. A arte inferior
dá prazer porque distrai, liberdade porque liberta das preocupações da vida;
a arte superior menor dá prazer porque alegra, liberdade porque liberta da
imperfeição da vida; a arte superior dá prazer porque liberta, liberdade porque
liberta da própria vida.
Um assunto sexual deve ser tratado em arte de modo que não suscite desejo.
Para suscitar desejos, serve melhor uma fotografia pornográfica.
13-10-1914?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 53.
Fernando Pessoa
AS ARTES
AS ARTES
1916?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 54.
Fernando Pessoa
A questão da arte moral ou imoral. . .
A questão da arte moral ou imoral — se a arte deve ser “art for art’s sake”,
independentemente da moralidade — , apesar de muito simples de solução,
não tem deixado de ocupar desagradavelmente muito pensador, especialmente
dos que desejam provar que a arte deve ser moral.
Em primeiro lugar demos inteira razão — é evidente que a tem — aos
estetas; a arte tem, em si, por fim só a criação de beleza, aparte considerações de
ser moral ou não. Se isto é assim quem manda pois à arte ser moral? A resposta
é simples: a moral. Manda-o a moral porque a moral deve reger todos os actos
da nossa vida e a arte é uma forma da nossa vida. Têm errado aqueles que têm
querido achar uma razão, dentro da própria Natureza da arte, para a arte ser
moral. Não existe essa razão onde a procuraram. A arte, qua arte, tem por fim
apenas a beleza. A razão que a manda ser moral existe na moral, que é exterior
à estética; existe na natureza humana.
A arte tem duas feições: a feição puramente artística e a feição social. A feição
artística é criar a beleza — nada mais. Como a beleza é uma coisa independente
do consenso humano (apesar de julgada por ele), como a beleza em si, digamos,
é independente de opiniões, a arte na sua (. . .) social nenhum outro fim tem
que a criação da beleza, sem outra consideração moral ou intelectual.
Mas a arte tem outra feição. É a feição social. O artista é um homem e um
artista. Puramente artista a sua obra, já o dissemos, tem só por fim criar a
beleza, só uma responsabilidade — perante a Estética. Mas o artista vive em
sociedade, publica as suas obras de arte. Vive em sociedade como artista e vive
em sociedade como homem. Como artista o seu fim é um só: agradar. Como
homem o seu fim é um só: obter glória. Vemos pois que o artista mostra-se-nos
sob 3 feições: como puramente artista (não tendo outro fim que criar a beleza),
como ao mesmo tempo artista e homem (querendo ver essa beleza que criou
admirada), e finalmente como homem (desejando a glória, no que é comum
aos outros homens, geralmente a todos). O primeiro sentimento é puramente
impessoal; o segundo é entre pessoal e impessoal — o desejar ver admirada uma
obra de arte, conquanto sua, não é inteiramente egoísta; o terceiro é inteiramente
pessoal.
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1914?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 55.
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1716
Fernando Pessoa
This problem of immoral art is one that is ever cropping up,
This problem of immoral art is one that is ever cropping up, centering for the
moment round one work or another which puts the vague principles involved
in that problem into public focus. There are two aspects to the problem. The
first is the abstract philosophical one which consists in the discussion of the
relations between art and morals, the aesthetic problem of ethics, if we may so
call it, or, putting it the other way, the ethical problem in aesthetics. I am not
now concerned with this problem. My object is to discuss the practical problem
based upon these two elements — the problem of pornography, we may say.
Should government or any authorities control or supervise the exercise of
literary or artistic faculties, having regard to their possibly evil influence on the
reading, seeing or hearing public? If so, on what bases will that supervision
work?
We will take the problem as concerned with literature. The only classification
admissible in literature, which concerns this problem is into literature proper
and mere obscene writing. That obscene writing which is the script
equivalent of, say, obscene photographs, in which the only possible justi-
fication is obscenity, belongs palpably to a different species than the writing
which is literary and in which either obscene elements are superimposed on
the literary substructure, or inextricably interwoven with the artistic substance
thereof. So that, if authorities are to interfere in this problem, they have to
proceed, first, on a palpably aesthetic basis.
The question, as all questions, is of degrees. There are works which are
palpably only obscene and not literary at all, such as those pamphlets, we have
just named, which correspond in written manner to the obscene photographs
which we also cited in parallel. And there are, at the other end, products
like “Venus and Adonis”, like so many classical poems and prose-works; the
difficulty is greatest when we meet with high works of art which are, not only
immoral, but frankly apologetic for some species of immorality.
It cannot be claimed that the artistic elements involved absolve and extirpate
the immorality of the work. Of the two kinds of public that read, one, the lower,
does not see the artistic elements and enters into the significance of only the
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immoral elements contained in the work of art. The other portion of the reading
public, that portion which is sensitive to artistic influences, and able therefore to
effect a separation between the two kinds of elements which are, by hypothesis,
involved in the kind of artistic work we are discussing, is not very far from
the other public in reference to effects, for, if the work be really a high work of
art, and the immoral elements therefore not foreign to the substance of it, but
inextricably wound up with it, these immoral elements are brought all the more
into prominence, inasmuch as they gain intensity, beauty and fervour through
the artistic way they are put.
“Venus and Adonis” is very likely to excite sexual feelings in a feebly
educated person; but it is, if anything, still more likely to excite them in a
highly educated or highly-sensitive one. The very artistic superiority of the
work ensures that effect. The principle that “to the pure all things are pure” is
pure fireworks; there are no “pure”.
If we wish to prohibit the sale of immoral art, we cannot do so without
prohibiting art at the same time. The problem is especially difficult when we
have to consider non-extreme works, that is works which are not palpably
superior from the artistic standpoint, but which also are not pure obscenity,
mere obscenity and no more. When we are at the Shakespeare level, we all more
or less agree that it would be tantamount to violence to prohibit the circulation
of immoral literature. When we are at the literary level correspondent to the
obscene photograph, only the traders in it will not agree to its suppression.
But when we are round the popular novelist level, the problem becomes very
difficult. To a certain extent works on a literary par with Mr. Hall Caine’s or
Miss Marie Corelli’s are literature; though they are unremaining literature —
though several people, indeed, might claim for them a superior level. If such
works convey obscenity or immorality, what is to be done to them?
The central fact is that the problem is elsewhere and its solution rendered
impossible until we decide to see that some classification of publics must be
entered into, before any light at all breaks into the discussion.
For the essential difference between the uneducated and the educated rea-
ding of, say, “Venus and Adonis” is that, though both educated and uneducated
are very possibly sensually excited to the same degree while reading the work,
the after-influence differs, special cases and morbid ones being, of course, not
considered. A little after finishing “Venus and Adonis”, the uneducated reader
who has not been bored but kept interested by the sexual part of it, remains
under the influence of that part of it which interested him, and that is the sexual
2/3
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one. Whereas the educated reader, once past the momentary excitement of the
work, remains rather under the influence of the artistic elements.
The second distinction to be effected is between adult and non-adult public.
An adult is held to be one who is able to shift for himself, which a child is
not. So that, in this field, the problem becomes simple: the reading of immoral
works, of whatever kind they be, should be forbidden to children, but permitted
to adults.
Among adults, the distinction follows: there are the educated and the une-
ducated ones, and the latter are, to a certain extent, in the position of children.
So that, if prohibition is to some extent to be decided on, it should be extensive
only to the uneducated part of the public. The question of how that is to be
effected is quite secondary and solvable, if only approximately, in several ways.
1914?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 57.
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Fernando Pessoa
[Carta a Adolfo Rocha — Jun. 1930]
1/2
arte como coisa, não só pensada, mas feita, resultam dois tipos de artista: a) o
inspirado ou espontâneo, em quem o reflexo crítico é fraco ou nulo, o que não
quer dizer nada quanto ao valor da obra; b) o reflexivo e crítico, que elabora,
por necessidade orgânica, o já elaborado.
Dir-lhe-ei, e estou certo que concordará comigo, que nada há mais raro neste
mundo que um artista espontâneo — isto é, um homem que intelectualiza a
sua sensibilidade só o bastante para ela ser aceitável pela sensibilidade alheia;
que não critica o que faz, que não submete o que faz a um conceito exterior de
escola ou de moda, ou de “maneira”, não de ser, mas de “dever ser”.
Na sua aplicação ao seu livro, estas considerações tomam para mim a forma
seguinte: 1) a sua sensibilidade é boa, e, por natureza, de tipo intelectual; 2)
pode, portanto, ser um poeta espontâneo, sem ter que sobreintelectualizar
demais ou recorrer a uma atitude reflexiva ou crítica; 3) para isso, porém,
convinha-lhe (a meu ver, bem entendido — mas era a minha opinião, que não
a de outrem, que lhe dava), ou a) focar num ponto nítido e universalmente
transmissível a intelectualização da sensação, ou b) distribuir mais igualmente
a intelectualização pela extensão da sensação.
Isto não é, talvez, muito claro; não sei, porém, como o diga melhor. Servir-
-me-ei de exemplos. Um homem que era, e suponho (embora nada publique,
nem talvez escreva) ainda é, o mais curioso espírito crítico português, Manuel
António de Almeida, escreveu, em 1912, no “Inquérito Literário” de Boavida
Portugal, esta definição da arte moderna: “Uma representação central nítida, em
torno da qual bóia todo um nimbo de coisas evocadas.” Isto representa muito
bem o que quero indicar como o primeiro processo que lhe sugeri. O segundo
seria, servindo-me de uma expressão de igual tipo, “uma representação central
vaga, em torno da qual brilham, nítidas, e para lhe destacar o vago, todas as
representações secundárias.”
É este, meu Camarada, o desenvolvimento mais claro que, de momento, e
para não tardar em responder-lhe, posso fazer do que na minha primeira carta
lhe disse translatamente .
Peço-lhe que creia no verdadeiro apreço de . . . . . .
6-1930
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 69.
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Fernando Pessoa
Estética — A composição de um poema lírico deve ser feita não
no momento. . .
Estética
1928?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 72.
Fernando Pessoa
A poem is an intellectualized impression, or an idea made
emotion,
1923?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 74.
Fernando Pessoa
ESTÉTICA — Poesia lírica primeiro música + poesia, poesia
cantada.
ESTÉTICA
Poesia lírica primeiro música + poesia, poesia cantada. Depois a poesia to-
mou para si o ritmo. A música passou a expressar sentimentos por si, e a poesia
lírica a ter música em si (Cf. as poesias de Shelley e a sua má musicabilidade).
A sátira, o epigrama são duros, mas é porque a música do satirizar é a aspereza
e a [. . .]
Toda a poesia lírica tem, ou deve ter, uma música própria (como Tennyson
tem). — A arte que poetas líricos, às vezes instintivos de todo, têm, é uma
composição musical.
Uma poesia (lírica ou outra) exige intérprete, como uma partitura (trecho mu-
sical); só que na poesia a interpretação é mais restritamente inindividualizável
por causa do elemento fixador.
1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 74.
Fernando Pessoa
Essentials of poetry are three: Feeling, Colour and Form.
1906?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 81.
Fernando Pessoa
Se quisermos estudar — em contraposição, sobretudo, ao ideal
antigo. . .
1/6
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3/6
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como um rei constitucional, que reina mas não governa. A acção humana é
irracionalizável, contraditória, absurda. Quanto tenha coerência, é a coerência
do temperamento, não do raciocínio. A razão alumia um caminho que não
determina. A vontade está sempre sob sugestão post-hipnótica. A mais lúcida e
simples das nossas escolhas é inúmera e obscura nas suas origens.
A este conceito fundamental da ciência psicológica, uma parte especial dessa
ciência, a psiquiatria, acrescenta dois conceitos. O primeiro — deduzível, aliás,
da biologia, mas que os psiquiatras constataram independentemente — é o da
importância suprema do fenómeno sexual na vida do espírito. A psiquiatria
nota, com efeito, que a desagregação psíquica é quase sempre acompanhada
pelo desvio sexual. Quase sempre? A mais recente das teorias psiquiátricas diz
que sempre. Freud e os seus discípulos, através da “psico-análise”, afirmam
a origem sexual de todas as psicoses. Justa ou não esta doutrina extrema, o
certo é que a sexualidade domina os factos psíquicos tanto, se não mais, que
os físicos; e que a sua importância notavelmente se vê quando se analisam as
manifestações mentais de um louco ou de um degenerado.
O segundo conceito, que a cultura psicológica geral deve à psiquiatria, é
o de que a superioridade psíquica notável é acompanhada por um desvio
psíquico, que todo o superior é um doente, ou, em termos mais flagrantes, que
o supernormal é, por ser isso mesmo, anormal. Este conceito teve interpretações
extremas e absurdas, como em Lombroso; mas ninguém, hoje, duvida de que
seja, na sua substância, uma verdade; de que a variação extrema não envolva
desadaptação.
Finalmente, a filosofia da ciência, e não já a ciência propriamente, trouxe
para a cultura geral um conceito importante, que é o último dos que serão aqui
citados. E o conceito determinista, que, na aplicação psicológica, se resume na
tese de que todo o acto humano é o produto determinado do temperamento
e do impulso, ou estimulo, externo. Assim, e à luz deste critério, todo o acto
humano é o cruzamento inevitável de duas linhas inevitáveis — o carácter
determinado do indivíduo, e o curso determinado dos fenómenos externos.
Este conceito pode ser verdadeiro, pode ser falso; mas a verdade é que ele é uma
conclusão tão inevitável da soma das aquisições científicas, é uma necessidade
tão iniludível da nossa mentalidade culta, que ninguém o contestaria se o
dogma religioso, ou preconceito pragmático do livre-arbítrio, se não sentisse
por ele desapassado. O que se não pode negar é que o conceito determinista
influi subtilmente em espíritos que repudiariam a fé expressa nele; que é um
dogma essencial da mentalidade de hoje; que por ele regressou ao espírito
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s. d.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 87.
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Fernando Pessoa
I. O drama, como todo objectivo, compõe-se organicamente
I.
O drama, como todo objectivo, compõe-se organicamente de três partes
— das pessoas ou caracteres; da entreacção dessas pessoas; e da acção ou
fábula, por meio e através da qual essa entreacção se realiza, essas pessoas
se manifestam. Produto subjectivo assim composto, o drama provém de três
qualidades — do instinto psicológico, que cria e enforma os caracteres, e depois
os vai descobrindo uns por meio dos outros; do instinto dramático, que inventa
ou renova a fábula, e dispõe o seu seguimento; do instinto artístico, que ordena
a operação dos outros dois na construção harmónica do todo, como na execução
formal de cada parte.
Ao dramaturgo, para que de natureza o seja, são necessários estes três
instintos; e, se o nome há-de valer como elogio, um ou outro tem que haver
nele em grau notável. Conviria, por certo, que nele existissem todos, não só em
grau notável, senão também no mesmo grau; para que a obra fosse, ao mesmo
tempo, inspirada e harmónica. Mas a imperfeição da natureza humana não
permitiu ainda que um engenho tal nascesse; seria porventura um monstro
de perfeição, o monstrum vito carens, do poeta. Houve, sim, um Shakespeare,
psicólogo sem igual, porém artista irregular e dramatista imperfeito; houve
um Molière, grande dramatista, porém artista e psicólogo insuficiente; e outros
houve que não esqueço, e omito. Só dos gregos, pelo instinto de harmonia que
os distinguiu como povo, houve quem, num nível que na psicologia não é o de
Shakespeare, nem na arte da acção podia ser o de Molière, juntasse aquelas três
qualidades — predominando, contudo, a artística — em quase igual plenitude.
II.
Àquelas três qualidades chamámos instintos, como, com diferente propri-
edade, poderíamos ter chamado intuições. Entendemos, em primeiro lugar,
empregar um termo por onde logo se visse que são, não faculdades distintas
da inteligência, movidas de fora pela vontade, e por isso, como não sofrem
alteração, impotentes de exceder os limites próprios da inteligência, que por
natureza compreende mas não cria; porém, aplicações diferentes da mesma
1/11
III.
Quando, guiados por estes princípios (e por que outros, que não estes, nos
guiaríamos?), nos propomos determinar, como críticos, qual o valor de um
dramaturgo ou de uma obra dramática, temos que empreender uma dupla
investigação. Investigaremos, primeiro, se deveras se trata de um dramaturgo,
se apenas de um escritor dramático; ou, por outras palavras, se o dramaturgo o
é de instinto, ou de inteligência; se a obra, produto de um impulso natural da
índole, pode, pois que o é, significar um valor do seu género, ou se, simples
composição da inteligência, de modo nenhum pode ser mais, no género a que
pertence, que uma habilidade da literatura, bem desempenhada embora no que
nela seja estranho a esse género.
Feita que seja esta primeira determinação, e quando dela resulte que a
obra, com efeito, provém do instinto, e não procede da inteligência, teremos
que determinar a força do instinto, que se moveu para produzi-la, com o que
teremos determinado o valor do autor, como dono desse instinto.
Mas a esta investigação especial e concreta cumpre que preceda a genérica
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e abstracta, dupla como aquela: qual o sinal necessário, pelo qual se distinga
objectivamente um produto do instinto de uma composição da inteligência ?
Qual o sinal gradativo, por onde se meça, num produto do instinto, a quantidade
ou força do instinto que o produziu ?
Esta investigação vamos fazer, e, em um e outro caso, quando feita na
generalidade, daremos a sua aplicação especial ao caso da arte dramática.
Senhores, por fim, dos princípios que dela resultem, poderemos obviar um
pouco a que o defeito virtual da crítica — que é o ser naturalmente subjectiva
— nos desvie de um critério, quanto possível, objectivo e científico.
IV.
Antes, porém, que penetremos no ádito mesmo do assunto, não será por-
ventura supérfluo que ministremos alguns esclarecimentos, para que, no curso
da leitura do que vai seguir-se, não lembrem dúvidas e objecções que afinal
procedam, já do mau entendimento dos termos que se empregam, já do conhe-
cimento imperfeito dos limites em que esta dissertação forçosamente tem que
recolher-se.
O termo “drama”, como até aqui o empregámos, serviu de designar o
género, e não qualquer das suas espécies. Como o que seja dito do género
forçosamente se poderá aplicar à espécie, o que do drama dissemos poderá
entender-se da espécie trágica como da cómica, da em prosa como da em verso,
da directa ou representativa, que trata das acções humanas e da vida real, como
da transferida ou simbólica, em que nem as pessoas são propriamente humanas
nem a acção humanamente possível. Não é assim o que do drama diremos.
Como não nos propomos escrever aqui um tratado do drama, indicando todas
as suas espécies e a cada uma atribuindo os seus distintivos próprios, senão
apenas fazer um estudo, cuja aplicação final tem que convir a um drama
representativo, especialmente nos ocuparemos dos característicos dessa espécie
do drama. Quando, portanto, doravante escrevermos “drama”, muitas vezes
poder-se-á entender o género, todas aquela espécie.
Também os termos “instinto” e “inteligência”, de cuja distinção já demos fé,
serão diferenciados com maior exactidão nos capítulos que vão ler-se; não há
mister, portanto, nem teria cabimento, que por enquanto esclarecêssemos melhor
em que se distinguem. Como, porém, ao fazer a distinção exacta entre essas
duas qualidades, teremos em vista uma aplicação especial, não nos ocupará
estabelecer entre instinto e inteligência a distinção completa, própria só de um
estudo exclusivamente destinado a esse fim. Lembrados, sim, que estudaremos
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3937
V.
Distinguem-se a inteligência e o instinto quanto aos objectos, a que se
aplicam; aos meios, de que para essa aplicação se servem; e aos fins, a que
propriamente se destinam. A distinção primária reside, porém, na da natureza
dos seus fins.
A inteligência, como tem por fundamento a consciência, tem por fim o
conhecimento ou compreensão, que é o com que a consciência se define; o
instinto, como tem por fundamento a vida, tem por fim a acção, que é o em
que a vida se manifesta. A inteligência tem, por isso, por próprio o ser passiva
e receptiva, como o é a consciência; como tem por fim a acção, o instinto tem
por próprio o ser activo e criador. A inteligência, ainda quando, como quando
elabora ou dispõe, em certo modo crie, não manifesta nos seus produtos outros
característicos que não sejam os que a distinguem como qualidade essencial-
mente passiva. O instinto, mesmo quando, como no conhecimento intuitivo, em
certo modo compreenda, não revela na sua compreensão outros característicos,
que não sejam os que o distinguem como qualidade essencialmente activa.
Feita esta distinção quanto aos fins, por meio dela desde logo se realiza a
distinção quanto aos objectos, implícito como está o conhecimento do objecto, a
que uma qualidade necessariamente se aplica, no conhecimento do fim, a que
ela necessariamente se destina.
Como tem por fim compreender, a inteligência tem por objecto o universal
ou geral; como tem por fim operar, o instinto tem por objecto o particular. Não
pode haver compreensão — e por isso se diz que não há ciência — do particular,
pois que o único acto de consciência, que pode haver do particular absoluto, é
a sensação absolutamente simples. Tão-pouco pode haver acção sobre o geral,
pois que, sendo o geral abstracto, a acção sobre o geral seria a simples intenção
de operar, a acção virtual apenas.
Como, pois, tem por objecto o universal, a inteligência tem por qualidade
a extensão; como tem por objecto o particular, o instinto tem por qualidade a
intensão. E a inteligência, como quanto mais forte mais extensa, quanto mais
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3937
forte for, mais lenta terá que ser. O instinto, por contra, como quanto mais forte
mais intenso, quanto mais forte for, mais rápido será. Só dos dois primeiros
pormenores desta distinção há, porém, mister que nos ocupemos, sendo que na
obra de arte le temps ne fait rien à l’affaire.
Aplicando este critério para, na relação com um objecto a compreender
ou um produto de compreender, distinguir as operações da inteligência e do
instinto, temos que a inteligência, como por natureza é extensa e ascende ao
universal, quanto maior for, com maior número de objectos relacionará aquele
em que se emprega; sendo que o instinto, quanto maior for, e por isso mais
intenso e concentrado, com menor número de objectos relacionará o em que se
aplica, e mais completamente o considerará sozinho. O instinto, pois, quanto
mais forte for, mais pronta e exclusivamente se inteirará da essência do objecto,
pois que o considera em ele próprio; a inteligência, quanto mais forte for, mais
seguramente resolverá o objecto num sem número de ligações e de referências,
aproximando-se, sim, das suas causas e efeitos, porém, afastando-se da sua
essência. E por isto que se dá o caso, tantas vezes visto quantas estranhado, de
um intuitivo entrar com tamanha segurança na compreensão de um assunto, de
que um inteligente, por mais que o considere, e por mais que lhe vá acertando
com os acidentes, não alcança a essência verdadeira.
Distingue-se, pois, o produto, que o é primariamente do instinto, daquele,
que o é da inteligência, em que, no primeiro, o essencial está com certeza
obtido, o acessório ou acidental possivelmente por obter; quando, no segundo,
o acessório está mais ou menos expresso, o essencial necessariamente por
exprimir.
Podemos, já agora, aplicando este princípio à arte dramática, estabelecer
em que se distingue o drama, produto do instinto, do drama, composição da
inteligência.
Três são, como no começo vimos, as partes objectivas do drama, e às objecti-
vas temos que atender, considerando um produto feito; são elas as pessoas, a
entreacção das pessoas, e a fábula.
O essencial, quanto às pessoas, é que sejam naturais e humanas, e, como
elas se manifestam pelo diálogo, a virtude prima do dramaturgo, neste ponto, é
que escreva um diálogo natural; quanto à entreacção das pessoas, que provenha
de seus caracteres, e não da fábula, que deve ser como a condição, e não a
causa, da entreacção; quanto à fábula, que pareça proceder da entreacção dos
caracteres e não da invenção do autor, acontecer porque eles existem e não para
que eles existam — que pareça, na verdade, ser, não fábula, senão vida.
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Parece, sem dúvida, que estes requisitos objectivos dos instintos dramáticos,
como são fáceis de expor, serão também fáceis de alcançar; julgareis que uma
inteligência prudentemente aplicada conseguirá, sem grande esforço, a sua
execução. Como em tudo quanto é do instinto, assim parece e assim não é. Con-
siderai, com crítica segura, qualquer drama vulgarmente célebre; vereis quão
poucas vezes o diálogo, a entreacção, a acção, são como na vida, quão poucas a
produção dramática apresenta aqueles sinais necessários do produto do instinto.
Escritores inteligentes há muitos, porque há muitos homens inteligentes, e que
o são ainda mais por cultivados; o dramaturgo de instinto, porém, tem que
nascê-lo, e a natureza é menos pródiga de valores, que os homens da imitação
deles.
Ver-se-á isto melhor reparando, depois de nos essenciais do drama, nos seus
acessórios. São acessórios principais do drama: quanto às pessoas, que o seu
diálogo seja em linguagem inteligível e, quanto caiba, boa; quanto à entreacção
das pessoas, que não seja absurda quanto aos seus motivos; quanto à fábula, que
seja plausível e, quanto possa ser nova. Isto, sim, podereis encontrar, não só, com
outras qualidades, nos dramaturgos de instinto que sejam também cultivados,
como também, sem essas outras, nos bons escritores que a inteligência, não o
Destino, fez dramaturgos.
VI.
Provado que um dramaturgo o é de instinto, não está com isso provado
que ele tenha valor como dramaturgo, porém apenas que pode tê-lo. O ser de
instinto é a condição do valor, não o valor mesmo. Determinados já, portanto,
os sinais necessários, pelos quais se conheça, de pronto, o produto do instinto,
caberá agora descobrir qual possa ser o critério seguro, pelo qual, nesse produto,
se distinga o maior do menor, se determine, de um instinto e por isso de seu
dono, quanto vale e porque o vale.
Servir-nos-á de guia nesse descobrimento a distinção, que falta fazer, quanto
à inteligência e ao instinto; é ela a distinção que entre eles há quanto aos meios
de que se servem.
A inteligência, como tem por objecto o universal ou geral, tem necessaria-
mente por meio o particular; como alcançaria ela o universal, senão partindo do
particular, que tira da sensação, em que ela se apoia, e que só do particular tem
conhecimento? O instinto, como tem por objecto o particular, tem forçosamente
por meio o geral; pois como procuraria ele o particular, se não se guiasse pelo
geral, que tira da inteligência, por quem se manifesta, e que só no geral tem
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aplicação?
Como, pois, tem por meio o particular e por natureza a extensão, a inteligên-
cia alimenta-se com quanto de particular a amplie e a desenvolva, lhe dê maior
facilidade em generalizar — ideias particulares, factos concretos, sensações defi-
nidas, com que a memória se enche e o raciocínio se instrui. Como, por contra,
tem por meio o geral e por qualidade a intensão, o instinto alimenta-se com
quanto de geral o concentre e o defina, lhe dê maior exactidão em operar — não
factos, mas resultados; não sensações, porém estímulos; não ideias particulares,
senão gerais.
Como a inteligência tem por objecto o universal ou geral e a extensão por
qualidade, o seu valor ou força residirá na amplidão com que generalize; como,
porém, tem a propriedade de ser passiva e de receber todos os factos ou ideias
particulares que a sensação lhe entregue, e como nem todos eles convirão às
generalizações que haja de fazer, segue que não há entre o em que consiste a
sua força e o em que consiste a sua experiência uma correlação perfeita, pois
que, não as ideias particulares que recebe, porém o uso que delas faz, é que
denota essa força.
Do instinto, como tem por objecto o particular e por qualidade a intensão,
o valor consiste na completidão com que se aposse, no objecto particular para
que tende, na essência dele, que é o que o denota como particular. Como o que
denota uma coisa como particular é a ideia geral que define a espécie a que esse
particular pertence, e como a essência de um objecto, limitada por natureza,
necessariamente se define por um número limitado de ideias gerais, o instinto
tanto mais completamente se apossará do objecto, quanto mais completamente
tenha a posse das ideias gerais possíveis, que especialmente convenham ao fim
de definir a essência desse objecto. E como o instinto é por natureza activo, e
por isso não só procura, em vez de receber, a experiência, senão procura só a
que lhe convém, rejeitando por inútil toda a outra, o número de ideias gerais,
de entre as possíveis, convenientes ao seu fim, que haja aprendido, dependerá
da sua força, pois que da força com que houver tendido para esse fim, e houver
procurado, portanto, os meios para consegui-lo.
Vemos, pois, que a completidão, com que se aposse da essência do objecto
particular a que se aplique, e o número de ideias gerais, das possivelmente
convenientes ao seu fim, que manifeste, servem indiferentemente de denotar o
valor ou força de um instinto. Por isso, sendo que na inteligência é o uso do
conteúdo, e não o conteúdo, que denota a força; no instinto o conteúdo e o
uso dele são exactamente correlativos, ou coextensos, qualquer deles podendo
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VII.
Das duas partes, de que se compõe esta distinção, a que diz respeito à
inteligência terá sido bem compreendida; a que diz respeito ao instinto pode ser
que, por mais abstrusa, o tenha sido menos; e como, para o fim a que olhamos,
nos importa sobretudo compreender bem o que aqui se esclareceu do instinto,
julgamos próprio o passo para, por meio de um exemplo simples, e seguindo
todo o caminho do que houvemos ocasião de afirmar do instinto, tornar clara,
de todo, a explicação.
Sirva-nos de exemplo o instinto de comer. O instinto de comer tem por fim
operar — a operação, ou acção, de
comer. Tem por qualidade a intensão, porque o mais seguro instinto de
comer será aquele que mais seguramente escolha para comer só aquilo que
serve para ser comido; não a extensão, pois que dum maníaco que, além do
que todos comem, comesse terra, não diríamos que tinha um mais perfeito
instinto de comer que um homem vulgar. Tem por objecto o particular, porque
o que se come há-de ser uma coisa particular, ou concreta; ficaria, por certo,
mal alimentado quem jantasse pão virtual e a ideia de carne. Tem por meio o
geral, porque escolhe, entre todas as coisas, aquelas em quem reside de comum
a propriedade de servirem para ser comidas, isto é, aquelas a quem é comum
a ideia geral de edibilidade; e a esta ideia geral esse instinto acrescenta, as
mais das vezes, algumas outras, como a de palatabilidade, a de utilidade, etc.
Mas essas ideias gerais não poderão ser em grande número, porque a essência
do objecto, que serve para se comer, é, como tal, limitada. Por último, o mais
perfeito instinto de comer mede-se pela aplicação, por quem o possui, do maior
número de ideias gerais possíveis, que convenham ao fim de comer, isto é, a
definir a essência de um objecto em relação a ele servir para ser comido. Quem,
em comer, se guie só pela edibilidade, terá um instinto de comer inferior a
quem se guie também pela palatabilidade; e assim por diante.
Não será porventura supérfluo acrescentar que, ao guiar-se por estas ideias
gerais, o instinto — como difere da inteligência, e por isso não é, em substância,
consciente — faz delas um uso inconsciente; nem sabe que são ideias, nem
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gerais, nem que as aprendeu, nem que houvera de aprendê-las. Como, porém,
as ideias gerais são objecto da inteligência — e por isso dissemos que o instinto
as tira da inteligência, embora não entendêssemos que o fizesse conscientemente
— , e como portanto não só o instinto, e inconscientemente, senão também a
inteligência, e conscientemente, pode aprendê-las e aplicá-las, caberá ainda
explicar como se podem distinguir, num mesmo produto em que colaborem
instinto e inteligência, quais, das ideias gerais que apareçam aplicadas, as que
provêm daquele, as que procedem desta.
Sabedores já do em que o produto do instinto se distingue daquele que
a inteligência realiza, não sofrerá dúvida que, das ideias gerais, convenientes
a certo fim, que apareçam no produto, serão do instinto as que estiverem
integradas no que no produto é essencial, serão só da inteligência as que
simplesmente se encontrem ligadas aos acessórios dele, ou constituindo-os.
Isto dito, poderemos entrar na aplicação especial do que genericamente se
estabeleceu.
VIII.
Temos, pois, que se mede objectivamente o valor ou força de um instinto
pelo número das ideias gerais possíveis, convenientes ao seu fim, que empregou.
São três os instintos do dramaturgo — o psicológico, o dramático, o artístico.
Quais são as ideias gerais possíveis, convenientes ao fim de cada um?
Como eles são, não só instintos, senão instintos intelectuais, essas ideias
são necessariamente de duas ordens para cada um: as que a cada um convêm
como intelectual, e as que a cada um convêm como psicológico, ou dramático,
ou artístico. Ambas essas ordens de ideias definem a essência do objecto de
cada instinto destes; mas as primeiras, como são relativas ao género, definem
a essência primária, a essência secundária as segundas, porque são relativas à
espécie.
Consideremos a primeira ordem de ideias — as que convêm a um instinto
intelectual simplesmente como intelectual. Como ele é um instinto, tem por
objecto o particular; porém, como é intelectual, tem por objecto esse particular
no seu aspecto universal. Como, porém, o aspecto universal de um objecto
particular é simplesmente o ser universalizável, e o ser universalizável deriva
da ideia geral de universalidade, temos que, afinal, esta ordem de ideias é uma
ideia só para qualquer instinto intelectual — a ideia geral de universalidade.
Se aplicarmos este princípio aos três instintos do dramaturgo, veremos
que a ideia geral de universalidade, quanto ao instinto psicológico, é que
9/11
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possa dar cada pessoa que crie, não só como particular, senão também como
universalizável, isto é, como, sem que deixe de ser particular, representativa da
humanidade; quanto ao instinto dramático, que possa dar cada acção, não só
como particular, senão também como representativa da acção humana; quanto
ao instinto artístico, que possa dar ao conjunto da obra, como ao de cada parte
de por si, não só a sua significação particular, senão também a sua significação
geral.
Servir-nos-á, para esclarecer estas afirmações, o exemplo do emprego por
Shakespeare do instinto psicológico. Confessam os psiquiatras, que na matéria
são os competentes, que a pessoa do rei Lear representa um desenho perfeito
de um caso de demência senil; nós, simplesmente homens, não há mister que
sejamos dementes senis para sentir, no seu conjunto como a cada passo, a
verdade humana daquela pessoa. Sendo, pois, tão rigorosamente dada como
particular, que pode ser assunto de um diagnóstico, mas, ao mesmo tempo, tão
rigorosamente dada como geral, que qualquer de nós escusa de saber isso para
a sentir, a pessoa de Lear denota o emprego da ideia geral de universalidade
pelo instinto psicológico de Shakespeare. No mesmo autor se encontra, no
dizer das mesmas autoridades, um bom número de casos análogos, como o da
histero-neurastenia de Hamlet e o da histero-epilepsia de Lady Macbeth.
Nesta altura, porém, reparamos que os característicos objectivos do emprego
da ideia de universalidade pelos instintos do dramaturgo coincidem com aque-
les característicos que dissemos indicarem a essência do drama, e que serviam
de denotar se o autor era dramaturgo de instinto, ou se o era de inteligência.
Sendo assim, a ideia geral de universalidade serve apenas de denotar a essência
do instinto intelectual como intelectual, não de medir o seu valor ou força. Não
que em absoluto para tal não sirva, ou que não haja, entre os dramaturgos de
instinto, graus ou quantidades diferentes na aplicação da ideia de universali-
dade. Essa ideia, porém, não ministra sinal objectivo nenhum pelo qual se meça
o valor do instinto. Por isso, abandonando-a para esse fim, nos voltamos para a
segunda ordem de ideias, que, relativas à espécie e não ao género do objecto de
cada instinto dramático, definem a sua essência secundária.
IX.
As ideias gerais possíveis que convenham aos fins dos instintos do drama-
turgo, não já como intelectuais, porém como psicológico, dramático e artístico,
são necessariamente aquelas ideias gerais que orientam a psicologia, a crítica
dramática, e a estética, pois são estas disciplinas que definem os objectos daque-
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3937
1916?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 96.
11/11
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1500
Fernando Pessoa
The basis of acting is misrepresentation.
9-3-1914
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 114.
Fernando Pessoa
ESTÉTICA — As três qualidades fundamentais do artista são:
1) A originalidade,
2) a construtividade, e
3) o poder de suspensão.
1/2
1916
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 121.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1559
Fernando Pessoa
Goethe — O homem de génio é um intuitivo que se serve da
inteligência. . .
Goethe
1932
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 123.
Fernando Pessoa
ESTÉTICA — Um grande artista (literário) nota-se
aplicando-lhe. . .
ESTÉTICA
1/3
2/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1571
manifestações.
Estas faculdades formam camadas.
Por ex., a imaginação artística não é a do período da imaginação, mas sim
essa (já radicada) + o pensamento abstracção.
1) A 1ª arte (já das aves) é a música. 2) A memória não é um fenómeno
inteligente; é um fenómeno da consciência.
1925?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 124.
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1582
Fernando Pessoa
Poetas: de construção; de intensidade; de profundeza.
1914?
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1602
Fernando Pessoa
A inteligência elabora elementos vindos do exterior,
1/3
1924?
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1602
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3740
Fernando Pessoa
Em arte tudo é lícito, desde que seja superior.
Em arte tudo é lícito, desde que seja superior. Não é permitido ao homem
vulgar ser antipatriota, porque não tem mentalidade acima da espécie, e a não
pode ter pois acima da espécie imediata, que é a nação a que pertence. Ao génio
é permitido. Sucede, por ironia, que os grandes génios são em geral conformes
com os sentimentos normais: Shakespeare era intensamente, até excessivamente,
patriota.
Um génio antipatriota é um fenómeno, não direi vulgar, mas aceitável. Um
operário antipatriota é simplesmente uma besta.
O homem da espécie não pode ter opiniões, porque a opinião é do indivíduo,
e desde que um homem pertença organicamente a uma família, a uma classe,
a qualquer coisa que constitua ambiente imediato e vivo, deixa de ser um
indivíduo para ser uma célula qualquer. Só a nação, por ser um ambiente
abstracto, visto que tem parte no passado e parte no futuro, não estorva a alma
individual.
O problema da protecção aos artistas, ou qualquer problema parecido, não
existe em relação ao homem de génio, cuja vida mental é uma coisa à parte e que
passa, em geral, incompreendido na sua época, ou, pelo menos, incompreendido
naquilo mesmo que é nele génio.
Devem proteger-se e defender-se os artistas, os escritores que têm que viver
da sua pena, e esses nunca são os homens de génio. O homem de génio é
produzido por um conjunto complexo de circunstâncias, começando pelas
hereditárias, passando pelas do ambiente, e acabando em episódios mínimos
da sorte.
1924
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 132.
António Mora
Para o índio a obra de arte não é ainda uma coisa,
Para o índio a obra de arte não é ainda uma coisa, uma coisa que ele veja
existir independentemente da emoção que a produziu. O grego tem já isso.
Nasceu nele o senso artístico, ou crítico propriamente, de ver a obra de arte
como coisa, no espaço, fora da relação com a emoção que, a produziu.
O grego reparou nisto — que uma obra de arte é uma realidade exterior,
uma realidade exterior, porém, que pertence a determinada categoria — à das
coisas exteriores produzidas, fabricadas, pelo Homem. Daqui fatalmente um
conceito do artista como sendo um operário.
1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 132.
Fernando Pessoa
Que essa arte não é feita para o povo?
Que essa arte não é feita para o povo? Naturalmente que o não é — nem ela
nem nenhuma arte verdadeira. Toda a arte que fica é feita para as aristocracias,
para os escóis, que é o que fica na história das sociedades, porque o povo passa,
e o seu mister é passar.
A nossa arte é supremamente aristocrática, ainda, porque uma arte aris-
tocrática se torna necessária neste outono da civilização europeia, em que a
democracia avança a tal ponto que, para de qualquer maneira reagir, nos in-
cumbe, a nós artistas, pormos entre a elite e o povo aquela barreira que ele, o
povo; nunca poderá transpor — a barreira do requinte emotivo e da ideação
transcendental, da sensação apurada até à subtileza [. . .]
1916?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 161.
Fernando Pessoa
Lembrou-se, há um tempo para cá, certa gente, degenerada por
natureza. . .
1/2
1915?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 162.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1437
Fernando Pessoa
My dear Marinetti:
My dear Marinetti:
I have not written you earlier because politics, which I have now almost
altogether set aside, and also lust have left me almost no time to fulfil other
duties and enjoy other pleasures. But, at any rate, here I am. I was already
acquainted with some of the manifestos which you have sent me, and for which
I thank you very much. Besides this, I had also read Boccioni’s fine book on
futurist painting and sculpture. I am therefore not altogether ignorant in the
matter of futurism; I am even to a certain extent on your side.
I think, however, that futurism ought to develop very much and to abandon
its extreme exclusivism. It seems to me that your idea of history is too little
futurist, and that you figure to yourselves a far too regular historic develop-
ment. In evolution we do not find a regularly ascending line; on the contrary,
development takes place in a violent and cataclysmic manner, in which gains
are achieved only through fundamental losses. And all this occurs in a very
labyrinthic manner which produces vertigo: here you have real futurism in
history. Social values are scattered almost haphazard over times and places, and
what there is of progress appears only through the loss of something which
must be produced anew that the Infinite may at last be established. In the
Infinite, which is the supreme futurist aspiration, all values should be realised
without the possibility of the loss of any of them. If there be losses in evolution,
even through manifest gains, let those losses be but momentary. In no other
way can the Infinite emerge, since nothing must be lacking to it.
Pre-war modern civilisation, which conceived futurism, possesses new ele-
ments which were hitherto unknown. But, on the other hand, it no longer
possesses elements, social values, which are as important as its own ones. So-
mething has been gained, but through several losses. Modern civilisation has
acquired new aspects of Existence, but it has lost other aspects. It is therefore
necessary that the Future should be the supreme synthesis of all that has been
lost and of all that exists still, so that it may engender the Infinite, to which
nothing is ever lacking, from which no single aspect of Existence is absent. It
1/4
is this definitive state of Life which must be prepared that we may infinitize
ourselves for ever.
The Infinite, since it is continuous, is a multiplicity-one, and therefore the
civilisation which can be identified with it must not be divided into several
peoples, for it must be but one people, the perfect synthesis of all the peoples of
the Universe. In this synthesis, nothing must be missing; then all the scattered
aspects of Existence, which are the divers peoples and individuals, small worlds
of universal impressions, will rule together in the Infinite which will mingle
them with each other, without the sacrifice of any of them. In this way, each
individual and each people should develop itself as much as possible, and yet
their purpose should not be individual or nationalistic, since it must rather act
(?) that nothing may be lost before the establishment of the synthesis-Infinity,
to which nothing is lacking. If a people were to be sacrificed, that would mean
that a multitudinary aspect of Existence would be lost for ever; and for this
reason I seek nationalism with a purely ultra-nationalist purpose: synthesis
is a total to which nothing is lacking. Now it is not only in space that we
must take into consideration the different peoples and civilisations, the several
scattered aspects of infinite Existence; we must consider them also through all
times, throughout all lost history. Many things have disappeared, and they must
emerge again, rejuvenated and infinitized: in each element of the Infinite all the
other elements are included, and this because the Infinite is continuous, is pure
Unity all through the fact of being Multiplicity.
If modern civilisation has a spirit of Inexpression, of essential Void (Vacuum),
which is the basis (essence) of your “music-hall sensibility”, the Middle Ages,
for instance, know how to live splendidly the spirit of Supernatural which must
be made to reappear. Yet in the Middle Ages this spirit is imperfect, because it is
not excessive, as it will be when it is combined with the spirit of Void (Vacuum)
which is the essence of our civilisation. Infinity-Void, God-Void, this is what
must be sought. Through this supernatural, astral Void the forms, the phantoms
of Existence, altogether real and altogether false and in an altogether labyrinthic
manner glide essentially in Vertigo in each other; each supposes all the others,
and creates them in itself, and qua itself, by the excess of its nature, as I short1y
make evident, and then each exists but labyrinthically by the others and for
the others, that is to say, they all exist only relatively some to the others. The
Relative is not the simple Nothingness, and yet it has the spirit of Nothingness
all the while it expresses (throughout the fact of its expressing) a creative act,
an altogether animic act (an act of pure existence), that which manifests itself
2/4
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1437
(shows itself) in things in their conceiving, in their creating other things, which
therefore exist only by them and for them, in fine, only relatively to them. In
this way, Life, which is a relativist phantomogeny where there is but Indecision
(?), where there is but Vertigo, impregnates itself with Void as well as with
Absolute, which is pure Existence, pure creative animism, as I shall shortly
make quite evident.
This Astral Void, this altogether animic Void-Infinity, this Void-Phantom in
Vertigo (in labyrinthizing-Vertigo) is as awful as it is sublime, being the pure
Essence of Life. It expresses the absolute creative power (it is the absolutely)
infinitely creative act expressed in pure relativity), it is the pure, the divine
Animic-Creating, so pure that there is no question of an animism creator of
a being, but of an animism in itself, purely in abstract: it is because there is
no longer being in this animism that we have a pure void in this pure act of
animic existence; and it is this that sublimates awfully (?) the essence of Life,
that essence, as sublime as it is awful, of infinite Void-Phantom in Vertigo.
If we have here a creative power, we have here doubtless [ly] the spirit of
God, the Holy Spirit (Ghost) of Death which is the essence of the whole World!
And I refer to Death because we naturally conceive Death as an altogether
abstract life, full of spiritual darkness, and of an altogether animized infinite
void: animism and void are indeed the things proper to Death.
It is therefore a new Religion and a new Church which I wish to (?) announce
(?), and both one and the other have a distinctly futuristic character. The rule
of the Void in a pure spirit of Relative-Creating, the Indecision-Vertigo of
all, the pure gliding (?) of forms-phantoms which are lost each in another in
an altogether labyrinthic manner, in a manner distinctly vertigic, all this is
markedly futuristic. And it is a glory for Futurism that Religion itself can profit
by its doctrines.
The Paracletian Church, whose foundation God commands me to announce,
is an essentially Futuristic Church! Let us then raise the bloody flag of Revolt
against the rotten carcase of the Vatican!
Like you, I condemn simple rationalism; yet my opinion is that we must
go beyond it. Now to go beyond it, and thus to attain the Infinite, we must
traverse it first. The simple intuition, or rather the simple immediate impression
of things, is not enough. We must know, understand, feel altogether purely
the intimate (inner) reason of things, et how they are engendered (produced).
It is true that Futurism seeks in relativity, that is, in what it calls physical
transcendentalism, the creative reason of impressions, but it seeks only their
3/4
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physical, outer, superficial and empirical reason, and not their metaphysical,
intimate, deep abysmic one! It is only the senses that seek that one, while the
metaphysical reason of things is found (out) by pure thought in an altogether
emotional purity. I can foresee your objection: “But it is thought itself which we
absolutely condemn”. I am not of that opinion; I wish only that thought may
transcend itself and attain the supreme state of Vertigo! You are on this side of
thought (on the near side of thought); I prefer its pure other side. (. . .)
1917?
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 164.
4/4
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1444
Fernando Pessoa
O futurismo vem a ser uma fotografia abstracta das coisas.
O futurismo vem a ser uma fotografia abstracta das coisas. Ora toda arte,
seja como for, é antifotográfica e concreta. . .
s. d.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 175.
Fernando Pessoa
[Carta a Mário Beirão — 6 Dez. 1912]
Recebi, há dias, a sua “plaquette” “Cintra”, que muito lhe agradeço. Além
de ter demorado um pouco o responder-lhe por não sei que razão propriamente
definível, demorou-me um pouco mais, ao pensar em escrever-lhe enfim, o
não saber bem o que lhe hei-de dizer, que V. já não saiba, da alta opinião
que tenho do seu génio. A “Cintra”, porém, se não me revela esse génio
sob forma nova — porque eu já conhecia, de lho ouvir e de o ler, o soneto
“Ausente” escrito em estilo idêntico — confirma essa revelação e mostra-me
quão artisticamente certeira tem sido, e continua sendo, a sua ascensão. Desde
que lhe conheço estilo definidamente próprio, lhe noto a perfeição artística como
flagrante característico. A sua evolução não tem sido para maior perfeição na
forma, senão porque tem sido para maior perfeição da ideia. A sua prodigiosa
interioridade tem ido complicando-se, e a forma tem seguido, naturalmente,
essa complexização.
V. hoje é tão perfeito e muito mais perfeito do que era quando escreveu
“As Queimadas”. Este paradoxo diz a verdade. O que era subtil tornou-se
hiper-subtil, e a perfeição da expressão acompanhou perfeitamente essa subida
da sua alma.
Isto podia acontecer sem V. ter originalidade. O que de mais curioso há em
si é que V. a tem, e eloquentemente. Estou-lhe dizendo coisas que V. já sabe que
eu penso; mas V. notará que, de novo, nada tenho para lhe dizer.
Permita-me que lhe faça, a par disto, a minha acompanhante observação de
sempre. Não se disperse, “nem mesmo dentro em si próprio”. Cuide em não
perder a noção do conjunto. A sua forma escusa de subir mais. A complexidade
da sua ideação tão original, tão interior, tão de fogo e sombras, escusa de se
complicar mais ainda. O que é preciso obter é aquela qualidade que os gregos
tiveram maximamente — a noção da poesia como “um todo composto de
partes”, e não aquela em que V. tende a cair — pelo género da sua intensa
inspiração — a da poesia como partes compondo um todo.
1/2
Sei bem, acima disso, que o género da sua inspiração, o seu modo de sentir,
o faz compor mais por sobreposição, do que por cristalização, de sensações. A
sua arte, porém, é, no detalhe, tão equilibrada que não parece que seja esperar
impossíveis o esperar que atinja o equilíbrio no “todo”, no “conjunto”. De resto,
na sua idade, aquele poeta inglês de quem Lhe tenho falado como seu parente
espiritual, John Keats, tinha — além de menos perfeição no detalhe, quanto
à forma e quanto à ideia — ainda menos cuidado no conjunto do que V. tem.
E ele mais tarde — e pouco mais tarde foi, porque morreu aos vinte e cinco
anos — atingiu, em cinco ou seis poesias, o equilíbrio perfeito não só de ideia e
forma, mas também de detalhe e conjunto. Se ele dava muito menos esperanças
do que V. de o fazer; se na mesma idade que V. era espiritualmente inferior —
por que razão não atingirá V. a perfeição que ele veio a atingir, superiorizada
pela sua maior complexidade e intensidade de alma ?
Digo-lhe estas coisas como crítico, e digo-lhas porque sei que V. me conhece
suficientemente para nem sequer me supor quase capaz de lhas dizer com
oculta intenção irónica ou malévola. Eu, que não sou nem malévolo nem irónico
para quem me fere ou irrita, não havia de ir sê-lo para V., a quem tanto estimo
e admiro.
E, mais, digo-lhe estas coisas críticas porque tenho a certeza que V. subirá
no género de perfeição onde V. ainda se mostra jovem. Se eu julgasse que
essa perfeição lhe seria inatingível, ficaria no elogio, dedicadamente, e não
Lhe faria estes reparos onde, garanto-lhe, o amigo está tanto como o crítico, e
tão empenhado o português em que V. realize através de si, em plena altura
espiritual, o que puder dar à nossa Raça, como o artista em que V., de ascensão
em ascensão, suba até onde estão os deuses, e receba deles a coroa que não
murcha, porque as suas folhas são daquela matéria de que as coisas eternas são
divinamente feitas.
Escreva-me quando puder; cumprimente em meu nome o Vila-Moura, a
quem (diga) breve escreverei; e creia que ninguém mais sinceramente e confia-
damente o felicita e o abraça do que o seu muito amigo e fervoroso admirador.
FERNANDO PESSOA
6-12-1912
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966: 361.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/4004
Fernando Pessoa
Notas ao livro de Max Nordau
1/2
Fernando Pessoa et le Drame Symboliste: Héritage et création. Maria Teresa Rita Lopes. Paris:
F. C. Gulbenkian, 1977: 495.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/672
Álvaro de Campos
APONTAMENTOS PARA UMA ESTÉTICA
NÃO-ARISTOTÉLICA
1/8
Creio poder formular uma estética baseada, não na ideia de beleza, mas na
de força — tomando, é claro, a palavra força no seu sentido abstracto e científico;
porque se fosse no vulgar, tratar-se-ia, de certa maneira, apenas de uma forma
disfarçada de beleza. Esta nova estética, ao mesmo tempo que admite como
boas grande número de obras clássicas — admitindo-as porém por uma razão
diferente da dos aristotélicos, que foi naturalmente também a dos seus autores
— estabelece uma possibilidade de construírem novas espécies de obras de arte
que quem sustente a teoria aristotélica não poderia prever ou aceitar.
A arte, para mim, é, como toda a actividade, um indício de força, ou energia;
mas, como a arte é produzida por entes vivos, sendo pois um produto da vida,
as formas da força que se manifestam na arte são as formas da força que se
manifestam na vida. Ora a força vital é dupla, de integração e de desintegração
— anabolismo e catabolismo, como dizem os fisiologistas. Sem a coexistência e
equilíbrio destas duas forças não há vida, pois a pura integração é a ausência
da vida e a pura desintegração é a morte. Como estas forças essencialmente
se opõem e se equilibram para haver, e enquanto há, vida, a vida é uma acção
acompanhada automática e intrinsecamente da reacção correspondente. E é no
automatismo da reacção que reside o fenómeno específico da vida.
O valor de uma vida, isto é, a vitalidade de um organismo, reside pois na
intensidade da sua força de reacção. Como, porém, esta reacção é automática,
e equilibra a acção que a provoca, igual, isto é, igualmente grande, tem que
ser a força de acção, isto é, de desintegração. Para haver intensidade ou valor
vital (no conceito de vida não pode caber outro conceito de valor que não o de
intensidade, isto é, de grau de vida), ou vitalidade, é forçoso que essas duas
forças sejam ambas intensas, mas iguais, pois, se o não forem, não só não há
equilíbrio mas também uma das forças é pequena, pelo menos em relação à
outra. Assim o equilíbrio vital é, não um facto directo — como querem para
a arte (não esqueçamos o fim destes apontamentos) os aristotélicos — mas o
resultado abstracto do encontro de dois factos.
Ora a arte, como é feita por se sentir e para se sentir — sem o que seria
ciência ou propaganda — baseia-se na sensibilidade. A sensibilidade é pois a
vida da arte. Dentro da sensibilidade, portanto, é que tem que haver a acção e a
reacção que fazem a arte viver, a desintegração e integração que, equilibrando-se
lhe dão vida. Se a força de integração viesse, na arte, de fora da sensibilidade,
viria de fora da vida; não se trataria de uma reacção automática ou natural, mas
de uma reacção mecânica ou artificial.
Como aplicaremos à arte o princípio vital de integração e desintegração?
2/8
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3/8
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/672
II
4/8
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/672
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Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/672
ÁLVARO DE CAMPOS
1924
Textos de Crítica e de Intervenção . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980: 251.
8/8
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/691
Álvaro de Campos
OUTRA NOTA AO ACASO
Toda a arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer
coisa. Há duas formas de dizer — falar e estar calado. As artes que não são a
literatura são as projecções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda
a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o
romance, ou o drama. Quando se diz «poema sinfónico» fala-se exactamente, e
não de um modo translato e fácil. O caso parece menos simples para as artes
visuais, mas, se nos prepararmos com a consideração de que linhas, planos,
volumes, cores, justaposições e contraposições são fenómenos verbais dados
sem palavras ou antes por hieroglifos espirituais, compreenderemos como
compreender as artes visuais, e, ainda que as não cheguemos a compreender
ainda, teremos, ao menos, já em nosso poder o livro que contém a cifra e a alma
que pode conter a decifração. Tanto basta até chegar o resto.
1936
Textos de Crítica e de Intervenção . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980: 279.
Fernando Pessoa
A virtude principal da literatura — o não ser música. . .
1/3
figuramos, com razoável exactidão, a alma e a vida de obras que nunca lemos,
por vagas reminiscências de referencias, por obscuras e casuais alusões, ou de
obras, ainda, em idiomas estranhos, e de que não há, ou pelo menos nunca
lemos, tradução em idioma que no-lo não seja. Aqui o tradutor invisível opera
invisivelmente. Já não intuicionamos: adivinhamos. E como se houvesse em
nós uma parte superior da alma que soubesse por condição todos os idiomas e
tivesse lido por natureza todas as obras.
Afinal, que é uma obra literária senão a projecção em linguagem de um
estado de espírito, ou de uma alma humana? E essa obra é o símbolo vivo da
alma que a escreveu (compôs), ou do momento dessa alma — uma pequena
alma ocasional — que a projectou. Porque não haverá de alma para alma uma
comunicação oculta, um entendimento sem palavras, pelo qual adivinhemos a
sombra visível pelo conhecimento do corpo invisível que a projecta, e entende-
mos o símbolo, não por o conhecermos visto, mas por sabermos aquilo de que
é símbolo?
Quem sabe, até, se em qualquer estado antenatal, não vimos frente a frente a
obra em seu espírito, que não no corpo verbal que aqui tem; que, ouvindo aqui
só falar nela, desde logo sabemos de que se trata, na sua verdadeira essência e
vida; e que, pois, lendo mal, ou nem sequer lendo, não é em nós suscitado, não
um entendimento, ainda que intuitivo, mas uma funda e subtil recordação?
Quem sabe, ainda, se, nesse estado antenatal, livres ainda do espaço e do
tempo, não vimos já tudo, aqui hoje passado ou aqui hoje futuro, sub specie
aeternitatis; e assim, se pudermos dispertar em nós essa anamnesis, não estamos
hoje, nós mesmos nossos tradutores invisíveis, senhores inconscientes das obras
ainda por nascer no decurso futuro do mundo?
Não sorrio por isso — ou, melhor, não sorrio sempre, nem prontamente
— dos que me falam de Shakespeare sem que saibam o inglês — e escolho
Shakespeare para exemplo porque ele é dos poetas mais fielmente casados com
a índole e as possibilidades do idioma em que compôs, e, como bom marido,
com as maneiras e formas de enganar esse idioma. Não sorrio. Quem sabe se,
em qualquer incamação anterior, o que me fala não conheceu Shakespeare como
aqui foi, não falou com ele como aqui falou, e não está sendo, sem que ele ou
eu o saiba, o tradutor invisível de um grande amigo ignorado?
s. d.
2/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2407
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 87.
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2409
António Mora
Quantos géneros de ficções há?
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 88.
António Mora
Uma ficção é um erro relativo. Um erro é uma ficção absoluta.
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 89.
Alberto Caeiro
Como ele me disse uma vez: «Só a prosa é que se emenda.
Como ele me disse uma vez «Só a prosa é que se emenda. O verso nunca se
emenda. A prosa é artificial. O verso é que é natural».
Nós não falamos em prosa. Falamos em verso. Falamos em verso sem rima
nem ritmo.
Fazemos pausas na conversa que na leitura da prosa se não podem fazer.
Falamos, sim, em verso, em verso natural — isto é, em verso sem rima nem
ritmo, com as pausas do nosso fôlego e sentimento.
Os meus versos são naturais porque são feitos assim.
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 402.
Ricardo Reis
O desprezo de Campos pela exactidão de frases,
1928
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 406.
Ricardo Reis
A arte consiste na organização ideal da matéria.
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 407.
Ricardo Reis
. . . a própria sensualidade com sua animalidade directa. . .
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 408.
Ricardo Reis
A música é apenas a forma subtilizada das artes de
comunicação social.
Para Pessoa a filosofia é uma arte, para Campos é não uma arte, mas uma
ciência virtual. Para mim nada é, ou, quando muito, é um simulacro de ciência,
feita sem dados: a tentativa de construir uma ciência original sem dados alguns.
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 409.
Ricardo Reis
Quando há alguma coisa de belo a dizer em vida, esculpe-se;
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 410.
Ricardo Reis
A arte existe, não, como Campos quer, para substituir a vida,
senão para a completar.
A arte existe, não, como quer Campos, para substituir a vida, senão para a
completar. Tudo na vida, excepto o desejo do homem, é irracional e imperfeito;
na arte o homem projecta o seu desejo e a vontade de perfeição que há nele. Por
isso a obra de arte deve, conservando a forma da vida, substituir-lhe a matéria:
a escultura é na limpeza da pedra, que não na porcaria do corpo; a poesia é
na música do ritmo lida que não na falta de música da palavra simplesmente
falada.
Na arte deve ser eliminado todo elemento que recorde a matéria da vida;
conservado tudo que recorde a sua forma. Assim, não aceito como arte o verso
nauseabundo de Cesário Verde, a propósito dos cegos:
Repudio a tese frequente, de que a arte tenha que ir buscar a sua simplicidade
à simplicidade infantil. Na criança há simplicidade; na arte há simplificação,
que é o contrário. A frase infantil tem analogia com a frase de graça, ou espírito:
representa sem hesitação uma ideia que nasce sem reflectir, fruto, por vezes, de
uma confusão do pensamento.
A arte baseia-se na vida, porém, não como matéria mas como forma. Sendo
a arte um produto directo do pensamento, é do pensamento que se serve como
matéria; a fprma vai buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado
vida: um desejo realizado em si mesmo. Como realizado tem que usar a forma
da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si mesmo tem
que tirar de si a matéria com que realiza.
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 411.
Álvaro de Campos
Não posso aceitar a atitude crítica de Ricardo Reis para com a
obra de Caeiro.
Não posso aceitar a atitude crítica de Ricardo Reis para com a obra de Caeiro.
Ricardo Reis elogia a obra de Caeiro, não por ser uma obra de arte, mas por
ser uma obra de verdade. Não aceito, repito. Tenho a obra de Caeiro por bela
independentemente da verdade que contenha ou até não contenha. E é por isso
mesmo que chamo à obra de Caeiro uma obra de arte.
É obra de arte tudo aquilo que produz uma emoção de prazer independen-
temente de satisfação, utilidade ou verdade. Repudio o chamado nu artístico,
porque dá, ou desde que dê, uma sensação sexual, isto é, uma sensação, embora
fruste, de satisfação; pois toda a emoção sexual é um prazer de satisfação, e
não simplesmente um prazer. A chamada arte industrial só é arte se nela se não
atendeu à utilidade do objecto em que se aplicou. Desde que um cartaz visa a
produzir um efeito puramente publicitário, pode ser um bom cartaz, mas pode
ser também uma má obra de arte. E — chegamos ao ponto — desde que numa
frase interesse a verdade que ela contém, ou que ela interesse pela verdade que
possa conter, essa frase pode pertencer à filosofia; deixa de pertencer à arte.
Quando Caeiro diz, «A Natureza é partes sem um todo» o que nos dá a
emoção de prazer é a frase e não a sua verdade possível, ou o aceitarmo-la por
verdadeira. Mas é a frase por ser assim como é, na sua vividez paradoxal. Se
Caeiro houvesse dito a mesma coisa de outra maneira, da maneira filosófica
— por exemplo, «A Natureza é essencialmente plural, e é impossível reduzi-la
a unidade», nada haveria de belo no dizer; a própria ideia perde a realidade,
descarna-se, é esqueleto e filosofia.
É por isto que discordei sempre da tese posta por Fernando Pessoa, de que
a filosofia é uma das artes. Achei sempre que a filosofia era uma ciência virtual,
ou uma tentativa de ciência, ou uma ciência fruste. Há nos filósofos frases
casuais que têm poesia, e grande poesia. Mas são as frases só. Quando Platão
diz «Deus geometriza», isto é belo independentemente de Deus geometrizar,
ou até existir. É belo porque exprime em cor e corpo uma ideia grande.
A poesia é toda aquela forma da arte literária em que se recebe uma emoção
estética por motivos independentes do sentido da frase.
1/2
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 412.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/578
A. de Campos e R. Reis
POLÉMICA ENTRE RICARDO REIS E ÁLVARO DE
CAMPOS. . .
s. d.
Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa,
1990: 413.
Fernando Pessoa
Há duas expressões humanas de um estado mental — a palavra
e a voz.
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 236.
Fernando Pessoa
Conhece-se a poesia lírica pelo facto de ser quase desprezível
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 237.
Fernando Pessoa
Poetas: — de profundeza (pensamento). . .
Poetas:
— de profundeza (pensamento) (a)
— de construção (b)
— de intensidade (c)
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 238.
Fernando Pessoa
Poetas-pensadores são de 3 espécies:
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 239.
Fernando Pessoa
Um poema é uma obra literária em que o sentido se determina
através do ritmo.
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 242.
Fernando Pessoa
O movimento de qualquer composição literária é o da onda.
1/3
2/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3915
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 243.
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3938
Fernando Pessoa
O essencial em arte é a forma como a ideia ou o sentimento é
sentida;
1/2
como um mau artista mas terá do mesmo modo o seu lugar na história da
filosofia. Ninguém fala de Xenófanes ou de (. . .) como poetas; são filósofos que
escreveram em verso, e ainda assim em verso que não é positivamente mau,
mas que não chega a ser artístico (criticamente falando).
O caso é porém, que o que em arte é essencial é o valor estético da forma da
ideia; dado que a forma seja bela a poesia que a exprime será tão boa quanto a
ideia é levantada e grande. Eis tudo. Um poeta não é apenas um artista; não
trabalha sobre forma apenas, como o escultor, nem sobre forma e cor apenas,
como o pintor, nem sobre sons apenas, como o músico. É sobre todas que
trabalha. E sobre ideias também.
De maneira que, de dois poetas igualmente grandes na forma de idear, será
maior aquele cuja ideação maior for. Fora da igualdade em ideia ou forma de
ideia, não há critério seguro para determinar qual a grandeza relativa de dois ou
mais poetas. Assim quem quisesse determinar sobre quais eram superiores, dos
sonetos de Shakespeare e dos de Antero de Quental, achar-se-ia em dificuldades.
A expressão íntima da ideia, a forma da ideação é tão superior em Shakespeare
quanto é em Antero a ideia em si; na expressão exterior não se avantaja qualquer
d’eles sobre o outro (adaptação maravilhosa das imagens e do ritmo à essência
sendo igual em ambos). Assim, não descendo a minúcias psicológicas, para o
crítico podem considerar-se iguais como sonetistas os dois poetas em questão.
Antero não podia escrever: (cite characteristic Shakespearianism), conquanto
no seu género chegasse a (. . .). Mas S[hakespeare], se, dado que o quisesse fazer,
pretendesse dar a agonia (. . .) do soneto NOX de Antero, não era capaz, a não
ser que mudasse de psiquismo, de se elevar talvez nem sequer à compreensão
de ideias como as que são poeticamente contidas em sonetos como (cite).
s. d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993: 246.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1632
Álvaro de Campos
Não sei se houve alguma vez espírito especulativo ou
curioso. . .
DOIS RITMOS
Não sei se houve alguma vez espírito especulativo ou curioso que tentasse
distinguir as civilizações antigas das modernas — entendendo por antigas a
grega e a romana apenas — pela diferença dos sistemas rítmicos empregados
no verso.
O facto de que os gregos e os romanos usavam do sistema quantitativo para
a medida de seus versos, quando os povos modernos se servem do sistema
acentual e da rima tem por certo um sentido de distinção.
Por fácil que se tornasse pelo hábito de assim escrever, certo é que o ritmo
quantitativo é muito mais difícil de usar que o ritmo acentual.
Para fazer versos em grego ou em latim é preciso muito mais esforço que
para fazê-los em qualquer língua moderna.
1930
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 270.
Álvaro de Campos
RITMO PARAGRÁFICO
RITMO PARAGRÁFICO
O rio, que poderia correr grandemente no seu leito, extravasa para os campos;
o que devia ser um curso torna-se uma cheia. parece que a imagem está às
avessas, e que os metros, as rimas, as estrofes é que verdadeiramente se devem
comparar às margens. Mas não é assim. As margens são as da nossa emoção
natural. A rima ou o metro são uma espécie de erguer-se do leito do rio que faz
1/3
transbordar este por uma forma desconhecida na natureza. Nem sequer é uma
cheia natural.
É-se grande poeta assim? Pode ser-se. Mas é-se grande poeta apesar disto e
não por causa disto. É-se grande poeta porque se é grande poeta, e não porque
«courage» rima com «rage» ou «son» com «saucisson».
Se, ao desenvolver um poema que tem metro ou rima, a minha odeia pedir
a palavra «amor», mas o metro ou a rima exigirem as sílabas ou o som que
pode ser preenchido só pela palavra «afecto», adentro da possível ou plausível
sinonímia, não é senão humano que eu empregue a palavra «afecto», dando o
caso por fechado nesse particular. Mas o seguimento do poema será atacado
pela circunstância de que a palavra «afecto» contém implícitas que não contém
a palavra «amor», e, insensivelmente, quase sem dar por isso, ou até sem dar
por isso, o seguimento do poema sofrerá um desvio, porque a minha própria
ideia sofreu.
Sei bem que a própria palavra é uma instituição dos outros, mas a substância
da vida é a assimilação, isto é, a conversão do que é outro em nosso. E quanto
mais nosso tornarmos o que é dos outros, mais vivemos. Para tornarmos mais
nosso o que é dos outros, é preciso que ele, inicialmente, seja o menos possível
dos outros já, para que mais facilmente seja nosso. A força da alma humana não
é tal, que trabalhe seguramente através de grandes dificuldades. Napoleão disse
que não conhecia a palavra impossível, mas deve tê-la encontrado em Moscovo
e Waterloo, se a não tinha visto antes. Depois, deve ter ficado a conhecer a
palavra, em toda a sua expressão maligna.
2/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1635
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 271.
1ª versão in Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa:
Estampa, 1990.
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/1638
Álvaro de Campos
O ritmo paragráfico tem sido mal recebido,
Isso, porém, nada tinha com o ritmo. Mallarmé, que escrevia em versos
rigorosamente «clássicos», tinha a mesma nebulosidade de sentido, compelindo
o leitor a decifrar charadas sem conceito ao mesmo tempo que procurava
senti-las.
1/2
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 272.
1ª versão in Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa:
Estampa, 1990.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3833
Álvaro de Campos
O ritmo paragráfico é tão fácil, ou tão difícil, como o ritmo
vulgar.
O ritmo paragráfico é tão fácil, ou tão difícil, como o ritmo vulgar. É falsa
a alegação de que qualquer pode escrever bem o ritmo irregular. Mais fácil é
escrever bem em ritmo regular. O ritmo regular moderno habilita a não pensar,
a não sentir um outro ritmo. Está certo, está certo. Muitas vezes está errado. O
ritmo quantitativo era, ao menos, mais difícil.
O ritmo paragráfico exige uma atenção enorme às ideias, às emoções, à
expiração (. . .) pois tudo isso faz parte do ritmo, que não é só para o ouvido,
mas para a linguagem [?] do ouvido com o entendimento.
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 273.
Álvaro de Campos
São três os sentidos que colaboraram na formação das artes,
São três os sentidos que colaboraram na formação das artes, ou, pelo menos,
das artes superiores: a vista, de onde se formou a pintura, a escultura, a
arquitectura, o ouvido donde se formou a música; a (. . .)
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 274.
António Mora
— A rima é uma doença do ritmo.
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 276.
Ricardo Reis
Na prosa o ritmo existe; na poesia o ritmo é.
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 276.
Fernando Pessoa
A utilização da sensibilidade pela inteligência faz-se de três
maneiras:
Suponhamos que tenho uma aversão íntima pela cor verde, e que quero
transformar esta aversão, que é uma sensação, em expressão artística. Pelo
processo clássico, procederei da seguinte maneira: (1) Lembrar-me-ei que a
aversão pela cor verde é puramente individual, que, portanto, a não posso
transmitir a outrem, tal qual é; (2) deduzirei que, assim como tenho aversão
pela cor verde, outros terão aversão por outras cores; (3) traduzirei a minha
aversão pelo verde em aversão por «certa cor», e cada um que leia verá na
aversão assim traduzida a cor particular com que ele tem aversão. Pelo processo
romântico, buscarei pôr tal horror nas frases com que exprimo o meu horror pelo
verde que o leitor fique preso da explicação do horror, esquecendo precisamente
em que se fundamenta. Vê-se, pois, que o processo romântico consiste num
tratamento intensivo dos elementos expressivos, em desproveito dos elementos
fundamentais, da sensação. Pelo terceiro processo, porei nitidamente a minha
aversão pelo verde, e acrescentarei, por exemplo, «é a cor das coisas nitidamente
vivas que hão-de tão depressa morrer». O leitor, embora não colabore comigo
na minha aversão pelo verde, compreenderá que se odeie o verde por aquela
razão.
1/3
....................................
.................................
Odeio o verde.
O verde é a cor das coisas jovens
— Campos, esperanças, —
E as coisas jovens hão-de todas morrer,
O verde é o prenúncio da velhice,
2/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3840
s. d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de
Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994: 289.
1ª publ. in Novos Temas (Ensaios de literatura e estética). João Gaspar Simões. Lisboa: Inqué-
rito, 1938.
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2894
Álvaro de Campos
O nosso Ricardo Reis teve uma inspiração feliz. . .
O nosso Ricardo Reis teve uma inspiração feliz se é que ele usa inspiração,
pelo menos por fora das explicações, quando reduziu a seis linhas a sua arte
poética:
Não a arte poética, mas a sua. Que ele ponha na mente activa o esforço só
da «altura» (seja isso o que for), concedo, se bem que me pareça estreita uma
poesia limitada ao pouco espaço que é próprio dos píncaros. Mas a relação
entre a altura e os versos de um certo número de sílabas é-me mais velada. E, é
curioso, o poema, salvo a história da altura, que é pessoal, e por isso fica com o
Reis, que aliás a guarda para si, é cheio de verdade:
Que quando é alto e régio o pensamento,
Ressalvando que pensamento deve ser emoção, e, outra vez, a tal altura, é
certo que, concebida fortemente a emoção, a frase que a define espontaneiza-se,
e o ritmo que a traduz surge pela frase fora. Não concebo, porém, que as
emoções, nem mesmo as do Reis, sejam universalmente obrigadas a odes sáficas
ou alcaicas, e que o Reis, quer diga a um rapaz que lhe não fuja, quer diga que
tem pena de ter que morrer, o tenha forçosamente que fazer em frases súbditas
que por duas vezes são mais compridas e por duas vezes mais curtas, e em
ritmos escravos que não podem acompanhar as frases súbditas senão em dez
sílabas para as duas primeiras, e em seis sílabas as duas segundas, num graduar
de passo desconcertante para a emoção.
Não censuro o Reis mais que a outro qualquer poeta. Aprecio-o, realmente, e
para falar verdade, acima de muitos, de muitíssimos. A sua inspiração é estreita
e densa, o seu pensamento compactamente sóbrio, a sua emoção real se bem
que demasiadamente virada para o ponto cardeal chamado Ricardo Reis. Mas é
um grande poeta — aqui o admiro —, se é que há grandes poetas neste mundo
fora do silêncio de seus próprios corações.
1/2
s. d.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996: 389.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2902
Ricardo Reis
Deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer
coisa. . .
Deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde
se note que existiu Homero.
A novidade, em si mesma, nada significa, se não houver nela uma relação
com o que a precedeu. Nem, propriamente, há novidade sem que haja essa
relação. Saibamos distinguir o novo do estranho, o que, conhecendo o conhecido,
o transforma e varia, e o que aparece de fora, sem conhecimento de coisa
nenhuma. Entre os escritores que descendem com novidade da velha stirpe e
os que aparecem por novos por pertencer a uma estirpe incógnita há a mesma
diferença que há entre o homem que nos dá uma sensação de novidade por
frases novas que diz e o que nos dá uma sensação de novidade, por, falando
mal nossa língua, nos dizer estropiadamente qualquer frase dela.
s. d.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996: 390.
Ricardo Reis:
Diz Campos que a poesia é uma prosa em que o ritmo é artificial. Considera
a poesia como uma prosa que envolve música, donde o artifício. Eu, porém,
antes diria que a poesia é uma música que se faz com ideias, e por isso com
palavras. Considerai que será o fazerdes música com ideias, em vez de com
emoções.
Com emoções fareis só música. Com emoções que caminham para as ideias,
que se agregam ideias para se definir, fareis o canto. Com ideias só, contendo
tão somente [?] o que de emoção há necessariamente em todas as ideias, fareis
1/2
9-4-1930
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996: 391.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2917
Ricardo Reis
Um poema é a projecção de uma ideia em palavras através da
emoção.
1/3
2/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2917
mesmo género de pausa com que se pausa no fim de um verso, não faria obra
diferente, nem estabeleceria a confusão que estabeleceu.
A disciplina é natural ou artificial, espontânea ou reflectida. O que distingue
a arte clássica, propriamente dita, a dos gregos e até dos romanos, da arte
pseudoclássica, como a dos franceses em seus séculos de fixação, é que a
disciplina de uma está nas mesmas emoções, com uma harmonia natural da
alma, que naturalmente repele o excessivo, ainda ao senti-lo; e a disciplina da
outra está em uma deliberação da mente de não se deixar sentir para cima
de certo nível. A arte pseudoclássica é fria porque é uma regra; a clássica tem
emoção porque é uma harmonia.
Quase se conclui do que diz Campos que o poeta vulgar sente espontanea-
mente com a largueza que naturalmente projectaria em versos como os que ele
escreve; e depois, reflectindo, sujeita essa emoção a cortes e retoques e outras
mutilações ou alterações, em obediência a uma regra exterior. Nenhum homem
foi alguma vez poeta assim. A disciplina do ritmo é aprendida até ficar sendo
uma parte da alma: o verso que a emoção produz nasce já subordinado a essa
disciplina. Uma emoção naturalmente harmónica é uma emoção naturalmente
ordenada; uma emoção naturalmente ordenada é uma emoção naturalmente
traduzida num ritmo ordenado, pois a emoção dá o ritmo e a ordem que há
nela a ordem que no ritmo há.
Na palavra, a inteligência dá a frase, a emoção o ritmo. Quando o pensa-
mento do poeta é alto, isto é, formado de uma ideia que produz uma emoção,
esse pensamento, já de si harmónico pela junção equilibrada de ideia e emoção,
e pela nobreza de ambas, transmite esse equilíbrio de emoção e de sentimento
à frase e ao ritmo, e assim, como disse, a frase, súbdita do pensamento que a
define, busca-o, e o ritmo, escravo da emoção que esse pensamento agregou a
si, o serve.
s. d.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996: 394.
1ª publ.: Obra Poética. Fernando Pessoa. (Organização, introdução e notas de Maria Aliete
Galhoz.) Rio de Janeiro: Ed. José Aguilar, 1960.
3/3
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2934
Ricardo Reis
O nosso único esforço deve ser para que a nossa nação seja o
mais culta,
O nosso único esforço deve ser para que a nossa nação seja o mais culta, o
mais sã, o mais pronta possível em todos os géneros de acção. O critério que
nos mostra a superioridade de um país é a sua cultura, a sua moralidade e a
sua energia. Cultura média, moralidade média e energia média. A Inglaterra
do séc. XIX foi um dos países onde valeu realmente a pena viver-se.
Não foram desse período os seus maiores poetas? É certo. E isso prova
apenas que se não adaptara completamente ao espírito científico, característico
do seu tempo, como Shakespeare e Milton ao do seu.
O valor de uma civilização mede-se pela cultura, saúde e energia dos seus
membros. Uma nação só entregue à cultura pode produzir grandes poetas.
1/2
1916?
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996: 400.
2/2
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/587
Álvaro de Campos
«Cancioneiro» é, como a mesma palavra o diz, uma
colectânea. . .
s. d.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados
por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996: 427.